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ÉMILE DURKHEIM (1858-1917)

David Émile Durkheim nasceu no ano de 1858, na França,


onde viveu a maior parte de sua vida, com exceção de um breve
período em que estudou na Alemanha, entre 1885 e 1887. É
considerado até hoje, junto com Karl Marx e Max Weber, um dos
fundadores das ciências sociais, tendo como foco de seus estudos
a sociedade pós Revolução Industrial e Revolução Francesa; na
prática, foi o primeiro professor de sociologia na França, na
Universidade de Bordeaux, e auxiliou na reforma do currículo
escolar francês, introduzindo no currículo o ensino de ciências sociais. Algumas de suas principais
obras são: “Da divisão do trabalho social”(1893), “Regras do método sociológico” (1895), “O
suicídio” (1897) e “As formas elementares de vida religiosa” (1912). O sociólogo faleceu em 1917,
após um acidente vascular cerebral.

Passaremos a analisar, agora, alguns dos principais conceitos e teorias desenvolvidos por
Durkheim.

1. OBJETO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Durkheim é considerado um dos “pais” da sociologia por ter auxiliado a defini-la enquanto
uma ciência autônoma, distinta da filosofia ou da psicologia. Uma de suas contribuições nesse
sentido foi a definição de um OBJETO próprio para estudo: os FATOS SOCIAIS. O fato social é algo
dotado de vida própria, externo aos membros da sociedade e que exerce sobre seus corações e
mentes uma autoridade que os leva a agir, a pensar e a sentir de uma determinada maneira
(QUINTANEIRO, 2003). Nas próprias palavras do sociólogo, são:

“maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de


coerção” (DURKHEIM, 1974)

Os FATOS SOCIAIS apresentam três principais características: são (i) gerais, (ii)
externos/exteriores e (iii) coercitivos.

(i) Fato social não é o que individualmente as pessoas pensam ou como agem – isso pode
até ser uma manifestação/encarnação do fato social, mas os fatos sociais são gerais. Para
Durkheim, a sociedade não é resultado do somatório entre os indivíduos, mas é algo novo que se
forma, uma ‘consciência coletiva’ que se distingue das consciências individuais, e é nessa
consciência coletiva que se encontram os fatos sociais. Como exemplo de formação de algo novo
pelo somatório das particularidades, o sociólogo cita o bronze, que é uma mistura de cobre e
estanho, mas com características próprias. O fato social é uma ‘realidade objetiva’, pois
independe da importância que alguém individualmente lhe dá, não necessita se expressar por
pessoa em particular.
(ii) A externalidade dos fatos sociais se comprova porque o ser humano não nasce a eles
subordinado. Os tais ‘modos de agir, pensar e sentir’ ditados pelos fatos sociais são internalizados
por meio de processo educativo; trata-se da ‘socialização metódica’ dos indivíduos, de forma que
com o tempo adquirem como hábito o que foi ensinado e deixam de sentir a coação.

(iii) São coercitivos, pois exercem autoridade sobre o indivíduos: quem não quiser se
submeter a um fato social enfrentará obstáculos, as outras pessoas tentarão
impedir/convencer/restringir, sendo aplicadas sanções (pena formal, risos, censura, violência,
exclusão,...). A coerção em geral só é sentida por quem se opõe ao fato social, antes disso não se
sente, pois o fato social é internalizado.

Vejamos alguns EXEMPLOS de fatos sociais: idioma, regras jurídicas, normas morais,
dogmas religiosos, moda/vestimentas, forma de dançar, de negociar, sistema de moedas, lendas,
concepção de beleza... Para entender melhor suas características, podemos pensar na moeda
nacional, o Real. A utilização do Real não é individual, mas coletiva, e somente por isso faz
sentido; as pessoas não nascem sabendo, mas sim aprendem que devem usar o Real (e não
realizar a troca de produtos ou pagar com ouro); por fim, caso alguém tente fugir da regra,
pagando em outra moeda, como Pesos Argentinos, provavelmente não conseguirá comprar nada.

E afinal, os fatos sociais podem ser mudados? Durkheim acreditava que sim, desde que
vários indivíduos combinem sua ação e desta combinação se desprenda um produto novo que
venha a constituir um fato social.

