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Cristina Fragata Versoes de Um Acontecimento2 PDF
Cristina Fragata Versoes de Um Acontecimento2 PDF
VERSÕES DE UM ACONTECIMENTO:
a controversa cobertura jornalística do caso Eichmann
Porto Alegre
2016
Cristina Fragata dos Santos
VERSÕES DE UM ACONTECIMENTO:
a controversa cobertura jornalística do caso Eichmann
Porto Alegre
2016
Cristina Fragata dos Santos
VERSÕES DE UM ACONTECIMENTO:
a controversa cobertura jornalística do caso Eichmann
BANCA EXAMINADORA
The New York of the 1960's protagonized an historical debate in magazine journalism.
The coverage of the Eichmann case made by Hannah Arendt, for The New Yorker, promoted
an intense debate among journalists and academics on the vision of the political philosopher
of the event. In 1961, Adolf Eichmann, former Nazi official, was tried in Jerusalem for crimes
committed during the Second World War. Instead of villains and victims, Arendt presents in
her report ordinary people surviving a totalitarian regime. Her perception as a reporter
surprised the New York intellectual community, which was divided between accusers and
advocates to discuss the most controversial aspects of her story. This work focus in the
analysis of Hannah Arendt's text and one of her main opponents, Norman Podhoretz,
Commentary magazine editor.
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................8
2 JORNALISMO DE REVISTA ...........................................................................................12
2.1 CONCEITO ........................................................................................................................12
2.2 THE NEW YORKER .........................................................................................................13
2.3 COMMENTARY................................................................................................................17
3 PERSONAGENS DO ACONTECIMENTO .....................................................................21
3.1 HANNAH ARENDT ..........................................................................................................21
3.2 NORMAN PODHORETZ ..................................................................................................25
3.3 ADOLF EICHMANN.........................................................................................................27
4 EICHMANN EM JERUSALÉM ........................................................................................32
4.1 O TEXTO DE HANNAH ARENDT..................................................................................32
4.2 O TEXTO DE NORMAN PODHORETZ..........................................................................45
4.3 AS POLÊMICAS ...............................................................................................................49
5 CONCLUSÃO ......................................................................................................................54
ANEXO A - PRIMEIRA PÁGINA DE "EICHMANN EM JERUSALÉM"....................60
ANEXO B - PRIMEIRA PÁGINA DO TEXTO DE NORMAN PODHORETZ .............61
8
1 INTRODUÇÃO
1 A hipótese do newsmaking trata das condições da notícia, com foco no jornalista, neste caso o emissor,
responsável pela transformação do acontecimento em relato. Para além disso, inclui o relacionamento entre
fontes e jornalistas e as etapas da produção da informação (HOHFELDT, 2002).
9
Eichmann. Deste modo, através das categorias substantivas dos valores-notícia2, pode-se
refletir tanto sobre a quebra da rotina de produção, com Hannah Arendt na condição de
repórter; quanto sobre o grau de interesse do público em relação ao acontecimento,
considerando o nível hierárquico dos indivíduos envolvidos.
Os procedimentos metodológicos adotados podem ser sintetizados em três etapas. A
primeira delas trata da pesquisa bibliográfica, com o objetivo de conhecer e compreender o
cenário no qual o julgamento de Eichmann estava inserido. Em um segundo momento, foi
feita uma pesquisa documental que serviu como base para a última etapa, o método
comparativo, que visa compreender a produção da New Yorker e da Commentary – que
apresentaram diferentes versões sobre o acontecimento em questão.
Os problemas de pesquisa buscam compreender aspectos importantes da produção da
notícia. Entre eles, a) a maneira como Adolf Eichmann foi retratado pela mídia em função do
julgamento; b) a maneira com que a jornalista propõe sua versão do acontecimento frente à
pressão da opinião pública, um dilema sofrido por Hannah Arendt antes mesmo da publicação
de sua reportagem; bem como c) o peso da construção pessoal da jornalista, como definição
do resultado final da notícia.
Por fim, os objetivos deste estudo visam a) identificar as particularidades da cobertura
do caso Eichmann, com base no texto de Hannah Arendt; b) refletir sobre a pressão da opinião
pública no resultado final do trabalho da jornalista; e c) comparar as versões propostas por
Arendt, pela New Yorker, e Norman Podhoretz, pela Commentary.
A estrutura pretende organizar os elementos que constituem a temática de forma
crescente, para que o leitor possa compreender o contexto no qual o acontecimento tomou as
proporções que fez dele o objeto de estudo sobre o qual este trabalho se debruça.
O primeiro capítulo, "Jornalismo de revista", apresenta o histórico, as características e
os conceitos que o fundamentam e diferenciam a prática das outras formas em que o
jornalismo se expõe. Suas particularidades são exibidas a fim de trazer clareza aos eventos
explorados. Algumas delas, como a segmentação de público, muito característica deste
formato do jornalismo, foram determinantes para tornar o objeto deste estudo possível. Não
fosse o público fortemente intelectualizado da Nova York da década de 1960, para o qual o
texto de Hannah Arendt foi destinado, a recepção de Eichmann em Jerusalém poderia ter
repercutido com uma intensidade distinta.
2 Os critérios que definem a escolha de acontecimentos que se tornarão matéria noticiosa (CORREIA, 2009, p.
46).
10
Para além das propriedades genéricas das revistas, as singularidades das publicações
envolvidas são aprofundadas. Primeiramente, com o histórico sobre a New Yorker: do que se
propunha como revista e o que se tornou no período em que veiculou a reportagem
"Eichmann em Jerusalém". São exploradas as condições que tornaram possível a escolha de
uma filósofa como correspondente de um dos julgamentos mais importantes da história do
século XX.
Na sequência, a trajetória da Commentary é desenvolvida, com o acompanhamento da
história dos editores que fizeram da revista do Comitê Judaico Americano um expoente
intelectual e político dos Estados Unidos. Sua escolha como objeto se justifica pela sua
importância e pelo seu caráter analítico, acentuados pela ferocidade do então editor Norman
Podhoretz, apesar de outras publicações terem concedido amplo espaço para o debate
levantado pela reportagem de Hannah Arendt.
O segundo capítulo é composto pela biografia dos três principais personagens
envolvidos no acontecimento. A primeira parte conta os aspectos relevantes para a construção
do perfil de Hannah Arendt, como filósofa política. Da infância ao exílio nos Estados Unidos,
período contemplado pela narrativa, é possível compreender aspectos presentes em seu
entendimento sobre o Caso Eichmann.
A segunda parte apresenta ao leitor a trajetória de Norman Podhoretz, desde a infância
pobre, no Brooklyn, em Nova York, até se tornar o jovem e ambicioso editor da Commentary.
Assim como Arendt, o posicionamento de Podhoretz frente aos acontecimentos que levaram
ao enforcamento de Eichmann, em Tel Aviv, torna-se previsível, na medida em que se revela
a sua escalada acadêmica e profissional.
No terceiro e último fragmento do capítulo, a narrativa se concentra em esclarecer a
identidade do homem por trás da cabine de vidro, Adolf Eichmann. Com base na descrição de
Hannah Arendt sobre o acusado, desenvolve-se o perfil do ex-oficial nazista, na tentativa de
distinguir o homem do monstro julgado pela morte de milhões de judeus, em Jerusalém.
O quarto capítulo trata do julgamento de Eichmann e das reportagens e artigos que se
sucederam ao veredito proclamado pelos juízes. O primeiro aspecto abordado é a reportagem,
escrita por Hannah Arendt, após assistir às sessões do julgamento que condenou Eichmann à
forca. A primeira parte da análise compreende os principais aspectos de "Eichmann em
Jerusalém", incluindo o detalhamento dos elementos que fizeram o relato, publicado em 1963,
tão controverso.
Em seguida, o texto “Hannah Arendt sobre Eichmann: um estudo sobre a perversidade
do brilhantismo”, de Norman Podhoretz (1963) é analisado, em busca dos aspectos que
11
2 JORNALISMO DE REVISTA
2.1 CONCEITO
O nascimento das revistas sucede ao crescimento dos jornais, entre os séculos XVII e
XVIII. A consolidação da revolução industrial e do processo de urbanização, ao longo do
século XIX, criou um ambiente favorável ao desenvolvimento de novos produtos de
comunicação. Conforme Tavares e Schwaab (2013, p. 29), "aos poucos, a constituição de um
mercado editorial e a força da indústria cultural expandiram as diferenças em relação a outros
periódicos impressos e impulsionaram o afinamento das peculiaridades de linguagem e
circulação".
Bloch (1985 apud VOGEL, 2013, p. 19) defende "o conceito de revista como
caleidoscópio de imagens e tempos". Para ele, a revista pode ser interpretada como uma
montagem que conecta produções jornalísticas, como fotos, ilustrações, texto e design, por
exemplo. A união dos elementos de uma revista acaba por constituir sua fórmula e sua
consolidação, no mercado, depende precisamente da coerência sobre a união destes aspectos,
em relação aos prismas que constituem tal variabilidade.
Por sua característica de montagem, a revista oferece ao leitor uma visão panorâmica e
analítica dos acontecimentos. Assim, se diferencia do jornal, que apresenta os mesmos
eventos de forma pontual e imediata, dentro do seu tempo, e não para além dele. Por isso, a
relação da produção com o tempo é um fundamento importante para se entender as definições
de jornalismo de revista.
