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Anais do Seminário Nacional de História da Historiografia:

historiografia
brasileira e modernidade

A Historiografia brasileira e estrangeira sobre a Infância Medieval e um exemplo


de Alfonso X, o Sábio1
Augusto de Carvalho Mendes

A moderna pesquisa sobre a história da infância2 correntemente se remete a Phillipe


Airès3 e seu conhecido livro de 1960, L’enfant et la vie familiale sous l’ancien regime4.
Com seu estudo baseado em grande parte em pinturas e esculturas, Ariès chega à
conclusão que “no mundo das fórmulas românicas, e até o fim do século XIII, não
existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho
reduzido5.” O historiador infere daí que as crianças não eram vistas como tais, seriam
apenas adultos em tamanho reduzido, sem nenhuma especificidade frente aos adultos a
não ser o “fato” de serem desconsideradas e menosprezadas por eles. Ariès relaciona o
desenvolvimento de uma mentalidade positiva sobre as crianças com as condições de
desenvolvimento socioeconômico da Europa do século XV. Esta tese ganhou
rapidamente a adesão de vários historiadores de primeira linha como Jean Delumeau e
Jacques Le Goff tornando-se tão difundida que é aceita inconteste ainda hoje por
grande parte dos historiadores e estudiosos de outras disciplinas como a pedagogia e a
psicologia. Esta idéia de Airès passou a fazer parte mesmo das concepções populares
sobre a infância medieval, que incluem o trabalho de crianças em fábricas (!), como

1
Agradecemos ao professor Thomas Earl Burman da University of Tennessee pela gentileza te der
enviado seu artigo The Rearing of Children in the Siete Partidas of Alfonso X que, infelizmente, não
chegou a tempo de ser considerado aqui.
2
Preferimos enfatizar a produção brasileira que normalmente não é conhecida no exterior e nem mesmo
entre nós. Para uma análise da historiografia estrangeira sobre a infância medieval recomendamos o artigo
de Didier Lett publicado no número 102 de Annales de Démographie Historique, neste mesmo número
uma ampla bibliografia. Outra excelente fonte é a Bibliographie Kinder im Mittelalter de Tatjana Horn.
3
Em termos pouco respeitosos Finucane, resumindo as últimas pesquisas, diz: “Qualquer menção à
história da infância evoca a memória de certo servidor público francês transformado em historiador, mas
a sombra de Philippe Ariès pode descansar por algum tempo agora.” FINUCANE, John. The Rescue of
the Innocents: endangered children in medieval miracles. New York. St. Martin’s Press. 2000, p.X
4
A pesquisa sobre a história da infância data, pelo menos, do século XIX. Cremos que, com sua polêmica
tese, Ariès contribuiu para uma maior discussão. Infelizmente, no Brasil, a tese de Ariès só foi ser
contestada, como veremos, no fim da década de 90 prejudicando inclusive o estudo da infância no Brasil.
5
AIRÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981, p.51
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 1
EDUFOP, 2007.
afirmam Nicholas Orme e Bárbara Hanawalt.6 Contudo, Ariès bem cedo encontrou
oposição à sua tese, historiadores de porte, como Emmanuel le Roy-Landurie,
demonstraram algumas falhas da sua argumentação:
A quase totalidade da documentação de Ariès está baseada nas
citações ad hoc extraídas dos escritores de antigamente e na magnífica coleção
de quadros e gravuras7 que esse historiador, conhecedor das galerias, reuniu em
um museu da infância imaginário. Mas essa maneira de proceder, por mais
sedutora que seja, não depende de certa miragem literária? A emergência dos
sentimentos pela infância nas belas-letras e na pintura pode ser reduzida ipso
facto ao surgimento dos sentimentos pela infância na realidade de massa e não
escrita da afetividade das classes baixas? Pode-se crer também, com igual
validade, que a terna afeição pelos pequenos existia há muito tempo, aqui e ali,
nas sociedades camponesas ou artesãs, tendo a grande cultura, textual e
pictórica, decidido interessar-se por essa paixão apenas tardiamente, por razões
específicas...” 8

A primeira geração de críticos de Ariès é composta ainda de Pierre Riché, Natalie


Zenon Davies, Jean Louis-Flandrin e outros, o primeiro diz assim:
É indubitável que a história da cultura intelectual e do ensino foi
privilegiada e a da educação propriamente dita não tem ainda o lugar que
deveria ter. A criança foi a grande esquecida dos historiadores da Idade
Média, ao passo que verificamos pelos documentos escritos e pela iconografia
que a criança está presente na família, na escola e na sociedade.9

