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Organizadora

Sônia Queiroz

O que é um autor?,
de Michel Foucault
duas traduções para o português

Notas de tradução
Nathália Campos

Belo Horizonte
FALE/UFMG
2011
Sumário

Diretor da Faculdade de Letras


Luiz Francisco Dias

Vice-Diretora
Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet

Comissão editorial
Eliana Lourenço de Lima Reis
Elisa Amorim Vieira
Fábio Bonfim Duarte
5 O autor entrevisto
Lucia Castello Branco
Adilson A. Barbosa Jr.
Maria Cândida Trindade Costa de Seabra
Maria Inês de Almeida 15 Qu’est-ce qu’un auteur?
Sônia Queiroz Michel Foucault

Capa e projeto gráfico 51 O que é um autor?


Glória Campos Tradução de Antônio Fernando Cascais e
Mangá – Ilustração e Design Gráfico Eduardo Cordeiro

Digitação 83 O que é um autor?


Débora Leite Tradução de Inês Autran Dourado
Erinilton Gomes Barbosa
Preparação de originais
121 Edições de “O que é um autor?”, de
Flávia Morato
Mariana Pithon Michel Foucault em francês, inglês e português

Diagramação
Mariana Pithon

Revisão de provas
Guilherme Zica
Tatiana Chanoca

Endereço para correspondência


Laboratório de Edição – FALE/UFMG
Av. Antônio Carlos, 6627 – sala 4081
31270-901 – Belo Horizonte/MG
Tel.: (31) 3409-6072
e-mail: revisores.fale@gmail.com
website: www.letras.ufmg.br/labed
O autor entrevisto

Adilson A. Barbosa Jr.

O ano de 1969, no qual, em 22 de fevereiro, Michel Foucault profere a


conferência “O que é um autor?” na Sociedade Francesa de Filosofia,
marca significativas mudanças na postura política do filósofo. Foucault
havia permanecido distante dos acontecimentos de maio de 1968, o que
lhe rendia a reprovação da maior parte da esquerda francesa. Nomeado,
em 1º de dezembro de 1968, para a cátedra na recém-criada Universidade
de Vincennes, o filósofo volta-se para a política e se incorpora ao movi-
mento contestador que ali eclodia. No entanto, essas mudanças, bastante
nítidas na atuação do professor de Vincennes, onde permaneceu por dois
anos, revelam-se graduais na produção intelectual de Foucault, ainda por
se consolidar como um “genealogista do poder”.1 Didier Eribon, um dos
principais biógrafos do filósofo, destaca esse descompasso: “Seus artigos
ou conferências desse período continuam supreendentemente marcadas
por suas preocupações teóricas e por seu estilo anteriores”.2
Embora Roberto Machado, em Foucault, a filosofia e a literatura,
aponte “O que é um autor?” como um dos exemplos do movimento de
abandono da literatura como tema por parte de Foucault,3 a marcante
presença, nessa fala, da visão foucaultiana do espaço da linguagem li-
terária4 torna inquestionável a importância dessa conferência para os

1
MACHADO. Foucault, a filosofia e a literatura, p. 123.
2
ERIBON. Foucault: 1926-1984, p. 195.
3
MACHADO. Foucault, a filosofia e a literatura, p. 121-122.
4
Ver PELBART. O desaparecimento do homem, a literatura e a loucura, p. 179.
estudos de teoria da literatura. Ademais, as considerações feitas então, por Recepção e do Efeito, cujo marco temporal convencionado é a aula inaugural
Michel Foucault, mereceram ampla recepção e ainda se fazem presentes de Hans Robert Jauss na Universidade de Constança (Alemanha) em 1967.10
na obra de pensadores e teóricos contemporâneos, como Giorgio Agamben É importante observar que a reviravolta empreendida por Barthes
e Antoine Compagnon. e Foucault no âmbito conceitual da autoria revela-se, inevitavelmente,
Roland Barthes, em 1968, deu a lume o artigo “A morte do autor”, tributária do cânone literário moderno. Autores como Stéphane Mallarmé,
cujo teor seria tão impactante quanto o título. A força da terminologia, Franz Kafka, James Joyce, Samuel Beckett, dentre outros, operam um des-
entretanto, não deixaria de ensejar interpretações excessivamente radicais dobramento sucessivo – e infinito – da palavra. Dotam-na de exterioridade,
das ideias expostas por Barthes, que, na verdade, concluía pela “morte” no passo em que a libertam das funções de representação do mundo e de
de uma determinada concepção de Autor – assim grafado, inclusive, com expressão da subjetividade autoral. Em outros termos, a palavra não de-
letra maiúscula – em favor do que ele pretendia, coerentemente, deno- signa, existe. E existe enquanto o autor desaparece: “Mallarmé não cessa
minar escritura, em lugar de obra. Foucault, na palestra de 1969, procura de apagar-se na sua própria linguagem, a ponto de não mais querer aí
prevenir-se da redundância em relação a Barthes. Alega a insuficiência de figurar senão a título de executor numa pura cerimônia do Livro, em que
se repetir que o autor desapareceu, de se pretender uma concentração o discurso se comporia por si mesmo”.11
de esforços sobre a obra – conceito cuja indeterminação denuncia – e Editada, a conferência “O que é um autor?” suscitou – e ainda sus-
defende a necessidade de se verificar “o espaço assim deixado vago pela cita – significativa recepção crítica. Antoine Compagnon dedica ao conceito
desaparição do autor”, seja qual for a dimensão desse desaparecimento. de autor um longo capítulo em O demônio da teoria, no qual as ideias de
E, naquele espaço “deixado vago”, se formaria o que Foucault denomina Foucault são discutidas.12 Todavia, nessas páginas Compagnon encarcera a
a função autor. Como Barthes, Foucault assume um posicionamento anti- discussão sobre a autoria nos limites de uma dicotomia: de um lado, situa
humanista, já expresso em As palavras e as coisas, ao tratar da morte concepções que adotam, para a abordagem da obra, a busca da intenção
do homem. Outro ponto comum, e de suma importância, entre “A morte
5
autoral; de outro, correntes que rejeitariam essa intenção. Nesse segun-
do autor” e “O que é um autor?” é a abertura para o influxo do papel do do grupo, Compagnon inscreve o Formalismo Russo, o New Criticism e o
leitor. Conforme Barthes, o leitor é o lugar onde se reúne “o ser total da Estruturalismo. Aqui alinhados, estariam também Roland Barthes e Michel
escritura”.6 Foucault é menos explícito, mas afirma o “trabalho efetivo” – Foucault. Ao tratar especificamente de “O que é um autor?”, Compagnon
e transformador – do “retorno ao texto”. Em consonância com a recusa
7
simplifica em excesso o conceito foucaultiano de função autor para afirmá-lo
de uma concepção autoritária de autoria, os dois teóricos refutam a ideia como exemplo da confusão do “autor biográfico ou sociológico, significando
de um “sentido oculto”, a “ser decifrado”. À época, já ganhavam corpo
8 9
um lugar no cânone histórico, com o autor, no sentido hermenêutico de sua
os estudos que culminariam nas teorias contemporâneas das Estéticas da intenção, ou intencionalidade, como critério da interpretação”.13 Na verda-
de, ao expor a noção de função autor, Foucault antes separa nitidamente
5
À semelhança do que foi dito em relação à morte do autor para Roland Barthes, aqui também cabe do que confunde autor biográfico e intenção do autor. E assim procede
ponderar que Foucault trata, em As palavras e as coisas, do ocaso de uma concepção humanista do
para descartar ambos como parâmetros hermenêuticos. A função autor,
homem no âmbito do pensamento ocidental.
6
BARTHES. A morte do autor, p. 64.
7
As citações de Michel Foucault sem indicação bibliográfica pertencem à tradução brasileira da 10
O texto dessa aula embasaria, posteriormente, a obra de Jauss intitulada A história da literatura como
conferência “O que é um autor?”. provocação à teoria literária.
8
Apesar do esclarecimento da nota anterior, frisa-se aqui a expressão como também proveniente da 11
FOUCAULT. As palavras e as coisas, p. 421.
conferência “O que é um autor?”, de Michel Foucault, a fim de evitar maiores confusões de indicação 12
Antoine Compagnon também ofereceu recentemente, na Sorbonne, um curso intitulado Qu’est-ce qu’un
bibliográfica com o artigo de Roland Barthes. auteur? (O que é um autor?), cujo conteúdo encontra-se no site Fabula, la recherche en littérature.
9
BARTHES. A morte do autor, p. 63. (Grifo do autor). 13
COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 52.

6 O que é um autor? O autor entrevisto 7


definida como “característica do modo de existência, de circulação e de italiano, a citação de Beckett é contraditória, mas lembra “ironicamente o
funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade”, engen- tema secreto da conferência”.19 Agamben esclarece:
dra e se exerce na potencialidade do texto; não se funda na “atribuição
Há, por conseguinte, alguém que, mesmo continuando anônimo e
de um discurso a um indivíduo”, tampouco se coaduna com a procura de sem rosto, proferiu o enunciado, alguém sem o qual a tese, que
uma intenção autoral como “sentido oculto”. nega a importância de quem fala, não teria podido ser formulada.
O mesmo gesto que nega qualquer relevância à identidade do autor
Compagnon também indaga se a atuação do leitor ante o ocaso
afirma, no entanto, a sua irredutível necessidade.20
do autor não resultaria em uma mera substituição: do autor pelo leitor.14
Certamente que não. A relevância dada à leitura como ato emanador de Sem negar o autor, Foucault distingue o sujeito empírico – esma-
sentido – não apenas em Barthes e Foucault, mas também na já mencio- ecido no espaço da escritura – da função autor. Agamben também relata
nada Estética da Recepção – não impede que o espaço do texto literário, que “dois21 anos depois, ao apresentar na Universidade de Buffalo uma
por mais polissêmico que este se apresente, seja um limite para o leitor. versão modificada da conferência, Foucault opõe ainda mais drasticamente
Assim, o jogo do retorno ao texto, segundo Foucault, oferece o que “aí o autor-indivíduo real à função-autor”.22 Ainda em 1970, na aula inaugural
[no texto] estava, bastaria ler” ou “o que é dito através das palavras, em do Collège de France, proferida a 2 de dezembro, Foucault traz mais luzes
seu espaçamento, na distância que as separa”. à questão:
Um outro equívoco presente em O demônio da teoria acerca de “O Seria absurdo negar, é claro, a existência do indivíduo que escreve
e inventa. Mas penso que – ao menos desde uma certa época – o
que é um autor?” encontraria resposta quase trinta anos antes 15
na in-
indivíduo que se põe a escrever um texto no horizonte do qual
dignada réplica que Foucault dirigiu a Lucien Goldmann durante o debate paira uma obra possível retoma por sua conta a função do autor:
que, na ocasião, se seguiu à palestra: “não disse que o autor não existia; aquilo que ele escreve e o que não escreve, aquilo que desenha,
mesmo a título de rascunho provisório, como esboço da obra, e o
eu não disse e estou surpreso que meu discurso tenha sido usado para
que deixa, vai cair como conversas cotidianas. Todo este jogo de
um tal contra-senso”. Estranhamente, Compagnon tece suas considerações diferenças é prescrito pela função do autor, tal como ele a recebe
como se partisse da premissa contrária, qual seja, a de que Foucault – e de sua época ou tal como ele, por sua vez, a modifica. Pois embora
possa modificar a imagem tradicional que se faz de um autor, será
também Barthes – infirmasse a própria existência do autor. Isso ocorre, por
a partir de uma nova posição do autor que recortará, em tudo o
exemplo, quando questiona a suposta substituição do autor pelo leitor.16 que poderia ter dito, em tudo o que diz todos os dias, a todo o
Ao final do capítulo “O autor”, Compagnon ainda defende como “garantia momento, o perfil ainda trêmulo de sua obra.23

do sentido”17 do texto a intenção do autor, parâmetro que, se abandonado,


configuraria a obra como “resultante do acaso”.18 Se na literatura moderna o autor desaparece, a teoria literária da
O desaparecimento do autor – tal como o entendeu Foucault – e década de 1960 atesta e endossa essa ocultação. Foucault o faz em grande
a noção de função autor não implicam na inexistência do próprio autor. medida por ver aí uma oposição ao humanismo. Contudo, tão relevante
Giorgio Agamben, no ensaio “O autor como gesto”, percebe essa diferença a quanto constatar esse ocaso é reconhecer a importância de que, em dado
partir da frase de Beckett que serve de mote à palestra de Foucault – “Que momento, o autor haja surgido. Seja esse surgimento relacionado ao
importa quem fala, alguém disse, que importa quem fala”. Para o filósofo
19
AGAMBEN. O autor como gesto, p. 55.
14
COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 52. 20
AGAMBEN. O autor como gesto, p. 55. (Grifo do autor).
15
A primeira edição francesa de O demônio da teoria data de 1998. 21
Embora Agamben registre esse intervalo – dois anos –, a palestra em Buffalo ocorreu em 1970, já no
16
COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 52. ano subsequente ao da conferência na Sociedade Francesa de Filosofia.
17
COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 94. 22
AGAMBEN. O autor como gesto, p. 56.
18
COMPAGNON. O demônio da teoria, p. 94. 23
FOUCAULT. A ordem do discurso, p. 28-29.

8 O que é um autor? O autor entrevisto 9


advento dos direitos do autor ou, como faz Foucault, à possibilidade de que o circunda e lhe diz respeito: cartas, diários, fotografias, objetos,
transgressão via discurso – e punição de seu autor –, a figura autoral foi anotações marginais em livros, enfim, um minucioso “museu” para se
vital para a constituição do próprio campo literário e da literatura como “mapear” a origem da obra. Também os estudos culturais se voltam para
instância autônoma. Ao tratar da institucionalização e da autonomização o autor. Buscam identificá-lo como pertencente a um determinado grupo,
da literatura, assim reflete Silvina Rodrigues Lopes: segmento social, racial, político, para que esse pertencimento edulcore

Sendo a definição da identidade do autor decisiva para a consti- certos matizes da obra. Por fim, o gênero autobiográfico e a chamada
tuição e garantia de preservação de um corpus, ela está na base “escrita de si”, embora não sejam tão recentes, vêm experimentando um
da fundação da instituição literária, que existe por conseguinte
momento de certo destaque.
em sincronia com instâncias e processos de legitimação: trata-
se não só da legislação sobre direitos de autor, mas também do Mas, na ficção contemporânea, escritores de linhagem borgeana
aparecimento da crítica, da formação teórica de que depende a – como, por exemplo, Ricardo Piglia, Georges Perec e Enrique Vila-Matas
competência da avaliação das obras, e ainda da constituição de
– parecem reiterar o diagnóstico foucaultiano: adotam uma concepção de
uma opinião pública.24
escrita que dissimula referências, subtraindo do leitor a possibilidade de
Ao longo da história da escrita, as inovações no tocante aos suportes distinção entre dados da realidade e componentes ficcionais.
influenciaram a noção de autoria. Somente na transição do manuscrito O jogo metaficcional de Vila-Matas manifesta-se, sobretudo, na
para o livro impresso o produtor intelectual do texto passou a predominar criação de uma zona fronteiriça entre autor empírico e narradores que
na compleição da ideia de autor. Como lembra Hans Ulrich Gumbrecht, a gozam de voz autoral. Esse artifício corrobora o argumento de Foucault
palavra “auctor”, do latim medieval, era surpreendemente polissêmica: a respeito da localização da função autor: “Seria igualmente falso buscar
[...] auctor era, antes de tudo, Deus, provedor de toda significação; o autor tanto do lado do escritor real quanto do lado do locutor fictício: a
mas auctor era também o patrono que patrocinava um manuscrito;
função autor é efetuada na própria cisão – nessa divisão e nessa distância.”
mas auctor era, provavelmente, também o “inventor” do conteúdo
de um texto (embora a questão dificilmente fosse levantada); auctor No romance Doutor Pasavento, Vila-Matas tematiza precisamente o
era a pessoa que copiava o texto no pergaminho; finalmente, era desaparecimento do autor pelo ato da escritura. Referencia Rober Walser,
também a pessoa que emprestava sua voz ao texto recitando-o.25
sobre quem Walter Benjamin afirmou que “para ele tudo o que tem a dizer
Contemporaneamente, o suporte digital induz a mais um impulso de recua totalmente diante da significação da escrita em si mesma”.26 Um
rarefação da identidade autoral, que poderia figurar como uma continui- exato corolário da afirmação de Foucault de que “a marca do escritor não
dade do apagamento apontado por Michel Foucault. Na internet, os textos é mais que a singularidade de sua ausência”. Doutor Pasavento se encerra
circulam de um modo vertiginoso e a atribuição de autoria é simultanea- com a descrição oblíqua de uma hesitação tendente ao silêncio:
mente fácil e incerta. Evidentemente, grande parte dos feixes dessa malha E se vai. Mas fica, mas se vai. Acaso ficou? Vejo-o seguir seu
hipertextual é, de qualquer forma, desprovida da função autor nos moldes caminho e vejo como dá um passo adiante e, pela ruela úmida,
escura e estreita, acaba chegando ao seu recanto, e lá, sem som
em que Foucault a concebeu. Ainda assim, o ambiente virtual não deixa de
nem palavras, fica à parte.27
se constituir como uma poderosa inflexão na evolução da práxis autoral.
Na direção inversa da diluição do indivíduo no hipertexto, os estudos Essa passagem metaforiza o claudicante périplo do autor tal como
literários comportam, nos tempos atuais, uma valorização da subjetivida- entrevisto por Michel Foucault.
de. A crítica genética é exercida com base na pessoa do autor e em tudo
24
LOPES. A legitimação em literatura, p. 124. 26
BENJAMIN. Robert Walser, p. 51.
25
GUMBRECHT. Modernização dos sentidos, p. 74. 27
VILA-MATAS. Doutor Pasavento, p. 410.

10 O que é um autor? O autor entrevisto 11


Referências
AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. In: ______. Profanações. Tradução de Selvino José
Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 55-63.

BARTHES, Roland. A morte do autor. In: ______. O rumor da língua. Tradução de Mário Laranjeira.
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

BENJAMIN, Walter. Robert Walser. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
p. 51-53. (Obras escolhidas, 1).

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de Cleonice Paes
Barreto de Mourão, Consuelo Fontes Santiago. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

COMPAGNON, Antoine. Qu’est-ce qu’un auteur?. Disponível em: http://www.fabula.org/compagnon/


auteur.php. Acesso em: 27 de junho de 2010.

ERIBON, Didier. Michel Foucault: 1926-1984. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 15. ed.
São Paulo: Loyola, 2007.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 9. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
Essa edição consiste na recolha de duas traduções para o por-
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In: ______; MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estética:
tuguês – uma brasileira e uma portuguesa – da célebre palestra de
literatura e pintura, música e cinema. Trad. Inês Autran Dourado Barbosa. 2 ed. Rio de Janeiro:
Foucault precedidas do original francês. À tradução brasileira, acres-
Editora Forense Universitária, 2009. (Ditos e Escritos). v. 3.
centamos notas comparando brevemente as escolhas tradutórias entre
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. Tradução de Lawrence Flores Pereira. São
Paulo: Ed. 34, 1998.
as duas versões. Optamos ainda por manter as escolhas de realce dos

textos assim como eles foram editados para que o leitor mais atento e
LOPES, Silvina Rodrigues. A legitimação em literatura. Lisboa: Cosmos, 1994.
interessado nesses pormenores possa comparar a opção de representa-
MACHADO, Roberto. Michel Foucault, a filosofia e a literatura. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
ção feita por cada tradutor/editor.
PELBART, Peter Pál. O desaparecimento do homem, a literatura e a loucura. In: ______. Vida Ao fim dos textos, apresentamos uma cronologia das publica-
capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2009. p. 177-179.
ções desse texto, périplo que muito significa para perceber a própria
VILA-MATAS, Enrique. Doutor Pasavento. Tradução de José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac Naify, recepção do pensamento de Michel Foucault.
2009.

12 O que é um autor?
Qu’est-ce qu’un auteur?

Michel Foucault

“Qu’est-ce qu’un auteur?”, Bulletin de la Societé Française de Philosophie, 63º anné, n. 3, juillet-
septembre 1969, p. 73-104. (Societé française de philosophie, 22 février 1969; débat avec Maurice de
Gandillac, Lucien Goldman, Jacques Lacan, Jean d’Ormesson, Jean Ullmo, Jean Wahl).

En 1970, à l’Université de Buffalo, Michel Foucault donne de cette conférence une version modifiée
publiée en 1979 aux États-Unis.1 Les passages entre cochets ne figuraient pas dans le texte lu par Michel
Foucault à Buffalo. Les modifications qu’il avait apportées sont signalées par une note. Michel Foucault
autorisa indifféremment la réédition de l’une ou l’autre version, celle du Bulletin de la Societé Française
de Philosophie dans la revue de psychanalyse Littoral (n. 9, juin 1983), celle de Textual Strategies dans
The Foucault Reader (éd. P. Rabinow. New York: Pantheon Books, 1984).

Monsieur Michel Foucault, professeur au Centre Universitaire


Expérimental de Vincennes, se proposait de développer devant les mem-
bres de la Societé Française de Philosophie les arguments suivants:
“Qu’importe qui parle?” En cette indifférence s’affirme le princi-
pe éthique, le plus fondamental peut-être, de l’écriture contemporaine.
L’effacement de l’auteur est devenu, pour la critique, un thème désormais
quotidien. Mais l’essentiel n’est pas de constater une fois de plus sa dispa-
rition; il faut repérer, comme lieu vide – à la fois indifférent et contraignant
–, les emplacements où s’exerce sa fonction.
1º) Le nom d’auteur. impossibilité de le traiter comme une descrip-
tion définie; mais impossibilité également de le traiter comme un nom
propre ordinaire.
Dits Et Ecrits,
Editora Gallimard,
2001. 1
What is an author? (“Qu’est-ce qu’un auteur?”)
2º) Le rapport d’appropriation. l’auteur n’est exactement ni le pro- Et je voudrais vous adresser une autre demande; c’est de ne pas
priétaire ni le responsable de ses textes; il n’en est ni le producteur ni m’en vouloir si, en vous écoutant tout à l’heure me poser des questions,
l’inventeur. Quelle est la nature du speech act qui permet de dire qu’il y j’éprouve encore, et ici surtout, l’absence d’une voix qui m’a été jusqu’ici
a œuvre? indispensable; vous comprendrez bien que tout à l’heure c’est encore mon
3º) Le rapport d’attribution. L’auteur est sans doute celui auquel on premier maître que je chercherai invinciblement à entendre. Après tout, de
peut attribuer ce qui a été dit ou écrit. Mais l’attribution – même lorsqu’il mon projet initial de travail c’est à lui que j’avais d’abord parlé; à coup sûr,
s’agit d’un auteur connu – est le résultat d’opérations critiques complexes j’aurais eu grand besoin qu’il assiste à l’ébauche de celui-ci et qu’il m’aide
et rarement justifiées. Les incertitudes de l’opus. une fois encore dans mes incertitudes. Mais après tout, puisque l’absence
4º) La position de l’auteur. Position de l’auteur dans le livre (usage est le lieu premier du discours, acceptez, je vous en prie, que ce soit à lui,
des embrayeurs; fonctions des préfaces; simulacres du scripteur, du réci- en premier lieu, que je m’adresse ce soir.
tant, du confident, du mémorialiste). Position de l’auteur dans les différents Le sujet que j’ai proposé: “Qu’est-ce qu’un auteur?”, il me faut,
types de discours (dans le discours philosophique, par exemple). Position évidemment, le justifier un peu devant vous.
de l’auteur dans un champ discursif (qu’est-ce que le fondateur d’une Si j’ai choisi de traiter cette question peut-être un peu étrange,
discipline? Que peut signifier le “retour à…” comme moment décisif dans c’est d’abord que je voulais faire une certaine critique de ce qu’il m’est
la transformation d’un champ de discours?). arrivé autrefois d’écrire. Et revenir sur un certain nombre d’imprudences
Compte rendu de la séance qu’il m’est arrivé de commettre. Dans Les Mots et les choses, j’avais tenté
La séance est ouverte à 16h45 au Collége de France, salle n. 6, sous d’analyser des masses verbales, des sortes de nappes discursives, qui
la présidence de Monsieur Jean Wahl. n’étaient pas scandées par les unités habituelles du livre, de l’œuvre et
Jean Wahl: Nous avons le plaisir d’avoir aujourd’hui parmi nous de l’auteur. Je parlais en général de l’“histoire naturelle”, ou de l’“analyse
Michel Foucault. Nous avons été un peu impatients de sa venue, un peu des richesses”, ou de l’“économie politique”, mais non point d’ouvrages ou
inquiets de son retard, mais il est là. Je ne vous le présente pas, c’est le d’écrivains. Pourtant, tout au long de ce texte, j’ai utilisé naïvement, c’est-
“vrai” Michel Foucault, celui des Mots et les choses, celui de la thèse sur à-dire sauvagement, des noms d’auteurs. J’ai parlé de Buffon, de Cuvier,
la folie. Je lui laisse tout de suite la parole. de Ricardo etc., et j’ai laissé ces noms fonctionner dans une ambiguïté
Michel Foucault: Je crois – sans en être d’ailleurs très sûr – qu’il est fort embarrassante. Si bien que deux sortes d’objections pouvaient être
de tradition d’apporter à cette Société de philosophie le résultat de tra- légitimement formulées, et l’ont été en effet. D’un côté, on m’a dit: vous
vaux déjà achevés, pour les proposer à votre examen et à votre critique. ne décrivez pas comme il faut Buffon, ni l’ensemble de l’œuvre de Buffon,
Malheureusement, ce que je vous apporte aujourd’hui est beaucoup trop et ce que vous dites sur Marx est dérisoirement insuffisant par rapport à
mince, je le crains, pour mériter votre attention : c’est un projet que je la pensée de Marx. Ces objections étaient évidemment fondées, mais je
voudrais vous soumettre, un essai d’analyse dont j’entrevois à peine en- ne pense pas qu’elles étaient tout à fait pertinentes par rapport à ce que
core les grandes lignes; mais il m’a semblé qu’en m’efforçant de les tracer je faisais; car le problème pour moi n’était pas de décrire Buffon ou Marx,
devant vous, en vous demandant de les juger et de les rectifier, j’étais, ni de restituer ce qu’ils avaient dit ou voulu dire: je cherchais simplement
“en bon névrosé”, à la recherche d’un double bénéfice: celui d’abord de à trouver les règles selon lesquelles ils avaient formé un certain nombre
soustraire les résultats d’un travail qui n’existe pas encore à la rigueur de de concepts ou d’ensembles théoriques qu’on peut rencontrer dans leurs
vos objections, et celui de le faire bénéficier, au moment de sa naissance, textes. On a fait aussi une autre objection: vous formez, m’a-t-on dit, des
non seulement de votre parrainage, mais de vos suggestions. familles monstrueuses, vous rapprochez des noms aussi manifestement

16 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 17


opposés que ceux de Buffon et de Linné, vous mettez Cuvier à côté de de la critique “l’homme-et-l’œuvre”, tout cela mériterait à coup sûr d’être
Darwin, et cela contre le jeu le plus visible des parentés et des ressem- analysé. Je voudrais pour l’instant envisager le seul rapport du texte à
blances naturelles. Là encore, je dirais que l’objection ne me semble pas l’auteur, la manière dont le texte pointe vers cette figure qui lui est exté-
convenir, car je n’ai jamais cherché à faire un tableau généalogique des rieure et antérieure, en apparence du moins.
individualités spirituelles, je n’ai pas voulu constituer un daguerréotype Le thème dont je voudrais partir, j’en emprunte la formulation à
intellectuel du savant ou du naturaliste du XVII et du XVIII siècle; je n’ai
e e
Beckett: “Qu’importe qui parle, quelqu’un a dit qu’importe qui parle.” Dans
voulu former aucune famille, ni sainte ni perverse, j’ai cherché simplement cette indifférence, je crois qu’il faut reconnaître un des principes éthiques
– ce qui était beaucoup plus modeste – les conditions de fonctionnement fondamentaux de l’écriture contemporaine. Je dis “éthique”, parce que cette
de pratiques discursives spécifiques. indifférence n’est pas tellement un trait caractérisant la manière dont on
Alors, me direz-vous, pourquoi avoir utilisé, dans Les Mots et les parle ou dont on écrit; elle est plutôt une sorte de règle immanente, sans
Choses, des noms d’auteurs? Il fallait, ou bien n’en utiliser aucun, ou bien cesse reprise, jamais tout à fait appliquée, un principe qui ne marque pas
définir la manière dont vous vous en servez. Cette objection-là est, je l’écriture comme résultat mais la domine comme pratique. Cette règle est
crois, parfaitement justifiée: j’ai essayé d’en mesurer les implications et trop connue pour qu’il soit besoin de l’analyser longtemps; qu’il suffise ici
les conséquences dans un texte qui va paraître bientôt; j’essaie d’y donner de la spécifier par deux de ses grands thèmes. On peut dire d’abord que
statut à de grandes unités discursives comme celles qu’on appelle l’His- l’écriture d’aujourd’hui s’est affranchie du thème de l’expression: elle n’est
toire naturelle ou l’Économie politique; je me suis demandé selon quelles référée qu’à elle-même, et pourtant, elle n’est pas prise dans la forme de
méthodes, quels instruments on peut les repérer, les scander, les analyser l’intériorité; elle s’identifie à sa propre extériorité déployée. Ce qui veut
et les décrire. Voilà le premier volet d’un travail entrepris il y a quelques dire qu’elle est un jeu de signes ordonné moins à son contenu signifié qu’à
années, et qui est achevé maintenant. la nature même du signifiant; mais aussi que cette régularité de l’écriture
Mais une autre question se pose: celle de l’auteur – et c’est de est toujours expérimentée du côté de ses limites; elle est toujours en
celle-là que je voudrais vous entretenir maintenant. Cette notion d’auteur train de transgresser et d’inverser cette régularité qu’elle accepte et dont
constitue le moment fort de l’individualisation dans l’histoire des idées, des elle joue; l’écriture se déploie comme un jeu qui va infailliblement au-delà
connaissances, des littératures, dans l’histoire de la philosophie aussi, et de ses règles, et passe ainsi au-dehors. Dans l’écriture, il n’y va pas de
celle des sciences. Même aujourd’hui, quand on fait l’histoire d’un concept, la manifestation ou de l’exaltation du geste d’écrire; il ne s’agit pas de
ou d’un genre littéraire, ou d’un type de philosophie, je crois qu’on n’en l’épinglage d’un sujet dans un langage; il est question de l’ouverture d’un
considère pas moins de telles unités comme des scansions relativement espace où le sujet écrivant ne cesse de disparaître.
faibles, secondes, et superposées par rapport à l’unité première, solide et Le second thème est encore plus familier; c’est la parenté de l’écri-
fondamentale, qui est celle de l’auteur et de l’œuvre. ture à la mort. Ce lien renverse un thème millénaire; le récit, ou l’épopée
Je laisserai de côté, au moins pour l’exposé de ce soir, l’analyse des Grecs, était destiné à perpétuer l’immortalité du héros, et si le héros
historico-sociologique du personnage de l’auteur. Comment l’auteur s’est acceptait de mourir jeune, c’était pour que sa vie, consacrée ainsi, et
individualisé dans une culture comme la nôtre, quel statut on lui a donné, magnifiée par la mort, passe à l’immortalité; le récit rachetait cette mort
à partir de quel moment, par exemple, on s’est mis à faire des recherches acceptée. D’une autre façon, le récit arabe – je pense aux Mille et une
d’authenticité et d’attribution, dans quel système de valorisation l’auteur a nuits – avait aussi pour motivation, pour thème et prétexte, de ne pas
été pris, à quel moment on a commencé à raconter la vie non plus des héros mourir: on parlait, on racontait jusqu’au petit matin pour écarter la mort,
mais des auteurs, comment s’est instaurée cette catégorie fondamentale pour repousser cette échéance qui devait fermer la bouche du narrateur.