Para o jornalismo, a revista confere um novo sentido à atualidade, que deixa de ser um
sinônimo para o novo (BENETTI, 2013, p. 45). Em função disso, a novidade deixa de ser
protagonista da notícia, cedendo lugar ao entendimento do contemporâneo e ao conhecimento
13
especializado. Este conhecimento especializado, para ser reconhecido como jornalismo, deve
seguir as diretrizes de um contrato de comunicação. Os critérios deste contrato podem variar
de acordo com a visão da publicação, mas buscam estabelecer procedimentos que
caracterizem o conteúdo como jornalístico. Incluem questões como modo de produção,
identidade do veículo e contexto histórico-cultural da produção de discurso, por exemplo.
Algumas questões sobre o modo de produção tornam o jornalismo de revista muito
particular. Dentre eles, a periodicidade é um dos mais marcantes, no sentido do resultado final
do produto jornalístico. Revistas costumam ser publicadas mensal, quinzenal ou
semanalmente. Este respiro de apuração permite ao jornalista manter uma distância entre o
acontecimento e a publicação, o que oferece a possibilidade de novos desdobramentos e
perspectivas sobre o assunto abordado, aprofundando-o.
A segmentação também consiste em uma particularidade desta forma de jornalismo.
No caminho oposto ao do generalismo dos jornais, o trabalho de uma revista costuma ser feito
tendo em vista uma categoria específica de leitores. Deste modo, ele se adapta mais
facilmente às mudanças da sociedade e busca manter-se encaixado em seu nicho social.
O poder do jornalismo de revista está na fidelidade do seu segmento e na força da sua
expressão. Segundo Benetti (2013, p. 55):
Harold Ross, aos 33 anos, não poderia imaginar que sua revista de cartoons se tornaria
uma das principais publicações sobre cultura dos Estados Unidos. Fundada em 1925, sob o
olhar meticuloso de Ross, a New Yorker se consagraria como a porta-voz da ficção, do
jornalismo literário e das tirinhas de humor ácido no universo editorial.
14
Como editor da Home Sector, revista semanal voltada para o público veterano de
guerra, Ross começou a conceber os moldes nos quais a New Yorker seria montada.
Elementos como a periodicidade, o teor do conteúdo e até mesmo padrões gráficos se
repetiriam no veículo, criado cinco anos após o fim da Home Sector, engavetada em 1920.
A criação de uma publicação impressa semanal parecia uma maneira segura de
empreender um projeto nos anos 1920. Com o avanço tecnológico e os baixos custos dos
correios, o mercado de revistas americano vivia um momento de prosperidade. Para Kunkel
(2013, posição 1292, tradução nossa), autor de uma biografia de Ross, “a revista que ele tinha
em mente – polida, inteligente e atrevida – poderia entregar qualidade ao mercado de
propaganda de Nova York, para uma audiência de qualidade de Nova York”3.
Para materializar a ideia, Ross recorreu à opinião de administradores do mercado
editorial sobre os custos de uma primeira edição, o que deixou clara a necessidade de se
buscar investidores. Por não representar fisicamente a ideia de sofisticação que pretendia
imprimir à revista, foi desencorajado a buscar apoio na área. De uma conversa informal,
nasceu a parceria que tornou possível a New Yorker. Raoul Fleischmann, empresário do ramo
de alimentação, que pouco entendia sobre a publicação de revistas, concordou em financiar o
projeto.
O primeiro desentendimento entre Fleischmann e Ross coincidiu com a impressão do
primeiro número da revista, em fevereiro de 1925. Além de não agradar à crítica, o primeiro
número também não conquistou a simpatia do patrocinador. Mudanças se mostraram
indispensáveis para que a publicação seguisse no mercado. Naquele momento, a New Yorker
começava a busca pela fórmula perfeita e as características que constituiriam a identidade da
revista até os dias atuais.
O primeiro editorial da New Yorker abriu a edição com um texto explicativo sobre a
montagem de uma revista. Da busca por patrocínio até as negociações com a companhia
telefônica para a obtenção de uma linha para o escritório, em duas páginas repletas de humor
e ironia, a publicação revela suas intenções:
A New Yorker inicia com uma declaração de propósito sério, mas com uma
declaração concomitante de que não será muito séria na execução deste propósito.
Ela espera refletir a vida metropolitana, mostrar os eventos e assuntos do dia, ser
feliz, humorada e satírica, sendo mais do que brincalhona. Irá publicar fatos que a
levarão aos bastidores dos acontecimentos, mas não tratará de escândalos pelo apelo
deles ou pela comoção. Tentará, com consciência, manter seus leitores informados
3
“The magazine he had in mind— glossy, intelligent, and cheeky— could deliver quality New York
merchandise to a quality New York audience.”
15
sobre o que está acontecendo nos campos que despertam seus interesses. (NEW
YORKER, 1925, p. 2, tradução nossa)4.
4
“The New Yorker starts with a declaration of serious purpose but with a concomitant declaration that it will not
be too serious on executing it. It hopes to reflect metropolitan life, to keep up with events and affairs of the day,
to be gay, humorous, satirical but to be more than a jester. It will publish facts that it will have to go behind the
scenes to get, but it will not deal in scandal for the sake of scandal nor sensation. It will try conscientiously to
keep its readers informed of what is going on in the fields in which they are most interested.”
5
“Beyond being inventive and informative, The New Yorker’s war articles had real power. The magazine’s
writers, like the men and women they covered, were young, brave, and completely committed to the cause,
which infused their work with energy and passion, and because they were on the scene for the most part, they
conveyed authority.”
16
freelancer, e foi efetivado um ano depois, em 1933. Apesar do bom trabalho como repórter,
Shawn não era visto pelo restante da redação como provável sucessor de Ross em função das
suas diferenças. Assim, as semelhanças na maneira de pensar a New Yorker entre os dois
eram facilmente despercebidas. De acordo com Kunkel (2013, posição. 5103, tradução nossa),
Shawn dirigiu a New Yorker entre 1951 e 1987, quando deixou a publicação por
divergências com o grupo Conde Nast, que comprou a revista em 1985. Durante o período,
Shawn manteve a tradição de Ross e persistiu na veiculação de artigos que fizeram com que a
revista fosse lembrada como o ponto final para assuntos culturais e políticos discutidos em
sociedade. Pela trajetória da New Yorker, seu público contava com ela para prover a versão
decisiva sobre estes temas. Adler (2011, posição 30, tradução nossa) explica:
A força da New Yorker com os seus dois grandes editores, Harold Ross e William
Shawn, vinha do fato de ser governada inteiramente pela curiosidade e energia
desses dois editores e dos artistas e escritores que eles encontraram, sem se
preocupar se os leitores iriam gostar e, ainda menos, sobre o que os anunciantes
pensariam7.
Os nomes que definiram o sucesso da New Yorker, segundo Adler (2011), foram os
dos dois primeiros editores. Para a escritora, que iniciou na revista sob a tutela de Shawn, a
New Yorker já havia acabado enquanto ela escrevia as páginas do seu livro de memórias
sobre os anos em que se dedicou à revista, publicado em 2011. Após Ross e Shawn, a New
Yorker passou pela supervisão de outros três editores: Robert Gottlieb (1987 – 1992), Tina
Brown (1993 – 1998) e David Remnick, que entrou em 1998 e é o responsável pela
publicação até o presente momento.
6
“Each prized good writing, was a fiend for punctuation and accuracy, and preferred the spotlight to be on his
writers rather than himself. And each had a passion for discovery; if such a thing was possible, Shawn was even
more voraciously curious than Ross. Many people said of him that he simply could not be bored.”
7
“The strength of The New Yorker under its two great editors, Harold Ross and William Shawn, was that it was
governed entirely by the curiosity and energy of these editors and of the artists and writers whom they found,
without worrying about what readers were going to like, least of all, about what advertisers thought.”
17
2.3 COMMENTARY
8
“Not all socialists in America were Jews, but Jews were disproportionately represented in the socialist ranks.”
18
Elliot Cohen editou a Commentary até 1959, ano do seu suicídio. A escolha do novo
editor ficou sob responsabilidade de um conselho organizado pelo Comitê Judaico
Americano. Em dezembro do mesmo ano, Norman Podhoretz foi anunciado como sucessor de
Cohen e retornou à redação da Commentary, a qual havia abandonado anos antes, por
divergências intelectuais.
Sob a direção de Norman Podhoretz, a Commentary sofreria mudanças muito além do
design. Com o objetivo de apresentar uma nova versão da revista, Podhoretz empreendeu o
reposicionamento intelectual do veículo, abrindo o período considerado como a segunda fase
da revista.
Moldada pelos interesses pessoais de Podhoretz, a Commentary passou a ser
excessivamente editada, criando uma homogeneidade sobre o material publicado. A revista,
9
“Commentary is an act of faith in our possibilities in America. With Europe devastated, there falls upon us here
in the United States a far greater share of the responsibility for carrying forward, in a creative way, our common
Jewish cultural and spiritual heritage. And, indeed, we have faith that, out of the opportunities of our experience
here, there will evolve new patterns of living, new modes of thought, which will harmonize heritage and country
into a true sense of at-home-ness in the modern world. Surely, we who have survived catastrophe, can survive
freedom, too.”
10
“A youthful Norman man Podhoretz once asked Commentary's first editor, Elliot E. Cohen, what the
difference was between the two magazines. Cohen responded sponded that Commentary was a consciously
Jewish magazine, but although though the Partisan Review was Jewish because of its leadership and
contributors, it didn't know it.”
19
de acordo com Abrams (2012, posição 538, tradução nossa), tornou-se “um canal para a
expressão das visões de Podhoretz, quer ele escrevesse pessoalmente ou outros o fizessem”11.
