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" l u g a r " (e s p a ç o - t e m p o r a l ) p r o p í c i o a u m f l u x o v i t al m u s i c a l p r o d u t i v o .
m ú s i c o s . N e s t e l u g a r a s f o r ç a s e e n e r g i a s a i n d a l i v r e s 1, i n - f o r m ad as ,
a g e n c i a m e n t o s v i a b i l i z a d o s p o r c o n e x õ e s i m p r e v i s t a s e r i z o m á t i c a s 2.
r e d u z i d a q u e a b s t r a i a s f o n t e s p r o d u t o r a s , o s s i g n i f i c ad o s m u s i c ai s 3 e o s
e l e m e n t o s p o s t o s e m j o g o n e s t e j o g o i d e al o n d e n ã o h á r e g r a s p r é -
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…o essencial não está nas formas e nas matérias, nem nos temas, mas nas forças, nas densidades, nas
intensidades (Gilles Deleuze, Mil Platôs IV, Editora 34, 1997, p. 159).
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Utilizamos este conceito que aqui descreve as formas de conexão conforme elas são definidas na filosofia
de Gilles Deleuze: …diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer
com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços da mesmo
natureza; ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos (Deleuze,
Mil Platôs I, Editora 34, 1997, p. 32).
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Pierre Schaeffer diferencia o objeto musical - aquele que adquire seu sentido no contexto de um sistema
ou idioma musical discursivo (por exemplo um acorde de 7a. de dominante numa cadência autêntica
perfeita numa música "clássica) - do objeto sonoro resultante de uma atitude de escuta voltada para as
qualidades intrínsecas do mesmo, desvinculado de qualquer sistema apriorístico. Seria o caso do mesmo
acorde de 7a. numa obra de Debussy em que o que importa não é sua função num discurso linear e sim sua
sonoridade específica, verticalizada (vide por exemplo o Prelúdio VII/ vol.I).
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estabelecidas emergem dos rostos4 biográficos de cada músico. Os rostos
e p e s s o a i s . A q u i p o d e m o s e x p l i c i t á- l o s : a p r e n d i z a d o s 5 o s m a i s d i v e r s o s ,
i n s t r u m e n t a i s , i d i o m á t i c o s , g e s t u a i s (a s m ã o s t o c a m s o z i n h a s o s s i s t e m a s
p e r s o n a l i d a d e d e c a d a u m , s e u s r i t o r n el o s , m a n i a s , j e i t o s e p o s e s ; o s
cada um.
neste jogo. O que se faz com as jogadas é o que torna o jogo potente ou
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Também aqui faremos uso de mais um conceito de Deleuze. Para ele os processos de territorialização
dizem respeito às repetições e redundâncias. A constituição do vivo se dá através de repetições - ritornelos -
que delineiam os territórios. Um ser vivo estabelece suas membranas, seus territórios, a partir de
procedimentos repetitivos (sempre diferenciados a cada vez, é claro). O rosto é resultado deste processo de
territorialização. Eu me caracterizo por uma série de procedimentos repetitivos que delineiam o meu ser:
minhas manias e cacoetes minhas falas, meus percursos, meus gostos, meu corpo, minhas linguagens, meus
usos destas linguagens, etc.
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É interessante notar que a livre improvisação é radicalmente democrática pois pode ser implementada no
contexto de alta complexidade e sofisticação que só é possível àqueles que conhecem várias técnicas e
idiomas (o que pode se tornar um empecilho por razões que veremos à frente) ou num ambiente de extrema
simplicidade em que os participantes da atividade se defrontam com muito pouca "bagagem" musical
anterior. Derek Bailey afirma: Improvisação livre, além de ser uma atividade musical altamente
especializada é aberta ao uso de quase qualquer pessoa - iniciantes, crianças e não-músicos. A habilidade
e conhecimento requerido é aquele que estiver disponível. Pode ser uma atividade de enorme sofisticação e
complexidade ou a mais simples e direta expressão: um estudo e trabalho de toda uma vida ou uma
atividade casual e diletante (Derek Bailey, Improvisation, its nature and practice in Music, Da Capo Press,
1992, p. 83,84).
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É importante salientar que o acaso aqui não é o mesmo pensado por John Cage que em suas obras
conceituais não se preocupa com o som (Veja bem, eu não ouço a música quando eu a escrevo. Eu a
escrevo para que eu possa ouvir algo que eu ainda não ouvi). Sua ênfase nos processos e no não controle
estão no nível abstrato do conceito. Na livre improvisação o acaso e aimprevisibilidade são decorrentes de
um jogo instrumental sonoro e concreto. Evidentemente somos contaminados pela sua postura radicalmente
experimental e iconoclasta e pela idéia de não controle. O resultado das performances deve fluir a partir de
um processo vivo e imprevisível.
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i m p r o v i s a ç ã o é s e m p r e u m d i á l o g o c o m o c o s m o s 7: l á e s t ã o t o d a s a s
Q u al q u er som em q u al q u er c o m b i n aç ão e em q u al q u er s u c es s ão s ão
d o r av an t e l i v r es p ar a s er em u s ad o s n u m a c o n t i n u i d ad e m u s i c al . E é
exatamente disto que se trata: uma continuidade musical presentificada
(e m t e m p o r e a l ), p e n s a m e n t o s m u s i c a i s e m a ç ã o e i n t e r a ç ã o a p a r t i r d o
consistência.
ex i b i ç ão , p o i s o p ú b l i c o - s e h o u v e r - d e v e c o n s t r u i r e c r i a r j u n t o c o m o s
p er f o r m er s . O público que acompanha uma performance de livre
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A partir daí, as forças a serem capturadas não são mais as da terra, que consituem ainda uma grande
Forma expressiva, elas são agora as forças de um Cosmo energético, informal e imaterial (Deleuze, Mil
Platôs IV, p. 159).
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No sentido de que nela os músicos não se apoiam numa partitura ou num roteiro ou mesmo numa
"linguagem" (idioma musical) compartilhado por todos. Mesmo os momentos em que o Caos invade a
performance devem ser encarados com naturalidade pois isto faz parte do jogo ideal sem regras.
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inevitáveis e podem assumir formas indesejáveis: o virtuosismo que pode
m u i t a s v e z e s s e r i n ó c u o , o ef ei t i s m o q u e p o d e r e s v a l a r e m b a n a l i z a ç ã o , o
fluxo da performance, etc. Isto não quer dizer que devemos ignorar a
p o t e n c i a l i z a r u m a a t u a ç ã o i n t e n s a e i n t e r i o r i z a d a d o p e r f o r m e r (n a n o s s a
p r o p o s t a 9). N o c o n t e x t o d e s t a p r o p o s t a d e l i v r e i m p r o v i s a ç ã o a l t a m e n t e
i n t e r i o r i z a d a e c o n c e n t r a d a n a i n t e i r e z a d e c a d a a t o (c a d a s o m p r o d u z i d o
t e m c o n s e q ü ê n c i a s n o f l u x o d a i m p r o v i s a ç ã o e n a d a é g r a t u i t o ), n ã o c a b e
que poderia ser um gesto que não nasce das necessidades imanentes da
a s s i m e t r i a s i n e r e n t e s a o s r i t m o s e n t r e o s m e i o s (r e l a ç õ e s e n t r e o s r o s t o s
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Sim, porque há situações de performance onde o que importa é seduzir e, de certa maneira, catalizar
energias e manipular o público. No show de rock por exemplo, na maior parte das vezes, os performers
investem grande parte de sua energia num gestual sensual exacerbado. O objetivo deste tipo de atitude é
evidentemente extrovertido e catártico.
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d i v er s o s ). E s t a s a s s i m e t r i a s s ã o d e v á r i a s n a t u r e z a s e r e s u l t a m d o q u e
cada músico traz para a performance - seu rosto - e também as
i n d i v í d u o s ó s e p r o d u z n o c o l e t i v o p r o d u z i n d o a l g o 10.
improvisação "inútil"
p l a n t ã o " (g e r a l m e n t e i n t o l e r a n t e s e o p o n e n t e s : r e l i g i õ e s , s e i t a s , p a r t i d o s ,
c o n c e i t o s e s t é t i c o s , e t c . ), u n i f i c a r a s m a s s a s e m t o r n o d e " b a n d e i r a s "
f a v o r e c e r o s p r o c e s s o s d e a p r e n d i z a d o e a d e s t r a m e n t o (a a r t e à s e r v i ç o
d a e d u c a ç ã o ), v e n d e r p r o d u t o s a p a r t i r d e s e u s p o d e r e s r e t ó r i c o s d e
p e r s u a s ã o (n a p u b l i c i d a d e ), m a n i f e s t a r o u s u b l i n h a r " s e n t i m e n t o s " (p o r
e x e m p l o , a m ú s i c a r e t o r i z a d a d a T V , d e c e r t o t i p o d e c i n e m a e d e t e a t r o ),
p a r a u n i f i c a r m u l t i d õ e s o u m a s s a s e m t o r n o d e r i t u a i s c a t á r t i c o s (n a s
r av es e f e s t a s ), p r o m o v e r o e n c o n t r o s o c i a l d e m e l ô m an o s d a a r t e e r u d i t a
em concertos e museus, etc. Num tempo como este, a livre improvisação
10
Aqui caberia falar da distinção entre massa e multidão estabelecida por Elias Canetti : a massa só existe
se os indivíduos nela se diluírem perdendo sua identidade pessoal. Todos se fundem num único corpo
coletivo, seguem numa mesma direção, obedecem a um único comando e respondem a um único
chefe…Desinibida, ela "pode tudo", da devoção ao assassinato…Já a multidão é plural, heterogênea…não
se trata de uma massa compacta e uníssona, liderada por um chefe, porém de singularidades em jogo,
constituindo redes múltiplas, sem que se configure nenhuma totalidade definida…seu conjunto é
inapreensível e o conjunto não responde a um comando unívoco. Neste rizoma sem centro nem chefe,
muitos universos se entrecruzam, várias direções coexistem, vários possíveis se criam a cada cruzamento
ou conexão…Digamos apenas, para retomar os dois pólos de aglomeração evocados, que a massa e a
multidão não constituem grupos distintos, mas lógicas diferentes que podem rivalizar num mesmo
contingente humano (Pelbart, Peter Pál, citado de artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo,
29/05/2005, Caderno Aliás, p. 4). A livre improvisação se liga ao conceito de multidão. No caso dos
pequenos grupos, podemos falar de micro multidões.
