Você está na página 1de 6

Sebastião Carlos Velasco e Cruz*

Ensaios — E m q u e s e n t i d o o p r o c e s s o d a crise d a e c o n o m i a e d a
s o c i e d a d e brasileira influencia a s c o n d i ç õ e s p a r a a i n t e g r a ç ã o d o e m p r e -
s a r i a d o brasileiro n a g l o b a l i z a ç ã o ?
S . V . C . — G l o b a l i z a ç ã o é u m t e r m o e q u í v o c o . N a l i n g u a g e m c o r r e n t e , ele
é e m p r e g a d o usualmente para descrever a nova configuração supostamente
a s s u m i d a pela e c o n o m i a mundial sob o impulso das inovações revolucionárias
n a s t e c n o l o g i a s d e i n f o r m a ç ã o e d e c o m u n i c a ç ã o , c o m a s m u d a n ç a s insti-
tucionais que elas acarretam. A globalização, diz-se, anula as fronteiras entre
a s e c o n o m i a s n a c i o n a i s , d i s s o l v e n d o - s e e s t a s e m m e r c a d o s "globais", c o -
brindo t o d o o Planeta. Na globalização, os Estados nacionais perdem muito de
s u a r a z ã o d e s e r e v i v e m p r o f u n d a c r i s e . A g l o b a l i z a ç ã o a b o l e o e s p a ç o : nela,
n ã o c a b e m a i s f a l a r e m e m p r e s a brasileira, a l e m ã , o u n o r t e - a m e r i c a n a . O q u e
há são e m p r e s a s globais, que se m o v e m segundo a apreciação de suas
p o s i ç õ e s relativas n o s r e s p e c t i v o s m e r c a d o s g l o b a i s , d e s p r o v i d a s d e q u a l q u e r
vínculo especial c o m seus países de origem.
E s s a idéia é falsa. Globalização, nesse sentido, é a palavra-chave, o a b r a c a -
d a b r a d e u m discurso mistificante, que encobre as realidades d a velha política d e
p o d e r n a s relações entre os Estados e exime os Governos nacionais d e res-
ponsabilidade pelas c o n s e q ü ê n c i a s impopulares d a s políticas q u e a d o t a m .
P r e f i r o falar, m a i s n e u t r a m e n t e , e m r e e s t r u t u r a ç ã o d a e c o n o m i a m u n d i a l e
reservar o termo "globalização" para designar u m a das tendências contra-
ditórias q u e m a r c a m tal p r o c e s s o . Este é m o v i d o pela a ç ã o c o n j u g a d a d e
a g e n t e s e c o n ô m i c o s e a t o r e s políticos — E s t a d o s e instituições s u p r a n a c i o -
nais. A tendência à globalização manifesta-se c o m maior vigor neste ou
naquele âmbito, m a s de maneira alguma pode ser tida c o m o o "fim", o "destino"
d e s s e p r o c e s s o , o u a e x p r e s s ã o v e r d a d e i r a d e s u a realidade a t u a l .

Professor do Departamento de Ciência Política da UNICAMP, Visitting Scholar no Centerfor