18 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 19


Le récit de Shéhérazade, c’est l’envers acharné du meurtre, c’est l’ef- auteur, qu’étaient donc ses papiers? Des rouleaux de papier sur lesquels,
fort de toutes les nuits pour arriver à maintenir la mort hors du cercle à l’infini, pendant ses journées de prison, il déroulait ses fantasmes.
de l’existence. Ce thème du récit ou de l’écriture faits pour conjurer la Mais supposons qu’on ait affaire à un auteur: est-ce que tout ce qu’il
mort, notre culture l’a métamorphosé; l’écriture est maintenant liée au a écrit ou dit, tout ce qu’il a laissé derrière lui fait partie de son œuvre?
sacrifice, au sacrifice même de la vie; effacement volontaire qui n’a pas Problème à la fois théorique et technique. Quand on entreprend de publier,
à être représenté dans les livres, puisqu’il est accompli dans l’existence par exemple, les œuvres de Nietzsche, où faut-il s’arrêter? Il faut tout pu-
même de l’écrivain. L’œuvre qui avait le devoir d’apporter l’immortalité a blier, bien sûr, mais que veut dire ce “tout”? Tout ce que Nietzsche a publié
reçu maintenant le droit de tuer, d’être meurtrière de son auteur. Voyez lui-même, c’est entendu. Les brouillons de ses œuvres? Évidemment. Les
Flaubert, Proust, Kafka. Mais il y a autre chose: ce rapport de l’écriture à projets d’aphorismes? Oui. Les ratures également, les notes au bas des
la mort se manifeste aussi dans l’effacement des caractères individuels du carnets? Oui. Mais quand, à l’intérieur d’un carnet rempli d’aphorismes, on
sujet écrivant; par toutes les chicanes qu’il établit entre lui et ce qu’il écrit, trouve une référence, l’indication d’un rendez-vous ou d’une adresse, une
le sujet écrivant déroute tous les signes de son individualité particulière; note de blanchisserie: œuvre, ou pas œuvre? Mais pourquoi pas? Et cela
la marque de l’écrivain n’est plus que la singularité de son absence; il lui indéfiniment. Parmi les millions de traces laissées par quelqu’un après sa
faut tenir le rôle du mort dans le jeu de l’écriture. Tout cela est connu; et mort, comment peut-on définir une œuvre? La théorie de l’œuvre n’existe
il y a beau temps que la critique et la philosophie ont pris acte de cette pas, et ceux qui, ingénument, entreprennent d’éditer des œuvres manquent
disparition ou de cette mort de l’auteur. d’une telle théorie et leur travail empirique s’en trouve bien vite paralysé.
Je ne suis pas sûr, cependant, qu’on ait tiré rigoureusement toutes Et on pourrait continuer: est-ce qu’on peut dire que Les mille et une nuits
les conséquences requises par ce constat, ni qu’on ait pris avec exactitude constituent une œuvre? Et les Stromates2 de Clément d’Alexandrie ou
la mesure de l’événement. Plus précisément, il me semble qu’un certain les Vies3 de Diogène Laërce? On aperçoit quel foisonnement de questions
nombre de notions qui sont aujourd’hui destinées à se substituer au privi- se pose à propos de cette notion d’œuvre. De sorte qu’il est insuffisant
lège de l’auteur le bloquent, en fait, et esquivent ce qui devrait être dégagé. d’affirmer: passons-nous de l’écrivain, passons-nous de l’auteur, et allons
Je prendrai simplement deux de ces notions qui sont, je crois, aujourd’hui, étudier, en elle-même, l’œuvre. Le mot “œuvre” et l’unité qu’il désigne
singulièrement importantes. sont probablement aussi problématiques que l’individualité de l’auteur.
La notion d’œuvre, d’abord. On dit, en effet (et c’est encore une Une autre notion, je crois, bloque le constat de disparition de l’auteur
thèse bien familière), que le propre de la critique n’est pas de dégager les et retient en quelque sorte la pensée au bord de cet effacement; avec sub-
rapports de l’œuvre à l’auteur, ni de vouloir reconstituer à travers des textes tilité, elle préserve encore l’existence de l’auteur. C’est la notion d’écriture.
une pensée ou une expérience; elle doit plutôt analyser l’œuvre dans sa En toute rigueur, elle devrait permettre non seulement de se passer de la
structure, dans son architecture, dans sa forme intrinsèque et dans le jeu référence à l’auteur, mais de donner statut à son absence nouvelle. Dans
de ses relations internes. Or il faut aussitôt poser un problème: Qu’est-ce le statut qu’on donne actuellement à la notion d’écriture, il n’est question,
qu’une œuvre? Qu’est-ce donc que cette curieuse unité qu’on désigne du en effet, ni du geste d’écrire ni de la marque (symptôme ou signe) de ce
nom d’œuvre? De quels éléments est-elle composée? Une œuvre, n’est-ce qu’aurait voulu dire quelqu’un; on s’efforce avec une remarquable profon-
pas ce qu’a écrit celui qui est un auteur? On voit les difficultés surgir. Si un deur de penser la condition en général de tout texte, la condition à la fois
individu n’était pas un auteur, est-ce qu’on pourrait dire que ce qu’il a écrit, de l’espace où il se disperse et du temps où il se déploie.
ou dit, ce qu’il a laissé dans ses papiers, ce qu’on a pu rapporter de ses 2
D’ALEXANDRIE. Les Stromates; Stromate I; Stromate II; Stromate V.
propos, pourrait être appelé une “œuvre”? Tant que Sade n’a pas été un 3
LAËRCE. De vita et moribus philosophorum.

20 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 21


Je me demande si, réduite parfois à un usage courant, cette notion Je voudrais d’abord évoquer en peu de mots les problèmes posés
ne transpose pas, dans un anonymat transcendantal, les caractères em- par l’usage du nom d’auteur. Qu’est-ce que c’est qu’un nom d’auteur? Et
piriques de l’auteur. Il arrive qu’on se contente d’effacer les marques trop comment fonctionne-t-il? Bien éloigné de vous donner une solution, j’in-
visibles de l’empiricité de l’auteur en faisant jouer, l’une parallèlement à diquerai seulement quelques-unes des difficultés qu’il présente.
l’autre, l’une contre l’autre, deux manières de la caractériser: la modalité Le nom d’auteur est un nom propre; il pose les mêmes problèmes
critique et la modalité religieuse. En effet, prêter à l’écriture un statut origi- que lui. (Je me réfère ici, parmi différentes analyses, à celles de Searle4).
naire, n’est-ce pas une manière de retraduire en termes transcendantaux, Il n’est pas possible de faire du nom propre, évidemment, une référence
d’une part, l’affirmation théologique de son caractère sacré, et, d’autre part, pure et simple. Le nom propre (et le nom d’auteur également) a d’autres
l’affirmation critique de son caractère créateur? Admettre que l’écriture est fonctions qu’indicatrices. Il est plus qu’une indication, un geste, un doigt
en quelque sorte, par l’histoire même qu’elle a rendue possible, soumise à pointé vers quelqu’un; dans une certaine mesure, c’est l’équivalent d’une
l’épreuve de l’oubli et de la répression, est-ce que ce n’est pas représenter description. Quand on dit “Aristote”, on emploie un mot qui est l’équivalent
en termes transcendantaux le principe religieux du sens caché (avec la d’une description ou d’une série de descriptions définies, du genre de:
nécessité d’interpréter) et le principe critique des significations implicites, “l’auteur des Analytiques”,5 ou : “le fondateur de l’ontologie” etc. Mais on
des déterminations silencieuses, des contenus obscurs (avec la nécessité ne peut pas s’en tenir là; un nom propre n’a pas purement et simplement
de commenter)? Enfin, penser l’écriture comme absence, est-ce que ce une signification; quand on découvre que Rimbaud n’a pas écrit La Chasse
n’est pas tout simplement répéter en termes transcendantaux le principe spirituelle, on ne peut pas prétendre que ce nom propre ou ce nom d’auteur
religieux de la tradition à la fois inaltérable et jamais remplie, et le principe ait changé de sens. Le nom propre et le nom d’auteur se trouvent situés
esthétique de la survie de l’œuvre, de son maintien par-delà la mort, et entre ces deux pôles de la description et de la désignation; ils ont à coup
de son excès énigmatique par rapport à l’auteur? sûr un certain lien avec ce qu’ils nomment, mais ni tout à fait sur le mode
Je pense donc qu’un tel usage de la notion d’écriture risque de de la désignation, ni tout à fait sur le mode de la description: lien spécifique.
maintenir les privilèges de l’auteur sous la sauvegarde de l’a priori: il fait Cependant – et c’est là qu’apparaissent les difficultés particulières du nom
subsister, dans la lumière grise de la neutralisation, le jeu des représen- d’auteur –, le lien du nom propre avec l’individu nommé et le lien du nom
tations qui ont formé une certaine image de l’auteur. La disparition de d’auteur avec ce qu’il nomme ne sont pas isomorphes et ne fonctionnent
l’auteur, qui depuis Mallarmé est un événement qui ne cesse pas, se trouve pas de la même façon. Voici quelques-unes de ces différences.
soumise au verrouillage transcendantal. N’y a-t-il pas actuellement une Si je m’aperçois, par exemple, que Pierre Dupont n’a pas les yeux
ligne de partage importante entre ceux qui croient pouvoir encore penser bleus, ou n’est pas né à Paris, ou n’est pas médecin etc., il n’en reste pas
les ruptures d’aujourd’hui dans la tradition historico-transcendantale du moins que ce nom, Pierre Dupont, continuera toujours à se référer à la
XIX siècle et ceux qui s’efforcent de s’en affranchir définitivement?
e
même personne; le lien de désignation ne sera pas modifié pour autant.
* En revanche, les problèmes posés par le nom d’auteur sont beaucoup plus
Mais il ne suffit pas, évidemment, de répéter comme affirmation complexes: si je découvre que Shakespeare n’est pas né dans la maison
vide que l’auteur a disparu. De même, il ne suffit pas de répéter indé- qu’on visite aujourd’hui, voilà une modification qui, évidemment, ne va
finiment que Dieu et l’homme sont morts d’une mort conjointe. Ce qu’il pas altérer le fonctionnement du nom d’auteur; mais si on démontrait que
faudrait faire, c’est repérer l’espace ainsi laissé vide par la disparition de Shakespeare n’a pas écrit les Sonnets qui passent pour les siens, voilà un
l’auteur, suivre de l’œil la répartition des lacunes et des failles, et guetter 4
SEARLE. Speech Acts. An Essay in the Philosophy of Language.
les emplacements, les fonctions libres que cette disparition fait apparaître. 5
ARISTOTE. Les premiers analytiques; Les seconds analytiques.

22 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 23


changement d’un autre type: il ne laisse pas indifférent le fonctionnement quotidienne, indifférente, une parole qui s’en va, qui flotte et passe, une
du nom d’auteur. Et si on prouvait que Shakespeare a écrit l’Organon 6
parole immédiatement consommable, mais qu’il s’agit d’une parole qui
de Bacon tout simplement parce que c’est le même auteur qui a écrit les doit être reçue sur un certain mode et qui doit, dans une culture donnée,
œuvres de Bacon et celles de Shakespeare, voilà un troisième type de recevoir un certain statut.
changement qui modifie entièrement le fonctionnement du nom d’auteur. Le On en arriverait finalement à l’idée que le nom d’auteur ne va pas
nom d’auteur n’est donc pas exactement un nom propre comme les autres. comme le nom propre de l’intérieur d’un discours à l’individu réel et ex-
Bien d’autres faits signalent la singularité paradoxale du nom d’au- térieur qui l’a produit, mais qu’il court, en quelque sorte, à la limite des
teur. Ce n’est point la même chose de dire que Pierre Dupont n’existe pas textes, qu’il les découpe, qu’il en suit les arêtes, qu’il en manifeste le
et de dire qu’Homère ou Hermès Trismégiste n’ont pas existé; dans un cas, mode d’être ou, du moins, qu’il le caractérise. Il manifeste l’événement
on veut dire que personne ne porte le nom de Pierre Dupont; dans l’autre, d’un certain ensemble de discours, et il se réfère au statut de ce discours
que plusieurs ont été confondus sous un seul nom ou que l’auteur véritable à l’intérieur d’une société et à l’intérieur d’une culture. Le nom d’auteur
n’a aucun des traits rapportés traditionnellement au personnage d’Homère n’est pas situé dans l’état civil des hommes, il n’est pas non plus situé dans
ou d’Hermès. Ce n’est point non plus la même chose de dire que Pierre la fiction de l’œuvre, il est situé dans la rupture qui instaure un certain
Dupont n’est pas le vrai nom de X, mais bien Jacques Durand, et de dire groupe de discours et son mode d’être singulier. On pourrait dire, par con-
que Stendhal s’appelait Henri Beyle. On pourrait aussi s’interroger sur le séquent, qu’il y a dans une civilisation comme la nôtre un certain nombre
sens et le fonctionnement d’une proposition comme “Bourbaki, c’est untel, de discours qui sont pourvus de la fonction “auteur”, tandis que d’autres
untel etc.” et “Victor Eremita, Climacus, Anticlimacus, Frater Taciturnus, en sont dépourvus. Une lettre privée peut bien avoir un signataire, elle
Constantin Constantius, c’est Kierkegaard”. n’a pas d’auteur; un contrat peut bien avoir un garant, il n’a pas d’auteur.
Ces différences tiennent peut-être au fait suivant: un nom d’auteur Un texte anonyme que l’on lit dans la rue sur un mur aura un rédacteur, il
n’est pas simplement un élément dans un discours (qui peut être sujet ou n’aura pas un auteur. La fonction auteur est donc caractéristique du mode
complément, qui peut être remplacé par un pronom etc.); il exerce par rap- d’existence, de circulation et de fonctionnement de certains discours à
port aux discours un certain rôle: il assure une fonction classificatoire; un l’intérieur d’une société.
tel nom permet de regrouper un certain nombre de textes, de les délimiter, *
d’en exclure quelques-uns, de les opposer à d’autres. En outre, il effectue Il faudrait maintenant analyser cette fonction “auteur”. Dans notre
une mise en rapport des textes entre eux; Hermès Trismégiste n’existait culture, comment se caractérise un discours porteur de la fonction auteur?
pas, Hippocrate non plus – au sens où l’on pourrait dire que Balzac existe En quoi s’oppose-t-il aux autres discours? Je crois qu’on peut, si on con-
–, mais que plusieurs textes aient été placés sous un même nom indique sidère seulement l’auteur d’un livre ou d’un texte, lui reconnaître quatre
qu’on établissait entre eux un rapport d’homogénéité ou de filiation, ou caractères différents.
d’authentification des uns par les autres, ou d’explication réciproque, ou Ils sont d’abord objets d’appropriation; la forme de propriété dont
d’utilisation concomitante. Enfin, le nom d’auteur fonctionne pour caracté- ils relèvent est d’un type assez particulier; elle a été codifiée voilà un cer-
riser un certain mode d’être du discours: le fait, pour un discours, d’avoir tain nombre d’années maintenant. Il faut remarquer que cette propriété
un nom d’auteur, le fait que l’on puisse dire “ceci a été écrit par un tel”, a été historiquement seconde, par rapport à ce qu’on pourrait appeler
ou “un tel en est l’auteur”, indique que ce discours n’est pas une parole l’appropriation pénale. Les textes, les livres, les discours ont commencé
à avoir réellement des auteurs (autres que des personnages mythiques,
6
BACON. Novum organum scientiarum. autres que de grandes figures sacralisées et sacralisantes) dans la mesure

24 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 25


où l’auteur pouvait être puni, c’est-à-dire dans la mesure où les discours à un ensemble systématique qui leur donne garantie, et non point la ré-
pouvaient être transgressifs. Le discours, dans notre culture (et dans bien férence à l’individu qui les a produits. La fonction-auteur s’efface, le nom
d’autres sans doute), n’était pas, à l’origine, un produit, une chose, un de l’inventeur ne servant tout au plus qu’à baptiser un théorème, une
bien; c’était essentiellement un acte – un acte qui était placé dans le champ proposition, un effet remarquable, une propriété, un corps, un ensemble
bipolaire du sacré et du profane, du licite et de l’illicite, du religieux et du d’éléments, un syndrome pathologique. Mais les discours “littéraires” ne
blasphématoire. Il a été historiquement un geste chargé de risques avant peuvent plus être reçus que dotés de la fonction auteur: à tout texte de
d’être un bien pris dans un circuit de propriétés. Et lorsqu’on a instauré un poésie ou de fiction on demandera d’où il vient, qui l’a écrit, à quelle date,
régime de propriété pour les textes, lorsqu’on a édicté des règles strictes en quelles circonstances ou à partir de quel projet. Le sens qu’on lui accor-
sur les droits d’auteur, sur les rapports auteurs-éditeurs, sur les droits de, le statut ou la valeur qu’on lui reconnaît dépendent de la manière dont
de reproduction etc. – c’est-à-dire à la fin du XVIII siècle et au début du
e
on répond à ces questions. Et si, par suite d’un accident ou d’une volonté
XIXe siècle – c’est à ce moment-là que la possibilité de transgression qui explicite de l’auteur, il nous parvient dans l’anonymat, le jeu est aussitôt
appartenait à l’acte d’écrire a pris de plus en plus l’allure d’un impératif de retrouver l’auteur. L’anonymat littéraire ne nous est pas supportable;
propre à la littérature. Comme si l’auteur, à partir du moment où il a été nous ne l’acceptons qu’à titre d’énigme. La fonction auteur joue à plein
placé dans le système de propriété qui caractérise notre société, compen- de nos jours pour les œuvres littéraires. (Bien sûr, il faudrait nuancer
sait le statut qu’il recevait ainsi en retrouvant le vieux champ bipolaire du tout cela: la critique a commencé, depuis un certain temps, à traiter les
discours, en pratiquant systématiquement la transgression, en restaurant œuvres selon leur genre et leur type, d’après les éléments récurrents qui
le danger d’une écriture à laquelle d’un autre côté on garantissait les bé- y figurent, selon leurs variations propres autour d’un invariant qui n’est
néfices de la propriété. plus le créateur individuel. De même, si la référence à l’auteur n’est plus
D’autre part, la fonction-auteur ne s’exerce pas d’une façon univer- guère en mathématiques qu’une manière de nommer des théorèmes ou
selle et constante sur tous les discours. Dans notre civilisation, ce ne sont des ensembles de propositions, en biologie et en médecine, l’indication
pas toujours les mêmes textes qui ont demandé à recevoir une attribution. de l’auteur, et de la date de son travail, joue un rôle assez différent: ce
Il y eut un temps où ces textes qu’aujourd’hui nous appellerions “littérai- n’est pas simplement une manière d’indiquer la source, mais de donner
res” (récits, contes, épopées, tragédies, comédies) étaient reçus, mis en un certain indice de “fiabilité” en rapport avec les techniques et les objets
circulation, valorisés sans que soit posée la question de leur auteur; leur d’expérience utilisés à cette époque-là et dans tel laboratoire).
anonymat ne faisait pas difficulté, leur ancienneté, vraie ou supposée, Troisième caractère de cette fonction-auteur. Elle ne se forme pas
leur était une garantie suffisante. En revanche, les textes que nous dirions spontanément comme l’attribution d’un discours à un individu. Elle est le
maintenant scientifiques, concernant la cosmologie et le ciel, la médecine résultat d’une opération complexe qui construit un certain être de raison
et les maladies, les sciences naturelles ou la géographie, n’étaient reçus qu’on appelle l’auteur. Sans doute, à cet être de raison, on essaie de don-
au Moyen Âge, et ne portaient une valeur de vérité, qu’à la condition d’être ner un statut réaliste: ce serait, dans l’individu, une instance “profonde”,
marqués du nom de leur auteur. “Hippocrate a dit”, “Pline raconte” n’étaient un pouvoir “créateur”, un “projet”, le lieu originaire de l’écriture. Mais en
pas au juste les formules d’un argument d’autorité; c’étaient les indices fait, ce qui dans l’individu est désigné comme auteur (ou ce qui fait d’un
dont étaient marqués des discours destinés à être reçus comme prouvés. individu un auteur) n’est que la projection, dans des termes toujours plus
Un chiasme s’est produit au XVIIe, ou au XVIIIe siècle; on a commencé à ou moins psychologisants, du traitement qu’on fait subir aux textes, des
recevoir les discours scientifiques pour eux-mêmes, dans l’anonymat d’une rapprochements qu’on opère, des traits qu’on établit comme pertinents,
vérité établie ou toujours à nouveau démontrable; c’est leur appartenance des continuités qu’on admet, ou des exclusions qu’on pratique. Toutes

26 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 27


ces opérations varient selon les époques, et les types du discours. On l’auteur autrement: l’auteur, c’est ce qui permet d’expliquer aussi bien
ne construit pas un “auteur philosophique” comme un “poète”; et on ne la présence de certains événements dans une œuvre que leurs transfor-
construisait pas l’auteur d’une œuvre romanesque au XVIIIe siècle comme mations, leurs déformations, leurs modifications diverses (et cela par la
de nos jours. Pourtant, on peut retrouver à travers le temps un certain biographie de l’auteur, le repérage de sa perspective individuelle, l’analyse
invariant dans les règles de construction de l’auteur. de son appartenance sociale ou de sa position de classe, la mise au jour
Il me paraît, par exemple, que la manière dont la critique littéraire a, de son projet fondamental). L’auteur, c’est également le principe d’une
pendant longtemps, défini l’auteur – ou plutôt construit la forme-auteur à certaine unité d’écriture – toutes les différences devant être réduites au
partir des textes et des discours existants – est assez directement dérivée moins par les principes de l’évolution, de la maturation ou de l’influence.
de la manière dont la tradition chrétienne a authentifié (ou au contraire L’auteur, c’est encore ce qui permet de surmonter les contradictions qui
rejeté) les textes dont elle disposait. En d’autres termes, pour “retrouver” peuvent se déployer dans une série de textes: il doit bien y avoir – à un
l’auteur dans l’œuvre, la critique moderne use de schémas fort voisins de certain niveau de sa pensée ou de son désir, de sa conscience ou de son
l’exégèse chrétienne lorsqu’elle voulait prouver la valeur d’un texte par la inconscient – un point à partir duquel les contradictions se résolvent, les
sainteté de l’auteur. Dans le De viris illustribus,7 saint Jérôme explique que éléments incompatibles s’enchaînant finalement les uns aux autres ou
l’homonymie ne suffit pas à identifier d’une façon légitime les auteurs de s’organisant autour d’une contradiction fondamentale ou originaire. Enfin,
plusieurs œuvres: des individus différents ont pu porter le même nom, ou l’auteur, c’est un certain foyer d’expression qui, sous des formes plus ou
l’un a pu, abusivement, emprunter le patronyme de l’autre. Le nom comme moins achevées, se manifeste aussi bien, et avec la même valeur, dans
marque individuelle n’est pas suffisant lorsqu’on s’adresse à la tradition des œuvres, dans des brouillons, dans des lettres, dans des fragments etc.
textuelle. Comment donc attribuer plusieurs discours à un seul et même Les quatre critères de l’authenticité selon saint Jérôme (critères qui parais-
auteur? Comment faire jouer la fonction-auteur pour savoir si on a affaire sent bien insuffisants aux exégètes d’aujourd’hui) définissent les quatre
à un ou plusieurs individus? Saint Jérôme donne quatre critères: si, parmi modalités selon lesquelles la critique moderne fait jouer la fonction auteur.
plusieurs livres attribués à un auteur, l’un est inférieur aux autres, il faut le Mais la fonction auteur n’est pas en effet une pure et simple recons-
retirer de la liste de ses œuvres (l’auteur est alors défini comme un certain truction qui se fait de seconde main à partir d’un texte donné comme un
niveau constant de valeur); de même, si certains textes sont en contra- matériau inerte. Le texte porte toujours en lui-même un certain nombre
diction de doctrine avec les autres œuvres d’un auteur (l’auteur est alors de signes qui renvoient à l’auteur. Ces signes sont bien connus des gram-
défini comme un certain champ de cohérence conceptuelle ou théorique); il mairiens: ce sont les pronoms personnels, les adverbes de temps et de
faut également exclure les œuvres qui sont écrites dans un style différent, lieu, la conjugaison des verbes. Mais il faut remarquer que ces éléments
avec des mots et des tournures qu’on ne rencontre pas d’ordinaire sous la ne jouent pas de la même façon dans les discours qui sont pourvus de la
plume de l’écrivain (c’est l’auteur comme unité stylistique); enfin, on doit fonction auteur et dans ceux qui en sont dépourvus. Dans ces derniers, de
considérer comme interpolés les textes qui se rapportent à des événements tels “embrayeurs” renvoient au locuteur réel et aux coordonnées spatio-
ou qui citent des personnages postérieurs à la mort de l’auteur (l’auteur est temporelles de son discours (encore que certaines modifications puissent
alors moment historique défini et point de rencontre d’un certain nombre se produire: ainsi lorsqu’on rapporte des discours en première personne).
d’événements). Or la critique littéraire moderne, même lorsqu’elle n’a pas Dans les premiers, en revanche, leur rôle est plus complexe et plus varia-
de souci d’authentification (ce qui est la règle générale), ne définit guère ble. On sait bien que dans un roman qui se présente comme le récit d’un
narrateur, le pronom de première personne, le présent de l’indicatif, les
7
SAINT JÉRÔME. De viris illustribus. signes de la localisation ne renvoient jamais exactement à l’écrivain, ni au

28 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 29


moment où il écrit ni au geste même de son écriture; mais à un alter ego elle ne renvoie pas purement et simplement à un individu réel, elle peut
dont la distance à l’écrivain peut être plus ou moins grande et varier au donner lieu simultanément à plusieurs ego, à plusieurs positions-sujets
cours même de l’œuvre. Il serait tout aussi faux de chercher l’auteur du que des classes différentes d’individus peuvent venir occuper.
côté de l’écrivain réel que du côté de ce locuteur fictif; la fonction-auteur *
s’effectue dans la scission même – dans ce partage et cette distance. On Mais je me rends compte que jusqu’à présent j’ai limité mon thème
dira, peut-être, que c’est là seulement une propriété singulière du dis- d’une façon injustifiable. À coup sûr, il aurait fallu parler de ce qu’est la
cours romanesque ou poétique: un jeu où ne s’engagent que ces “quasi- fonction-auteur dans la peinture, dans la musique, dans les techniques
discours”. En fait, tous les discours qui sont pourvus de la fonction-auteur etc. Cependant, à supposer même qu’on s’en tienne, comme je voudrais
comportent cette pluralité d’ego. L’ego qui parle dans la préface d’un traité le faire ce soir, au monde des discours, je crois bien avoir donné au terme
de mathématiques – et qui en indique les circonstances de composition – “auteur” un sens beaucoup trop étroit. Je me suis limité à l’auteur en-
n’est identique ni dans sa position ni dans son fonctionnement à celui qui tendu comme auteur d’un texte, d’un livre ou d’une œuvre dont on peut
parle dans le cours d’une démonstration et qui apparaît sous la forme d’un légitimement lui attribuer la production. Or il est facile de voir que, dans
“Je conclus” ou “Je suppose” : dans un cas, le “je” renvoie à un individu l’ordre du discours, on peut être l’auteur de bien plus que d’un livre – d’une
sans équivalent qui, en un lieu et un temps déterminés, a accompli un théorie, d’une tradition, d’une discipline à l’intérieur desquelles d’autres
certain travail; dans le second, le “je” désigne un plan et un moment de livres et d’autres auteurs vont pouvoir à leur tour prendre place. Je dirais,
démonstration que tout individu peut occuper, pourvu qu’il ait accepté le d’un mot, que ces auteurs se trouvent dans une position “transdiscursive”.
même système de symboles, le même jeu d’axiomes, le même ensemble C’est un phénomène constant – aussi vieux à coup sûr que notre
de démonstrations préalables. Mais on pourrait aussi, dans le même traité, civilisation. Homère et Aristote, les Pères de l’Église ont joué ce rôle; mais
repérer un troisième ego; celui qui parle pour dire le sens du travail, les aussi les premiers mathématiciens et ceux qui ont été à l’origine de la
obstacles rencontrés, les résultats obtenus, les problèmes qui se posent tradition hippocratique. Mais il me semble qu’on a vu apparaître, au cours
encore; cet ego se situe dans le champ des discours mathématiques déjà du XIXe siècle en Europe, des types d’auteurs assez singuliers et qu’on ne
existants ou encore à venir. La fonction-auteur n’est pas assurée par l’un saurait confondre ni avec les “grands” auteurs littéraires, ni avec les au-
de ces ego (le premier) aux dépens des deux autres, qui n’en seraient teurs de textes religieux canoniques, ni avec les fondateurs de sciences.
plus alors que le dédoublement fictif. Il faut dire au contraire que, dans Appelons-les, d’une façon un peu arbitraire, “fondateurs de discursivité”.
de tels discours, la fonction-auteur joue de telle sorte qu’elle donne lieu à Ces auteurs ont ceci de particulier qu’ils ne sont pas seulement les
la dispersion de ces trois ego simultanés. auteurs de leurs œuvres, de leurs livres. Ils ont produit quelque chose de
Sans doute l’analyse pourrait-elle reconnaître encore d’autres traits plus: la possibilité et la règle de formation d’autres textes. En ce sens, ils
caractéristiques de la fonction-auteur. Mais je m’en tiendrai aujourd’hui sont fort différents, par exemple, d’un auteur de romans, qui n’est jamais,
aux quatre que je viens d’évoquer, parce qu’ils paraissent à la fois les plus au fond, que l’auteur de son propre texte. Freud n’est pas simplement
visibles et les plus importants. Je les résumerai ainsi: la fonction-auteur est l’auteur de la Traumdeutung ou du Mot d’esprit;8 Marx n’est pas simplement
liée au système juridique et institutionnel qui enserre, détermine, articule l’auteur du Manifeste ou du Capital:9 ils ont établi une possibilité indéfinie
l’univers des discours; elle ne s’exerce pas uniformément et de la même de discours. Évidemment, il est facile de faire une objection. Il n’est pas
façon sur tous les discours, à toutes les époques et dans toutes les formes vrai que l’auteur d’un roman ne soit que l’auteur de son propre texte; en
de civilisation; elle n’est pas définie par l’attribution spontanée d’un discours 8
FREUD. Die Traumdeutung; Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten.
à son producteur, mais par une série d’opérations spécifiques et complexes; 9
MARX; ENGELS. Manifest der kommunistischen Partei; Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie.