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é um fim em si mesmo. Talvez estabeleça uma conduta, seja uma cura,
uma política ou uma pedagogia. Mas uma pedagogia onde não se ensina
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na improvisação não se deve nada
c a r r e g a d o . E l e d e s e j a v á r i o s s e n h o r e s (D e u s , a m o r a l , o " c e r t o " , e t c . ).
P a r a N i e t z s c h e t o d o es s e p es ad í s s i m o , o es p í r i t o d e c ar g a t o m a s o b r e s i :
i g u al ao c am el o , q u e c ar r eg ad o c o r r e p ar a o d es er t o / … / m as n o s o l i t ár i o
d es er t o o c o r r e a s eg u n d a t r an s m u t aç ão : em l eão s e t o r n a aq u i o es p í r i t o ,
l i b er d ad e q u er el e c o n q u i s t ar , e s er s en h o r d e s eu p r ó p r i o d es er t o 11. M a s
p a r a i s s o o e s p í r i t o d e v e e n f r e n t a r o g r a n d e d r a g ã o : v al o r es m i l en ar es
r es p l an d ec em n es s as es c am as , e as s i m f al a o m ai s p o d er o s o d e t o d o s o s
d r ag õ es : t o d o o v al o r d as c o i s as r es p l an d ec e em m i m . T o d o v al o r j á f o i
c r i ad o , e t o d o o v al o r c r i ad o - s o u eu (i d e m ) . E n t ã o , p o r e s t a n e c e s s i d a d e
de conquistar a liberdade, de enfrentar os valores estabelecidos e se
t o r n ar s en h o r d e s eu p r ó p r i o d es er t o o e s p í r i t o d e v e s e t o r n a r o l e ã o p a r a
c r i ar a l i b er d ad e e u m s ag r ad o N ão , m es m o d i an t e d o d ev er … (i d e m ).
Podemos relacionar a esta alegoria, a situação de um fazer musical que
11
F. Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, in Os Pensadores: Nietzsche, Obras Incompletas, Ed. Nova
Cultural 1999, p. 214
7
i m p o r t a n t e : t o m ar p ar a s i o d i r ei t o a n o v o s v al o r es / … / c o m o s eu m ai s
s ag r ad o , am av a el e o u t r o r a o " T u - d ev es " : ag o r a t em d e en c o n t r ar i l u s ão
e ar b í t r i o at é m es m o n o m ai s s ag r ad o , p ar a c o n q u i s t ar s u a l i b er d ad e
d es s e am o r : é p r ec i s o o l eão p ar a es t a r ap i n a.
O último estágio da transmutações pode ser relacionado ao
p e n s a m e n t o d a l i v r e - i m p r o v i s a ç ã o : … d e q u e ai n d a é c ap az a c r i an ç a, d e
s u b s t i t u i r o s a n t i g o s (n o v a s i g r e j a s p a r a n o v o s c u l t o s … ) m a s s i m u m a
a T A Z é u m a es p éc i e d e r eb el i ão q u e n ão c o n f r o n t a o E s t ad o
d i r et am en t e, u m a o p e r aç ão d e g u er r i l h a q u e l i b er a u m a ár ea (d e
t er r a, d e t em p o , d e i m ag i n aç ão ) e s e d i s s o l v e p ar a s e r e- f azer em
o u t r o l u g ar e o u t r o m o m en t o , an t es q u e o E s t ad o p o s s a es m ag á- l a.
Uma v ez que o E s t ad o se p r eo c u p a p r i m o r d i al m en t e com a
S i m u l aç ão , e n ão c o m a s u b s t ân c i a, a T A Z p o d e, em r el at i v a p az e
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por um bom t em p o " o c u p ar " c l an d es t i n am en t e es s as ár eas e
r eal i zar s eu s p r o p ó s i t o s f es t i v o s … A s s i m q u e a T A Z é n o m ead a
(r ep r es en t ad a, m ed i ad a), el a d ev e d es ap ar ec er … d ei x an d o p ar a t r ás
um invólucro v azi o , e b r o t ar á n o v am e n t e em outro l u g ar ,
n o v am e n t e invisível, porque é indefinível pelos termos do
E s p et ác u l o . A s s i m s en d o a T A Z é u m a t át i c a p er f ei t a p ar a u m a
ép o c a em q u e o E s t ad o é o n i p r es en t e e t o d o - p o d er o s o m as , ao
m e s m o t e m p o r e p l e t o d e r ac h ad u r as e f e n d as . E , u m a v e z q u e a
T A Z é u m m i c r o c o s m o d aq u el e " s o n h o an ar q u i s t a" d e u m a c u l t u r a
d e l i b er d ad e, n ão c o n s i g o p en s ar em t át i c a m el h o r p ar a p r o s s eg u i r
em d i r eç ão a es t e o b j et i v o e, ao m es m o t em p o , v i v er al g u n s d e
s eu s b en ef í c i o s aq u i e ag o r a… A TAZ é um ac am p am en t o de
g u er r i l h e i r o s o n t o l o g i s t as : at aq u e e f u j a. A T A Z d e v e s e r c ap az d e
d ef en d er - s e; m as , s e p o s s í v el , t an t o o " at aq u e" q u an t o a " d ef es a"
d ev em ev ad i r a v i o l ên c i a d o E s t ad o q u e j á n ão é u m a v i o l ên c i a c o m
s en t i d o . O at aq u e é f ei t o às es t r u t u r as d e c o n t r o l e, es s en c i al m en t e
às i d éi as … A " m áq u i n a d e g u er r a n ô m ad e" c o n q u i s t a s em s er
n o t ad a e s e m o v e an t e s d o m ap a s e r r e t i f i c ad o 12.
parece evidente uma vez que esta se coloca à margem das estruturas
12
Hakim Bay, TAZ - Zona Autônoma Temporária, Conrad Livros, ed. Coletivo Baderna, 2001, p. 18 e 19.
9
participam como público) e participam de uma celebração festiva. Neste
este novo papel da música e da arte podemos ler no livro de Hakim Bey:
autônomas temporárias:
A l i b er aç ão é p er c eb i d a d u r an t e o es f o r ç o : es s a é a es s ên c i a d a
" au t o - s u p er aç ão " n i et zs c h i an a. E s s a t es e p o d e t am b ém t o m ar c o m o
s í m b o l o o an d ar i l h o d e N i et zs c h e. E l e é o p r ec u r s o r d o v ag ar a
es m o , no s en t i d o d ad o p el o s i t u ac i o n i s m o p ar a d ér i v e e da
10
d ef i n i ç ão de L y o t ar d p ar a driftwork. P o d em o s an t e v er uma
g eo g r af i a c o m p l et am en t e n o v a, u m t i p o d e m ap a d e p er eg r i n aç ão
n o q u al o s l u g ar e s s ag r ad o s s ão s u b s t i t u i d o s p o r e x p e r i ê n c i as d e
p i c o e T A Z … (i d e m , p . 7 3 ) .
favorável para que este tipo de prática se estabeleça, seja potente e bem
c o m s e u i n s t r u m e n t o s , f o r m u l a n d o s u a s i n t e r v e n ç õ e s s o n o r a s (c r i a n d o
m ú s i c o s , p ú b l i c o , s o n s d o a m b i e n t e , e t c . ), p e l o s i m p l e s f a t o d e q u e e l e s
(a p a r t i r d o s t r a d i c i o n a i s " m a n u a i s d e i n s t r u ç ã o " : a s p a r t i t u r a s e s c r i t a s ).
13
Não se supõe aqui, como afirmado no início do texto, que os músicos participem de uma prática como
esta despidos de suas biografias, seus rostos e seus aprendizados. Eles são inevitáveis e condição necessária
da contituição das identidades individuais. O que se espera é que estes diversos aprendizados,
condicionamentos e identidades sofram, no jogo da livre improvisação, processos contínuos de
desterritorialização, "raspagem" (como queria Bacon), molecularização e que seus estilhaços se tornem
energias imediatas e descondicionadas no contexto da performance. Assim, não se espera que numa livre
improvisação seja "proibido" o uso de idiomas. Poderíamos citar, para explicitar esta posição, um texto de
Christian Munthe: Tem sido apontado, e corretamente, que a livre improvisação não pode de antemão
excluir os idiomas tradicionais…A diferença entre aquele que é ativo dentro das fronteiras de um idioma
particular e o livre improvisador está na maneira com que este lida com este idioma…Idiomas particulares
não são vistos como pré requisitos para o fazer musical, mas sim como ferramentas que, em qualquer
momento podem ser usadas ou não… da mesma maneira o ponto de partida do livre improvisador contém
uma recusa em se submeter a qualquer idioma particular ou tradicional e ao mesmo tempo não
necessariamente favorecer uma atitude inovadora ou experimental diante da música (a não ser pelo fato
11
j o g o c o m r e g r a s d e f i n i d a s e m q u e h á o c e r t o e o e r r a d o (é o c a s o d o s
b a r r o c o , e t c . ). H á t a m b é m a q u e l e s q u e a c r e d i t a m q u e a l i v r e i m p r o v i s a ç ã o
é u m a e s p é c i e d e v a l e- t u d o e n ã o s e p r e o c u p a m c o m o r i g o r d a p r o p o s t a
d e i n t e r a ç ã o e c o m a s n e c e s s i d a d e s t é c n i c a s e a u d i t i v a s 14 . E s t e s , n a
(f a l a n t e s " m o n o l o g a n t e s " ). A e s t e r e s p e i t o g o s t a r í a m o s d e c i t a r a n o s s a
U m v al e- t u d o ex p er i m en t al i n f an t i l i zad o e s t á, p o r t an t o , d e s c ar t ad o p e l as
ex i g ên c i as t éc n i c as d a p er f o r m an c e d ev i d o ao f at o d e q u e el a s e d á n u m
t er r en o d e i n t er aç ão e s o b r i ed ad e (p o i s s ó h á i m ag i n aç ão n a t é c n i c a ).
