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O MUNDO

DEPOIS DA
BIOPHILIA DE
BJÖRK
Por Cândida Borges

B
jörk é dessas pessoas e educadora. E o ideal do
singulares, que nas- compartilhar saberes permeia
cem muito eventual- minha impressão de mundo
mente no mundo e marcam e música desde que me en-
sua história. Björk é uma ar- tendo por gente. Atualmente
tista, e poderia estar perdida exercito este ideal no curso
no seu talento, glamour, fama de música da Universidade
e dinheiro. Mas ela é também Federal do Estado do Rio de
cientista. E educadora. Björk Janeiro (UNIRIO).
entende arte como extensão Pois bem, eu diria que
de um viver coletivo, cheio de minha residência artística em
interações entre mundos pe- Nova Iorque é estonteante,
quenos e grandes, que habi- impressionante, profunda,
tam infinitas camadas, tem- cara, e arrebatadora. Mas
pos, relações, fusões, seres. toda ela, junta, pode, talvez,
Björk é a mãe de Biophilia. chegar perto da experiência
Cheguei `a Nova Iorque de horas que tive perto
em Abril, como pesquisadora dela. Björk.
premiada da Funarte, para Em maio último, Björk ex-
cursar uma especialização cursionava com seu projeto
em Produção de Música pela costa oeste dos EUA e,
Eletrônica. Well... se Björk me sem titubear, foi pra lá que eu
permitir uma aproximação, fui. Hollywood Palladium, Los
eu também sou musicista Angeles. Um fim de semana

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Fotos divulgação

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de interação com músicos, Vamos lembrar de nossa sa. Sim, Björk é cantora-
artistas, técnicos, engenhei- realidade por um parágrafo. pesquisadora. Ela estava
ros, todos sintonizados com De nossa educação, de nos- viajando sobre os mundos,
a profunda experiência de vi- sa música, de nossos mú- sobre os ambientes macro
venciar a Biophilia de Björk. sicos. Dos projetos sociais e micro, sobre a natureza
E por falar em educação, nas favelas, e agora recente, e sua física, sobre o som
vamos ser didáticos. Pra da (re)implantação da obri- dessas interações, e sobre
quem não conhece, Björk é gatoriedade de música nas tecnologia. É disso que trata
uma cantora, com mais de escolas. E aí, vamos dar um o seu app. Uma ferramenta
20 anos de carreira, muito passeio pela nossa produ- multi sensorial (especial-
acima de qualquer estilo, ção musical atual, pelo que mente visual) para interagir
mas bastante conhecida concebemos ser música, com as 10 faixas do álbum
como uma excelente repre- e pelo que estamos ex- Biophilia, em jogos que per-
sentante do Trip Hop. Nasci- portando ao mundo como mitem ao usuário mudar o
da em Iceland, um país/ilha, produto cultural. som – isso significa compor,
banhado pelo Oceano Árti- Agora vamos falar da idéia sequenciar, dirigir um vídeo,
co, no topo do planeta, têm de Björk. roteirizar. Essa experiência
transcorrido uma carreira de A moça e sua equipe de- acontece num celular, ipad
eventos artísticos exóticos, senvolveram um complexo ou tablet.
de musicalidade extrema- de produtos para trabalhar Seu app resultou num
mente singular e incomum, os conceitos de sua pesqui- programa de educação
clipes sensacionais, shows
multimídia, e tudo o mais
que a inovação a permitir.
De lá, da cidade congela-
da de Iceland, surgiu o pro-
jeto Biophilia, em outubro de
2011. Este projeto inclui um
álbum, uma turnê de shows
por 3 anos, um novo websi-
te, um documentário, apps,
e um programa educacional
de música para crianças.
Isso significa um grande mar
de assuntos pra eu contar
aqui., que incluiria o ártico, o
atlântico, o pacífico e todos
os outros. Eu amaria discor-
rer sobre seu show, sobre
seus clipes e apps, (e farei
em breve), mas acredito que
há uma reflexão mais pro-
funda a ser feita. Falar sobre
a arte de Björk, tantos ou-
tros no mundo podem fazer.
Mas falar sobre um sonho
de ver o Biophilia como pro-
jeto de educação musical no
Brasil, acho que nem tantos.
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Para conhecer mais:
www.bjork.com
http://biophiliaeducational.org/