30 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 31


un sens, lui aussi, pourvu qu’il soit, comme on dit, un peu “importante”, rendu simplement possibles ceux qui ont répété après lui les lois qu’il avait
régit et commande plus que cela. Pour prendre un exemple très simple, on formulées, mais il a rendu possibles des énoncés bien différents de ce que
peut dire qu’Ann Radcliffe n’a pas seulement écrit Les Visions du château lui-même avait dit. Si Cuvier est le fondateur de la biologie, ou Saussure
des Pyrénées 10
et un certain nombre d’autres romans, elle a rendu possible celui de la linguistique, ce n’est pas parce qu’on les a imités, ce n’est pas
les romans de terreur du début du XIXe siècle, et, dans cette mesure-là, sa parce qu’on a repris, ici ou là, le concept d’organisme ou de signe, c’est
fonction d’auteur excède son œuvre même. Seulement, à cette objection, parce que Cuvier a rendu possible dans une certaine mesure cette théorie
je crois qu’on peut répondre: ce que rendent possible ces instaurateurs de de l’évolution qui était terme à terme opposée à son propre fixisme; c’est
discursivité (je prends pour exemple Marx et Freud, car je crois qu’ils sont à dans la mesure où Saussure a rendu possible une grammaire générative
la fois les premiers et les plus importants), ce qu’ils rendent possible, c’est qui est fort différente de ses analyses strurcturales. Donc, l’instauration
tout autre chose que ce que rend possible un auteur de roman. Les textes de discursivité semble être du même type, au premier regard, en tout cas,
d’Ann Radcliffe ont ouvert le champ à un certain nombre de ressemblances que la fondation de n’importe quelle scientificité. Cependant, je crois qu’il
et d’analogies qui ont leur modèle ou principe dans son œuvre propre. y a une différence, et une différence notable. En effet, dans le cas d’une
Celle-ci contient des signes caractéristiques, des figures, des rapports, des scientificité, l’acte qui la fonde est de plain-pied avec ses transformations
structures qui ont pu être réutilisés par d’autres. Dire qu’ Ann Radcliffe a futures; il fait, en quelque sorte, partie de l’ensemble des modifications
fondé le roman de terreur veut dire en fin de compte: dans le roman de qu’il rend possibles. Cette appartenance, bien sûr, peut prendre plusieurs
terreur du XIX siècle, on retrouvera, comme chez Ann Radcliffe, le thème
e
formes. L’acte de fondation d’une scientificité peut apparaître, au cours
de l’héroïne prise au piège de sa propre innocence, la figure du château des transformations ultérieures de cette science, comme n’étant après tout
secret qui fonctionne comme une contre-cité, le personnage du héros qu’un cas particulier d’un ensemble beaucoup plus général qui se découvre
noir, maudit, voué à faire expier au monde le mal qu’on lui a fait etc. En alors. Il peut apparaître aussi comme entaché d’intuition et d’empiricité; il
revanche, quand je parle de Marx ou de Freud comme “instaurateurs de faut alors le formaliser de nouveau, et en faire l’objet d’un certain nombre
discursivité”, je veux dire qu’ils n’ont pas rendu simplement possible un d’opérations théoriques supplémentaires qui le fonde plus rigoureusement
certain nombre d’analogies, ils ont rendu possible (et tout autant) un certain etc. Enfin, il peut apparaître comme une généralisation hâtive, qu’il faut
nombre de différences. Ils ont ouvert l’espace pour autre chose qu’eux et limiter et dont il faut retracer le domaine restreint de validité. Autrement
qui pourtant appartient à ce qu’ils ont fondé. Dire que Freud a fondé la dit, l’acte de fondation d’une scientificité peut toujours être réintroduit à
psychanalyse, cela ne veut pas dire (cela ne veut pas simplement dire) que l’intérieur de la machinerie des transformations qui en dérivent.
l’on retrouve le concept de la libido, ou la technique d’analyse des rêves Or je crois que l’instauration d’une discursivité est hétérogène à
chez Abraham ou Melanie Klein, c’est dire que Freud a rendu possibles un ses transformations ultérieures. Étendre un type de discursivité comme
certain nombre de différences par rapport à ses textes, à ses concepts, à la psychanalyse telle qu’elle a été instaurée par Freud, ce n’est pas lui
ses hypothèses qui relèvent toutes du discours psychanalytique lui-même. donner une généralité formelle qu’elle n’aurait pas admise au départ, c’est
Aussitôt surgit, je crois, une difficulté nouvelle, ou du moins un simplement lui ouvrir un certain nombre de possibilités d’applications. La
nouveau problème: est-ce que ce n’est pas le cas, après tout, de tout limiter, c’est, en réalité, essayer d’isoler dans l’acte instaurateur un nombre
fondateur de science, ou de tout auteur qui, dans une science, a introduit éventuellement restreint de propositions ou d’énoncés, auxquels seuls on
une transformation qu’on peut dire féconde? Après tout, Galilée n’a pas reconnaît valeur fondatrice et par rapport auxquels tels concepts ou thé-
orie admis par Freud pourront être considérés comme dérivés, seconds,
10
RADCLIFFE. Les visions du château des Pyrénées. accessoires. Enfin, dans l’œuvre de ces instaurateurs, on ne reconnaît pas

32 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 33


certaines propositions comme fausses, on se contente, quand on essaie de discursivité. Pour qu’il y ait retour, en effet, il faut, d’abord, qu’il y ait
de saisir cet acte d’instauration, d’écarter les énoncés qui ne seraient pas eu oubli, non pas oubli accidentel, non pas recouvrement par quelque in-
pertinents, soit qu’on les considère comme inessentiels, soit qu’on les con- compréhension, mais oubli essentiel et constitutif. L’acte d’instauration, en
sidère comme “préhistoriques” et relevant d’un autre type de discursivité. effet, est tel, en son essence même, qu’il ne peut pas ne pas être oublié.
Autrement dit, à la différence de la fondation d’une science, l’instauration Ce qui le manifeste, ce qui en dérive, c’est, en même temps, ce qui établit
discursive ne fait pas partie de ces transformations ultérieures, elle demeu- l’écart et ce qui le travestit. Il faut que cet oubli non accidentel soit investi
re nécessairement en retrait ou en surplomb. La conséquence, c’est qu’on dans des opérations précises, qu’on peut situer, analyser, et réduire par
définit la validité théorique d’une proposition par rapport à l’œuvre de ces le retour même à cet acte instaurateur. Le verrou de l’oubli n’a pas été
instaurateurs – alors que, dans le cas de Galilée et de Newton, c’est par surajouté de l’extérieur, il fait partie de la discursivité en question, c’est
rapport à ce que sont, en leur structure et leur normativité intrinsèques, la celle-ci qui lui donne sa loi; l’instauration discursive ainsi oubliée est à
physique ou la cosmologie qu’on peut affirmer la validité de telle proposition la fois la raison d’être du verrou et la clef qui permet de l’ouvrir, de telle
qu’ils ont pu avancer. Pour parler d’une façon très schématique: l’œuvre de sorte que l’oubli et l’empêchement du retour lui-même ne peuvent être
ces instaurateurs ne se situe pas par rapport à la science et dans l’espace levés que par le retour. En outre, ce retour s’adresse à ce qui est présent
qu’elle dessine; mais c’est la science ou la discursivité qui se rapporte à dans le texte, plus précisément, on revient au texte même, au texte dans
leur œuvre comme à des coordonnées premières. sa nudité, et, en même temps, pourtant, on revient à ce qui est marqué
On comprend par là qu’on rencontre, comme une nécessité inévitable en creux, en absence, en lacune dans le texte. On revient à un certain
dans de telles discursivités, l’exigence d’un “retour à l’origine”. [Ici encore, vide que l’oubli a esquivé ou masqué, qu’il a recouvert d’une fausse ou
il faut distinguer ces “retours à....” des phénomènes de “redécouverte” et d’une mauvaise plénitude et le retour doit redécouvrir cette lacune et ce
de “réactualisation” qui se produisent fréquemment dans les sciences. Par manque; de là, le jeu perpétuel qui caractérise ces retours à l’instauration
“redécouvertes”, j’entendrai les effets d’analogie ou d’isomorphisme qui, discursive – jeu qui consiste à dire d’un côté: cela y était, il suffisait de lire,
à partir des formes actuelles du savoir, rendent perceptible une figure qui tout s’y trouve, il fallait que les yeux soient bien fermés et les oreilles bien
a été brouillée, ou qui a disparu. Je dirai par exemple que Chomsky, dans bouchées pour qu’on ne le voie ni ne l’entende; et, inversement: non, ce
son livre sur la grammaire cartésienne,11 a redécouvert une certaine figure n’est point dans ce mot-ci, ni dans ce mot-là, aucun des mots visibles et
du savoir qui va de Cordemoy à Humboldt: elle n’est constituable, à vrai lisibles ne dit ce qui est maintenant en question, il s’agit plutôt de ce qui
dire, qu’à partir de la grammaire générative, car c’est cette dernière qui en est dit à travers les mots, dans leur espacement, dans la distance qui les
détient la loi de construction; en réalité, il s’agit d’un codage rétrospectif sépare.] Il s’ensuit naturellement que ce retour, qui fait partie du discours
du regard historique. Par “réactualisation”, j’entendrai tout autre chose: la lui-même, ne cesse de le modifier, que le retour au texte n’est pas un
réinsertion d’un discours dans un domaine de généralisation, d’application supplément historique qui viendrait s’ajouter à la discursivité elle-même
ou de transformation qui est pour lui nouveau. Et là, l’histoire des ma- et la redoublerait d’un ornement qui, après tout, n’est pas essentiel; il est
thématiques est riche de tels phénomènes (je renvoie ici à l’étude que un travail effectif et nécessaire de transformation de la discursivité elle-
Michel Serres a consacrée aux anamnèses mathématiques).12 Par “retour même. Le réexamen du texte de Galilée peut bien changer la connaissance
à”, que faut-il entendre? Je crois qu’on peut ainsi désigner un mouvement que nous avons de l’histoire de la mécanique, jamais cela ne peut changer
qui a sa spécificité propre et qui caractérise justement les instaurations la mécanique elle-même. En revanche, le réexamen des textes de Freud
modifie la psychanalyse elle-même et ceux de Marx, le Marxisme. [Or pour
11
CHOMSKY. Cartesian Linguistics. A Chapter in the History of Rationalist Thought.
12
SERRES. Les anamnèses mathématiques. caractériser ces retours, il faut ajouter un dernier caractère: ils se font vers

34 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 35


une sorte de couture énigmatique de l’œuvre et de l’auteur. En effet, c’est d’introduire à une typologie des discours. Il me semble en effet, au moins
bien en tant qu’il est texte de l’auteur et de cet auteur-ci que le texte a en première approche, qu’une pareille typologie ne saurait être faite seule-
valeur instauratrice, et c’est pour cela, parce qu’il est texte de cet auteur, ment à partir des caractères grammaticaux des discours, de leurs structures
qu’il faut revenir vers lui. Il n’y a aucune chance pour que la redécouverte formelles, ou même de leurs objets; sans doute existe-t-il des propriétés
d’un texte inconnu de Newton ou de Cantor modifie la cosmologie classi- ou des relations proprement discursives (irréductibles aux règles de la
que ou la théorie des ensembles, telles qu’elles ont été développées (tout grammaire et de la logique, comme aux lois de l’objet), et c’est à elles
au plus cette exhumation est-elle susceptible de modifier la connaissance qu’il faut s’adresser pour distinguer les grandes catégories de discours.
historique que nous avons de leur genèse). En revanche, la remise au jour Le rapport (ou le non-rapport) à un auteur et les différentes formes de ce
d’un texte comme l’Esquisse13 de Freud – et dans la mesure même où c’est rapport constituent – et d’une manière assez visible – l’une de ces pro-
un texte de Freud – risque toujours de modifier non pas la connaissance priétés discursives.
historique de la psychanalyse, mais son champ théorique – ne serait-ce Je crois d’autre part qu’on pourrait trouver là une introduction à
qu’en en déplaçant l’accentuation ou le centre de gravité. Par de tels re- l’analyse historique des discours. Peut-être est-il temps d’étudier les dis-
tours, qui font partie de leur trame même, les champs discursifs dont je cours non plus seulement dans leur valeur expressive ou leurs transfor-
parle comportent à l’égard de leur auteur “fondamental” et médiat un ra- mations formelles, mais dans les modalités de leur existence: les modes
pport qui n’est pas identique au rapport qu’un texte quelconque entretient de circulation, de valorisation, d’attribution, d’appropriation des discours
avec son auteur immédiat]. varient avec chaque culture et se modifient à l’intérieur de chacune; la
Ce que je viens d’esquisser à propos de ces “instaurations discursi- manière dont ils s’articulent sur des rapports sociaux se déchiffre de façon,
ves” est, bien entendu, très schématique. En particulier, l’opposition que me semble-t-il, plus directe dans le jeu de la fonction-auteur et dans ses
j’ai essayé de tracer entre une telle instauration et la fondation scientifique. modifications que dans les thèmes ou les concepts qu’ils mettent en œuvre.
Il n’est peut-être pas toujours facile de décider si on a affaire à ceci ou à N’est-ce pas également à partir d’analyses de ce type qu’on pourrait
cela: et rien ne prouve que ce sont là deux procédures exclusives l’une de réexaminer les privilèges du sujet? Je sais bien qu’en entreprenant l’analyse
l’autre. Je n’ai tenté cette distinction qu’à une seule fin : montrer que cette interne et architectonique d’une œuvre (qu’il s’agisse d’un texte littéraire,
fonction-auteur, déjà complexe quand on essaie de la repérer au niveau d’un d’un système philosophique, ou d’une œuvre scientifique), en mettant
livre ou d’une série de textes qui portent une signature définie, comporte entre parenthèses les références biographiques ou psychologiques, on a
encore de nouvelles déterminations, quand on essaie de l’analyser dans des déjà remis en question le caractère absolu, et le rôle fondateur du sujet.
ensembles plus vastes – des groupes d’œuvres, des disciplines entières. Mais il faudrait peut-être revenir sur ce suspens, non point pour restaurer
* le thème d’un sujet originaire, mais pour saisir les points d’insertion, les
[Je regrette beaucoup de n’avoir pu apporter, au débat qui va suivre modes de fonctionnement et les dépendances du sujet. Il s’agit de retourner
maintenant, aucune proposition positive: tout au plus des directions pour le problème traditionnel. Ne plus poser la question: comment la liberté d’un
un travail possible, des chemins d’analyse. Mais je vous dois au moins sujet peut-elle s’insérer dans l’épaisseur des choses et lui donner sens,
de dire, en quelques mots, pour terminer, les raisons pour lesquelles j’y comment peut-elle animer, de l’intérieur, les règles d’un langage et faire
attache une certaine importance]. jour ainsi aux visées qui lui sont propres? Mais poser plutôt ces questions:
Une pareille analyse, si elle était développée, permettrait peut-être comment, selon quelles conditions et sous quelles formes quelque chose
comme un sujet peut-il apparaître dans l’ordre des discours? Quelle place
13 FREUD. Entwurf einer Psychologie. peut-il occuper dans chaque type de discours, quelles fonctions exercer,

36 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 37


et en obéissant à quelles règles? Bref, il s’agit d’ôter au sujet (ou à son “Qui a réellement parlé? Est-ce bien lui et nul autre? Avec quelle authenti-
substitut) son rôle de fondement originaire, et de l’analyser comme une cité, ou quelle originalité? Et qu’a-t-il exprimé du plus profond de lui-même
fonction variable et complexe du discours. dans son discours?” Mais d’autres comme celles-ci: “Quels sont les modes
[L’auteur – ou ce que j’ai essayé de décrire comme la fonction-auteur d’existence de ce discours? D’où a-t-il été tenu, comment peut-il circuler,
– n’est sans doute qu’une des spécifications possibles de la fonction-sujet. et qui peut se l’approprier? Quels sont les emplacements qui y sont mé-
Spécification possible, ou nécessaire? À voir les modifications historiques nagés pour des sujets possibles? Qui peut remplir ces diverses fonctions
qui ont eu lieu, il ne paraît pas indispensable, loin de là, que la fonction- de sujet?” Et, derrière toutes ces questions, on n’entendrait guère que le
auteur demeure constante dans sa forme, dans sa complexité, et même bruit d’une indifférence: “Qu’importe qui parle.”
dans son existence. On peut imaginer une culture où les discours circule- J. Wahl: Je remercie Michel Foucault de tout ce qu’il nous a dit et
raient et seraient reçus sans que la fonction-auteur apparaisse jamais]. 14
qui appelle la discussion. Je vais demander tout de suite qui veut prendre
Tous les discours, quel que soit leur statut, leur forme, leur valeur, et quel la parole.
que soit le traitement qu’on leur fait subir, se dérouleraient dans l’anonymat Jean d’Ormesson: Dans la thèse de Michel Foucault, la seule chose
du murmure. On n’entendrait plus les questions si longtemps ressassées: que je n’avais pas bien comprise et sur laquelle tout le monde, même la
grande presse, avais mis l’accent, c’était la fin de l’homme. Cette fois,
14
Variante: “Mais il y a aussi des raisons qui tiennent au statut ‘idéologique’ de l’auteur. La question Michel Foucault s’est attaqué au maillon le plus faible de la chaîne: il a
devient alors: comment conjurer le grand péril, le grand danger par lesquels la fiction menace notre attaqué, non plus l’homme, mais l’auteur. Et je comprends bien ce qui a
monde? La réponse est qu’on peut les conjurer à travers l’auteur. L’auteur rend possible une limitation
de la prolifération cancérisante, dangereuse des significations dans un monde où l’on est économe pu le mener, dans les événements culturels depuis cinquante ans, à ces
non seulement de ses ressources et richesses, mais de ses propres discours et de leurs significations. considérations: “La poésie doit être faite par tous”, “ça parle” etc. Je me
L’auteur est le principe d’ économie dans la prolifération du sens. En conséquence, nous devons
procéder au renversement de l’idée traditionnelle d’auteur. Nous avons coutume de dire, nous l’avons posais un certain nombre de questions: je me disais que, tout de même, il y
examiné plus haut, que l’auteur est l’instance créatrice jaillissante d’une œuvre où il dépose, avec
a des auteurs en philosophie et en littérature. On pourrait donner beaucoup
une infinie richesse et générosité, un monde inépuisable de significations. Nous sommes accoutumés
à penser que l’auteur est si différent de tous les autres hommes, tellement transcendant à tous les d’exemples, me semblait-il, en littérature et en philosophie, d’auteurs qui
langages, qu’aussitôt qu’il parle le sens prolifère et prolifère indéfiniment.
sont des points de convergence. Les prises de position politique sont aussi
La vérité est tout autre: l’auteur n’est pas une source indéfinie de significations qui viendraient
combler l’œuvre, l’auteur ne précède pas les œuvres. Il est un certain principe fonctionnel par lequel, le fait d’un auteur et on peut les rapprocher de sa philosophie.
dans notre culture, on délimite, on exclut, on sélectionne: bref, le principe par lequel on entrave
Eh bien, j’ai été complètement rassuré, parce que j’ai l’impression
la libre circulation, la libre manipulation, la libre composition, décomposition, recomposition de la
fiction. Si nous avons l’habitude de présenter l’auteur comme génie, comme surgissement perpétuel de qu’en une espèce de prestidigitation, extrêmement brillante, ce que Michel
nouveauté, c’est parce qu’en réalité nous le faisons fonctionner sur un mode exactement inverse. Nous
Foucault a pris à l’auteur, c’est-à-dire son œuvre, il le lui a rendu avec
dirons que l’auteur est une production idéologique dans la mesure où nous avons une représentation
inversée de sa fonction historique réelle. L’auteur est donc la figure idéologique par laquelle on conjure intérêt, sous le nom d’instaurateur de discursivité, puisque non seulement
la prolifération du sens.
il lui redonne son œuvre, mais encore celle des autres.
En disant cela, je semble appeler une forme de culture où la fiction ne serait pas raréfiée par
la figure de l’auteur. Mais ce serait pur romantisme d’imaginer une culture où la fiction circulerait Lucien Goldmann: Parmi les théoriciens marquants d’une école qui
à l’état absolument libre, à la disposition de chacun, se développerait sans attribution à une figure
occupe une place importante dans la pensée contemporaine et se carac-
nécessaire ou contraignante. Depuis le XVIIIe siècle, l’auteur a joué le rôle de régulateur de la fiction,
rôle caractéristique de l’ère industrielle et bourgeoise, d’individualisme et de propriété privée. Pourtant, térise par la négation de l’homme en général et, à partir de là, du sujet
compte tenu des modifications historiques en cours, il n’y a nulle nécessité à ce que la fonction-
sous tous ses aspects, et aussi de l’auteur, Michel Foucault, qui n’a pas
auteur demeure constante dans sa forme ou sa complexité ou son existence. Au moment précis où
notre société est dans un processus de changement, la fonction-auteur va disparaître d’une façon qui explicitement formulé cette dernière négation mais l’a suggérée tout au
permettra une fois de plus à la fiction et à ses textes polysémiques de fonctionner à nouveau selon un
long de son exposé en terminant sur la perspective de la suppression de
autre mode, mais toujours selon un système contraignant, qui ne sera plus celui de l’auteur, mais qui
reste encore à déterminer ou peut-être à expérimenter.” (Traduction de D. Defert.) l’auteur, est certainement l’une des figures les plus intéressantes et les

38 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 39


plus difficiles à combattre et à critiquer. Car, à une position philosophique particulièrement important…15
fondamentalement antiscientifique, Michel Foucault allie un remarquable Lorqu’on pose le problème “Qui parle?”, il y a aujourd’hui dans les
travail d ‘historien, et il me paraît hautement probable que, grâce à un sciences humaines au moins deux réponses, qui, tout en s’opposant ri-
certain nombre d’analyses, son œuvre marquera une étape importante goureusement l’une à l’autre, refusent chacune l’idée traditionnellement
dans le développement de l’histoire scientifique de la science et même de admise du sujet individuel. La première, que j’appellerai structuralisme non
la réalité sociale. génétique, nie le sujet qu’elle remplace par les structures (linguistiques,
C’est donc sur le plan de sa pensée proprement philosophique, et mentales, sociales etc.) et ne laisse aux hommes et à leur comportement
non pas sur celui de ses analyses concrètes, que je veux aujourd’hui placer que la place d’un rôle, d’une fonction à l’intérieur de ces structures qui
mon intervention. constituent le point, final de la recherche ou de l’explication.
Permettez-moi cependant, avant d’aborder les trois parties de À l’opposé, le structuralisme génétique refuse lui aussi, dans la di-
l’exposé de Michel Foucault, de me référer à l’intervention qui vient d’avoir mension historique et dans la dimension culturelle qui en fait partie, le sujet
lieu pour dire que je suis absolument d’accord avec l’intervenant sur le fait individuel; il ne supprime cependant pas pour autant l’idée de sujet, mais
que Michel Foucault n’est pas l’auteur, et certainement pas l’instaurateur de remplace le sujet individuel par le sujet transindividuel. Quant aux struc-
ce qu’il vient de nous dire. Car la négation du sujet est aujourd’hui l’idée tures, loin d’apparaître comme des réalités autonomes et plus ou moins
centrale de tout un groupe de penseurs, ou plus exactement de tout un ultimes, elles ne sont dans cette perspective qu’une propriété universelle
courant philosophique. Et si, à l’intérieur de ce courant, Foucault occupe une de toute praxis et de toute réalité humaines. Il n’y a pas de fait humain
place particulièrement originale et brillante, il faut néanmoins l’intégrer à qui ne soit structuré, ni de structure qui ne soit significative, c’est-à-dire
ce qu’on pourrait appeler l’école française du structuralisme non génétique qui, en tant que qualité du psychisme et du comportement d’un sujet, ne
et qui comprend notamment les noms de Lévi-Strauss, Roland Barthes, remplisse une fonction. Bref, trois thèses centrales dans cette position: il y
Althusser, Derrida etc. a un sujet; dans la dimension historique et culturelle, ce sujet est toujours
Au problème particulièrement important soulevé par Michel Foucault: transindividuel; toute activité psychique et tout comportement du sujet
“Qui parle?”, je pense qu’il faut en adjoindre un second: “Qu’est-ce qu’il dit?” sont toujours structurés et significatifs, c’est-à-dire fonctionnels.
“Qui parle?” À la lumière des sciences humaines contemporaines, J’ajouterai que j’ai, moi aussi, rencontré une difficulté soulevée par
l’idée de l’individu en tant qu’auteur dernier d’un texte, et notamment d’un Michel Foucault: celle de la définition de l’œuvre. Il est en effet difficile,
texte important et significatif, apparaît de moins en moins soutenable. voire impossible, de définir celle-ci par rapport à un sujet individuel. Comme
Depuis un certain nombre d’années, toute une série d’analyses concrètes l’a dit Foucault, s’il s’agit de Nietzsche ou de Kant, de Racine ou de Pascal,
ont en effet montré que, sans nier ni le sujet ni l’homme, on est obligé de où s’arrête le concept d’œuvre? Faut-il l’arrêter aux textes publiés? Faut-
remplacer le sujet individuel par un sujet collectif ou transindividuel. Dans il inclure tous les papiers non publiés jusqu’aux notes de blanchisserie?
mes propres travaux, j’ai été amené à montrer que Racine n’est pas le seul, Si l’on pose le problème dans la perspective du structuralisme gé-
unique et véritable auteur des tragédies raciniennes, mais que celles-ci sont nétique, on obtient une réponse qui vaut non seulement pour les œuvres
nées à l’intérieur du développement d’un ensemble structuré de catégories culturelles mais aussi pour tout fait humain et historique. Qu’est-ce que la
mentales qui était œuvre collective, ce qui m’a amené à trouver comme Révolution française? Quels sont les stades fondamentaux de l’histoire des
“auteur” de ces tragédies, en dernière instance, la noblesse de robe, le sociétés et des cultures capitalistes occidentales? La réponse soulève des
groupe jansénite et, à l’intérieur de celui-ci, Racine en tant qu’individu 15
GOLDMANN. Le Dieu caché. Étude sur la vision tragique dans les Pensées de Pascal et dans le théâtre
de Racine.

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difficultés analogues. Revenons cependant à l’œuvre: ses limites, comme de saucisses qui est mangée par la suite. Mais je pense, comme Foucault,
celles de tout fait humain, se définissent par le fait qu’elle constitue une qu’il faut demander: “Qui crée les traces? Qui écrit?”
structure significative fondée sur l’existence d’une structure mentale co- Comme je n’ai aucune remarque à faire sur la deuxième partie
hérente élaborée par un sujet collectif. À partir de là, il peut arriver qu’on de l’exposé, avec laquelle je suis dans l’ensemble d’accord, je passe à la
soit obligé d’éliminer, pour délimiter cette structure, certains textes publiés troisième.
ou d’intégrer, au contraire, certains textes inédits; enfin, il va de soi qu’on Il me semble que, là aussi, la plupart des problèmes soulevés
peut facilement justifier l’exclusion de la note de blanchisserie. J’ajouterai trouvent leur réponse dans la perspective du sujet transindividuel. Je ne
que, dans cette perspective, la mise en relation de la structure cohérente m’arrêterai qu’à un seul: Foucault a fait une distinction justifiée entre ce
avec sa fonctionnalité par rapport à un sujet transindividuel ou – pour em- qu’il appelle les “instaurateurs” d’une nouvelle méthodologie scientifi-
ployer un langage moins abstrait – la mise en relation de l’interprétation que et les créateurs. Le problème est réel, mais, au lieu de lui laisser le
avec l’explication, prend une importance particulière. caractère relativement complexe et obscur qu’il a pris dans son exposé,
Un seul exemple: au cours de mes recherches, je me suis heurté ne peut-on pas trouver le fondement épistémologique et sociologique de
au problème de savoir dans quelle mesure Les Provinciales et les Pensées cette opposition dans la distinction, courante dans la pensée dialectique
de Pascal peuvent être considérées comme une œuvre 16
et, après une moderne et notamment dans l’école lukacsienne, entre les sciences de la
analyse attentive, je suis arrivé à la conclusion que ce n’est pas le cas et nature, relativement autonomes en tant que structures scientifiques, et
qu’il s’agit de deux œuvres qui ont deux auteurs différents. D’une part, les sciences humaines, qui ne sauraient être positives sans être philoso-
Pascal avec le groupe Arnauld-Nicole et les jansénistes modérés pour Les phiques? Ce n’est certainement pas un hasard si Foucault a opposé Marx,
Provinciales; d’autre part, Pascal avec le groupe des jansénistes extrémis- Freud et, dans une certaine mesure, Durkheim à Galilée et aux créateurs
tes pour les Pensées. Deux auteurs différents, qui ont un secteur partiel de la physique mécaniste. Les sciences de l’homme – explicitement pour
commun: l’individu Pascal et peut-être quelques autres jansénistes qui ont Marx et Freud, implicitement pour Durkheim – supposent l’union étroite
suivi la même évolution. entre les constatations et les valorisations, la connaissance et la prise de
Un autre problème soulevé par Michel Foucault dans son exposé position, la théorie et la praxis, sans pour cela bien entendu abandonner
est celui de l’écriture. Je crois qu’il vaut mieux mettre un nom sur cette en rien la rigueur théorique. Avec Foucault, je pense aussi que très sou-
discussion, car je présume que nous avons tous pensé à Derrida et à son vent, et notamment aujourd’hui, la réflexion sur Marx, Freud et même
système. Nous savons que Derrida essaie – gageure qui me semble pa- Durkheim se présente sous la forme d’un retour aux sources, car il s’agit
radoxale – d’élaborer une philosophie de l’écriture tout en niant le sujet. d’un retour à une pensée philosophique, contre les tendances positivistes
C’est d’autant plus curieux que son concept d’écriture est, par ailleurs, très qui veulent faire des sciences de l’homme sur le modèle des sciences de
proche du concept dialectique de praxis. Un exemple entre autres: je ne la nature. Encore faudrait-il distinguer ce qui est retour authentique de
saurais qu’être d’accord avec lui lorsqu’il nous dit que l’écriture laisse des ce qui, sous la forme d’un prétendu retour aux sources, est en réalité une
traces qui finissent par s’effacer; c’est la propriété de toute praxis, qu’il tentative d’assimiler Marx et Freud au positivisme et au structuralisme non
s’agisse de la construction d’un temple qui disparaît au bout de plusieurs génétique contemporain qui leur sont totalement étrangers.
siècles ou plusieurs millénaires, de l’ouverture d’une route, de la modifi- C’est dans cette perspective que je voudrais terminer mon interven-
cation de son trajet ou, plus prosaïquement, de la fabrication d’une paire tion en mentionnant la phrase devenue célèbre, écrite au mois de mai par
un étudiant sur le tableau noir d’une salle de la Sorbonne, et qui me paraît
16
PASCAL. Les Provinciales; Les Pensées. exprimer l’essentiel de la critique à la fois philosophique et scientifique du

42 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 43


structuralisme non génétique: “Les structures ne descendent pas dans la
Autre remarque. Il a été dit que je prenais le point de vue de la
rue”, c’est-à-dire: ce ne sont jamais les structures qui font l’histoire, mais
non-scientificité. Certes, je ne prétends pas avoir fait ici œuvre scientifique,
les hommes, bien que l’action de ces derniers ait toujours un caractère
mais j’aimerais connaître de quelle instance me vient ce reproche.
structuré et significatif.
Maurice de Gandillac: Je me suis demandé en vous écoutant selon
M. Foucault: Je vais essayer de répondre. La première chose que je
quel critère précis vous distinguiez les “instaurateurs de discursivité”, non
dirai, c’est que je n’ai jamais, pour ma part, employé le mot de structure.
seulement des “prophètes” de caractère plus religieux, mais aussi des
Cherchez-le dans Les Mots et les Choses, vous ne le trouverez pas. Alors,
promoteurs de “scientificité” auxquels il n’est certainement pas incongru
j’aimerais bien que toutes les facilités sur le structuralisme me soient
de rattacher Marx et Freud. Et, si l’on admet une catégorie originale, située
épargnées, ou qu’on prenne la peine de les justifier. De plus: je n’ai pas
en quelque sorte au-delà de la scientificité et du prophétisme (et relevant
dit que l’auteur n’existait pas; je ne l’ai pas dit et je suis étonné que mon
pourtant des deux), je m’étonne de n’y voir ni Platon ni surtout Nietzsche,
discours ait pu prêter à un pareil contresens. Reprenons un peu tout cela.
que vous nous présentâtes naguère à Royaumont, si j’ai bonne mémoire,
J’ai parlé d’une certaine thématique que l’on peut repérer dans
comme ayant exercé sur notre temps une influence du même type que
les œuvres comme dans la critique, qui est, si vous voulez: l’auteur doit
celle de Marx et de Freud.
s’effacer ou être effacé au profit des formes propres aux discours. Cela
étant entendu, la question que je me suis posée était celle-ci: qu’est-ce M. Foucault: Je vous répondrai – mais à titre d’hypothèse de travail,

que cette règle de la disparition de l’écrivain ou de l’auteur permet de car, encore une fois, ce que je vous ai indiqué n’était, malheureusement,

découvrir? Elle permet de découvrir le jeu de la fonction-auteur. Et ce rien de plus qu’un plan de travail, un repérage de chantier – que la situation

que j’ai essayé d’analyser, c’est précisément la manière dont s’exerçait la transdiscursive dans laquelle se sont trouvés des auteurs comme Platon

fonction-auteur, dans ce qu’on peut appeler la culture européenne depuis et Aristote depuis le moment où ils ont écrit jusqu’à la Renaissance doit

le XVII siècle. Certes, je l’ai fait très grossièrement, et d’une façon dont
e pouvoir être analysée; la manière dont on les citait, dont on se référait
je veux bien qu’elle soit trop abstraite parce qu’il s’agissait d’une mise en à eux, dont on les interprétait, dont on restaurait l’authenticité de leurs
place d’ensemble. Définir de quelle manière s’exerce cette fonction, dans textes etc., tout cela obéit certainement à un système de fonctionnement.
quelles conditions, dans quel champ etc., cela ne revient pas, vous en Je crois qu’avec Marx et avec Freud on a affaire à des auteurs dont la po-
conviendrez, à dire que l’auteur n’existe pas. sition transdiscursive n’est pas superposable à la position transdiscursive
Même chose pour cette négation de l’homme dont Monsieur d’auteurs comme Platon ou Aristote. Et il faudrait décrire ce qu’est cette
Goldmann a parlé: la mort de l’homme, c’est un thème qui permet de transdiscursivité moderne, par opposition à la transdiscursivité ancienne.
mettre au jour la manière dont le concept d’homme a fonctionné dans le L. Goldmann: Une seule question: lorsque vous admettez l’exis-
savoir. Et si on dépassait la lecture, évidemment austère, des toutes pre- tence de l’homme ou du sujet, les réduisez-vous, oui ou non, au statut
mières ou des toutes dernières pages de ce que j’écris, on s’apercevrait de fonction?
que cette affirmation renvoie à l’analyse d’un fonctionnement. Il ne s’agit M. Foucault: Je n’ai pas dit que je les réduisais à une fonction,
pas d’affirmer que l’homme est mort, il s’agit, à partir du thème – qui n’est j’analysais la fonction à l’intérieur de laquelle quelque chose comme un
pas de moi et qui n’a pas cessé d’être répété depuis la fin du XIXe siècle – auteur pouvait exister. Je n’ai pas fait ici l’analyse du sujet, j’ai fait l’analyse
que l’homme est mort (ou qu’il va disparaître, ou qu’il sera remplacé par de l’auteur. Si j’avais fait une conférence sur le sujet, il est probable
le surhomme), de voir de quelle manière, selon quelles règles s’est formé que j’aurais analysé de la même façon la fonction-sujet, c’est-à-dire fait
et a fonctionné le concept d’homme. J’ai fait la même chose pour la notion l’analyse des conditions dans lesquelles il est possible qu’un individu rem-
d’auteur. Retenons donc nos larmes. plisse la fonction du sujet. Encore faudrait-il préciser dans quel champ le