Neste contexto, em sintonia com a batalha americana contra a ameaça soviética, foi
estabelecida uma nova postura política: o neo-conservadorismo. Os fatores que alavancaram a
adoção deste posicionamento ocorreram ao longo da década de 1960, incluindo a erupção do
antissemitismo na comunidade negra e na esquerda americana. Segundo Nash (2005, posição
1907, tradução nossa),
Por todos estes motivos, e mais, Podhoretz conclui que havia chegado o momento de
a Commentary e os judeus em geral defenderem "a ordem liberal democrática na
América" contra as ideias daqueles, "especialmente dos radicais de esquerda", que
estavam a destruindo.12
11
“Podhoretz made Commentary into an outlet for the expression of his views, whether he wrote them
personally, or others did.”
12
“For all these reasons and more, Podhoretz concluded that the time had come for Commentary, and for Jews in
general, to defend "the liberal democratic order in America" against the ideas of those, ‘especially on the radical
Left,’ who were working to destroy it.”
13
Tradução livre de “Hannah Arendt on Eichmann: A Study in the Perversity of Brilliance”.
14
Tradução livre de “The New Yorker vs. Free Speech”.
20
Charlie Hebdo a nazistas. O texto de Teju Cole, "Mortes sem lamúrias"15, publicado em 9 de
janeiro de 2015, foi utilizado como introdução para uma série de acusações, com base em
outros artigos da revista, sobre a tentativa da New Yorker de suprimir o discurso livre.
A sucessão destes acontecimentos demonstra que polemizar o produto do jornalismo
americano está nas raízes da Commentary e segue como uma das suas principais
características editoriais.
15
Tradução livre de “Unmournable bodies”.
21
3 PERSONAGENS DO ACONTECIMENTO
Sua filha dirá que a mãe se impressionava com o ardor, a firmeza e a força de
convicção de Rosa Luxemburgo, e lembrará que Martha arrastava-a para as
primeiras reuniões fervorosas para apoiá-la. Ela acompanha com paixão o desenrolar
dos acontecimentos. (ADLER, 2007, p. 31).
16
“[...] Arendt enrolled on Heidegger’s ground-breaking seminars on Greek philosophy. Her classmates included
Hans Jonas, Karl Löwith and Günther Stern, and had she arrived a few years later she would have had Herbert
Marcuse for company.”
23
O próximo passo a levou para Heidelberg, onde teve a oportunidade de estudar sob a
tutela de Karl Jaspers. Na ocasião, ampliou seu círculo intelectual na academia alemã e, em
1929, apresentou sua tese "O conceito de amor em Santo Agostinho” 17, publicada no mesmo
ano. Com a conclusão dos estudos, mudou-se para Berlim. Na capital, reencontra o ex-colega
de Marburg, Günter Stern, com quem se casaria no mesmo ano. O envolvimento político de
Stern reaviva seu interesse político e Hannah torna-se uma leitora voraz de Marx, Lenin e
Trosky.
O casal se separaria pela primeira vez em 1933, com a emigração de Stern para Paris.
A causa foi o avanço da ideologia nazista e a forte ligação do escritor com o comunismo.
Hannah se juntaria a ele no mesmo ano, mas não antes de compreender melhor as ideias que
ameaçavam a Alemanha:
17
Do original “Saint Augustine’s Concept of Love”.
18
“Arendt remained in Berlin, using her apartment to hide political refugees looking to escape from Hitler’s
Germany, and, at the bequest of the German Zionist Organisation, spending time in the Prussian State Library
covertly collecting documentary evidence of anti-Semitism in German public and private life.”
24
companheiras, fugiu a pé, do campo de Gurs, apenas com uma escova de dentes e a vontade
de reaver o controle da sua vida.
Em meio à desordem dos campos de concentração no início da implementação do
modelo, Heinrich Blücher também conseguiu escapar. Graças ao ex-marido de Hannah, o
casal consegue documentos para deixar a Europa:
Com Günter Stern, que havia emigrado para os Estados Unidos, em 1936,
peticionando a favor deles, Arendt e Blücher conseguiram passaportes e vistos de
emergência americanos. Obtendo o mais raro abrandamento nas regras de saída de
Vichy, escaparam para Portugal, em janeiro de 1941, chegando de barco em Nova
York, em maio de 1941, com a mãe de Arendt se juntando a eles, com sorte,
algumas semanas depois. (BOWRING, 2013, posição 246, tradução nossa).19
19
“With Günther Stern, who had emigrated to the US in 1936, petitioning on their behalf, Arendt and Blücher
were granted emergency American visas. Making the most of a rare relaxation of the Vichy exit permit rules,
they escaped to Portugal in January 1941, arriving by boat in New York in May 1941, with Arendt’s mother
luckily joining them a few weeks later.”
25
Podhoretz lembra da influência de duas mulheres nestes primeiros anos: sua mãe, de
que ele herdou sua ambição e o desejo de vencer na vida; e a Sra. Harriet Haft
(imortalizada como "Sra. K." na sua biografia Vencendo), sua professora no ensino
médio, com quem aprendeu sobre o mundo das letras em língua inglesa, enquanto
resistia às exigências dela por requinte.21
20
“He began by copying out stories from the newspapers, and when he got bored of that he graduated to writing
his own stories and poems.”
21
“Podhoretz recorded the influence of two women on his early years: his mother, from whom he inherited his
ambition and desire to “make it,” and Mrs. Harriet Haft (immortalized as “Mrs. K.” in his biography Making It),
his high school English teacher, from whom he learned the world of English letters while resisting her demands
for gentility.”
26
acomodação, fizeram com que ele abrisse mão da oportunidade. No entanto, outra bolsa, desta
vez na Universidade de Columbia, em Nova York, proporcionou ao jovem Norman, ainda
com 16 anos, a continuidade do seu desenvolvimento intelectual.
Aos 20 anos, Norman Podhoretz carregava dois diplomas de graduação. O primeiro de
Columbia, onde o progresso no aprendizado chamou a atenção de professores como Lionel
Trilling, famoso crítico literário americano. Podhoretz cursaria Letras sob o amparo
intelectual de Trilling, com quem compartilhava da judeidade. Naquele período, também
concluiu os estudos em letras hebraicas, na Faculdade de Estudos Judaicos.
A continuidade da carreira acadêmica parecia um caminho óbvio para Podhoretz. Com
a ajuda de Trilling, conseguiu uma bolsa de estudos na Universidade de Cambridge, agora
para dedicar-se ao estudo da literatura. Foi na Inglaterra onde sua carreira passou a se inclinar,
ainda que levemente, para os rumos do jornalismo.
“Em Cambridge, Podhoretz foi apresentado ao influente acadêmico F. R. Leavis,
possivelmente o mais famoso crítico literário britânico do início de século XX” (ABRAMS,
2012, p. 10, tradução nossa)22. Determinado, Podhoretz aspirava um posto dentre seus
seguidores, com quem aprenderia o estilo de crítica que o consagrou nas revistas.
A ferocidade de Norman Podhoretz, facilmente identificada em sua carreira
jornalística, torna-se proeminente no período em que passa a integrar os leavisites, termo que
designava os discípulos intelectuais de Leavis. O episódio que o levaria ao escritório de Elliot
Cohen, editor da Commentary, aconteceu num dos encontros do grupo, quando Podhoretz
decidiu que um de seus membros não era digno de pertencer às discussões promovidas por
eles:
Podhoretz o perseguiu até um beco teórico, onde ele admitiu que lia literatura
porque lhe dava prazer. Então, Podhoretz o questionou abruptamente, se ele leria
quadrinhos se lhe dessem mais prazer. Ele trocaria a literatura por isso? Leavis
recompensou Podhoretz pela sua ferocidade puritana e literária com um convite para
contribuir com o seu periódico Scrutiny, com uma resenha sobre o trabalho de
Trilling, de 1947, A imaginação liberal: Ensaios sobre literatura e sociedade.
(ABRAMS, 2012, p. 11, tradução nossa).23
22
“At Cambridge, Podhoretz was introduced to the highly influential academic F. R. Leavis who was possibly
the most famous British literary critic of the early twentieth century.”
23
“Podhoretz chased him into a rhetorical corner, where he admitted that he read literature because it gave him
pleasure. So Podhoretz asked bluntly, if reading dirty comic books gave him more pleasure, would he switch to
that? Leavis rewarded Podhoretz for his puritanical and literary ferocity with an invitation to contribute a review
of Trilling’s 1947 The Liberal Imagination: Essays on Literature and Society to his journal Scrutiny.”
27
Foi a produção de conteúdo para o Scrutiny que chamou a atenção dos editores nova-
iorquinos para o trabalho de Podhoretz. Convidado ao escritório da Commentary, em 1952,
ficou tão encantado pelo universo intelectual, para além da academia, que abandonou seus
projetos na universidade. Para o jornalismo de revista da cidade de Nova York, na década de
50, que desprezava a formalidade da academia, o convite a Norman Podhoretz foi uma
improvável oportunidade.
Apesar de algumas contribuições para outras publicações e do período de afastamento,
a carreira de Norman Podhoretz fez da Commentary seu alicerce, tanto pessoal, quanto
profissional. No outono de 1956, ele se casou com a ex-secretária de Elliot Cohen, Midge
Decter. Com 30 anos, o jovem pai de família, consciente de suas responsabilidades, alcançou
o posto de editor-chefe da revista, após disputas com colegas que também almejavam o cargo.
