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O cientista como citador* INTRODUGAO ‘A competéncia redacional do cientista pressup0e a capacidade de fazer citagdes, entretanto, no prepa 10 de especialistas em ciéncias — ¢ nas artes ~ pa- rece ndo haver uma atengdo especial & aquisigdo € cultivo de estratégias do citar. Uma consulta a ma- nuais de metodologia do trabalho cientitico e de redagdo de monograflas revelaré quo pouco tem sido estudado o problema, apesar de sua importin- cia para a comunicagdo escrita eficaz. Dentre as fontes consultadas, destacarfamos: Othon M. Gar- cia (Comunicagdo em prosa moderna. 58 ed., Rio, Fundago Getilio Vargas, 1977), por incluir uma seco sobre Citago na parte referente a prepara: 40 dos originais (p. 394). Assim, Garcia lembra que “As citagdes devem ser exatas...”, ..."vir entre aspas duplas..”, Também salientarfamos Adriano da Gama Kury (Elaboracdo e editoragdo de traba- Ihos de nivel universitério. Rio de Janeiro, Funda- go Casa de Rui Barbosa, 1980), por ter incluido ‘uma segdo sobre Citagbes (p. 30-34), em que sfo caracterizados dois tipos gerais de citagdo (Formal ¢ conceptual) ¢ apresentadas normas para orienta- g40 do citador. Nas duas fontes no hé, entretanto, ‘uma explicitagao dos aspectos estilisticos, do citar, por isso, decidimos sistematizar os dados colhidos em pesquisa feita em dissertagdes de mestrado € artigos cientificos diversos. Recorremos, também, ao excelente manual americano de Jacques Barzun ¢ Henry F. Graff The modern researcher. 3rd ed. New York, Harcourt Brace Jovanovich, 1977). Seu capitulo 14 intitulase As artes de citar e traduzir. OS PRINCIPIOS DO CITAR 1. Cite com um propésito bem claro, definido, re- levante Faga uma citagdo para relacionar um pensamen- to alheio, relevante a suas proprias idéias. Cite para transmitir uma idéia memorével ou notdvel, por seu alcance. Recorra a uma citagdo quando tiver que docu- mentar assertivas de especialistas, em pesquisa bi- bliogréfica, por exemplo, 2. Seja parcimonioso (como cientista) ¢ breve co- mo citador Voce abusa de citagdes? Ultrapassam 5% de seu texto? Verifique a proporgdo de citagdes (quer ipsis verbis, quer parafreseadas) em seus escritos. ‘io cite demais: a formulagao do texto deve ser sua e nfo de outros pensadores. 3. Atribua as suas citagdes um valor razodvel Lembre-se de que uma citagZo é primordialmen- te uma ilustragdo e nfo uma evidéncia ou prova. Nao é a extensfo, a profundidade ou a énfase de sua citagdo que ird convencer 0 leitor. Cite uma “qutoridade” para dar confiabilidade adicional a seu argumento, mas é 0 que vocé diz € nfo 0 pen- samento alheio que iré persuadir 0 leitor. 4, Faga citagdes integradas Se vocé optar por citar, integre, sempre que possivel, a citagio em seu proprio texto. Produza ‘uma fusdo ideativa, como se as idéias do Autor & as suas objetivassem o mesmo “efeito”. fazer citagées integradas pressupde um domi- io da capacidade de relacionar idéias. Para isso, releia atentamente o fragmento a citar e descubra ‘a maneira mais eficaz de integrélo harmoniosa- ‘mente 8 sua criagdo textual. 5. Cite diretamente da fonte, quando tal procedi- mento der mais forga a sua argumentagao do que a estratégia da pardfrase (dizer em suas pré- prias palavras) Compete a vocé decidir quando citar o autor, ae CIENCIA E CULTURA, 37(12), DEZEMBRO DE 1985 transcrevendo as palavras fielmente, ou parafra- sear, isto é, traduzir a idéia alheia, dando-lhe ou- tra expressio lingiiistica. De qualquer modo, pen- se primeiro no provével “efeito” de uma ou outra solugo em seus leitores. Como afirma Garcia (op. cit), Cite com exati- dio Seja fiel a0 original. Vé diretamente & fonte; nfo recorra a citagdes “indiretas”, isto é, de fon- tes que nifo sejam as proprias obras citadas. 