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sujet est sujet, et de quoi (du discours, du désir, du processus économique le seul point sur lequel j’aurais trouvé un désaccord assez profond avec
etc.). Il n’y a pas de sujet absolu. vous, parce que, au début, vous avez éliminé l’intériorité. Je crois qu’il n’y
Jean Ullmo: J’ai été profondément intéressé par votre exposé, parce a auteur que lorsqu’il y a intériorité. Et cet exemple de Bourbaki, qui n’est
qu’il a réanimé un problème qui est très important dans la recherche scien- pas du tout un auteur au sens banal, le démontre d’une façon absolue. Et
tifique actuellement. La recherche scientifique et en particulier la recherche cela étant dit, je crois que je rétablis un sujet pensant, qui est peut-être
mathématique sont des cas limites dans lesquels un certain nombre des de nature originale, mais qui est assez clair pour ceux qui ont l’habitude de
concepts que vous avez dégagés apparaissent de façon très nette. C’est la réflexion scientifique. D’ailleurs, un très intéressant article de Critique
en effet devenu un problème assez angoissant dans les vocations scien- de Michel Serres, “La tradition de l’idée”, mettait cela en évidence. Dans
tifiques qui se dessinent vers la vingtième année, de se trouver en face les mathématiques, ce n’est pas l’axiomatique qui compte, ce n’est pas la
du problème que vous avez posé initialement: “Qu’importe qui parle?” combinatoire, ce n’est pas ce que vous appelleriez la nappe discursive, ce
Autrefois, une vocation scientifique c’était la volonté de parler soi-même, qui compte, c’est la pensée interne, c’est l’aperception d’un sujet qui est
d’apporter une réponse aux problèmes fondamentaux de la nature ou de capable de sentir, d’intégrer, de posséder cette pensée interne. Et si j’avais
la pensée mathématique; et cela justifiait des vocations, justifiait, on peut le temps, l’exemple de Keynes serait encore beaucoup plus frappant au
le dire, des vies d’abnégation et de sacrifice. De nos jours, ce problème point de vue économique. Je vais simplement conclure: je pense que vos
est beaucoup plus délicat, parce que la science apparaît beaucoup plus concepts, vos instruments de pensée sont excellents. Vous avez répondu,
anonyme; et, en effet, “qu’importe qui parle”, ce qui n’a pas été trouvé par dans la quatrième partie, aux questions que je m’étais posées dans les trois
x en juin 1969, sera trouvé par y en octobre 1969. Alors, sacrifier sa vie à premières. Où se trouve ce qui spécifie un auteur? Eh bien, ce qui spécifie
cette anticipation légère et qui reste anonyme, c’est vraiment un problème un auteur, c’est justement la capacité de remanier, de réorienter ce champ
extraordinairement grave pour celui qui a la vocation et pour celui qui doit épistémologique ou cette nappe discursive, qui sont de vos formules. En
l’aider. Et je crois que ces exemples de vocations scientifiques vont éclairer effet, il n’y a auteur que quand on sort de l’anonymat, parce qu’on réo-
un peu votre réponse dans le sens, d’ailleurs, que vous avez indiqué. Je vais riente les champs épistémologiques, parce qu’on crée un nouveau champ
prendre l’exemple de Bourbaki;17 je pourrais prendre l’exemple de Keynes, discursif qui modifie, qui transforme radicalement le précédent. Le cas le
mais Bourbaki constitue un exemple limite: il s’agit d’un individu multiple; plus frappant, c’est celui d’Einstein: c’est un exemple absolument saisissant
le nom de l’auteur semble s’évanouir vraiment au profit d’une collectivité, sous ce rapport. Je suis heureux de voir M. Bouligand qui m’approuve, nous
et d’une collectivité renouvelable, car ce ne sont pas toujours les mêmes sommes entièrement d’accord là dessus. Par conséquent, avec ces deux
qui sont Bourbaki. Or pourtant, il existe un auteur Bourbaki, et cet auteur critères: nécessité d’intérioriser une axiomatique, et critère de l’auteur
Bourbaki se manifeste par les discussions extraordinairement violentes, en tant que remaniant le champ épistémologique, je crois qu’on restitue
et même je dirai pathétiques, entre les participants de Bourbaki: avant de un sujet assez puissant, si j’ose dire. Ce qui, d’ailleurs, je crois, n’est pas
publier un de leurs fascicules – ces fascicules qui paraissent si objectifs, absent de votre pensée.
si dépourvus de passion, algèbre linéaire ou théorie des ensembles, en Jacques Lacan: J’ai reçu très tard l’invitation. En la lisant, j’ai noté,
fait il y a des nuits entières de discussion et de bagarre pour se mettre dans le dernier paragraphe, le “retour à”. On retourne peut-être à beau-
d’accord sur une pensée fondamentale, sur une intériorisation. Et c’est là coup de choses, mais, enfin, le retour à Freud c’est quelque chose que j’ai
pris comme une espèce de drapeau, dans un certain champ, et là je ne
17
Nicolas Bourbaki: pseudonyme collectif pris par un groupe de mathématiciens français contemporains
peux que vous remercier, vous avez répondu tout à fait à mon attente. En
qui ont entrepris la refonte des mathématiques sur des bases axiomatiques rigoureuses (Henri Cartan,
Claude Chevalley, Jean Dieudonné, Charles Ehresmann, André Weil etc.). évoquant spécialement, à propos de Freud, ce que signifie le “retour à”,

46 O que é um autor? Qu’est-ce qu’un auteur? 47


tout ce que vous avez dit m’apparait, au moins au regard de ce en quoi
j’ai pu y contribuer, parfaitement perttinent.
Deuxièmement, je voudrais faire remarquer que, structuralisme ou
pas, il me semble qu’il n’est nulle part question, dans le champ vague-
ment déterminé par cette étiquette, de la négation du sujet. Il s’agit de
la dépendance du sujet, ce qui est extrêmement différent; et tout parti-
culièrement, au niveau du retour à Freud, de la dépendance du sujet par
rapport à quelque chose de vraiment élémentaire, et que nous avons tenté
d’isoler sous le terme de “signifiant”.
Troisièment – je limiterai à cela mon intervention –, je ne considére
pas qu’il soit d’aucune façon légitime d’avoir écrit que les structures ne
descendent pas dans la rue, parce que, s’il y a quelque chose que démon-
trent le événements de mai, c’est précisément la descente dans la rue des
structures. Le fait qu’on l’écrive à la place même où s’est opérée cette
descente dans la rue ne prouve rien d’autre que, simplement, ce qui est
très souvent, et même le plus souvent, interne à ce qu’on appelle l’acte,
c’est qu’il se méconnaît lui-même.
J. Wahl: Il nous teste à remercier Michel Foucault d’être venu, d’avoir
parlé, d’avoir d’abord écrit sa conférence, d’avoir répondu aux questions qui
ont été posées, et qui, d’ailleurs, on toutes été intéressantes. Je remercie
aussi ceux qui sont intervenus et les auditeurs. “Qui écoute, qui parle?”:
nous porrrons répondre “à la maison” à cette question.

48 O que é um autor?
O que é um autor?

Tradução de Antônio Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro

Jean Wahl: Temos o prazer de ter hoje entre nós Michel Foucault. Está-
vamos um pouco impacientes pela sua vinda, inquietos pelo seu atraso,
mas ele aqui está. Não vou apresentá-lo, é Michel Foucault ele próprio, o
de Les Mots et les Choses, o da tese sobre a loucura. Dou-lhe imediata-
mente a palavra.
Michel Foucault: Creio – sem estar, de resto, muito seguro – que é
de tradição trazer a esta Sociedade de Filosofia o resultado de trabalhos já
acabados, para os propor à vossa apreciação e à vossa crítica. Infelizmente,
receio que o que vos trago hoje seja demasiado insignificante para merecer
a vossa atenção: é um projeto que gostaria de submeter à vossa opinião,
um ensaio de análise de que ainda mal entrevejo as grandes linhas: mas
pareceu-me que ao esforçar-me por traçá-las diante de vós, ao pedir-vos
para as julgarem e retificarem estaria, tal como um neurótico, à procura de
um duplo benefício: primeiro, o de subtrair os resultados de um trabalho
que ainda não existe ao rigor das vossas objeções e, por outro lado, o de
fazer usufruir, logo à nascença, não somente do vosso “apadrinhamento”,
mas também das vossas sugestões.
Gostaria ainda de vos dirigir um outro pedido: não me levem a mal
se, quando daqui a pouco me colocarem questões, eu sentir ainda, e so-
bretudo aqui, a ausência de uma voz que me foi até agora indispensável;
compreenderão que, daqui a pouco, é ainda o meu primeiro mestre que
procuro ouvir inelutavelmente. Afinal, foi com ele que primeiro falei do meu
O que é um autor?
Editora Passagens,
projeto inicial de trabalho; teria tido com certeza necessidade que ele as-
1992. sistisse ao seu esboço e me ajudasse uma vez mais nas minhas incertezas.
Mas, apesar de tudo, na medida em que a ausência é o lugar primeiro do Dir-me-ão: então por que utilizar em Les Mots et les Choses, nomes
discurso, permitam que esta noite me dirija a ele em primeiro lugar. de autores? Conviria ou não utilizar nenhum, ou então definir o modo
O tema que propus, “O que é um autor?”, preciso evidentemente como são utilizados. Esta objeção já me parece perfeitamente justificada:
de justificá-lo diante de vós. tentei medir-lhe as implicações e as consequências num texto a aparecer
Se escolhi tratar esta questão talvez um pouco estranha foi, antes em breve; tento agora conferir-lhe o estatuto das grandes unidades dis-
de mais, porque queria fazer uma certa crítica ao que noutros tempos cursivas, como as que chamamos História Natural ou Economia Política;
me aconteceu escrever, corrigindo assim um certo número de imprudên- interroguei-me sobre os métodos e os instrumentos que as podem delimitar,
cias que então cometi. Em Les Mots et les Choses, tinha tentado analisar dividir, analisar e descrever. Eis a primeira parte de um trabalho começado
massas verbais, espécies de tecidos discursivos que não eram escondidos há alguns anos e que agora está terminando.
pelas unidades habituais do livro, da obra e do autor. Falava, em geral, da Mas uma outra questão se põe: a do autor – e é dela que gostaria
“história natural”, ou da “análise das riquezas”, ou da “economia política”, agora de tratar. A noção de autor constitui o momento forte da individuali-
mas quase nada de obras ou de escritores. No entanto, ao longo de toda zação na história das ideias, dos conhecimentos, das literaturas, na história
essa obra, utilizei inocentemente, ou seja, de forma selvagem, nomes de da filosofia também, e na das ciências. Mesmo hoje, quando se faz a história
autores. Falei de Buffon, de Cuvier, de Ricardo etc., e permiti que estes de um conceito, de um gênero literário ou de um tipo de filosofia, creio que
nomes funcionassem com uma ambiguidade muito embaraçante. Se bem tais unidades continuam a ser consideradas como recortes relativamente
que dois tipos de objeções pudessem ser legitimamente formulados, como fracos, secundários e sobrepostos em relação à unidade primeira, sólida
aliás o foram. Por um lado, disseram-me: o senhor não descreve Buffon e fundamental, que é a do autor e da obra.
nem o conjunto da sua obra como deve ser, e o que diz sobre Marx é Deixarei de lado, pelo menos pela exposição desta tarde, a análise
irrisoriamente insuficiente em relação ao pensamento de Marx. Estas ob- histórico-sociológica da personagem do autor. Como é que o autor se
jeções eram evidentemente fundamentadas, mas não penso que fossem individualizou numa cultura como a nossa, que estatuto lhe foi atribuído,
muito pertinentes relativamente ao que então fazia; porque, para mim, o a partir de que momento, por exemplo, se iniciaram as pesquisas sobre
problema não consistia em descrever Buffon ou Marx, nem em restituir o a autenticidade e a atribuição, em que sistema de valorização foi o autor
que eles tinham dito ou querido dizer: procurava simplesmente encontrar julgado, em que momento se começou a contar a vida dos autores de pre-
as regras pelas quais eles tinham formado um certo número de concei- ferência a dos heróis, como é que se instaurou essa categoria fundamental
tos ou de teorias que se podem encontrar nas suas obras. Fizeram uma da crítica que é “o-homem-e-a-obra” – tudo isto mereceria seguramente
outra objeção: o senhor forma famílias monstruosas, aproxima nomes ser analisado. Gostaria, para já, de debruçar-me tão só sobre a relação
tão manifestamente opostos com os de Buffon e de Lineu, põe Cuvier do texto com o autor, a maneira como o texto aponta para essa figura que
ao lado de Darwin, e tudo isso contra o jogo mais óbvio do parentesco e lhe é exterior e anterior, pelo menos em aparência.
das semelhanças naturais. Ainda aqui, diria que a objeção não me parece Peço emprestada a Beckett a formulação para o tema de que gos-
justa, porque nunca procurei fazer um quadro genealógico das individu- taria de partir: “Que importa quem fala, disse alguém, que importa quem
alidades espirituais, nunca pretendi constituir um daguerreótipo intelec- fala”. Creio que se deve reconhecer nesta indiferença um dos princípios
tual do sábio ou do naturalista dos séculos XVII e XVIII; não quis formar éticos fundamentais da escrita contemporânea. Digo “ético”, porque tal
nenhuma família, nem santa nem perversa, procurei simplesmente – o indiferença não é inteiramente um traço que caracteriza o modo como se
que é muito mais modesto – as condições de funcionamento de práticas fala ou como se escreve; é sobretudo uma espécie de regra imanente,
discursivas específicas. constantemente retomada, nunca completamente aplicada, um princípio

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que não marca a escrita como resultado, mas a domina como prática. Não por intermédio de todo emaranhado que estabelece entre ele próprio e o
é necessário analisar com pormenor esta regra, dado que é por demais que escreve, ele retira a todos os signos a sua individualidade particular;
conhecida; basta especificá-la aqui através de dois dos seus grandes te- a marca do escritor não é mais do que a singularidade da sua ausência;
mas. Primeiro, pode dizer-se que a escrita de hoje se libertou do tema da é-lhe necessário representar o papel do morto no jogo da escrita. Tudo isto
expressão: só se refere a si própria, mas não se deixa porém aprisionar é conhecido; há já bastante tempo que a crítica e a filosofia vêm realçando
na forma da interioridade; identifica-se com a sua própria exterioridade este desaparecimento ou esta morte do autor.
manifesta. O que quer dizer que a escrita é um jogo ordenado de signos Não estou, porém, muito seguro de que se tenha extraído todas
que se deve menos ao seu conteúdo significativo do que à própria natureza as consequências que a constatação exigiria, nem que se tenha avaliado
do significante; mas também que esta regularidade da escrita está sempre com exatidão o alcance do acontecimento. Mais, precisamente, parece-me
a ser experimentada nos seus limites, estando ao mesmo tempo sempre que um certo número de noções que hoje se destinam a substituir-se ao
em vias de ser transgredida e invertida; a escrita desdobra-se como um privilégio do autor acabam por bloqueá-lo, fazendo esquecer o que deveria
jogo que vai infalivelmente para além das suas regras, desse modo as ser evidenciado. Abordarei apenas duas destas noções, que, a meu ver,
extravasando. Na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação são hoje singularmente importantes.
do gesto de escrever, nem de fixação de um sujeito numa linguagem; é Primeiro, a noção de obra. Diz-se, com efeito (e estamos ainda
uma questão de abertura de um espaço onde o sujeito de escrita está em presença de uma tese muito familiar), que a função da crítica não é
sempre a desaparecer. detectar as relações da obra com o autor, nem reconstituir através dos
O segundo tema é ainda mais familiar; trata-se do parentesco da textos um pensamento ou uma experiência; ela deve, sim, analisar a
escrita com a morte. Esta ligação põe em causa um tema milenar; a nar- obra na sua estrutura, na sua arquitetura, na sua forma intrínseca e no
rativa ou a epopeia dos Gregos destinava-se a perpetuar a imortalidade do jogo das suas relações internas. Ora, é preciso levantar de imediato um
herói, e se o herói aceitava morrer jovem, era para que a sua vida, assim problema: “O que é uma obra? Em que consiste essa curiosa unidade que
consagrada e glorificada pela morte, passasse à imortalidade; a narrativa designamos por obra? Que elementos a compõem? Uma obra não é o que
salvava esta morte aceite. De modo distinto, a narrativa árabe – estou a escreveu aquele que se designa por autor?” Vemos surgir as dificuldades.
pensar nas Mil e uma noites – tinha também como motivação, como tema Se um indivíduo não fosse um autor, o que ele escreveu ou disse, o que
e pretexto, adiar a morte: contavam-se histórias até de madrugada para ele deixou nos seus papéis, o que dele se herdou, poderia chamar-se uma
afastar a morte, para evitar o momento em que o narrador se calaria. A obra? Se Sade não foi um autor, que eram então os seus papéis? Rolos
narrativa de Xerazade é o denodado reverter do assassínio, é o esforço de de papel sobre os quais, durante os dias de prisão, ele inscrevia os seus
todas as noites para manter a morte fora do círculo da existência. A nossa fantasmas até ao infinito.
cultura metamorfoseou este tema da narrativa ou da escrita destinadas a Mas suponhamos que nos ocupamos de um autor: será que tudo
conjurar a morte; a escrita está agora ligada ao sacrifício, ao sacrifício da o que ele escreveu ou disse, tudo o que ele deixou atrás de si, faz parte
própria vida; apagamento voluntário que não tem de ser representado nos da sua obra? É um problema simultaneamente teórico e técnico. Quando
livros, já que se cumpre na própria existência do escritor. A obra que tinha se empreende, por exemplo, a publicação das obras de Nietzsche, onde é
o dever de conferir a imortalidade passou a ter o direito de matar, de ser a que se deve parar? Será com certeza preciso publicar tudo, mas que quer
assassina do seu autor. Vejam-se os casos de Flaubert, Proust, Kafka. Mas dizer este tudo? Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, sem dúvida. Os
há ainda outra coisa: esta relação da escrita com a morte manifesta-se rascunhos das suas obras? Evidentemente. Os projetos de aforismos? Sim.
também no apagamento dos caracteres individuais do sujeito que escreve; As emendas, as notas de rodapé? Também. Mas quando, no interior de um

54 O que é um autor? O que é um autor? 55


caderno cheio de aforismos, se encontra uma referência, uma indicação de transcendentais o princípio religioso do sentido oculto (com a necessi-
um encontro ou de um endereço, um recibo de lavandaria: obra ou não? dade de interpretar) e o princípio crítico das significações implícitas, das
Mas por que não? E isto indefinidamente. Como definir uma obra entre os determinações silenciosas, dos conteúdos obscuros (com a necessidade
milhões de vestígios deixados por alguém depois da morte? A teoria da de comentar)? Enfim, pensar a escrita como ausência não será muito
obra não existe, e os que ingenuamente empreendem a edição de obras simplesmente repetir em termos transcendentais o princípio religioso da
completas sentem a falta dessa teoria e depressa o seu trabalho empírico tradição, simultaneamente inalterável e nunca preenchida, e o princípio
fica paralisado. E poderíamos continuar: As mil e uma noites constituem estético da sobrevivência da obra, da sua manutenção para além da morte
uma obra? E os Stromata de Clemente de Alexandria ou as Vidas de e do seu excesso enigmático relativamente ao autor?
Diógenes Laércio? Apercebemo-nos da crescente quantidade de questões Penso, portanto, que um tal uso da noção de escrita arrisca-se
que se põem a propósito da noção de obra. De tal forma que não basta a manter os privilégios do autor sob a salvaguarda do a priori: ela faz
afirmar: deixemos o escritor, deixemos o autor, e estudemos a obra em si subsistir, na luz cinzenta da neutralização, o jogo das representações que
mesma. A palavra “obra” e a unidade que ela designa são provavelmente configuraram uma certa imagem do autor. O desaparecimento do autor, que
tão problemáticas como a individualidade do autor. desde Mallarmé é um acontecimento incessante, encontra-se submetido
Creio haver outra noção que bloqueia a verificação do desapare- à clausura transcendental. Não haverá atualmente uma importante linha
cimento do autor e que de algum modo retém o pensamento no limiar de partilha entre os que creem poder ainda pensar as rupturas de hoje na
dessa supressão; com sutileza, ela preserva ainda a existência do autor. tradição histórico-transcendental do século XIX e os que se esforçam por
É a noção de escrita. Em rigor, ela deveria permitir não apenas que se se libertar definitivamente dessa tradição?
dispensasse a referência ao autor, mas também que se desse estatuto Mas não chega, evidentemente, repetir a afirmação oca de que o
à sua nova ausência. De acordo com o estatuto que se dá atualmente à autor desapareceu. Do mesmo modo, não basta repetir indefinidamente
noção da escrita, está fora de questão, com efeito, quer o gesto de escre- que Deus e o homem morreram de uma morte conjunta. Trata-se, sim, de
ver, quer qualquer marca (sintoma ou signo) do que alguém terá querido localizar o espaço deixado vazio pelo desaparecimento do autor, seguir de
dizer; esforçamo-nos por pensar com notória profundidade a condição de perto a repartição das lacunas e das fissuras e perscrutar os espaços, as
qualquer texto, simultaneamente a condição do espaço onde se dispersa funções livres que esse desaparecimento deixa a descoberto.
e do tempo em que se desenrola. Queria primeiro evocar em poucas palavras os problemas postos
Pergunto-me se, reduzida por vezes ao uso corrente, esta noção pelo uso do nome do autor. O que é um nome de autor? E como funciona?
não transpõe para um anonimato transcendental os caracteres empíricos Bem longe de vos dar uma solução, limitar-me-ei a indicar algumas das
do autor. Por vezes contentamo-nos em apagar as marcas demasiado vi- dificuldades que ele apresenta.
síveis do empirismo do autor, pondo em ação uma paralela à outra, uma O nome de autor é um nome próprio; põe os mesmos problemas
contra a outra, duas maneiras de o caracterizar: a modalidade crítica e a que todos os nomes próprios (refiro-me aqui, entre outras análises, às de
modalidade religiosa. Com efeito, atribuir à crítica um estatuto originário, Searle). Evidentemente, não é possível fazer do nome próprio uma referên-
não será uma maneira de retraduzir em termos transcendentais, por um cia pura e simples. O nome próprio (tal como o nome do autor) tem outras
lado, a afirmação teológica do seu caráter sagrado e, por outro lado, a funções que não apenas as indicadoras. É mais do que uma indicação, um
afirmação crítica do seu caráter criador? Admitir que a escrita está, em gesto, um dedo apontado para alguém; em certa medida, é o equivalente
certa medida pela própria história que ela tornou possível, submetida à a uma descrição. Quando dizemos “Aristóteles”, empregamos uma palavra
prova do esquecimento e da repressão, não será representar em termos que é o equivalente a uma só ou a uma série de descrições definidas, do

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gênero: “o autor dos Analíticos”, ou “o fundador da ontologia” etc. Mas não sobre o sentido e o funcionamento de uma proposição como “Bourbaki
podemos ficar-nos por aqui; um nome próprio não tem uma significação é este tal, ou aqueloutro etc.” e “Victor o Eremita, Clímaco, Anticlímaco,
pura e simples; quando se descobre que Rimbaud não escreveu La Chasse Frater Taciturnus, Constantin Constantius são Kierkegaard.”
Spirituelle, não se pode pretender que esse nome próprio ou esse nome Estas diferenças talvez se devam ao seguinte facto: um nome de
de autor tenha mudado de sentido. O nome próprio e o nome de autor autor não é simplesmente um elemento de um discurso (que pode ser
encontram-se situados entre os pólos da descrição e da designação; têm sujeito ou complemento, que pode ser substituído por um pronome etc.);
seguramente alguma ligação com o que nomeiam, mas nem totalmente à ele exerce relativamente aos discursos um certo papel: assegura uma
maneira da designação, nem totalmente à maneira da descrição: ligação função classificativa; um tal nome permite reagrupar um certo número
específica. No entanto – e daqui derivam as dificuldades particulares do de textos, delimitá-los, selecioná-los, opô-los a outros textos. Além disso,
nome de autor –, a ligação do nome próprio com o indivíduo nomeado o nome de autor faz com que os textos se relacionem entre si; Hermes
e a ligação do nome de autor com o que nomeia, não são isomórficas e Trimegisto não existia, Hipócrates também não – no sentido em que pode-
não funcionam da mesma maneira. Vejamos algumas dessas diferenças. ríamos dizer que Balzac existe –, mas o facto de vários textos terem sido
Se me aperceber, por exemplo, que Pierre Dupont não tem os olhos agrupados sob o mesmo nome indica que se estabeleceu entre eles uma
azuis, ou não nasceu em Paris, ou não é médico etc., mesmo assim Pierre relação seja de homogeneidade, de filiação, de mútua autentificação, de
Dupont continuará sempre a referir-se à mesma pessoa; a ligação de desig- explicação recíproca ou de utilização concomitante. Em suma, o nome de
nação não será por isso afetada. Pelo contrário, os problemas postos pelo autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um
nome de autor são muito mais complexos: se descubro que Shakespeare discurso, ter um nome de autor, o facto de se poder dizer “isto foi escrito
não nasceu na casa em que se visita hoje como tal, a modificação não vai por fulano” ou “tal indivíduo é o autor”, indica que esse discurso não é
alterar o funcionamento do nome de autor; mas se se demonstrasse que um discurso quotidiano, indiferente, um discurso flutuante e passageiro,
Shakespeare não escreveu os Sonetos que passam por seus, a mudança imediatamente consumível, mas que se trata de um discurso que deve ser
seria de outro tipo: já não deixaria indiferente o funcionamento do nome recebido de certa maneira e que deve, numa determinada cultura, receber
de autor. E se se provasse que Shakespeare escreveu o Organon de Bacon um certo estatuto.
muito simplesmente porque o mesmo autor teria escrito as obras de Bacon Chegaríamos finalmente à ideia de que o nome de autor não transi-
e as de Shakespeare, teríamos um terceiro tipo de mudança que alteraria ta, como o nome próprio, do interior de um discurso para o indivíduo real
inteiramente o funcionamento do nome de autor. O nome de autor não é, e exterior que o produziu, mas que, de algum modo, bordeja os textos,
portanto, um nome próprio exatamente como os outros. recortando-os, delimitando-os, tornando-lhes manifesto o seu modo de
Muitos outros dados assinalam a singularidade paradoxal do nome ser ou, pelo menos, caracterizando-lho. Ele manifesta a instauração de
de autor. Afirmar que Pierre Dupont não existe não é a mesma coisa que um certo conjunto de discursos e refere-se ao estatuto desses discursos
dizer que Homero ou Hermes Trimegisto não existiram; num caso, afirma-se no interior de uma sociedade e de uma cultura. O nome de autor não está
que ninguém tem o nome Pierre Dupont; noutro caso, que vários indivíduos situado no estado civil dos homens nem na ficção da obra, mas sim na
foram confundidos sob um mesmo nome ou que o autor verdadeiro não tem ruptura que instaura um certo grupo de discursos e o seu modo de ser
nenhum dos traços tradicionalmente atribuídos às personagens de Homero singular. Poderíamos dizer, por conseguinte, que, numa civilização como a
ou de Hermes. Também não é a mesma coisa afirmar que Pierre Dupont nossa, uma certa quantidade de discursos são providos da função “autor”,
não é o verdadeiro nome de X, mas sim Jacques Durand, tal como dizer ao passo que outros são dela desprovidos. Uma carta privada pode bem ter
que Stendhal se chamava Henri Beyle. Poderíamos também, interrogar-nos um signatário, mas não tem autor; um contrato pode bem ter um fiador,

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mas não um autor. Um texto anônimo que se lê numa parede da rua terá foram os mesmos textos a pedir uma atribuição. Houve um tempo em que
um redator, mas não um autor. A função autor é, assim, característica do textos que hoje chamaríamos “literários” (narrativas, contos, epopeias,
modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos tragédias, comédias) eram recebidos, postos em circulação e valorizados
no interior de uma sociedade. sem que se pusesse a questão da autoria; o seu anonimato não levantava
Será necessário analisar agora a função “autor”. Como é que se dificuldades, a sua antiguidade, verdadeira ou suposta, era uma garantia
caracteriza, na nossa cultura, um discurso portador da função autor? Em suficiente. Pelo contrário, os textos que hoje chamaríamos científicos,
que é que se opõe aos outros discursos? Creio que podemos, se conside- versando a cosmologia e o céu, a medicina e as doenças, as ciências na-
rarmos apenas o autor de um livro ou de um texto, reconhecer-lhe quatro turais ou a geografia, eram recebidos na Idade Média como portadores do
características diferentes. valor de verdade apenas na condição de serem assinalados com o nome
Antes de mais, trata-se de objetos de apropriação; a forma de pro- do autor. “Hipócrates disse”, “Plínio conta” não eram, em rigor, fórmulas
priedade de que relevam é de tipo bastante particular; está codificada desde de um argumento de autoridade; eram indícios que assinalavam os discur-
há anos. Importa realçar que esta propriedade foi historicamente segunda sos destinados a ser recebidos como provados. No século XVII ou no XVIII
em relação ao que poderíamos chamar a apropriação penal. Os textos, os produziu-se um quiasma; começou-se a receber os discursos científicos por
livros, os discursos começaram efetivamente a ter autores (outros que não si mesmos, no anonimato de uma verdade estabelecida ou constantemente
personagens míticas ou figuras sacralizadas e sacralizantes) na medida em demonstrável; é a sua pertença a um conjunto sistemático que lhes con-
que o autor se tornou passível de ser punido, isto é, na medida em que os fere garantias e não a referência ao indivíduo que os produziu. Apaga-se
discursos se tornaram transgressores. Na nossa cultura (e, sem dúvida, a função autor, o nome do inventor serve para pouco mais do que para
em muitas outras), o discurso não era, na sua origem, um produto, uma batizar um teorema, uma proposição, um efeito notável, uma propriedade,
coisa, um bem; era essencialmente um acto – um acto colocado no cam- um corpo, um conjunto de elementos, um síndroma patológico. Mas os
po bipolar do sagrado e do profano, do lícito e do ilícito, do religioso e do discursos “literários” já não podem ser recebidos se não forem dotados da
blasfemo. Historicamente, foi um gesto carregado de riscos antes de ser função autor: perguntar-se-á a qualquer texto de poesia ou de ficção de
um bem preso num circuito de propriedades. Assim que se instaurou um onde é que veio, quem o escreveu, em que data, em que circunstâncias
regime de propriedade para os textos, assim que se promulgaram regras ou a partir de que projeto. O sentido que lhe conferirmos, o estatuto ou o
estritas sobre os direitos de autor, sobre as relações autores-editores, sobre valor que lhe reconhecermos dependem da forma como respondermos a
os direitos de reprodução etc. – isto é, no final do século XVIII e no início estas questões. E se, na sequência de um acidente ou da vontade explícita
do século XIX –, foi nesse momento que a possibilidade de transgressão do autor, um texto nos chega anónimo, imediatamente se inicia o jogo de
própria do acto de escrever adquiriu progressivamente a aura de um im- encontrar o autor. O anonimato literário não nos é suportável; apenas o
perativo típico da literatura. Como se o autor, a partir do momento em que aceitamos a título de enigma. A função autor desempenha hoje um papel
foi integrado no sistema de propriedade que caracteriza a nossa sociedade, preponderante nas obras literárias (é claro que seria preciso matizar tudo
compensasse o estatuto de que passou a auferir com o retomar do velho isto: a crítica começou, desde há um certo tempo, a tratar as obras se-
campo bipolar do discurso, praticando sistematicamente a transgressão, gundo o seu género e o seu tipo, partindo dos seus elementos recorrentes,
restaurando o risco de uma escrita à qual, no entanto, fossem garantidos de acordo com as suas próprias variações decorrentes de uma invariável
os benefícios da propriedade. que deixou de ser o criador individual. Do mesmo modo, se na matemá-
Por outro lado, a função autor não se exerce de forma universal tica a referência ao autor pouco mais é do que uma maneira de nomear
e constante sobre todos os discursos. Na nossa civilização, nem sempre os teoremas ou conjuntos de proposições, em biologia e em medicina a