Nos anos em que esteve à frente da revista, consolidou sua importância no mercado
editorial e protagonizou polêmicas, mantendo a proposta de vigília declarada por Cohen. Com
a tentativa de posicionar a publicação na vanguarda intelectual americana, ousou ao mudar
gradualmente, ao longo da sua carreira, o posicionamento político da Commentary,
representando a ascensão e o declínio do neoconservadorismo nos Estados Unidos.
Atualmente aposentado, Norman Podhoretz considera-se um colecionador de
inimigos, resultado da sua defesa feroz do judaísmo e da política conservadora americana.
Os registros sobre Adolf Eichmann estão limitados ao ofício que colocou seu nome na
história. Responsabilizado pela Solução Final, um dos maiores crimes cometidos contra a
humanidade, narrou suas memórias através de testemunhos no tribunal da Casa de Justiça, em
Israel. O conhecimento sobre a vida do então ex-oficial nazista foi construído a partir deste
episódio, que o tornou mais conhecido mundialmente do que o Reichsmarschall, o Marechal
do Reich, Hermann Göring, segundo homem na hierarquia da Alemanha.
Otto Adolf Eichmann carregou consigo, até o dia do seu enforcamento, aos 56 anos, o
peso do insucesso. Nascido em 1906, na cidade de Solingen, o filho mais velho de Karl Adolf
Eichmann e Maria Eichmann, foi o único dos cinco irmãos a não concluir os estudos na escola
secundária. Ainda assim, apresentava-se como engenheiro de construção, em consequência
dos seus estudos, também interrompidos, na escola vocacional para engenharia.
Antes de se filiar ao Partido Nacional Socialista, Adolf Eichmann ainda trabalhou
como mineiro, na empresa de mineração adquirida pelo pai, e vendedor, na Companhia
28
O terror, como conhecemos hoje, ataca sem provocação preliminar, e suas vitimas
são inocentes até mesmo do ponto de vista do perseguidor. Esse foi o caso da
Alemanha nazista, quando a campanha de terror foi dirigida contra os judeus, isto é,
contra pessoas cujas características comuns eram aleatórias e independentes da
conduta individual especifica. (ARENDT, 2013 p. 29).
24
“She and her two borthers, who worked for the Gestapo, would come to profit from her husband’s social
climbing.”
29
[...] Eichmann foi capturado por soldados norte-americanos e levado para um campo
para homens, da SS, onde numerosos interrogatórios não conseguiram descobrir a
sua identidade, embora fosse sabida por alguns de seus colegas prisioneiros. Ele foi
cauteloso e não escreveu para a família, deixando que acreditassem que tinha
morrido; [...]. (ARENDT, 1999, p. 257).
da prisão como Adolf Karl Barth e viveu no norte da Alemanha, como o produtor rural Otto
Heninger, que desaparece em 1950, para chamar-se Ricardo Klement.
A vida de Ricardo Klement na Argentina era pacífica como a de Otto Heninger na
Alemanha. Propiciada pela igreja católica (ARENDT, 1999), a fuga para a América, com um
novo passaporte, concedeu a Eichmann uma oportunidade de recomeço. Dois anos após a
chegada à Argentina, trouxe a família para viver num subúrbio de Buenos Aires.
Em 1960, Ricardo Klement não consegue suprimir o passado como ex-oficial nazista e
é descoberto pelo serviço de inteligência de Israel. Sequestrado e submetido a um controverso
julgamento, iniciado em 1961, foi considerado culpado e sentenciado à morte. Em junho de
1962, foi enforcado na prisão de Ramla, nas proximidades de Tel Aviv.
32
4 EICHMANN EM JERUSALÉM
A captura de Adolf Eichmann direcionou o olhar da mídia, mais uma vez, para a
brutalidade cometida pelo regime nazista ao longo da Segunda Guerra Mundial. Após
Nuremberg, a sensação era de que os julgamentos sobre crimes de guerra faziam parte do
passado, um passado que seria revistado apenas nos livros de história.
Em 1961, Israel convida jornalistas e espectadores do mundo todo para contar a
história de um ex-oficial do Reich e julgar suas ações no período em que estivera a serviço de
Hitler. Nos Estados Unidos, duas importantes revistas promoveram uma grande discussão
sobre as diferentes perspectivas do acontecimento. De um lado, Hannah Arendt, como
representante da New Yorker, com uma visão incisiva e crítica. Do outro, Norman Podhoretz,
a serviço do Comitê Judaico Americano e de sua revista, a Commentary, com uma percepção
emocional.
Desde o começo não há dúvidas de que é o juiz Landau quem dá o tom, e de que ele
está fazendo o máximo, o máximo do máximo, para evitar que este julgamento se
transforme num espetáculo por obra da paixão do promotor pela teatralidade. Uma
das razões pelas quais ele nem sempre consegue isso está no simples fato de que as
sessões ocorrem num palco, diante de uma plateia, com o esplêndido grito do
meirinho no começo de cada sessão produzindo o efeito de uma cortina que sobe.
(ARENDT, 1999, p. 14).
A pirâmide de poderes reservou o topo do palco para os três juízes, amparados por
uma mesa coberta de documentos; seguidos por tradutores, cujos serviços eram necessários
para o acompanhamento das sessões em hebraico, tanto por parte do público, quanto do réu;
no nível abaixo, estava localizada a cabine de vidro que abrigava Eichmann, próxima às
33
demais testemunhas. Na base, guardavam a estrutura, com a plateia e de costas para ela, o
promotor e seus quatro assistentes, bem como o advogado de defesa.
De acordo com Arendt, o caráter de espetáculo atendia aos interesses do primeiro
ministro israelense, David Ben-Gurion, considerado por ela o "diretor da cena do processo"
(ARENDT, 1999, p. 15). A mensagem de Israel para o mundo, proferida repetidamente pelo
promotor Gideon Hausner e suas testemunhas, era clara: o sequestro de Eichmann, em Buenos
Aires, e a condução do seu julgamento, por uma corte judaica, demonstravam que, mais do
que julgar os atos do ex-oficial, o tribunal pretendia trazer à luz, mais uma vez, as barbáries
cometidas contra o povo judeu.
A imprensa internacional, omissa quanto às atrocidades cometidas pelos nazistas,
agora observava atentamente o que restava do regime derrotado, pelo menos no que diz
respeito aos primeiros dias do seu julgamento. Hannah Arendt observou:
A fidelidade dos jornalistas não durou mais de duas semanas, depois das quais a
plateia mudou drasticamente. Daí em diante deveria ser composta por israelenses,
por judeus orientais, por aqueles a quem a história nunca fora contada. O julgamento
iria mostrar-lhes o que significava viver entre os não-judeus, iria convencê-los de
que só em Israel um judeu teria segurança e poderia viver uma vida honrada.
(ARENDT, 1999, p. 18).
Após traçar o perfil do acusado, nos próximos capítulos, Hannah Arendt avança sobre
as propostas nazistas: as soluções para o problema judaico, na Europa. Ao longo do
julgamento, Eichmann sustenta a ideia de que os acontecimentos do final da guerra não
refletiram as intenções iniciais do Partido. Segundo o acusado, realocar os judeus, que
classifica como oponentes neste trecho do interrogatório, era parte de uma solução
mutuamente justa, que tinha como objetivo colocar solo firme debaixo de seus pés
(ARENDT, 1999).
Hannah denomina o quarto capítulo da reportagem como "A primeira solução:
expulsão", que elucida a participação de Eichmann na primeira parte da série de medidas
adotadas pelos nazistas para tornar a Europa judenrein. A hipocrisia denunciada por Arendt,
anteriormente, reaparece no fragmento do interrogatório em que Eichmann se orgulha do seu
protagonismo no processo de imigração forçada de judeus para o oriente médio:
"As pessoas tendem a esquecer isso agora". Quem, se não ele, Eichmann, havia
salvado centenas de milhares de judeus? O que, se não seu grande zelo e dom de
organização, tinha lhes permitido escapar a tempo? É verdade que ele não pudera
prever, na época, a iminente Solução Final, mas ele os salvara e isso era um "fato".
(ARENDT, 1999, p. 70).
poderia contar com a defesa do Dr. Robert Servatius, um advogado de Colônia, já conhecido
pela imprensa por defender outros nazistas no Tribunal de Nuremberg. De acordo com Arendt
(1999), se a memória de Eichmann fosse melhor e seu defensor mais interessado, seria
possível invocar testemunhas, incapazes de corroborar a fantasia do réu, mas que poderiam
intervir em seu favor através de suas experiências de emigração para a Palestina.
Os judeus capazes de depor para fazer da história de Eichmann algo minimamente
verossímil eram os sionistas, com quem o ex-oficial estreitou laços nos primeiros anos do
serviço de inteligência do Partido. O sucesso dos nazistas com este grupo foi capaz de
promover campanhas, apoiadas por judeus influentes, que incentivavam o uso da estrela
amarela que os identificaria ao longo da guerra, antes mesmo da obrigatoriedade. Para eles,
até mesmo a ascensão de Hitler trazia ares de vitória, tendo em vista a derrota da parcela
assimilacionista, os que pretendiam viver na Europa, como europeus (ARENDT, 1999).
Os avanços do Führer sobre o leste europeu iniciaram os eventos que desestabilizariam
a estrutura de autodefesa de Eichmann no tribunal. Em 1938, os territórios do Reich
agregariam, de acordo com a autora, entre 2 e 2,5 milhões de judeus. O andamento da guerra
inviabilizou a primeira solução nazista e, em 1941, oficialmente, o Partido manifestou a
ordem de suspensão da emigração de judeus.
