Passaremos a analisar, agora, alguns dos principais conceitos e teorias desenvolvidos por
Durkheim.
Durkheim é considerado um dos “pais” da sociologia por ter auxiliado a defini-la enquanto
uma ciência autônoma, distinta da filosofia ou da psicologia. Uma de suas contribuições nesse
sentido foi a definição de um OBJETO próprio para estudo: os FATOS SOCIAIS. O fato social é algo
dotado de vida própria, externo aos membros da sociedade e que exerce sobre seus corações e
mentes uma autoridade que os leva a agir, a pensar e a sentir de uma determinada maneira
(QUINTANEIRO, 2003). Nas próprias palavras do sociólogo, são:
Os FATOS SOCIAIS apresentam três principais características: são (i) gerais, (ii)
externos/exteriores e (iii) coercitivos.
(i) Fato social não é o que individualmente as pessoas pensam ou como agem – isso pode
até ser uma manifestação/encarnação do fato social, mas os fatos sociais são gerais. Para
Durkheim, a sociedade não é resultado do somatório entre os indivíduos, mas é algo novo que se
forma, uma ‘consciência coletiva’ que se distingue das consciências individuais, e é nessa
consciência coletiva que se encontram os fatos sociais. Como exemplo de formação de algo novo
pelo somatório das particularidades, o sociólogo cita o bronze, que é uma mistura de cobre e
estanho, mas com características próprias. O fato social é uma ‘realidade objetiva’, pois
independe da importância que alguém individualmente lhe dá, não necessita se expressar por
pessoa em particular.
(ii) A externalidade dos fatos sociais se comprova porque o ser humano não nasce a eles
subordinado. Os tais ‘modos de agir, pensar e sentir’ ditados pelos fatos sociais são internalizados
por meio de processo educativo; trata-se da ‘socialização metódica’ dos indivíduos, de forma que
com o tempo adquirem como hábito o que foi ensinado e deixam de sentir a coação.
(iii) São coercitivos, pois exercem autoridade sobre o indivíduos: quem não quiser se
submeter a um fato social enfrentará obstáculos, as outras pessoas tentarão
impedir/convencer/restringir, sendo aplicadas sanções (pena formal, risos, censura, violência,
exclusão,...). A coerção em geral só é sentida por quem se opõe ao fato social, antes disso não se
sente, pois o fato social é internalizado.
Vejamos alguns EXEMPLOS de fatos sociais: idioma, regras jurídicas, normas morais,
dogmas religiosos, moda/vestimentas, forma de dançar, de negociar, sistema de moedas, lendas,
concepção de beleza... Para entender melhor suas características, podemos pensar na moeda
nacional, o Real. A utilização do Real não é individual, mas coletiva, e somente por isso faz
sentido; as pessoas não nascem sabendo, mas sim aprendem que devem usar o Real (e não
realizar a troca de produtos ou pagar com ouro); por fim, caso alguém tente fugir da regra,
pagando em outra moeda, como Pesos Argentinos, provavelmente não conseguirá comprar nada.
E afinal, os fatos sociais podem ser mudados? Durkheim acreditava que sim, desde que
vários indivíduos combinem sua ação e desta combinação se desprenda um produto novo que
venha a constituir um fato social.
“A ação transformadora é tanto mais difícil quanto maior o peso ou a centralidade que a
regra, a crença ou a prática social que se quer modificar possuam para a coesão social.
Enquanto nas sociedades modernas, até mesmo os valores relativos à vida – o aborto, a
clonagem humana (...) – podem ser postos em questão, em sociedades tradicionais, os
inovadores enfrentam maiores e às vezes insuperáveis resistências.” (QUINTANEIRO, 2003)
Para o estudo científico, o método sociológico apresenta algumas REGRAS. Talvez a mais
importante seja que os fatos sociais devem ser considerados como ‘coisas’:
“é coisa todo objeto do conhecimento que a inteligência não penetra de maneira natural, tudo
que o espírito não pode chegar a compreender senão sob a condição de sair de si mesmo, por
meio da observação e da experimentação” (DURKHEIM, 1974)
“as representações que podem ser formuladas no decorrer da vida, tendo sido efetuadas sem
método e sem crítica, estão destituídas de valor científico e devem ser afastadas (...) os
homens não esperaram o advento das ciências sociais para formular ideias sobre o direito, a
moralm a família (...). Ora, é sobretudo na sociologia que as prenoções (...) estão em estado
de dominar o espírito e de se substituir às coisas” (DURKHEIM, 1974)
Disso, decorrem algumas outras regras: (i) é preciso afastar sistematicamente as noções
pré-concebidas (‘prenoções’, ‘noções vulgares’); (ii) definir previamente os fenômenos a serem
estudados e partir dos caracteres exteriores que lhes são comuns; e (iii) considerá-los de maneira
mais objetiva possível, independente de suas manifestações individuais. (QUINTANEIRO, 2003)
“diz o que é; verifica o que são as coisas e fica nessa verificação. Não se preocupa em saber se
as verdades que descubra são agradáveis ou desconcertantes (...). Seu papel é o de exprimir a
realidade, não o de julgá-la.” (DURKHEIM, 1955)
O indivíduo possui dois tipos de consciência: uma representa o que a pessoa tem de
individual e distinto, é a que faz dele indivíduo; a outra é comum com todo o grupo, e portanto
não representa a ele mesmo, mas a sociedade que age e vive nele:
“um sistema de ideias, sentimentos e de hábitos que exprimem em nós (...)os grupos
diferentes de que fazemos partes; tais são as crenças religiosas, (...) as tradições nacionais ou
profissionais, (...). Seu conjunto forma o ser social.” (DURKHEIM, 1955)
Essa CONSCIÊNCIA COMUM, conforme vimos na exterioridade dos fatos sociais (ponto 1),
se forma pela instrução pública, pelo processo educativo, pela socialização metódica. Para
Durkheim, nesse sentido, o ensino deve ser moralizador, não voltado para formar operários, mas
para libertar os espíritos das visões egoístas e formar uma ‘piedade social’.