“A ação transformadora é tanto mais difícil quanto maior o peso ou a centralidade que a
regra, a crença ou a prática social que se quer modificar possuam para a coesão social.
Enquanto nas sociedades modernas, até mesmo os valores relativos à vida – o aborto, a
clonagem humana (...) – podem ser postos em questão, em sociedades tradicionais, os
inovadores enfrentam maiores e às vezes insuperáveis resistências.” (QUINTANEIRO, 2003)

2. MÉTODO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Além de um objeto específico de estudo da Sociologia, Durkheim também criou um


MÉTODO próprio, tendo um livro inteiro dedicado ao assunto. O estudioso acreditava que a
pesquisa sociológica deve ocorrer de maneira científica, assemelhando-se ao método adotado nas
ciências naturais; reconhecia, no entanto, que o reino social tem peculiaridades que o distinguem
dos fenômenos da natureza, e portanto o método deve ser estritamente sociológico.

Para o estudo científico, o método sociológico apresenta algumas REGRAS. Talvez a mais
importante seja que os fatos sociais devem ser considerados como ‘coisas’:

“é coisa todo objeto do conhecimento que a inteligência não penetra de maneira natural, tudo
que o espírito não pode chegar a compreender senão sob a condição de sair de si mesmo, por
meio da observação e da experimentação” (DURKHEIM, 1974)

Os fatos sociais, por se encontrarem no mundo social, foram vivenciados pelo


pesquisador ao longo de sua vida; isso pode levar ao pensamento de que se ‘conhece’ tais fatos;
esse ‘conhecimento’, no entanto, qualquer pessoa possui, é o senso comum. Para alcançar o
conhecimento científico, portanto, é necessário fazer o que qualquer cientista faria: considerar o
fato como desconhecido. Isso costuma ser muito difícil na sociologia, em razão da paixão do
pesquisador pelos objetos que examina.

“as representações que podem ser formuladas no decorrer da vida, tendo sido efetuadas sem
método e sem crítica, estão destituídas de valor científico e devem ser afastadas (...) os
homens não esperaram o advento das ciências sociais para formular ideias sobre o direito, a
moralm a família (...). Ora, é sobretudo na sociologia que as prenoções (...) estão em estado
de dominar o espírito e de se substituir às coisas” (DURKHEIM, 1974)

Disso, decorrem algumas outras regras: (i) é preciso afastar sistematicamente as noções
pré-concebidas (‘prenoções’, ‘noções vulgares’); (ii) definir previamente os fenômenos a serem
estudados e partir dos caracteres exteriores que lhes são comuns; e (iii) considerá-los de maneira
mais objetiva possível, independente de suas manifestações individuais. (QUINTANEIRO, 2003)

Portanto, ao utilizar o método sociológico, o pesquisador:

“diz o que é; verifica o que são as coisas e fica nessa verificação. Não se preocupa em saber se
as verdades que descubra são agradáveis ou desconcertantes (...). Seu papel é o de exprimir a
realidade, não o de julgá-la.” (DURKHEIM, 1955)

3. DIVISÃO DO TRABALHO E SUICÍDIO

Ao estudar os fatos sociais (objeto da sociologia) com base no método científico


sociológico, Durkheim elaborou algumas importantes teorias, que veremos a seguir.

3.1. SOLIDARIEDADE E DIVISÃO DO TRABALHO

Durkheim elaborou o conceito de SOLIDARIEDADE SOCIAL (laços que unem os membros


entre si e ao próprio grupo), buscando mostrar como se constitui e gera coesão entre membros
de uma sociedade, e de que maneira varia conforme o modelo de organização social, ou seja, a
maior ou menor divisão do trabalho.

O indivíduo possui dois tipos de consciência: uma representa o que a pessoa tem de
individual e distinto, é a que faz dele indivíduo; a outra é comum com todo o grupo, e portanto
não representa a ele mesmo, mas a sociedade que age e vive nele:

“um sistema de ideias, sentimentos e de hábitos que exprimem em nós (...)os grupos
diferentes de que fazemos partes; tais são as crenças religiosas, (...) as tradições nacionais ou
profissionais, (...). Seu conjunto forma o ser social.” (DURKHEIM, 1955)

Essa CONSCIÊNCIA COMUM, conforme vimos na exterioridade dos fatos sociais (ponto 1),
se forma pela instrução pública, pelo processo educativo, pela socialização metódica. Para
Durkheim, nesse sentido, o ensino deve ser moralizador, não voltado para formar operários, mas
para libertar os espíritos das visões egoístas e formar uma ‘piedade social’.
“consciência moral da sociedade não é encontrada por inteiro em todos os indivíduos e com
suficiente vitalidade para impedir qualquer ato que a ofendesse, (...) uniformidade tão
universal e tão absoluta é radicalmente impossível” (DURKHEIM, 1974)

A ‘solidariedade social’/’consciência comum’ variam conforme o modelo de organização


social. Quanto maior a DIVISÃO DO TRABALHO, a consciência comum passa a ocupar uma
reduzida parcela da consciência total, desenvolvendo-se mais a personalidade. Mas, para
Durkheim, essa diferenciação social não diminuiria a coesão, pelo contrário, a unidade do
‘organismo’ (sociedade) seria ainda maior, em razão da interdependência dos membros da
sociedade, já que cada um se torna uma parte do organismo com uma função específica, mas que
depende de todas as outras partes.