Latin American Studies da Stanford University (1995/96).
A d u r a ç ã o e a s e v e r i d a d e d a crise a f e t a m d r a s t i c a m e n t e a s c o n d i ç õ e s p a r a
a i n t e g r a ç ã o d o e m p r e s a r i a d o brasileiro n e s s e p r o c e s s o . P o r u m lado, e l a s
d i f u n d e m pautas defensivas de comportamento, q u e , e m b o r a positivas para a
saúde financeira das empresas, incidem negativamente sobre o conjunto d a
e c o n o m i a e desqualificam essas m e s m a s empresas para o exercício de u m
p a p e l m a i s s a l i e n t e n a e c o n o m i a i n t e r n a c i o n a l . P o r o u t r o lado, e l a s e n f r a q u e -
c e m o Estado brasileiro, reduzindo sobremaneira sua habilidade para operar
internamente c o m o suporte à atividade empresarial e para defender os inte-
resses econômicos do País na arena internacional.
E n s a i o s — N a s u a o p i n i ã o , a s políticas a t u a i s d o G o v e r n o b r a s i l e i r o v ã o
na direção de u m a a d e q u a d a integração?
S.V.C. — E m t e r m o s . A estabilização monetária é essencial, mas ela v e m
s e n d o f e i t a c o m b a s e e m políticas q u e p e n a l i z a m a i n d ú s t r i a e p r o d u z e m
desequilíbrios macroeconômicos capazes de ameaçar os resultados até aqui
alcançados. A d e m a i s , o atual Governo carece de proposta mais ampla e
c o e r e n t e d e política industrial — aliás, a m a n e i r a c o m o foi r e a l i z a d a a m u d a n ç a
r e c e n t e d e t i t u l a r e s d o Ministério d a Indústria e C o m é r c i o ( M I C ) d á u m a b o a
i n d i c a ç ã o d a i m p o r t â n c i a a t r i b u í d a pelo G o v e r n o à m a t é r i a .
E n s a i o s — A história e o d e s e m p e n h o d o e m p r e s a r i a d o a s s e g u r a m a
e x i s t ê n c i a d e a l g u m a f r a ç ã o d e c a p i t a l p a r a a c o n d u ç ã o d e políticas q u e l e v e m
a s o c i e d a d e b r a s i l e i r a a u m m e l h o r e s t á g i o e c o n ô m i c o , político e s o c i a l ?
S.V.C. — Não cabe esperar de qualquer segmento do empresariado q u e
ele aponte o caminho para a superação dos problemas nacionais. O s e m -
presários, m e s m o q u a n d o se expressam por intermédio de suas associações
m a i s abrangentes, falam sempre e m n o m e de interesses particulares. A
d e f i n i ç ã o d e e s t r a t é g i a s d e d e s e n v o l v i m e n t o e d e projetos n a c i o n a i s é u m a
t a r e f a d e s e m p e n h a d a t i p i c a m e n t e por a g e n t e s s o c i a i s d e o u t r a n a t u r e z a :
intelectuais, políticos, tecnocratas. Empresários, individualmente ou e m gru-
p o s , p o d e m d e d i c a r p a r t e m a i o r o u m e n o r d e s e u t e m p o a tal a t i v i d a d e . M a s ,
ao fazê-lo, a t u a m c o m o "intelectuais", ou c o m o políticos, n ã o e m sua
qualidade de empresários. Estratégias econômicas e projetos nacionais
distintos hierarquizam diversamente interesses de setores e de empresas,
q u e m a n t ê m c o m os m e s m o s relações de "afinidades". S e n d o a s s i m , seria
o c a s o de inverter a pergunta: t o m a n d o c o m o ponto de partida tal ou qual
projeto, indagar do posicionamento provável de diferentes segmentos
empresariais.
E n s a i o s — N o p r o c e s s o d e i n t e g r a ç ã o , c o m q u a i s elites i n t e r n a c i o n a i s o
e m p r e s a r i a d o brasileiro s e a l i a r á o u s e m a n t e r á a l i a d o ?
