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24/06/2019 O que está acontecendo em Hong Kong?

- Revista Opera

O que está acontecendo em Hong Kong?


por Eugene Puryear | Liberation News - Tradução de Gabriel Deslandes

Por Gabriel Deslandes - junho 14, 2019

(Foto: Sirlanz)

E
normes multidões, com talvez até um milhão de pessoas, lotaram as ruas de
Hong Kong em 9 de junho para expressar sua oposição a uma proposta de
mudança na lei de extradição da Região Administrativa chinesa. Esse protesto em
massa foi seguido de ações ainda mais militantes alguns dias depois, em que foram vistos
manifestantes jogando tijolos e a polícia atirando com balas de borracha.

A proposta de emenda que trata da extradição está sendo apresentada em toda a mídia
ocidental como parte de uma “armadilha totalitária” em torno do povo “livre e democrático”
de Hong Kong. A nova lei, uma mudança legal bastante limitada, está enfrentando uma
condenação quase universal das mais poderosas nações ocidentais, em um esforço para
justificar a submissão da China a uma nova atmosfera no estilo da Guerra Fria.

Pintar essa proposta de mudança legal como uma arrepiante ameaça totalitária à
democracia representa uma deturpação dos fatos. Hong Kong, conhecida como Região
Administrativa Especial (RAE) devido ao seu status especial, conta com seu próprio código
de leis e sistema legal, ambos consagrados na Constituição chinesa. Esse status tem sido
usado pelas potências ocidentais como um futebol político contra a República Popular da
China.

Um projeto de lei que pode se tornar lei

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24/06/2019 O que está acontecendo em Hong Kong? - Revista Opera

O projeto de lei em questão é formalmente conhecido como a Lei (Emenda) de Infratores


Fugitivos e Assistência Jurídica Mútua na Legislação de Matéria Penal de 2019. O projeto
emergiu na sequência de um caso de 2018 em que uma mulher grávida foi assassinada em
Taiwan, e o agressor fugiu para Hong Kong e não pôde ser extraditado, pois não há tratado
de extradição entre Hong Kong e Taiwan. Apesar de fazer parte da China, a RAE de Hong
Kong ainda mantém seus próprios tratados de extradição com outras nações.

A oposição insiste que a emenda à lei de extradição existente impedirá o funcionamento do


sistema legal próprio de Hong Kong, de modo que transformará os direitos dos residentes
de RAE em letra morta. Isso é, na melhor das hipóteses, uma deturpação.

A lei só muda um elemento real do processo de extradição: atualmente, para buscar a


extradição, é preciso haver um tratado. Sob a nova lei, o chefe do Executivo regional teria
o poder de iniciar processos de extradição, caso a caso, para países que solicitassem a
extradição, mas que não têm tratado formal com Hong Kong.

Em termos de quais delitos seriam aceitos para esse procedimento especial, a lei se
limitaria a alguns crimes realmente graves. A lei proposta reafirma que os direitos básicos
garantidos pelos tribunais de Hong Kong ainda se aplicam ao acusado (direitos semelhantes
aos padrões legais americanos e britânicos) e também confere implicitamente aos tribunais
a competência de substituir a extradição por certos acordos relativos à sentença, custódia e
tratamento. Em outras palavras, essa é uma mudança bastante limitada. Também se aplica
apenas a lugares onde não há tratado de extradição vigente, o que significa que Hong Kong
poderia desenvolver regras mais rigorosas em relação à extradição para qualquer lugar ou
elevar seus próprios padrões para quem seria ou não extraditado.

Herança colonial

Sem dúvida, hoje a média da população de Hong Kong tem mais “democracia” no sentido
ocidental do que sob o domínio colonial britânico. De 1843 até 1985, não houve eleições de
qualquer tipo em Hong Kong. O governo britânico simplesmente nomeou um governador
colonial e um conselho governante. Na verdade, foi só depois que o Reino Unido concordou
em finalmente devolver à China o território que havia dela conquistado, que os britânicos
decidiram introduzir um sufrágio limitado.

A eleição de 1985 foi uma votação indireta, com literalmente apenas uma quantidade
mínima de pessoas votando. A primeira eleição direta não ocorreu até 1991. Essa eleição
de 1991 ainda contou com várias nomeações por parte do governador local, que, por sua
vez, não havia sido eleito. Foi somente em 1995 que o Conselho Legislativo de Hong Kong
foi totalmente eleito.