Q u an t o m ai s f am i l i ar i zad o c o m as t éc n i c as , q u an t o m ai s v i v ên c i a r eal c o m
p r át i c as r eai s e d i n âm i c as t em o m ú s i c o , m ai s el e es t á h ab i l i t ad o o p er ar
numa p e r f o r m an c e coletiva de i m p r o v i s aç ão e n q u an t o um ar t e s ão
c ó s m i c o . P o r t an t o , n a p er f o r m an c e d e l i v r e i m p r o v i s aç ão c o n f o r m e a
c o n c eb em o s s e d á u m p r o c es s o c o m o o q u e é d es c r i t o p o r D el eu ze em
s eu t ex t o s o b r e o r i t o r n el o :
" … u m m ú s i c o p r ec i s a d e u m p r i m ei r o t i p o d e r i t o r n el o , r i t o r n el o
t er r i t o r i al ou de ag en c i am en t o , p ar a t r an s f o r m á- l o de d en t r o ,
d es t er r i t o r i al i zá - l o , e p r o d u zi r en f i m u m r i t o r n el o d e s eg u n d o t i p o ,
c o m o m et a f i n al d a m ú s i c a, r i t o r n el o c ó s m i c o d e u m a m áq u i n a d e
s o n s / … / N ão se t em n ec es s i d ad e de suprimir o t o n al , t em - s e
n e c e s s i d ad e d e c o l o c á- l o em f u g a. V ai - s e d o s r i t o r n el o s ag en c i ad o s
(t er r i t o r i ai s , p o p u l ar es , am o r o s o s , et c ) ao g r an d e r i t o r n el o
trivial de que nada é proibido e que a música é sempre um produto da prática pessoal e resultado de suas
escolhas únicas) (Christian Munthe, Vad är fri improvisation, in Nutida Musik ,n.2, 1992, p.12 a 15).
14
Conforme afirmamos anteriormente, para que este tipo de proposta tenha exito é necessário que os
participantes estabeleçam uma espécie escuta reduzida voltada para o som pré-musical "molecularizado".
12
m aq u i n ad o cósmico/…/É o t r ab al h o ex t r em am en t e profundo no
p r i m ei r o t i p o d e r i t o r n el o q u e v ai c r i ar o s eg u n d o t i p o , i s t o é a
p eq u en a f r as e d o C o s m o " 15
A s s i m , n o s p a r e c e q u e , p o r m a i s q u e a t é c n i c a (q u e e s t á s e m p r e ,
o b u r ac o n eg r o d a s u b j et i v i d ad e, a m áq u i n a d o r o s t o s ão i m p as s es ,
a m ed i d a de n o s s as s u b m i s s õ es e de n o s s as s u j ei ç õ es ; m as
nascemos dentro d e l e s e é aí q u e d ev em o s n o s d eb at er / . . . / É
s o m en t e at r av és d o m u r o d o s i g n i f i c an t e q u e s e f ar á p as s ar as
l i n h as d e a- s i g n i f i c ân c i a q u e an u l am t o d a r ec o r d aç ão , t o d a r em i s s ão ,
toda s i g n i f i c aç ão p o s s í v el e toda i n t er p r et aç ão que possa s er
d ad a. . . . É s o m en t e n o i n t er i o r d o r o s t o , d o f u n d o d o b u r ac o n eg r o e
em s eu muro b r an c o que os t r aç o s de r o s t i d ad e p o d er ão s er
l i b er ad o s 16.
15
Rogério Luiz Moraes Costa, O músico enquanto meio e os territórios da livre improvisação, tese de
doutorado apresentada para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica na PUC/SP, 2003,
p. 162, 163.
16
Deleuze, Mil Platôs III, p. 59.
13
Ainda a respeito deste dinamismo da livre improvisação que se
t o d o s (g e r a l m e n t e e s t e s s ã o m o m e n t o s r e c h e a d o s d e s i l ê n c i o e e s t e s
d e f i n i m o s c o m o r o s t o ). A p e r f o r m a n c e r e f l e t i r á d e a l g u m a f o r m a t o d a s
do jazz. Fazendo uma analogia com a linguagem verbal temos que, para
n o t a s e s t r u t u r a i s , n o t a s d e a p r o x i m a ç ã o , e t c . ). D e v e m o s t a m b é m n o s
14
linguagem poderemos aprender os jogos sutis de acentuação e
d e s l o c a m e n t o r í t m i c o p r e s e n t e s n a c h a m a d a " l e v a d a " o u g r o o v e 17 e a s s i m
P ar a o p r o p ó s i t o d e e n s i n ar e p r at i c ar a l i v r e i m p r o v i s aç ão , e u
c o n s c i en t em en t e c o m eç o c o m al g u n s a c o r d o s q u e c r i am " ab er t u r a"
e es p aç o p ar a a ex p l o r aç ão :
1 - É c o m p l et am en t e n at u r al u s ar a i m p r o v i s aç ão p ar a t o c ar e
ap r en d er …
17
A respeito deste conceito de "levada" ou groove citaremos a nossa tese de doutorado onde se pode ler
que ela é a textura rítmico- timbrística que invariavelmente sustenta o improviso - que é, quase sempre, um
solo de algum instrumento sobre uma base. A levada é um mecanismo (talvez uma submáquina da
máquina), uma onda portadora, uma paisagem onde vai se desenhar um rosto que é o improviso solista. A
levada funciona um pouco como um muro branco (de significância assegurada desde que corretamente
executado) sobre o qual se desenham variados rostos e estes rostos se remetem ao buraco negro da
individualidade de cada músico. A expressividade dos improvisos individuais - sua singularidade -
acontece nas dobras de um discurso todo ele idiomatizado. Ora, a significância do muro branco está
garantida exatamente pelos idiomas que se constituem como linhas de força e que ajudam a tornar
consistente o plano de improvisação. O improviso solista dialoga com esta levada de inúmeras maneiras. A
levada muitas vezes, além de seu aspecto textural (tecido rítmico-timbrístico) carrega também um
encadeamento harmônico (tonal, direcional ou modal cíclico, etc.) que vai condicionar a atuação do
solista. Com relação a este encadeamento o procedimento é análogo ao da variação melódica (como numa
chaconne ou passacaglia onde a estrutura harmônica se repete). Suas possibilidades são muito amplas e
variadas e aí se inscrevem desde as ornamentações, os clichês (pessoais ou acadêmicos) e até verdadeiros
achados, pequenos acontecimentos musicais, desenvolvimentos de idéias simples melódicas ou rítmicas
(síntese ativa da memória), etc. O diálogo com a textura propriamente dita se dá mais especificamente com
sua parte rítmica (deslocamentos, nuances de acentuações, hemíolas, etc.) (Costa, 2003, p. 150, 151).
15
2 - A u n i d ad e b ás i c a d a l i v r e i m p r o v i s aç ão é u m s o m . S eu u n i v er s o
p es s o al i n t ei r o de som, f ei t o de tudo o que você ouviu e
ex p er i en c i o u na v i d a, es t á d i s p o n í v el p ar a você u s ar na sua
i m p r o v i s aç ão .
3 - T o d o s o m c o m b i n a c o m q u al q u er o u t r o s o m . N ão h á n en h u m a
c o m b i n aç ão d e s o n s i n t r i n s ec am en t e er r ad a.
4 - D i zer a v er d ad e. A c o i s a m ai s i m p o r t an t e n es t e t r ab al h o é a
v er d ad e e a au t en t i c i d ad e da ex p r es s ão … O s c en ár i o s p ar a a
i m p r o v i s aç ão q u e n ó s c r i am o s d ev em s er ab er t o s o b as t an t e p ar a
i n c l u i r t o d as as es c o l h as p o s s í v ei s em q u al q u er s i t u aç åo 18.
exemplo:
U m p r o b l em a c o m u m n u m g r u p o d e i m p r o v i s aç ão é q u an d o s e d á o
f at o d e t o d o m u n d o t o c ar s em p r e ao m es m o t em p o . E i s al g u n s
ex er c í c i o s p ar a t r ab al h ar es t e i t em :
1 - T o d o m u n d o d ev e f i c ar em s i l ên c i o p o r t an t o t em p o q u an t o
t en h a p r o d u zi d o s o m …
2 - T o q u e u m ex er c í c i o em q u e t o d o s c o m eç am e t er m i n am f r as es ao
mesmo tempo. Depois toque um onde ninguém d e v e t o c ar ao
m e s m o t e m p o e m q u e o s o u t r o s … (i d e m ).
18
http://freeimprovisation.com/index.html, 2006.
