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Ensaios — E m q u e s e n t i d o o p r o c e s s o d a crise d a e c o n o m i a e d a
s o c i e d a d e brasileira influencia a s c o n d i ç õ e s p a r a a i n t e g r a ç ã o d o e m p r e -
s a r i a d o brasileiro n a g l o b a l i z a ç ã o ?
S . V . C . — G l o b a l i z a ç ã o é u m t e r m o e q u í v o c o . N a l i n g u a g e m c o r r e n t e , ele
é e m p r e g a d o usualmente para descrever a nova configuração supostamente
a s s u m i d a pela e c o n o m i a mundial sob o impulso das inovações revolucionárias
n a s t e c n o l o g i a s d e i n f o r m a ç ã o e d e c o m u n i c a ç ã o , c o m a s m u d a n ç a s insti-
tucionais que elas acarretam. A globalização, diz-se, anula as fronteiras entre
a s e c o n o m i a s n a c i o n a i s , d i s s o l v e n d o - s e e s t a s e m m e r c a d o s "globais", c o -
brindo t o d o o Planeta. Na globalização, os Estados nacionais perdem muito de
s u a r a z ã o d e s e r e v i v e m p r o f u n d a c r i s e . A g l o b a l i z a ç ã o a b o l e o e s p a ç o : nela,
n ã o c a b e m a i s f a l a r e m e m p r e s a brasileira, a l e m ã , o u n o r t e - a m e r i c a n a . O q u e
há são e m p r e s a s globais, que se m o v e m segundo a apreciação de suas
p o s i ç õ e s relativas n o s r e s p e c t i v o s m e r c a d o s g l o b a i s , d e s p r o v i d a s d e q u a l q u e r
vínculo especial c o m seus países de origem.
E s s a idéia é falsa. Globalização, nesse sentido, é a palavra-chave, o a b r a c a -
d a b r a d e u m discurso mistificante, que encobre as realidades d a velha política d e
p o d e r n a s relações entre os Estados e exime os Governos nacionais d e res-
ponsabilidade pelas c o n s e q ü ê n c i a s impopulares d a s políticas q u e a d o t a m .
P r e f i r o falar, m a i s n e u t r a m e n t e , e m r e e s t r u t u r a ç ã o d a e c o n o m i a m u n d i a l e
reservar o termo "globalização" para designar u m a das tendências contra-
ditórias q u e m a r c a m tal p r o c e s s o . Este é m o v i d o pela a ç ã o c o n j u g a d a d e
a g e n t e s e c o n ô m i c o s e a t o r e s políticos — E s t a d o s e instituições s u p r a n a c i o -
nais. A tendência à globalização manifesta-se c o m maior vigor neste ou
naquele âmbito, m a s de maneira alguma pode ser tida c o m o o "fim", o "destino"
d e s s e p r o c e s s o , o u a e x p r e s s ã o v e r d a d e i r a d e s u a realidade a t u a l .
O irônico é q u e e s s e d i s c u r s o , t ã o s i n g e l a m e n t e d e s c o b e r t o e m sua
f a l s i d a d e p o r B h a g w a t i , v e m s e n d o repetido a n o s a fio n a i m p r e n s a b r a s i l e i r a ,
c o m o e n d o s s o d e u m s e m - n ú m e r o d e l u m i n a r e s pátrios. P a l a v r a d e c o l o n i -
zador na boca de colonizado.
E n s a i o s — Qual papel o Estado vai assumir nessa etapa da mundiali-
zação?
S.V.C — Papéis variados. É u m equívoco falar abstratamente de Estado
e economia. Estado e globalização, c o m o acontece usualmente nas dis-
c u s s õ e s s o b r e a "crise d o E s t a d o n a c i o n a l " . O E s t a d o c a p i t a l i s t a e x i s t e e
s e m p r e existiu no plural, c o m o unidades de u m sistema de Estados. Se
quisermos avançar e m terreno menos batido, d e v e m o s olhar para o que se
p a s s a n e s s e u n i v e r s o . E aí, s i m , v a m o s p e r c e b e r c o i s a s d i f e r e n t e s e c o n t r a -
ditórias. Alguns Estados v i v e m efetivamente crises terminais, fragmentam-se
o u d e s a p a r e c e m simplesmente, c o m o a antiga A l e m a n h a Democrática. O u -
t r o s , p e l o c o n t r á r i o , f o r t a l e c e m - s e e p a s s a m a exibir a t r i b u t o s d e s o b e r a n i a q u e ,
e m p a s s a d o recente, lhes faltavam — que se pense, por exemplo, no J a p ã o .
O u t r o s , a m a i o r i a t a l v e z , c o n t i n u a m , o u s e d e s l o c a m p a r a a c a t e g o r i a inter-
mediária d o s "quase-Estados", para usar a expressão de u m estudioso. A s
" f u n ç õ e s " d o E s t a d o v a r i a m d e u m p a r a o u t r o d e s s e s três g r u p o s . H o j e , c o m o
a n t e s , c a s o s nacionais bem-sucedidos d e desenvolvimento capitalista c o n -
t i n u a m t e n d o c o m o c o r r e l a t o histórico a p r e s e n ç a d e E s t a d o s f o r t e s , c a p a z e s ,
i n t e r n a m e n t e , d e a s s e g u r a r incentivos e d i s c i p l i n a r a a t i v i d a d e d o s c a p i t a l i s t a s
e d e b e m r e p r e s e n t a r os s e u s i n t e r e s s e s no p l a n o e x t e r n o . A t e n d ê n c i a à
g l o b a l i z a ç ã o n ã o m u d a e s s e d a d o ; e m c e r t o s e n t i d o , o reforça. A q u e s t ã o p a r a
n ó s , no Brasil, é a de saber se seguimos esse caminho ou se nos c o n d e n a m o s
a viver indefinidamente e m posição de subalternidade.