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24/06/2019 O que está acontecendo em Hong Kong? - Revista Opera

Desde 2010, a República Popular da China aumentou o número de vagas tanto diretamente
eleitas quanto nos chamados “grupos funcionais”, que representam subgrupos da
população em um tipo de colégio eleitoral. Em outras palavras, os hong-kongueses elegem
mais seus líderes diretamente e por meio dos círculos eleitorais do que em qualquer
período anterior na história da cidade.

Isso é adicional ao fato de que – conforme estabelecido na Lei Básica de Hong Kong, que
rege o princípio de “um país, dois sistemas”:

“O Congresso Nacional do Povo autoriza a Região Administrativa Especial de Hong Kong a


exercer um alto grau de autonomia e a desfrutar de um Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário independentes, incluindo o de adjudicação final.”

Extradição e democracia
Esse contexto é crítico, pois qualquer discussão sobre “democracia” deve ser considerada à
luz do colonialismo. A Lei Básica de Hong Kong se baseia em um acordo conjunto britânico-
chinês para devolver a cidade à China. Em outras palavras, o próprio retorno de uma
cidade roubada da China pelos colonialistas britânicos esteve baseado na concordância dos
chineses com os termos dos colonialistas que a roubaram.

Como aludido acima, os “direitos e liberdades” que os britânicos procuraram consagrar não
incluíam o sufrágio universal ou eleições. Entretanto, incluíam proteções para: “Propriedade
privada, propriedade de empresas, direito legítimo de herança e investimento estrangeiro”.

Todo o contexto da discussão sobre se a mudança legal é ou não apropriada está


acontecendo dentro de um contexto profundamente antidemocrático – que considera
essencialmente “errado” para a China mudar suas próprias leis e que o único caminho
correto para qualquer política chinesa em relação a Hong Kong seria a manutenção estrita
do status quo colonial imposto ao país asiático por uma potência colonial que, para início de
conversa, não tinha o direito de tomar seu território.

Argumentar que a lei de extradição emendada é “antidemocrática” porque exporia uma


pessoa a julgamentos “injustos” nos círculos da China “continental” é um pretexto um tanto
oco, levando em conta que Hong Kong mantém um tratado de extradição com os Estados
Unidos, onde também não há garantia de um julgamento justo.

Unidade e luta

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24/06/2019 O que está acontecendo em Hong Kong? - Revista Opera

As opiniões estão claramente divididas sobre essa questão em Hong Kong. Apenas 22 anos
desde o fim da colonização, Hong Kong tem uma sociedade única e diversificada.
Questionamentos a respeito do quanto enfatizar os aspectos de “dois sistemas” ou de “um
país” em relação à China “continental” são frequentemente controversos.

Contudo, o toma-lá-dá-cá é real. Protestos em massa fizeram um governo central arquivar


uma proposta da “lei de segurança nacional” em 2003. Por outro lado, o direito ao voto foi
expandido em 2010 em uma cooperação sem precedentes entre as duas principais facções
do Conselho Legislativo e o governo central.

As últimas eleições tiveram um comparecimento de aproximadamente 60%, um sinal vital


de que há ampla legitimidade para o status quo da Lei Básica, sua cultura política e suas
estruturas formais e informais.

Atualmente, há vozes proeminentes, tanto individuais quanto organizacionais, amplamente


consideradas “pró-Pequim”, que estão instando a chefe do Executivo regional, Carrie Lam,
a desacelerar o processo e se engajar em uma consulta mais ampla sobre como lidar com o
tema da extradição. Ela está prometendo seguir em frente. Portanto, o futuro exato desse
problema ainda é um pouco nublado. No geral, isso é um reflexo do fato de que os
protestos em Hong Kong geralmente não são tão simples quanto as divisões políticas
básicas entre “pan-democratas”, geralmente vistos como mais hostis à China, e o chamado
“campo pró-Pequim”.

Todavia, uma coisa é certa. As potências imperialistas ocidentais reivindicam cinicamente


serem amigas da democracia, a fim de fazer o que for possível para dividir e enfraquecer a
China. Daí as fortes declarações contra a emenda proposta à Lei Básica por parte de
organizações como o Departamento de Estado dos EUA. Além disso, existem forças dentro
de Hong Kong que, no final, não querem fazer parte da República Popular da China e que
agora estão tentando – como sempre – alavancar os governos ocidentais e a opinião
pública para seus próprios propósitos antichineses.

É fundamental expor as mentiras e manipulações sobre o que está sendo proposto, bem
como o que isso significa, já que o discurso mais amplo alimenta uma narrativa
rapidamente solidificadora da necessidade de um novo confronto com a China no estilo da
Guerra Fria para proteger a posição número um no mundo dos gigantes corporativos dos
EUA e dos super-ricos.

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