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Tanatologia
Tanatologia
Vida e finitude
Reitor
Ricardo Vieiralves de Castro
Vice-reitora
Christina Maioli
Sub-reitora de Graduação
Lená Medeiros de Menezes
Direção
Renato Peixoto Veras
Vice-direção
Célia Pereira Caldas
Tanatologia
Vida e finitude
Rio de Janeiro
2008
CATALOGAÇÃO NA FONTE
CRDE/UnATI/UERJ
R484 Ribeiro, Euler Esteves
Tanatologia: vida e finitude. Informações gerais para os módulos:
velhice e morte, Medicina e morte, cuidados paliativos e bioética - Rio de
Janeiro: UERJ, UnATI, 2008.
145 p.
ISBN 978-85-87897-17-6
CDU 612.67
1 Velhice
e morte
na vida para merecer isto, este castigo?” Há toda uma cultura que vem
se arrastando por muitos anos, por muitos séculos, que explica toda
doença como um castigo divino frente a uma falta (muitas vezes este
castigo tem como causa uma infração que nem mesmo a pessoa cometeu
e, sim, seus antepassados, tal como consta no Velho Testamento).
Negociação – Aparece o sentimento religioso ou a procura por
alguma força superior (que pode adquirir os matizes mais diversos) para
que possa ser feito um acordo de prolongar a vida, isto é, adiar a morte
ou curar. Nesse momento, intensificam-se as manifestações de crença e
se realizam ritos com a finalidade de obter esse resultado. Com freqüên-
cia, tanto o paciente quanto seus familiares tentam todo tipo de recursos
de cura, fazendo uma verdadeira peregrinação por inúmeros cultos, reli-
giões, crenças e ritos. Muitas vezes também são presa fácil de charlatões
que exercem sua impostura tirando proveito econômico do desespero
frente à procura de uma cura milagrosa.
Depressão – Uma tristeza profunda se apodera do doente ou de
seus familiares, ou ambos. Simonton (1987), no seu trabalho, menciona
a grande dificuldade de um enfermo melhorar ou prolongar a vida se for
vítima de depressão. O autor constatou que os pacientes que manifestam
uma firme vontade de sarar, de viver, obtêm uma sobrevida muito signi-
ficativa. Entretanto, os que sofrem de depressão resistem muito menos ao
calvário do tratamento e morrem muito antes.3
Os comportamentos mencionados não são ex-
clusivos do luto antecipatório, são também muito fre-
qüentes no luto real. O ser humano nunca está prepa-
rado para o desconhecido. Por esse motivo, o pavor e
a recusa, diante do fato de conviver com a ausência de
alguém ou mesmo com a idéia de desconhecer o lugar
e a situação para qual o destino o levou.
Apesar do sofrimento, é importante tentar compreender a dinâ-
mica do ciclo da vida e perceber que a morte desempenha o seu papel
na sociedade: o de renovar, dando lugar e espaço para novas vidas.
• LUTO
Chapéu.
Véu.
• A VELA
A chama acesa da vela é um símbolo da individuação, da vida,
e também dos anos representados em festas de aniversários. Também as
velas que ardem ao pé de um defunto simbolizam a luz da “alma” em sua
força ascensional, a pureza da chama espiritual que sobe para o céu, a
perenidade da vida pessoal que chega ao seu ponto mais elevado na
abóbada celeste.
• A MORTE E A CRUZ
Em geral, o papel da cruz é visto como uma ponte por meio da
qual a alma pode chegar a Deus, ou seja, como ligação do mundo terres-
tre com o celestial. Existem vários tipos de cruzes e cada uma tem um
significado envolvido com a morte. Nos dias atuais, elas são usadas como
símbolo que representa a iluminação do ser.
Cruz Cristã
É a mais conhecida, devido à cultura cristã. Era utilizada em
Roma para crucificar criminosos. Por isso, remete ao sacri-
fício de Jesus para pagar os pecados da Humanidade. Repre-
senta a Vida Eterna e a Ressurreição. Um símbolo que lem-
bra de Cristo ou alguém próximo que faleceu.
Simples
Alguns estudiosos definem como cruz grega. Ela é o símbolo
perfeito da união dos opostos.
Calvário
É erguido sobre três degraus, e é relacionado com a subida
de Cristo até ao Calvário para ser crucificado. Exalta a fé,
a esperança e o amor.
Santo André
Representa a humildade, o sofrimento. Segundo estudos,
recebeu esse nome devido a Santo André, que implorou aos
seus algozes para não ser crucificado como o seu Senhor,
não se achava merecedor, então foi crucificado nessa forma.
• VAMPIRISMO E MORCEGOS
Na Idade Média, os morcegos eram figuras associadas com bruxas
e demônios. Essa relação é feita principalmente porque é um animal pouco
visto durante o dia. Segundo a crença, são seres anunciadores da morte.
