Curso – EBD-IPSV/2019
SUMÁRIO
PARTE I
1. “TEOLOGIA BÍBLICA” .................................................................................................... 4
1. Conceito; 2. Análise do conceito; 2.1. Estudo; 2.2. Revelação; 2.3. História
PARTE II
3. ADÃO E EVA ...................................................................................................................... X
1. Revelação pré-redentora e pacto das obras; 2. A Queda; 3. Revelação redentora e pacto da graça
4. NOÉ ...................................................................................................................................... X
1. Revelação nas genealogias de Caim e de Sete; 2. A continuação da aliança em Noé; 3. Revelação na
descendência de Noé
5. ABRAÃO .............................................................................................................................. X
6. MOISÉS I ............................................................................................................................. X
7. MOISÉS II ........................................................................................................................... X
8. OS JUÍZES ........................................................................................................................... X
9. DAVI E SALOMÃO............................................................................................................ X
“TEOLOGIA BÍBLICA”
1. Conceito
A teologia é definida, pela sua etimologia, como a ciência concernente a Deus (VOS:
2010, 13). Costuma-se dividir essa ciência em quatro disciplinas teóricas: exegética, histórica,
sistemática e prática.
Todas essas disciplinas têm o mesmo objetivo principal: levar-nos, a nós que as
estudamos, a amar a Deus com todo o nosso entendimento (Mc 12, 30); a nos transformar pela
renovação da nossa mente (Rm 12, 2); a submeter todo o nosso pensamento à obediência de
Em suma, o objetivo principal das quatro disciplinas mencionadas é louvar a Deus com
o que nós, seres humanos, temos de mais próprio: a razão. Mas há também objetivos específicos,
que torna sua divisão conveniente. Para entender o conceito de “teologia bíblica”, convém
cristã e vida cristã. Textos clássicos dessa disciplina: Imitação de Cristo (Tomás de Kempis);
pneumologia, entre outros. Três textos clássicos dessa disciplina: Suma Teológica (Tomás de
Aquino); Instituições da Religião Cristã (João Calvino); A Carta aos Romanos (Karl Barth).
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O objetivo específico da teologia histórica é compreender a origem e o desenvolvimento
histórico das ideias teológicas. Ela pode incluir a história da religião, a história da Igreja, a
(2) a filologia bíblica, que estuda as línguas em que a Bíblia foi escrita (aramaico,
(3) a introdução bíblica, que investiga a origem dos escritos, identidade dos escritores,
(4) a canônica, que estuda como e por que esses vários escritos foram reunidos em um
cânone;
(5) a “teologia bíblica”, que estuda a Escritura como o registro da revelação de Deus
na história.
“Ramo da teologia exegética que liga com o processo de autorrevelação de Deus registrada na
Prática
Teologia Sistemática
Histórica
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Exegética “Teologia Bíblica”
2. Análise do conceito
revelação especial (VOS, 2010:27). Essa expressão é preferível a “teologia bíblica”, que é
2.1. Estudo
meditação etc.) faz parte do nosso culto diário a Deus. Como cristãos, somos instados a estudar
sem cessar (v. Mc 12, 30; Rm 12, 2; 2 Co 10, 5; 2 Pe 1, 5, todos já citados): estudar a Escritura,
porque ela é inspirada por Deus (2 Tm 3, 16); estudar a natureza, porque ela proclama a voz de
Deus (Sl 19); estudar o homem, porque ele foi criado à imagem e semelhança de Deus e porque
ele traz a norma da lei (Rm 1, 14-15) e a eternidade (Ec 3, 11) no coração.
Por isso, o estudo (atividade racional-discursiva, isto é, conduzida pela mente, pela
razão, pelo pensamento) – o estudo de Deus, da natureza e do homem – nos aproxima de Deus,
amor. Estudo e amor estão entrelaçados, como mostra a origem latina da palavra “estudo”:
studium significa a atitude de quem se dedica com afeição a alguma coisa; dito de outro modo,
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daquele que busca “de todo o coração” (Sl 119, 10; Jr 29, 13). Orígenes (Contra Celso, pref.,
Cristo’ e do ‘amor de Deus em Cristo Jesus’ [...] não incluiu o λόγος [discurso, razão,
conhecimento:
pode significar ‘amar’, ‘separar em amor’, no idioma bíblico (VOS: 2010, 19-20).
