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NOTÍCIA ARTIGO DE OPINIÃO

Projeto do Vale-Cultura chega ao Congresso até o final da O que é essencial para todos?
Gustavo Barreto
semana
“O homem é essencialmente um ser de cultura”, argumenta o professor Denys Cuche, da Universidade
Benefício será voltado para trabalhadores, que receberão R$ 50 mensais para comprar ingressos de Paris V. A cultura é um campo do conhecimentohumano que nos permite pensar a diferença, o outro, é
espetáculos e de cinema, além de livros e DVDs dar um fim às explicações naturalizantes dos comportamentos humanos. As questões étnica, nacional e
de gênero, por exemplo, não podem em hipótese alguma serem observadas em seu “estado bruto”. É o
O projeto que prevê a criação do Vale-Cultura chega ao Congresso Nacional ainda nesta semana, caso da relação homem-mulher, cujas implicações culturais são mais importantes do que as explicações
afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira. O projeto foi assinado pelo presidente Lula no fim de julho biológicas. E por que se faz importante fazer esta breve introdução, na questão da ideia do Vale-Cultura,
e, segundo Ferreira, demorou para ser enviado para votação devido à ausência da assinatura do lançada pelo Governo Federal e atualmente em discussão com os atores sociais da área? Porque urge
ministro da Fazenda, Guido Mantega, que estava viajando. A ideia do Vale-Cultura está sendo discutida que nossa legislação passe por uma transformação, dado que a principal lei do setor está defasada (é de
1991) e é insuficiente para os desafios atualmente expostos.
desde o fim de 2006.
O conceito de “cultura” é tão reivindicado quanto controverso. Ouvimos esta palavra diariamente, para
O benefício será voltado para trabalhadores com rendimento mensal de até cinco salários mínimos. Por
os mais diversos usos: cultura política, cultura religiosa, cultura empresarial. Também serve para
meio de um cartão magnético, similar ao Vale-Refeição, as empresas poderão destinar ao funcionário o
complexificar e ampliar um debate sobre um tema difícil (“isso é cultural”), para finalizá-lo (“não tem
valor de R$ 50 mensais para comprar ingressos de cinema, teatro e shows, além de livros, CDs e DVDs. jeito, isso é cultural”) ou gerar preconceito contra um grupo social (“o povo não tem cultura”). São
Ferreira afirmou que a ideia é de que o valor mensal seja “aprimorado” e possa chegar a R$ 150. múltiplos os usos. Está claro que incentivar as manifestações culturais de um povo é condição
indispensável para seu desenvolvimento. É certo que este instrumento deve atingir um de seus
Com o Vale-Cultura, a previsão é de que R$ 17 bilhões sejam injetados na economia cultural. “O circuito principais objetivos: a desconcentração regional e a democratização do acesso a produtos culturais. A
vai ficar bastante aquecido”, disse Ferreira. As empresas não serão obrigadas a aderir – mas, segundo o simples injeção de R$ 600 milhões por mês no mercado cultural, podendo atingir até12 milhões de
ministro, “na cultura, nada deve ser obrigatório”. Ferreira também disse que o projeto de lei é brasileiros, já é um grande benefício.
“atraente” e que, uma vez aprovado, poderá haver pressão dos próprios funcionários para ter direito ao
benefício. O curioso na iniciativa do Governo, que já tramitava no Congresso desde 2006, é a questão tardiamente
(e fatalmente) gerada para reflexão: o que é essencial para todos? Se o trabalhador possui o Vale-
De acordo com o ministério, apenas 13% da população brasileira têm acesso a manifestações culturais. Transporte e o
Em entrevista ao programa Bom Dia, Ministro, Juca afirmou que o Vale-Cultura apresenta “efeitos Vale-Alimentação, por que não o Vale-Cultura? Este debate – e o debate é justamente este – gera
reações ainda mais curiosas. A mais risível é a que ataca a proposta como “dirigista”, afirmando que o
colaterais positivos” e vai gerar um banco de dados sobre a demanda cultural da população. Para o
tempo do dirigismo cultural já acabou em todo o mundo. Uma simplificação melancólica e uma
ministro o projeto também “estimula a legalidade” ao possibilitar a compra de DVDs e CDs originais. inverdade: governos de países que alcançaram bons índices de desenvolvimento humano investem
Época /Agência Brasil, 13/8/2009. Disponível em
muito mais na cultura do que o Brasil. Os ataques têm nome: são os mesmos que falam em “alta
<www.revistaepoca.globo0.com/Revista/Epoca/0EMI87688-15223,00.html>. cultura” e compõem as velhas oligarquias deste setor, pois concentraram por muito tempo a
exclusividade dos “negócios” da cultura. Alguns chegam a duvidar da “qualidade estética” dos produtos
culturais a serem consumidos. Estão claros os inimigos deste discurso conservador: o trabalhador, que
passa a ser progressivamente um crítico de cultura, e as manifestações da cultura popular – ora atacada,
por exemplo, por meio da restrição à cultura do funk carioca.

A aprovação do Vale-Cultura será um passo importante, dentro de uma longa caminhada, para a
inserção de milhões de brasileiros no universo privilegiado da cultura local, regional e nacional.

Jornal do Brasil, 18/7/2009; e


Fazendo Média (www.fazendomedia.com/?p=268), 26/7/2009.
Gustavo Barreto é produtor cultural no Rio de Janeiro e mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura na UFRJ.

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