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indicação do autor e da data do trabalho têm um papel bastante diferente: obras (o autor é assim definido como um certo nível constante de valor);
não se trata simplesmente de indicar a fonte, mas de dar algum indício de do mesmo modo, se alguns textos estiverem em contradição de doutrina
“fiabilidade” relativamente às técnicas e aos objetos de experimentação com as outras obras de um autor (o autor é assim definido como um certo
utilizados num dado momento e num determinado laboratório). campo de coerência conceptual ou teórica); deve-se igualmente excluir as
Terceira característica desta função autor. Ela não se forma espon- obras que são escritas num estilo diferente, com palavras e maneiras que
taneamente como a atribuição de um discurso a um indivíduo. É antes o não se encontram habitualmente nas obras de um autor (trata-se aqui do
resultado de uma operação complexa que constrói um certo ser racional autor como unidade estilística); finalmente, devem ser considerados como
a que chamamos o autor. Provavelmente, tenta-se dar a este ser racional interpolados os textos que se referem a acontecimentos ou que citam
um estatuto realista: seria no indivíduo uma instância “profunda”, um personagens posteriores à morte do autor (aqui o autor é encarado como
poder “criador”, um “projeto”, o lugar originário da escrita. Mas, de facto, momento histórico definido e ponto de encontro de um certo número de
o que no indivíduo é designado como autor (ou o que faz do indivíduo um acontecimentos). Ora, a crítica literária moderna, mesmo quando não tem
autor) é apenas a projeção, em termos mais ou menos psicologizantes, a preocupação de autentificação (o que é a regra geral), não define o autor
do tratamento a que submetemos os textos, as aproximações que opera- de outra maneira: o autor é aquilo que permite explicar tanto a presença
mos, os traços que estabelecemos como pertinentes, as continuidades que de certos acontecimentos numa obra como as suas transformações, as suas
admitimos ou as exclusões que efetuamos. Todas estas operações variam deformações, as suas modificações diversas (e isto através da biografia
consoante as épocas e os tipos de discurso. Não se constrói um “autor do autor, da delimitação da sua perspectiva individual, da análise da sua
filosófico” como um “poeta”; e no século XVIII não se construía o autor de origem social ou da sua posição de classe, da revelação do seu projeto
uma obra romanesca como hoje. No entanto, podemos encontrar através fundamental). O autor é igualmente o princípio de uma certa unidade
dos tempos uma certa invariável nas regras de construção do autor. de escrita, pelo que todas as diferenças são reduzidas pelos princípios
Parece-me, por exemplo, que o modo como a crítica literária durante da evolução, da maturação ou da influência. O autor é ainda aquilo que
muito tempo definiu o autor – ou melhor, construiu a forma autor a partir permite ultrapassar as contradições que podem manifestar-se numa série
de textos e de discursos existentes –, deriva diretamente do modo como de textos: deve haver – a um certo nível do seu pensamento e do seu
a tradição cristã autenticou (ou, pelo contrário, rejeitou) os textos de que desejo, da sua consciência ou do seu inconsciente – um ponto a partir do
dispunha. Noutros termos, para “reencontrar” o autor na obra, a crítica qual as contradições se resolvem, os elementos incompatíveis encaixam
moderna utiliza esquemas muito próximos da exegese cristã quando esta finalmente uns nos outros ou se organizam em torno de uma contradição
queria provar o valor de um texto através da santidade do autor. Na obra fundamental ou originária. Em suma, o autor é uma espécie de foco de
De Viris Illustribus, São Jerónimo explica que a homonímia não chega para expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se manifesta da
identificar de forma legítima os autores de várias obras: indivíduos dife- mesma maneira, e com o mesmo valor, nas obras, nos rascunhos, nas
rentes podiam ter o mesmo nome, ou um deles poderia ter-se apoderado cartas, nos fragmentos etc. Os quatro critérios de autenticidade, segundo
abustivamente do patronímico do outro. Quando nos referimos à tradição São Jerónimo (critérios que parecem insuficientes aos exegetas de hoje),
textual, o nome não é suficiente como marca individual. Então como atri- definem as quatro modalidades segundo as quais a crítica moderna põe
buir vários discursos a um só e mesmo autor? Como pôr em ação a função em ação a função autor.
autor para saber se estamos perante um ou vários indivíduos? São Jerónimo Mas a função autor não é, com efeito, uma pura e simples recons-
apresenta quatro critérios: se entre vários livros atribuídos a um autor, trução que se faz em segunda mão a partir de um texto tido como um
houver um inferior aos restantes, deve-se então retirá-lo da lista das suas material inerte. O texto traz sempre consigo um certo número de signos

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que reenviam para o autor. Esses signos são muito conhecidos dos gra- função autor desempenha um papel de tal ordem que dá lugar à dispersão
máticos: são os pronomes pessoais, os advérbios de tempo e de lugar, a destes três “eus” simultâneos.
conjugação verbal. Mas importa notar que esses elementos não atuam da Provavelmente, a análise poderia ainda reconhecer outros traços
mesma maneira nos discursos providos da função autor e nos que dela são característicos da função autor. Limitar-me-ei hoje aos quatro que acabei
desprovidos. Nestes últimos, tais “embraiadores” reenviam para o locutor de evocar porque me parecem simultaneamente os mais visíveis e os mais
real e para as coordenadas espácio-temporais do seu discurso (ainda que importantes. Resumi-los-ei assim: a função autor está ligada ao sistema
se possam produzir algumas modificações: como por exemplo os discursos jurídico e institucional que encerra, determina, articula o universo dos
na primeira pessoa). Nos primeiros, pelo contrário, o seu papel é mais discursos; não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos
complexo e variável. Sabemos que num romance que se apresenta como os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização; não
uma narrativa de um narrador o pronome de primeira pessoa, o presente se define pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas
do indicativo, os signos de localização nunca reenviam exatamente para o através de uma série de operações específicas e complexas; não reenvia
escritor, nem para o momento em que ele escreve, nem para o gesto da sua pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo dar lugar a vários
escrita; mas para um “alter-ego” cuja distância relativamente ao escritor “eus” em, simultâneo, a várias posições-sujeitos que classes diferentes
pode ser maior ou menor e variar ao longo da própria obra. Seria tão falso de indivíduos podem ocupar.
procurar o autor no escritor real como no locutor fictício; a função autor *
efetua-se na própria cisão – nessa divisão e nessa distância. Dir-se-á talvez Mas apercebo-me que até ao momento limitei o meu tema de uma
que se trata somente de uma propriedade singular do discurso romanesco forma injustificável. Teria sido com certeza necessário falar do que é a fun-
ou poético: um jogo que respeita apenas a esses “quase discursos”. De ção autor na pintura, na música, nas técnicas etc. No entanto, atendo-nos
facto, todos os discursos que são providos da função autor comportam ao mundo dos discursos, como gostaria de o fazer esta tarde, creio ter dado
esta pluralidade de “eus”. O eu que fala no prefácio de um tratado de mesmo assim ao termo autor um sentido demasiado restrito. Limitei-me
matemática – e que indica as circunstâncias da sua composição – é dife- ao autor entendido como autor de um texto, de um livro ou de uma obra
rente, tanto na sua posição como no seu funcionamento, daquele que fala a quem se pode legitimamente atribuir a produção. Ora, é fácil de ver que
numa demonstração e que surge sob a forma de um “Eu concluo” ou “Eu na ordem do discurso se pode ser autor de mais do que um livro – de uma
suponho”: num caso, o “eu” reenvia para um indivíduo sem equivalente teoria, de uma tradição, de uma disciplina, no interior das quais outros
que, num lugar e num tempo determinados, fez um certo trabalho; no livros e outros autores vão poder, por sua vez, tomar lugar. Diria, numa
segundo caso, o “eu” designa um plano e um momento de demonstração palavra, que tais autores se encontram numa posição “transdiscursiva”.
que qualquer indivíduo pode ocupar, desde que tenha aceitado o mesmo Trata-se de um fenômeno constante, seguramente tão antigo quanto
sistema de símbolos, o mesmo jogo de axiomas, o mesmo conjunto de de- a nossa civilização. Homero ou Aristóteles, os autores da Patrística, desem-
monstrações prévias. Mas poderíamos ainda, no mesmo tratado, delimitar penharam esse papel; mas também os primeiros matemáticos e os que
um terceiro eu; aquele que fala do significado do trabalho, dos obstáculos estiveram na origem da tradição hipocrática. Afigura-se-me porém que,
encontrados, dos resultados obtidos, dos problemas que ainda se põem; ao longo do século XIX europeu, apareceram tipos de autor bastante sin-
este eu situa-se no campo dos discursos matemáticos já existentes ou a gulares, que não se podem confundir com os “grandes” autores literários,
existir. A função autor não é assegurada por um destes “eus” (o primeiro) nem com os autores de textos religiosos canónicos, nem com os funda-
à custa dos outros dois, que aliás não seriam então senão o seu desdo- dores de ciências. Chamemos-lhes então, de forma um pouco arbitrária,
bramento fictício. Importa dizer, pelo contrário, que em tais discursos a “fundadores de discursividade”.

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Estes autores têm isto de particular: não são apenas os autores das que Freud tornou possível um certo número de diferenças relativamente
suas obras, dos seus livros. Produziram alguma coisa mais: a possibilidade aos seus textos, aos seus conceitos, às suas hipóteses que relevam do
e a regra de formação de outros textos. Neste sentido, eles são muito di- próprio discurso psicanalítico.
ferentes, por exemplo, de um autor de romances, que nunca é, no fundo, Creio que nos surge de imediato uma dificuldade nova ou, pelo
senão o autor do seu próprio texto. Freud não é simplesmente o autor da menos, um novo problema: não é o caso, afinal de contas, de qualquer
Traumdeutung ou do Mot d’Esprit; Marx não é simplesmente o autor do fundador de ciência ou de qualquer autor que, numa dada ciência, intro-
Manifesto ou de O Capital: eles estabeleceram uma possibilidade indefinida duza uma transformação fecunda? De facto, Galileu não tornou apenas
de discursos. Evidentemente, é fácil fazer uma objeção. Não é verdade que possíveis todos os que, depois dele, vieram repetir as leis que ele tinha
o autor de um romance seja apenas o autor do seu próprio texto; num certo formulado, mas também possibilitou enunciados muito diferentes dos
sentido, também ele, desde que seja, como se diz, “importante”, orienta que ele mesmo havia produzido. Se Cuvier é o fundador da biologia ou
e comanda mais do que isso. Para dar um exemplo muito simples, pode Saussure o da linguística, não é por terem sido imitados, nem porque o
dizer-se que Ann Radcliffe não escreveu somente Le Château des Pyrénées conceito de organismo ou de signo foi depois, aqui ou ali, retomado, mas
e alguns outros romances, ela tornou possível os romances de terror do porque Cuvier tornou em certa medida possível uma teoria da evolução
começo do século XIX e, nessa medida, a sua função de autor excede a que era, termo a termo, oposta ao seu próprio fixismo e porque Saussure
sua própria obra. Mas creio que se pode responder a essa objeção assim: tornou possível uma gramática generativa que é muito diferente das suas
o que os instauradores da discursividade tornaram possível (tomo como análises estruturais. Portanto, numa primeira abordagem, a instauração
exemplo Marx e Freud, porque penso que são simultaneamente os primeiros de discursividade parece ser do mesmo tipo da fundação de qualquer
e os mais importantes) foi uma coisa completamente diferente daquilo que cientificidade. Porém, julgo haver, uma diferença, e uma diferença notória.
um autor de romance torna possível. Os textos de Ann Radcliffe abriram o É que no caso de uma cientificidade, o acto que a funda está no mesmo
campo a um certo número de semelhanças e analogias que têm por mo- plano com as suas transformações futuras; faz de algum modo, parte do
delo ou princípio a sua própria obra. Esta contém signos característicos, conjunto de modificações que ele torna possíveis. Esta pertença pode,
figuras, relações, estruturas que puderam ser reutilizadas por outros. Dizer claro, tomar várias formas. O acto de formação de uma cientificidade
que Ann Radcliffe fundou o romance de terror significa, afinal de contas, pode aparecer no decurso de transformações ulteriores dessa ciência, e
que no romance de terror do século XIX se encontrará, como na obra de não sendo todavia mais do que um caso particular num conjunto muito
Radcliffe, o tema da heroína que cai na armadilha da sua própria inocên- mais geral descoberto então. Pode aparecer também como que maculado
cia, a figura do castelo secreto que funciona como uma contra-cidade, a pela intuição e pela empiricidade; é preciso então formalizá-lo de novo e
personagem do herói negro, maldito, votado a fazer expiar ao mundo o fazê-lo objeto de um certo número de operações teóricas suplementares
mal que lhe fizeram etc. Em contrapartida, quando falo de Marx e Freud que o fundam mais rigorosamente etc. Finalmente, pode surgir como uma
como “instauradores de discursividade”, quero dizer que eles não só tor- generalização prematura, que é necessário limitar e de que importa traçar
naram possível um certo número de analogias como também tornaram o domínio restrito de validade. Por outras palavras, o acto de fundação de
possível (e de que maneira) um certo número de diferenças. Eles abriram uma cientificidade pode sempre ser reintroduzido no interior da maquinaria
o espaço para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao das transformações que dele derivam.
que eles fundaram. Dizer que Freud fundou a psicanálise não quer dizer Ora, creio que a instauração de uma discursividade é heterogê-
(não quer simplesmente dizer) que encontramos o conceito da libido ou nea em relação às suas transformações ulteriores. Continuar um tipo de
a técnica de análise dos sonhos em Abraham ou Mélanie Klein, quer dizer discursividade como a psicanálise tal como ela foi instaurada por Freud,

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não é conferir-lhe uma generalidade formal que ela não teria admitido no generalização, de aplicação ou de transformação que é para ele novo. E
início, mas antes abrir-lhe um certo número de possibilidades de aplicação. aí a história da matemática é rica em tais fenômenos (reenvio aqui para
Limitá-la é, na verdade, tentar isolar no acto instaurador um número even- o estudo que Michel Serres consagrou às anamneses matemáticas). Por
tualmente restrito de proposições ou de enunciados, somente aos quais “retorno a...” o que é que se entende? Creio que se pode assim designar
se reconhece valor fundador e relativamente aos quais tais conceitos ou um movimento que tem a sua própria especificidade e que caracteriza
tal teoria admitidos por Freud poderão ser considerados como derivados, justamente as instaurações de discursividade. Para que haja retorno, é
secundários, acessórios. Finalmente, na obra destes instauradores, não necessário, primeiro, que tenha havido esquecimento, não esquecimento
reconhecemos certas proposições como falsas; contentamo-nos, quando acidental, não uma recuperação devido a alguma incompreensão, mas
tentamos apreender o acto de instauração, em afastar os enunciados que esquecimento essencial e constitutivo. De facto, o acto de instauração
não seriam pertinentes, quer porque os consideramos como não essenciais, é de tal ordem, na sua própria essência, que não pode ser esquecido. O
quer porque os consideramos como “pré-históricos” e relevando de outro que o manifesta, o que dele deriva, é ao mesmo tempo o que estabelece
tipo de discursividade. Dito de outra maneira, diferentemente da fundação o afastamento e o que o inverte. É necessário que este esquecimento não
de uma ciência, a instauração da discursividade não faz parte das transfor- acidental seja investido em operações precisas, que se possam situar,
mações ulteriores e permanece necessariamente retraída ou em excesso. analisar e reduzir pelo próprio retorno ao acto instaurador. A fechadura do
A consequência é que definimos a validade teórica de uma proposição em esquecimento não foi acrescentada do exterior, ela faz parte da discursi-
função da obra dos seus instauradores – enquanto que no caso de Galileu vidade em questão, é esta que lhe dá a sua lei; a instauração discursiva
e de Newton é em relação àquilo que é, na sua estrutura e normatividade assim esquecida é simultaneamente a razão de ser da fechadura e a chave
intrínsecas, a física ou a cosmologia, que se pode afirmar a validade de que permite abri-la, de tal modo que o esquecimento e o obstáculo do
tal proposição avançada por eles. Para falar de forma mais esquemática: retorno só podem ser levantados pelo retorno. Além disso, esse retorno
a obra destes instauradores não se situa em relação à ciência e no espaço dirige-se ao que está presente no texto, mais precisamente, regressa-se
que ela desenha; mas é a ciência ou a discursividade que se relaciona com ao próprio texto, ao texto na sua nudez e, ao mesmo tempo, contudo,
a obra deles e a toma como uma primeira coordenada. regressa-se ao que está marcado em vazio, em ausência, em lacuna no
Compreende-se, por isso, que encontremos, como uma necessidade texto. Regressa-se a um certo vazio que o esquecimento tornou esquivo
inevitável em tais discursividades, a exigência de um “retorno às origens”. ou mascarou, que recobriu com uma falsa ou defeituosa plenitude, e o
Aqui ainda, é preciso distinguir esses “retornos a...” dos fenômenos de retorno deve redescobrir essa lacuna e essa falta; daí o jogo perpétuo que
“redescoberta” e de “reatualização” que se produzem frequentemente caracteriza os retornos à instauração discursiva. É um jogo que consiste
nas ciências. Entendo por “redescoberta” os efeitos de analogia ou de em dizer, por um lado: isto estava cá, era só preciso ler, está lá tudo, foi
isomorfismo que, a partir das formas atuais do saber, tornam perceptí- preciso os olhos estarem muito fechados e os ouvidos muito tapados para
vel uma figura que foi esboçada ou que simplesmente desapareceu. Por que se não visse ou ouvisse; e, inversamente: não, não está nada nesta
exemplo, Chomsky, no seu livro sobre a gramática cartesiana, redescobriu palavra, nem naquela, nenhuma das palavras visíveis e legíveis diz alguma
uma certa figura do saber que vai de Cordemoy a Humboldt: a bem dizer, coisa sobre o que está em questão, trata-se antes do que é dito, através
ela só é constituível a partir da gramática gerativa, por ser esta última das palavras, no seu espaçamento, na distância que as separa. Depreende-
que detém a sua lei de construção; na realidade, trata-se de uma codifi- se naturalmente que este retorno, que faz parte do próprio discurso e que
cação retrospectiva do olhar histórico. Por “reatualização” entendo uma incessantemente o modifica, não é um suplemento histórico que venha
coisa totalmente diferente: a reinserção de um discurso num domínio de acrescentar-se à própria discursividade, reduplicando-a com um ornamento

68 O que é um autor? O que é um autor? 69


afinal não essencial: é um trabalho efetivo e necessário de transformação em poucas palavras, para terminar, as razões pelas quais atribuo a isso
da própria discursividade. O reexame do texto de Galileu pode muito bem alguma importância.
mudar o conhecimento que temos da história da mecânica, mas nunca Semelhante análise, se fosse desenvolvida, talvez pudesse servir
mudar a própria mecânica. Em contrapartida, o reexame dos textos de de introdução a uma tipologia dos discursos. De facto, parece-me, pelo
Freud modifica a própria psicanálise, tal como sucede com o reexame dos menos numa primeira aproximação, que essa tipologia não poderia ser
textos de Marx relativamente ao Marxismo. Ora, para caracterizar tais feita somente a partir dos caracteres gramaticais do discurso, das suas
retornos, é preciso acrescentar um último atributo: eles fazem-se na direc- estruturas formais, ou mesmo dos seus objetos; sem dúvida que existem
ção de uma espécie de costura enigmática da obra e do autor. De facto, é propriedades ou relações propriamente discursivas (irredutíveis às regras
enquanto texto de um autor particular que um texto tem valor instaurador da gramática e da lógica, como às leis do objeto) e é a elas que importa
e é por isso, porque se trata do texto de um autor, que é preciso regressar dirigirmo-nos para distinguir as grandes categorias de discurso. A relação
de novo a ele. Não há qualquer hipótese de a redescoberta de um texto (ou a não relação) com um autor e as diferentes formas dessa relação cons-
desconhecido de Newton ou de Cantor vir a modificar a cosmologia clássica tituem – e de maneira assaz visível – uma dessas propriedades discursivas.
ou a teoria dos conjuntos, tal como foram desenvolvidas (em nada essa Creio, por outro lado, que se poderia encontrar aí uma introdução
exumação é susceptível de modificar o conhecimento histórico que temos à análise histórica dos discursos. Talvez seja tempo de estudar os discur-
da sua gênese). Pelo contrário trazer à luz do dia um texto como os Três sos não somente pelo seu valor expressivo ou pelas suas transformações
Ensaios de Freud – e na medida em que se trata de um texto de Freud – formais, mas nas modalidades da sua existência: os modos de circulação,
pode sempre modificar, não o conhecimento histórico da psicanálise, mas de valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam com
o seu campo teórico – ao deslocar-lhe a ênfase ou o centro de gravidade. cada cultura e modificam-se no interior de cada uma; a maneira como se
Através de tais retornos, que fazem parte da sua própria trama, os campos articulam sobre relações sociais decifra-se de forma mais direta, parece-
discursivos de que falo comportam, a propósito do seu autor “fundamental” me, no jogo da função autor e nas suas modificações do que nos temas
e mediato, uma relação que não é idêntica à relação que um texto qualquer ou nos conceitos que empregam.
mantém com o seu autor imediato. Não será igualmente a partir de análises deste tipo que se poderá
O que acabo de esboçar a propósito das “instaurações discursivas” reexaminar os privilégios do sujeito? Sei bem que no empreender da análise
é, bem entendido, muito esquemático. Em particular, a oposição que tentei interna e arquitetônica de uma obra (quer se trate de um texto literário, de
traçar entre uma tal instauração e a fundação científica. Nem sempre é um sistema filosófico ou de uma obra científica), pondo entre parênteses
fácil decidir se estamos perante uma ou outra: e nada prova que aí re- as referências biográficas ou psicológicas, já se pôs em questão o caráter
sidam dois procedimentos incompatíveis. Só intentei fazer esta distinção absoluto e o papel fundador do sujeito. Mas seria preciso talvez voltar a
com um único fim: mostrar que a função autor, complexa já quando se este suspens, não tanto para restaurar o tema de um sujeito originário,
procura delimitá-la ao nível de um livro ou de uma série de textos que mas para apreender os pontos de inserção, os modos de funcionamento
trazem uma assinatura definida, comporta ainda novas determinações e as dependências do sujeito. Trata-se de um regresso ao problema tra-
quando se procura analisá-la em conjuntos mais vastos, como grupos de dicional. Não mais pôr a questão: como é que a liberdade de um sujeito
obras ou disciplinas inteiras. se pode inserir na espessura das coisas e dar-lhe sentido, como é que ela
Lamento não ter podido trazer para o debate que vai agora seguir- pode animar, a partir do interior, as regras de uma linguagem e tornar
se nenhuma proposição positiva: quase nenhumas direcções para um desse modo claros os desígnios que lhe são próprios? Colocar antes as
possível trabalho ou vias de análise. Mas, pelo menos, devo dizer-vos, questões seguintes: como, segundo que condições e sob que formas, algo

70 O que é um autor? O que é um autor? 71


como um sujeito pode aparecer na ordem dos discursos? Que lugar pode pontos de convergências. As tomadas de posição política são também fruto
o sujeito ocupar em cada tipo de discurso, que funções pode exercer e de um autor, e poderíamos aproximá-las da sua filosofia.
obedecendo a que regras? Em suma, trata-se de retirar ao sujeito (ou ao Bem, fiquei absolutamente ciente, porque tenho a impressão que,
seu substituto) o papel de fundamento originário e de o analisar como uma numa espécie de prestidigitação extremamente brilhante, aquilo que Michel
função variável e complexa do discurso. Foucault retirou ao autor, isto é, a sua obra, reenviou-lho com interesse sob
O autor – ou o que tentei descrever como a função autor – é o nome de instaurador de discursividade, já que não somente lhe devolve
com certeza apenas uma das especificações possíveis da função sujeito. a sua obra, mas também a dos outros.
Especificação possível, ou necessária? Olhando para as modificações histó- Lucien Goldmann: Entre os teóricos marcantes de uma escola que
ricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor ocupa um lugar importante no pensamento contemporâneo e se caracteriza
permaneça constante na sua forma, na sua complexidade e mesmo na sua pela negação do homem em geral e, a partir daí, do sujeito sob todos os
existência. Podemos imaginar uma cultura em que os discursos circulassem seus aspectos, e portanto também do autor, Michel Foucault, que não for-
e fossem recebidos sem que a função autor jamais aparecesse. Todos os mulou explicitamente esta última negação mas sugeriu-a ao longo da sua
discursos, qualquer que fosse o seu estatuto, a sua forma, o seu valor, exposição, terminando na perspectiva da supressão do autor, é certamente
e qualquer que fosse o tratamento que se lhes desse, desenrolar-se-iam uma das figuras mais interessantes e mais difíceis de combater e de criticar.
no anonimato do murmúrio. Deixaríamos de ouvir as questões por tanto Porque, numa posição filosófica fundamentalmente anti-científica, Michel
tempo repetidas: “Quem é que falou realmente? Foi mesmo ele e não ou- Foucault alia um notável trabalho de historiador e parece-me altamente
tro? Com que autenticidade, ou com que originalidade? E o que é que ele provável que, graças a algumas análises, a sua obra marcará uma etapa
exprimiu do mais profundo de si mesmo no seu discurso?” E ainda outras, importante do desenvolvimento da história científica da ciência e mesmo
como as seguintes: “Quais são os modos de existência deste discurso? De da realidade social.
onde surgiu, como é que pode circular, quem é que se pode apropriar dele? É, pois, no plano do pensamento estritamente filosófico, e não no
Quais os lugares que nele estão reservados a sujeitos possíveis? Quem plano das suas análises concretas, que quero situar a minha intervenção.
pode preencher as diversas funções do sujeito?” E do outro lado pouco mais Permitam-me, porém, que, antes de abordar as três partes da ex-
se ouviria do que o rumor de uma indiferença: “Que importa quem fala.” posição de Michel Foucault, me refira à intervenção que acaba de ter lugar
Jean Wahl: Agradeço a Michel Foucault por tudo o que nos disse e para dizer que estou inteiramente de acordo sobre o facto de não ser Michel
que, com certeza, estimulará a discussão. Peço desde já a quem queira Foucault o autor, e certamente também não o instaurador, do que acaba
intervir para tomar a palavra. de nos dizer. Porque a negação do sujeito é hoje a ideia central de todo
Jean d’Ormesson: Na tese de Michel Foucault a única coisa que eu um grupo de pensadores ou, mais exatamente, de uma corrente filosófica.
não tinha compreendido bem, que toda a gente já acentuara, mesmo a E se, no interior dessa corrente, Foucault ocupa um lugar particularmen-
imprensa de grande divulgação, era o fim do homem. Desta vez, Michel te original e brilhante, é necessário, no entanto, integrá-lo naquilo que
Foucault agarrou-se ao elo mais fraco da cadeia; atacou, já não o homem, poderíamos chamar a escola francesa do estruturalismo não genético e
mas o autor. E eu compreendo o que é que nos acontecimentos culturais que engloba, nomeadamente, os nomes de Lévi-Strauss, Roland Barthes,
desde há cinquenta anos pode levá-lo a essas considerações: “a poesia deve Althusser, Derrida etc.
ser feita por todos”, “isso fala” etc. Poria um certo número de questões: Ao problema particularmente importante levantado por Michel
diria que, apesar de tudo, há autores em literatura e em filosofia. Poderiam Foucault, “Quem fala?”, penso ser necessário juntar um segundo: “O
dar-se muitos exemplos, em literatura e em filosofia, de autores que são que diz?”

72 O que é um autor? O que é um autor? 73


“Quem fala?”À luz das ciências humanas contemporâneas, a ideia ou mesmo impossível, definir a obra em relação a um sujeito individual.
do indivíduo como autor último de um texto e nomeadamente de um texto Como disse Foucault, se se trata de Nietzsche ou Kant, de Racine ou de
importante e significativo, torna-se cada vez menos sustentável. Desde há Pascal, onde é que termina o conceito de obra? Devemos circunscrevê-lo
alguns anos, toda uma série de análises concretas mostraram, com efeito, aos textos publicados? Devemos incluir todos os papéis não publicados,
que, sem negar nem o sujeito nem o homem, somos obrigados a substituir mesmo os recibos de lavandaria?
o sujeito individual por um sujeito colectivo ou trans-individual. Nos meus Se colocarmos o problema na perspectiva do estruturalismo gené-
próprios trabalhos, fui levado a mostrar que Racine não é o único e verda- tico, obtemos uma resposta que vale não só para as obras culturais, mas
deiro autor das tragédias racinianas, mas que estas nasceram no interior também para qualquer facto humano e histórico. O que é a Revolução
de um desenvolvimento de um todo estruturado de categorias mentais Francesa? Quais são os estádios fundamentais da história das sociedades
que era obra coletiva, o que me levou a encontrar como “autor” dessas e das culturas capitalistas ocidentais? A resposta levanta dificuldades aná-
tragédias, em última instância, a nobreza de toga, o grupo jansenista e, logas. Retomemos, no entanto, a obra: os seus limites, tal como os limites
no interior deste, Racine enquanto indivíduo particularmente importante. de qualquer facto humano, definem-se pelo facto de a obra constituir uma
Quando colocamos o problema “Quem fala?” há hoje nas ciências estrutura significativa fundada na existência de uma estrutura mental
humanas pelo menos duas respostas que, rigorosamente opostas uma coerente elaborada por um sujeito colectivo. A partir daí, pode acontecer
à outra, recusam a ideia tradicionalmente aceita do sujeito individual. A que sejamos obrigados a eliminar, para delimitar essa estrutura, alguns
primeira, a que chamarei estruturalismo não genético, nega o sujeito, que textos inéditos; enfim, é claro que se pode facilmente justificar a exclusão
substitui pelas estruturas (linguísticas, mentais, sociais etc.) e apenas deixa do recibo de lavandaria. Acrescentarei que, nesta perspectiva, o relacio-
aos homens e ao seu comportamento o lugar de um papel, de uma função namento da estrutura coerente com a sua funcionalidade relativamente
no interior de tais estruturas que constituem o ponto final da investigação a um sujeito trans-individual ou – para empregar uma linguagem menos
ou da explicação. abstrata – o relacionamento da interpretação com a explicação assume
Por seu lado, o estruturalismo genético recusa também, na dimen- uma importância particular.
são histórica e cultural de que faz parte, o sujeito individual; não suprime, Um só exemplo: no decurso das minhas pesquisas deparei com
contudo, da mesma maneira radical a ideia de sujeito, mas substitui-o pela o problema de saber em que medida Les Provinciales e Les Pensées de
ideia do sujeito trans-individual. Quanto às estruturas, longe de aparecerem Pascal podem ser consideradas como uma obra e, após uma análise atenta,
como realidades autónomas e mais ou menos últimas, nesta perspectiva cheguei à conclusão de que se trata de duas obras que têm dois autores
elas são apenas uma propriedade universal de toda a “práxis” e de toda diferentes. Por um lado, Pascal com o grupo Arnauld-Nicole e os jansenistas
a realidade humana. Não há factos humanos que não sejam estruturados moderados para Les Provinciales; por outro, Pascal com o grupo de jan-
nem estrutura que não seja significativa, isto é, que enquanto qualidade senistas extremistas para Les Pensées. Dois autores diferentes, que têm
do psiquismo e do comportamento de um sujeito, não preencha uma um sector parcial comum: o indivíduo Pascal e talvez outros jansenistas
função. Em suma, há três teses centrais nesta posição: há um sujeito; que seguiram a mesma evolução.
na dimensão histórica e cultural, este sujeito é sempre trans-individual; Um outro problema levantado por Michel Foucault na sua exposição
toda a atividade psíquica e todo o comportamento do sujeito são sempre é o da escrita. Julgo que vale mais dar um nome a esta discussão, porque
estruturados e significativos, isto é, funcionais. presumo que todos pensámos em Derrida e no seu sistema. Sabemos que
Acrescento ainda que também eu encontrei uma dificuldade le- Derrida tenta – aposta que me parece paradoxal – elaborar uma filosofia
vantada por Michel Foucault: a da definição de obra. De facto, é difícil, da escrita negando o sujeito. É tanto mais curioso quanto o seu conceito de