O estudo nos aproxima do centro da vontade de Deus. O que nos afasta de Deus – aqui
como sempre – é a vaidade do nosso coração enganoso e desesperadamente corrupto (Ec 12,
12; Jr 17, 9) que nos leva a ter “mania por questões e contendas de palavras” (1 Tm 6, 4) – mas
2.2. Revelação
Foi dito que a teologia é uma ciência. A ciência pode ser dividida em dois tipos,
ciência do espírito.
Conhecemos um objeto fazendo experimentos com ele. Tomo uma pedra na mão: sinto
sua textura, vejo a sua cor, meço seu peso e com base nisso formo um conhecimento sobre a
pedra. Outra coisa acontece nas ciências do espírito. Para conhecermos verdadeiramente um
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sujeito, ele precisa se revelar para nós. Só posso conhecer o que alguém pensa, por exemplo, se
Pela definição acima, a teologia é uma ciência do espírito. Porque ela se dirige a um
sujeito: Deus. Por consequência, só podemos conhecer a Deus na medida em que Deus se
revelar para nós. Paulo confirma essa conclusão, quando escreveu (1 Co 2, 9-12):
[...] Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração
humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou
pelo Espírito. [...] Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito
que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente.
Assim, temos que a teologia se baseia em revelação. A revelação pode ser distinguida
“A revelação geral”, ensina Vos, “vem a todos em razão de que ela procede da natureza.
A revelação especial vem a um círculo limitado, em razão de que ela surge do âmbito da
abrange toda a criação. Deus se revela através da criação, a criação aponta para Deus. O
Salmista escreveu: “Por toda a terra se faz ouvir a sua voz” (Sl 19, 4). Toda a criação ecoa a
voz de Deus. Nesse sentido, não deveríamos nos espantar com o fato de um animal, a serpente,
ter falado no Éden. Deveríamos, sim, nos preocupar por não conseguirmos mais “ouvir” os
animais, as árvores, o mar, os astros: porque eles ecoam a voz de Deus. A propósito, Fílon
remetia essa “surdez” ao estado de pecado: “Nossas almas estão repletas de pecados e são
A criação nos revela que existe um Deus; mas não nos revela quem é esse Deus, como
devemos adorá-Lo, o que Ele pensa. Para sabermos isso, foi necessária uma comunicação
sobrenatural de Deus para o homem. Deus falou, revelando-se pessoalmente, revelando suas
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intenções e propósitos. “Yahweh Deus iniciava a revelação falando ou comunicando sua
palavra a pessoas que ele tinha escolhido para falar com ele” (VAN GRONINGEN, 2006:16).
Convém observar que as duas formas de revelação são cumulativas, e não concorrentes.
Paulo sabia disso (At 17, 28). Calvino, quando distinguia a filosofia (revelação geral) e as
Escrituras (revelação especial), não fez nenhuma distinção quanto ao conteúdo, mas sim quanto
à organização e à exposição desse conteúdo. As Escrituras, diz Calvino, têm uma “ordem
própria”, uma “esplêndida precisão e uma certeza que supera todos os filósofos” e um “método
2.3. História
“A revelação não foi completada num único ato exaustivo, mas se desdobrou ao longo
de uma série de atos sucessivos” (VOS: 2010, 16). A revelação de Deus está incorporada na
semente da mulher que esmagará a cabeça da serpente (Gn 3, 15); a descendência de Abraão
na qual serão benditas todas as nações da terra (Gn 18, 18); as leis rituais acerca do sacrifício
expiatório (em Êxodo, Levítico e Deuteronômio); o descendente de Davi que reinará para
sempre (2Sm 7, 12-13); a profecia de Isaías acerca do homem de dores (Is 53); Jesus, o Cristo.
(VOS: 2010, 19) da revelação de Deus na Bíblia. Em termos gerais, Deus se revelou no curso
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temas. Parece impossível não concordar com Vos quando ele afirma que a verdade bíblica
Mas não existe apenas variedade. Existe uma unidade por trás, que é a história do plano
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“ANTIGO TESTAMENTO”
1. A palavra “testamento”
porém, não são rigorosamente bíblicas: os autores bíblicos não a utilizaram. Na verdade, sua
origem é posterior. Elas apareceram pela primeira vez em um livro de Tertuliano, intitulado
Naquele tempo, alguns grupos cristãos (os marcionitas) e gnósticos rejeitavam os textos
sagrados hebraicos. Para combater essa visão Tertuliano escreveu seu livro, defendendo que o
cânone judaico e o cânone cristão formam parte de uma única palavra divina “dividida nos dois
testamentos da Lei e do Evangelho [duobus testamentis legis et evangelii]” (Tert. Contr. Marc.
