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Bibliografia
GLUCKMAN, Max. “Análise de uma situação social na Zululândia moderna”. Trad:
Roberto Yutaka Sagawa e Maura Miyoko Sagawa. In: Antropologia das Sociedades
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2009.
LEACH, Edmund. Sistemas Políticos da Alta Birmânia. Trad: SOUZA, Geraldo
Gerson de; DANESI, Antonio de Padua; SOUZA, Gilson César Cardoso de. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
MITCHELL, J. Clyde. “A dança Kalela: aspectos das relações sociais entre africanos
urbanizados na Rodésia do Norte” Trad: Marcelo Gruman. In: Antropologia das
Sociedades Contemporâneas – Métodos. Org: Bela Feldman-Bianco. São Paulo:
Editora Unesp, 2009.
Questão 2 - "As línguas são o melhor espelho da mente humana"
A referida frase de Gottfried Wilhelm Leibniz permite cruzamentos produtivos
com alguns debates centrais travados na Antropologia. Pensar a relevância da
linguagem em sua relação com a “mente humana” resvala diretamente no entendimento
de noções como “humanidade”, “pensamento”, “mundo” e em qual o papel da “cultura”
– termo caro a muitos autores que serão aqui abordados – na constituição do
pensamento humano. Considerar uma diferença ontológica entre noções como as de
“cultura” e “linguagem” tangencia também a clivagem entre disciplinas como a
Antropologia e a Lingüística reverberando, conseqüentemente, na busca por ressaltar as
especificidades dos métodos reivindicados por estes campos do saber, bem como os
possíveis pontos de aproximação entre eles: também esse foi um tema freqüente de
reflexão para autores que este trabalho pretende pôr em diálogo.
Em uma obra dedicada ao tema, Franz Boas percorre várias dimensões desta
problemática. Correspondendo apenas a uma parte do fenômeno etnológico, a
compreensão e estudo da linguagem são de grande relevância para um exercício de
pesquisa profícuo. Por considerar a etnologia uma ciência cujo escopo é o fenômeno
mental da vida das pessoas no mundo, a linguagem estaria inserida em seu campo de
atuação. Também não findariam com ela os limites do pensamento humano: a
inexistência de um conceito numa determinada língua não incapacitaria a compreensão
deste conceito entre aqueles que a falam. Os termos da dissociação perpetrada pelo
autor se mostram mais claramente quando este sugere a inexistência de uma relação
direta entre a cultura de um grupo e a língua que fala, a não ser quando elementos
culturais atuam no sentindo de moldá-la. Boas propõe ainda que uma diferença
essencial entre estes dois fenômenos – o lingüístico e o etnológico – seria o caráter
inconsciente do primeiro em contraposição às racionalizações secundárias e às
reinterpretações que se impõem ao segundo (Boas: 1964). Há um afastamento
considerável entre a frase tomada como inspiração para esse trabalho e as proposições
de Boas: para este, a mente humana não compartilha as mesmas fronteiras da língua que
lhe serve de instrumento, o que colocaria em cheque sua posição de “espelho
privilegiado”.
Similitudes e distinções podem ser traçadas entre esta perspectiva e a de Edward
Sapir. Ao encontro de Boas, língua, cultura e raça surgem em suas reflexões como
termos não necessariamente correlatos. É possível a semelhança, por exemplo, entre
culturas que não compartilham a mesma família lingüística, ou o inverso. Apesar disso,
quando se dirige não às relações específicas entre uma língua e uma cultura, mas sim
entre linguagem e pensamento em geral, as posições do autor exploram caminhos
diferentes dos observados em Boas. O argumento de Sapir acena para a impossibilidade
de se descolar linguagem e pensamento. Mais que uma roupagem cobrindo sob trajes
diversos o mesmo corpo de idéias, a língua seria o canal por meio do qual o pensamento
se expressa e se constrói – talvez, “o melhor espelho da mente humana”. A relação entre
cultura e linguagem não seria, assim, de causa e efeito: “Pode-se definir a cultura como
‘o que’ a sociedade faz e pensa. A língua é um ‘como’ especialmente se pensa” (Sapir:
1971, p. 215). Neste sentido, ambas seguiriam caminhos paralelos e intimamente
relacionados numa vinculação intrínseca, mas que mantém o reconhecimento de tais
dimensões enquanto essencialmente distintas.