74 O que é um autor? O que é um autor? 75


escrita está, de resto, muito próximo do conceito dialético de praxis. Um positivismo e ao estruturalismo não genético contemporâneo, que lhes
exemplo entre outros: só poderei estar de acordo com ele quando nos diz são totalmente estranhos.
que a escrita deixa vestígios que acabam por apagar-se; é a propriedade Nesta perspectiva, queria terminar a minha intervenção mencionan-
de toda a praxis, quer se trate da construção de um templo que desaparece do a frase que se tornou célebre, escrita no mês de maio por um estudante
ao fim de vários milénios, da abertura de uma estrada, da modificação no quadro de uma sala da Sorbonne e que me parece exprimir o essencial
do seu trajeto ou, mais prosaicamente, do fabrico de salsichas, que são da crítica simultaneamente filosófica e científica ao estruturalismo não ge-
comidas logo a seguir. Mas penso, como Foucault, que é preciso perguntar nético: “As estruturas não descem à rua”, isto é, nunca são as estruturas
“Quem cria os vestígios? Quem escreve?”. que fazem a história, mas os homens, ainda que a ação destes últimos
Como não tenho nenhuma observação a fazer à segunda parte da tenha sempre um caráter estruturado e significativo.
exposição, com a qual estou no geral acordo, passo à terceira. M. Foucault – Vou tentar responder. A primeira coisa que direi é que
Parece-me que, aqui também, a maior parte dos problemas le- nunca empreguei, pela minha parte, a palavra estrutura. Se a procurarem
vantados encontra resposta na perspectiva do sujeito trans-individual. em Les Mots et les Choses, não a encontrarão. Então, gostaria que todas
Debruço-me sobre um só: Foucault fez uma justa distinção entre os que as facilidades sobre o estruturalismo não me fossem imputadas ou que as
chama os “instauradores” e os criadores de uma nova metodologia cien- justificassem devidamente. Mais: não disse que o autor não existia; não
tífica. O problema existe, mas, em lugar de lhe atribuir o caráter relati- disse e admiro-me que o meu discurso se tivesse prestado a semelhante
vamente complexo e obscuro que tomou na exposição, não poderemos contra-senso. Mas retomemos um pouco tudo isso.
encontrar o fundamento epistemológico na distinção, corrente no pen- Falei de uma certa temática que se pode delimitar, nas obras como
samento dialético moderno, nomeadamente na escola lukacsiana, entre na crítica, e que é, se quiserem, a seguinte: o autor deve apagar-se ou ser
as ciências da natureza, relativamente autónomas enquanto estruturas apagado em proveito das formas próprias aos discursos. Entendido isto,
científicas, e as ciências humanas, que não poderiam ser positivas sem ser a questão que me coloquei foi esta: o que é que esta regra do desapa-
filosóficas (as primeiras, fundadas pela interação do sujeito e do objeto, recimento do escritor ou do autor permite descobrir? Permite descobrir o
as segundas sobre a sua identidade total ou parcial)? Não é certamente jogo da função autor. E o que procurei analisar foi precisamente a maneira
por acaso que Foucault opôs Marx, Freud e, em certa medida, Durkheim como se exercia a função autor, no contexto da cultura europeia depois
a Galileu e aos criadores da física mecanicista. As ciências do homem – do século XVII. É certo que o fiz muito ligeiramente e de uma forma que
explicitamente no que se refere a Marx e Freud, implicitamente no que pretendo abstrata, porque se tratava de uma colocação de conjunto. Definir
se refere a Durkheim – supõem a estreita união entre as constatações e a maneira como se exerce essa função, em que condições, em que domínio
as valorizações, o conhecimento e a tomada de posição, a teoria e a pra- etc., não quer dizer, convenhamos, que o autor não existe.
xis, sem que para isso seja abandonado o rigor teórico. Como Foucault, O mesmo se diga para a negação do homem de que falou Goldmann:
penso também que frequentemente, e sobretudo hoje, a reflexão sobre a morte do homem é um tema que permite esclarecer a maneira como
Marx, Freud e mesmo Durkheim se apresenta sob a forma de um retorno o conceito de homem funcionou no domínio do saber. E se se fosse mais
às fontes, porque se trata de um retorno a um pensamento filosófico, longe que a leitura, evidentemente austera, das primeiras ou das últimas
contra as tendências positivistas que pretendem encaixar as ciências do páginas do que escrevi, perceber-se-ia que essa afirmação reenvia para a
homem no modelo das ciências da natureza. Seria ainda preciso distinguir análise de um funcionamento. Não se trata de afirmar que o homem está
o que é um autêntico retorno do que é na realidade, sob a forma de um morto (ou que vai desaparecer, ou que será substituído pelo super-homem),
pretenso retorno às fontes, uma tentativa de assimilar Marx e Freud ao trata-se, a partir desse tema, que não é meu e que não cessou de ser

76 O que é um autor? O que é um autor? 77


repetido desde o final do século XIX, de ver de que maneira segundo que que possibilitam a um indivíduo cumprir a função de sujeito. Seria ainda
regras se formou e funcionou o conceito de homem. Fiz a mesma coisa necessário precisar em que domínio o sujeito é sujeito, e de quê (do dis-
para a noção de autor. Contenhamos, pois, as lágrimas. curso, do desejo, do processo económico etc.). Não existe sujeito absoluto.
Outra observação. Foi dito que eu perfilhava o ponto de vista da J. Ullmo: A sua exposição interessou-me profundamente, porque
não-cientificidade. É certo que não pretendo ter feito aqui obra científica, reanimou um problema muito importante para a investigação científica
mas gostaria de conhecer de que instância vem essa acusação. actual. A investigação científica, e em particular a investigação matemática,
Maurice de Gandillac – Ao ouvi-lo perguntei-me que critério preci- são casos limite nos quais um certo número de conceitos, evidenciados pela
so o leva a distinguir os “instauradores de discursividade”, não somente sua exposição, aparecem de forma muito nítida. Com efeito, tornou-se um
dos “profetas” de caráter mais religioso, mas também dos promotores de problema muito angustiante para as vocações científicas que se desenham
“cientificidade”, nos quais não será incongruente incluir Marx e Freud. E, se por volta dos vinte anos encontrarem-se perante o problema posto por si
admitirmos uma categoria original, situada de algum modo para além da inicialmente: “Que importa quem fala?” Antigamente, uma vocação cien-
cientificidade e do profetismo (relevando, no entanto, de ambos), admiro- tífica implicava a vontade de falar de si próprio, de trazer respostas para
me de aí não encontrar nem Platão, nem sobretudo Nietzsche, que já nos os problemas fundamentais da natureza ou do pensamento matemático;
tinha apresentado em Royaumont, se a memória não me falha, como o que justificava as vocações, justificava, digamos, a abnegação e o sa-
tendo exercido sobre o nosso tempo uma influência do mesmo tipo da que crifício. Nos nossos dias, este problema é muito mais delicado, porque a
exerceram Marx e Freud. ciência se tornou muito mais anónima; e, com efeito, “Que importa quem
M. Foucault: Responder-lhe-ei – mas apenas a título de hipótese fala”, o que não foi descoberto por X em Junho de 1969, será descoberto
de trabalho, porque, uma vez mais, aquilo que vos apresentei não era, por Y em outubro de 1969. Então, sacrificar a vida a esta ligeira antecipa-
infelizmente, mais do que um plano de trabalho, uma delimitação de cam- ção, que ficará anónima, é um problema extremamente grave para quem
po – que a situação transdiscursiva em que se encontravam autores como possui a vocação e para quem deve ajudá-lo. Creio que estes exemplos
Platão e Aristóteles, desde a época em que escreveram até a Renascença, de vocações científicas vão esclarecer um pouco a sua resposta, aliás no
deve poder ser analisada; a maneira como foram citados, como foram sentido que indicou. Vou pegar no exemplo de Bourbaki; poderia escolher
referidos e interpretados ou como foi restaurada a autenticidade dos seus Keynes, mas Bourbaki constitui um exemplo limite: é um indivíduo múltiplo;
textos,etc., tudo isso obedece certamente a um sistema de funcionamento. o nome do autor parece desvanecer-se em proveito de uma coletividade, e
Creio que, com Marx e Freud, estamos em presença de autores cuja posição de uma coletividade renovável, porque Bourbaki não é sempre o mesmo.
transdiscursiva não se pode sobrepor à posição transdiscursiva de auto- No entanto, existe um autor Bourbaki e este autor Bourbaki manifesta-se
res como Platão ou Aristóteles. E seria necessário descrever o que é esta através das discussões extremamente violentas, diria mesmo patéticas,
transdiscursividade moderna, em oposição à transdiscursividade antiga. entre os participantes de Bourbaki: antes de publicar um dos seus fas-
L. Goldmann: Só mais uma questão: quando admite a existência cículos – esses fascículos que parecem tão objetivos, tão desprovidos
do homem ou do sujeito, está ou não a reduzi-los ao estatuto de função? de paixão, álgebra linear ou teoria dos conjuntos, na verdade são frutos
M. Foucault: Eu não disse que reduzia o autor a uma função, mas que de noites inteiras de discussão acesa para atingir um acordo sobre um
analisava a função no interior da qual qualquer coisa como um autor podia pensamento fundamental, sobre uma interiorização. E aqui reside o único
existir. Não fiz aqui a análise do sujeito, fiz a análise do autor. Se tivesse ponto em que estou em profundo desacordo consigo, porque, no início,
feito uma conferência sobre o sujeito, é provável que tivesse analisado da eliminou a interioridade. Penso que só há autor quando existe interiorida-
mesma forma a função sujeito, isto é, tivesse feito a análise das condições de. Este exemplo de Bourbaki, que não é nada um autor no sentido banal

78 O que é um autor? O que é um autor? 79


do termo, demonstra-o de forma absoluta. Dito isto, julgo que restabeleci
um sujeito pensante, talvez de natureza original, mas muito claro para os
que têm o hábito da reflexão científica. Aliás, um artigo muito interessante
de Michel Serre na revista Critique, “A tradição da ideia”, evidenciava isto
mesmo. Na matemática, não é a axiomática que conta, não é a combi-
natória, não é o que Michel Foucault chamaria o tecido discursivo, o que
conta é o pensamento interno, é a percepção de um sujeito capaz de
sentir, de integrar, de possuir esse pensamento interno. Se tivesse tem-
po, o exemplo de Keynes seria ainda mais pertinente do ponto de vista
económico. Vou simplesmente concluir: penso que os seus conceitos, os
seus instrumentos de pensamento são excelentes. Respondeu, na quarta
parte, às questões que me tinha colocado nas três primeiras. Onde é que
se encontra o que especifica um autor? Bem, o que especifica um autor é
justamente a capacidade de alterar, de reorientar o campo epistemológico
ou o tecido discursivo, como formulou. De facto, só existe autor quando
se sai do anonimato, porque se reorientam os campos epistemológicos,
porque se cria um novo campo discursivo que modifica, que transforma
radicalemente o precedente. O caso mais gritante é o de Einstein: é um
exemplo absolutamente pertinente a este propósito. Fico feliz por ver que
Bouligand me aprova, estamos inteiramente de acordo neste particular. Por
conseguinte, com estes dois critérios, ou seja, a necessidade de interiorizar
uma axiomática e o autor enquanto renovador do campo epistemológico,
creio que se restitui um sujeito muito forte, se ouso dizê-lo. O que, aliás,
creio não estar ausente do seu pensamento.

Texto extraído da edição portuguesa de 1992, que leva o título da conferência e inclui dois outros ensaios
de Michel Foucault: “A vida dos homens infames” e “A escrita de si”. (N.E.)

Trata-se do registo de uma comunicação apresentada por Foucault à Société Française de Philosophie,
na tarde de 22 de Fevereiro de 1969, à qual se seguiu um debate – encimando o texto original, vem a
indicação: “A sessão começou às 16h 45m no Collège de France, sala nº 6, sob a presidência de Jean
Wahl”; contrariamente a versões em outras línguas, que não incluem o debate, a presente tradução
portuguesa reproduz integralmente o original. “Qu’est-ce qu’un auteur?”. Bulletin de la Société Française
de Philosophie, Paris, 63e année, n. 3, juillet-septembre 1969, p. 73-95 (suivi d’une discussion: p. 96-104).

80 O que é um autor?
O que é um autor?

Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa

“O que é um autor?”, Bulletin de la Société Française de Philosophie, 63º ano, n. 3, julho-setembro


de 1969, p. 73-104. (Société Française de Philosophie, 22 de fevereiro de 1969; debate com Maurice de
Gandillac, Lucien Goldmann, Jacques Lacan, Jean d’Ormesson, Jean Ullmo, Jean Wahl.)
Em 1970, na Universidade de Búfalo, Michel Foucault dá uma versão modificada dessa conferência,
publicada em 1979 nos Estados Unidos.1 As passagens entre colchetes não figuravam no texto lido por M.
Foucault em Búfalo. As modificações que ele tinha feito estão assinaladas por uma nota. Michel Foucault
autorizou indiferentemente a re-edição de uma ou da outra versão, a do Bulletin de la Société Française
de Philosophie na revista de psicanálise Littoral (n. 9, junho de 1983), e aquela do Textual Strategies no
The Foucault Reader (Ed. P. Rabinow, New York, Pantheon Books, 1984).

O Sr. Michel Foucault, professor do Centro Universitário Experimental


de Vincennes, propunha-se a desenvolver diante dos membros da Sociedade
Francesa de Filosofia os seguintes argumentos:
“Que importa quem fala?” Nessa indiferença se afirma o princípio
ético, talvez o mais fundamental, da escrita contemporânea. O apagamento
do autor tornou-se desde então, para a crítica, um tema cotidiano. Mas o
essencial não é constatar uma vez mais seu desaparecimento; é preciso
descobrir, como lugar vazio – ao mesmo tempo indiferente e obrigatório –,
os locais onde sua função é exercida.
1º) O nome do autor. Impossibilidade de tratá-lo como uma descri-
ção definida; mas impossibilidade igualmente de tratá-lo como um nome
próprio comum.
2º) A relação de apropriação. O autor não é exatamente nem o pro-
prietário nem o responsável por seus textos; não é nem o produtor nem
Estética: Literatura o inventor deles. Qual é a natureza do speech act que permite dizer que
e Pintura, Música
há obra?
e Cinema.
Editora Forense
Universitária, 2009. 1
What is an author? (“Qu’est-ce qu’un auteur?”)
3º) A relação de atribuição. O autor é, sem dúvida, aquele a quem no momento do seu nascimento, não somente com seu apadrinhamento,
se pode atribuir o que foi dito ou escrito. Mas a atribuição – mesmo quan- mas com suas sugestões.
do se trata de um autor conhecido – é o resultado de operações críticas E eu gostaria de fazer a vocês um outro pedido, o de não me levar
complexas e raramente justificadas. As incertezas do opus. a mal se, dentro em pouco, ao escutar vocês me fazerem perguntas, sinta
4º) A posição do autor. Posição do autor no livro (uso dos desen- eu ainda, e sobretudo aqui, a ausência de uma voz que me tem sido até
cadeadores; funções dos prefácios; simulacros do copista, do narrador, agora indispensável; vocês hão de compreender que nesse momento é
do confidente, do memorialista). Posição do autor nos diferentes tipos de ainda meu primeiro mestre que procurarei invencivelmente ouvir. Afinal,
discurso (no discurso filosófico, por exemplo). Posição do autor em um foi a ele que eu havia inicialmente falado do meu projeto inicial de traba-
campo discursivo (o que é o fundador de uma disciplina?, o que pode sig- lho; com toda certeza, seria imprescindível para mim que ele assistisse
nificar o “retorno a...” como momento decisivo na transformação de um a esse esboço e que me ajudasse uma vez mais em minhas incertezas.
campo discursivo?). Mas, afinal, já que a ausência ocupa lugar primordial no discurso, aceitem,
por favor, que seja a ele, em primeiro lugar, que eu me dirija essa noite.3
Relatório da sessão Quanto ao tema que propus, “O que é um autor?”, é preciso evi-
A sessão é aberta às 16:45hs no Collège de France, sala nº 6, presidida dentemente justificá-lo um pouco para vocês.
por Jean Wahl. Se escolhi tratar essa questão talvez um pouco estranha é porque ini-
Jean Wahl: Temos o prazer de ter hoje entre nós Michel Foucault. cialmente gostaria de fazer uma certa crítica sobre o que antes me ocorreu
Estávamos um pouco impacientes por causa de sua vinda, um pouco in- escrever. E voltar a um certo número de imprudências que acabei come-
quietos com seu atraso, mas ele está aqui. Eu não o apresento a vocês, tendo. Em As palavras e as coisas, eu tentara analisar as massas verbais,
é o “verdadeiro” Michel Foucault, o de As palavras e as coisas, o da tese espécies de planos discursivos, que não estavam bem acentuadas pelas uni-
sobre a loucura. Eu lhe passo imediatamente a palavra. dades habituais do livro, da obra e do autor. Eu falava em geral da “história
Michel Foucault: Creio – sem estar aliás muito seguro sobre isso natural”, ou da “análise das riquezas”, ou da “economia política”, mas não
– que é a tradição trazer a essa Sociedade de Filosofia o resultado de absolutamente de obras ou de escritores. Entretanto, ao longo desse texto,
trabalhos já concluídos, para submetê-los ao exame e à crítica de vocês.2 utilizei ingenuamente, ou seja, de forma selvagem, nomes de autores. Falei
Infelizmente, o que lhes trago hoje é muito pouco, eu receio, para mere- de Buffon, de Cuvier, de Ricardo etc., e deixei esses nomes funcionarem em
cer sua atenção: é um projeto que eu gostaria de submeter a vocês, uma uma ambiguidade bastante embaraçosa. Embora4 dois tipos de objeções
tentativa de análise cujas linhas gerais apenas entrevejo; mas pareceu- pudessem ser legitimamente formuladas, e o foram de fato. De um lado,
me que, esforçando-me para traçá-las diante de vocês, pedindo-lhes para disseram-me: você não descreve Buffon convenientemente, e o que você
julgá-las e retificá-las, eu estava, como “um bom neurótico”, à procura de disse sobre Marx é ridiculamente insuficiente em relação ao pensamento
um duplo benefício: inicialmente de submeter os resultados de um traba- de Marx. Essas objeções estavam evidentemente fundamentadas, mas não
lho que ainda não existe ao rigor de suas objeções, e o de beneficiá-lo, 3
Percebe-se, aqui, a opção adotada para traduzir a palavra soir. Em francês, essa palavra corresponde
ao período do fim do dia ao começo da noite. No entanto, considerando que no início do texto está
2
O pronome vous, no idioma francês, é usado em situações de formalidade, para interlocutores indicado que a palestra se iniciou às 16:45 hs, essa opção pode provocar a sensação de incoerência
desconhecidos ou com os quais não se tem intimidade. Na presente tradução, contudo, optou-se para quem lê. (N.E.).
pela forma vocês, que coincidiria com o tu francês, para referência à plateia presente na conferência, 4
A expressão original si bien que é um falso cognato. Embora facilmente confundível com algo como
marcando assim a situação de oralidade a que o texto se destina. Se, de um lado, esta opção confere se bem que, como ocorre na tradução portuguesa deste texto de Foucault, de Antônio Fernando
maior naturalidade ao texto, visto ser esta a forma corrente no português brasileiro, de outro, afasta-se Cascais e Eduardo Cordeiro, ela tem sentido adversativo. Embora e não obstante parecem ser soluções
do tom original de solenidade com que Foucault dirige-se a seus interlocutores. (N.E). adequadas para o português. (N.E).

84 O que é um autor? O que é um autor? 85


considero que elas fossem inteiramente pertinentes em relação ao que eu sobrepostas em relação à primeira unidade, sólida e fundamental, que é
fazia; pois o problema para mim não era descrever Buffon ou Marx, nem a do autor e da obra.
reproduzir o que eles disseram ou quiseram dizer: eu buscava simplesmente Deixarei de lado, pelo menos na conferência desta noite, a análise
encontrar as regras através das quais eles formaram um certo número histórico-sociológica do personagem do autor. Como o autor se individu-
de conceitos ou de contextos teóricos que se podem encontrar em seus alizou em uma cultura como a nossa, que estatuto lhe foi dado, a partir
textos. Fizeram também uma outra objeção: você forma, disseram-me, de que momento, por exemplo, pôs-se a fazer pesquisas de autenticida-
famílias monstruosas, aproxima nomes tão manifestamente opostos como de e de atribuição, em que sistema de valorização o autor foi acolhido,
os de Buffon e de Lineu, coloca Cuvier ao lado de Darwin, e isso contra o em que momento começou-se a contar a vida não mais dos heróis, mas
jogo mais evidente dos parentescos e das semelhanças naturais. Também dos autores, como se instaurou essa categoria fundamental da crítica “o
aí, eu diria que a objeção não me parece convir, pois jamais procurei fazer homem-e-a obra”, tudo isso certamente mereceria ser analisado. Gostaria
um quadro genealógico das individualidades espirituais, não quis constituir no momento de examinar unicamente a relação do texto com o autor, a
um daguerreótipo intelectual do cientista ou do naturalista dos séculos
5
maneira com que o texto aponta para essa figura que lhe é exterior e
XVII e XVIII; não quis formar nenhuma família, nem santa nem perversa, anterior, pelo menos aparentemente.
busquei simplesmente – o que era muito mais modesto – as condições de A formulação do tema pelo qual gostaria de começar, eu a tomei
funcionamento de práticas discursivas específicas. emprestado de Beckett: “Que importa quem fala, alguém disse que im-
Então, vocês me perguntarão, por que ter utilizado, em As palavras porta quem fala.” Nessa indiferença, acredito que é preciso reconhecer
e as coisas, nomes de autores? Era preciso ou não utilizar nenhum, ou um dos princípios éticos fundamentais da escrita contemporânea. Digo
então definir a maneira com que vocês se servem deles. Essa objeção é, “ético”, porque essa indiferença não é tanto um traço caracterizando a
acredito, perfeitamente justificada: tentei avaliar suas implicações e con- maneira como se fala ou como se escreve; ela é antes uma espécie de
sequências em um texto que logo vai ser lançado; nele tento dar estatuto regra imanente, retomada incessantemente, jamais efetivamente aplicada,
a grandes unidades discursivas, como aquelas que chamamos de história um princípio que não marca a escrita como resultado, mas a domina como
natural ou economia política; eu me perguntei com que métodos, com que prática. Essa regra é bastante conhecida para que seja necessário analisá-
instrumentos se pode localizá-las, escandi-las, analisá-las e descrevê-las. la longamente; basta aqui especificá-la através de dois de seus grandes
Eis a primeira parte de um trabalho começado há alguns anos, e que agora temas. Pode-se dizer, inicialmente, que a escrita de hoje se libertou do
está concluído. tema da expressão: ela se basta a si mesma, e, por consequência, não
Mas uma outra questão se coloca: a do autor – e é sobre essa que está obrigada à forma da interioridade; ela se identifica com sua própria
gostaria agora de conversar com vocês. Essa noção de autor constitui o exterioridade desdobrada. O que quer dizer que ela é um jogo de signos
momento crucial da individualização na história das ideias, dos conheci- comandado menos por seu conteúdo significado do que pela própria natu-
mentos, das literaturas, e também na história da filosofia, e das ciências. reza do significante; e também que essa regularidade da escrita é sempre
Mesmo hoje, quando se faz a história de um conceito, de um gênero experimentada no sentido de seus limites; ela está sempre em vias de
literário ou de um tipo de filosofia, acredito que não se deixa de consi- transgredir e de inverter a regularidade que ela aceita e com a qual se
derar tais unidades como escansões relativamente fracas, secundárias e movimenta; a escrita se desenrola como um jogo que vai infalivelmente
além de suas regras, e passa assim para fora. Na escrita, não se trata
5
Na expressão original savant, que se refere ao indivíduo culto e letrado, ou o erudito. Na tradução
da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever; não se trata da
portuguesa, diferentemente da brasileira, optou-se por sábio, que remete mais ao status do homem
que reúne conhecimentos do âmbito da moral ou mesmo aqueles ligados à sabedoria popular. (N.E.).

86 O que é um autor? O que é um autor? 87


amarração de um sujeito em uma linguagem; trata-se da abertura de um substituir o privilégio do autor o bloqueiam, de fato, e escamoteiam o que
espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer. 6
deveria ser destacado. Tomarei simplesmente duas dessas noções que são
O segundo tema é ainda mais familiar; é o parentesco da escrita hoje, acredito, singularmente importantes.
com a morte. Esse laço subverte um tema milenar; a narrativa, ou a epo- Inicialmente, a noção de obra. É dito, de fato (e é também uma
peia dos gregos, era destinada a perpetuar a imortalidade do herói, e se tese bastante familiar), que o próprio da crítica não é destacar as rela-
o herói aceitava morrer jovem, era porque sua vida, assim consagrada e ções da obra com o autor, nem querer reconstituir através dos textos um
magnificada pela morte, passava à imortalidade; a narrativa recuperava pensamento ou uma experiência; ela deve antes analisar a obra em sua
essa morte aceita. De uma outra maneira, a narrativa árabe – eu penso estrutura, em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e no jogo de suas
em As mil e uma noites – também tinha, como motivação, tema e pre- relações internas. Ora, é preciso imediatamente colocar um problema: “O
texto, não morrer: falava-se, narrava-se até o amanhecer para afastar a que é uma obra? O que é pois essa curiosa unidade que se designa com
morte, para adiar o prazo desse desenlace que deveria fechar a boca do o nome obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo
narrador. A narrativa de Shehrazade é o avesso encarniçado do assassínio, que é escrito por aquele que é um autor?” Vemos as dificuldades surgirem.
é o esforço de todas as noites para conseguir manter a morte fora do ciclo Se um indivíduo não fosse um autor, será que se poderia dizer que o que
da existência. Esse tema da narrativa ou da escrita feitos para exorcizar a ele escreveu, ou disse, o que ele deixou em seus papéis, o que se pode
morte, nossa cultura o metamorfoseou; a escrita está atualmente ligada relatar de suas exposições, poderia ser chamado de “obra”? Enquanto Sade
ao sacrifício, ao próprio sacrifício da vida; apagamento voluntário que não era um autor, o que eram então esses papéis? Esses rolos de papel
não é para ser representado nos livros, pois ele é consumado na própria sobre os quais, sem parar, durante seus dias de prisão, ele desencadeava
existência do escritor. A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade seus fantasmas.
recebeu agora o direito de matar, de ser assassina do seu autor. Vejam Mas suponhamos que se trate de um autor: será que tudo o que
Flaubert, Proust, Kafka. Mas há outra coisa: essa relação da escrita com ele escreveu ou disse, tudo o que ele deixou atrás de si faz parte de sua
a morte também se manifesta no desaparecimento das características obra? Problema ao mesmo tempo teórico e técnico. Quando se pretende
individuais do sujeito que escreve; através de todas as chicanas que ele publicar, por exemplo, as obras de Nietzsche, onde é preciso parar? É
estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que escreve despista preciso publicar tudo, certamente, mas o que quer dizer esse “tudo”?
todos os signos de sua individualidade particular; a marca do escritor não Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, certamente. Os rascunhos de
é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o suas obras? Evidentemente. Os projetos dos aforismos? Sim. Da mesma
papel do morto no jogo da escrita. Tudo isso é conhecido; faz bastante forma as rasuras, as notas nas cadernetas? Sim. Mas quando, no interior
tempo que a crítica e a filosofia constataram esse desaparecimento ou de uma caderneta repleta de aforismos, encontra-se uma referência, a
morte do autor. indicação de um encontro ou de um endereço, uma nota de lavanderia:
Não estou certo, entretanto, de que se tenham absorvido rigorosa- obra, ou não? Mas, por que não? E isso infinitamente. Dentre os milhões
mente todas as consequências inerentes a essa constatação, nem que se de traços deixados por alguém após sua morte, como se pode definir uma
tenha avaliado com exatidão a medida do acontecimento. Mais precisamen- obra? A teoria da obra não existe, e àqueles que, ingenuamente, tentam
te, parece-me que um certo número de noções que hoje são destinadas a editar obras falta uma tal teoria e seu trabalho empírico se vê muito rapi-
damente paralisado. E se poderia continuar: será que se pode dizer que
6
A expressão no francês ne cesse de disparaître encontraria, da mesma forma que na tradução brasilera,
em está sempre desaparecendo ou a desaparecer uma solução mais satisfatória, como verificado na
tradução portuguesa. (N.E.).

88 O que é um autor? O que é um autor? 89


As mil e uma noites constituem uma obra? E os Stromates,7 de Clément princípio estético da sobrevivência da obra, de sua manutenção além da
d’Alexandrie, ou as Vidas, de Diogène Laёrce? Percebe-se que abundância
8
morte, e do seu excesso enigmático em relação ao autor?
de questões se coloca a propósito dessa noção de obra. De tal maneira Penso então que tal uso da noção de escrita arrisca manter os
que é insuficiente afirmar: deixemos o escritor, deixemos o autor e vamos privilégios do autor sob a salvaguarda do a priori: ele faz subsistir, na luz
estudar, em si mesma, a obra. A palavra “obra” e a unidade que ela designa obscura da neutralização, o jogo das representações que formaram uma
são provavelmente tão problemáticas quanto a individualidade do autor. certa imagem do autor. A desaparição do autor, que após Mallarmé é um
Uma outra noção, acredito, bloqueia a certeza da desaparição do acontecimento que não cessa, encontra-se submetida ao bloqueio trans-
autor e retém como que o pensamento no limite dessa anulação; com cendental. Não existe atualmente uma linha divisória importante entre os
sutileza, ela ainda preserva a existência do autor. É a noção de escrita. A que acreditam poder ainda pensar as rupturas atuais na tradição histórico-
rigor, ela deveria permitir não somente dispensar a referência ao autor, transcendental do século XIX e os que se esforçam para se libertar dela
mas dar estatuto à sua nova ausência. No estatuto que se dá atualmente definitivamente?
à noção de escrita, não se trata, de fato, nem do gesto de escrever nem *
da marca (sintoma ou signo) do que alguém teria querido dizer; esforça-se Mas não basta, evidentemente, repetir como afirmação vazia que
com uma notável profundidade para pensar a condição geral de qualquer o autor desapareceu. Igualmente, não basta repetir perpetuamente que
texto, a condição ao mesmo tempo do espaço em que ele se dispersa e Deus e o homem estão mortos de uma morte conjunta. O que seria preciso
do tempo em que ele se desenvolve. fazer é localizar o espaço assim deixado vago pela desaparição do autor,
Eu me pergunto se, reduzida às vezes a um uso habitual, essa no- seguir atentamente a repartição das lacunas e das falhas e espreitar os
ção não transporta, em um anonimato transcendental, as características locais, as funções livres que essa desaparição faz aparecer.
empíricas do autor. Ocorre que se contenta em apagar as marcas dema- Gostaria, inicialmente, de evocar em poucas palavras os problemas
siadamente visíveis do empirismo do autor utilizando, uma paralelamente suscitados pelo uso do nome do autor. O que é o nome do autor? E como
à outra, uma contra a outra, duas maneiras de caracterizá-la: a modali- ele funciona? Longe de dar a vocês uma solução, indicarei somente algumas
dade crítica e a modalidade religiosa. Dar, de fato, à escrita um estatuto das dificuldades que ele apresenta.
originário não seria uma maneira de, por um lado, traduzir novamente em O nome do autor é um nome próprio; ele apresenta os mesmos pro-
termos transcendentais a afirmação teológica do seu caráter sagrado e, blemas que ele. (Refiro-me aqui, entre diferentes análises, às de Searle).9
por outro, a afirmação crítica do seu caráter criador? Admitir que a escrita Não é possível fazer do nome próprio, evidentemente, uma referência
está de qualquer maneira, pela própria história que ela tornou possível, pura e simples. O nome próprio (e, da mesma forma, o nome do autor)
submetida à prova do esquecimento e da repressão, isso não seria repre- tem outras funções além das indicativas. Ele é mais do que uma indica-
sentar em termos transcendentais o princípio religioso do sentido oculto ção, um gesto, um dedo apontado para alguém; em uma certa medida, é
(com a necessidade de interpretar) e o princípio crítico das significações o equivalente a uma descrição. Quando se diz “Aristóteles”, emprega-se
implícitas, das determinações silenciosas, dos conteúdos obscuros (com uma palavra que é equivalente a uma descrição ou a uma série de des-
a necessidade de comentar)? Enfim, pensar a escrita como ausência não crições definidas, do gênero de: “o autor das Analíticas”10 ou: “o fundador
seria muito simplesmente repetir em termos transcendentais o princípio da ontologia” etc. Mas não se pode ficar nisso; um nome próprio não tem
religioso da tradição simultaneamente inalterável e jamais realizada, e o pura e simplesmente uma significação; quando se descobre que Rimbaud
7
D’ALEXANDRIE. Les Stromates; Stromate I; Stromate II; Stromate V. 9
SEARLE. Speech Acts. An Essay in the Philosophy of Language.
8
LAËRCE. De vita et moribus philosophorum. 10
ARISTOTE. Les premiers analytiques; Les seconds analytiques.