S . V . C . — O " e m p r e s a r i a d o brasileiro" e n q u a n t o tal n ã o s e alia a "elites
i n t e r n a c i o n a i s " . E m p r e s a s brasileiras a s s o c i a m - s e d e d i v e r s a s m a n e i r a s a
e m p r e s a s o u grupos internacionais, mas as circunstâncias que presidem essa
d e c i s ã o v a r i a m i n f i n i t a m e n t e a o longo d o t e m p o , d e a c o r d o c o m a s c a r a c t e r í s t i -
c a s d e c a d a s e t o r e c o m a p o s i ç ã o relativa d e c a d a e m p r e s a n e s s a r e a l i d a d e
s e t o r i a l . D e s s e p o n t o d e v i s t a , n ã o h á c o m o generalizar.
M a s o e m p r e s a r i a d o e — muito a l é m d e l e — a s o c i e d a d e brasileira e s t ã o
c h a m a d o s a se pronunciar coletivamente sobre uma questão afim. Refiro-me
à definição d e qual a estratégia d e inserção internacional a escolher e, mais
p r e c i s a m e n t e , d e q u e atitude t o m a r e m relação a o t e m a d a i n t e g r a ç ã o h e m i s -
f é r i c a — a idéia d a c r i a ç ã o d e u m a z o n a i n t e r a m e r i c a n a d e livre c o m é r c i o
l a n ç a d a p e l o P r e s i d e n t e B u s h e e n c a m p a d a p e l o g o v e r n o d e m o c r a t a , q u e lhe
deu u m a nova feição na Cúpula de Miami, e m dezembro de 1994. A esse
r e s p e i t o , t r ê s b r e v e s c o m e n t á r i o s : (a) a o d e b a t e r e s s a p r o p o s t a , n ã o s e d e v e
t o m a r c o m o c e r t o q u e e l a v e n h a a s e a f i r m a r c o m o vitoriosa, m e s m o n o s
E s t a d o s U n i d o s ; a c r i a ç ã o d o N A F T A foi u m a d e c i s ã o s u m a m e n t e c o n t e s t a d a ,
e n ã o h á q u a l q u e r indício d e q u e s u a e x t e n s ã o a o c o n j u n t o d o h e m i s f é r i o o
s e j a m e n o s , m u i t o pelo c o n t r á r i o ; (b) na d i s c u s s ã o d e s s a h i p ó t e s e , h á q u e s e
rejeitar a p e r s p e c t i v a e s t r i t a m e n t e c o m e r c i a l i s t a — m e n s u r a ç ã o d o s g a n h o s
q u a n t i t a t i v o s , n a v e r d a d e irrisórios, q u e p o d e r i a m advir e s t a t i c a m e n t e da
c r i a ç ã o d e u m a tal z o n a d e livre c o m é r c i o — ; a s n e g o c i a ç õ e s incluirão
c e r t a m e n t e outros t e m a s não relacionados c o m o comércio; é na ótica mais
a m p l a d a s r e l a ç õ e s d i p l o m á t i c a s q u e o a s s u n t o d e v e s e r e x a m i n a d o ; (c) n e s s e
s e n t i d o , a i n s i s t ê n c i a d a d i p l o m a c i a brasileira n a d e f i n i ç ã o d o Brasil c o m o
global trader e a ê n f a s e q u e ela c o l o c a no M e r c o s u l , c o m a p e r s p e c t i v a d e
ampliá-lo para o conjunto dos países sul-americanos, parecem-me totalmente
corretas.
E n s a i o s — E c o m o você vê as relações dos s e g m e n t o s empresariais
norte-americanos c o m os latino-americanos?
S.V.C. — De maneira geral, a América Latina ocupa u m a posição mar-
ginal nas preocupações do Governo e dos meios empresariais norte-ameri-
c a n o s , c u j a s a t e n ç õ e s e s t ã o t o d a s v o l t a d a s p a r a a E u r o p a e, c a d a v e z m a i s ,
para a Ásia — c o m ênfase na Coréia, na China e no Japão. Nesse quadro, as
r e l a ç õ e s v a r i a m s e g u n d o o país e o s s e t o r e s c o n s i d e r a d o s . O M é x i c o é hoje
u m a extensão da economia norte-americana. Vários países latino-americanos.
I FÊE CEO'
I BiBUüTECÂ