As críticas de tal modo se acumularam que, já em 1980, Phillipe Airès reconheceu que
sua abordagem ao problema não foi adequada, nas suas palavras: “Eu me arrependo de
não ter me informado melhor sobre a Idade Média da qual meu livro fala tão pouco.”10
Mas este reconhecimento não impediu que outros historiadores continuassem a segui-lo.
O medievalista Jean-Claude Schmitt, aluno de Le Goff, em Os Vivos e os Mortos na
Sociedade Ocidental, também é da opinião de seu mestre afirmando claramente:
“Phillipe Ariès pôde perguntar-se se a criança “existia” na Idade Média e aqui se vê

6
ORME, Nicholas. Medieval Children. London. Yale University Press. 2003, p.3-4; HANAWALT,
Barbara. Growing up in medieval London: the experience of childhood in history. Oxford. Oxford
University Press. 1993, p.7
7
Pode-se ler com algum proveito as considerações metodológicas sobre a capacidade expressiva da obra
pictórica e sua utilização para história da infância que Catherine O’Brien apresenta no seu artigo The
nature of childhood through history revealed in artworks? Não podemos, contudo, concordar plenamente
com a autora que desconsidera várias abordagens como a iconologia de Panofsky ou a análise serial de
Jèrôme Baschet.
8
LANDURIE, Emmanuel Le Roy. Montaillou: povoado occitânico 1294-1324. São Paulo. Companhia
das Letras. 1997, p. 261-262
9
apud FERNANDES, Rogério. Notas em torno de retratos de crianças. Educação e Pesquisa. São Paulo,
v.26, n.1 p..87-97. jan/jun 2000, p. 89. Grifo nosso.
10
apud ALEXANDRE-BIDON, Danièle & DIDIER, Lett. Children in the Middle Ages: Fifth – Fifteenth
Century. Notre Dame: The University of Notre Dame Press, 1999, p.1
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 2
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bem a que ponto a criança não é mais que um instrumento a serviço dos adultos...”11
Mas é este mesmo historiador que nos dá, neste mesmo livro, uma plêiade de
exemplos12 que infirmam suas palavras! Por que tal aceitação de uma teoria pelo menos
estranha? Parece-nos que aqui ocorre o que Erwin Panofsky apontava como um erro
comum e pernicioso, a transformação de períodos históricos em “princípios
explicativos” ou em “entidades quase-metafísicas”13 No caso da Idade Média isto foi, e
em certa medida ainda é, uma constante. O adjetivo medieval é aplicado ou como
principio maligno14 ou como encarnação do sublime celeste numa perspectiva romântica
sem que, muitas vezes, se identifique com o que realmente sabemos ter ocorrido
naquele tempo que denominamos Idade Média.15 No caso presente o que vemos é uma
lenda negra da Idade Média que alimenta, no dizer de Barbara Hanawalt, “a folkloric
theory”. Ela afirma que: “Os historiadores perpetuaram a teoria folclórica que a Idade
16
Média não teve o conceito de infância ou adolescência.” E uma das suas explicações
para a aceitação de tal teoria é que: “Essa visão é consistente com nossos mitos
folclóricos sobre a Idade Média.”17 A outra explicação que Hanawalt nos dá é que os
historiadores tendem a reduzir o ser humano à sua cultura esquecendo completamente
dos fatores biológicos mais básicos.18
No final dos anos 80 e inicio dos 90 temos uma segunda geração de historiadores da
infância que afina por outro diapasão que não o de Ariès, e o fazem não só pela crítica
aos princípios e métodos, mas com fartura de argumentação positiva. Desde então a
pesquisa internacional se caracteriza pela multiplicidade de abordagens estudando a