O relato de Arendt afirma que, tanto a polícia, quanto a corte, tentaram trazer
Eichmann para as questões objetivas sobre o fato. Em um destes momentos, confrontaram o
réu com documentos referentes a uma reunião ocorrida em setembro de 1939:
[...] Um deles, uma carta teletipada de Heydrich que continha certas diretivas para
os Einsatzgruppen, fazia pela primeira vez uma distinção entre um "objetivo final,
que exige períodos de tempo mais longos" e que devia ser tratado como "altamente
confidencial", e "os estágios para se obter esse objetivo final". A expressão solução
final ainda não aparecia, e o documento silencia sobre qual seria esse "objetivo
final". (ARENDT, 1999, p. 92).
Eichmann afirma que entendeu como objetivo final o seu projeto Madagascar, o plano
de evacuação em massa de judeus para a ilha britânica, que serviu, de acordo com o acusado,
como justificava para os campos de concentração. Neste momento do julgamento, fica clara a
confusão dele, segundo Hannah, atribuída as suas versões repletas de convicção. Este é um
dos poucos momentos em que o antissemitismo aparece na exposição de Eichmann:
No sexto capítulo, “A solução final: assassinato”, Arendt explica que Eichmann não
estava entre os primeiros oficiais a conhecer as reais intenções de Hitler. Em uma reunião
com Heydrich, foi informado da ordem de que os os judeus deveriam ser exterminados e
recebeu instruções de visitar um comandante em Lublin, para conhecer técnicas de eliminação
de judeus, já aplicadas.
No tribunal, em Jerusalém, foi confrontado quanto a esta informação, quando a
acusação sugeriu que ele seria responsável, após a conversa, de levar a Lublin, na Polônia, a
ordem de extermínio. Afirmativa semelhante também foi feita sobre Rudolf Höss, que depois
afirma ter recebido a notícia por Himmler. Segundo Hannah, estas acusações apenas
demonstravam a dificuldade de orientação da acusação, frente à complexidade da burocracia
do Terceiro Reich. Tais ordens, de acordo com os registros, não poderiam partir de um oficial
como Eichmann (ARENDT, 1999).
Outra falha na memória de Eichmann, de acordo com a autora, comprometeria sua
defesa. Ao contrário do depoimento que prestou na Argentina, em Jerusalém, não foi capaz de
resgatar o trecho da conversa com Heydrich no qual foi informado de que o plano não seria de
responsabilidade do seu departamento, mas do Escritório Central para Economia e
Administração da SS e que havia sido denominado “Solução Final”.
No período em que Eichmann teve a reveladora conversa com Heydrich, a informação
sobre a ordem de extermínio já era conhecida pelo alto escalão nazista, segundo um membro
da Chancelaria do Führer, julgado em Nuremberg. Arendt (1999) relata o posicionamento de
Eichmann, parte do seu esforço para se mostrar pequeno na estrutura do regime: mas
Eichmann, como tentou vaidosamente explicar em Jerusalém, nunca pertenceu aos altos
círculos do Partido; ele nunca ficava sabendo nada além do necessário para realizar um
trabalho específico, limitado.
Para Hannah Arendt (1999), Eichmann era, na visão do regime, um tipo modelo para a
aplicação das "regras de linguagem", uma ferramenta semântica de distorção, cujo objetivo
era mascarar a realidade. Em documentos oficiais, as palavras cujo sentido era diretamente
associado às atrocidades promovidas pelos nazistas contra judeus, eram raras. Os eufemismos
eram diversos e afastavam os oficiais, por meio do jargão burocrata, das noções de
humanidade que existiam antes da ascensão do Terceiro Reich.
A vivência da Solução Final inevitavelmente aproximou os nazistas do que a
linguagem os resguardava. Mais do que discutir com outros oficiais a capacidade de
extermínio dos campos, Eichmann passou a assistir às mortes, ordem de Müller, seu superior
direto. Nestas inspeções, Eichmann se deparou com as primeiras experiências de morte por
37
intoxicação com gás. Em Kulm, na Polônia, utilizavam caminhões de gás: os judeus entravam
numa grande sala; recebiam ordem de se despir; então chegava um caminhão, parava bem na
entrada da sala, e os judeus nus recebiam ordem de entrar nele. As portas eram fechadas e o
caminhão partia (ARENDT, 1999).
Eichmann relata:
"Não sei dizer [quantos judeus entraram], eu mal olhei. Não consegui; não consegui;
para mim bastava. O guincho e [...] fiquei muito perturbado, conforme contei depois
a Müller, quando lhe fiz o relatório; meu relatório não serviu para muita coisa.
Depois, segui de carro atrás do caminhão, e vi a coisa mais horrível que já tinha
visto na vida. O caminhão estava indo para um buraco aberto, as portas se abriram e
os corpos foram jogados para fora, como se ainda estivessem vivos, tão moles
estavam seus membros. [...] Ali, me bastou. Eu estava acabado”. (ARENDT, 1999,
p. 103).
Ele viu apenas o suficiente para estar plenamente informado de como funcionava a
máquina de destruição: havia dois métodos diferentes de matança, o fuzilamento e a
câmara de gás; o fuzilamento era feito pelos Einsatzgruppen e a execução por gás
nos campos, em câmaras ou caminhões; viu também as complexas precauções que
se tomavam no campo para enganar as vítimas até o final.
Legalmente, formalmente, pelo menos Eichmann sabia o que estava fazendo? Havia,
além disso, outra pergunta: ele teria estado em posição de julgar a enormidade de
seus feitos, ele seria legalmente responsável, além do fato de ser medicamente são?
(ARENDT, 1999, p. 106).
Ele havia visto os lugares para onde iam os carregamentos, e havia ficado chocado
até a loucura. Uma última pergunta, a mais perturbadora de todas, foi feita pelos
juízes, principalmente o juiz presidente, com muita insistência: a matança dos judeus
tinha ido contra a sua consciência? Mas isso era uma questão moral, e a resposta
podia não ser legalmente relevante (ARENDT, 1999, p. 106).
As aberturas para defesa de Eichmann na lei israelense existiam, mas seus atos
impossibilitavam a reversão da sentença. Os atenuantes aceitáveis legalmente não foram
praticados por Eichmann, enquanto oficial nazista. Quando questionado sobre ter
conhecimento da consequência de suas ações, o acusado respondia que a única outra opção,
no caso de negar encaminhar milhões de judeus para a morte, seria encontrar a sua própria.
A ideia de que a única saída era o suicídio não convenceu a corte, já que a história não
corroborava a sua versão: segundo os documentos nos quais se apoia a reportagem de Hannah
Arendt, não era prevista pena de morte para oficiais que pedissem transferência de função na
estrutura do Reich.
Eichmann poderia, quando compreendeu as implicações da sua ação, ter deixado o
cargo executivo, sem maiores consequências. "Naquelas circunstâncias, esse comportamento
era impossível. Ninguém agia assim" (ARENDT, 1999, p. 107), afirmou Eichmann em frente
à corte. A realidade, de acordo com ele, é que praticamente, até a aproximação do insucesso
das estratégias de Hitler, absolutamente ninguém parecia efetivamente contrário à Solução
Final (ARENDT, 1999).
Como parte da exposição sobre o progresso do plano de Solução Final, Hannah Arendt
faz uma das afirmações mais polêmicas da sua carreira: a da cooperação das organizações
judaicas com o nazismo. Neste contexto, já parte do capítulo sete, que tem seu início na
Conferência de Wannsee, a autora acompanha o curso da guerra, até 1944, ano em que as
atividades de extermínio diminuem drasticamente em detrimento da iminente derrota alemã.
Eichmann cita o exemplo, único, ao qual recorre para tratar de oposição à Solução
Final, o Dr. Kastner, um advogado e jornalista judeu. Kastner, famoso pelo êxito nas
39
negociações para libertar prisioneiros dos campos de extermínio, foi morto em 1957, em meio
ao julgamento que tratava da sua colaboração com os nazistas. Os problemas em torno do
exemplo de Eichmann, bem como outras publicações referidas por Arendt, sustentavam sua
afirmação, considerada por muitos, controversa. Sobre a assistência de judeus com o trabalho
de Eichmann, afirma:
Não há dúvida de que, sem a cooperação das vítimas, dificilmente teria sido possível
para uns poucos milhares de pessoas, a maioria das quais, além de tudo trabalhavam
em escritórios, liquidar muitas centenas de pessoas [...] Ao longo de todo o caminho
para suas mortes, os judeus poloneses não viam mais do que um punhado de
alemães. (PANDEORF, 1961 apud ARENDT, 1999, p. 133).
Com isso, Arendt conclui: "para um judeu, o papel desempenhado pelos líderes judeus
na destruição de seu próprio povo é, sem nenhuma dúvida, o capítulo mais sombrio de toda a
sua história de sombras" (ARENDT, 1999, p. 134). Os documentos sobre os quais se apoia a
reportagem denunciam o trabalho de funcionários judeus, que desempenhavam funções desde
a compilação de listas sobre outros judeus e seus bens, até o comércio das estrelas amarelas.
Foram responsáveis pelo salvamento de alguns dos seus, mas apenas daqueles que
julgavam importantes. Arendt utiliza uma analogia marítima para explicar estas relações,
afirmando que estes judeus se sentiam como capitães, que para salvar o navio do naufrágio,
atiravam ao mar parte da sua preciosa carga. “Com cem vítimas salvam mil pessoas, com mil
salvam 10 mil” (ARENDT, 1999, p. 135).