16
"One Sound": é um ex c el en t e p r i m ei r o ex er c í c i o . É s i m p l es o
b as t an t e a ponto de q u al q u er p es s o a p o d er r eal i zar , m as as
p o s s í v ei s v ar i aç õ es p o d em p r o v er uma p r át i c a p ar a muitos
f u n d am en t o s d a m ú s i c a e d a i m p r o v i s aç ão . P r i m ei r o p as s o : s en t e- s e
o u f i q u e d e p é d e u m a m an ei r a r el ax ad a e n u m a p o s t u r a d e " p r o n t o
p ar a t o c ar " . F o c al i ze s u a at en ç ão p ar a " d en t r o " . C o n s c i en t i ze - s e d e
s eu s s en t i m en t o s e s en s aç õ es n e s t e m o m e n t o . N ão f aç a n e n h u m
j u l g am e n t o , s i m p l e s m e n t e s e o b s e r v e e p e r c e b a c o m o v o c ê s e
s en t e. E s p er e q u e u m s o m o u u m i m p u l s o p ar a o m o v i m en t o s u r j a
p ar a a s u a c o n s c i ên c i a. P er m i t a q u e s u r j a d o s eu c o r p o e c r i e u m
s o m … S eg u n d o p as s o : t o d o s , em s eq ü ên c i a, t o c am u m s o m . I s t o
p o d e s er f ei t o s em u m p u l s o . É ú t i l d as d u as m an ei r as . F azer s em
u m p u l s o p o s s i b i l i t a q u e o g r u p o u t i l i ze o t e m p o n e c e s s ár i o p ar a
ac h ar o som m ai s ad eq u ad o . Com o pulso s u r g em o u t r as
p o s s i b i l i d ad es r el ac i o n ad as (i d e m ).
p e ç a - p r o c e s s o d e K . S t o c k h a u s e n , D as S i eb en T ag en q u e t a m b é m c o l o c a a
a b s t r a t a s e e v o c a t i v a s d o t i p o : c o n c en t r e - s e e t o q u e o s o m d e s u a m en o r
c él u l a.
m u i t o h e t e r o g ê n e o s (e m g e r a l , c o m p o s t o s p o r m ú s i c o s d e o r q u e s t r a c o m
17
primeiro momento, propor uma prática que unifique as diferentes
h a r m ô n i c a f i x a (à m a n e i r a d e u m a P as s ac ag l i a )e e x p e r i m e n t a r s o l u ç õ e s
q u e n a d a m a i s s ã o d o q u e r e a l i z a ç õ e s p e s s o a i s d a " h i p e r p a r t i t u r a " (q u e é
o c o n j u n t o v i r t u a l d e p o s s í v ei s p r e v i s t o s n o i d i o m a ). D e s t a m a n e i r a o q u e
e s t a r á e m j o g o é a d i a l é t i c a e n t r e a p a r t e c o n s t a n t e d o i d i o m a (s u a
(u m a p r a g m á t i c a o n d e s e r e a l i z a m a s s i n g u l a r i d a d e s d a s s o l u ç õ e s r e a i s e
p e s s o a i s ). T r a t a - s e a í d e u m j o g o c o m r e g r a s : h á o c e r t o e o e r r a d o , o
… B r âi l o u i ac r ed i t a q u e a b u s c a d es s e c r i ad o r i n d i v i d u al n ão é al g o
nem útil nem p o s s í v e l … " J am ai s recolhemos 'uma c an ç ão ' , t ão
s o m en t e uma v ar i an t e… O 'primitivo' n ão se p r eo c u p a em
i n o v ar … s eu o b j et i v o é s al v ag u ar d ar s eu b em , n ão s u b s t i t u í-
l o … E n t r et an t o , el a n ão é u m a ' o b r a ac ab ad a' , m as al g o q u e s e c r i a
e r ec r i a p er p et u am en t e. I s t o s i g n i f i c a q u e t o d as as p er f o r m an c es
i n d i v i d u ai s d e u m p ad r ão m el ó d i c o s ão i g u al m en t e v er d ad ei r as e
p o s s u em o m es m o p es o n a b al an ç a d o j u í zo . S i g n i f i c a t am b ém q u e o
' i n s t i n t o d e v ar i aç ão ' n ão é u m a s i m p l es p ai x ão p el a v ar i aç ão , m as
u m a c o n s e q ü ên c i a n ec es s ár i a d a au s ên c i a d e u m m o d el o i r r ec u s áv el .
N ão h á, p o r t an t o um ' o b r a' p r o p r i am e n t e d i t a: A e x e c u ç ão é,
s i m u l t an eam en t e, i n t er p r et aç ão e c r i aç ão 19" .
19
Jean Jacques Nattiez, O combate entre Cronos e Orfeu, Ed. Lettera, 2005, p. 7)
18
Obviamente, no curto espaço de tempo de um workshop não é
p r i n c i p a l m e n t e n o q u e d i z r e s p e i t o a c r i a r u m a a t i t u d e d e " s o l t u r a " (p a r a
i n t e n s i f i c a d a (d o o u t r o , d o c o n j u n t o e d e s i m e s m o ) e d e i n t i m i d a d e c o m
c o m a " f o r m a " b l u es d e 1 2 c o m p a s s o s .
p a r â m e t r o s d o s o m q u e n ã o s ó a s f r e q ü ê n c i a s (n o t a s , e s c a l a s , m o d o s e
a r p e j o s ). S o b r e u m a b a s e r í t m i c a p o p u l a r q u a l q u e r (s a m b a , f o r r ó , s a l s a ,
20
Nos permitiremos aqui novamente uma citação de nosso trabalho de doutorado em que podemos ler:
Estamos pensando aqui, que aquele que estuda improvisação no contexto de um idioma qualquer, fica
durante muito tempo só experimentando os elementos abstratos daquele idioma: escalas, padrões,
estruturas rítmicas e de intervalos. No entanto esta experimentação ainda não é o jogo propriamente dito
da improvisação. Esta envolve outros elementos além destes apreendidos através de extenuantes
exercícios. Isto não quer dizer que eles não são necessários. Mas o fato é que, durante muito tempo, em
suas tentativas de improvisação o aprendiz irá fazer um uso mecânico - por isto abstrato, não significativo
- destas estruturas, e não vai efetivamente ouvir e improvisar. Muitas vezes elas serão um empecilho para
uma escuta real do fluxo da performance: ao invés de ouvir o som que está resultando e interagir com ele
o aprendiz fica preso às fórmulas abstratas apreendidas e ansioso por usá-las. Ele está na fase de
denominação dos signos, quando eles ainda não estão prontos para o uso. Citando Wittgenstein
poderíamos dizer que "denominar é uma preparação para a descrição. O denominar não é ainda nenhum
lance no jogo de linguagem, - tão pouco quanto o colocar uma figura de xadrez no lugar é um lance no
jogo de xadrez. Pode-se dizer: ao denominar uma coisa, nada está ainda feito. Ela não tem nome, a não
ser no jogo" (Wittgenstein, 1979, p.31 citado por Rogério Luiz M. Costa, op. cit. 2003, p. 74).
19
(n o t a s , e s c a l a s , m o d o s , s é r i e s , e t c ) d e v e p a r t i r d e o u t r o s p r e s s u p o s t o s
p e r f o r m a n c e s d e j azz:
21
STRAVINSKY, Igor, Poética Musical em 6 lições, Jorge Zahar Editor, 1996, p. 5 e 36.
20
Poderíamos ainda citar as instruções concebidas pelo trombonista,
d e i m p r o v i s a ç ã o e m g r u p o s p o r e l e d i r i g i d o s . E m s e u c é l e b r e t e x t o r èag i r
p r o p o s t a s d e i n t e r a ç ã o i n c i d i n d o n u m p l a n o d e c o n s i s t ê n c i a i d eal , s e
sentido.
L a w r e n c e C a s s e r l e y , D e r e k B a i l e y (u m d o s p i o n e i r o s n a r e f l e x ã o s o b r e
e s t e a s s u n t o c o m o l i v r o I m p r o v i s at i o n , i t s n at u r e an d p r ac t i c e i n m u s i c
I m p r o v i s a t i o n ), H a n B e n n i c k , E a r l e B r o w n , J o h n S t e v e n s , G a v i n B r i a n , J o h n
Z o r n , E v a n P a r k e r , S t e v e L a c y , L a D o n n a S m i t h (q u e e d i t a n o C a n a d á a
21
Canadá e Austrália. Não podemos nos esquecer de trabalhos precursores
F e l d m a n , C h r i s t i a n W o l f f ). A p e s a r d e q u e m u i t o s d e l e s n ã o s e d e d i c a r a m
N o B r a s i l , o g r u p o A k r o n o n , d o q u a l f a z e m o s p a r t e (E d s o n E z e q u i e l ,
c o n t e m p o r â n e a (F e s t i v a l M ú s i c a N o v a , F e s t i v a l d e L i n g u a g e n s E l e t r ô n i c a s
- F I L E , p r o g r a m a ç ã o d o C P F L , e t c . ). É i m p o r t a n t e s a l i e n t a r q u e o g r u p o
N e s t a é p o c a (2 0 0 2 ) g r a v a m o s a l g u m a s p e r f o r m a n c e s a p a r t i r d a s q u a i s
1-Pollock
O t í t u l o d es t a p er f o r m an c e (at r i b u í d o a p o s t er i o r i c o m o t o d o s o s
t í t u l o s d as m ai s d e 3 0 p er f o r m an c es r eg i s t r ad as p el o A k r o n o n ) é u m a
h o m e n ag e m ao p i n t o r am e r i c an o J ac k s o n P o l l o c k (1 9 1 2 - 5 6 ) q u e f o i ,
s eg u n d o o h i s t o r i ad o r N i c o l as P i o c h , o p r i m ei r o p i n t o r " al l - o v er " . N es t e
es t i l o s e ab an d o n a a i d éi a t r ad i c i o n al d e c o m p o s i ç ão em t er m o s d e
r el aç ão en t r e as p ar t es e t o d as as c o n v en ç õ es d e u m m o t i v o c en t r al p ar a
22
a p i n t u r a. A l ém d i s s o , a p ar t i r d e u m a d et er m i n ad a f as e d e s u a c ar r ei r a
(1 9 4 7 ) P o l l o c k p as s o u a t r ab al h ar d es p ej an d o a t i n t a d i r et o d a l at a s o b r e
a t el a, d ei x an d o d e u s ar p i n c éi s e p al et a. V ár i o s r el at o s d es c r ev em s eu s
p r o c es s o s d e t r ab al h o em q u e el e d an ç a n u m a es p éc i e d e s em i - êx t as e ,
d er r u b an d o , d es p ej an d o , p i n g an d o , b o r r an d o e m an i p u l an d o a t i n t a c o m a
aj u d a d e f ac as e r i p as d e m ad ei r a s o b r e as t el as c o l o c ad as n o c h ão . E l e
c o s t u m av a d i zer : " a p i n t u r a t em v i d a p r ó p r i a. E u t en t o f azer c o m q u e el a
s e m an i f es t e" . N es t a f as e d e s eu t r ab al h o el e n ão p i n t av a i m ag en s ,
s o m en t e aç ão . D aí o t er m o c u n h ad o p ar a d es c r ev er s u a o b r a: ac t i o n
p ai n t i n g .