Foi Lévi-Strauss quem levou esta problemática a outra dimensão reflexiva. Em
seu texto “Linguística e Antropologia” o autor salienta um ponto crucial para o
desenvolvimento das considerações por ele travadas, bem como pelos autores
supracitados. Pensar as relações entre tais campos do saber – ou entre tais “fenômenos
da mente humana” – exclui de saída duas hipóteses: a de que não haveria relação
alguma entre linguagem e cultura; ou, por outro lado, a de que ambas seriam totalmente
correlatas (Lévi-Strauss: 2008, p. 92). O encontro de Lévi-Strauss com as contribuições
epistemológicas de lingüistas como Saussure e Roman Jackobson levou-o a pensar num
possível diálogo entre estas duas esferas. A distinção entre fonética – dedicada ao
estudo da matéria sonora – e fonologia – voltada para o sistema de relações entre tais
matérias – inspiraria as reflexões do autor em sua inovadora proposta de etnologia: em
vez de perder-se numa “multiplicidade esmagadora de variações” – sejam matérias
sonoras ou de fenômenos etnológicos – deve-se pensar em como estes elementos
engendram por meio de suas relações uma estrutura que lhes confere sentido. Assim
como o fonema, vazio de significação própria, é uma ferramenta usada para conferir
significado, a proibição do incesto entre as diferentes culturas seria
“(...) ela também, uma forma vazia, mas indispensável para que se torne, ao mesmo tempo,
possível e necessária a articulação dos grupos biológicos numa rede de troca que os põe em
comunicação. Enfim, a significação das regras de aliança, indistinguível quando as estudamos
separadamente, não pode surgir senão opondo-as umas as outras, da mesma maneira que a
realidade do fonema não reside na sua individualidade fônica, mas sim nas relações opositivas e
negativas que os fonemas oferecem entre si.” (Lévi-Strauss: 1986, p. 206-207)
É possível colocar em diálogo as reflexões de Lévi-Strauss e a frase que nos
serve de inspiração em ao menos dois níveis diferentes. Primeiramente, as semelhanças
apontadas pelo autor entre os fenômenos etnológicos e lingüísticos seriam justificadas
pela similaridade na arquitetura de ambas, arquitetura essa que tem como projetista a
mente humana, munida pela capacidade de tecer relações lógicas (Lévi-Strauss: 2008, p.
80). Haveria então uma ligação estrutural entre língua e mente que permitiria considerar
a primeira um objeto privilegiado de encontro com a segunda – ligação também
presente em fenômenos etnológicos. Num outro diálogo possível, a linguagem
expressaria primorosamente o afã singular da mente humana de dar ordem ao caos da
experiência sensível. A necessidade, da qual a linguagem é representante inequívoca, de
classificação, ordenamento e significação do mundo, permite pensá-la como um espelho
das “exigências intelectuais” (Idem: 2011, p.25) da mente humana e da “vontade de
conhecer pelo prazer de conhecer” (Ibidem: 2011, p.31) que lhe seriam inerentes.
Em sua introdução ao debate “Language is the essence of culture”, Tim Ingold
desmembra as implicações dessa questão ao elucidar que a problematização do status
ontológico da linguagem conecta-se invariavelmente à distinção entre música e
linguagem, à relação entre palavras e conceitos, mas também à emergência da
linguagem na ontogênese e na filogênese. Diferenciar a compreensão de uma melodia e
de uma frase, por exemplo, é reiterar o axioma de que palavras se referem a conceitos,
assumindo logicamente uma diferença ontológica entre mente e mundo (Ingold: 1996).
Retomar Lévi-Strauss é um mecanismo relevante para compreender a clivagem básica
entre os autores que se digladiaram neste embate. O autor já alertara sobre duas
perspectivas cuja adoção levaria a resultados distintos: é possível considerar a
linguagem como parte ou produto da cultura; ou, por outro lado, tratá-la como condição
da cultura (Lévi-Strauss: 2008, p.80). A diferença entre estes pontos de partida parecem
ser a fundamentação básica das discussões que serão brevemente abordadas a seguir.