O oitavo capítulo, “Deveres de um cidadão respeitador das leis” busca a compreensão
da cultura instituída por Hitler ao longo da Segunda Guerra Mundial. Neste fragmento da
reportagem, Eichmann deixa clara a sua dificuldade de interpretação, não apenas de palavras,
mas de contextos. Para a autora, Eichmann era capaz de entender que o cumprimento de
ordens, no seu caso, transcendia a noção militar tradicional, uma vez que implicava em ações
criminosas. Para justificar sua submissão ao regime, o réu invoca Kant, com o argumento de
que guiava sua vida pelos princípios morais do filósofo. Arendt expõe sua opinião que,
40
segundo o texto, parece ser compartilhada pelos juízes: "isso era aparentemente ultrajante, e
também incompreensível, uma vez que a filosofia de Kant está intimamente ligada à
faculdade de juízo do homem, o que elimina a obediência cega” (ARENDT, 1999, p. 153).
As dificuldades para conceber as ações de Eichmann, além do que contraria qualquer
sentido de humanidade, surgem com os indícios de que o réu, ao fim da guerra,
constantemente contrariava as ordens de seus superiores. Se as normas às quais Eichmann
esteve submetido levaram-no a cometer os crimes sobre os quais era julgado, é questionável a
rebeldia que passou a manifestar nos últimos anos do Terceiro Reich.
A justificativa se apoia na mudança de postura dos oficiais superiores a Eichmann. A
flexibilidade dos homens do alto escalão tornou muitos deles moderados, quanto à
manifestação do antissemitismo, nos últimos anos de guerra. A visão do acusado como
fanático e antissemita é sustentada pelos seus atos, que até o instante da derrota alemã,
estavam alinhados com as ideias de Hitler.
Quanto a isso, Arendt conclui que, mais do que uma ordem, a Solução Final de Hitler
foi tratada como uma lei. Uma lei que tornaria criminosos todos os envolvidos diretamente
com a administração dos prisioneiros, contrariando as leis dos países civilizados, onde o
respeito à vida superava o desejo de suprimir os adversários pela morte.
No Terceiro Reich, o Mal perdera a qualidade pela qual a maior parte das pessoas o
reconhecem – a qualidade de tentação. Muitos alemães e muitos nazistas,
provavelmente a esmagadora maioria deles, deve ter sido tentada a não matar, a não
roubar, a não deixar seus vizinhos partirem para a destruição [...], e a não se
tornarem cúmplices de todos esses crimes tirando proveito deles. (ARENDT, 1999,
p. 167).
Nos próximos quatro capítulos, Hannah Arendt busca detalhes da guerra que
complementariam as questões do julgamento. Sua análise detalha temas já levantados em
outros momentos, como as deportações do Reich, dos Balcãs e do centro da Europa, e os
campos de extermínio do Leste. Com a exposição dos fatos ligados à Solução Final, ela
conclui a base da acusação sobre os crimes atribuídos a Adolf Eichmann, nos anos em que
41
Na verdade, não tinha nem "os meios nem o tempo" de conduzir adequadamente a
questão, não tinha à sua disposição "os arquivos do mundo e os instrumentos do
governo". A mesma censura havia sido feita contra os julgamentos de Nuremberg,
onde a desigualdade de status entre acusação e defesa era ainda mais gritantes.
(ARENDT, 1999, p. 242).
A maior parte dos recursos da defesa eram documentos criados pelo próprio réu, como
tabelas e notas escritas no período de reclusão em Israel, bem como os depoimentos prestados
à polícia neste período. Ao final, o Dr. Servatius conseguiu apresentar 110 documentos,
contra quinhentos da acusação (ARENDT, 1999). Arendt afirma que o testemunho de
Eichmann veio a ser a prova mais importante do julgamento.
Ser o objeto do interrogatório mais longo da história, até então, era motivo de orgulho
para o réu. Eichmann foi submetido a mais de um mês de interrogatórios, em um total de 33
sessões e meia, questionado, ora pela defesa, ora pela acusação. Com quase o dobro de
sessões, 62, as 100 testemunhas de acusação utilizaram o espaço na Casa de Justiça para
relatar os horrores vividos por elas durante a guerra. A maior parte delas, sem muita relação
direta com as ações de Eichmann. Dentre os depoentes, apenas cinco viveram sob a área de
influência do Obersturmbannführer.
Em síntese, para Arendt, a importância destes relatos, ainda que alguns desconexos,
fazia parte do esforço para que os crimes cometidos pelos nazistas não caíssem no
esquecimento. Em um trecho da reportagem, ao redigir o relato da deportação de uma família
polonesa, afirma: “era de se pensar que todo mundo, todo mundo deveria ter o seu dia na
corte” (1999, p. 251).
42
E se é verdade que "a justiça não deve ser apenas feita, ela deve ser vista", então a
justiça do que foi feito em Jerusalém teria emergido para ser vista por todos se os
juízes tivessem a ousadia de se dirigir ao acusado em algo como os seguintes termos
[...]. (ARENDT, 1999, p. 300).
Neste trecho, a autora cita questões como a culpa que Eichmann não admite, quando
afirma que não poderia ter feito diferente no contexto em que se encontrava, já que seu
argumento significa que ninguém é culpado pelas mortes de milhões de pessoas; a questão de
que o réu não se considerava antissemita, bem como o fato de não ter construído uma carreira
visando parte no extermínio de judeus; e o fato de que as ordens executadas por ele serviram
de apoio ao assassinato em massa promovido pelos nazistas.
Por fim, conclui: “consideramos que ninguém, isto é, nenhum membro da raça
humana, haverá de querer partilhar a terra com você. Esta é a razão, e a única razão, pela qual
você deve morrer na forca” (ARENDT, 1999, p. 302). Com estas palavras, Hannah Arendt
finaliza o relato sobre o julgamento de Adolf Eichmann.
45
Portanto, no lugar do monstro nazista, ela nos dá o nazista banal; no lugar do judeu
mártir virtuoso, ela nos dá o judeu como cúmplice da maldade; e no lugar do
confronto entre culpa e inocência, ela nos dá a colaboração do criminoso e da
vítima. A história, como ela conta, é complexa, sem sentimentos, solucionada com
paradoxo e ambiguidade. (PODHORETZ, 1963, p. 201, tradução nossa).28
25
Ele se refere ao texto “Letter from a region in my mind”.
26
“A negro on the Negroes, a Jew on the Jews, each telling a tale of horrors that have been visited upon his
people and of how these horrors were borne [...].”
27
"sophisticated modern sensibility."
28
“Thus, in place of the monstrous Nazi, she gives us the ‘banal’ Nazi; in place of the Jew as virtuous martyr,
she gives us the Jew as accomplice in evil; and in place of the confrontation between guilt and innocence, she
gives us the ‘collaboration of criminal and victim’. The story as she tells it is complex, unsentimental, riddled
with paradox and ambiguity.”
46
Podhoretz ainda declara que "Eichmann em Jerusalém" se exibe como relato histórico,
aspecto que o torna, como registro factual, aberto às críticas.
A opinião do editor se estende até ao método utilizado por Hannah Arendt para redigir
seu relato. Para Podhoretz, as informações utilizadas por ela, da maneira em que foram
dispostas, induziam o leitor à inexatidão:
Neste momento, Norman Podhoretz adentra a reportagem de Hannah Arendt, para dar
continuidade ao seu argumento e justificá-lo. O primeiro trecho ao qual recorre se refere à
colaboração dos judeus, através do trabalho administrativo e policial. Quanto a este fato,
Podhoretz relembra o que a própria Hannah afirma sobre o assunto em suas demais
produções, quando junto com outros autores, estabelece que garantir a cumplicidade das
vítimas figura entre as ambições de um regime totalitário.
Na reportagem "Eichmann em Jerusalém", Arendt utiliza a expressão "a um ponto
verdadeiramente extraordinário" (ARENDT, 1999, p. 133), para tratar da colaboração das
lideranças judaicas com as intenções nazistas. A insatisfação de Podhoretz com a expressão
utilizada fica evidente com a sua repetição, em tom de ironia, que ele também utiliza para
tratar da visão da autora sobre Eichmann.
Ao longo das suas reflexões, o editor da Commentary contrapõe o texto publicado pela
New Yorker com argumentos utilizados pela autora, seja os dos livros que ela usou como
complemento da reportagem, ou com os da obra dela, publicada até então. A controvérsia
ligada à tese do judeu cúmplice é o seu primeiro grande apontamento, o que leva em
consideração a afirmação de Hannah Arendt de que o número de mortes poderia ter sido
menor, caso os judeus não fossem um povo tão organizado.
29
“Except in her critique of the trial itself, which she attended, Miss Arendt's sources are for the most part
secondary ones (she relies especially on Raul Hilberg's The Destruction of the European Jews), and her
manipulation of evidence is at all times visibly tendentious. Nevertheless, a distorted or exaggerated picture
drawn in the service of suggestive thesis can occasionally bring us closer to the essential truth than a carefully
qualified and meticulously documented study - provided that the thesis accords reasonably well with the
evidence.”