A h o m en ag em en t ão , num p r i m ei r o m o m en t o , d ec o r r e de um
c o n c ei t o p ar al el o q u e n o s ap r o x i m a d e s u a p r o p o s t a: ac t i o n an d r eac t i o n
m u s i c . A m ú s i c a d o A k r o n o n é m ú s i c a em aç ão e, ao m es m o t em p o , é
m ú s i c a d e r e aç ão p o i s s e t r at a d e u m a p r át i c a m u s i c al " i n s t an t ân e a" ,
c o l et i v a e i n t er at i v a. É u m f azer . T am b ém n ão " p i n t am o s " i m ag en s ,
s o m en t e aç ão . A outra d i m en s ão da h o m en ag em diz r es p ei t o às
c ar ac t er í s t i c a s es p ec í f i c as d e s t a p e r f o r m a n c e : o m at er i al s o n o r o m ai s
s i g n i f i c at i v o d es t a s es s ão , c o n f o r m e p r et en d em o s d em o n s t r ar n a an ál i s e,
é o g es t o . O g es t o i n s t r u m en t al , au t o m át i c o , i n t u i t i v o e " i m p en s ad o " q u e
g er a f i g u r as e t ex t u r as n o d ec o r r er d a p er f o r m an c e. A s s i m c o m o é
as s u m i d am en t e, au t o m át i c o , ap ar en t em en t e intuitivo e i m p en s ad o , o
g es t o d e P o l l o c k em aç ão s o b r e as t el as c o l o c ad as n o c h ão .
P o l l o c k é t am b é m o n o m e d e u m ap l i c at i v o c o m p u t ac i o n al u t i l i zad o
n as p e r f o r m an c e s do Akronon, c r i ad o por Silvio F e r r az a p ar t i r do
s o f t w ar e M A X . S eg u n d o o s eu m an u al d e i n s t r u ç ão , o ap l i c at i v o " P o l l o c k
s o u n d p o u r er " f o i d es en h ad o c o m b as e n a i m ag em d a t i n t a d es en h ad a em
n u m b e r - 8 , f u l l f at h o m - 5 , e o u t r o s p ai n éi s d e J ac k s o n P o l l o c k . A i d éi a
p r i n c i p al f o i c r i ar u m s i s t em a q u e p er m i t i s s e b r i n c ar c o m s o n s g r av ad o s
como se f o s s em r es p i n g o s sonoros. Ele pode s er u t i l i zad o em
p er f o r m an c es i n s t r u m en t ai s o u em j o g o s i n t er at i v o s . A p ar t i r d e u m
d i s p o s i t i v o s i m p l es d e g r av aç ão , é p o s s í v el g r av ar u m a am o s t r a d e s o n s
q u e é i m ed i at am en t e t o c ad a, p as s an d o p o r u m p r o c es s o c o n s t an t e d e
23
g r an u l aç ão . A am o s t r a é p i c o t ad a n es s es g r ão s , c u j o t am an h o p o d e s er
m an i p u l ad o e m t e m p o r e al , e e s p al h ad a t an t o n o e s p aç o ac ú s t i c o (e s p aç o
f r eq ü en c i al ) c o m o n o es p aç o t r i d i m en s i o n al (at r av és d e u m s i m u l ad o r d e
es p aç o b i n au r al ), r ep r o d u zi n d o o ef ei t o d e " t i n t as- s o n o r i d ad es " l an ç ad as
em m o v i m en t o s i r r eg u l ar m en t e r ei t er ad o s / … / E m P o l l o c k , M A X é u t i l i zad o
n ão s ó c o m o g r an u l ad o r (m ó d u l o d e p r o c e s s am e n t o s o n o r o ) m as n o
d es en h o d e u m ap l i c at i v o q u e r ef l et e u m a es t r at ég i a c o m p o s i c i o n al . A
i d éi a d a r ei t er aç ão e d a s u a d i s p er s ão es p ac i al em p eq u en o s f r ag m en t o s
c o m p r een d e a i d éi a d e u m a c o m p o s i ç ão m u s i c al q u e t en h a a r ep et i ç ão
i r r eg u l ar c o m o s eu p r i n c i p al m o t o r .
G en er i c am en t e o M A X é u m am b i en t e d e p r o g r am aç ão s o b r e o q u al é
p o s s í v el es t r u t u r ar es t es ap l i c at i v o s (s o f t w ar es que t r an s f o r m am os
c o m p u t ad o r es em v er d ad ei r o s " i n s t r u m en t o s " ) p ar a i n t er aç ão el et r ô n i c a
em t em p o r eal e q u e u t i l i zam u m a p l at af o r m a M ac i n t o s h . A s p o s s i b i l i d ad es
s ão i n ú m er as p o i s o M A X é u m a t el a b r an c a o n d e s e p o d em t r aç ar i n f i n i t o s
m ap as . A p ar t i r d e l e s , o m ú s i c o q u e o p e r a o s p r o c e s s am e n t o s e l e t r ô n i c o s ,
p o d e c r i ar d i f er en t es c am i n h o s at u an d o s o b r e o s s o n s p r o d u zi d o s p el o s
i n s t r u m en t o s ac ú s t i c o s e d ev o l v en d o - o s t r an s f o r m ad o s p ar a o am b i en t e.
O Pollock sound pourer é um d e s t e s m ap as e é u m d o s q u e m ai s
u t i l i zam o s e m n o s s as p r át i c as .
C o n c r e t am e n t e , e s t e ap l i c at i v o o p e r a d a s e g u i n t e m an e i r a: h á 4
g r av ad o r es p ar a c o l h er as am o s t r as (s am p l es ) q u e f u n c i o n am d e m an ei r a
i n d ep en d en t e. A p ar t i r da s el eç ão de t r ec h o s d as am o s t r as , os
p r o c es s am en t o s d i s p o n í v ei s s ão as g r an u l aç õ es , as al t er aç õ es de
v el o c i d ad e c o m a c o n s eq u en t e m u d an ç a d e r eg i s t r o , o s ef ei t o s g l i s s an d i ,
os loops (g r av aç õ es r ep et i d as em ciclo f ec h ad o ), os r ev er s o s , os
c o n g el am en t o s d e t r ec h o s , et c . T o d a s es t as o p er aç õ es s ão d ec i d i d as e
d i s p ar ad as em t em p o r eal p el o m ú s i c o q u e o p er a o c o m p u t ad o r em
i n t er aç ão c o m o am b i en t e t o t al d a p er f o r m an c e. O s g r av ad o r es p o d em
o p er ar s i m u l t ân ea o u i n d i v i d u al m en t e. A l ém d i s s o o ap l i c at i v o p o s s i b i l i t a a
o p er aç ão d e s í n t es es A M em t em p o r eal (s em u t i l i zaç ão d o s g r av ad o r es ):
24
o som ac ú s t i c o p r o d u zi d o p el o s outros músicos é t r an s f o r m ad o no
m o m e n t o m e s m o d a e m i s s ão e j á s ai p e l as c ai x as ac ú s t i c as m o d i f i c ad o .
É c er t o q u e a u t i l i zaç ão d es t es r ec u r s o s c o m p u t ac i o n ai s , al ém d e
am p l i ar en o r m em en t e o p o t en c i al d e f ab r i c aç ão d es t a m áq u i n a d e s o n s
q u e é a p er f o r m an c e, ag r eg a à m es m a, u m al t o g r au d e i m p r ev i s i b i l i d ad e.
A s v ar i áv ei s s ão i n f i n i t as e o g r au d e c o n t r o l e d o s r es u l t ad o s s o n o r o s p o r
p ar t e d o m ú s i c o r es p o n s áv el p el as o p er aç õ es d e p r o c es s am en t o , d ep en d e
d o am b i en t e c o n c r et o (p l en o d e m u l t i p l i c i d ad es e c o m p l ex i d ad es ) em q u e
a p er f o r m an c e s e d es en r o l a. U m a d i m en s ão ex p er i m en t al c o n c r et i zad a n o
m é t o d o d e t e n t at i v a e e r r o i n t e g r a o ar s e n al d e p r o c e d i m e n t o s d e s u a
at u aç ão . A ev en t u al f r u s t r aç ão d e ex p ec t at i v as t am b ém f az p ar t e d e u m
am b i en t e q u e s e c o n f i g u r a, c o n f o r m e p al av r as d o p r o f es s o r e p er f o r m er
S i l v i o F er r az, en q u an t o u m a " p er f o r m an c e d es p r o t eg i d a" . P o r o u t r o l ad o ,
é a p ar t i r d a u t i l i zaç ão d es t e t i p o d e r ec u r s o q u e es t e m ú s i c o s e i n t eg r a
d e m an ei r a at i v a n a p er f o r m an c e. O c o m p u t ad o r s e t o r n a t am b ém u m
i n s t r u m en t o . É c er t o q u e el e n ão p r o d u z o s s o n s i n i c i ai s : g r av a e
t r an s f o r m a aq u i l o q u e c ap t u r a. É o " v am p i r i s m o m u s i c al " .