David Parkin e Brian Moeran tendem à adoção da segunda perspectiva. As
considerações de Parkin expressam uma idéia ampla de linguagem, que abarcaria tanto
suas manifestações acústicas quanto as não verbais. Pinturas rupestres, artes plásticas ou
comunicação gestual só fazem sentido no momento em que se inserem num universo de
significados, ou seja, dentro de nossas relações sociais e comunicações com outros. Em
seu argumento, a ligação proposta por Lévi-Strauss entre alianças matrimoniais e
mitologia surge por estarem ambas dentro de um processo comunicativo indissociável
da noção de cultura. Dessa forma, pensar a idéia de humanidade requer considerar a
noção de cultura que a torna possível, sendo essa última oriunda de um processo
relacional incogitável sem a linguagem. Corroborando grande parte das reflexões de
Parkin, Moeran é ainda mais enfático em sua proposição: não só a linguagem preexiste
a todo sujeito individual e é o reino que lhe permite desvelar-se, como só há “mundo”
por meio dela. Mais que “melhor espelho”, a linguagem consistiria aqui – também numa
aproximação com Sapir, o qual via em sua ausência a impossibilidade do pensamento
(Sapir: 1971, p. 28) – a própria condição do fenômeno reflexivo operado pela mente
humana.
Em oposição à moção defendida pelos dois autores supracitados, Alfred Gell
esmiúça os pressupostos do argumento anterior e insere seus questionamentos. Em sua
análise, a proposição defendida por Parkin e Moeran teria como pilares três
fundamentos básicos. Primeiramente, o argumento filogenético que considera a
modificação do aparato cognitivo para receber a linguagem como um processo crucial
da humanização. Em segundo lugar, a idéia ontogenética de que a cultura, condicionada
pela linguagem, é o que permite à criança a inserção no mundo social de outros seres
humanos. Por fim, um argumento fenomenológico em que transações que são também
eventos discursivos caracterizariam a vida cultural humana: o mundo construído em
pensamento por categorias conceituais baseadas na linguagem teria na cultura a mesma
base cognitiva da linguagem que lhe é naturalmente associada.
Gell questiona o fundamento filogenético considerando que espécies
antecessoras ao Homo Sapiens possuíam cultura embora carecessem de um aparato
lingüístico, o que nos tornaria uma espécie utilizadora da linguagem oriunda de outras
que não possuíam essa capacidade – como o Homo Habilis ou o Homo Erectus. Em
relação ao argumento ontogenético, afirma que as crianças demoram anos para
manipularem com sucesso o espectro de conceitos que caracteriza a linguagem, embora
estejam imersas culturalmente antes mesmo de seu nascimento. Sua crítica ao
fundamento fenomenológico parte da idéia de que cultura consiste em conceitos e que
esses não podem ser plenamente compreendidos em termos de um código lingüístico ou
de mecanismos que interpretam o sentido de palavras específicas em sentenças
específicas: aproximando-se de Boas afirma, enfim, que embora tais mecanismos sejam
formidáveis, não esgotam o domínio da cognição.
Mais uma vez um autor elenca a dificuldade em pensar as línguas como melhor
espelho da mente humana não pelo “o que” ou “como” falam, mas por aquilo que
silenciam. Possivelmente pelo incômodo que tal silêncio causa no impulso – talvez
inerente, como diria Lévi-Strauss – de ordenação do caos, surja a necessidade em
autores como Gell, ou mesmo Boas, de preenchê-lo com o potencial de significação da
cultura.
Bibliografia
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and Society. New York: Harper & Row, 1964.
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LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. Trad: PELLEGRINI, Tânia.
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______________________. Antropologia Estrutural. Trad: PERRONE-MOISÉS,
Beatriz. São Paulo: Ed. Cosac Naify, 2008.
______________________. O Olhar Distanciado. Trad: CARVALHO, Carmen de.
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