“consciência moral da sociedade não é encontrada por inteiro em todos os indivíduos e com
suficiente vitalidade para impedir qualquer ato que a ofendesse, (...) uniformidade tão
universal e tão absoluta é radicalmente impossível” (DURKHEIM, 1974)
3.2. SUICÍDIO
Durkheim encara o suicídio enquanto fato social, pois o suicídio não se dá exclusivamente
por motivações privadas, mas tem influência de uma consciência coletiva. Analisando diversas
sociedades, Durkheim identificou ‘correntes suicidogêneas’, estímulos mais ou menos fortes que
levam as pessoas ao suicídio; cada grupo social tem uma disposição coletiva ao suicídio, da qual
derivam as inclinações individuais. Existem três ‘correntes suicidogêneas’ e, portanto, três tipos
de suicídio: (i) egoísta, (ii) altruísta, ou (iii) anômico.
(i) O suicídio egoísta é o que resulta de uma individuação descomedida, aquele que o
indivíduo comete por afirmar em excesso o eu individual acima do eu social. A depressão, a
melancolia, a sensação de desamparo moral provocadas pela desintegração social são causas do
suicídio egoísta. Esse tipo de suicídio é maior em sociedades modernas do que primitivas, em
razão da carência de vida social.
“O egoísmo não é apenas um fator auxiliar dele; é sua causa geradora. Se, nesse caso, o
vínculo que liga o homem à vida se solta, é porque o próprio vínculo que o liga à sociedade se
afrouxou.” (DURKHEIM, 2000)
(ii) O suicídio altruísta tem como terreno a constituição moral daquele que obedece sem
discutir, que tem pouco apego à sua individualidade, cujo princípio de conduta está fora de si
mesmo, mas nos outros. O suicídio altruísta tem como causa o espírito de renúncia e de
abnegação. É o oposto do suicídio egoísta: aqui, os laços com a sociedade são tão fortes que o ego
da pessoa não lhe pertence. Um exemplo de suicídio altruísta são os atos heróicos durante
guerras.
“Moral (...) é tudo o que é fonte de solidariedade, tudo o que força o indivíduo a contar com
seu próximo, a regular seus movimentos com base em outra coisa que não os impulsos de seu
egoísmo.” (DURKHEIM, 1967)
Já vimos que a modernidade fez a consciência comum perder espaço; houve uma redução
na eficácia de determinadas instituições integradoras, como a religião e a família, já que as
pessoas passaram a se agrupar conforme atividade profissional.
Seria necessário, portanto, que esse vazio fosse ocupado por outras instituições
integradoras; era necessária uma nova moralidade que pudesse controlar os afetos. Mas o
progresso sem precedentes não foi acompanhado pelo desenvolvimento de instituições dotadas
de autoridade capacitada a regulamentar os interesses e estabelecer limites. Os órgãos sociais se
tornaram insuficientes ou pouco duradouros, surgindo uma situação de desequilíbrio, com
amortecimento do sentimento de interdependência (não concretizando a solidariedade orgânica),
deixando as relações precárias e as regras indefinidas, vagas.
SUGESTÃO DE ATIVIDADE!
Para refletir sobre alguns dos conceitos de Durkheim, sugerimos que você assista
“Sociedade dos Poetas Mortos”, filme com Robin Williams dirigido por Peter Weir. Depois,
responda:
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura P. Queiroz. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
DURKHEIM, Émile. De la división del trabajo social. Tradução de David Maldavsky. Buenos Aires:
Schapire, 1967.
DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 4ª edição. Tradução de Lourenço Filho. São Paulo:
Melhoramentos, 1955.
DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo de Sociologia. Tradução de Monica Stahel. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2ª ed. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2003.