11
SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na sociedade medieval. Companhia das Letras. São
Paulo. 1999, p. 68-69
12
Os constantes pesadelos do comerciante Giovanni Morelli que vivia atormentado na dúvida da salvação
da alma de seu filho morto aos nove anos. (pp. 71-76). Ou ainda do fantasma de um bebê abortado que
aparece ao seu preocupado pai que então o batiza (p.166).
13
PANOFSKY, Erwin. Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental. Lisboa: Presença. 1981, p.19.
14
Isto ocorre em certa literatura dita científica com uma recorrência impressionante. Um exemplo que
podemos citar é de Denis Buican, doutor em Biologia e, um agravante, em Letras, que, após ter seu
laboratório de pesquisas genéticas destruído pelo regime stalinista e ter de fugir da Romênia, compara,
por vezes, as durezas da sua perseguição à opressão “medieval”. Sobre como os românticos pensavam a
Idade Média mais como um recurso poético do que como um período histórico a ser estudado veja-se El
Romanticismo como renascimiento de la Edad Media de Stefan Matuschek em JAMME, Christoph et al.
El movimiento romántico. Madrid: Akal Ediciones, 1998.
15
Neste ponto temos o caso de Umberto Eco. Conhecedor da estética medieval, especialmente da de São
Tomás de Aquino, escreve seu famoso romance O nome da Rosa onde apresenta uma Idade Média na
qual o saber é proibido e o riso impedido, duas coisas que ele sabe serem falsas. Segundo a perspicaz
interpretação de Orlando Fedeli no seu livro Nos Labirintos de Eco, o Nome da Rosa usa esta Idade
Média “má” como figura para a descrição de problemas do século XX como as relações da Igreja Católica
com o comunismo e ainda o relacionamento de Umberto Eco com o escritor Jorge Luis Borges.
16
HANAWALT, Barbara. Op. Cit., p.7
17
HANAWALT, Barbara. Op. Cit., p.6
18
HANAWALT, Barbara. Op. Cit., p.9
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 3
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criança nas suas relações na família, na escola e com vários outros aspectos da
sociedade. Na Inglaterra Nicholas Orme se destaca com vários livros e fazendo uma
bela síntese das pesquisas sobre a infância de seu país em Medieval Children. Nos
Estados Unidos Barbara Hanawalt é responsável por uma série de estudos sobre a
infância na Inglaterra medieval, tanto no campo em Ties thant Bound, quanto na cidade
em Growing Up in medieval London, enquanto John Boswell estudou o problema do
abandono das crianças da Antiguidade até o Renascimento abrangendo toda a Europa
ocidental em Kidness of Strangers. John Finucane, em The Rescue of Innocents, estudou
os milagres favorecendo as crianças em vários processos de canonização e Renate
Blumenfeld-Kosinski as representações do parto cesariano em Not of Woman Born. Na
França Didier Lett e Daniele Alexandre-Bidon se destacam, o primeiro por ser um dos
poucos a estudar a infância na Alta Idade Média e a segunda pela qualidade e
quantidade da sua produção que aborda assuntos típicos numa perspectiva inovadora. A
Alemanha, com uma tradição já secular de pesquisas sobre a história da infância tem
Kind und Gesellschaft in Mittelalter und Renaissance de Klaus Arnold como uma
referência constante. De Portugal temos notícia da tese de doutorado de Ana Rodrigues
Oliveira A criança na sociedade medieval portuguesa – modelos e comportamentos da
qual um extrato foi publicado como artigo. Na Argentina Raquel Homet se destaca por
seus diversos artigos sobre a infância na península Ibérica em diferentes perspectivas,
dos rituais do batismo à participação nas festas passando pela legislação referente às
crianças. Um dos seus estudos foi publicado no Brasil. Na Itália Angela Giangollo com
Il Bambino Medievale e Egle Becchi dirigindo o primeiro volume da Storia
dell’Infanzia se destacam. Outra obra coletiva que merece ser mencionada é a História
dos Jovens dirigida por Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt. De modo geral pode-se
afirmar que todas as regiões européias são hoje estudadas por historiadores europeus ou
não19.
No Brasil podemos consultar as obras de Ruy Afonso da Costa Nunes, nosso pouco
lembrado medievalista, que publicou na década de 70 alguns livros sobre a História da
Educação que, mesmo não se dedicando exclusivamente à educação infantil contém
ricas informações sobre o pensamento e a prática pedagógica medieval. Dele podemos
lembrar a História da Educação na Antiguidade Cristã especialmente o capítulo “São
João Crisóstomo, a vanglória e a educação dos filhos” e o segundo volume da série