III, 14).
O próprio Tertuliano sente necessário, por duas vezes, mostrar como o leitor deve
entender a palavra testamentum, que emprega nesse contexto. Em uma passagem (Contr. Marc.
IV, 1), ele fala em “instrumentos” (instrumenti), e em outra (Contr. Marc. V, 4) ele fala em
“duas revelações” (duae ostensiones). Já falamos sobre revelação. Sobre instrumento, podemos
nos lembrar que Tertuliano tinha formação jurídica: no meio forense de seu tempo,
1934:834). Podemos concluir, então, que, quando usou a palavra “testamento”, Tertuliano tinha
em mente algo como um processo cujas peças vão sendo reveladas. O processo, no caso, seria
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Tertuliano tem alguma razão, mas o termo que emprega é inadequado, como se verá
adiante. De fato, “testamento” intenta traduzir duas palavras: berith e diathéke, que significam
“Antigo Testamento” e “Novo Testamento” são, na verdade, dois pactos, “dos quais um é muito
2. Pacto
revelação que chamamos de “Teologia Bíblica”. Podemos agora dizer que a forma como Deus
Por isso podemos dizer que a “Teologia Bíblica” estuda a história da revelação especial
particulares” (ROBERTSON, 1980:3) e também com a criação (Gn 9, 10, 12, 17; Jr 33, 20-21,
Em primeiro lugar, pacto tem a ver com relacionamento. Veremos que, no princípio,
Deus criou um relacionamento com o gênero humano: este é o tempo da revelação pré-
redentora ou pacto das obras. Na Queda, porém, o gênero humano se escondeu de Deus. No
Deus reestabeleceu o relacionamento original por meio de repetidos pactos com homens
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Por outras palavras, pacto tem a ver com religião, no sentido verdadeiro da palavra:
religare, isto é, religar, reestabelecer uma ligação perdida. “Religião significa um intercurso
pessoal entre Deus e o homem [...] uma comunhão face a face, como entre amigos” (VOS,
2010: 36-37).
vínculo de sangue. Simbolicamente, isso quer dizer que um pacto é um compromisso da vida
inteira. Pois o sangue simboliza a vida (Lv 17, 11). É isso que indica a própria expressão
hebraica para “celebrar um pacto” que soava, literalmente, “cortar um pacto” (ROBERTSON,
1980:8), remetendo ao ato sacrificial de cortar animais (comparar Gn 15 com Jr 34, 18). Esses
símbolos querem dizer que que não há pacto (vínculo) sem sangue (vida), e não há sangue sem
Pois berith e diathéke são pactos, e um pacto “não é um testamento. Um pacto é um vínculo de
1980:14).
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ADÃO E EVA
1. O pacto da criação
Moisés, inspirado pelo Espírito Santo, registrou a primeira revelação que Deus fez si
mesmo em Gn 1 e 2.
Na Criação, Deus revelou ordem: “Deus não é Deus de desordem” (1Co 14, 33). Deus
criou o universo com ordem. Na língua grega, isso fica bem evidente: a palavra para “universo”
– kósmos, de onde vem “cosmo” – significa também “ordem”. Universo e ordem eram
Ordem significa razão: “No princípio era o lógos” (Jo 1, 1), isto é, a razão. Deus criou
Em primeiro lugar, método. Deus criou o cosmo partindo da realidade mais elementar
(a luz) até chegar a realidade mais complexa (o gênero humano). Podemos ver, no texto, que
“as necessidades básicas para cada estágio criado foram produzidas em primeiro lugar”: o Sol
e a Lua para a vegetação, a vegetação para os animais, os animais para o gênero humano.
