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Dói. Dói muito. Dói pelo corpo inteiro. Principia nas unhas,
passa pelos cabelos, contagia os ossos, penaliza a memória
e se estende pela altura da pele. Nada fica sem dor. Tam-
bém os olhos, que só armazenam as imagens do que já
fora, doem. A dor vem de afastadas distâncias, sepultados
tempos, inconvenientes lugares, inseguros futuros. Não se
chora pelo amanhã. Só se salga a carne morta. (QUEIRÓS,
2011, p. 7-8, grifo nosso)
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O éthos do eu desdobrado
Nos discursos memorialistas, sobretudo nos considerados au-
tobiográficos, é comum que o estabelecimento da categoria de
pessoa no enunciado se faça de modo peculiar. Instaura-se um eu
que se desdobra em três actantes diferentes, porém, sincretizados
num mesmo ator, projetado no discurso, por sua vez, em momen-
tos distintos do seu percurso narrativo: (i) o protagonista, como
ator do enunciado rememorado; (ii) o narrador, que no presente
da enunciação enunciada retorna a esse passado por meio da me-
mória; e (iii) o enunciador implícito, responsável pela construção
das recordações filtradas, selecionadas e combinadas de maneira
específica.
É no processo de discursivização do percurso narrativo posto
em cena que se configura – de forma mais forte e intensa, porque
mais evidente; ou menos óbvia, porque mais difusa – a sincreti-
zação dos três actantes, a produção do efeito de identidade que
os une. Segundo Barros (2012, p. 193), “o discurso autobiográfi-
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enunciador.
A noção de éthos – herdada da retórica de Aristóteles e concebi-
da no quadro teórico-metodológico da semiótica discursiva “como
feixe de atitudes frente aos objetos de conhecimento que ele [o su-
jeito pragmático da enunciação] introduz e dispõe segundo as aber-
turas e coerções de certa ordem de saber” (BERTRAND, 1982, p.
344), ou enquanto “um sujeito construído pelo discurso e não uma
subjetividade que seria a fonte de onde emanaria o enunciado, de
um psiquismo responsável pelo discurso” (FIORIN, 2008, p. 139),
ou ainda como “um modo próprio de ser e de sofrer emoções e
paixões vistas também como efeito de sentido do próprio discurso”
(DISCINI, 2003, p. 7) – diz respeito à instância enunciativa, à repre-
sentação do eu que emerge não daquilo que ele diz, mas do modo
como diz, portanto, em nada relacionado a um saber extra-discur-
sivo, e sim como identidade encarnada no discurso.
É, por isso, nos elementos do próprio enunciado narrativo que
procuraremos depreender o modo de presença, de ser que deli-
neia o éthos desse eu desdobrado de Vermelho amargo. No caso do
menino, diferente do narrador-adulto, não é no discurso proferido
por ele que buscaremos o éthos construído – mesmo porque, senão
pela delegação do ponto de vista subjacente à narração, a ele não é
dada voz –, mas pelo modo de ser, recuperado pela memória, que
o caracteriza como sujeito no mundo, um “éthos conotado como
percepção” (DISCINI, 2015, p. 168). Quanto ao enunciador, respon-
sável pela produção do enunciado narrativo, é por meio da observa-
ção da forma recorrente de construir as condições de emergência
das duas primeiras imagens desveladas que pretendemos inferir
4 Trecho original: “[...] comme un faisceau d’attitudes au regard des objets de connais-
sance qu’il [le sujet pragmatique de l’énunciation] met en place et qu’il dispose selon
les ouvertures et les contraintes d’un certain ordre du savoir.”
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Algumas considerações
A análise da composição discursiva do relato de Bartolomeu
Campos de Queirós mostrou-nos a habilidade do enunciador em
fazer dialogar de forma plena e constante as dimensões do sen-
sível e do inteligível na construção da memória narrada, em to-
dos os níveis de estruturação do texto, do plano de conteúdo ao
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Referências
BARROS, M. L. P. de. O discurso da memória. Entre o sensível e o inteli-
gível. São Paulo: FFLCH, 2015. Série Produções Acadêmicas Premiadas.
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http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/18896 Acesso
em: 27 julho 2016.
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