Conforme essa diferenciação da sociedade, segundo a divisão do trabalho, a solidariedade


pode ser (i) ORGÂNICA ou (ii) MECÂNICA, e as normas de direito existentes ajudam a diferenciar o
tipo de solidariedade existente.

(i) A SOLIDARIEDADE MECÂNICA existe nas ‘sociedades simples ou não-organizadas’. Essa


solidariedade liga o indivíduo diretamente à sociedade, sem nenhum intermediário, e é um tipo
mais ou menos organizado de crenças comuns a todos os indivíduos, sem que se encontrem
características que diferenciem nitidamente os indivíduos entre si. Os indivíduos são quase nada
desiguais, até a propriedade de bens é coletiva, a educação é difusa e sem mestres. Ainda que se
estabeleça um poder absoluto (ex: rei), este encarna a autoridade emanada da consciência
comum, unindo os membros à imagem do grupo que ele próprio representa.

Nesse tipo de sociedade, as normas jurídicas são essencialmente repressivas. A


consciência coletiva é tão significativa e disseminada que feri-la é uma violência que atinge todos
que se sentem parte da totalidade; assim os membros da coletividade participam conjuntamente
de uma espécie de vingança; nas sociedades primitivas a assembleia do povo faz justiça sem
intermediários, pois os sentimentos coletivos estão profundamente gravados em todas
consciências. A pena existe para sustentar a vitalidade dos laços, e só secundariamente para
corrigir o culpado ou intimidar imitadores.

(ii) A SOLIDARIEDADE ORGÂNICA ocorre nas sociedades modernas, desenvolvidas, com


divisão de trabalho. Ocorre então a individualização dos membros, que passam a ser solidários
por terem uma esfera própria de ação. A divisão do trabalho gera uma interdependência entre
cada membro da sociedade, e tem como função integrar o corpo social, assegurar-lhe unidade. A
função que o indivíduo desempenha é o que marca seu lugar na sociedade, e os grupos formados
por pessoas unidas por afinidades especiais tornam-se órgãos. Portanto, somente existem
indivíduos no sentido moderno da expressão quando a sociedade é altamente diferenciada e a
consciência coletiva ocupa espaço já muito reduzido frente à consciência individual.

Já nessa sociedade, as normas jurídicas são prioritariamente restitutivas. Como não há


uma consciência comum tão forte, as tarefas e normas já não são comuns a todos, mas
específicas de cada setor, o sentimento que o descumprimento das normas gera também não é
comum a todos. Formam-se assim as normas de civil, comercial, processual,... e não mais
essencialmente o direito penal. Forma-se um ‘direito cooperativo’ com ‘sanções restitutivas’ que
se aplicam a círculos específicos da sociedade. Estas expressões do direito sobrepujam a
consciência coletiva.

3.2. SUICÍDIO

Durkheim encara o suicídio enquanto fato social, pois o suicídio não se dá exclusivamente
por motivações privadas, mas tem influência de uma consciência coletiva. Analisando diversas
sociedades, Durkheim identificou ‘correntes suicidogêneas’, estímulos mais ou menos fortes que
levam as pessoas ao suicídio; cada grupo social tem uma disposição coletiva ao suicídio, da qual
derivam as inclinações individuais. Existem três ‘correntes suicidogêneas’ e, portanto, três tipos
de suicídio: (i) egoísta, (ii) altruísta, ou (iii) anômico.

(i) O suicídio egoísta é o que resulta de uma individuação descomedida, aquele que o
indivíduo comete por afirmar em excesso o eu individual acima do eu social. A depressão, a
melancolia, a sensação de desamparo moral provocadas pela desintegração social são causas do
suicídio egoísta. Esse tipo de suicídio é maior em sociedades modernas do que primitivas, em
razão da carência de vida social.

“O egoísmo não é apenas um fator auxiliar dele; é sua causa geradora. Se, nesse caso, o
vínculo que liga o homem à vida se solta, é porque o próprio vínculo que o liga à sociedade se
afrouxou.” (DURKHEIM, 2000)

(ii) O suicídio altruísta tem como terreno a constituição moral daquele que obedece sem
discutir, que tem pouco apego à sua individualidade, cujo princípio de conduta está fora de si
mesmo, mas nos outros. O suicídio altruísta tem como causa o espírito de renúncia e de
abnegação. É o oposto do suicídio egoísta: aqui, os laços com a sociedade são tão fortes que o ego
da pessoa não lhe pertence. Um exemplo de suicídio altruísta são os atos heróicos durante
guerras.