a c o m e ç a r p e l o n o s s o , i n t e r e s s a m b a s t a n t e c o m o " m e r c a d o s e m e r g e n t e s " , isto


é, p r a ç a s m a i s o u m e n o s s e g u r a s , o n d e s e p o d e o b t e r e l e v a d a r e m u n e r a ç ã o
p a r a a p l i c a ç õ e s d e c u r t o p r a z o . Q u a n t o a o i n v e s t i m e n t o d i r e t o , até a q u i o
interesse continua se demonstrando escasso.
D u a s r e s s a l v a s : (a) n ã o c a b e tirar c o n c l u s õ e s a p r e s s a d a s d a c o m p a r a ç ã o
entre fluxos de investimento externo para a América Latina e outras regiões;
a s e c o n o m i a s l a t i n o - a m e r i c a n a s d i s t i n g u e m - s e , no c o n j u n t o d o s p a í s e s e m
desenvolvimento, pelo elevado grau de internacionalização de suas estruturas
p r o d u t i v a s ; o f a t o d e q u e o fluxo d e i n v e s t i m e n t o e s t r a n g e i r o s e j a m e n o r d o
q u e e m á r e a s m a i s n o v a s , e m si m e s m o , n ã o d e v e e s p a n t a r ; (b) a o c o n t r á r i o
d o q u e o c o r r e u n a A r g e n t i n a e no C h i l e , e m b o r a t e n h a m s u s p e n d i d o q u a s e
t o t a l m e n t e o s s e u s i n v e s t i m e n t o s , no a u g e d a crise a s m u l t i n a c i o n a i s n o Brasil
c o n s i d e r a r a m o v o l u m e d e capital i m o b i l i z a d o a q u i e d e c i d i r a m ficar; e s s e f a t o
representa u m trunfo c o m que devemos contar ( B I E L S C H O W S K Y ) .
E n s a i o s — Q u e estratégia e alianças o empresariado norte-americano
está adotando no atual processo de globalização/mundialização?
S.V.C. — Estratégias empresariais variam de acordo c o m as característi-
c a s d e c a d a s e t o r e a p o s i ç ã o relativa d e c a d a e m p r e s a n o s m e s m o s . N o p l a n o
d a s r e l a ç õ e s d e m e r c a d o , n ã o c a b e falar e m " e s t r a t é g i a s d o e m p r e s a r i a d o
n o r t e - a m e r i c a n o " . Isto n ã o q u e r dizer q u e s e j a i m p o s s í v e l falar d e o r i e n t a ç õ e s
e s t r a t é g i c a s e m n í v e i s m a i s a g r e g a d o s — isto é, linhas d e a ç ã o a d o t a d a s p o r
s e g m e n t o s a m p l o s do empresariado. S ó que, nesse nível, o que t e m o s s ã o
c o o r d e n a d a s d e a ç ã o c u j o f o c o e o lugar d e r e s o l u ç ã o é a a r e n a d o E s t a d o .
N e s s e p l a n o , s i m , v e m o c o r r e n d o , n o s últimos a n o s , u m a m u d a n ç a s i g n i f i c a -
t i v a , q u e n o s diz r e s p e i t o m u i t o d e p e r t o .