Em segundo lugar, sistema. Cada parte do cosmo tem uma função no todo. Deus
estabeleceu propósitos para todas as coisas no cosmo, sendo o principal glorificar Seu nome, e
todas as coisas, antes da Queda, eram capazes de cumprir esses propósitos, isto é, serem
excelentes dentro do que Deus queria para elas: é por isso que tudo era “muito bom” (Gn 1, 31,
O gênero humano é uma parte do cosmo, logo, ele tem um propósito estabelecido por
Deus dentro do todo. Mas, mais do que uma parte do cosmo, o gênero humano é também
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“imagem e semelhança” de Deus. Isso significa um propósito diferenciado (e, portanto, uma
era capaz de cumprir esse propósito diferenciado; pois ele também era “muito bom”, ele
também era capaz de ser excelente dentro do propósito que Deus queria para ele.
1. Gn 1, 26. Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança.
Primeiro, Deus revela quem o adam é. Essas são as primeiras palavras de Deus relativas
ao adam. O gênero humano é imagem e semelhança de Deus. Seu propósito é refletir, revelar,
imitar Deus. E, antes da Queda, o gênero humano era capaz de cumprir com excelência esse
propósito.
Mas o que significa imitar Deus? Gn 1-2 não revela expressamente nenhum atributo ou
virtude que possa ser imitado. Entretanto, como vimos, o texto revela um Deus de ordem. Imitar
Deus pode significar, então, imitar a sua ordem: “Tudo, porém, seja feito com decência e
ordem” (1Co 14, 40), isto é, com razão. Além disso, algumas virtudes de Deus na Criação foram
reveladas posteriormente (VAN GRONINGEN, 2006:25). Por exemplo, diz o salmista (Sl 104,
24): “Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas, com sabedoria, as fizeste”. Imitar Deus
2. Gn 2, 15. Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o
cultivar e guardar.
Deus revelou ao adam o que ele deve fazer: cultivar e guardar a sua Criação, com ordem
e sabedoria. E, como sabemos, antes da Queda o adam era capaz de cumprir esse propósito com
excelência.
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Para o cumprimento desse fim, Deus estabeleceu o meio necessário: o domínio sobre a
Criação (Gn 1, 26-30). O texto mostra que o poder dado ao homem só existe em função do
dever que lhe foi atribuído: cuidar do cosmo com ordem e sabedoria. Isso não significa, porém,
que Deus “deixou de se interessar” pela Criação. Pelo contrário, o texto nos revela um Deus
interessado na administração da Criação pelo adam: Deus levou os seres viventes ao homem,
“para ver como este lhes chamaria” (Gn 2, 19). Além disso, Gn 3, 8 nos diz que Deus “andava
3. Gn 2, 16-17. E o Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás
livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia
em que dela comeres, certamente morrerás.
Deus revelou ao adam o que ele não deve fazer: ele estava proibido de comer de toda a
imagem de Deus, ele tinha o potencial para cumprir essa proibição com excelência (VAN
GRONINGEN, 2006:28)
2. A Queda
Até então, Deus, os seres humanos e o cosmo estavam “no nível mais alto de comunhão
Vimos que o homem foi feito à imagem de Deus e considerado “muito bom”, isto é,
capaz de imitar e refletir Deus com excelência. Apesar disso, quando o princípio da tentação e
do pecado foi revelado (simbolizados na serpente), ele caiu. Com a Queda, a comunhão entre
Quebra da comunhão entre o homem e Deus. Esse distanciamento foi progressivo (Gn
3, 7-10). Primeiro, houve o abrir dos olhos e a percepção da nudez. Se a nudez tem a ver com
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vergonha (VOS, 2010:58), então o abrir dos olhos pode ter relação com o reconhecimento do
erro cometido. Em seguida, o sentimento de medo diante da voz de Deus. Finalmente a fuga:
Quebra da comunhão entre o homem e o cosmo. A terra se torna maldita por causa do
perturbada” (VOS, 2010:34). O homem deixa de conseguir ver, com a antiga clareza, a
Nárnia. Um dos personagens, o tio André, retrata o homem após a Queda, alheio a Deus e ao
cosmo:
Assim que o Leão começou a cantar, ainda em meio à escuridão, tio André percebeu
que o barulho era uma canção, e não gostou nada [...]. Quando o sol nasceu e viu que
o cantor era um leão (“um mero leão”, como disse para si mesmo), fez tudo para
convencer-se de que não havia canto algum, mas apenas rugidos, como fazem os leões
em nosso mundo. “Devo ter imaginado que o Leão cantava; é porque estou com os
nervos descontrolados. Alguém já ouviu um leão cantar?” Quanto mais belo o canto,
mais tio André imaginava ouvir rugidos [...]. Quando afinal o Leão falou e disse
“Nárnia, desperte”, o tio não ouviu palavras; ouviu somente um rosnado. Quando os
bichos responderam, ouviu latidos, uivos, zurros, miados (LEWIS, Cr. Nár., I, p. 69).