90 O que é um autor? O que é um autor? 91


não escreveu La chasse spirituelle, não se pode pretender que esse nome personagem de Homero ou de Hermes. Não é de forma alguma a mesma
próprio ou esse nome do autor tenha mudado de sentido. O nome próprio coisa dizer que Pierre Dupont não é o verdadeiro nome de X, mas sim
e o nome do autor estão situados entre esses dois pólos da descrição e Jacques Durand, e dizer que Stendhal se chamava Henri Beyle. Seria assim
da designação; eles têm seguramente uma certa ligação com o que eles possível se interrogar sobre o sentido e o funcionamento de uma proposição
nomeiam, mas não inteiramente sob a forma de designação, nem intei- como “Bourbaki é tal, tal etc.” e “Victor Eremita, Climacus, Anticlimacus,
ramente sob a forma de descrição: ligação específica. Entretanto – e é aí Frater Taciturnus, Constantin Constantius são Kierkegaard”.
que aparecem as dificuldades particulares do nome do autor –, a ligação do Essas diferenças talvez se relacionem com o seguinte fato: um nome
nome próprio com o indivíduo nomeado e a ligação do nome do autor com de autor não é simplesmente um elemento em um discurso (que pode ser
o que ele nomeia não são isomorfas nem funcionam da mesma maneira. sujeito ou complemento, que pode ser substituído por um pronome etc.);
Eis algumas dessas diferenças. ele exerce um certo papel em relação ao discurso: assegura uma função
Se eu me apercebo,11 por exemplo, de que Pierre Dupont não tem classificatória; tal nome permite reagrupar um certo número de textos,
olhos azuis, ou não nasceu em Paris, ou não é médico etc., não é menos delimitá-los, deles excluir alguns, opô-los a outros. Por outro lado, ele
verdade que esse nome, Pierre Dupont, continuará sempre a se referir à relaciona os textos entre si; Hermes Trismegisto não existia, Hipócrates,
mesma pessoa; a ligação de designação não será modificada da mesma tampouco – no sentido em que se poderia dizer que Balzac existe –, mas
maneira. Em compensação, os problemas colocados pelo nome do autor o fato de que vários textos tenham sido colocados sob um mesmo nome
são bem mais complexos: se descubro que Shakespeare não nasceu na indica que se estabelecia entre eles uma relação de homogeneidade ou de
casa que hoje se visita, eis uma modificação que, evidentemente, não filiação, ou de autenticação de uns pelos outros, ou de explicação recípro-
vai alterar o funcionamento do nome do autor. E se ficasse provado que ca, ou de utilização concomitante. Enfim, o nome do autor funciona para
Shakespeare não escreveu os Sonnets que são tidos como dele, eis uma caracterizar um certo modo de ser do discurso: para um discurso, o fato
mudança de um outro tipo: ela não deixa de atingir o funcionamento do de haver um nome de autor, o fato de que se possa dizer “isso foi escrito
nome do autor. E se ficasse provado que Shakespeare escreveu o Organon12 por tal pessoa”, ou “tal pessoa é o autor disso”, indica que esse discurso
de Bacon simplesmente porque o mesmo autor escreveu as obras de Bacon não é uma palavra cotidiana, indiferente, uma palavra que se afasta, que
e as de Shakespeare, eis um terceiro tipo de mudança que modifica intei- flutua e passa, uma palavra imediatamente consumível, mas que se trata
ramente o funcionamento do nome do autor. O nome do autor não é, pois, de uma palavra que deve ser recebida de uma certa maneira e que deve,
exatamente um nome próprio como os outros. em uma dada cultura, receber um certo status.
Muitos outros fatos assinalam a singularidade paradoxal do nome Chegar-se-ia finalmente à ideia de que o nome do autor não passa,
do autor. Não é absolutamente a mesma coisa dizer que Pierre Dupont como o nome próprio, do interior de um discurso ao indivíduo real e exte-
não existe e dizer que Homero ou Hermes Trismegisto não existiram; em rior que o produziu, mas que ele corre, de qualquer maneira, aos limites
um caso, quer-se dizer que ninguém tem o nome de Pierre Dupont; no dos textos, que ele os recorta, segue suas arestas, manifesta o modo de
outro, que vários foram confundidos com um único nome ou que o autor ser ou, pelo menos, que ele o caracteriza. Ele manifesta a ocorrência de
verdadeiro não possui nenhum dos traços atribuídos tradicionalmente ao um certo conjunto de discurso, e refere-se ao status desse discurso no
interior de uma sociedade e de uma cultura. O nome do autor não está
11
Esta forma parece destoar do tom geral de naturalidade da presente tradução. Perceber, em lugar
da forma aperceber, é marcadamente mais usual no português brasileiro. Si je m’aperçois encontraria localizado no estado civil dos homens, não está localizado na ficção da
tal naturalidade, por exemplo, em se me dou conta, curiosamente, a solução adotada na tradução
obra, mas na ruptura que instaura um certo grupo de discursos e seu
portuguesa. (N.E.).
12
BACON. Novum organum scientiarum. modo singular de ser. Consequentemente, poder-se-ia dizer que há, em

92 O que é um autor? O que é um autor? 93


uma civilização como a nossa, um certo número de discursos que são pro-
imperativo próprio da literatura. Como se o autor, a partir do momento em
vidos da função “autor”, enquanto outros são dela desprovidos. Uma carta
que foi colocado no sistema de propriedade que caracteriza nossa socie-
particular pode ter um signatário, ela não tem autor. Um contrato pode ter
dade, compensasse o status que ele recebia, reencontrando assim o velho
um fiador, ele não tem autor. Um texto anônimo que se lê na rua em uma
campo bipolar do discurso, praticando sistematicamente a transgressão,
parede terá um redator, não terá um autor. A função autor é, portanto,
restaurando o perigo de uma escrita na qual, por outro lado, garantir-se-
característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de
iam os benefícios da propriedade.
certos discursos no interior de uma sociedade.
Por outro lado, a função autor não é exercida de uma maneira uni-
*
versal e constante em todos os discursos. Em nossa civilização, não são
Seria preciso agora analisar essa função “autor”. Em nossa cultura, sempre os mesmos textos que exigiram receber uma atribuição. Houve
como se caracteriza um discurso portador da função autor? Em que ele um tempo em que esses textos que hoje chamaríamos de “literários” (nar-
se opõe aos outros discursos? Acredito que se podem, considerando-se rativas, contos, epopeias, tragédias, comédias) eram aceitos, postos em
somente o autor de um livro ou de um texto, reconhecer nele quatro ca- circulação, valorizados sem que fosse colocada a questão do seu autor;
racterísticas diferentes. o anonimato não constituía dificuldade, sua antiguidade, verdadeira ou
Elas são, inicialmente, objetos de apropriação; a forma de pro- suposta, era para eles garantia suficiente. Em compensação, os textos que
priedade da qual elas decorrem é de um tipo bastante particular; ela foi chamaríamos atualmente de científicos, relacionando-se com a cosmologia
codificada há um certo número de anos. 13
É preciso observar que essa e o céu, a medicina e as doenças, as ciências naturais ou a geografia, não
propriedade foi historicamente secundária, em relação ao que se poderia eram aceitos na Idade Média e só mantinham um valor de verdade com
chamar de apropriação penal. Os textos, os livros, os discursos começaram a condição de serem marcados pelo nome do seu autor. “Hipócrates dis-
a ter realmente autores (diferentes dos personagens míticos, diferentes se”, “Plínio conta” não eram precisamente as fórmulas de um argumento
das grandes figuras sacralizadas e sacralizantes) na medida em que o de autoridade; eram os índices com que estavam marcados os discursos
autor podia ser punido, ou seja, na medida em que os discursos podiam destinados a serem aceitos como provados. Um quiasmo produziu-se no
ser transgressores. O discurso, em nossa cultura (e, sem dúvida, em mui- século XVII, ou no XVIII; começou-se a aceitar os discursos científicos
tas outras), não era originalmente um produto, uma coisa, um bem; era por eles mesmos, no anonimato de uma verdade estabelecida ou sempre
essencialmente um ato – um ato que estava colocado no campo bipolar demonstrável novamente; é sua vinculação a um conjunto sistemático
do sagrado e do profano, do lícito e do ilícito, do religioso e do blasfemo. que lhes dá garantia, e de forma alguma a referência ao indivíduo que
Ele foi historicamente um gesto carregado de riscos antes de ser um bem os produziu. A função autor se apaga, o nome do inventor servindo no
extraído de um circuito de propriedades. E quando se instaurou um regime máximo para batizar um teorema, uma proposição, um efeito notável,
de propriedade para os textos, quando se editoram regras estritas sobre uma propriedade, um corpo, um conjunto de elementos, uma síndrome
os direitos de reprodução etc. – ou seja, no fim do século XVIII e no início patológica. Mas os discursos “literários” não podem mais ser aceitos senão
do século XIX –, é nesse momento em que a possibilidade de transgressão quando providos da função autor: a qualquer texto de poesia ou de ficção
que pertencia ao ato de escrever adquiriu cada vez mais o aspecto de um se perguntará de onde ele vem, quem o escreveu, em que data, em que
circunstâncias ou a partir de que projeto. O sentido que lhe é dado, o sta-
13
No original: un certain nombre d’années maintenant. “Há um certo número de anos” é, claramente,
o que chamaríamos de uma tradução literal. Esta construção sugere uma passagem indeterminada de tus ou o valor que nele se reconhece dependem da maneira com que se
tempo, que poderia ser expressa por há já alguns anos, situando o enunciado no presente em que o
responde a essas questões. E se, em consequência de um acidente ou de
locutor constata a passagem do tempo, além de, por estar mais próximo da oralidade, proporcionar
maior fluidez à leitura. (N. E.). uma vontade explícita do autor, ele chega a nós no anonimato, a operação é

94 O que é um autor? O que é um autor? 95


imediatamente buscar o autor. O anonimato literário não é suportável para cristã, quando ela queria provar o valor de um texto pela santidade do
nós; só o aceitamos na qualidade de enigma. A função autor hoje em dia autor. Em De viris illustribus,14 São Jerônimo explica que a homonímia não
atua fortemente nas obras literárias. (Certamente, seria preciso amenizar basta para identificar legitimamente os autores de várias obras: indivídu-
tudo isso: a crítica começou, há algum tempo, a tratar as obras segundo os diferentes puderam usar o mesmo nome, ou um pôde, abusivamente,
seu gênero e sua espécie, conforme os elementos recorrentes que nelas tomar emprestado o patronímico do outro. O nome como marca individual
figuram, segundo suas próprias variações em torno de uma constante que não é suficiente quando se refere à tradição textual. Como, pois, atribuir
não é mais o criador individual. Além disso, se a referência ao autor não vários discursos a um único e mesmo autor? Como fazer atuar a função
passa, na matemática, de uma maneira de nomear teoremas ou conjuntos autor para saber se se trata de um ou de vários indivíduos? São Jerônimo
de proposições, na biologia e na medicina, a indicação do autor e da data fornece quatro critérios: se, entre vários livros atribuídos a um autor, um
do seu trabalho desempenha um papel bastante diferente: não é simples- é inferior aos outros, é preciso retirá-lo da lista de suas obras (o autor é
mente uma maneira de indicar a origem, mas de conferir um certo índice então definido como um certo nível constante de valor); além disso, se
de “credibilidade” relativamente às técnicas e aos objetos de experiência certos textos estão em contradição de doutrina com as outras obras de
utilizados em tal época e em tal laboratório). um autor (o autor é então definido como um certo campo de coerência
Terceira característica dessa função autor. Ela não se forma espon- conceitual ou teórica); é preciso igualmente excluir as obras que estão
taneamente como a atribuição de um discurso a um indivíduo. É o resul- escritas em um estilo diferente, com palavras e formas de expressão não
tado de uma operação complexa que constrói um certo ser de razão que encontradas usualmente sob a pena do escritor (é o autor como unidade
se chama de autor. Sem dúvida, a esse ser de razão, tenta-se dar um estilística); devem, enfim, ser considerados como interpolados os textos
status realista: seria, no indivíduo, uma instância “profunda”, um poder que se referem a acontecimentos ou que citam personagens posteriores
“criador”, um “projeto”, o lugar originário da escrita. Mas, na verdade, à morte do autor (o autor é então momento histórico definido e ponto de
o que no indivíduo é designado como autor (ou o que faz de um indiví- encontro de um certo número de acontecimentos). Ora, a crítica literária
duo um autor) é apenas a projeção, em termos sempre mais ou menos moderna, mesmo quando ela não se preocupa com a autenticação (o que é
psicologizantes, do tratamento que se dá aos textos, das aproximações regra geral), não define o autor de outra maneira: o autor é o que permite
que se operam, dos traços que se estabelecem, como pertinentes, das explicar tão bem a presença de certos acontecimentos em uma obra como
continuidades que se admitem ou das exclusões que se praticam. Todas suas transformações, suas deformações, suas diversas modificações (e
essas operações variam de acordo com as épocas e os tipos de discurso. isso pela biografia do autor, a localização de sua perspectiva individual, a
Não se constrói um “autor filosófico” como um “poeta”; e não se cons- análise de sua situação social ou de sua posição de classe, a revelação do
truía o autor de uma obra romanesca no século XVIII como atualmente. seu projeto fundamental). O autor é, igualmente, o princípio de uma certa
Entretanto, pode-se encontrar através do tempo um certo invariante nas unidade de escrita – todas as diferenças devendo ser reduzidas ao menos
regras de construção do autor. pelos princípios da evolução, da maturação ou da influência. O autor é ainda
Parece-me, por exemplo, que a maneira com que a crítica literária, o que permite superar as contradições que podem se desencadear em uma
por muito tempo, definiu o autor –, ou, antes, construiu a forma autor a série de textos: ali deve haver – em um certo nível do seu pensamento
partir dos textos e dos discursos existentes – é diretamente derivada da ou do seu desejo, de sua consciência ou do seu inconsciente – um ponto
maneira com que a tradição cristã autentificou (ou, ao contrário, rejeitou) a partir do qual as contradições se resolvem, os elementos incompatíveis
os textos de que dispunha. Em outros termos, para “encontrar” o autor na
obra, a crítica moderna utiliza esquemas bastante próximos da exegese 14
SÃO JERÔNIMO. Des viris illustribus.

96 O que é um autor? O que é um autor? 97


se encadeando finalmente uns nos outros ou se organizando em torno de circunstâncias de composição – não é idêntico nem em sua posição nem
uma contradição fundamental ou originária. O autor, enfim, é um certo em seu funcionamento àquele que fala no curso de uma demonstração e
foco de expressão que, sob formas mais ou menos acabadas, manifesta-se que aparece sob a forma de um “Eu concluo” ou “Eu suponho”: em um
da mesma maneira, e com o mesmo valor, em obras, rascunhos, cartas, caso, o “eu” remete a um indivíduo sem equivalente que, em um lugar
fragmentos etc. Os quatro critérios de autenticidade segundo São Jerônimo e em um tempo determinados, concluiu um certo trabalho; no segundo,
(critérios que parecem bastante insuficientes aos atuais exegetas) defi- o “eu” designa um plano e um momento de demonstração que qualquer
nem as quatro modalidades segundo as quais a crítica moderna faz atuar indivíduo pode ocupar, desde que ele tenha aceito o mesmo sistema de
a função autor. símbolos, o mesmo jogo de axiomas, o mesmo conjunto de demonstrações
Mas a função autor não é, na verdade, uma pura e simples recons- preliminares. Mas se poderia também, no mesmo tratado, observar um
trução que se faz de segunda mão a partir de um texto dado com um terceiro ego; aquele que fala para dizer o sentido do trabalho, os obstáculos
material inerte. O texto sempre contém em si mesmo um certo número de encontrados, os resultados obtidos, os problemas que ainda se colocam;
signos que remetem ao autor. Esses signos são bastante conhecidos dos esse ego se situa no campo dos discursos matemáticos já existentes ou
gramáticos: são os pronomes pessoais, os advérbios de tempo e de lugar, ainda por vir. A função autor não está assegurada por um desses egos
a conjugação dos verbos. Mas é preciso enfatizar que esses elementos (o primeiro) às custas dos dois outros, que não seriam mais do que o
não atuam da mesma maneira nos discursos providos da função autor e desdobramento fictício deles. É preciso dizer, pelo contrário, que, em tais
naqueles que dela são desprovidos. Nesses últimos, tais “mecanismos”15 discursos, a função autor atua de tal forma que dá lugar à dispersão desses
remetem ao locutor real e às coordenadas espaço-temporais do seu dis- três egos simultâneos.
curso (embora certas modificações possam se produzir: quando se relatam Sem dúvida, a análise poderia reconhecer ainda outros traços
discursos na primeira pessoa). Nos primeiros, em compensação, seu papel característicos da função autor. Mas me deterei hoje nos quatro que
é mais complexo e mais variável. É sabido que, em um romance que se acabo de evocar, porque eles parecem ao mesmo tempo os mais visíveis
apresenta como o relato de um narrador, o pronome da primeira pessoa, o e importantes. Eu os resumirei assim: a função autor está ligada ao sis-
presente do indicativo, os signos da localização jamais remetem imediata- tema jurídico e institucional que contém, determina, articula o universo
mente ao escritor, nem ao momento em que ele escreve, nem ao próprio dos discursos; ela não se exerce uniformemente e da mesma maneira
gesto de sua escrita; mas a um alter ego cuja distância em relação ao sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas formas de civi-
escritor pode ser maior ou menor e variar ao longo mesmo da obra. Seria lização; ela não é definida pela atribuição espontânea de um discurso ao
igualmente falso buscar o autor tanto do lado do escritor real quanto do seu produtor, mas por uma série de operações específicas e complexas;
lado do locutor fictício; a função autor é efetuada na própria cisão – nessa ela não remete pura e simplesmente a um indivíduo real, ela pode dar
divisão e nessa distância. Será possível dizer, talvez, que ali está somente lugar simultaneamente a vários egos, a várias posições-sujeitos que clas-
uma propriedade singular do discurso romanesco ou poético: um jogo do ses diferentes de indivíduos podem vir a ocupar.
qual só participam esses “quase-discursos”. Na verdade, todos os discursos *
que possuem a função autor comportam essa pluralidade de ego. O ego Mas me dou conta de que até o presente limitei meu tema de uma
que fala no prefácio de um tratado de matemática – e que indica suas maneira injustificável. Certamente, seria preciso falar do que é a função
autor na pintura, na música, nas técnicas etc. Entretanto, mesmo supondo
15
No original: embrayeurs, conceito da linguística cuja função é ligar a mensagem propriamente dita à realidade
que se mantenha, como eu gostaria de fazer essa noite, no mundo dos
designada por ela; exercida, por exemplo, dos pronomes demonstrativos. Na presente tradução, optou-se pela forma
mecanismos, que não especifica o conceito. (N. E.). discursos, acredito ter dado ao termo autor um sentido demasiadamente

98 O que é um autor? O que é um autor? 99


restrito. Eu me limitei ao autor considerado como autor de um texto, de um o que esses instauradores de discursividade tornam possível (tomo como
livro ou de uma obra ao qual se pode legitimamente atribuir a produção. exemplo Marx e Freud, pois acredito que eles são ao mesmo tempo os pri-
Ora, é fácil ver que, na ordem do discurso, pode-se ser o autor de bem meiros e os mais importantes), o que eles tornam possível é absolutamente
mais que um livro – de uma teoria, de uma tradição, de uma disciplina diferente do que o que torna possível um autor de romance. Os textos
dentro das quais outros livros e outros autores poderão, por sua vez, se de Ann Radcliffe abriram o campo a um certo número de semelhanças
colocar. Eu diria, finalmente, que esses autores se encontram em uma e analogias que têm seu modelo ou princípio em sua própria obra. Esta
posição “transdiscursiva”. contém signos característicos, figuras, relações, estruturas, que puderam
É um fenômeno constante – certamente tão antigo quanto nossa ser reutilizados por outros. Dizer que Ann Radcliffe fundou o romance de
civilização. Homero e Aristóteles, os Pais da Igreja, desempenharam esse terror quer dizer, enfim: no romance de terror do século XIX, encontrar-
papel; mas também os primeiros matemáticos e aqueles que estiveram se-á, como em Ann Radcliffe, o tema da heroína presa na armadilha de
na origem da tradição hipocrática. Mas parece-me que se viu aparecer, sua própria inocência, a figura do castelo secreto que funciona como uma
durante o século XIX, na Europa, tipos de autores bastante singulares e que “contra-cidade”, o personagem do herói negro, maldito, destinado a fazer
não poderiam ser confundidos com os “grandes” autores literários, nem o mundo expiar o mal que lhe fizeram etc. Em compensação, quando falo
com os autores de textos religiosos canônicos, nem com os fundadores de Marx ou de Freud como “instauradores de discursividade”, quero dizer
das ciências. Vamos chamá-los, de uma maneira um pouco arbitrária, de que eles não tornaram apenas possível um certo número de analogias, eles
“fundadores de discursividade”. tornaram possível (e tanto quanto) um certo número de diferenças. Abriram
Esses autores têm de particular o fato de que eles não são somente o espaço para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao
os autores de suas obras, de seus livros. Eles produziram alguma coisa que eles fundaram. Dizer que Freud fundou a psicanálise não quer dizer
a mais: a possibilidade e a regra de formação de outros textos. Nesse (isso não quer simplesmente dizer) que se possa encontrar o conceito da
sentido, eles são bastante diferentes, por exemplo, de um autor de ro- libido, ou a técnica de análise dos sonhos em Abraham ou Melanie Klein, é
mances que, no fundo, é sempre o autor de seu próprio texto. Freud não dizer que Freud tornou possível um certo número de diferenças em relação
é simplesmente o autor da Traumdeutung ou de O chiste; 16
Marx não é aos seus textos, aos seus conceitos, às suas hipóteses, que dizem todas
simplesmente o autor do Manifesto ou de O Capital:17 eles estabeleceram respeito ao próprio discurso psicanalítico.
uma possibilidade infinita de discursos. É fácil, evidentemente, fazer uma Surge imediatamente, acredito, uma nova dificuldade, ou, pelo
objeção. Não é verdade que um autor de um romance seja apenas o autor menos, um novo problema: não será o caso, afinal de contas, de todo
de seu próprio texto; em um certo sentido, também ele, na medida em fundador de ciência, ou de todo autor que, em uma ciência, introduziu uma
que ele é, como se diz, um pouco “importante”, rege e comanda mais do transformação que se pode chamar de fecunda? Afinal, Galileu não tornou
que isso. Para usar um exemplo muito simples, pode-se dizer que Ann simplesmente possíveis aqueles que repetiram depois dele as leis que ele
Radcliffe não somente escreveu As visões do castelo dos Pirineus18 e um havia formulado, mas tornou possíveis enunciados bastante diferentes do
certo número de outros romances, mas ela tornou possível os romances que ele próprio havia dito. Se Cuvier é o fundador da biologia, ou Saussure
de terror do início do século XIX e, nesse caso, sua função de autor excede o da linguística, não é porque eles foram imitados, não é porque se reto-
sua própria obra. Só que, a essa objeção, creio que se pode responder: mou, aqui ou ali, o conceito de organismo ou de signo, é porque Cuvier
tornou possível, em uma certa medida, a teoria da evolução que estava
16
FREUD. Die Traumdeutung; Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten.
termo a termo oposta à sua própria fixidez; é na medida em que Saussure
17
MARX; ENGELS. Manifest der kommunistischen Partei; Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie.
18
RADCLIFFE. Les visions du château des Pyrénées.

100 O que é um autor? O que é um autor? 101


tornou possível uma gramática gerativa que é bastante diferente de suas A consequência é que se define a validade teórica de uma proposição em
análises estruturais. Portanto, a instauração da discursividade parece ser relação à obra de seus instauradores – ao passo que, no caso de Galileu
do mesmo tipo, à primeira vista, pelo menos, da fundação de não importa e de Newton, é em relação ao que são, em sua estrutura e normatividade
que cientificidade. Entretanto, acredito que há uma diferença, e uma di- intrínsecas, a física ou a cosmologia, que se pode afirmar a validade de tal
ferença notável. De fato, no caso de uma cientificidade, o ato que o funda proposição que eles puderam avançar. Falando de uma maneira bastante
está no mesmo nível de suas transformações futuras; ele faz, de qualquer esquemática: a obra desses instauradores não se situa em relação à ciência
forma, parte do conjunto das modificações que ele torna possíveis. Essa e no espaço que ela circunscreve; mas é a ciência ou a discursividade que
dependência, certamente, pode tomar várias formas. O ato de fundação se relaciona à sua obra como as coordenadas primeiras.
de uma cientificidade pode aparecer, no curso das transformações poste- Compreende-se por aí que se encontre, como uma necessidade
riores dessa ciência, como sendo afinal apenas um caso particular de um inevitável em tais discursividades, a exigência de um “retorno à origem”.
conjunto muito mais geral que então se descobre. Pode parecer também [Aqui, ainda é preciso distinguir esses “retornos a...” dos fenômenos de
contaminado pela intuição e pelo empirismo; é preciso então formalizá-lo “redescoberta” e de “reatualização” que se produzem frequentemente nas
de novo, e fazer dele o objeto de um certo número de operações teóricas ciências. Por “redescobertas” entenderei os fenômenos de analogia ou de
suplementares que o funda mais rigorosamente etc. Enfim, ele pode apa- isomorfismo que, a partir das formas atuais do saber, tornam perceptível
recer como uma generalização apressada, que é preciso limitar e da qual uma figura que foi embaralhada, ou que desapareceu. Direi, por exemplo,
é preciso retraçar o campo restrito de validade. Em outras palavras, o ato que Chomsky, em seu livro sobre a gramática cartesiana,19 redescobriu
de fundação de uma cientificidade pode ser reintroduzido no interior da uma certa figura do saber que vai de Cordemoy a Humboldt: ela só pode
maquinaria das transformações que dele derivam. ser constituída, na verdade, a partir da gramática gerativa, pois é esta
Ora, acredito que a instauração de uma discursividade é heterogê- última que detém a lei de sua construção; na realidade, trata-se de uma
nea às suas transformações ulteriores. Desenvolver um tipo de discursi- codificação retrospectiva do olhar histórico. Por “reatualização” entenderei
vidade como a psicanálise, tal como ela foi instaurada por Freud, não é uma coisa totalmente diferente: a reinserção de um discurso em um do-
conferir-lhe uma generalidade formal que ela não teria admitido no ponto mínio de generalização, de aplicação ou de transformação que é novo para
de partida, é simplesmente lhe abrir um certo número de possibilidades ele. E, nesse caso, a história das matemáticas é rica em tais fenômenos
de aplicações. Limitá-la é, na realidade, tentar isolar no ato instaurador (eu me remeto aqui ao estudo que Michel Serres consagrou às anamneses
um número eventualmente restrito de proposições ou de enunciados, aos matemáticas).20 Por “retorno a”, o que se pode entender? Acredito que se
quais unicamente se reconhece valor fundador e em relação aos quais tais pode designar dessa maneira um movimento que tem sua própria espe-
conceitos ou teoria admitidos por Freud poderão ser considerados como cificidade e que caracteriza justamente as instaurações de discursividade.
derivados, secundários, acessórios. Enfim, na obra desses fundadores, não Para que haja retorno, de fato, é preciso inicialmente que tenha havido
se reconhecem certas proposições como falsas; contenta-se, quando se esquecimento, não esquecimento acidental, não encobrimento por alguma
tenta apreender esse ato de instauração, em afastar os enunciados que incompreensão, mas esquecimento essencial e constitutivo. O ato de ins-
não seriam pertinentes, seja por considerá-los como não essenciais, seja tauração, de fato, é tal em sua própria essência, que ele não pode não ser
por considerá-los como “pré-históricos” e provenientes de outro tipo de esquecido. O que o manifesta, o que dele deriva é, ao mesmo tempo, o que
discursividade. Em outras palavras, diferentemente da fundação de uma estabelece a distância e o que o mascara. É preciso que esse esquecimento
ciência, a instauração discursiva não faz parte dessas transformações 19
.
CHOMSKY. Cartesian Linguistic A Chapter in the History of Rationalist Thought.
ulteriores, ela permanece necessariamente retirada e em desequilíbrio. 20
SERRES. Les anamnèses mathématiques.

102 O que é um autor? O que é um autor? 103


não acidental seja investido em operações precisas, que se podem situar, conjuntos, tais como foram desenvolvidos (no máximo, essa exumação é
analisar e reduzir pelo próprio retorno a esse ato instaurador. O ferrolho do suscetível de modificar o conhecimento histórico que temos de sua gênese).
esquecimento não foi acrescentado do exterior, ele faz parte da discursi- Em compensação, a reedição de um texto como o Projeto21 de Freud – e
vidade de que se trata, é esta que lhe dá sua lei; a instauração discursiva na mesma medida em que é um texto de Freud – corre sempre o risco
assim esquecida é ao mesmo tempo a razão de ser do ferrolho e a chave de modificar não o conhecimento histórico da psicanálise, mas seu campo
que permite abri-lo, de tal forma que o esquecimento e o impedimento do teórico – e isso só ocorreria deslocando sua acentuação ou seu centro de
próprio retorno só podem ser interrompidos pelo retorno. Por outro lado, gravidade. Através de tais retornos, que fazem parte de sua própria trama,
esse retorno se dirige ao que está presente no texto, mais precisamente, os campos discursivos de que falo comportam do ponto de vista do seu
retorna-se ao próprio texto, ao texto em sua nudez e, ao mesmo tempo, autor “fundamental” e mediato uma relação que não é idêntica à relação
no entanto, retorna-se ao que está marcado pelo vazio, pela ausência, pela que um texto qualquer mantém com seu autor imediato].
lacuna no texto. Retorna-se a um certo vazio que o esquecimento evitou ou O que acabo de esboçar a propósito dessas “instaurações discur-
mascarou, que recobriu com uma falsa ou má plenitude e o retorno deve sivas” é, certamente, muito esquemático. Em particular, a oposição que
redescobrir essa lacuna e essa falta; daí o perpétuo jogo que caracteriza tentei traçar entre uma tal instauração e a fundação científica. Nem sempre
esses retornos à instauração discursiva – jogo que consiste em dizer por é fácil decidir se se trata disso ou daquilo: e nada prova que ali estão dois
um lado: isso aí estava, bastaria ler, tudo se encontra aí, seria preciso procedimentos exclusivos um em relação ao outro. Tentei essa distinção
que os olhos estivessem bem fechados e os ouvidos bem tapados para com um único fim: mostrar que essa função autor, já complexa quando
que ele não seja visto nem ouvido; e inversamente: não, não está nesta se tenta localizá-la no nível de um livro ou de uma série de textos que
palavra aqui, nem naquela palavra ali, nenhuma das palavras visíveis e trazem uma assinatura definida, comporta também novas determinações,
legíveis diz do que se trata agora, trata-se antes do que é dito através das quando se tenta analisá-la em conjuntos mais amplos – grupos de obras,
palavras, em seu espaçamento, na distância que as separa]. Resulta que, disciplinas inteiras.
naturalmente, esse retorno, que faz parte do próprio discurso, não cessa *
de modificá-lo, que o retorno ao texto não é um suplemento histórico que [Lamento muito não ter podido trazer, para o debate que agora vai
viria se juntar à própria discursividade e a duplicaria com um ornamento se seguir, nenhuma proposição positiva: no máximo, direções para um
que, afinal, não é essencial; é um trabalho efetivo e necessário de trans- trabalho possível, caminhos de análise. Mas devo pelo menos dizer, em
formação da própria discursividade. O reexame do texto de Galileu pode algumas palavras, para terminar, as razões pelas quais dou a isso uma
certamente mudar o conhecimento que temos da história da mecânica, certa importância].
mas jamais pode mudar a própria mecânica. Em compensação, o reexa- Tal análise, se ela fosse desenvolvida, talvez permitisse introduzir a
me dos textos de Freud modifica a própria psicanálise, e os de Marx, o uma tipologia dos discursos. Parece-me, de fato, pelo menos em uma pri-
marxismo. [Ora, para caracterizar esses retornos, é preciso acrescentar meira abordagem, que semelhante tipologia não poderia ser feita somente
uma última característica: eles se fazem na direção de uma espécie de a partir das características gramaticais dos discursos, de suas estruturas
costura enigmática da obra e do autor. De fato, é certamente enquanto ele formais, ou mesmo de seus objetos; existem, sem dúvida, propriedades
é texto do autor e deste autor que o texto tem valor instaurador, e é por ou relações propriamente discursivas (irredutíveis às regras da gramática
isso, porque ele é texto desse autor, que é preciso retornar a ele. Não há e da lógica, como às leis do objeto), e é a elas que é preciso se dirigir para
nenhuma probabilidade de que a redescoberta de um texto desconhecido
de Newton ou de Cantor modifique a cosmologia clássica ou a teoria dos 21
FREUD. Entwurf einer Psychologie; Esquisse d’une psychologie scientifique.