19
Pensamos na israelense Shulamith Shahar e seu muito importante livro Childhood in Middle Ages e
também na japonesa Tomoko Takahashi que publicou artigos sobre as crianças italianas.
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 4
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dedicado à História da Educação na Idade Média no qual afirma que um: “importante
aspecto da consciência pedagógica da Idade Média acha-se na descoberta da criança,
nas instituições psicológicas notáveis dos monges beneditinos que souberam assim
transformar os métodos da pedagogia antiga.”20. Especificamente sobre a educação
infantil temos seu artigo de 1999 A Educação dos Meninos segundo Guilherme de
Tournai. Se Nunes não entra em polêmica com Ariès e seus seguidores Moysés
Kuhlmann o faz no primeiro capítulo do seu livro publicado em 1998, Infância e
Educação Infantil uma abordagem histórica, onde resume algumas pesquisas mais
recentes e críticas ao historiador francês e faz sua própria crítica à Lloyd de Mause,
outro historiador que defende tese semelhante à dele. Estudando as relações
extraconjugais da nobreza portuguesa no seu livro Amantes e Bastardos, publicado em
1999, Sérgio Alberto Feldman, sem preocupações polêmicas, conclui que as crianças,
inclusive as bastardas, eram amadas e bem cuidadas, às vezes, com apoio da própria
esposa do nobre. Muito mais crítico é Ricardo da Costa em 2002 com A Educação
Infantil na Idade Média, um bem documentado artigo no qual dá uma série de exemplos
a partir de diversas fontes mostrando como as crianças eram de modo geral amadas e
cuidadas. Além disto, demonstra como Jacques Le Goff inverte completamente o
sentido de um texto de João de Salibury afim de confirmar as idéias de Ariès. Do
mesmo autor temos a continuação deste excelente estudo e alguns outros tratando das
doutrinas pedagógicas do sábio maiorquino Ramón Llull. Na sua tese de doutorado, Um
Monge no Divã: O adolescer de Guilbert de Nogent, o psicólogo infantil David Leo
Levisky instigado pelas afirmações de Phillipe Ariès fez um interessante estudo de
psicologia histórica sobre a passagem da infância para a adolescência do monge
medieval. Consegue demonstrar a realidade de uma auto-percepção das fases da vida,
no caso, a infância e a adolescência, pelo homem medieval. Também sobre Guilbert de
Nogent temos o artigo Formação, obediência e humanismo de Carlilie Lanziere Júnior,
aluno de Ricardo da Costa, que utiliza da autobiografia do monge para expor os
métodos pedagógicos medievais e demonstrar como o uso de alguma violência na
pedagogia medieval não implicava desprezo ou maus-tratos às crianças. Em 2006
Rejane Barreto Jardim dedica um capítulo da sua tese de doutoramento Ave Maria, Ave
Senhoras de todas as Graças! ao estudo das mães em Castela no século XIII concluindo
que elas se dedicavam aos cuidados dos seus filhos com diligencia e amor. Por outro

20
NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. EDU e EDUSP: São Paulo.
1979, p. 170
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 5
EDUFOP, 2007.
lado Valéria Sabrina Pereira em Die küneginne rîch: O mundo feminino em A Canção
dos Nibelungos e a Saga dos Völsung, sua dissertação de mestrado também de 2006,
defende que realmente não era dada à criança maior importância e que ela não era
considerada com maior estima nos séculos XII e XIII21.
Com o que aqui expomos podemos dizer que a historiografia brasileira sobre a infância
medieval além de ser um tanto reduzida é praticamente toda ligada à História da
educação e à da História da Mulher. Por isto é que cremos estar a historiografia
brasileira em relativo descompasso com a estrangeira. Se nossos autores tem
conhecimento da produção internacional específica sobre o assunto este se limita à dois
ou três livros e nem sempre os mais adequados. A história da infância medieval como
campo autônomo de estudos está para se constituir no Brasil. Mas devemos lembrar que
é um campo muito propício à pesquisa, com Hilário Franco Júnior:
Acreditamos que tais projetos devam pensar na construção de um
saber historiográfico novo, abandonando o sentimento de inferioridade
intelectual que nos leva quase sempre a seguir modismos europeus depois que
estes já foram ali superados. Ao contrário, devemos pensar num trabalho
paralelo ao dos grandes centros medievalísticos, até para aproveitar “no calor
da hora” as discussões e publicações que eles estão gerando.22

Em todo mundo a discussões estão sendo feitas e as publicações surgindo, contudo


muita coisa ainda deve-se fazer. O momento é este.
Mas, não nos contentemos em resumir os últimos avanços da pesquisa histórica sobre
matéria de tal importância. Daremos agora o resultado de uma pesquisa nossa como
exemplo do valor atribuído às crianças na Idade Média.
Os estudiosos das relações entre judeus e cristãos na Idade Média nos apresentam
versões um tanto díspares, especialmente tratando da península Ibérica, indo da
convivência ao anti-judaismo religioso e deste até ao anti-semitismo. Dominique Iogna-
Prat afirma a existência de um anti-semitismo medieval23, surgido já no século XII, que
poderia ser, tal qual o do século XIX e XX, entendido em termos biológicos.
Gostaríamos de dimensionar a abrangência desta hipótese a fim de verificar ser o
suposto anti-semitismo medieval teria atingido o sábio rei Alfonso X de Castela cujas