6 RIBEIRO, Euler Esteves. Viver 100 anos: dicas para envelhecer com sucesso. Manaus:
Editora do Governo do Estado do Amazonas, 2005.
Hipotermia
• Diminuição da sensação de frio
• Diminuição da resposta vaso constritora ao frio
• Diminuição da resposta ao calafrio
• Diminuição da termogênese
Hipertermia
• Elevação do limiar central da temperatura
MODIFICAÇÕES SISTÊMICAS
Pele
• Alterações do colágeno
• Alterações das fibras elásticas
• Alterações dos melanócitos
Pêlos e unhas
• Calvície
• Canice
• Buço
• Crescimento lento
• Formas irregulares
• Onicogrifose
Sistema nervoso
• Diminuição da massa encefálica
• Deposição de proteína BETA AMILÓIDE
• Deposição de proteína TAU
• Diminuição da memória para fatos recentes
• Evocação complicada
• Neurotransmissores diminuídos
• Redução total do sono não-REM
Sistema cardiovascular
• Artérias enrijecidas e tortuosas
• Peso do coração aumentado
• Hipertrofia ventricular
• Pericárdio e endocárdio espessados
• Válvulas aórticas e mitral degeneradas
• Estenose e insuficiência valvar
• Degeneração do sistema de condução
• Redução da capacidade funcional
• Aumento da pressão sistólica
Sistema respiratório
• Enrijecimento das cartilagens da traquéia
• Elasticidade pulmonar diminuída
• Dilatação alveolar e formação de cistos
• Complacência diminuída
• Aumento do volume residual
• CPT não modifica
• CV diminui
• Relação ventilação–perfusão alterada
• PAO2 diminuído
• PACO2 normal
• Eficácia da tosse diminuída
Sistema digestivo
• Perda gradual dos dentes
• Dificuldades de mastigação
• Nutrição prejudicada
• Mucosa vulnerável aos agentes infecciosos
• Glossodínia
• Diminuição das células secretoras
• Motilidade comprometida
• Discenesia biliar
• Fígado diminuído
• Aparecimento de divertículo
Sistema urinário
• Diminuição do tamanho do rim
• Diminuição do número de glomérulos
• Alterações das frações de ejeção
• Alterações da filtração glomerular
• Alteração da depuração da creatinina
• Diminuição na síntese da aldosterona
• Aumento do hormônio antidiurético
Sistema endócrino
• Atrofia das glândulas: tiróide, hipófise
• Paratireóides, supra-renais
• Diminuição da testosterona e estrógenos
• Aumento da produção dos hormônios FSH-LH
• Aumento da resistência à insulina
• Diminuição da tolerância à glicose
Sistema genital
• Atrofia ovariana
• Esterilidade após a menopausa
• Flacidez mamária
• Vagina diminui em comprimento e largura
• Mucosas atrofiadas e ressecadas
• Ptose uterina
• Diminuição do pênis
• Aumento da bolsa escrotal
• Atrofia testicular
• Diminuição da libido
Modelo Sacerdotal
É o mais tradicional, pois se baseia na tradição hipocrática.
Neste modelo, o médico assume uma postura paternalista com relação ao
paciente. Em nome da Beneficência, a decisão tomada pelo médico não
leva em conta os desejos, crenças ou opiniões do paciente. O médico
exerce não só a sua autoridade, mas também o poder na relação com o
paciente. O processo de tomada de decisão é de baixo envolvimento,
baseando-se em uma relação de dominação por parte do médico e de
submissão por parte do paciente.
Em função deste modelo e de uma compreensão equivocada da
origem da palavra “paciente”, este termo passou a ser utilizado com
conotação de passividade. A palavra paciente tem origem grega, signifi-
cando “aquele que sofre”.
Modelo Engenheiro
Ao contrário do Sacerdotal, coloca todo o poder de decisão no
paciente. O médico assume o papel de repassador de informações e
Modelo Colegial
Não diferencia os papéis do médico e do paciente no contexto
da sua relação. O processo de tomada de decisão é de alto envolvimento.
Não existe a caracterização da autoridade do médico como profissional,
e o poder é compartilhado de forma igualitária. A maior restrição a este
modelo é a perda da finalidade da relação médico–paciente, equiparando-
a a uma simples relação entre indivíduos iguais.
Modelo Contratualista
Estabelece que o médico preserva a sua autoridade enquanto
detentor de conhecimentos e habilidades específicas, assumindo a respon-
sabilidade pela tomada de decisões técnicas. O paciente também participa
ativamente no processo de tomada de decisões, exercendo seu poder de
acordo com o estilo de vida e valores morais e pessoais. O processo ocorre
em um clima de efetiva troca de informações e a tomada de decisão pode
ser de médio ou alto envolvimento, tendo por base o compromisso esta-
belecido entre as partes envolvidas.
