Você está na página 1de 10
“Gramatica e Literatura: Desencontros e esperancas”’ Gostaria de comegar una reflexo sobre en sino de lingua e Literatura, relenbrando que, no meu tenpo de estudante de ginasio e colégio, Ateratura brasileira, Mteratura portuguesa ¢ Lingua portuguesa faziam parte de una discipli na denoninada portugués. Af se lia, af se redi gia, af nos informavan dos saberes 44 existen- tes a respeito da literatura (especialmente a Historia Literdria, a Retérica e a Poética tra @icionais) e da Lingua (a grandtica normativa) . Mas, apesar de reunidas nuna mesma disciplina ena mesma figura do professor, a Lingua e a Lteratura permanectam como dois campos separa dos, didaticanente distribufdos em horarios di ferentes. Hoje a separago se acentuou,pois da disciplina de comunicagdo e expressi, no pri neiro grau, ndo faz parte a Literatura que sé vai entrar no programa de 2° grau,entendida co mo. Histéria Literaria ou apresentacao de auto- res.e, obras exigidos no vestibular. No primei- ro gxau, 0.que acontece & a entrada esporddica de, um ot outro Livro, ou de fragmentos, e 0 do ninio dos chamados para-didaticos. Ontem, como hoje, dificilmente conseguia~ nos integrar 0 estudo da Lingua eo estudo da Literatura. Senpre as aulas de lingua tiveram a tendéncia a se.concentrar na granética, estu dada abstratamente, através de exenplos soltos, de frases pré-fabricadas sob medida para os fi Ligia Chiappini Moraes (Universidade de Sao Paulo) tos granaticais a exenplificar ou a exercitar. As vezes, pretendendo tornar a aula de grandti ca mais interessante (e duplanente dti1, t1us- trando os seus alunos) 0 professor trazia (ou traz) um texto Iiterdrio.para nele nos exerci~ tarmos na busca de oracdes subordinadas ou de substantivos abstratos, Também era (e é) fre~ qlente a utilizagio de enunciades pescados ci e 1d em contos, romances ou poenas de escrito~ res consagrados para transforni-los, como a propria grantica o faz, em norma ow, a0 con= traric, em exenplos das excegdes pernitidas , porque provindas da pena de uma autoridade (0 autor famoso) . ‘A questo que se coloca & se essa separa~ go & inevitavel, enquanto exigéncia da pré~ pria escola com sua conpartimentaggo artifi~ cial do saber ou se haveria outra maneira de ensinar lingua e literatura de modo a dinami ~ zar e relacionar organicamente’as duas. E, ha~ vendo possibilidade de’ transformar.o ensino de comunicagio e expressao 0 qué isso mudaria? 0 que ganharian os alunos, os professores, a es~ cola ou a sociedade com essa mudanca? 0s. alu~ nos aprenderian mais ou melhor a Lingua e lite ratura? Sio questdes que ndo é possivel responder sem nos aprofundarnos um pouco no que entende- nos por literatura e por lingua. 4B Nos fltinos vinte anos, com o aprofunda- mento dos estudos de Linglistica e de Teoria Literaria, ten ficado cada vez mais claro para todos nds que o material com que trabatha a li teratura & fundamentalmente a palavra e que , portanto, estudar Literatura é também estudar Lingua ¢ vice-versa, Esses nesnos estudos tém- nos denonstrado que 0 uso Iiterdrio da Lingua~ gen & un entre os varios outros possivels que, mesmo quando utilizada em sua funcdo domi nantenente referencial, na comunicagio de todo © dia, a linguagem percorre registros diferen- tes, dependendo das circunstncias concretas, dos falantes e ouvintes, sendo a norma culta, ensinada pela escola, apenas una possibilidade entre outras do seu uso. Finalnente, a Lingifs tica nos alerta para a especificidade da Linr quagen oral e da Linguagen escrita, cada qual con suas préprias normas, questo, alias, com que'a literatura sempre se debate quando ten de resolver a maneira nais verossinil de gra~ far a fala de seus personagens, en sintonia con a sua situagdo de classe, sua cultura, sua idade, etc... Atentos para essas distingdes,0s Lnglistas se perguntam nesno 0 que ensinar 44 portugués, se no & neranente ensinar..o padre nosso ao Vigirio. Isto &, em que medida e ‘em que sentido podemos ensinar a Lfngua naterna a pessoas que a utilizam con todo o donfnio ne- cessario para se expressar e se comunicar na sua vida quotidiana? # ensinar