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7 27. Esta expresso se deve a Régis Debrey, que em sua Modeste Contribution aux ay jinas, (19): iekictes 1 ctrémonies officielles du dixiéme anniversaire (Maspero, 1978) evoca este dis Gad Eats Linas Carrpinves, ae oo) Curso aperentemente sem propésito do “qualquer coisa”, que florece hoje om nossas metrépoles. Imagem esclarecedore, com # condigao de entender que este iscurso do "quslquer coisa” nBo se alimenta justamente de HETEROGENEIDADE(S) ENUNCIATIVAS(S) JACQUELINE AUTHIER-REVUZ (Tradugio de Celene M. Cruz ¢ Joio Wanderley Geraldi) A “comp! a" esté na moda: distanciamento, graus de compromentimento, desnivelamentos ou deslocamentos enuncia- tivos, polifonia, desdobramentos ou diviséo do sujeito enunciador... tantas sBo as nog6es que - em quadros tesricos diferentes - do conta de formes lingutsticas discursivas ou textuais alterando a imagem de uma mensagem monédica. Numerosos trabalhos o testemunham, nestes dltimos anos, tra- tando do discurso relatado (direto, indireto, indireto livre), aspas, itélicos citag6es, alusées, ironia, pastiche, esteredtipo, pressuposicéo, pré-cons- trutos, enunciado fo, palavras “argumentativas” - Gostaria, aqui, de me interrogar sobre um conjunto de formas _gue chamo de formas de “heterogeneidade mostrada” por inscreverem o ‘outro ne seqiiéncia do discurso - discurso direto, aspas, formas de retoque ‘ou de glosa, discurso indireto livre, ironia2- relativamente ao estatuto das nasdes enunciativas ("distancia etc.) evocadas acima, bastante problemé- tics @ despeito ou em razéo de seu caréter “natural”, “intutivamente fo- lando”. Parece-me que estas nogdes estéo, de fato, necessariamente ‘ancoradas no exterior da linguistica trazendo - de modo ingénuo ou teéri- co - concepgées do sujeito e de sua relagéo com a linguagem; e que & ina- dequado para a linguistica n&o explicitar sua relacéo cor este exter pois quaisquer que sejam as precaugées tomadas para del autonomamente linguistico, num d s0b a forma “natural” de reproducao, na andlise, das evidéncias vivencia- das pelos sujeitos falantes quanto a sua atividade de linguagem. Assim, & explicitamente que eu gostaria de ns nente paraja campo Tinguistics da enunciaglol a fim de poder. ate caiTpo sam participar da “operagba de sdlvamento do su P. Kanter (1972) denuncieverhé Gz anos’ Para propor o que chamo de|heterogeneidade constitutive dd Se Ua hor Ta a probiemética do dialogismo bakhtiniano; de outro lado, apolar-me- abordagem do sujeito e de sua relacSo com a linguagem. permi Freud e sua releitura por Lecan. E em relagdo @ esse exterior 8 lingulstica - isto &, levando-o em conta mas sem com ele se confundir, tentando mostrar a irredutibilidade e a articulacéo dos dois planos - que proporei uma descrigho da heteroge- ngldade mostzada como formas lingul heterogeneidade mostrada que manifestam, sob 2 ga¢8o, um desconhecimento protetor da heterogeneidade constitutiva,_ deixando para outra-oportunidade o tratamento, sob e mesma dtica das formas néo marcadas desta negociacéo. = Face & pretenséo - espontinea ou teoricamente conduzida - do sujeito como fonte auténoma do sentido que comunica através da lingu abordagens tedricas diversas tém mostrado que toda fala é,determinada de fora da vontade do sujeito e que este “& mais felsdo do que fala’ ~ -—£ste “ide fora’ no 6 0 que, inevitavelmente, o sujeito portador de um sentido encontraria eem func&o do qual se determinariam as fo! mas coneretas de sua existéncia e aquela de seu discurso; esté no exterior 20 sujeito, no discurs6, como coridig&o constitutive de existéncia. Néo pretendo epresentar aqui, ainda que esquematicament ‘qualquer destas abordagens em sua coeréncia, muito menos ainds preten- do “articular” estas sbordagens: contentar-me-el em evocar fragmente- Fiamente os pontos 8 que me remeterei especificamente ao que chemo de heterogeneidade constitutive do sujeito e do seu discurso. 