104 O que é um autor? O que é um autor? 105


distinguir as grandes categorias de discurso. A relação (ou a não-relação) permaneça constante em sua forma, em sua complexidade, e mesmo em
com um autor e as diferentes formas dessa relação constituem – e de uma sua existência. Pode-se imaginar uma cultura em que os discursos circulas-
maneira bastante visível – uma dessas propriedades discursivas. sem e fossem aceitos sem que a função autor jamais aparecesse].22 Todos
Por outro lado, acredito que se poderia encontrar aí uma introdução os discursos, sejam quais forem seus status, sua forma e, seu valor e seja
à análise histórica dos discursos. Talvez seja o momento de estudar os qual forma for o tratamento que se dê a eles, desenvolviam-se no anonimato
discursos não apenas em seu valor expressivo ou suas transformações for- do murmúrio. Não mais se ouviriam as questões por tanto tempo repetidas:
mais, mas nas modalidades de sua existência: os modos de circulação, de “Quem realmente falou? Foi ele e ninguém mais? Com que autenticidade
valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam de acordo e originalidade? E o que ele expressou do mais profundo dele mesmo em
com cada cultura e se modificam no interior de cada uma; a maneira com seu discurso?” Além destas, outras questões, como as seguintes: “Quais
que eles se articulam nas relações sociais se decifra de modo, parece-me, os modos de existência desses discursos? Em que ele se sustentou, como
mais direto no jogo da função autor e em suas modificações do que nos pode circular, e quem dele pode se apropriar? Quais são os locais que foram
temas ou nos conceitos que eles operam. ali preparados para possíveis sujeitos? Quem pode preencher as diversas
Não será, igualmente, a partir de análises desse tipo que se poderiam funções de sujeito?” E, atrás de todas essas questões, talvez apenas se
reexaminar os privilégios do sujeito? Sei que, empreendendo a análise ouvisse o rumor de uma indiferença: “Que importa quem fala?”
interna e arquitetônica de uma obra (quer se trate de um texto literário,
de um sistema filosófico, ou de uma obra científica), colocando entre pa-
22
Variante: “Mas há também razões que resultam do status ‘ideológico’ do autor. A questão então se
torna: como afastar o grande risco, o grande perigo com os quais a ficção ameaça nosso mundo? A
rênteses as referências biográficas ou psicológicas, já se recolocaram em resposta é que se pode afastá-lo através do autor. O autor torna possível uma limitação da proliferação

questão o caráter absoluto e o papel fundador do sujeito. Mas seria talvez cancerígena, perigosa das significações em um mundo onde se é parcimonioso não apenas em relação
aos seus recursos e riquezas, mas também aos seus próprios discursos e suas significações. O autor é o
preciso voltar a essa suspensão, não para restaurar o tema de um sujeito princípio de economia na proliferação do sentido. Consequentemente, devemos realizar a subversão da
ideia tradicional do autor. Temos o costume de dizer, examinamos isso acima, que o autor é a instância
originário, mas para apreender os pontos de inserção, os modos de fun-
criadora que emerge de uma obra em que ele deposita, com uma infinita riqueza e generosidade, um
cionamento e as dependências do sujeito. Trata-se de inverter o problema mundo inesgotável de significações. Estamos acostumados a pensar que o autor é tão diferente de
todos os outros homens, de tal forma transcendente a todas as linguagens, que ao falar o sentido
tradicional. Não mais colocar a questão: como a liberdade de um sujeito
prolifera e prolifera infinitamente.
pode se inserir na consistência das coisas e lhes dar sentido, como ela A verdade é completamente diferente: o autor não é uma fonte infinita de significações que viriam
preencher a obra, o autor não precede as obras. Ele é um certo princípio funcional pelo qual, em
pode animar, do interior, as regras de uma linguagem e manifestar assim
nossa cultura, delimita-se, exclui-se ou seleciona-se: em suma, o princípio pelo qual se entrava a livre
as pretensões que lhe são próprias? Mas antes coloca essas questões: circulação, a livre manipulação, a livre composição, decomposição, recomposição da ficção. Se temos
o hábito de apresentar o autor como gênio, como emergência perpétua de novidade, é porque nós
como, segundo que condições e sob que formas alguma coisa como o um
fazemos funcionar de um modo exatamente inverso. Diremos que o autor é uma produção ideológica
sujeito pode aparecer na ordem dos discursos? Que lugar ele pode ocupar na medida em que temos uma representação invertida de sua função histórica real. O autor é então a
figura ideológica pela qual se afasta a proliferação do sentido.
em cada tipo de discurso, que funções exercer, e obedecendo a que re-
Dizendo isso, pareço evocar uma forma de cultura na qual a ficção não seria rarefeita pela figura do autor.
gras? Trata-se, em suma, de retirar do sujeito (ou do seu substituto) seu Mas seria puro romantismo imaginar uma cultura em que a ficção circularia em estado absolutamente
livre, à disposição de cada um, desenvolver-se-ia sem atribuição a uma figura necessária e obrigatória.
papel de fundamento originário, e de analisá-lo como uma função variável
Após o século 18, o autor desempenha o papel de regulador da ficção, papel característico da era
e complexa do discurso. industrial e burguesa, do individualismo e da propriedade privada. No entanto, levando em conta
as modificações históricas em curso, não há nenhuma necessidade que a função autor permaneça
[O autor – ou o que eu tentei descrever como a função autor – é,
constante em sua forma ou em sua complexidade ou em sua existência. No momento preciso em
sem dúvida, apenas uma das especificações possíveis da função sujeito. que nossa sociedade passa por um processo de transformação, a função autor desaparecerá de uma
maneira que permitirá uma vez mais à ficção e aos seus textos polissêmicos funcionar de novo de
Especificação possível ou necessária? Tendo em vista as modificações his-
acordo com um outro modo, mas sempre segundo um sistema obrigatório que não será mais o do
tóricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor autor, mas que fica ainda por determinar e talvez por experimentar.” (Tradução de D. Defert.)

106 O que é um autor? O que é um autor? 107


[Jean Wahl: Agradeço a Michel Foucault por tudo o que ele nos dis- para dizer que estou absolutamente de acordo com o interveniente quanto
se, e que provoca a discussão. Pergunto logo quem quer tomar a palavra. ao fato de que Michel Foucault não é o autor, nem certamente o instaurador
Jean d’Ormesson: Na tese de Michel Foucault, a única coisa que do que ele acaba de nos dizer. Porque a negação do sujeito é atualmente
eu não havia compreendido bem, e sobre qual todo mundo, até a mídia, a ideia central de todo um grupo de pensadores, ou mais exatamente de
tinha chamado a atenção, era o desaparecimento do homem. Dessa vez, toda uma corrente filosófica. E se, no interior dessa corrente, Foucault
Michel Foucault se declarou contra o elo mais fraco da cadeia: ele atacou ocupa um lugar particularmente original e brilhante, é preciso, entretanto,
não mais o homem, mas o autor. E compreendo bem o que pôde levá-lo, integrá-lo ao que se poderia chamar de a escola francesa do estruturalis-
nos acontecimentos culturais dos últimos 50 anos, a essas considerações: mo não genético, e que inclui principalmente os nomes de Lévi-Strauss,
“A poesia deve ser feita por todos”, “isso fala” etc. Eu me fazia um certo Roland Barthes, Althusser, Derrida etc.
número de perguntas: eu me dizia que, da mesma forma, há autores na Quanto ao problema particularmente importante levantado por
filosofia e na literatura. Vários exemplos poderiam ser dados, parecia-me, Michel Foucault: “Quem fala?”, penso ser preciso acrescentar um segun-
na literatura e na filosofia, de autores que são pontos de convergência. As do: “O que ele diz?”
tomadas de posição política são também o feito de um autor e é possível “Quem fala?” À luz das ciências humanas contemporâneas, a ideia
aproximá-las de sua filosofia. do indivíduo como autor último de um texto, e principalmente de um texto
Pois bem, estou completamente convicto, porque tenho a impressão importante e significativo, parece cada vez menos sustentável. Após um
de que em uma espécie de prestidigitação, extremamente brilhante, o certo número de anos, toda uma série de análises concretas mostrou
que Michel Foucault tomou do autor, ou seja, sua obra, ele lhe devolveu de fato que, sem negar nem o sujeito nem o homem, se é obrigado a
com lucro, o nome de instaurador da discursividade, já que não apenas substituir o sujeito individual por um sujeito coletivo ou transindividual.
ele lhe restitui sua obra, mas também a dos outros. Em meus próprios trabalhos, fui levado a mostrar que Racine não é sozi-
Lucien Goldmann: Entre os teóricos notáveis de uma escola que nho o único e verdadeiro autor das tragédias racinianas, mas que estas
ocupa um lugar importante no pensamento contemporâneo e caracteriza- nasceram no bojo do desenvolvimento de um conjunto estruturado de
se pela negação do homem em geral e, a partir daí, do sujeito em todos categorias mentais que era obra coletiva, o que me levou a encontrar
os seus aspectos, e também do autor, Michel Foucault, que não formulou como “autor” dessas tragédias, em última instância, a nobreza de toga,
explicitamente essa última negação, mas a sugeriu ao longo da exposição, o grupo jansenista e, no interior deste, Racine como indivíduo particu-
concluindo na perspectiva da supressão do autor, é certamente uma das larmente importante.23
figuras mais interessantes e difíceis de combater e criticar. Pois, a uma Quando se coloca o problema “Quem fala?”, há atualmente nas
posição filosófica fundamentalmente anticientífica, Michel Foucault alia ciências humanas pelo menos duas respostas que, opondo-se rigorosa-
um notável trabalho de historiador, e parece-me claramente provável mente uma à outra, recusam cada uma a ideia tradicionalmente admitida
que, graças a um certo número de análises, sua obra marcará uma etapa do sujeito individual. A primeira, que eu chamaria de estruturalismo não
importante no desenvolvimento da história científica da ciência e mesmo genético, nega o sujeito que ela substitui pelas estruturas (linguísticas,
da realidade social. mentais, sociais etc.) e apenas atribui aos homens e ao seu comporta-
É então no plano do seu pensamento propriamente filosófico, e não mento o lugar de um papel, de uma função no interior dessas estruturas
no de suas análises concretas, que quero hoje colocar minha intervenção. que constituem o objetivo final da pesquisa ou da explicação.
Permitam-me, entretanto, antes de abordar as três partes do enun- 23
GOLDMANN. Le Dieu caché. Étude sur la vision tragique dans les Pensées de Pascal et dans le théâtre
ciado de Michel Foucault, referir-me à intervenção que acaba de ocorrer de Racine.

108 O que é um autor? O que é um autor? 109


Opostamente, o estruturalismo genético também recusa, na dimen- Apenas um exemplo: durante minhas pesquisas, eu me confrontei
são histórica e na dimensão cultural da qual faz parte, o sujeito individual; com o problema de saber em que medida Les provinciales e os Pensées
entretanto, ele não suprime, por isso, a ideia de sujeito, mas substitui o de Pascal podem ser considerados como uma obra24 e, após uma análise
sujeito individual pelo sujeito transindividual. Quanto às estruturas, longe cuidadosa, cheguei à conclusão de que esse não é o caso e de que se trata
de aparecer como realidades autônomas e mais ou menos últimas, elas de duas obras que têm dois autores diferentes. De um lado, Pascal com o
apenas são nessa perspectiva uma propriedade universal de toda práxis e grupo Arnauld-Nicole e os jansenistas moderados no que concerne a Les
toda realidade humanas. Não há fato humano que não seja estruturado, provinciales; de outro, Pascal com o grupo de jansenistas extremistas no
nem estrutura que não seja significativa, o que quer dizer, como qualidade que concerne aos Pensées. Dois autores diferentes, que têm um setor
do psiquismo e do comportamento de um sujeito, que não preencha uma parcial comum: o indivíduo Pascal e talvez alguns outros jansenistas que
função. Em suma, três teses centrais nessa posição: há um sujeito; na tiveram a mesma evolução.
dimensão histórica e cultural, esse sujeito é sempre transindividual; toda Outro problema levantado por Michel Foucault em seu comentário
atividade psíquica e todo comportamento do sujeito são sempre estrutu- é o da escrita. Acredito ser melhor dar um nome a essa discussão, porque
rados e significativos, ou seja, funcionais. presumo que todos pensamos em Derrida e em seu sistema. Sabemos que
Acrescentarei que encontrei também uma dificuldade levantada por Derrida tenta – desafio que me parece paradoxal – elaborar uma filosofia
Michel Foucault: a da definição da obra. De fato, é difícil, inclusive impossí- da escrita negando totalmente o sujeito. Isso é tão mais curioso na medida
vel, defini-la em relação a um sujeito individual. Como disse Foucault, quer em que seu conceito de escrita, inclusive, aproxima-se muito do conceito
se trate de Nietzsche ou de Kant, de Racine ou de Pascal, qual o limite do dialético de práxis. Um exemplo entre outros: eu concordaria com ele
conceito de obra? É preciso limitá-la aos textos publicados? Ou é preciso quando nos diz que a escrita deixa traços que acabam por se apagar; é a
incluir todos os escritos não publicados, até mesmo as notas de lavanderia? propriedade de qualquer práxis, quer se trate da construção de um templo
Se o problema é colocado na perspectiva do estruturalismo gené- que desaparece ao cabo de vários séculos ou vários milênios, da abertura
tico, obtém-se uma resposta que vale não somente para todas as obras de uma rua, da modificação de seu trajeto ou, mais prosaicamente, do
culturais, mas também para qualquer fato humano e histórico. O que foi preparo de duas salsichas que são comidas a seguir. Mas penso, como
a Revolução Francesa? Quais foram os períodos fundamentais da história Foucault, que é preciso perguntar: quem cria os traços? Quem escreve?
das sociedades e das culturas capitalistas ocidentais? A resposta suscita Como não tenho nenhuma observação sobre a segunda parte do
dificuldades análogas. Voltemos, entretanto, à obra: seus limites, como os comentário, com a qual estou inteiramente de acordo, passo à terceira.
de qualquer fato humano, definem-se pelo fato de que ela constitui uma Parece-me que, nesse caso também, a maior parte dos problemas
estrutura significativa fundamentada na existência de uma estrutura mental levantados encontra sua resposta na perspectiva do sujeito transidividual.
coerente elaborada por um sujeito coletivo. A partir daí, pode ocorrer que se Vou deter-me apenas em um único: Foucault fez uma distinção justificada
seja obrigado a eliminar, para delimitar essa estrutura, certos textos publi- entre o que ele chama de os “instauradores” de uma nova metodologia
cados ou incluir, pelo contrário, alguns outros inéditos; enfim, não é preciso científica e os criadores. O problema é real, mas, em vez de lhe atribuir o
dizer que se pode facilmente justificar a exclusão da nota de lavanderia. caráter relativamente complexo e obscuro que ele assumiu em sua expo-
Acrescentarei que, nessa perspectiva, o correlacionamento da estrutura sição, não se pode encontrar o fundamento epistemológico e sociológico
coerente com sua funcionalidade, em relação a um sujeito transindividual, dessa oposição na distinção, comum no pensamento dialético moderno e
ou – para empregar uma linguagem menos abstrata – a correlação da
interpretação com a explicação assume uma importância particular. 24
PASCAL. Les provinciales; Les Pensées.

110 O que é um autor? O que é um autor? 111


principalmente na escola lukacsiana, entre as ciências da natureza, rela- do escritor ou do autor permite descobrir? Ela permite descobrir o jogo
tivamente autônomas como estruturas científicas, e as ciências humanas, da função autor. E o que eu tentei analisar é precisamente a maneira pela
que não poderiam ser positivas sem serem filosóficas? Não é certamente qual a função do autor se exercia, no que se pode chamar de a cultura
por acaso que Foucault tenha oposto Marx, Freud e, em uma certa medida, europeia após o século XVII. Eu o fiz, certamente, de maneira muito geral,
Durkheim a Galileu e aos criadores da física mecanicista. As ciências do e de uma forma que eu gostaria que fosse bem mais abstrata, porque se
homem – explicitamente para Marx e Freud, implicitamente para Durkheim tratava de uma ordenação do conjunto. Definir de que maneira se exerce
– supõem a união íntima entre as constatações e as valorizações, o co- essa função, em que condições, em que campo etc., isso não significa,
nhecimento e a tomada de posição, a teoria e a prática sem, por isso, convenhamos, dizer que o autor não existe.
certamente, abrir mão do rigor teórico. Assim como Foucault, penso que O mesmo em relação a essa negação do homem mencionada por
muito frequentemente, e principalmente hoje, a reflexão sobre Marx, Freud Goldmann: a morte do homem é um tema que permite revelar a maneira
e mesmo Durkheim se apresenta sob a forma de um retorno às fontes, pois pela qual o conceito de homem funcionou no saber. E se avançassem na
se trata de um retorno a um pensamento filosófico, contra as tendências, leitura, evidentemente austera, das primeiras ou das últimas páginas do
positivistas, que querem fazer as ciências do homem a partir do modelo que eu escrevi, perceber-se-ia que essa afirmação remete à analise de um
das ciências da natureza. Seria ainda preciso distinguir o que é o retorno funcionamento. Não se trata de afirmar que o homem está morto, mas, a
autêntico do que, sob forma de um pretenso retorno às fontes, é na rea- partir do tema – que não é meu e que não parou de ser repetido após o
lidade uma tentativa de assimilar Marx e Freud ao positivismo e ao estru- final do século XIX – que o homem está morto (ou que ele vai desaparecer
turalismo não genético contemporâneo que lhes são totalmente estranhos. ou será substituído pelo super-homem), trata-se de ver de que maneira, se-
É sob essa perspectiva que gostaria de terminar minha intervenção, gundo que regras se formou e funcionou o conceito de homem. Fiz a mesma
mencionando a frase que se tornou célebre, escrita no mês de maio por coisa em relação à noção de autor. Contenhamos então nossas lágrimas.
um estudante no quadro-negro de uma sala de Sorbonne, e que me parece Outra observação. Foi dito que eu tomava o ponto de vista da não
exprimir o essencial da crítica ao mesmo tempo filosófica e científica do cientificidade. Certamente, não pretendo ter feito aqui obra científica, mas
estruturalismo não genético: “As estruturas não descem para a rua”, isto é: gostaria de conhecer de que instância me vem essa crítica.
não são jamais as estruturas que fazem a história, mas os homens, embora M. de Gandillac: Eu me perguntei, ao ouvi-lo, a partir de que critério
a ação destes últimos tenha sempre um caráter estruturado e significativo. preciso você distinguia os “instauradores de discursividade” não somente
M.Foucault: Vou tentar responder. A primeira coisa que direi é que dos “profetas” de caráter mais religioso, mas também dos promotores de
jamais, de minha parte, empreguei a palavra estrutura. Procurem-na em “cienticifidade”, aos quais não é certamente inconveniente juntar Marx
As palavras e as coisas, e não a encontrarão. Então, gostaria muito que e Freud. E, se uma categoria original, situada de qualquer forma além
todas as facilidades sobre o estruturalismo me sejam poupadas, ou que da cienticifidade e do profetismo (e decorrendo, no entanto, dos dois) é
se dê ao trabalho de justificá-las. Mais ainda: não disse que o autor não admitida, eu me surpreendo de não ver ali nem Platão nem sobretudo
existia; eu não o disse e estou surpreso que meu discurso tenha sido usado Nietzsche, que você nos apresentou recentemente em Royaumont, se
para um tal contra-senso. Retomemos um pouco tudo isso. minha memória não falha, como tendo exercido em nossa época uma
Falei de uma certa temática que se pode localizar tanto nas obras influência semelhante à de Marx e Freud.
como na crítica, que é, se vocês querem: o autor deve se apagar ou ser M. Foucault: Eu lhe responderei – mas como hipótese de trabalho,
apagado em proveito das formas próprias ao discurso. Isto posto, a pergun- pois, uma vez mais, o que eu apontei para vocês não era, infelizmente,
ta que eu me fazia era a seguinte: o que essa regra do desaparecimento nada mais que um plano de trabalho, uma determinação de posição – que

112 O que é um autor? O que é um autor? 113


a situação transdicursiva na qual se encontraram autores como Platão e grave para quem tem a vocação e para quem deve ajudá-lo. E acredito
Aristóteles a partir do momento em que eles começaram a escrever até a que esses exemplos de vocações científicas vão esclarecer um pouco sua
Renascença deve poder ser analisada; a maneira como eles eram citados, resposta no sentido, aliás, que você indicou. Vou tomar o exemplo de
como se referia a eles, como eram interpretados, como se restaurava a Bourbaki;25 poderia tomar o exemplo de Keynes, mas Bourbaki constitui
autenticidade de seus textos etc.; tudo isso obedece certamente a um um exemplo-limite: trata-se de um indivíduo múltiplo; o nome do autor
sistema de funcionamento. Acredito que com Marx e com Freud trata-se de parece se apagar verdadeiramente em proveito de uma coletividade, e
autores cuja posição transdiscursiva não sobrepõe a posição transdiscursiva de uma coletividade renovável, pois não são sempre os mesmos que
de autores como Platão e Aristóteles. E seria preciso descrever o que é essa são Bourbaki. Ora, no entanto, existe um autor Bourbaki, e esse autor
transdiscursividade moderna, em oposição à transdiscursividade antiga. Bourbaki se manifesta em discussões extraordinariamente violentas, direi
Lucien Goldmann: Apenas uma questão: quando admite a existência mesmo patéticas, entre os participantes do Bourbaki: antes de publicar
do homem ou do sujeito, você as reduz, sim ou não, ao status de função? um de seus fascículos – esses fascículos que parecem tão objetivos, tão
M. Foucault: Não disse que eu as reduzia a uma função, eu analisava desprovidos de paixão, álgebra linear ou teoria dos conjuntos – de fato há
a função no interior da qual qualquer coisa como um autor poderia existir. noites inteiras de discussão e de brigas para se chegar a um acordo sobre
Não fiz aqui a análise do sujeito, fiz a análise do autor. Se eu tivesse feito um pensamento fundamental, sobre uma interiorização. E aí está o único
uma conferência sobre o sujeito, provavelmente eu teria analisado da mes- ponto sobre o qual eu teria encontrado um desacordo muito profundo com
ma maneira a função sujeito, ou seja, teria feito a análise das condições nas você, porque, no início, você eliminou a interioridade. Acredito que não
quais é possível que um indivíduo preenchesse a função do sujeito. Seria existe autor a não ser quando há interioridade. E esse exemplo Bourbaki,
preciso ainda especificar em que campo o sujeito é sujeito, e de que (do que não é de forma alguma um autor no sentido banal, demonstra isso
discurso, do desejo, do processo econômico etc.). Não há sujeito absoluto. de maneira absoluta. Tendo dito isso, acredito que restabeleça um sujeito
J. Ullmo: Fiquei profundamente interessado em sua conferência, pensante, que talvez seja de natureza original, mas que é bastante claro
porque ela reavivou um problema que é muito importante atualmente na para aqueles que têm o hábito da reflexão científica. Além disso, um artigo
pesquisa científica. A pesquisa científica e, particularmente, a pesquisa muito interessante de Critique, de Michel Serres, “A tradição da ideia”,26 co-
matemática são casos-limites nos quais um certo número de conceitos locava isso em evidência. Nas matemáticas, não é o axioma que conta, não
que você destacou aparecem de maneira muito clara. Isso se tornou de é a combinatória, não é isso que você chamaria de plano discursivo, o que
fato um problema bastante angustiante nas vocações científicas que se conta é o pensamento interno, e a apercepção de um sujeito que é capaz
delineiam por volta dos 20 anos, o de confrontar-se com o problema que de sentir, de integrar, de possuir aquele pensamento interno. Se eu tivesse
você colocou no início: “Que importa quem fala?” Antigamente, uma vo- tempo, o exemplo de Keynes seria ainda mais surpreendente do ponto de
cação científica era a própria vontade de falar, de trazer uma resposta aos vista econômico. Vou simplesmente concluir: penso que seus conceitos,
problemas fundamentais da natureza ou do pensamento matemático; e seus instrumentos de pensamento sejam excelentes. Você respondeu, na
isso justificava vocações, justificava, pode-se dizer, vidas de abnegação e quarta parte, às questões que eu me tinha feito nas três primeiras. Onde
de sacrifício. Atualmente, esse problema é bem mais delicado, porque a está o que especifica um autor? Pois bem, o que especifica uma autor é
ciência parece muito mais anônima; e de fato, “que importa quem fala”, o 25
Nicolas Bourbaki: pseudônimo coletivo usado por um grupo de matemáticos franceses contemporâneos
que não foi encontrado por x em junho de 1969 será encontrado por y em que empreenderam o remanejamento da matemática em bases axiomáticas rigorosas (Henri Cartan,
Claude Chevalley, Jean Dieudonné, Charles Ehresmann, André Weil etc.).
outubro de 1969. Então, sacrificar sua vida a essa pequena antecipação 26
Eis uma falha muito comum em tradução: traduzir literalmente o título do artigo, dando a entender
e que continua anônima é realmente um problema extraordinaramente que ele foi publicado em português na revista Critique. (N.E.).

114 O que é um autor? O que é um autor? 115


justamente a capacidade de remanejar, de reorientar esse campo epis- Jean Wahl: Resta-nos agradecer a Michel Foucault por ter vindo, por
temológico ou esse plano discursivo, que são fórmulas suas. De fato, só ter falado, ter principalmente escrito sua conferência, ter respondido às
existe autor quando se sai do anonimato, porque se reorientam os campos perguntas feitas, que, aliás, foram muito interessantes. Agradeço também
epistemológicos, porque se cria um novo campo discursivo, que modifica, àqueles que fizeram intervenções e aos ouvintes, “Quem escuta, quem
que transforma radicalmente o precedente. O caso mais surpreendente fala?”: poderemos responder “em casa” a essa questão].
é o de Einstein: é um exemplo absolutamente espantoso sobre essa re-
lação. Muito me agrada ver que M. Bouligand concorda comigo; estamos
inteiramente de acordo sobre isso. Consequentemente, sobre esses dois
Texto extraído do v. 3 da Coleção Ditos & Escritos (Estética: literatura e
critérios: necessidade de interiorizar uma axiomática e o critério do autor pintura, música e cinema), 2 ed., 2006.
enquanto remanejando o campo epistemológico, acredito que se restitui
um sujeito bastante potente, se ouso dizê-lo. O que, aliás, acredito não
está ausente do seu pensamento.
J. Lacan: Recebi o convite muito tarde. Lendo-o, notei, no último
parágrafo, o “retorno a”. Retorna-se talvez a muitas coisas, mas enfim,
o retorno a Freud é alguma coisa que eu tomei como uma espécie de
bandeira, em um certo campo, e aí eu só posso lhe agradecer; você cor-
respondeu inteiramente à minha expectativa. A propósito de Freud, evo-
cando especialmente o que significa o “retorno a”, tudo o que você disse
me parece, pelo menos do ponto de vista em que eu pude nele contribuir,
perfeitamente pertinente.
Em segundo lugar, gostaria de enfatizar que, estruturalismo ou
não, não me parece de forma alguma que se trate, no campo vagamente
determinado por essa etiqueta, da negação do sujeito. Trata-se da de-
pendência do sujeito, o que é completamente diferente; e muito parti-
cularmente, no nível do retorno a Freud, da dependência do sujeito em
relação a alguma coisa verdadeiramente elementar, e que tentamos isolar
com o termo “significante”.
Em terceiro lugar – limitarei a isso minha intervenção –, não consi-
dero que seja de forma alguma legítimo ter escrito que as estruturas não
descem para a rua, porque se há alguma coisa que os acontecimentos de
maio demonstram é precisamente a descida para rua das estruturas. O
fato de que ela seja escrita no próprio lugar em que se opera essa descida
para a rua nada mais prova que, simplesmente, o que é muito frequente
e mesmo o mais frequente, dentro do que se chama de ato, é que ele se
desconhece a si mesmo.

116 O que é um autor? O que é um autor? 117


MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Le Capital. Critique de l’économie politique. Traduction de J. Roy.
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1947. t. III. (Bibliothèque de la Pléiade).

ARISTOTE. Les seconds analytiques. In:______. Organon. Traduction de J. Tricot. Paris: Vrin, PASCAL, Blaise. Les Pensées. In:______. Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 1960. p. 1079-1358.
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BACON, Francis. Novum organum scientiarum. Londres: J. Billium, 1620. RADCLIFFE, Ann. Les Visions du château des Pyrénées. Roman apocryphe. Traduction de G. Garnier
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CHOMSKY, Noam. Cartesian Linguistic. A Chapter in the History of Rationalist Thought. New
York: Harper & Row, 1966. SEARLE, J. R. Speech Acts. An Essay in the Philosophy of Language. Cambrigde: Cambrigde
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CHOMSKY, Noam. La Linguistique cartésienne. Un chapitre de l’histoire de la pensée rationaliste,
suivi de: La nature formelle du langage. Traduction de N. Delanoë et D. Sperber. Paris : Éd. Du SEARLE, J. R. Les Actes de langage. Traduction de H. Panchard. Paris: Hermann. 1972. (Savoir).
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D’ALEXANDRIE, Clément. Stromate II. Traduction de C. Mondésert. Paris: Éd. du Cerf, 1954. (Sources de Minuit, 1968. p. 78-112. (Critique).
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FREUD, Sigmund. Die Traumdeutung. Wien: Franz Deuticke, 1900.

FREUD, Sigmund. Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten. Wien: Franz Deuticke, 1905.

FREUD, Sigmund. Entwurf einer Psychologie. In:______. Aus den Anfängen der Psychoanalyse.
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FREUD, Sigmund. Esquisse d’une psychologie scientifique. Traduction de A. Berman. In:______.


La naissance de la psychanalyse. Paris: P.U.F., 1956. p. 307-396.

FREUD, Sigmund. Le mot d’espirit et sa Relation à l‘inconscient. Traduction de D. Messier. Paris:


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GOLDMANN, Lucien. Le Dieu caché. Étude sur la vision tragique dans les Pensées de Pascal et dans
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MARX, Karl; ENGELS, Friedirch. Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie. Hambourg: O.
Meissner, 1867-1894. 3 vols.

118 O que é um autor? Referências 119


Edições de “O que é um autor?”,
de Michel Foucault, em francês, inglês e português

1969 – Conferência apresentada na sala 6 do Collège de France, em sessão


da Sociedade Francesa de Filosofia. A sessão, aberta às 16:45hs, foi pre-
sidida por Jean Wahl, que registrou na abertura certa inquietude quanto
à vinda do grande filósofo, provocada por um atraso.

Michel Foucault era professor no Centro Universitário Experimental de


Vicennes.

Publicação do texto integral (com apresentação e debate) às páginas


70–104, no v.63, n. 3, do Bulletin de la Société Française de Philosophie,
de julho-setembro.

1970 – Conferência na Universidade de Buffalo, para a qual fez alterações


no texto. Essas alterações estão marcadas e anotadas na reedição francesa
em Dits et Écrits (supressões entre colchetes e alterações anotadas). Michel
Foucault autorizou a reedição das duas versões).

1983 – Reedição do texto impresso em francês no n. 9 da revista de psi-


canálise Littoral, em junho.

1984 – Reedição do texto em inglês na coletânea The Foucault Reader, or-


ganizada por Paul Rabinow e publicada em Nova York pela Pantheon Books.

1992 – Terceira edição portuguesa publicada na coleção que leva o título


do ensaio.

1994 – Reedição do texto em francês com anotações que registram as al-


terações feitas na versão em inglês no volume da coletânea Dits et Écrits,
organizada em 4 volumes por Daniel Defert e François Ewald, com a cola-
boração de Jacques Lagrande na coleção Bibliothéque des Sciences. Esta
edição informa em nota prévia as edições anteriores do texto em francês
e em inglês e apresenta uma síntese da conferência.
2001 – Reedição do texto em francês na segunda edição da coletânea Dits
et Écrits, na coleção Quarto Gallimard.

Edição da tradução brasileira de Inês Autran Dourado no volume 3 da


coleção Ditos e Escritos.

2009 – Reedição brasileira da tradução para o português feita por Inês


Autran Dourado Barbosa, no volume 3 da coleção Ditos e Escritos, publicada
pela Forense Universitária. A seleção e a organização dos textos para a
edição brasileira foi feita por Manoel Barros da Motta.

Publicações Viva Voz


de interesse para a área de tradução

A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin:


quatro traduções para o português
Walter Benjamin
Traduções de Fernando Camacho, Karlheinz Barck e outros,
Susana Kampff Lages e João Barrento

Poética do traduzir, não tradutologia


Henry Meschonnic
Traduções de Márcio Werber de Faria, Levi F. Araújo e Eduardo
Domingues

Tradução, literatura e literalidade


Octavio Paz
Tradução de Doralice Alves de Queiroz

Glossário de termos de edição e tradução


Sônia Queiroz (Org).

Da transcriação:
poética e semiótica da operação tradutora
Haroldo de Campos

Os livros e cadernos Viva Voz estão disponíveis em


versão eletrônica no site: www.letras.ufmg.br/vivavoz

122 O que é um autor?


As publicações Viva Voz acolhem textos de alunos e professores da Faculdade

de Letras, especialmente aqueles produzidos no âmbito das atividades

acadêmicas (disciplinas, estudos orientados e monitorias). As

edições são elaboradas pelo Laboratório de Edição da

FALE/UFMG, constituído por estudantes de Letras –

bolsistas e voluntários – supervisionados

por docentes da área de edição.

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