a norma culta ? # ensinar a lingua escrita? £ ensinar o falan~ te a perceber (para situar-se inclusive soctal nente) os diferentes niveis, registros ou usos da Linguagem que ele cono falante natural da Lfngua portuguesa pode doninar? Por outro, lado, os professores de conuni~ cagio e expressdo, inconfornades com o bizanti, nisno dos programas oficiais, tém freqlentenen te tentado superar, na pratica, a dicotonia Lingua/iiteratura, buscando integrar 0 traba Iho com a’ linguagen en sala de aula, através da ledtura ou produgio de textos que leven 0 aluno a assunir erftica e criativamente a sua fungdo de sujeito do discurso; seja enguanto falante ou eseritor, seja enquanto ouvinte ou lettor -- intérprete H4 uma espacie de intuicio por parte de alguns professores nais inquietos de que a su- peracdo dessa dicotomia concorre para desenvol ver a riqueza de possibilidades do dizer cono redicar, formar e apresentar pelo discurso, un ‘ponto de vista (a expressdo é de Alfredo Bost, SER E 0 TEMPO DA POESIA, capitulo “Inagen, aiscurso"). Mas essa intuicio e esse desejo de mudar freqhentemente esbarram com o peso da tradic¢io, a imposicao dos programas a cunprir ou mesno con as justificagées tedricas do énsino tradi- cional da granética cono fundanental ao don{ - nio da fala e da escrita ou cono forna objeti~ va de conprovar uma produgdo, um progresso, un acimulo de informagdes perfeitamente mensura- veis e notiveis no trabalho do estudante. En 1977, un grupo de professores da Oni- versidade de So Paulo, da Unicanp e do nivel mdio, preocupados com a desvalorizacao dos es tudos hunanfsticos na sociedade atual, con as Aificuldades de expresso escrita e oral dos alunos, com o baixo nivel das redagdes no ves~ tibular e outros sintomas semelhantes da crise edueacional, tal cono ela se dé na nossa rea especifica, de professores ce Letras, resolveu exiar una assoctagio que, reunindo professores dos trés niveis, pudesse constituir un espaco de troca de etperincia, reflexio, debate ¢ busca de solucdes dos problemas enfrentados no dig-a-dia da sala de aula, Nas discussées que precederam a criagéo da atual A.P.L.L. (Associa gdo de Professores de L{nqua e Literatura) ,una das dificuldades inictats foi encontrar un no- ne que abarcasse a generalidade dos seus asso- clados: professores que trabalhan com os tex~ tos e a linguagem em qualauer nivel, Inicialmen te propiinhanos que se chamasse Associacio de Professores de Literatura, nas ai os colegas do Secundario reclamaram que a literatura nao havia’ no primetro grau e sugerirani que se cha- masse Associagao de Professores dé Portugués Mas, além dessa nonenclatura ser anacrénica, a partir da led 5.692 que rebatizoti-a diséiplina de portugués, chamando-a de coriunicagdo e ex- pressio, agora eran os profedsores ‘universita~ rios que se julgavan excluidos, énquanto pro fessores de Mteratura, Tanto-discutinos e che gamos 20 nome atual que mantén a. dicotonia, pois, enbora canhestranente procurasse reunir a Lingua e a literatura, mantinha-as separadas, Essa hesitaco continuaria aparecendo nais tar de (e até hoje), nas atividades da ‘associagio (cursos, mesas redondas, painéis, conferén- cias...) que continuaram a separar lingua e lL teratura em salas, hordrios e especialistes di ferentes, enbora o piblico ~~ sempre reclaman- te -- ben cono os organizadores, continuassen insatisfeitos com essa organizagio, Nio tenho aqui a chave migica para a supe ragio da dicotonia, nem poderia pretender isso, na medida em que as solugdss tén que ser pro- curadas na pratica de cada professor,mas creio que, se a teoria nfo & tudo, é indispensdvel para a transformagio da pritica a revisio teo- rica do conceito de Lingua e do conceito de 1i teratura que somos habituados a empregar na es cola. Em {iltina andlise, isso leva’a - revisar tembén a prépria concepeio de saber dominante nessa instituicéo, da qual sonos herdeiros as vezes mais f1éis do que nds mesmos cesconfia~ mos. En prineiro lugar, podenos distinguir al- gumas significagdes possiveis da palavra lite- ratura. Ela pode ser entendida de diversas for 45

Você também pode gostar