21
Para outras considerações sobre o assunto veja-se o artigo de Anna Hansen The Representations of
Children in the Icelandic Sagas. A autora cita Christine de Pizan como exemplo de mãe sem estima por
seus filhos, Marie-Thérèse Lorcin com Mère nature et lê devoir social. La mère et l’enfant dans l’ouvre
de Christine de Pizan faz o contraponto.
22
FRANCO JÚNIOR, Hilário. Perspectivas de Pesquisa em História Medieval no Brasil. p.210-213 in
Revista do Departamento de História FAFICH/UFMG n. 7 setembro de 1988, p.212
23
IOGNA-PRAT, Dominique. Pode-se Falar de Anti-Semitismo Medieval? In Signum 2002, n.º4, 2002 –
São Paulo. p.71-86
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 6
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relações com os judeus são alvo de polêmica. A obra alfonsina que iremos examinar, as
Cantigas de Santa Maria, foi escrita entre 1252 e 1284, portanto mais de um século que
o suposto anti-semitismo biológico teria marcado a Europa. Antes de tratar dos poemas
vejamos como o código legal de Alfonso X, as Siete Partidas24, define o judeu:
“Jvdio es dicho, aquel que cree, e tiene, la Ley de Moysen, segun suena la letra della, e
que se circuncida, e faze las otras cosas que manda su Ley. E tomo este nome, del Tribu
de Juda, que fue mas noble, e mas esforçado que los otros Tribus...25” Só tal definição
seria suficiente para excluir Alfonso X do grupo anti-semita, veremos ainda que o que
se encontra nas leis também é presente na poesia, um modo de expressão mais livre e
portanto aberto aos sentimentos, pensamentos e preconceitos de seu autor e de sua
sociedade. Sendo Alfonso X um homem religioso numa sociedade religiosa
primeiramente iremos abordar um aspecto fundamental da sua crença cristã, isso é, a
idéia que tem de Cristo. É significativo que nas poesias do Rei Alfonso X tanto Santa
Maria como Jesus Cristo são considerados judeus, por exemplo, na cantiga 6 afirma-se
que Santa Maria é da linhagem do “bon rey David26” e a Cantiga 12 coloca-a dizendo “
é mui grand e provada/ a perfia dos judeus que meu Fillo mataron, seendo seus.27 O
que pode parecer uma associação natural nem sempre ocorre. Lembremos aqui dos
variados grupos religiosos que dissociavam Cristo e o cristianismo do judaísmo. Os
grupos heréticos de modo geral faziam isto ao opor o Antigo ao Novo Testamento. E
mesmo alguns escritores judeus admitem esta dissociação.28
Trataremos agora do pensamento de Alfonso X quanto às crianças judias. Falamos de
crianças porque se ser judeu é considerado algo biológico é evidente que as crianças já
nasceriam com as características judaicas. A Quarta Cantiga “Esta é como Santa Maria
guardou ao fillo do judeu que non ardesse, que seu padre deitara no fogo.”29 Conta de

24
As Siete Partidas foram escritas com participação de Alfonso X, mas só entraram em vigor no século
XIV.
25
ALFONSO X, Las Siete Partidas el Rey Don Alfonso el Sabio, cotejadas con varios codices antiguos
por la Real Academia de la Historia. La Imprenta Real. Madrid 1807. 3v , Partida, 7,24,1
26
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão. Cantigas de Santa Maria. Editadas por Walter Mettmann.
Coimbra: Acta Universitatis Conibrigensis, 1959-1972. 4v., vv.1
27
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.16-17
28
“Qualquer exame da pretensa dívida que o cristianismo tem com o judaísmo estaria fora de lugar neste
livro. Na opinião de um bom número de estudiosos, não poucos deles gentios, ela pode se resumida na
frase mordaz de Israel Zangwill: “Raspe-se um cristão e encontra-se um pagão...estragado.” O judaísmo
não deve nada ao cristianismo, muito obviamente, mas não é tão óbvio o fato de que o cristianismo não
deve quase nada ao judaísmo. As duas religiões tem pouco, se é que tem alguma coisa, em comum.”
ASHERI, Michael. O judaísmo vivo: as tradições e as leis dos judeus praticantes. Imago, Rio de Janeiro.
1987, p. 289 Asheri é judeu – por isso usa o termo “gentio” ao se referir aos não-judeus.
29
O tema dessa Cantiga é bizantino e anterior ao século IX, originalmente não havia a visão eucarística e
nem a intervenção mariana, o primeiro aspecto é acrescentado nos meados do século XIII e o segundo,
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 7
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um menino judeu chamando Abel30 que ia na escola dos cristão e lá aprendeu a ler.
Seus colegas muito o admiravam quando ele lia, “e por esto tal amor/ com esses moços
colia.31 Num dia de Páscoa, conta a Cantiga, o menino foi à igreja e viu o Abade dar aos
moços “Ostias de Comungar”. Eis então que o judeuzinho tem uma visão:
O judeucyo prazer
ouve, ca lle parecia
que ostias a comer
lles dava Santa Maria,
que viia resprandecer
eno altar u siia
e enos braços teer
seu Fillo Hemanuel32
E “Quand’o moço esta vison/ vyu, tan muito lhe prazia.”33. Após tal visão o menino
quis comungar, “Santa Maria enton/ a mão lle porregia,/ e deu-lle tal comuyon/ que foi
mais doce ca mel.34O menino então volta para sua casa e conta ao seu pai o que
aconteceu, o raivoso pai, chamado Samuel, o coloca no forno de fazer vidro pois então
considera seu filho “como traedor cruel.35”. Tal denominação é corrente ainda hoje
entre os judeus, um judeu que se converte é chamado de m’shumad e é considerado pior
do que um ateu, é mesmo um inimigo de Israel cuja morte deve ser celebrada.36

