Você está na página 1de 3

DIDÁTICA DA FILOSOFIA: ALGUMAS REFLEXÕES INICIAIS

Profa. Elisete M. Tomazetti


Departamento de Metodologia do Ensino da UFSM

Ao começar esta disciplina é preciso apontar alguns elementos que possam caracterizá-la. Sei
que para muitos alunos do Curso de Filosofia que não pretendem atuar no ensino de filosofia
na escola, tal disciplina possa não ter um sentido e um valor positivo. Essa percepção,
também, pode ter sido nutrida por idéias de desprestígio a tudo o que se refiram as questões
educacionais, tradicionalmente consideradas no espaço dos cursos de licenciatura como de
segunda categoria. Historicamente a pesquisa sempre adquiriu maior valor e prestígio no
espaço universitário em relação à docência.
Há algumas justificativas para esta atitude, mas gostaria de lembrar, por exemplo, o
desprestígio que a profissão de professor vem sofrendo nas últimas décadas no Brasil, o baixo
salário, as condições de trabalho. As expressões crise da autoridade do professor e crise da
educação e da escola sinalizam essa situação.
No caso específico dos alunos, futuros professores de Filosofia do Ensino Médio há outras
explicações: durante muito tempo, a disciplina filosofia oscilou entre a presença e a ausência
nas escolas; apenas no ano de 2006 foi aprovada a sua obrigatoriedade, juntamente com a da
Sociologia como disciplina específica nos currículos das escolas de ensino médio. Diante
desta história de descontinuidade, os cursos formadores dos futuros professores de filosofia
também focaram de forma irrisória as questões de ensino, de docência, de escola, de
metodologia. Mesmo sendo cursos de licenciatura tinham na pesquisa seu foco principal. Isso
começou a mudar a partir de 2002, com a aprovação das Diretrizes para a formação de
professores em nível superior: 400 horas de prática de ensino e 400 horas de estágio curricular
supervisionado.
Então, hoje a situação é bastante diferente: o curso de filosofia, a partir da mudança curricular
realizada em 2004, passou a incorporar disciplinas voltadas para a temática do ensino do
conteúdo filosófico; foi incorporada a disciplina de Pesquisa para o ensino de filosofia e o
ECS1 e ECS2 exigem um tempo maior do aluno dentro da escola e da sala de aula. Do ponto
de vista da Escola Básica, há expectativa dos professores regentes sobre os alunos estagiários,
pois representam o diferente, outras possibilidades para a disciplina e, uma maior
proximidade com os conteúdos de Filosofia indicados no Peies.

Então, qual o sentido desta disciplina Didática da Filosofia?

Antes de procurar responder a esta pergunta será preciso indagar sobre a didática em geral.
Segundo Isabel Alarcão, “a didática curricular tem como objetivo levar o aluno, futuro
professor, a compreender que, para ensinar a matéria que aprendeu, tem de ser capaz de
adaptá-la ao conhecimento do aluno para assim servir de mediador, espécie de tradutor entre o
saber constituído e o saber a construir pelo aluno (...)” (2006, p.181). O objetivo da didática é
o desenvolvimento da autonomia do aluno como aprendente e como profissional reflexivo.
Neste sentido, a didática tem caráter analítico e reflexivo, de interface teórico-prática e
científico-analítica. Não, sendo, portanto, um repositório de receitas. O vocábulo didática
deriva da expressão grega techné didaktiké – arte ou técnica de ensinar.
Segundo Ghiraldelli, “o problema da didática geral é um só: estabelecer o limite entre o que
está sendo organizado de maneira a ser melhor apreendido pelo estudante e o assunto
propriamente dito como ele aparece classicamente na história dos conhecimentos”. Também,
procura avaliar as mediações possíveis e necessárias para ensinar filosofia na escola. A
didática busca pensar aquilo que Chevallard (1997) denomina de “transposição do saber”, ou
melhor, dizendo a transformação do saber científico em um saber ao nível dos alunos. Neste
processo de transposição estão presentes vários elementos, entre eles: seleção dos conteúdos a
ensinar, os alunos a quem se vai ensinar, e o espaço – a escola – em que esta aula vai
acontecer.

E a didática da filosofia?

Está é uma didática específica e “tem como objeto de estudo a natureza do processo real,
contextualizado, do ensino-aprendizagem de uma determinada disciplina. Para estudar, busca
saberes de referência que recria a funcionalidade do valor que detêm para a compreensão do
problema em questão. (...) Colocada a serviço do professores, estes reinterpretam a didática
no contexto específico da sua lecionação, por vezes questionando-a e adaptando-a, mas
também eles investigando sobre ela. Nas suas mãos, a didática assume a funcionalidade que
caracteriza a didática em ação na sala de aula. Saber didática é, pois , ter desenvolvido uma
teoria prática, uma inteligência pedagógica, saberes que permitem agir em situação. É esse o
contributo da didática para a formação de professores” (Alarcão, p.186-7).
Para Selma Pimenta (2006, p.55) “Às didáticas das disciplinas compete o estudo do que se
refere às origens dos conteúdos a ensinar, sua história e sua epistemologia. (...) novos
conceitos didáticos: tramas conceituais, contrato didático, transposição didática, situações
didáticas”. Avançando um pouco mais, Zabala (1998), indica os elementos a serem estudados
na Didática, denominados de unidades didáticas, que são:
- seqüências de atividades de ensino (seqüências didáticas)
- o papel dos professores e dos alunos (relação entre professor e aluno)
- forma de estruturar os diferentes alunos e a dinâmica grupal (organização social da aula)
- utilização dos espaços e do tempo.
- maneira de organizar os conteúdos
- características e uso dos materiais curriculares e outros recursos didáticos.
- o sentido e o papel da avaliação.
Então, a Didática da filosofia a ser desenvolvida neste semestre (1º/2007) tem como objetivos
proporcionar:
1. Compreensão da disciplina Filosofia no contexto amplo da educação brasileira.
2. Compreensão da especificidade da disciplina Filosofia no Ensino Médio, para alunos
jovens/adolescentes, de diferentes classes sociais e portadores de cultura própria.
3. Leitura e análise do documento Orientações Curriculares – Conhecimentos de
Filosofia.
4. Seleção e análise de metodologias ao ensino da Filosofia.
5. Seleção e organização de materiais didáticos para aula de Filosofia.
6. Planejamento de aulas, levando em conta as unidades didáticas.
7. Execução dos planejamentos das aulas (micro-aulas)

Para finalizar, é preciso salientar que não há, ainda no Brasil, uma produção de conhecimento
significativa no campo da Didática e das Metodologias para o ensino de Filosofia na Escola
Básica. Há ensaios e textos produzidos por professores de Filosofia interessados e
comprometidos com o ensino, com as questões educacionais que atravessam o pensamento
sobre aula de Filosofia no Ensino Médio. Entretanto, não há muitas pesquisas que
encaminhem para a indicação sustentada acerca de metodologia mais adequadas à natureza e
ao contexto deste ensino. Por isso, esta disciplina que estamos começando hoje (23 de abril)
se alicerça no já produzido, mas, também, sinaliza para a pesquisa que pode ser nela iniciada.

Você também pode gostar