Este último modelo, entendido por muitos como sendo o ideal da
relação médico–paciente, estabelece a preservação da autoridade do mé-
dico em relação ao paciente em virtude de suas qualidades técnicas e de
conhecimento, mas condiciona o exercício de tal autoridade a uma íntima
relação de confiança entre paciente e médico e a uma troca de informa-
ções recíproca e necessária ao estabelecimento da verdadeira relação de
afeição, credibilidade e confiança a se formar entre as partes.
Além da descrição dos modelos sugeridos pelo Professor Roberto
Veatch, a fim de caracterizar a relação médico–paciente é necessário que
se faça ainda uma rápida análise dos princípios da Bioética, também
chamados de deveres prima facie dos indivíduos, quais sejam:
Princípio da Autonomia
Tal princípio vem sendo estudado ao longo da história, tendo
recebido diferentes denominações e teorias acerca de sua caracterização
e conceituação. Abaixo se apresentam algumas definições destes princípi-
os encontradas na literatura.
• John Stuart Mill:7 propôs que “sobre si mesmo, sobre seu
corpo e sua mente, o indivíduo é soberano”.
• Benjamim Cardozo8 (juiz dos Estados Unidos): sentenciou,
em 1914, no Caso Schloendorff, que “todo ser humano de
idade adulta e com plena consciência tem o direito de decidir
o que pode ser feito no seu próprio corpo”.
• Kant: com o seu Imperativo Categórico, propôs que a auto-
nomia não é incondicional, mas passa por um critério de
universalidade, ou seja, ela é para si mesma uma lei – inde-
pendentemente de como forem constituídos os objetos do
querer.
7 John Stuart Mill (1806–1873), filósofo liberal britânico. Sua obra mais conhecida, On
Liberty (1853), é a Bíblia do Eu (idéia coincidentemente ressuscitada nas décadas de
1960 e 1970 quando da rebelião dos jovens e a entronização das drogas como opção
de vida). Além de defender a liberdade política contra as tiranias, Stuart Mill foi mais
longe, defendendo a “liberdade social” contra a tirania das maiorias e das convenções.
Não foi o criador do utilitarismo (criação de Jeremy Bentham, 1748–1832), mas o seu
principal apóstolo, advogando a supremacia do prazer e o princípio de que as boas ações
são medidas pelo número de beneficiários.
8 A sentença considerada marco histórico neste processo foi dada no ano de 1914 pelo
Juiz Benjamin Cardozo no caso “Schloendorf versus Society of New York Hospital”.
Nesse caso, “o médico retirou um fibroma depois que o paciente havia consentido a um
exame abdominal sob anestesia, mas havia especificado ao médico que não autorizava
cirurgia. Curiosamente, o tribunal não considerou o caso uma violação do direito ao
consentimento esclarecido, nem fez qualquer declaração sobre a informação necessária ao
paciente para ele exercer seu direito à autodeterminação. Ainda assim, a sentença do Juiz
Cardozo é largamente citada na literatura sobre consentimento esclarecido”. (FADEN &
BEAUCHAMP, 1986:123).
9 Os chamados princípios da Bioética foram formulados pela primeira vez em 1978,
quando a “Comissão norte-americana para a proteção da pessoa humana na pesquisa
Princípio da Beneficência
O Princípio da Beneficência tem duas importantes funções e
regras: não causar o mal e maximizar os benefícios possíveis e minimizar
os danos possíveis. Na relação médico–paciente, este princípio é de
observância contínua e irrestrita, haja vista que o paciente, ao procurar
o profissional da área de Saúde, busca a cura para o seu mal, e o
profissional, por sua vez, tentará empreender todos os esforços para não
agravar o mal do paciente e para curá-lo da doença que o aflige. Assim,
entende-se que este princípio estabelece a obrigação moral de agir em
benefício dos outros, porém é importante não confundir a Beneficência
com a Benevolência, esta última entendida como a virtude de se dispor
a agir em benefício dos outros. A Beneficência no contexto médico é o
dever de agir no interesse do paciente, a fim de proporcionar-lhe o maior
conforto possível ou o menor sofrimento, ou ambos, ao seu mal, sempre
com vistas aos demais princípios bioéticos.
Princípio da Não-Maleficência
Este princípio é o mais controverso de todos, pois diversos au-
tores o entendem como parte do conceito do Princípio da Beneficência,
justificando tal posição por acreditarem que, ao evitar o dano intencional,
o indivíduo já está, na realidade, visando ao bem do outro.