que nos consta, é próprio das Cantigas de Santa Maria. Baseado nessa história foi feita uma pintura em
1374 na Catedral de Milão. FRANCESCHINI, Ezio. Scritti di filologia latina medievale. Padova:
Antenore, 1976, v.I. p.478. A pintura é reproduzida por Franceschini, note-se que os judeus e os católicos
não são distinguidos fisionomicamente. Sobre a influência Bizantina nas Cantigas de Santa Maria é
interessante observar que quase todos os santos que nelas aparecem são de origem bizantina mesmo o
ocidente contando com um grande doutor mariano como São Bernardo.
30
Os nomes não são dados ao acaso, pois em várias sociedades o nome revela a essência ou a verdadeira
personalidade daquele o que recebe. Abel é o bom e puro filho de Adão e Eva que é morto por Caim seu
irmão, e aqui, podemos dizer que esse nome indica a pureza do menino, que, lembremos, é judeu..
31
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.20-1
32
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.34-41.
33
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.43-44
34
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv. 47-50
35
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.68
36
“M’shumad, ou apóstata, é uma palavra judaica desagradável. Como vimos nas leis sobre o luto, um
m’shumad não é enterrado num cemitério judeu, nem tampouco pranteado por sua família. Ao contrário,
espera-se que seus irmãos celebrem sua morte como o desaparecimento de um inimigo de Israel.”
ASHERI, Michael. Op. Cit., p.276-277. Poliakov diz: “Na Espanha das Três Religiões, o converso
causava escândalo e se via exposto à franca hostilidade tanto de seus antigos correligionários, quanto dos
novos. Renegado por uns, era tornadizo para os outros, estado de coisa também refletido em Las Siete
Partidas que proíbem, aos judeus, mata-lo ou feri-lo e, aos cristão, lembrar-lhe sua linhagem, concitando
ao contrário que fossem dados ‘todos les oficios et las honras que han las otros christianos’”.
POLIAKOV, Léon. História do Anti-Semitismo v. II De Maomé aos Marranos. São Paulo, Perspectiva,
1984, p.104.
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 8
EDUFOP, 2007.
A mãe do menino, chamada Rachel, “que ben/ grand’a seu fillo queria37”, sai gritando e
chorando na rua pedindo socorro38. As pessoas da cidade vendo o sofrimento da mãe
“foron log’o forn’ abrir39”, rapidamente tiraram o menino do forno e com alegria
perguntaram se sentia algum mau. Abel respondeu:
“Non, ca eu cobri
O que a Dona cobria
Que sobelo altar vi
Com seu Fillo, bon donzel40.”
Com este milagre a judia se converte e o menino logo recebe o batismo. O pai é morto.
É claro que ambos, mãe e filho, são os beneficiários do milagre e que ambos são judeus
quando ele acontece.
A Cantiga 89 conta a história de uma judia que estava para ter seu filho, mas não
conseguia dar lhe à luz. Santa Maria aparece a ela em grande claridade e uma voz no
seu coração dizia que seu nome deveria rogar. A judia o faz e logo tem “fillo e saude.41”
As outras judias vendo isso a chamam de “ereja”, “renegada” e “crischaã tornada”42.
A judia então vai à igreja e é batizada, batiza também seu filho que tinha nascido graças
ao milagre e uma filha que já tinha. E como “pequenyos eran43” foram tirar só seus
“peccadilla44” na pia batismal. Foram cristãos e louvaram Santa Maria além de
converter vários judeus. Notemos que os nascimentos extraordinários45 eram, desde a
Antiguidade e também na Idade Média, objetos de especulação e fabulação. Acreditava-
se que o bebê nascido, por exemplo, através do parto cesariano, estava destinado a ter