T r a d i c i o n a l m e n t e , o d e b a t e d a política e c o n ô m i c a i n t e r n a c i o n a l n o r t e -
- a m e r i c a n a foi p a u t a d o p e l a o p o s i ç ã o e n t r e s e t o r e s " v e l h o s " ( t e c i d o s , a ç o , p o r
e x e m p l o ) — i n t r o v e r t i d o s e p r o t e c i o n i s t a s — e s e t o r e s c o m p e t i t i v o s — liberais,
multilateralistas. Desde a Segunda Guerra Mundial, a supremacia destes
ú l t i m o s d e u s u p o r t e a o s i s t e m a d o G A T T e à s s u c e s s i v a s r o d a d a s d e liberali-
z a ç ã o c o m e r c i a l r e a l i z a d a s no â m b i t o d e s s a instituição s o b o s i g n o d e s e u s
dois princípios básicos: nação mais favorecida e tratamento nacional. Nos anos
7 0 , o c o n s e n s o e m t o r n o d e s s a política c o m e ç o u a ruir. I n i c i a l m e n t e , p r e v a l e -
ceu u m a tendência predominantemente defensiva: o recurso cada vez mais
f r e q ü e n t e a b a r r e i r a s n ã o tarifárias (criação d e r e g i m e s e s p e c i a i s p a r a c e r t o s
p r o d u t o s , c o m o o A c o r d o Multifibras; p r o c e s s o s " a n t i d u m p i n g " , a c o r d o s d e
" r e s t r i ç ã o v o l u n t á r i a " , etc.) p a r a a p l a c a r a p r e s s ã o d o s n o v o s c o n c o r r e n t e s
( J a p ã o e os c h a m a d o s N o v o s Países Industrializados, aí incluído o Brasil).
Mais adiante — e agora sob a vanguarda de indústrias novas, dinâmicas,
tecnologicamente "de ponta" — , essa tendência cedeu lugar a uma pos-
tura eminentemente "ofensiva": uso agressivo do poder norte-americano
p a r a "abrir m e r c a d o s " e exigir de outros países a a d o ç ã o de leis, insti-
tuições e práticas consonantes com os interesses das empresas norte-
-americanas.
D a d a s as limitações de espaço, não tenho c o m o comentar, ainda que
b r e v e m e n t e , o significado e as implicações dessa m u d a n ç a , cujos efeitos
p u d e m o s s e n t i r n a p e l e d u r a n t e t o d o o p r o c e s s o d e d i s c u s s ã o d a n o v a Lei d e
P r o p r i e d a d e I n d u s t r i a l . P a r a n ã o d e i x a r a q u e s t ã o e m a b e r t o , prefiro citar a
palavra insuspeita de Jaghish Bhagwati, Professor da Universidade de Co-
l u m b i a , a u t o r i d a d e i n d i s c u t í v e l e m m a t é r i a d e c o m é r c i o exterior, c o n s e l h e i r o
do Diretor-Geral do G A T T e uma das expressões mundiais mais destacadas
do liberalismo econômico na atualidade.