3. O pacto da redenção
Quebrada a antiga comunhão por causa do homem, Deus passa a agir para restabelecê-
la. Essa reaproximação salvífica de Deus acrescenta ao pacto da criação uma nova dimensão: o
pacto da redenção (do homem e do cosmo) (VAN GRONINGEN, 2006:31). Ele é revelado na
promessa de que a “semente da mulher” haverá de ferir a cabeça da serpente e sofrer desta uma
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Com essa promessa, Deus revelava a essência do pacto da redenção: a libertação do
pecado (Satanás golpeado mortalmente) pelo Filho do Homem (Jesus crucificado e ressurreto).
Mas esses detalhes só seriam revelados mais tarde. Na revelação especial do Antigo
revelação dada a Adão e Eva, essa promessa ainda está muito pouco definida.
Não estamos autorizados a buscar uma referência exclusiva ao Messias aqui, como se
somente ele estivesse sendo indicado pela expressão “semente da mulher”. A
revelação do Antigo Testamento trata do conceito de um Messias pessoal de modo
bem gradual. Era suficiente para o homem caído saber que, por meio do poder e graça
divinos, Deus traria vitória contra a serpente do meio da raça humana. A fé poderia
descansar nisso. O objeto da fé deles era muito menos definido do que o nosso, uma
vez que conhecemos o Messias pessoal (VOS, 2010:62).
Além disso, ao se dirigir a Adão e Eva após a Queda, Deus lhes revelou mais de suas
virtudes, além daquelas que revelara na sua atividade criadora (i.e., ordem e sabedoria) (VAN
GRONINGEN, 2006:30).
Deus revelou sua onisciência. Deus sabia o que os seres humanos haviam feito antes
Deus revelou sua justiça por meio das maldições dirigidas à serpente, à mulher, ao
Deus revelou sua graça. Os seres humanos não foram punidos com morte física e castigo
eterno (Gn 2, 17), a terra não foi consumida. Ao contrário, a continuidade da vida foi assegurada
O pacto da redenção, que começa a ser revelado, vem assegurar (e não substituir) o pacto
seres humanos e o cosmo estavam em comunhão. A Queda introduziu uma discórdia invencível.
O pacto de redenção é o agir de Deus para restaurar a antiga comunhão entre si e sua Criação.
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Pela redenção, Deus torna possível ao homem e ao cosmo, de novo (“eis que tudo se fez novo...”
2 Co 5, 17) cumprirem com excelência os propósitos que lhe foram designados desde a criação
serpente pela semente da mulher. Nós, hoje, sabemos o que isso significa:
[...] porque aprouve a Deus que, nele [Cristo], residisse toda a plenitude e que,
havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo
mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus (Cl 1, 9-20)
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NOÉ
GRONINGEN, 2006:35). Maldição e graça são reveladas quando Deus se dirige à serpente, à
mulher e ao homem após a Queda (Gn 3, 14-19). Maldição e graça são reveladas também na
não deixou de revelar a sua graça comum (“ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e derrama
chuva sobre justos e injustos”, Mt 5, 45): a descendência de Caim cultivou a pecuária (Gn 4,
20), a música (Gn 4, 21) a técnica (Gn 4, 22). Mas os homens haviam se esquecido de Deus e
do pecado.
A linhagem a partir de Sete revela a graça. As Escrituras revelam que foi a partir de
Enos, filho de Sete, que “se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn 4, 26). Seu descendente
Enoque, cinco gerações depois, “andou com Deus” (Gn 5, 22) e, sobre sua morte, as Escrituras
revelam que “já não era, porque Deus o tomou para si” (Gn 5, 24). O descendente de Enoque,
Lameque, duas gerações mais tarde, mantinha a lembrança da maldição sobre Adão e sobre a
terra. Pois de seu filho, Noé, ele disse: “Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas
de nossas mãos, nesta terra que o Senhor amaldiçoou” (Gn 5, 29). As Escrituras revelam que
Noé era “homem justo e íntegro” e que “andava com Deus” (Gn 6, 9).