1.1. 0 “dialogismo” do circulo de Bakhtin, como se se tem como preocupagso central o diélogo face a face, mas constitui, de uma reflexéo multiforme, semidtica e literéria, uma teoris da dialogize- “80 interna do discurso. As palavras s8o, sempre e.inevitavelmente, “as palavras dos outros”: esta intuicso atravesse as anélises do plurilinguisma_ 26 e dos jogos de fronteiras constitutivas dos “falares sociais”, das formas ‘lngulsticas © dlscursivas do hidrismo, da bivocalidade que permitem a r presentagdo no discurso do discurso do outro, géneros literérios manifes- tando uma “‘consciéncia galileana da linguagem”, um rir carnavalesco, um. romance polifénico% “Somente o Ad&o mitico, abordando com sua primeira fala um mundo ainda n&o posto em questéo, estaria em condi prio o produtor de um discurso isento do jé dito na fala de outro. Nenhu- ma palavra € “neutra”, mas inevitavelmente “carregade”, “ocupeda”, ““nabiteds”, “atravessada” pelos discursos nos quais “viveu sua existénci Imente sustentada”. O que Bakhtin designa por saturago da lingua- da produgao do sentio e do discurso: coloca os sock Tolitres discursos néo como ambiente que permite extrair halos conotativos avelmente, @ trama mesma do atuto do sujeito do discurso tal como aparece nas nogdes “Yinteng8o"” ou de “orientagao.de.um discurso a um objeto” 6 deslocado ‘de meneira central e torna-se problemético® este é um dos pontos que im- Bedém, a despeito de encontros irrecusdveis, uma aproximegao demasia- damente sisterndtica das _perspecives dialdgicas e “estruturalista” no yrdagem do discurso. 1.2. € & problemética do discurso como produto do interdiscur- 80, tel como foi desenvolvida num conjunto de trabalhos consagrados a0 discurso @ & anélise do discurso? que estou me referindo. Baseadas 30 mesmo tempo na reflex8o de Foucault e na de Althusser, tais anélises pos- tulam um funcionamento regulado do exterior, do interdiscurso, para der conta da produgéo do discurso, maquinaria estrutural ignorada pelo sujei to que, na ilusdo, se eré fonte deste seu discurso, quando ele nada meis 6 do que 0 suporte.e o efeito. “O proprio de toda formacao discursive é o de dissimu- lar, na transparéncia do sentido que nela se forme, 2 objetividade material contraditéria do interdiscurso de- terminante desta formagéo discursiva como tal, objetivi dade material que reside no fato de que “isso fal parle) sempre, “‘antes, alhures e independenemente’ A nogio de|pré-construto, marca do interdiscurso_no i curso - em outras palavras, recuperdvel na sequénci tradis- discursiva - 6, por a stica desta problemética ne sus oposigSo A prassuno- SigB0 corto ato delinguagem. “= ‘Kevidéncia destes processos reais que determinam o sentido e © discurso 6, com efeito, indissociével de uma teorie da ilus8o subjetiva da fala® e de um questionamento das teoria: guisticas da enunciag&o 3 me- ide que estes correm 0 risco de refletir‘“a lluséo necesséria constitutive do sujeito”, contentando-se em reproduzir, no nivel tedrico, esta ‘ilus&o do; ‘sujeito enunciador capaz de escolhas, intengdes ¢ decisdes "9, 1.3. Numa outra perspective - a da teoria d prio, 0 inconsciente - a psicandlise, tal como se explicite, apoi de Saussure, na leitura lacaniana de Freud", produz e duple concepséo d uma fala fundamentalmente heterogénea e de um sujeito.dividido'® ‘Sempre sob as palavras, “‘outras palavras” s8o ditas: 6 0 ostru- tura material da Iingua que permite