P as s e m o s à p e r f o r m an c e p r o p r i am e n t e d i t a. P r o c ed er em o s , n es t e
c as o à uma an ál i s e d et al h ad a do fluxo sonoro. A d u r aç ão t o t al da
p er f o r m an c e é d e 1 6 ' 3 7 " . A s es s ão s e i n i c i a ao s p o u c o s c o m a i n t r o d u ç ão
d e el em en t o s q u e p o d er i ám o s d ef i n i r c o m o a c u m u l a ç õ e s no sentido
es t ab el ec i d o p o r S c h aef f er : o s ax o f o n e s o p r an o p r o d u z a p ar t i r d e u m a
m an i p u l aç ão rítmica livre d as c h av e s (0 ' 0 8 " at é 0'15") um objeto
d es c o n t í n u o , i r r eg u l ar , d en s o e s em al t u r a d ef i n i d a. E s t e t i p o d e o b j et o é
d es c r i t o p o r S c h aef f er n a p ág i n a 3 5 9 d e s eu t r at ad o : " A t r av és d o s eu
am o n t o ad o , d es o r d en ad o em m ai o r o u m en o r g r au d e ar t e o u n at u r eza, o
ouvido pode ap o i ar - s e sobre o s eu p ar en t es c o , e c o ac t ar a sua
d i v er s i d ad e em u m o b j et o c ar ac t er í s t i c o : a a c u m u l a ç ã o (an al o g i a d e u m a
m u l t i p l i c i d ad e d e c au s as )" . E s t e o b j e t o , as s i m c o m o m u i t o s d o s q u e , a o s
p o u c o s s e ap r es en t ar ão n es t a s es s ão , r ev el a d e u m a m an ei r a ev i d en t e,
u m g e s t o i n s t r u m e n t al p o r t r ás d e s u a p r o d u ç ão . A q u i p e r c e b e - s e a
p er c u s s ão l i v r e, o r i t m o p u r o d o s d ed o s s o b r e as c h av es d o i n s t r u m en t o .
25
S i m u l t an eam en t e (0 ' 1 3 " ) s e d el i n ei a u m o u t r o o b j et o (o u u m a o u t r a
c am ad a do o b j et o m ai s c o m p l ex o que irá se d el i n ear a p ar t i r da
ac u m u l aç ão d es t es p eq u en o s p r é - o b j et o s ) a p ar t i r d e o u t r o g es t o : n o
v i o l i n o , o g es t o l i v r e em p i zzi c at o s o b r e as c o r d as s o l t as (q u e t em m ai o r
p er m an ên c i a d o q u e o g es t o d o s ax o f o n i s t a, p o i s r ev er b er a) d el i n ei a
n o v am e n t e uma acumulação. Só que es t a r ev el a c ar ac t er í s t i c as
f r eq ü en c i ai s i d en t i f i c áv ei s (al t u r as d ef i n i d as e v ar i áv ei s ), d i f er en t e
d en s i d ad e e o c o r r ên c i a i n t er m i t en t e: s ão como i l h as de sons com
f r eq ü ên c i as i n d ef i n i d as (n o t as ) en t r em ead as p o r s i l ên c i o s . A p ar t i r d a
m ar c a d e 0 ' 2 2 ' ' at é 0 ' 4 0 " s e e s t ab e l e c e u m a e s t r u t u r a d e p e r g u n t a e
r es p o s t a: as c ar ac t er í s t i c as da c am ad a i n t er m i t en t e do violino
" c o n t am i n am " o o u t r o i n s t r u m en t i s t a q u e p as s a a d i al o g ar , p r een c h en d o
o s es p a ç o s c o m ev en t o s an ál o g o s . O s n o v o s el em en t o s c r i ad o s p el o
s ax o f o n i s t a p ar a es t e d i ál o g o s ão , p o r ém , m ai s c l ar am en t e g es t u ai s :
es c al as e f r ag m en t o s d e es c al as s o l t o s , en u n c i ad o s c o m o u n i d ad es d e
t am an h o s v ar i ad o s e en t r em ead o s p o r s i l ên c i o s ab r u p t o s . U m t r at am en t o
f i g u r al (t em át i c o ) p o r v ezes s e i n s i n u a m as n ão c h eg a a s e i n s t al ar . N o
jogo de pergunta e resposta (n a c o n v e r s a. . . ), estes dois objetos
f u n c i o n am como p al av r as de t am an h o s d i v er s o s en u n c i ad as p el o s
p ar t i c i p an t es . A o n í v el d o s o l f ej o t em o s u m o b j et o m i s t o c o m p o s t o
l i n ear m en t e (n ão h á, ai n d a a s i m u l t an ei d ad e) a p ar t i r d a al t er n ân c i a
d es t es d o i s o b j et o s (o u c am ad as c o n f o r m e a p r o p o s t a d e an ál i s e).
N a m ar c a d o s 0 ' 4 1 " ap ar e c e , p e l a p r i m e i r a v e z u m o b j e t o q u e é
r es u l t ad o d e u m p r o c es s am en t o el et r ô n i c o . E s t e, q u e é u m a m an i p u l aç ão
t r an s p o s t a d o o b j et o d o v i o l i n o , o p er a u m ad en s am en t o d a es t r u t u r a
g er al f azen d o com que d i m i n u am os es p aç o s en t r e os ev en t o s . Se
es t ab el ec e ao s poucos, as s i m , a s i m u l t an ei d ad e d as c am ad as . D es t e
m o m e n t o at é a m ar c a d e 2 ' 0 6 " p o d e- s e d i zer q u e s e c o n s t i t u i u m a
t ex t u r a que soma v ár i as c am ad as com o b j et o s s em el h an t es , p o r ém
d i f er en c i ad o s : o s g es t o s - ac u m u l aç õ es es p aç ad o s q u e " r i s c am " a t es s i t u r a
p r o d u zi d o s p el o s ax o f o n e, as c u r t as " i l h as " - ac u m u l aç õ es em p i zzi c at o
p r o d u zi d as p el o v i o l i n o , al ém d o s o b j et o s m ai s g r an u l o s o s p r o d u zi d o s
26
p el o s p r o c es s am en t o s el et r ô n i c o s q u e s ão j o g ad o s , as v ezes em l o o p , em
v ár i as d i r eç õ es es p ac i ai s e em v ár i as r eg i õ es d a t es s i t u r a. N es t a t ex t u r a,
c ad a c am ad a i d en t i f i c ad a d e o b j et o s s e c o m p o r t a d e m an ei r a i m p r e v i s í v e l .
O s ev en t o s s ão ap r es en t ad o s em m o m en t o s d i s p ar at ad o s e em p o s i ç õ es
(d i n âm i c as , f r eq u en c i ai s , t em p o r ai s , et c . ) s u r p r een d en t es . No g er al ,
p o r ém , t r at a - s e d e u m a t ex t u r a h o m o g ên ea e em ev o l u ç ão . P o d em o s aq u i
p as s ar a c o n s i d er ar o r es u l t ad o d a s o m a d e o b j et o s / c am ad as c o m o u m
o b j et o c o m p l ex o q u an d o el e s e ap r es en t a p r o v i s o r i am en t e h o m o g ên eo .
Como r e s u l t ad o desta e v o l u ç ão (o u do s at u r am e n t o de s u as
p o s s i b i l i d ad es ), s e i n t r o d u zem n o v o s el em en t o s e f o r ç as q u e ao s p o u c o s
v ão (o u n ão ) s e c o n s t i t u i r em n o v o s o b j et o s : s o n s l o n g o s , t ô n i c o s ,
contínuos e es t áv ei s , g l i s s an d o s e i t er aç õ es (" n o t as " r ep et i d as )
i n t r o d u zi d o s aq u i e al i p el o v i o l i n o .
Na m ar c a de 2'06", a " n o t a" longa do violino começa a se
es t ab el ec er en q u an t o c en t r o d e u m a n o v a t ex t u r a. H á, n a r eal id ad e, u m a
l en t a e i m p er c ep t í v el t r an s f o r m aç ão da t ex t u r a a p ar t i r da g r ad u al
i n t r o d u ç ão d es t es o b j et o s tônicos e s u s t en t ad o s que p as s am a s er
p r o d u zi d o s t am b ém p el as o u t r as f o n t es (s ax o f o n e - 2'21", e
p r o c es s am en t o el et r ô n i c o ). E s t a t r an s i ç ão s e c o n f i g u r a n a m e d i d a e m q u e
s e m an t ém n a t ex t u r a at u al , es p ar s am en t e, o b j et o s d a t ex t u r a an t er i o r
(p r i n c i p al m en t e n a c am ad a el et r ô n i c a) e o g es t o i n s t r u m en t al an t er i o r d o
s ax o f o n i s t a s e " c o n t am i n a" c o m o n o v o o b j et o : o s r áp i d o s f r ag m en t o s d e
es c al a p as s am a r ep o u s ar n o s e u f i n al e m n o t as l o n g as . E s t a n o v a
c o n f i g u r aç ão d e c am ad as - r áp i d o s f r ag m en t o s d e es c al a c o n d u zi n d o a
s o n s t ô n i c o s s u s t en t ad o s , g r an u l aç õ es r es u l t an t es d e p r o c es s am en t o s e
t r an s p o s i ç õ es , " i l h as " d e s o n s i t er at i v o s d i v er s i f i c ad o s (p i zzi c at o s , s o n s
c u r t o s at ac ad o s n o s ax o f o n e), et c - v ai p r o m o v en d o u m a g r ad u al d i l u i ç ão
n a d e n s i d ad e d a t e x t u r a q u e v ai , at é a m ar c a d o s 3 ' , c o n f i g u r ar u m a n o v a
" p ai s ag em " s o n o r a. E s t as t r an s f o r m aç õ es n ão s ão p r em ed i t ad as , el as
ac o n t ec em n o c o n t ex t o m es m o d a p er f o r m an c e e s ão p er c eb i d o s n u m a
an ál i s e r et r o s p ec t i v a.