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Podemos ver que a linhagem na qual se revelou a maldição (Caim) foi também a
homem se multiplicou, como também a corrupção da terra aumentou (Gn 6, 11-13). Desde o
princípio a terra (adamá em hebraico) esteve vinculada ao homem (adam): o homem vem da
terra e torna à terra (Gn 3, 19); o homem é colocado na terra para cultivá-la (Gn 2, 15); a terra
– em uma grande medida – é o resultado da atividade do homem (Gn 2, 19). Antes da Queda,
esse vínculo entre o homem e a terra era para a vida (dam, “sangue”, onde está a vida: Lv 17,
11). Após a Queda, esse vínculo é para a morte: toda a terra foi amaldiçoada por causa do
homem (Gn 3, 17). Quanto pior o homem, pior a terra. Até que Deus “se arrependeu” de haver
feito o homem (Gn 6, 5) e decidiu destruir o homem e, junto com ele, toda a terra (Gn 6, 13).
2. A continuação da aliança
Nesse contexto, Deus revelou que sua aliança com a criação e a aliança redentora com
“Farei continuar a minha aliança contigo” (VAN GRONINGEN, 2006:33). Noé seria “agente
da salvação e vida continuada para o ser humano e animais” (VAN GRONINGEN, 2006:34).
Deus revelou maldição e graça. A maldição foi revelada pela morte no dilúvio. A graça
foi revelada pela a continuação da sua aliança com Noé, seus descendentes e todos os animais
(Gn 9, 9-17).
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Após o dilúvio, Deus estabeleceu dois pactos: um com Noé e seus descendentes (Gn 9,
1-7), outro com Noé, seus descendentes “e com todos os seres viventes” (Gn 9, 10-17).
Com Noé e seus descendentes, Deus estabeleceu o seguinte: (1) eles deviam se
multiplicar; (2) ser-lhes-iam entregues nas mãos todos os animais, os quais terão pavor e medo
deles; (3) eles poderiam se alimentar de todo animal, sem o sangue; (4) eles receberam proteção
com o pacto estabelecido com Adão (Gn 1, 28-30), podemos perceber o seguinte:
Pacto com Adão (Gn 1, 28-30) Pacto com Noé e seus descendentes (Gn 9, 1-7)
Dominação sobre os animais Dominação sobre os animais, que sentirão pavor e medo
Por fim, com Noé, seus descendentes e todos os seres viventes, Deus estabeleceu a
O texto revelado nos diz que Noé teve três filhos: Cam, Jafé e Sem. Noé profetizou a
respeito deles após o episódio da embriaguez: maldição, no caso do filho de Cam, Canaã;
Pelo texto (Gn 9, 25-27), Canaã seria servo de Jafé e de Sem, Jafé seria engrandecido e
A bênção dada a Sem é particularmente pertinente. Através dela, Deus revelou que, após
a morte de Noé, iria perpetuar sua aliança com Sem e sua geração, os semitas. “Por intermédio
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de Sem a aliança de Yahweh Deus seria perpetuada para todo o sempre. Assim, Yahweh Deus
revelou que Sem continuaria a linhagem dos pais do pacto” (VAN GRONINGEN, 2006:36).
História.
Dos descendentes de Jafé (Gn 10, 1-5), o filho que seria engrandecido, se disse que
“repartiram entre si as ilhas das nações nas suas terras” (Gn 10, 5).
Os descendentes de Cam (Gn 10, 6-14), sem contar Canaã, edificaram, entre outras, as
cidades de Babel e Nínive – ambas associadas ao pecado – e foram os pais dos filisteus (Gn 10,
10, 11 e 14). Canaã, especificamente, é o pai das famílias dos cananeus, que seriam mais tarde
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ABRAÃO
Abraão era caldeu. O texto revelado (Gn 11, 31) nos diz que Tera, pai de Abraão, saiu
da cidade caldeia de Ur com destino à terra de Canaã, levando consigo seu filho Abraão, sua
nora Sara e seu neto Ló. Mas Tera não completou a viagem, estabelecendo-se antes em Harã,
cidade do pai de Ló, onde morreu. Nessa cidade, após a morte de Tera, Deus chamou Abraão.
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