Já por volta do ano 430 a.C., Hipócrates propôs aos médicos, no
Parágrafo 12 do primeiro livro da sua obra Epidemia: “Pratique duas
coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente”.
O Princípio da Não-Maleficência propõe a obrigação de não
infligir dano intencional, derivando da máxima da Ética médica “Primum
non nocere”. Assim, percebe-se que o Juramento Hipocrático insere
obrigações de Não-Maleficência e de Beneficência: “Usarei meu poder
Princípio da Privacidade
De acordo com os ensinamentos do Professor Goldim (2000),
“privacidade é a limitação do acesso às informações de uma dada pessoa,
ao acesso à própria pessoa, a sua intimidade, envolvendo as questões de
anonimato, sigilo, afastamento ou solidão. É a liberdade que o paciente
tem de não ser observado sem autorização”.
A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu
Artigo XII, estabelece que: “Ninguém será sujeito a interferências na sua
vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem
a ataques a sua honra e reputação”.
Tal princípio, na relação médico-paciente, é visto com reserva,
pois obviamente o médico deve se abster de repassar as informações
clínicas de seus pacientes para qualquer pessoa, bem como deve evitar a
exposição pública de um caso particular levado ao seu conhecimento pelo
simples fato que existe nesta relação uma confiança muito grande dos
pacientes no sigilo médico.
Desta forma, conclui-se que a base da relação entre médico e
paciente, além dos princípios éticos anteriormente descritos, funda-se em
um relacionamento de confiança, credibilidade e de intimidade que não
permite a exposição da situação médica do paciente para pessoas não
envolvidas com o seu tratamento.
Este conceito foi proposto por Sir David Ross em 1930. Ele
propunha que não há, nem pode haver, regras sem exceção. O dever
prima facie é uma obrigação que se deve cumprir, a menos que ela entre
em conflito numa situação particular com um outro dever de igual ou
maior porte.
Um dever prima facie é obrigatório, salvo quando for sobrepujado
por outras obrigações morais simultâneas. Esta proposta já havia sido
utilizada pelo Tribunal Constitucional Alemão.
Bellino (1997) denomina os deveres prima facie de deveres penúl-
timos. Cattorini (1993) propôs que os deveres prima facie são válidos,
geralmente, de maneira relativa. Quando ocorre um conflito entre deveres
deve ser tomada a decisão de qual deve ser tomado como prioritário nesta
circunstância. Cada dever tem de ser cotejado com os demais e, dentro
da complexidade inerente ao sistema, analisado em conjunto para evitar
conflitos de ações e efeitos indesejados.
A melhor denominação talvez seja a de deveres priorizáveis, isto
é, deveres que, quando comparados entre si, podem ser priorizados de
acordo com a circunstâncias.
Segundo Ross (1930), os deverem prima facie podiam ser
categorizados como:
1. Deveres para com os outros devido a atos prévios de você
mesmo
• Fidelidade (manter as promessas...)
• Reparação (compensar as pessoas por danos ou lesões causa-
das)
• Gratidão (agradecer às pessoas pelos benefícios que conferi-
ram a você)
2. Deveres para com os outros não baseados em ações prévias
• Beneficência (ajudar aos outros em necessidade)
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QUILL TE, TOWNSEND RN. Bad news: delivery, dialogue, and dilemmas. Arch Intern
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14 RIBEIRO, Euler Esteves. Viver 100 anos: dicas para envelhecer com sucesso. Manaus:
Editora do Governo do Estado do Amazonas, 2005.
sua morte, mas que, uma vez tratados de sua depressão, agradeceram a
seus médicos por não terem atendido ao pedido.
Para finalizar, com relação à morte e ao envelhecimento, cabe
relembrar as reflexões feitas por Cícero,16 em seu texto De Senectude.
Mas como é lastimável o velho que, após ter vivido tanto tempo, não
aprendeu a olhar a morte de cima! [...] Aliás, quem pode estar seguro,
mesmo jovem de estar vivo até o anoitecer? Mais ainda: os jovens
correm mais risco de morrer que nós. Adoecem mais facilmente, e
mais gravemente; são mais difíceis de tratar. Assim, não são muitos
a chegar à velhice. [...] Mas retorno à morte que nos espreita. Por que
fazer disso motivo de queixa à velhice, se é um risco que a juventude
compartilha? [...] E o velho nada mais teria a esperar? Então sua
posição é melhor que a do adolescente. Aquilo com que este sonha,
ele já o obteve. O adolescente quer viver muito tempo, o velho já
viveu muito tempo! [...] Quando este fim chega, o passado desapa-
receu. Dele vos resta apenas o que vos puderam trazer a prática das
virtudes e as ações bem conduzidas. Quanto às horas, elas se evadem
assim como os dias, os meses e os anos. O tempo perdido jamais
retorna e ninguém conhece o futuro. Contentemo-nos com o tempo
que nos é dado a viver, seja ele qual for. [... ] Assim como a morte
de um adolescente me faz pensar numa chama viva apagada sob um
jato d’água, a de um velho se assemelha a um fogo que suavemente
se extingue. Os frutos verdes devem ser arrancados à força da árvore
que os carrega; quando estão maduros, ao contrário, eles caem natu-
ralmente. Da mesma forma, a vida é arrancada à força aos adolescen-
tes, enquanto deixa aos poucos os velhos quando chega sua hora [...].