27
Num nível m ai s g e r al esta an ál i s e revela uma tendência d as
p er f o r m an c es de que os o b j et o s c o m p l ex o s (g es t al t s , t ex t u r as ) se
es t ab el eç am g r ad at i v am en t e em c am ad as m ai s o u m en o s i n d ep en d en t es .
E s t as c am ad as p o d em s e d es l o c ar c o m v el o c i d ad es d i f er en t es d e m o d o s
q u e, m u i t as v ezes há i n t er p o l aç õ es : o b j et o s v ão s en d o constituídos
s i m u l t an eam en t e a o u t r o s q u e v ão s e d i s p er s an d o . T u d o é l i g ad o p as s o a
p as s o .
N a m e d i d a e m q u e n ão h á u m t e r r i t ó r i o e s p e c í f i c o (i d i o m a) q u e
u n i f i q u e a p er f o r m an c e, o s o b j e t o s s o n o r o s é q u e d ã o c o n s i s t ê n c i a
m u s i c a l a e s t a p r á t i c a q u e d e o u t r o m o d o p o d er i a m er g u l h ar n u m a
es p éc i e d e c ao s c ó s m i c o i n d i f er en c i ad o . O s o b j et o s s ão ex p r es s ão d e u m a
m e t am o r f o s e d a r e p e t i ç ão . R e p e t i ç ão , n a m e d i d a e m q u e e l es s ó s e
es t ab el ec em a p ar t i r d e u m a r ep et i ç ão d e c o m p o n en t es . M et am o r f o s e -
que é o modo de s er d as p er f o r m an c es - porque as p eq u en as
t r an s f o r m aç õ es l o c ai s v ão ao s poucos d el i n ean d o (t r an s i ç õ es ) o
ap ar ec i m en t o d e n o v o s o b j et o s . T o d o es t e p r o c es s o q u e s e d á em p l en a
s i m u l t an ei d ad e e em t em p o r eal d ep en d e de um al t o p o d er de
c o n c en t r aç ão dos músicos o que c o n f er e ao s o b j et o s m u s i c ai s al t a
v o l at i l i d ad e. E l es s ão c o m o n u v en s q u e s e f o r m am n o c éu e s e d es f azem a
c ad a s eg u n d o . A s s i m , c ad a o b j et o (t an t o as c am ad a s q u an t o o s o b j et o s
c o m p l ex o s ) t em um g r au de p o t ên c i a d i f er en t e que d ep en d e
p r i n c i p al m en t e d e s eu c o n t eú d o em o c i o n al . E s t a p o t ên c i a c o n d i c i o n a o
t em p o d e p er m an ên c i a d o s o b j et o s . N a r eal i d ad e o t em p o d e p er m an ên c i a
de um m es m o o b j et o m u s i c al d ep en d e de uma s ér i e de f at o r es
constitutivos que v ão d et er m i n ar se es t e o b j et o é f ec u n d o p ar a
t r an s f o r m aç õ es s em p er d er s u a i d en t i d ad e o u s e o s eu t ec i d o é es t ér i l e
s e es v ai r ap i d am en t e.
N e s t e c o n t e x t o as at i t u d e s d o m ú s i c o p o d e m s e r b as i c am e n t e d e
d o i s t i p o s : a r es p o s t a (q u e é u m a es p éc i e d e s i n t o n i a c o m o s el em en t o s
c o n s t an t es do o b j et o ) p el a q u al el e se i n t eg r a no o b j et o v i g en t e
t r an s f o r m an d o - o p o r d en t r o , e a p r o p o s t a, at r av és d a q u al el e p r o p õ e
n o v o s r u m o s p ar a a p e r f o r m an c e e e s t ab e l e c e p o n t e s c o m o s n o v o s
28
o b j et o s vindouros. O ad v en t o de p r o p o s t as pode ou n ão o c as i o n ar
m u d an ç as d e r u m o . N a r e al i d ad e o e s p í r i t o d a r e s p o s t a e d a p r o p o s t a s ão
c o m p l em en t ar es . T r at a - s e s i m p l es m en t e d e u m a q u es t ão d e g r au .
V o l t em o s p ar a a an ál i s e. N a m ar c a d e 3 ' , s u r g e u m n o v o o b j et o
p r o d u zi d o p el o v i o l i n o : é, n as p al av r as d e S c h aef f er , u m a t í p i c a a m o s t r a
(" D o l ad o d o s s o n s c o n t í n u o s , é a p er m an ên c i a d e u m m es m o ag en t e a
p er s eg u i r s u as t en t at i v as , q u e i r á s o l d ar , at r av és d a i n c o er ên c i a d o
d et al h e, as d i v er s as f as es d o ev en t o s o n o r o " . - S c h aef f er , 1 9 9 3 , p . 3 5 8 ) e
t am b ém t em u m a c l ar a o r i g em g es t u al . T r at a- s e d e u m o b j et o c o n t í n u o ,
ex c ên t r i c o , p r o d u zi d o p o r u m g es t o s i m i l ar ao d es c r i t o p o r S c h aef f er :
" U m m en i n o q u e af l o r a c o m o d ed o a c o r d a d e u m v i o l i n o , en q u an t o
conduz i n ab i l m en t e o ar c o a q u al q u er l u g ar , f ab r i c a um som t ão
i n c o n g r u en t e q u an t o i n t er m i n áv el … " (S c h aef f er , 1 9 9 3 , p . 3 5 8 ) . N o n o s s o
c as o , a am o s t r a é p r o d u zi d a p el o v i o l i n o a p ar t i r d o u s o d e u m a ar c ad a
em f l au t at o s o b r e a r eg i ão d o s h ar m ô n i c o s n a c o r d a m i c o m u m a d i n âm i c a
em p p . E s t e n o v o o b j et o p r ep ar a a en t r ad a d a f l au t a p í f an o (3 ' 1 7 " ). E s t a,
i n t r o d u z o b j et o s s em el h an t es às a c u m u l a ç õ e s p r o d u zi d as an t er i o r m en t e
p el o s ax o f o n e (g es t o s es c al ar es , f r ag m en t o s , c u r t o s d e f i g u r as , et c ) m as
c o n t am i n ad o s p el o t i m b r e h ar m ô n i c o t í p i c o d o f l au t ad o d o v i o l i n o . N es t e
m o m e n t o , d a e n t r ad a d a f l au t a at é a m ar c a d e 3 ' 4 3 ' ' , c o n v i v e m n a
t ex t u r a al g u m as c am ad as : a) o v i o l i n o c o m s u a am o s t r a ex c ên t r i c a d e
r u í d o s , h ar m ô n i c o s e t i m b r es i n u s i t ad o s , b ) a f l au t a c o m s u as f i g u r as
c l ar am en t e g es t u ai s d er i v ad as dos f r ag m en t o s es c al ar es propostos
an t er i o r m en t e p el o s ax o f o n e (t r at a- s e aq u i d a r em i n i s c ên c i a d e u m g es t o
e n ão d o u s o f i g u r al o u p r o p r i am en t e t em át i c o d es t es el em en t o s , q u e
c o n f i g u r ar i a u m a s í n t es e at i v a d a m em ó r i a), c ) v ár i as r es u l t an t es d e
p r o c es s am en t o el et r ô n i c o d e m at er i ai s an t er i o r es e at u ai s : g r an u l aç õ es
ag u d í s s i m as " r i s c an d o " al eat o r i am en t e o t ec i d o s o n o r o e u m a f r eq ü ên c i a
g r av e numa d i n âm i c a pp q u as e i m p er c ep t í v el e p r o v av el m en t e
i n v o l u n t ár i a, n ão p r em ed i t ad a e ac i d en t al 22.
22
Já tivemos a oportunidade de afirmar o caráter positivo do acaso e do acidental - enfim, do não
premeditado - no contexto da performance. Neste caso particular fica bastante evidente a pertinência
29
A p ar t i r d a m ar c a d e 3 ' 4 5 " s e d es en v o l v e u m a t ex t u r a r ar ef ei t a q u e
s e c ar ac t er i za p o r u m a es p éc i e d e d i ál o g o p r ed o m i n an t em en t e m el ó d i c o
(p l en o d e g es t u al i d ad e), p o r v ezes c o n t r ap o n t í s t i c o , en t r e a f l au t a e o
v i o l i n o n o c o n t ex t o d e u m a " p ai s ag em " q u e n o s r em et e ao s p ás s ar o s d e
M es s i aen : c aó t i c o s , l i v r es , i m p r ev i s í v ei s m as ai n d a as s i m , p o r t an d o u m a
i d en t i d ad e sonora p er c ep t í v el (f i g u r aç õ es r ap i d í s s i m as - q u as e
g r an u l aç õ es - em r eg i õ es de f r eq ü ên c i as ag u d as a p ar t i r de um
p r o c es s am en t o d e s o n s s u s t en t ad o s d o v i o l i n o e d a f l au t a, d i n âm i c as ).
É i n t er es s an t e o b s er v ar , n o c o n t ex t o d es t e d i ál o g o en t r e a f l au t a e
o v i o l i n o , a p ar t i r d o 4 ' 4 0 " , a r ei t er aç ão o b s es s i v a d e u m a f i g u r a d e 4
n o t as p e l a f l au t a e o c o n t r ap o n t o l i v r e e m s o n s l o n g o s , g l i s s ad o s e
s u s t en t ad o s p o r p ar t e d o v i o l i n o . O u t r a c ar ac t er í s t i c a i m p o r t an t e d es t a
t ex t u r a é o s eu g r au de m o b i l i d ad e ex p r es s a num r ev ezam en t o de
p r ed o m í n i o d as d i v er s as c am ad as .