7. Traduza as citagbes em lingua estrangeira, para facilitar 0 “processamento” de seus leitores Esse principio ¢ facil de formular, mas dificil de por em pritica: exige do tradutor uma compe- téncia especifica ~ a arte-cigncia tradut6ria ~ que pode, entretanto, ser resumida em outro princi- pio: ao traduzir de uma lingua estrangeira para sua lingua materna, aplique a estratégia do equivalente mais esponténeo ou natural naquele contexto. Leia ‘© texto em lingua estrangeira; deixe-o de lado por ‘um minuto; sem recorrer ao mesmo, faga sua tra- dugdo, buscando o “equivalente contextual”. Aps ‘esse desafio cognitivo, compare os textos € dé os retoques estilisticos necessérios. Tal procedimento poderd assegurar uma traduedo mais consentinea com os padrdes estilisticos da lingua portugues Em suma, evite traduzir se vocé ndo for suficiente- mente competente para essa complexa tarefa. 8, Identifique sempre 0(8) autor(es) citado(s) ou mencionado(s). Este principio, aparentemente dbvio, as vezes niio é observado por inexperientes autores de mo- nografias, particularmente dissertagdes de mes- trado, Assim, deparamo-nos com fases como estas: “Pesquisas recentes revelam que...", “Alguns pes- quisadores tém procurado investigar...”. Nestes casos 0 leitor nfo é esclarecido quem fez tais pes- quisas e onde as publicou, Nada é mais frustrante para quem 1é do que no receber os indispensiveis dados bibliogréficos completos! O autor que parte do pressuposto de que seus leitores conhecem as obras citadas e, por isso, no precisam de referén- cias completas esté infringindo uma norma do ci- tar: facilite, para o leitor, a identificagdo das refe- réncias (ou meng®es) feitas. Somente no caso de 2043 citagbes “célebres” (do tipo Shakespeare) ¢ uni- versalmente conhecidas seria dispensével a identi- ficagio plena da fonte citada. Em suma, observe © senso de completude — trago importantissimo da competéncia do cientista ~ e forneca a seu lei- tor a informagio bibliogréfica necesséria 9, Estude a “esiistica” da arteséenica do citar em obras de sua frea de especializagao ‘A observagdo sistemdtica dos padroes de citar de colegas pode trazer muitos beneficios a0 apri- ‘moramento de sua condigao de citador. Eis uma pequena amostra das opgSes feitas por citadores em dissertagdes de mestrado (érea de letras e psicologia): itagdo simples @ linha indica 0 nome do autor) Segundo ere cine . - Como afirma itagéo interrompida Afirma que Conforme adverte: itagdo com énfase Disse-o muito bem —:“. ybserva com razio: “. Quem diz é 0 proprio Gitagdo compartithada Fazemos nossas as palavras de Consideramos como que Qtagdo de concordéncia Assim também pensa para quem “ Da mesma opinido é Cttagdo longa justificada “Emibora a citagdo seja longa, é importante . tagdo adicional Aessa considera, acrescenta as seguin- tes: “ ‘inde uma vez: Gitagdo parafraseada, “anunciada” pelo citador parafraseamos een 2044 Gitagdo de natureza didética ensina que “.. Na ligo do mestre Aniincio protixo de que serd feita uma citagdo Vale a pena transcrever 0 texto de expres: so nos seguintes termos: p Aniincio protixo de que serdo feitas citagdes “sele- tivas” Varios trechos seus poderiam ser transcritos. Limi- tar-nos-emos a alguns: “........ 4.” CIENCIA E CULTURA, 37(12), DEZEMBRO DE 1985 CONCLUSOES Seja breve, objetivo, estilisticamente elegante ao citar. Explore as opges que a lingua portuguesa oferece, em beneficio de seu estilo e de seu leitor. Francisco Gomes de Matos UFPE ~ Recife

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