qu faga escutar a polifonia ndg int anblise pode tentar recuper Esta concengo do discurso atravessado pelo inconsciente.se articula Aquela do sujeito que néo 6 uma entidade homogénes exterior 8 Tinguagem, mas o resultado de uma estrutura complexa, efeito de lingua~ gem: sujeito descentrado, dividido, clivado, barrado...pouco imports @ pa: lavra desde que longe do desdobramento do sujeito ou da divisso-como feito sobre 0 sujeito do seu encontro com o mundo exterior, divis6o que Se poderia tentar apagar por um trabalho de restauracso da unidade de pessos, mantido o caréter estrutual constitutive da clivagem pelo sujeito; ‘Nisto reside o caréter da “ferida narcisica’” que Freud reconhe- ce na descoberta do inconsciente pelo sujeito que “’néo & mais senhor de sua morada” e 6 ai que esté, de fato, a possibilidade do mascaramento. ‘Assim, pode-se considerar que, através de inscrig6es politices opostas, @ ‘antipsiquiatrie de Laing, por exemplo, onde se denuncia o caréteer alle ante do meio social, causa do “divided self” 4 a ego-psicologia adepte tiva se esforgando pare construir um “eu forte”, aut6nomo, que tere deslocado 0 isso", reencontrando-se16 como irmBos inimigos no desco- nhecimento do inconsciente freudiano e do sujeito descentrado que ele es- trutura. 0 que, de fato, Freud coloce 6 que néo hé centro para o sujeite fora da ilui5o € do fantasmagérico, mas que 6 fungéo desta instancia do * sujeito que € 0 eu ser portadora desta iluséo necesséria, E a tal posigéo, 8 fungSo do desconhecimento do eu que, no Imaginério do sujeito divi do, reconstr6i a imagem do sujeito auténomo, apagando # diviséo (eviden- temente inconciliével com todas os variantes de concepgées do sujeito que cy 0 reduzem 80 eu ou 0 centram sobre si préprio) a rio) @ que remete o pon fist seguide 0 qual “o contro 6 ume ito produsda pares tales aoe as ciéncias do homem [e no nosso campo, as.teorias. da enunciagaol to- ‘mam como objeto ignorando que ele & imagind 1.4. En ruptura com 0 EU, fundamento.de subj ca concebide como o interior diante de exterioridade do mindo, o iunde: penta" do sujeito 6 aqui deilocedo, deselojado, “em um lugar maltiplo, fundementaimente heterdnimo, em que @ exterioridade esté no interior do: Se eee isco esté 0 Outro, reencontram-se as consepsoes do discurso, da leoiogia,e do inconsciente, que as teorias da enunciago no podem, sem “iscos pera « lingulstica, esquecer. HT restate Totaimente outro é o ponto de vista lingulstico da descrigéo das forme idade mostrada no discurso, através das quais se aitera @ unicidade aparente da cadeia discursiva, pois elas al inscrever: ¢-outro (segundo modalidades diferentes, com ou sem marcas univocas de sncoragem). 2.1. Para o.conjunto das formes mareadas de mat que me ocuparei aqui, 6 significative que um fragmento tem, ne cedele discursive, rh esta- Na jautontn fragmento mencionado, entre os elementos scompanhade de umelrapture aint] O hi amd atado direto® ou introduzido por um termo metalinguistico (a palovea, 0 termo, a expresséo, a formule X"), nitidemente dell na eadeia discursive, 6 apresentado como objeto: & extralde.d unciative normal e.remetido a outra lugar: aquele de um outro ato de enunciagao (Z disse: “X", na expresso de Z, "x" ) ou, num gesto meta- lingulstico no sentido estrito, aquele da lingua (a palavra, o termo “"X")22. No caso em que me apdio aqui, mais precisamente o da ¢ono: sane aa ta nals arcana mento do qual se faz uso: 6 0 caso do elemento calocado entre aspas, em Glico ou (as vezes) glosado por uma incisa®3. Contrariamente a0 caso ionado 6 inscrito na continuidade sintética do discurso a0 mesmo tempo

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