37
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., v.70-71
38
Referencia à conhecida passagem bíblica, Jr.XXXI,15 que, repetida em Mt. II,16-18, foi por vezes
figurada como o título de Massacre dos Inocentes.
39
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.81
40
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.92-5.
41
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.49
42
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.58-60
43
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.73-74
44
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.74
45
Além disso podemos ver que nas hagiografias os nascimentos dos santos normalmente são
acompanhados de vários acontecimentos prodigiosos, para citar um exemplo próximo de Alfonso X
podemos ler na Vida de São Domingos: “Cuidam etiam matrone nobilli que iam natum seruum Dei
Dominicum ex baptismi fonte susceperat, uidebatur in uisione puer Dominicus stellam prefulgidam
habens in fronte, qui totam terram suo lumine perlustrabat. O mirum hinc inde presagium...” ou seja “
Também à certa nobre matrona, que, depois de ter nascido o servo de Deus, Domingos, lhe havia levado à
fonte do batismo, lhe pareceu que o menino Domingos, levando uma estrela brilhante na fronte,
iluminava toda a terra com sua luz. Oh milagroso presságio!...CERRATO, Rodrigo de. Vida de Santo
Domingo de Guzman. In CARRO, Venancio Diego. Domingo de Guzman Historia
Documentada.Editorial OPE – Madrid. 1973, p.776. Não vemos nenhuma “predestinação” ou presságio
de um judeu sendo condenado, desde o nascimento, à um destino ruim.
Flávia Florentino Varella, Sérgio Ricardo da Mata & Valdei Lopes de Araujo (org.). Ouro Preto: 9
EDUFOP, 2007.
uma vida gloriosa tendo porém uma morte trágica46. O que vemos é que os judeus
convertidos tiveram uma vida – religiosamente – muito boa, sendo cristãos e até mesmo
grandes pregadores.
Depois do exposto devemos lembrar que nosso argumento ganha força se tivermos em
mente que na Idade Média havia o conceito de povo47 – como um grupo histórico e
etnicamente definido – como mostrou Léon Poliakov, e que esta concepção está
presente nas Cantigas de Santa Maria sendo construída, em parte, por oposição aos
mouros e judeus, e sendo elemento de um sentimento nacional, como afirma Heloisa
Guaracy Machado.48 Além disto, também o conceito de herança biológica, isso é, que
certas características são passadas dos pais para os filhos era conhecido na Idade Média.
E tal conceito era mais amplo do que o de Lamarck e muito mais abrangente do que o
do século XXI. Isso porque, além de características herdadas no momento da
fecundação, o erudito medieval concebia uma transferência de características biológicas
através da amamentação. Assim pensavam porque o leite era considerado como um
sangue “albanisado”, ou seja, tornado alvo, e como o sangue, capaz de transmitir
características biológicas49. Assim temos uma herança transmitida especialmente pelo
pai50 no momento da fecundação e uma transmitida especialmente pela mãe na
amamentação. Também certas doenças como a lepra e a gota eram consideradas
transmissíveis dos pais para os filhos por esses mesmos meios.51

46
BLUMENFELD-KOSINSKI, Renate. Not of Woman Born: representations of caesarean birth in
Medieval and Renaissance Culture. Cornell University Press – Ithaca in New York and London. 1991,
p.125
47
POLIAKOV, Léon. O Mito Ariano. São Paulo: Perspectiva. 1974, no caso ibérico pp.3-8..
48
MACHADO, Heloisa Guaracy. Sentimento Nacional e Minorias Étnico-Religiosas no medievo
hispânico: uma leitura das Cantigas de Santa Maria. In Para Sempre em Mim: Homenagem à Professora
Ângela Vaz Leão. Editora PUC-Minas: Belo Horizonte, p.471-478.
49
VAN PROEYEN, Michel. L’hérédité et les Savantes au Moyen-Âge (XIIIe-XIVe Siècles) in Cahiers
d’Histoire. Tome XL, n.1, Lyon 1995, p. 5-10
50
Em geral, seguindo Aristóteles, considerava-se que o pai tinha especial participação na formação do
embrião. As doutrinas medievais, contudo são muito variadas e tem implicações e motivações um tanto
díspares, para um exame das de Bartolomeu Anglicus, Brunetto Latini pode-se ver o artigo de Michel van
Proeyen. Para as de São Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Marcilho de Pádua e Dante pode-se
consultar o excelente artigo de Didier Ottaviani Le Paradigme de l’embryon à la fin du Moyen Âge. In
Astérion nº.01, 2003 pp. 44-54 que apresenta as implicações da embriologia na teoria política.
51
VAN PROEYEN, Michel. L’hérédité et les Savantes au Moyen-Âge (XIIIe-XIVe Siècles) in Cahiers
d’Histoire. Tome XL, n.1, Lyon 1995, p. 15-21