18 Disponível em:
<http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/ti index.cfm?forget=13&revista=35&editorial=1>.
são, são encontrados tanto no Egito como nas Américas, como na Europa
e até mesmo na Ásia. Em algum ponto da maioria das culturas, ao que
tudo indica, as pessoas concluíram que há uma outra vida além desta e
que pelo menos alguns indivíduos merecem ser mantidos e preservados
para a passagem de um lado a outro.
Entre os egípcios, como sabemos, preservavam-se não somente
os corpos dos faraós e membros de suas famílias, mas os corpos de quem
tivesse dinheiro suficiente para pagar pelo custoso processo.20 Há também
o caso de múmias “espontâneas”, aquelas que a composição do solo ou
outras características ambientais – neve, acidez da terra – produziram em
várias partes do mundo. Na América Latina, por exemplo, caso especial
é o dos antigos habitantes do que hoje é o Peru, que sacrificavam crianças
nas montanhas dos Andes, provavelmente para apaziguar os deuses. Ainda
se podem encontrar estes corpos, ricamente vestidos e enfeitados, quase
que completamente conservados, mumificados pela neve e o gelo. Tam-
bém desta região do Peru, e em parte do Chile, vêm as múmias dos
chinchorros.
Assim como as múmias dos Egito, estas também requeriam gran-
de trabalho, sendo que o processo de mumificação exigia grande conhe-
cimento científico.21 Na Irlanda, na região pantanosa que se chama “bog”,
já se encontraram vários corpos de pessoas que viveram ali há vários
séculos, mumificados pelos componentes químicos do lugar. O mais fa-
20 Como resultado, hoje sabemos, há múmias egípcias no mundo inteiro. O que não deixa
de ser triste e surreal ao mesmo tempo: estes pobres corpos eram roubados pelos locais
no Egito e vendidos especialmente a europeus e norte-americanos. No Westminster
College, na Pennsylvania, por exemplo, o Departamento de Ciência tem uma múmia
que foi comprada por um ex-aluno da escola e doada à instituição. Uma placa nos informa
que é o corpo de uma mulher, e fornece outras informações sobre idade aproximada,
ano da chegada aos Estados Unidos, etc. Mas não fornece o nome da mulher. Este nome
se perdeu nas literais areias e nas do tempo. Mas o fato que estes são os restos mortais
de uma mulher que viveu há tantos séculos se transformou em um ponto emocional,
especialmente para as alunas da universidade. Muitas delas fazem questão de passar pelo
esquife de vidro e dizer alô para a “garota” que faz parte da escola. Algumas a chamam
de “bela adormecida.” Talvez esta seja uma maneira melhor que estar dentro de um esquife
em um museu?
21 Ver <http://www.mummytombs.com/mummylocator/group/chinchorro.htm> para mais
detalhes.
22 Ver mais informação em Thomas Hale, Griots and Griottes, Indiana University Press,
1998.
23 Uma busca rápida na internet, com a frase “el día de los muertos” fornecerá acesso a muitas
páginas em inglês e espanhol nas quais se encontram mais detalhes desta festa, assim
como as divertidas figuras da morte em várias atividades sociais e culturais. Estas
figurinhas, sempre engraçadas, são um dos símbolos do México.
2.5 Terminalidade
Claísa Maria Mirante
ficados”. O ato heróico perpassa a vida do ser humano como uma neces-
sidade de afirmação de suas potencialidades, o homem de grandes reali-
zações, de grandes construções e feitos extraordinários. Ao mesmo tempo
em que alimenta a sua auto-estima – e, consequentemente, a vida –,
coloca a morte num lugar distante. O narcisismo aparece aí, o que é
perfeito, o belo é eterno. A idéia de narcisismo permite ao homem o
status de semi-deus, para esse, quem morre é o outro, o colega, o vizinho.
Segundo Freud “o inconsciente não conhece a morte e o tempo,
o homem se sente imortal”. De acordo com Becker, no homem, o
narcisismo é inseparável da auto-estima. Em suas palavras, “quando se
combina o narcisismo com a necessidade básica de amor-próprio, cria-se
uma criatura que tem de sentir um objeto de valor fundamental, a primei-
ra no universo, representando em si mesma a vida toda”.