" A Lei ' O m n i b u s ' d e C o m é r c i o e C o m p e t i t i v i d a d e , d e 1 9 7 8 , r e f o r ç o u


a s e ç ã o 3 0 1 d a Lei d e 1974 a f i m d e q u e o s E s t a d o s Unidos
p u d e s s e m f a z e r u s o d e retaliações c o m e r c i a i s c o n t r a p a í s e s e s -
t r a n g e i r o s q u e a d o t a v a m políticas u n i l a t e r a l m e n t e c h a m a d a s por n ó s
d e d e s l e a i s . E n t r e e s t a s práticas, n a t u r a l m e n t e , e s t a v a a n e g a t i v a d e
p r o t e g e r a p r o p r i e d a d e intelectual, n o nível e m q u e ( n o s s o s iobbies
industriais) j u l g a v a m a d e q u a d o (...) O b s e r v e q u e o n o s s o p o d e r n ã o
é u s a d o a q u i p a r a s a n c i o n a r direitos d e c o m é r c i o v i g e n t e s (...)
Trata-se, simplesmente, de demandas para mudar o mundo segundo
a i m a g e m r e c l a m a d a pelos n o s s o s iobbies.

"Obviamente, quanto mais dura a proteção, maiores t e n d e m a ser os


royaities que o nosso pessoal consegue. M a s as regras que maximi-
z a m essa proteção não são necessariamente ótimas, socialmente
f a l a n d o (...) p o r q u e o s b e n e f í c i o s d a d i f u s ã o d e t e c n o l o g i a são
r e d u z i d o s p e l a p r o t e ç ã o m a i o r (...) I n t e r e s s a n t e m e n t e , c o m o a d e -
fesa de nossa posição maximalista é terrivelmente fraca, e m base
utilitária, o s p o r t a - v o z e s d o g o v e r n o (...) d e s l o c a r a m a q u e s t ã o p a r a
u m a a b o r d a g e m e m t e r m o s d e "direitos". A s s i m , o s E m b a i x a d o r e s
Y e u t e r , Hilis e K a n t o r t ê m f a l a d o d e "pirataria" e " r o u b o " a o r e c l a m a r
p r o t e ç ã o à p r o p r i e d a d e intelectual (...) O s /oóò/es t a m b é m v ê e m isto
c o m o u m grande expediente para ganhar terreno. Afinal de contas.
c o m o v o c ê pode defender o roubo! Assim, nós obscurecemos o fato
d e q u e , n a r e a l i d a d e , a q u e s t ã o c h a v e n ã o é a d e proteger, o u n ã o
p r o t e g e r , m a s d e q u a n t a p r o t e ç ã o dar." ( B H A G W A T I , 1 9 9 4 ) .

O irônico é q u e e s s e d i s c u r s o , t ã o s i n g e l a m e n t e d e s c o b e r t o e m sua
f a l s i d a d e p o r B h a g w a t i , v e m s e n d o repetido a n o s a fio n a i m p r e n s a b r a s i l e i r a ,
c o m o e n d o s s o d e u m s e m - n ú m e r o d e l u m i n a r e s pátrios. P a l a v r a d e c o l o n i -
zador na boca de colonizado.
E n s a i o s — Qual papel o Estado vai assumir nessa etapa da mundiali-
zação?
S.V.C — Papéis variados. É u m equívoco falar abstratamente de Estado
e economia. Estado e globalização, c o m o acontece usualmente nas dis-
c u s s õ e s s o b r e a "crise d o E s t a d o n a c i o n a l " . O E s t a d o c a p i t a l i s t a e x i s t e e
s e m p r e existiu no plural, c o m o unidades de u m sistema de Estados. Se
quisermos avançar e m terreno menos batido, d e v e m o s olhar para o que se
p a s s a n e s s e u n i v e r s o . E aí, s i m , v a m o s p e r c e b e r c o i s a s d i f e r e n t e s e c o n t r a -
ditórias. Alguns Estados v i v e m efetivamente crises terminais, fragmentam-se
o u d e s a p a r e c e m simplesmente, c o m o a antiga A l e m a n h a Democrática. O u -
t r o s , p e l o c o n t r á r i o , f o r t a l e c e m - s e e p a s s a m a exibir a t r i b u t o s d e s o b e r a n i a q u e ,
e m p a s s a d o recente, lhes faltavam — que se pense, por exemplo, no J a p ã o .
O u t r o s , a m a i o r i a t a l v e z , c o n t i n u a m , o u s e d e s l o c a m p a r a a c a t e g o r i a inter-
mediária d o s "quase-Estados", para usar a expressão de u m estudioso. A s
" f u n ç õ e s " d o E s t a d o v a r i a m d e u m p a r a o u t r o d e s s e s três g r u p o s . H o j e , c o m o
a n t e s , c a s o s nacionais bem-sucedidos d e desenvolvimento capitalista c o n -
t i n u a m t e n d o c o m o c o r r e l a t o histórico a p r e s e n ç a d e E s t a d o s f o r t e s , c a p a z e s ,
i n t e r n a m e n t e , d e a s s e g u r a r incentivos e d i s c i p l i n a r a a t i v i d a d e d o s c a p i t a l i s t a s
e d e b e m r e p r e s e n t a r os s e u s i n t e r e s s e s no p l a n o e x t e r n o . A t e n d ê n c i a à
g l o b a l i z a ç ã o n ã o m u d a e s s e d a d o ; e m c e r t o s e n t i d o , o reforça. A q u e s t ã o p a r a
n ó s , no Brasil, é a de saber se seguimos esse caminho ou se nos c o n d e n a m o s
a viver indefinidamente e m posição de subalternidade.

Você também pode gostar