47
Para rebater o argumento, Podhoretz recorre a David Rousset, citado por Arendt em
sua reportagem. O fragmento escolhido por ele enfatiza: “o triunfo da S.S. demanda que a
vítima torturada se permita a ser levada para a morte sem protestar, que ela renuncie e
abandone a si ao ponto de deixar de afirmar sua identidade” (ROUSSET, 1947 apud
PODHORETZ, 1963, p. 203, tradução nossa)30. Podhoretz prossegue na premissa,
considerando a colaboração das nações envolvidas e suas populações como fator
preponderante ao sucesso da implementação das soluções nazistas, em detrimento da
cooperação proposta por Arendt:
Mas desde que a senhorita Arendt deseja que nós acreditemos que os nazistas jamais
poderiam ter matado seis milhões de judeus sem a ajuda judaica, ela se esforça para
transmitir a impressão de que ainda que os próprios judeus fizeram em quaisquer
outros países importava também significativamente. É neste ponto que se torna
visivelmente tendenciosa na sua manipulação dos fatos. (PODHORETZ, 1963, p.
203, tradução nossa).31
Quase todo líder judeu na Europa cometeu o mesmo erro em relação às intenções
nazistas sobre eles e seu povo - um erro que os nazistas, a propósito, fizeram de tudo
para encorajar. Então se nos perguntarmos o motivo pelo qual as lideranças judaicas
cooperaram com os nazistas, a resposta poderia ser que elas estavam seguindo a
política de apaziguamento e que não havia nada de "extraordinário" sobre isso.
(PODHORETZ, 1963, p. 204, tradução nossa).32
30
“The triumph of the S.S. demands that the tortured victim allow himself to be led to the noose without
protesting, that he renounce and abandon himself to the point of ceasing to affirm his identity.”
31
“But since Miss Arendt wishes us to believe that the Nazis could never have killed as many six million Jews
without Jewish help, she tries very hard to convey the impression that what the Jews themselves did in any given
country mattered significantly too. And it is here that she becomes most visibly tendentious in her manipulation
of the facts.”
32
“Almost every Jewish leader in Europe made the same mistake regarding the intentions of the Nazis toward
them and their people - a mistake that the Nazis incidentally did everything they could to encourage. If, then, we
ask why Jewish leadership cooperated with the Nazis, the answer would seem to be that they were following a
policy of appeasement, and that there was nothing in the least ‘extraordinary’ about this.”
48
A escolha das palavras de Hannah Arendt são um problema evidente para Norman
Podhoretz. O mal, como banalidade, apresentado pela autora da reportagem, parece
representar, aos olhos de Podhoretz, a desqualificação das barbáries cometidas pelos nazistas:
"semelhantemente, o comportamento dos líderes judeus sob o regime nazista era
33
“I do not think I'm being unfair to Miss Arendt here.”
34
“The brilliance of Miss Arendt's treatment of Eichmann could hardly be disputed by any disinterested reader.
But at the same time, there could hardly be a more telling example than this section or her book of the
intellectual perversity that can result from the pursuit of brilliance by a mind infatuated with its own agility and
bent on generating dazzle.”
49
extraordinário, mas Adolf Eichmann era ordinário, até mesmo banal"(PODHORETZ, 1963,
p. 206, tradução nossa)35 .
De acordo com Podhoretz, a impossibilidade de aceitar a representação de Eichmann
feita por Hannah Arendt, em sua reportagem, está no fato de ele não ter vivido da versão de
um Estado totalitário ideal. Adolf Eichmann era fruto de uma primeira geração de nazistas e
conhecia o mundo além das atrocidades que cometiam. O editor ainda assinala que, se
Eichmann fosse tão pouco importante quanto gostaria que acreditassem, ou como Arendt
pretendeu, não teria sido confiada a ele a tarefa de transportar os judeus para os campos de
extermínio, um trabalho de extrema importância para a política nazista.
Para provar a irracionalidade e o radicalismo do antissemitismo nazista, Podhoretz
recorre ao exemplo da Romênia, que manifestava uma postura muito semelhante à dos
alemães. Ao contrário dos nazistas, os romenos logo perceberam que utilizar os judeus como
força de trabalho era mais lucrativo do que exterminá-los. No argumento de Podhoretz, ainda
que se manifestasse o antissemitismo, em outras partes da Europa, ele encontrava barreiras e
até mesmo racionalidade.
No fechamento do texto, Norman Podhoretz confronta a opinião de Hannah Arendt
sobre a corte estabelecida em Jerusalém, como substituta de uma corte internacional. Em
defesa de Ben Gurion e Hausner, atacados com frequência na reportagem da filósofa, o autor
concorda com o posicionamento de ambos quanto ao julgamento de Eichmann, reforçando a
ideia de que a exposição dos crimes cometidos pelos nazistas contra o povo judeu deveria
envergonhar as nações do mundo.
O relato de Hannah Arendt peca, na visão de Podhoretz, nesta função. A capacidade
de questionar o papel dos judeus e de humanizar Eichmann é entendida, por ele, não apenas
como uma perspectiva diferente dos acontecimentos, mas como uma afronta ao povo judeu.
Podhoretz responde, com este texto: uma denúncia pública, com o objetivo de marcar a
perversidade no aclamado brilhantismo intelectual de Arendt.
4.3 AS POLÊMICAS
35
“Similarly, the behavior of the Jewish leaders under the Nazis was "extraordinary", but Adolf Eichmann was
ordinary, even unto banality.”
50
36
“The Eichmann in Jerusalem controversy was a civil war that broke out among New York intellectuals.”
37
“The disparity between what Miss Arendt states, and what the ascertained facts are, occurs with such
disturbing frequency in her book that it can hardly be accepted as an authoritative historical work.”
51
Então enquanto eu recomendaria este livro por muitas razões, a mais importante é
que esta é a nossa melhor proteção contra o controle opressivo e desumanizar o
totalitarismo ainda é um entendimento pessoal dos eventos como aconteceram. Para
38
“Ezorsky quoted the results of a psychiatric test: the subject was ‘a man obsessed with a dangerous and
insatiable urge to kill, arising out of a desire for power.’ She concluded, ‘Miss Arendt’s tale that Eichmann was
without fanatical hatred of Jews seems initially implausible and turns out to be false.”
39
“[...] a brilliant and disturbing study of the character and the trial of Adolf Eichmann.”
52
este fim, Hannah Arendt nos forneceu com um rico material. (BETTELHEIM, 1963
apud ERZA, 2007, p. 146, tradução nossa).40.
A revista Partisan Review concedeu espaço a uma série de artigos contra e a favor do
posicionamento adotado por Arendt na escrita de “Eichmann em Jerusalém”. Apesar das
críticas comuns às outras publicações, nesta série de debates surgiram autores com
comparações confusas, como Lionel Abel: “alguém pode acusar as pessoas de Nagasaki e
Hiroshima por terem tornado possíveis suas próprias mortes, já que eles viviam em cidades e
cidades eram os melhores alvos” (ABEL, 1963 apud ERZA, 2007, p. 148, tradução nossa).41
O objetivo de Abel era comparar o senso de culpa entre a questão dos conselhos judaicos com
a tragédia no Japão.
Na série, a escritora Mary McCarthy, amiga pessoal de Hannah Arendt, defende o
brilhantismo da reportagem. No seu texto, McCarthy (1964) observou que as críticas mais
hostis partiam dos que compartilhavam a fé de Arendt, enquanto as favoráveis eram de
autores não judeus. Como Arendt, McCarthy sentiu que a reportagem sobre o caso Eichmann
foi mal interpretada (ERZA, 2007) e busca resgatar a perspectiva filosófica presente no relato
de Hannah. Os problemas de interpretação, aparentemente, tinham origem nos
questionamentos propostos por Arendt.
Os artigos da Partisian Review sobre o acontecimento não se encerraram com Mary
McCarthy. Por meses, os intelectuais da cidade de Nova York continuariam discutindo
particularidades do trabalho de Arendt. O último deles a publicar sua opinião foi William
Phillips, editor da revista, em 1964. Ele afirmava que as reações eram repletas de excessos e
que até mesmo ouviu pessoas dizendo que Arendt era um ser humano pior do que Eichmann.
Sobre isso, destaca: “particularmente deprimente é o processo das polêmicas, com todos
discutindo tão inteligentemente, com tanta perspicácia e lógica, como se aqueles eventos
horríveis estivessem sendo usados para afiar a mente e a retórica de alguém” (PHILLIPS,
1964 apud ERZA, 2007, p. 151, tradução nossa).42
Na Europa, apesar de não ter suscitado o mesmo tipo de reação, a reportagem de
Hannah Arendt também sofreu julgamento. Para alguns críticos alemães, que os americanos
40
“So while I would recommend this book for many reasons, the most important one is that our best protection
against oppressive control and dehumanizing totalitarianism is still a personal understanding of events as they
happen. To this end Hannah Arendt has furnished us with a richness of material.”
41
“One might as well accuse the people of Nagasaki and Hiroshima for having made their own deaths possible,
since they lived in cities, and cities make the best targets.”
42
“Particularly depressing is the procession of polemics, with everyone arguing so cleverly, with so much wit
and logic, as though those awful events were being used to sharpen one’s mind and one’s rhetoric.”
53
5 CONCLUSÃO
No seu tempo, "Eichmann em Jerusalém" não poderia ser uma reportagem menos do
que controversa. Ainda que sua publicação tenha acontecido 18 anos após o fim da Segunda
Guerra Mundial, a proximidade com o conflito despertou, no público, um sentimento de
justiça que a autora foi incapaz de reproduzir. Mais do que ter concluído o improvável sobre o
julgamento de Adolf Eichmann, o crime de Hannah Arendt foi o de ter sido capaz de chegar a
estas conclusões como judia.