Becker (1973) escreve que uma das grandes redescobertas do
pensamento moderno é que, de todas as coisas que movem o homem,
uma das principais é o seu terror da morte. Ele demonstra que no século
XIX, o homem heróico era aquele que podia entrar no mundo espiritual,
no mundo dos mortos, e voltar vivo. Cita o exemplo da ressurreição de
Cristo, na Páscoa. Todas as religiões históricas procuraram explicar como
suportar e aceitar o fim da vida.
Alguns estudiosos não acreditam que o medo da morte nasça
com o homem. Eles acham que esse medo se desenvolve na criança a
partir dos três anos de idade. A criança até então só percebe as coisas
vivas. Aos poucos e gradativamente, ela começa a introjetar a idéia de
morte, que a princípio se assemelha à ausência, e caminha para a con-
clusão de que essa ausência é para sempre; mas ela só percebe a
inevitabilidade da morte lá pelos nove anos de idade. Conforme esse
ponto de vista em relação ao medo da morte, esse é algo que a sociedade
cria e ao mesmo tempo usa contra a pessoa, para mantê-la submissa.
Sendo assim, quanto mais experiências mórbidas uma pessoa tem ao
longo de sua vida, maior será a ansiedade da morte.
Algumas pessoas acreditam nesta hipótese, mas argumentariam
que, apesar de tudo, o temor da morte é natural e está presente em todos
os indivíduos. O que fundamenta essa afirmação é que o medo da morte
muitas vezes aparece camuflado na vida do indivíduo, essa face escondida
25 GUTIERREZ, Pilar L. O que é o paciente terminal? Passo Fundo (RS). Rev Ass Med
Brasil 2001; 47(2): 85-109.
26 Médico Assistente da UTI do Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo (SP).
27 Psicóloga da UTI do Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo (SP).
o tratamento e em que nível este deve ser efetuado. Porém, sabemos que
em alguns casos o tratamento pode levar a uma melhora clínica, mesmo
que transitória, possibilitando ao paciente situações de convívio familiar
que, por menor que possa parecer para a equipe médica, pode ser fun-
damental para o paciente e sua família.
Quando o objetivo é qualidade de vida, está implícito um juízo
de valor ao determinar a futilidade de um determinado tratamento, posto
que não há conceito único e universal de qualidade de vida, mas sim um
conceito pessoal que varia de pessoa para pessoa. Para tomar decisões
baseadas também no conceito de qualidade de vida é necessário conside-
rar os aspectos existenciais do paciente e de sua família, que constituem
um complexo biossocioespiritual.
É quase um consenso entre nós que pacientes portadores de
neoplasia em estado avançado, refratários a todo e qualquer tipo de tra-
tamento, merecem, como todos, um final livre de dor e com a presença
de seus familiares. Nos casos de pacientes em quadro vegetativo, a dis-
cussão entre a manutenção do tratamento pode ser mais acirrada. Com
a progressão do processo clínico que levou ao estado vegetativo, a família
vai aos poucos mudando o modo de encarar a saúde do paciente, valo-
rizando pequenas melhoras ou atitudes do paciente, como até um piscar
de olhos em casos de seqüela de traumatismo craniano, e para ela este
simples ato é um motivo de extrema alegria.
Por mais absurdo que possa parecer à equipe multidisciplinar e
fontes pagadoras ficar investindo com todo arsenal terapêutico num pacien-
te sem possibilidades de melhora, devemos saber que a família é soberana
na decisão e tem o total direito, inclusive legal, de que todo tipo de
tratamento seja feito, independente do prognóstico e do tempo de internação
hospitalar. Neste contexto, ressaltamos que o tratamento não visa somente
à cura, mas também ao alívio da dor, conforto e estabilidade clínica, por
mais reservado que seja o prognóstico. Cabe ao médico, nesse caso, dar à
família noções sobre sofrimento do paciente, complicações e evolução clí-
nica, para que num consenso seja instituída a melhor forma de tratamento.
Outro aspecto de importância para ser analisado nestas situações
é a questão religiosa, que para muitos é soberana perante qualquer outro
fator clínico ou social. Existem algumas religiões que preconizam que a
porar a perda na vida afetiva contrapõe aquilo que queremos com aquilo
que devemos e aquilo que conseguimos. O conflito é, por exemplo, a
contraposição entre o fato de sabermos que a morte deve ser inevitável,
até como decorrência normal de quem vive, mas mesmo assim não que-
remos e nem conseguimos aplicar à realidade essa conotação racional.
Muitos outros conflitos, ainda mais complexos, podem estar presentes
diante da perda de um ente querido.