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EDUFOP, 2007.
E entre os eruditos medievais não só as características corporais52 eram consideradas
transmissíveis de pais para filhos, algumas peculiaridades intelectuais e morais também
eram. São Tomás de Aquino, por exemplo, diz que: “Ira magis traducitur a parentibus
in filios quam concupiscentia”; ou seja, “A ira se transmite mais dos pais aos filhos do
que a concupiscência.” 53 Não só isso, uma tradição mais ou menos marginal da teologia
medieval afirma a pluralidade dos pecados hereditários54, isto é, não só o pecado
original seria transmitido para todos os homens como também os pecados dos pais
seriam transmitidos para os filhos. Estes pecados seriam apagados, assim como o
pecado original, pelo batismo o que evidentemente exclui os judeus que, portanto,
conservam seus pecados. Algo semelhante vemos na Cantiga 401 que narra o processo
de purificação de um jovem cristão nascido do intercurso de um casal celibatário
instigado pelo demônio. O jovem é aconselhado a fazer várias peregrinações que podem
ser interpretadas como um processo de desvinculação com as suas origens
pecaminosas.55 É claro que viver a religião judaica é viver, aos olhos de Alfonso X,
pecaminosamente. Vemos porém que este pecado não é visto por ele como
transmissível. Mesmo relacionando a prática do judaísmo com certos defeitos morais e
intelectuais como a perfídia e a insistência estes defeitos não são transmissíveis. A única
Cantiga que trata exclusivamente de uma conversão56, sem referencia à ação sob uma

52
Poderíamos lembrar que Léon Poliakov afirma que: “Em geral, a iconografia dos judeus nos séculos
XII e XIII nos fornece um outro indício revelador: afora alguns documentos ingleses (e a Inglaterra, já o
vimos, constituía um caso especial), os judeus, não se distinguiam nem pela fisionomia nem pelas
atitudes.” POLIAKOV, Léon. História do Anti-Semitismo v. I De Cristo aos judeus da corte. Perspectiva,
São Paulo, 1979, p. 79. Isso pode ser visto nas Cantigas onde nunca o judeu é caracterizado por uma
fisionomia particular. Por outro lado Enrique Montenegro afirma que os judeus eram representados nas
artes visuais de forma bem diversa dos cristãos, contudo: “Como acertadamente observou Bernhard
Blumenkranz, os traços que caracterizam ao judeu medieval seriam adquiridos e não hereditários,
definitivamente, o artista não pretenderia expressar características propriamente étnicas, mas uma idéia
teológica diretamente relacionada com a idéia de salvação”. Complementa dizendo: “E algo similar
ocorre com os meninos judeus que são martirizados por seus pais por assistir à Missa e comungar, e nos
que em sua conversão ao cristianismo perderam os traços desagradáveis do aspecto físico dos judeus.”
MONTENEGRO, Enrique Cantera. La imagen del judio en la Espana medieval. In Espacio, Tiempo y
Forma, Série III, História Medieval, t.11, 1998, p.36
53
S. Theol. 1-2, 17, 7, c apud KRAPF, Eduardo. Tomás de Aquino y la Psicopatologia. Buenos Aires.
Editorial Index. 1943, p. 28
54
DUBARLE, A. -M. La pluralité des péchés héréditaires dans la tradition augustinienne. Revue des
Études Augustiniennes 1957, Vol. III , N° 2, p. 113-136.
55
CASTRO, Bernardo Monteiro de. Sexo, Diabo e Loucura nas Cantigas de Santa Maria. 1996.
Dissertação (Mestrado em Letras) – PUC-MG, Belo Horizonte p.104-109. De toda a dissertação esta é a
única parte, e mesmo assim com restrições, que podemos concordar com o autor.
56
O grande historiador do Anti-semitismo, Léon Poliakov diz assim: “Embora se possa encontrar judeus
aliados ao diabo e à prefiguração do tema do assassinato ritual (cuja ação é situada na Inglaterra, onde de
fato nasceu a primeira lenda desse tipo), também se pode encontrar judeus muito simpáticos, cuja
maioria, após muitas provas, terminam convertendo-se: uns, depois de se sair mal com bandidos cristãos,
outros, depois de ter sido condenados à morte por sua aljama. Vê-se que o rei, com muita certeza ele
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criança, é a Cantiga 107. Nessa Cantiga uma judia estava presa e roga, como que
apostando, à Santa Maria para que a libertasse. É libertada e, agora acreditando
firmemente, vai correndo à igreja se batizar surpreendendo os que lá estavam. Contou o
milagre e “aquela gente a batiçou”57 e “ foi sempre ben crente.”58 Isso é possível pois
como diz a Cantiga 305 o perdão de Deus vale mais que qualquer ouro porque é o
perdão “daquel que perdõar pode/ crischão, judeu e mouro,/ atanto que en Deus ajan/
ben firmes sas entenções.”59
Com isso podemos dizer que, se houve um pensamento anti-semita na Idade Média ele
não foi compartilhado pelo Rei Alfonso X, o Sábio.

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mesmo o autor das Cantigas, sabia tomar seus temas à vida quotidiana e distribuía luzes e sombras de
maneira bastante imparcial.” POLIAKOV, Léon. Op. Cit., p.121
57
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.66-67
58
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.68
59
ALFONSO X, Rei de Castela e Leão, Op. Cit., vv.67-68
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