(iii) O suicídio anômico ocorre em razão de um desregramento social, em que as normas


estão ausentes ou perderam o respeito. Tais situações ocorrem, em geral, em meio a crises, a
rupturas da ordem social até então vigente, de forma que o indivíduo não mais se identifica com
as normas da sociedade. A sociedade deixa de estar presente o suficiente para regular as paixões
individuais. É a situação típica das sociedades modernas.

3.3. ANOMIA E DIVISÃO DO TRABALHO

Embora Durkheim acreditasse que a divisão do trabalho gera a interdependência e a


solidariedade orgânica, identificou que isso nem sempre ocorria. Sob certas circunstâncias, a
divisão do trabalho pode agir de maneira dissolvente, não cumprindo o seu papel moral de tornar
solidárias as funções divididas.

Algumas situações que podem levar à anomia seriam: o crescimento desordenado da


indústria pode gerar uma mudança súbita nas crenças vigentes, impedindo a sociedade de
cumprir sua função reguladora. Pode gerar também uma crise econômica, situação em que a
pessoa pode perder sua moralidade: por exemplo, ao ser lançada em uma realidade de pobreza
até então desconhecida, não sabendo como conter suas necessidades, ou ao enriquecer
bruscamente, passando a acreditar que nada pode limitar suas pretensões. O divórcio pode
também levar à anomia, rompendo estado de equilíbrio moral.

O desenvolvimento anômico da divisão do trabalho seria responsável pela degradação da


MORAL:

“Moral (...) é tudo o que é fonte de solidariedade, tudo o que força o indivíduo a contar com
seu próximo, a regular seus movimentos com base em outra coisa que não os impulsos de seu
egoísmo.” (DURKHEIM, 1967)

Já vimos que a modernidade fez a consciência comum perder espaço; houve uma redução
na eficácia de determinadas instituições integradoras, como a religião e a família, já que as
pessoas passaram a se agrupar conforme atividade profissional.

“Embora a educação exprima os elementos comuns que toda a sociedade necessariamente


possui (...) ela também colabora nessa diferenciação, já que cada profissão ‘reclama aptidões
particulares e conhecimentos especiais’. Onde existe uma divisão do trabalho desenvolvida, a
sociedade não tem como regulamentar todas as funções que engendra e, portanto, deixa
descoberta uma parcela da consciência individual” (QUINTANEIRO, 2003)

Seria necessário, portanto, que esse vazio fosse ocupado por outras instituições
integradoras; era necessária uma nova moralidade que pudesse controlar os afetos. Mas o
progresso sem precedentes não foi acompanhado pelo desenvolvimento de instituições dotadas
de autoridade capacitada a regulamentar os interesses e estabelecer limites. Os órgãos sociais se
tornaram insuficientes ou pouco duradouros, surgindo uma situação de desequilíbrio, com
amortecimento do sentimento de interdependência (não concretizando a solidariedade orgânica),
deixando as relações precárias e as regras indefinidas, vagas.

Tendo em vista a importância crescente da profissão, Durkheim propõe que os grupos


profissionais sejam um espaço de reconstrução da moralidade e da solidariedade, vinculando as
pessoas às suas vidas profissionais, de modo a constituir grupos desse gênero, com o dever
profissional assumindo papel que antes o dever doméstico desempenhava.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE!

Para refletir sobre alguns dos conceitos de Durkheim, sugerimos que você assista
“Sociedade dos Poetas Mortos”, filme com Robin Williams dirigido por Peter Weir. Depois,
responda:

(i) Quais os fatos sociais você pode identificar no cotidiano da escola?


(ii) Na primeira aula do professor Keating, ele pede que os alunos arranquem páginas
dos seus livros. Comente a reação dos alunos com base nos fatos sociais.
(iii) Com base na teoria de Durkheim, comente o desfecho do personagem Neil.
BIBLIOGRAFIA CITADA:

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura P. Queiroz. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.

DURKHEIM, Émile. De la división del trabajo social. Tradução de David Maldavsky. Buenos Aires:
Schapire, 1967.

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 4ª edição. Tradução de Lourenço Filho. São Paulo:
Melhoramentos, 1955.

DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo de Sociologia. Tradução de Monica Stahel. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.

QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2ª ed. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2003.

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