No chamado processo da pena se incluem três tarefas necessárias
para que a pessoa volte a se reintegrar a sua vida normal. Estas atividades
abrangem:
• liberar-se dos laços com a pessoa falecida;
• reajustar-se ao ambiente onde a pessoa falecida já não está;
• formar novas relações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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of Pschiatr 151(6, Suppl): 155-160, 1994.
RANDO, TA. Grief, Ding and Death: Clinical Interventions for Caregivers. Champaign:
Research Press Company, 1984.
sendo relativizada pelo que se denomina como bom senso e pelo desen-
volvimento da área de cuidados paliativos, ainda está longe o consenso e
muitas dúvidas permeiam este campo. Não são decisões simples, elas
demandam uma discussão ampliada, incluindo os vários setores direta-
mente envolvidos, bem como a sociedade como um todo.
Estivemos falando até agora da possibilidade de se capacitar o
paciente para que possa exercer a sua autonomia. Entretanto, há situações
em que isto não é possível, pois este não se encontra em condições de
decidir, uma vez inconsciente ou demenciado. Nesse caso, o envolvimento
se restringe à família e à equipe, e o princípio que deve predominar é o
da beneficência, que é um conceito relativo, já que a noção de beneficên-
cia é muito variável para cada ser humano.
Gostaríamos de incluir um outro ponto que consideramos rele-
vante nessa situação: se o paciente se encontra inconsciente ou demenciado,
ele já pode ter expresso a sua vontade em outras ocasiões. Lembramos o
caso do Sr. X, impossibilitado de se comunicar por ocasião do seu der-
rame, porém já tendo se manifestado anteriormente quanto a sua vontade
de que nenhuma intervenção fosse efetuada após os seus ataques cardía-
cos. Não deveria a sua vontade anterior prevalecer neste caso? Não ser
encaminhado à UTI, não ser alimentado artificialmente, não ser mantido
vivo por aparelhos, não ter as suas mãos amarradas!
O que agrava todas estas situações é a possibilidade da morte.
Tem o paciente a possibilidade de optar por morrer, tem ele o direito de
pedir que não se faça nada de extraordinário? Tem ele o direito de que
o médico o atenda desta forma? Deve o médico atender ao pedido do seu
paciente? Tem o médico o direito de intervir mesmo contra a vontade do
paciente? Quem será acusado de quê?
Há uma legislação em vigor, que está sofrendo alterações, e uma
sociedade passando por grandes modificações. Na entrada do novo milê-
nio, em conjunto com os grandes avanços da ciência e da tecnologia,
torna-se urgente um profundo debate sobre a Ética que norteia decisões
desse tipo. Mais do que a ciência e a lei, busca-se a compreensão do
profundo drama humano que envolve a vida e a morte, mas principalmen-
te conceitos como liberdade e dignidade. Estes são conceitos universais,
mas que têm para cada ser humano significados muito particulares, que
em momentos-limite adquirem fundamental importância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Columbia University Press, 1972.
ZIEGLER, J. Os vivos e a morte. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
vivo, pois quando existimos a morte não existe, e quando a morte está
presente, deixamos de existir.
No entanto, apesar do discurso materialista sobre a morte apelar
fortemente para a razão, esforçando-se em deixar a emoção de lado, no
ser humano normal o medo de morrer pode gerar um apego muito forte
aos elementos do cotidiano, um desespero diante da possibilidade de
perder tudo o que colecionou durante a vida com a morte. Outra contri-
buição ao medo da morte, além dessa noção materialista de perder tudo,
é a cultura ocidental, com sua obsessão pela idéia do ser jovem como
metáfora de vida saudável.
“Lo que hace un hombre es como si lo hicieran todos los hombres. Por
eso no es injusto que una desobediencia en un jardin contamine al género
humano [...]”
Jorge Luis Borges, Ficciones.
OS PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA
Desde os seus primórdios, imaginou-se a Bioética como uma
fonte de normas, de regras gerais e de princípios, com objetivo principal
de disciplinar eticamente o trabalho de investigação científica e de apli-
cação dos seus resultados, protegendo a Biologia da ameaça de
desumanização. A própria comunidade científica despertou para essa
necessidade fazendo com que os princípios da Bioética constituíssem nas
suas primeiras formulações uma espécie de Código de Ética Profissional
para cientistas e pesquisadores. A partir do início da década de 1950, a
rapidez e sofisticação das novas descobertas biológicas suscitaram indaga-
ções morais que procuraram resposta na formulação de princípios éticos
que em sua origem pretendiam regular a pesquisa e a engenharia genéti-
cas, consideradas em muitos aspectos como uma ameaça à inviolabilidade
da pessoa humana. Mas os princípios pretendiam também exercer o papel
de fonte de obrigações e direitos morais – constituindo-se em principia
(ENGELHARDT, 1996) – que expressavam raízes da vida moral, sendo
suas determinações obrigatórias por si mesmas.