Acusada de nutrir ódio contra o próprio povo, Hannah Arendt, também chamada de
Hannah Eichmann, pelos opositores, como apontou Mary McCarthy (ERZA, 2007, p.150),
contava com as condições para perceber o acontecimento além do preestabelecido,
considerando sua formação questionadora como filósofa e suas teses já desenvolvidas sobre o
totalitarismo. Os apontamentos feitos por ela, na reportagem, seriam mais surpreendentes caso
refletissem o senso comum.
A precisão dos detalhes presentes em sua descrição faz recordar a maneira de
Dostoiévski compor cenários e personagens para dar vida ao relato. A passagem em que
explica a impressão causada pela cabine que abrigou o réu, ao longo do julgamento,
caracteriza-o como “desencarnado através das grossas paredes de vidro que o cercavam”
(ARENDT, 1999, p. 234). Ainda que tenha sido televisionado, é possível alinhar mentalmente
a disposição da corte e até mesmo os cenários das barbáries denunciadas pelas testemunhas da
acusação, tendo apenas o texto em mãos.
"Eichmann em Jerusalém" é uma narração das consequências causadas pela instalação
de um regime totalitário. Independente da perspectiva que a filósofa escolhesse adotar,
inflamaria discussões. Contemporâneos a ela não poderiam deixar de observar as falhas e as
qualidades de um texto cuja proposta era elucidar questões para as quais não se encontrariam
respostas definitivas, mesmo 53 anos depois. É possível que este ponto não estivesse claro
para o público: Hannah Arendt faz da reportagem uma experiência, apostando em um formato
de jornalismo que questiona e não soluciona. Por isso mesmo, depois transforma aquele texto
jornalístico em livro.
Ao longo da reportagem, a autora transgride o papel de repórter e adota a posição de
advogada, articulando a defesa necessária para amenizar as acusações contra Eichmann.
Considerado um fragmento controverso do relato, em repetidos momentos, Arendt se
concentra na crítica sobre a atuação do advogado de defesa, o Dr. Robert Servatius. A
insistência da filósofa em proteger os interesses do réu, através do exame minucioso dos
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registros, motivou denúncias que especulavam sua simpatia por Eichmann. Ao examinar os
documentos da acusação, Arendt é capaz de retomar momentos da história do regime nazista
que diminuiriam o papel atribuído a Eichmann que, por arrogância ou problemas de memória,
não era capaz de se recordar.
O apoio sobre os documentos é um indicativo da necessidade, por parte da autora, de
construir um conhecimento sólido, além dos fatos narrados pela reportagem que dizem
respeito ao julgamento. As condições em que foi escrita, do veículo que a publicou até a
técnica aplicada, justificam o resultado incomum obtido pela autora, considerando que
nenhuma outra publicação produziu material tão rico e extenso sobre o assunto quanto a New
Yorker. O trabalho de Hannah Arendt demonstra o potencial do jornalismo para revelar o
novo (MEDITSCH, 1992), mesmo que o objeto seja parte do passado.
Ao construir Adolf Eichmann como personagem, Hannah Arendt apresenta o ex-
oficial ao público como homem banal, ao contrário do antissemita monstruoso que Israel
pretendia exibir. Ao longo dos interrogatórios, Eichmann tentou demonstrar a ausência de
pretensões assassinas em seus atos, incompatíveis com a função exercida por ele na estrutura
militar nazista. Ainda que não tivesse a intenção de assassinar, sua omissão transportou
milhões de judeus para o encontro com a morte. Nos vagões coordenados por Eichmann,
iniciava-se o processo de desumanização dos prisioneiros judeus.
A defesa de Eichmann, por parte da autora, com base no argumento da banalidade do
mal (ARENDT, 1999), foi alvo de críticas hostis. A versão do nazista sádico, amplamente
aceita, estava consolidada antes mesmo do início do julgamento em Jerusalém. Alguns
críticos de Arendt chegaram a afirmar que Adolf Eichmann, no fim da história, foi o único
que saiu melhor do que entrou (ERZA, 2007). O questionamento sobre o trato da
personalidade do réu pela reportagem é inevitável. Hannah Arendt poderia ter sido mais
objetiva?
O mito da objetividade jornalística (AMARAL, 1996) é responsável pelo
estranhamento da proposta de reflexão, um aspecto incomum aos textos do jornalismo. O
relato de Arendt, desde o início, renuncia à crença na objetividade como única maneira de
expor um acontecimento. Como filósofa, a autora parece ter consciência da impossibilidade
de relatar a realidade como ela é. Arendt não era responsável, nem sua reportagem, pela
definição da personalidade de Adolf Eichmann. A opinião pública já havia feito estas
definições.
Hannah provoca o leitor a procurar além da obviedade. Escolhe contar a história de
um homem em um contexto totalitário e conduz o leitor à reflexão sobre a possibilidade da
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adoção de uma postura diferente por parte do réu. Sua abordagem não é óbvia, nem busca
uma verdade absoluta e definitiva. Uma versão objetiva, como a supostamente adotada pelos
críticos, seria o melhor caminho para a reportagem? É difícil afirmar que a busca por
objetividade é o único caminho para a verdade (AMARAL, 1996).
O papel dos judenräte nos resultados surpreendentes da Solução Final foram expostos
pela autora como parte importante do julgamento. Enquanto a mídia não considerou este
aspecto, Arendt não hesitou em desenvolvê-lo, com a ajuda de outros teóricos. A condição de
judia, fugitiva dos campos nazistas e exilada, concedeu à autora a credibilidade para tratar do
assunto com uma postura crítica. Ainda que seja doloroso classificar este como o capítulo
mais sombrio de toda a história de sombras do povo judeu (ARENDT, 1999).
A experiência de Arendt, inevitavelmente, influencia a reportagem. É natural que a
opinião pública americana, fruto de outras experiências, considerasse ultrajante a importância
atribuída por Arendt à questão da colaboração dos líderes judaicos com os nazistas. Assim
como a tese da banalidade do mal (ARENDT, 1999), é possível que a filósofa tenha previsto
as consequências destas afirmações, que não apenas desafiaram o senso comum, quanto
alteraram a relação clássica entre agressores e vítimas.
O estranhamento causado por essa aproximação entre as vítimas e os criminosos pode
ser atribuída às práticas do jornalismo como veículo de comunicação de massa. A ruptura da
repetição de sentidos, à qual, tanto o leitor, quanto os demais jornalistas estão habituados, é
capaz de causar o sentimento de revolta que tomou os intelectuais nova-iorquinos após a
veiculação de "Eichmann em Jerusalém".
A reação de outros veículos, como a Commentary, refletiu a opinião dos judeus
contemporâneos à Arendt ao acontecimento. Um assunto de extrema importância, o
julgamento de um ex-oficial nazista na terra recém-conquistada pelos judeus não estava
aberto às críticas incisivas feitas por Hannah Arendt.
O texto de Norman Podhoretz (1963) sintetiza o sentimento de hostilidade contra a
filósofa. Carregado de ironia, o artigo busca refutar as informações presentes na reportagem.
Os primeiros parágrafos instigam o leitor a repensar as qualidades do texto, com a afirmação
de que estudiosos da literatura e da filosofia podem considerar a versão de Arendt melhor do
que as que abraçam o sentimentalismo para contar a história do julgamento. Na concepção de
Podhoretz (1963), a autora lança mão de uma interpretação diferenciada, com o objetivo de
destacar a superioridade da sua tese.
Empenhado em apontar contradições, Podhoretz parece desejar alcançar uma classe de
leitores, assim como ele, judeus insatisfeitos com o tratamento dado por Arendt à reportagem.
57
Para isso, como anuncia no título, discursará sobre a perversidade do brilhantismo da autora,
como justificativa para as diferenças essenciais entre a sua perspectiva sobre o acontecimento
e a dela.
A grande repercussão das críticas instaurou, nas publicações de cunho cultural e
intelectual de Nova York, um debate aberto entre críticos e defensores da reportagem
veiculada pela New Yorker. Enquanto as reações de editores, escritores, jornalistas e
acadêmicos eram mais facilmente monitoradas, as dos leitores, que se manifestavam por
cartas, e precisavam pagar por este serviço, dificultam a mensuração da opinião publica frente
às discussões.
Por interesse em promover o debate ou para ampliar as vendas, a Partisan Review
publicou uma série de artigos problematizando o conteúdo da reportagem. A riqueza das teses
produzidas por grandes nomes da literatura, do jornalismo, da filosofia e da sociologia, foi
capaz de ampliar o fluxo da notícia, que deixou de fluir da maneira tradicional, para aprimorar
a experiência e os conhecimentos do leitor.
A importância do caso Eichmann e de seus desdobramentos tem se amplificado ao
longo dos anos. Por mais que nos pareçam distantes, as características tacanhas do ser
humano, que fizeram deste debate algo tão intenso, ainda são muito atuais. Eichmann foi
julgado na corte dos vitoriosos e uma filósofa, no papel de repórter, entre tantos, foi capaz de
apontar suas irregularidades e defender o que acreditava ser justo.
O distanciamento temporal do evento nos aproxima da versão de Hannah Arendt. Para
observar o todo, com maior facilidade, é necessário se afastar. Apesar de vítima do
antissemitismo, a filósofa foi capaz de criar este mirante, que permitiu observar e pintar um
Eichmann que apenas ela via na década de 1960, um nazista através das lentes do próximo
século. Apesar do amadurecimento da tese de Arendt, infelizmente, a banalidade do mal
torna-se cada vez mais contemporânea.
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