interdisciplinar, que associa


música, natureza, ciência e
tecnologia. Estimula o es-
tudo de música, biologia,
física, computação, física,
geografia, astronomia, etc,
onde a criatividade é a prin-
cipal ferramenta de aprendi-
zagem. Declaradamente, o
programa propõe uma revi-
são das formas tradicionais
de ensino. Não há humano
que não fique fascinado com
a possibilidade de intera-
gir ludicamente com esses
jogos, vídeos, sons, músi-
cas, histórias. Imagine então
crianças de 10 a 12 anos...
E definitivamente, é pelo estí-
mulo e referências que
podemos imaginar os
resultados futuros.
Pois bem. O programa
Biophilia foi adotado em to-
das as escolas regulares de
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Reykjavik, capital de Iceland. mento de um app para seu
Tem sido também apresen- novo álbum. De antemão,
tado pelas cidades onde a adianta que não pretende
turnê passa, permitindo que uma experiência sensorial
as crianças interajam no conceitual, bem como sua
palco com os instrumentos música - que também tem
especialmente criados para seu lugar.
o show, com os músicos e Biophilia sim é uma ex-
com a própria Björk. Assim periência artística e humana
como foi em Los Angeles, profunda e conceitual. Que
para nosso delírio. Recen- você pode ter dentro de
temente, o programa foi casa, com seu app, e recriá-
apresentado também para la da maneira que mais lhe
as crianças de Tokyo. convier, e cada dia uma.
Björk não pôde ir ao Uma fusão de instrumentos
Brasil no ano passado em acústicos e eletrônicos, e
função de problemas vo- sonoridades mil, de desdo-
cais. Nem o show, nem os bramentos, granulações,
workshops. E me peguei revirações, explosões. De
sonhando com a possibi- uma gama de diversida-
lidade de ver o Biophilia des rítmicas e melódicas,
nas nossas salas de aula, que nos tiram do chão dos
obrigadas a ensinar música. compassos tradicionais, das
Que música? Como? Onde? formas musicais conhecidas
Por quem? e das orquestrações fami-
Há matérias já apontando liares. São 11 adolescentes
Biophilia como uma revolu- cantando em uníssono com
ção na indústria da música. Björk no palco. Uma har-
Nenhum suporte mais, em pista. Um baterista/percus-
CD ou arquivo, será sufi- sionista. Um midi man. Um
ciente para expressar uma palco de arena, no meio do
arte, que já foi apresentada teatro, para propiciar a cir-
em app antes. Neste mês, 2 culação do público ao seu
anos depois, Lagy Gaga é a redor e investigar sua estru-
próxima a anunciar o lança- tura. Telas de led projetam
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uma infinidade de combina-
ções de formas, cores, luzes.
Uma mulher estranhamente
vestida, andróide, animales-
ca, corre de um lado a outro.
Cantando, gritando, falando.
Sem conversar com o públi-
co, sem dizer que está muito
feliz de estar ali, sem
agradecer nada. Simples-
mente sendo.
O público: cho-ca-do!
Quente, acompanhando de
perto todos os seus movi-
mentos, cantando junto com
sua voz forte, exótica e pre-
sente, dançando sua dança
(!!!) e delirando com sua inte-
ligência. Ao final, o assunto
que nos toma é mais do que
a admiração por uma artista
brilhante. É um sentimento
de gratidão e reverência a
um ser que colocou o Bio-
philia no mundo e nos permi-
tiu aquela experiência.
E eu me vi tomada de
uma pergunta, com a qual
encerro minha história: como
será a música produzida pe-
las crianças de Iceland daqui
há 10 anos?

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