Os avanços do conhecimento científico no contexto de desconhe-
cimento objetivo sobre os resultados da aplicação das tecnologias, e tam-
bém de uma certa paranóia nascida mais do culto da ficção científica do
que propriamente da ciência, provocaram uma proliferação de regras
bioéticas ou deontológicas de caráter geral, cuja fundamentação se encon-
tram nos princípios da Bioética. Os antecedentes normativos do Biodireito,
ritmo acelerado a partir de 1950 fez mesmo com que o argumento con-
trário ao prosseguimento das pesquisas fosse aceito pela comunidade ci-
entífica, durante a reunião de Asilomar, em 1974, quando os cientistas
concordaram em estabelecer uma moratória nas pesquisas sobre a
recombinação artificial com vistas à transferência de material genético
para uma célula receptora. Em 1975, ainda em Asilomar, a moratória foi
suspensa, retomando-se as pesquisas. Constatamos, assim, como para o
pensamento conservador o importante, tendo em vista a imprevisibilidade
do novo mundo que se vai abrindo para o conhecimento humano, é evitar
o risco tecnológico, ainda que custe novos avanços na ciência.
A posição liberal sustenta não ser possível determinar uma defi-
nição do bom e do mal de forma abstrata e com expressão universal. Em
conseqüência, o importante nas questões da Bioética, como em todos os
demais problemas sociais, consistirá na preservação da liberdade de esco-
lha e do debate público, permitindo-se que cada indivíduo e comunidade
estabeleçam seus próprios padrões de controle (CHARLESWORTH, 1993).
Os liberais consideram mesmo que esta não é uma questão essencial, pois
cada sociedade, em princípio, deve determinar os seus próprios parâmetros
normativos, seja do ponto de vista moral seja sob o aspecto jurídico.
futuros –, mas sim uma ética da atualidade, que se preocupa com o futuro
e pretende protegê-lo para os nossos descendentes das conseqüências de
nossa ação presente” (JONAS, 1998). Essa responsabilidade moral, núcleo
da Ética do futuro, não é, portanto, a responsabilidade civil clássica,
determinada pelo cálculo do que foi feito, mas pela “determinação daquilo
que se irá fazer. Um conceito em virtude do qual eu me sinto responsável,
portanto, não em primeiro lugar por meu comportamento e suas conse-
qüências, mas da coisa que reivindica o meu agir” (JONAS, 1995). Essa
é a idéia fundante das novas responsabilidades que se torna característica
quando referidas às coisas a que se destinam o agir humano, seja o corpo
humano, os animais ou o equilíbrio ecológico.
Por ambas as razões, o tema da Bioética extrapolou a área restrita
dos hospitais e a própria profissão médica e se tornou tema a ser anali-
sado na espaço público democrático. Tratando de assunto essencial para
a sobrevivência da Humanidade, e que envolve liberdades, direitos e
deveres da pessoa, da sociedade e do Estado, a Bioética se transformou
na mais recente fonte de direitos humanos. Esse trânsito da Bioética para
o Biodireito, no plano internacional, materializou-se por meio da Decla-
ração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, elaborada
pelo Comitê de Especialistas Governamentais da Unesco, tornada pública
em 11 de novembro de 1997. O texto, assinado por 186 países-membros
da Unesco – portanto, fonte legitimadora do documento – estabelece os
limites éticos a serem obedecidos nas pesquisas genéticas, especificamente
as pesquisas relativas à intervenção sobre o patrimônio genético do ser
humano. A natureza ética e jurídica do citado documento, como veremos
adiante, remete-nos à constatação de que é necessário, para que ocorra a
passagem da ordem ética para a ordem jurídica, a explicitação de uma
norma, mas que tenha características de universalidade próprias do dis-
curso ético. Não se trata, portanto, de uma simples formalização jurídica
de princípios estabelecidos por um grupo de sábios ou mesmo proclama-
dos por um legislador religioso ou moral. O Biodireito pressupõe a ela-
boração de uma categoria intermediária que se materializa nos direitos
humanos, assegurando os seus fundamentos racionais e legitimadores.
A formulação de uma nova categoria de direitos humanos – a dos
direitos do ser humano no campo da Biologia e da Genética – responde
argumentos morais impedem que uma pessoa acate uma determinada lei.
Este é um exemplo de que a Moral e o Direito, apesar de se referirem
a uma mesma sociedade, podem ter perspectivas discordantes.
A Ética é o estudo geral do que é bom ou mau. Um dos objetivos
da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela Moral e
pelo Direito. Ela é diferente de ambos – Moral e Direito –, pois não
estabelece regras. Esta reflexão sobre a ação humana é que a caracteriza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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