A p ar t i r d a m ar c a d e 5 ' 1 9 " a c ar ac t er í s t i c a i t er at i v a e g r an u l ar
i m p l em en t ad a n a c am ad a el et r ô n i c a c o n t am i n a a t ex t u r a q u e v ai ao s
p o u c o s g an h an d o d en s i d ad e e u m a n o v a c o n f i g u r aç ão : o s " p ás s ar o s "
i n v ad em a p ai s ag em . N a m ar c a d e 7 ' 1 9 " u m a n o v a p r o p o s t a i n v ad e o
t ec i d o : o v i o l i n o i n t r o d u z ar p ej o s r áp i d o s q u e l em b r am as f i g u r as g es t u ai s
d o s ax o f o n e q u e p o r s u a v ez r et o r n a à t ex t u r a s u b s t i t u i n d o a f l au t a.
G es t o s r áp i d o s e en t r ec o r t ad o s , q u as e p o n t i l h i s t as c o m p õ em es t a n o v a
c o n f i g u r aç ão . N a m ar c a d e 8 ' 4 8 " at é 1 0 ' 1 5 " a c am ad a el et r ô n i c a i n t r o d u z
s u c es s i v as c am ad as d e c ar át er r í t m i c o r ep et i t i v o (at r av és d o u s o d e l o o p s
t r an s f o r m ad o s e t r an s p o s t o s ) q u e f u n c i o n am c o m o o n d as p o r t ad o r as o u
p ed ai s rítmicos p ar a os ac o n t ec i m en t o s p o n t i l h i s t as , g es t u ai s e
as s i m ét r i c o s (at aq u es em c o r d as d u p l as n o v i o l i n o , f i g u r aç õ es m el ó d i c as ,
r áp i d as na f l au t a que se introduz n o v am en t e na m ar c a de 10'05")
p r o n u n c i ad o s p el o s i n s t r u m en t o s . A p ar t i r d a m ar c a d e 1 0 ' 1 5 " , c o m a
d i s p er s ão d o p ed al r í t m i c o a t ex t u r a v ai p r o m o v er a s u a d i l u i ç ão g r ad at i v a
a p ar t i r , p r i n c i p al m en t e, d a i d éi a d e p o n t i l h i s m o e m i c r o f i g u r as : o es p aç o
acidental do elemento descrito enquanto força articuladora do caráter transitório deste momento da
performance.
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t em p o r al , d i n âm i c o e f r eq ü en c i al v ai ao s p o u c o s s en d o d es b as t ad o e a
t ex t u r a p er d e es p es s u r a.
N a m ar c a d e 1 1 ' 0 5 " o c o r r e u m g r an d e c o r t e r e s u l t an t e d e s t e
g r ad u al d es ad en s am en t o : é a p r i m ei r a p au s a g er al n a p er f o r m an c e. A
p ar t i r d a m ar c a d e 1 1 ' 0 9 " o c o r r e a g r ad u al c o n s t r u ç ão d e u m a t ex t u r a
h o m o g ê n e a d e f i n i d a p o r s u as c am ad as n i t i d am e n t e d e l i n e ad as : a)o v i o l i n o
i n t r o d u z u m a f i g u r a r ep et i t i v a c o m p o s t a d e s o n s s u s t en t ad o s , i r r eg u l ar es ,
em g l i s s an d o (u m a es p éc i e d e am o s t r a), b ) a f l au t a f az u m a es p éc i e d e
s o l o m el ó d i c o " ét n i c o " (n u m a ap r o x i m aç ão i n t en c i o n al c o m o c o n c ei t o d e
"folclore i n v en t ad o " b ar t o k i an o ), c) a c am ad a el et r ô n i c a promove
i n t er v en ç õ es i m p r ev i s í v ei s - i n i c i al m en t e u m a es p éc i e d e ac o m p an h am en t o
- q u e v ão c o n t am i n an d o as o u t r as c am ad as c o m s u as c ar ac t er í s t i c as
c o m p l ex as . A s en s aç ão d e o r g an i c i d ad e d es t e t r ec h o é ev i d en t e.
A p ar t i r d a m ar c a d e 1 2 ' 3 2 " , c o m a i n t r o d u ç ão d e s o n s i t er at i v o s -
t r êm u l o s n o v i o l i n o q u e s u r g em p o r s u a v ez en q u an t o r es u l t ad o d e u m a
r es s o n ân c i a d a c am ad a el et r ô n i c a g r an u l ad a - a t ex t u r a v ai s o f r en d o
n o v as t r an s f o r m aç õ es . O s el em en t o s p r es en t es n a t ex t u r a an t er i o r n ão
d es ap ar ec em ab r u p t am en t e: v ão s e t r an s f o r m an d o , c o n t am i n an d o e s en d o
c o n t am i n ad o s p el o s n o v o s ac o n t ec i m en t o s . O au m en t o d e d en s i d ad e é
c o n s t an t e, o s s o n s i t er at i v o s e as g r an u l aç õ es i n v ad em o am b i e n t e n as
v ár i as c am ad as q u e t am b ém c am i n h am n a t es s i t u r a c o n d u zi n d o a t ex t u r a
a u m a c r es c en t e c o m p l ex i d ad e.
A p ar t i r d a m ar c a d e 1 3 ' 5 0 " at é 1 4 ' 2 0 " d u as c am ad as s e f i x am e
d i al o g am n u m f l u x o ev o l u t i v o : o v i o l i n o p r o d u z u m o b j et o i t er at i v o q u e s e
m o v e n a t e s s i t u r a e a c am ad a el et r ô n i c a d ev o l v e o p r o c es s am en t o d e
el em en t o s an t er i o r es (a p ar t i r d e f i g u r as p r o d u zi d as p el a f l au t a e p el o
v i o l i n o : g r an u l aç õ es t r an s p o s t as , at i r ad as em t o d as as d i r eç õ es ). E s t a
t ex t u r a d es em b o c a n u m a o u t r a c o n f i g u r aç ão (1 4 ' 2 0 " ) em q u e o v i o l i n o
r ad i c al i za as am o s t r as e b u s c a o s r u í d o s d e f o r m a s i s t em át i c a en q u an t o a
c am ad a el et r ô n i c a p r o c ed e a u m a g r ad at i v a s at u r aç ão d a g r an u l aç ão q u e
c o n d u z, n a m ar c a d e 1 4 ' 5 0 " , ao ap ar ec i m en t o de um longo o b j et o
i t er at i v o h o m o g ên eo m et am o r f o s ean t e. Este se soma a uma outra
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c am ad a - p r o d u zi d a p el o v i o l i n o - d e s o n s t ô n i c o s e i t er at i v o s q u e s e
m o v e m p e l a t e s s i t u r a. P o r ú l t i m o s e s o m a u m o u t r o o b j e t o i t e r at i v o
i n t er m i t en t e, d es t a v ez p r o d u zi d o em f r u l l at o p el o s ax o f o n e.
O f i n al d a p er f o r m an c e, q u e r es u l t a u n i c am en t e d o c an s aç o o u d o
es g o t am en t o n at u r al d o d es ej o d o s m ú s i c o s , s e c ar ac t er i za p o r u m a
d i s p er s ão g r ad u al de t o d as as c am ad as i d en t i f i c ad as que p as s am a
i n t er v i r c ao t i c am en t e no am b i en t e, t o r n an d o - o i n s t áv el . A t r av és de
o l h ar es en t r e o s m ú s i c o s s e es t ab el ec e u m c o n s en s o : c o m u m f ad e- o u t
ex ec u t ad o n a m es a d e s o m a p er f o r m an c e c es s a. N ão h á u m " ac o r d e
f i n al " , n ão h á u m a r e s o l u ç ão p o i s n ão h á o q u e r e s o l v e r . C o m r e l aç ão a
es t e as p ec t o d as p er f o r m an c es p o d em o s d i zer q u e c ad a p er f o r m an c e s e
dá d en t r o de uma “ m em b r an a” . É um d et er m i n ad o ag en c i am en t o
at u al i zad o a p ar t i r d o p l an o d e c o n s i s t ên c i a d o g r u p o . T em m em b r an a m as
n ão é l i n ear . É c o m o o " c o r p o s em o r g ão s " d e D el eu ze e G u at ar i . T em p o r
i s t o u m a d u r aç ão l i v r e. S eg u n d o N y m an : “ p r o c es s o s es t ão , p o r d ef i n i ç ão ,
s em p r e em m o v i m en t o e p o d em s er i g u al m en t e b em ex p r es s o s em d o i s
m i n u t o s o u em v i n t e e q u at r o h o r as . ” C i t an d o C h r i s t i an W o l f f a r es p ei t o
d e p eç as d e m ú s i c a ex p er i m en t al (N y m an , 1 9 9 9 , p . 1 2 ): “ C o m eç o e f i m
n ão s ão p o n t o s em u m a l i n h a e s i m l i m i t es d o m at er i al d e u m a p eç a. . . q u e
p o d em s er t o c ad o s a q u al q u er m o m en t o d u r an t e a p eç a. O s l i m i t es d e
u m a p eç a es t ão ex p r es s o s , n ão em m o m en t o s d e t em p o q u e m ar c am u m a
s u c es s ão , m as c o m o m ar g en s d e u m a p r o j eç ão es p ac i al d a es t r u t u r a
sonora t o t al ” . É i n t er es s an t e n o t ar que os p r o c es s o s da livre
i m p r o v i s aç ão es t ão m u i t o m ai s p r ó x i m o s d as i d éi as d e C ag e, m as as
s o n o r i d ad es r es u l t an t es es t ão m ai s p r ó x i m as d as o b r as d e V ar ès e .
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