Félix Guattari (1930/1992), psicanalista e militante revolucionário francês, e
Gilles Deleuze (1925/1995), filosofo francês, escreveram em conjunto uma vasta bibliografia, mas é no celebre “O que é Filosofia?” que devolvem a velha senhora a sua dignidade. Mas então, o que seria a filosofia? O que é o Conceito? O que seria os tais Planos de Imanência? E quem é esse tal Personagem Conceitual? Iremos tratar um pouco de cada um destes temas, de maneira simples e clara, no decorrer deste, para que possamos mostrar que esta senhora está mais jovem do que nunca. O que é, para a dubla que escrevem e “respondem do múltiplo puro sem referência a um qualquer um, da diferença pura, das intensidades que individualizam, das heoceidades1” (1995, p. 4), a filosofia? Porém, cabe inicialmente dizer o que ela não é, e para esse múltiplo autor “ela não é contemplação, nem reflexão, nem comunicação” (1997, p. 12), pois: não é Contemplação, porque ela não tem compromisso com o Universal, contemplando o transcendente, seu papel é outro, o de criação de conceitos e singularidades; não é comunicação, pois também não possui compromisso com esclarecimento e consenso, sem preocupação com opinião geral, pois tem pavor de discussões; e, por fim, nem reflexão, pois ninguém precisa dela para refletir ou pensar, mas também a outras áreas do saber, não lhe sendo exclusividade o pensamento. Já que não é contemplação, reflexão ou comunicação, o que ela é? É uma disciplina que tem como finalidade criar, como uma máquina, conceitos múltiplos e singulares, sem pretensões de Universalidade ou consenso. E é com esse entendimento que eles devolvem a sua dignidade, pois não há a preocupação de se tornar uma ciência, arte ou outra coisa. Mesmo ameaçada, ou não, por outras áreas do conhecimento, ela permanece e permanecerá viva. E quando ao filosofo, qual o seu papel nesse empreendimento? O seu papel é o de criar, é esse o seu oficio, capturar o acontecimento e criar planos que cortem o caos (conceitos que iremos discorrer mais adiante), e como um bom artesão, que trabalha para criar sua arte, ele cria, não de maneira modesta como um simples produto, mas criando-os de forma mais elaborada possível para resolver os problemas a que tentam responder. O filosofo é o amigo do conceito, ele próprio é 1 Heoceidades: individuações sem sujeito. um conceito em potência, pois participa do devir, enxerga o acontecimento, cria planos de imanência para não perder o seu pensamento, que tem movimento infinito. Sendo a filosofia, essa maquina criadora, um conceito e o filosofo, o amigo do conceito e seu criador, um conceito em potência, o que é o conceito? E o múltiplo autor inicia sua resposta com uma frase de força, que é: “Não há conceito simples” (1997, p. 23). Porém, por que não há conceito simples? Não há porque ele é formado de componentes, por isso se distancia de definições básicas e fracas, é singular, irregular e múltiplo. O conceito tem um número finito de componente, pois necessita de uma consistência e ordem para dar conta da velocidade infinita, sem perder este infinito, do movimento que é o acontecimento e de seu próprio pensamento. Ele remete a outros conceitos, e tem conceitos como componentes, é múltiplo e singular. É incorporal e intenso, pois não é criado para se adequar a um estado de coisa. O seu objetivo é pensar o acontecimento, que gera as perguntas que o filosofo busca responder. Ele também não é proposição, pois o seu referencial não é o estado de coisas nem preocupação com valores de verdade, tais coisas cabem a ciência e não a filosofia. Mas o que seria esse acontecimento? Como citado acima, não é mero estado de coisa, mesmo que estes o incorporem, ele é obstáculo que pode conter história, porém é também devir infinito, pois o tempo da filosofia é a superposição. Ele traz sentido e levanta questões, que o filosofo tenta responder criando conceitos que são pensados em um plano de imanência, que corta o caos e baliza o pensamento sem perder a seu infinitude. E o que seria esse plano de imanência? É a imagem do pensamento, que abarca dentro de si conceitos, que os filtra com um sistema de seleção, com o objetivo de dizer quais podem ou não serem incluídos. É como um rio sem represas, que deixa suas águas correrem, mesmo que cheio de afluentes, sem perder o infinito do pensamento. O transcendente é seu inimigo, pois ao tornar o conceito um Universal, na tentativa de estancar a sangria, transforma a sua imanência em um atributo, o que acaba por matar o movimento infinito do pensamento. Ele é um corte no caos, sem restringir a sua força caotizadora. O que seria esse caos que o plano de imanência corta? Ele é movimento, um acaso infinito. Ele está em uma constante luta com o pensamento, o que leva a muitos a tenta capturá- lo, o fechando em um invólucro, porém, ele continua caotizar, produzindo novos acasos não pensados. A boa filosofia é aquela sabe domá-lo, a que mergulha nesse turbilhão caótico sem forçar o seu enquadramento, pois nenhum plano lhe abarca como um todo, é a que não foge dele, mas a que o corta preservando infinitude. Para mergulhar nesse caos, o filosofo precisa de um heterônimo, que não é ele nem seu representante, pois precisa ser outro, para transitar entre a dimensão pré-filosófico, adentrando nos conceitos e em seus planos de imanência, onde vive, esse alguém é o personagem conceitual. Sua função é tripla, a de manifestar territorialidade, desterritorialização e reterritorialização absoluta do pensamento, que nada mais é do que ser um estrangeiro, que busca em sua primeira função se ambientar, para depois modificar e ciar um novo terreno, resolvendo os problemas que o plano lhe apresenta. Seu número não é certo, já que podem haver muitos em um plano, e sua existência está atrelada a este, de forma reciproca, seja precedendo o plano, em um estágio pré-filosófico, seja o acompanhado. e suas relações são importantes para a criação de conceitos e resoluções dos problemas. A relação destes personagens, dentro de um plano de imanência, é muito importante, pois é nestas que eles criam conceitos e resolvem os problemas. Conceitos consistentes são de seu agrado, pois estes mantem a imanência, e, com isso, o movimento infinito. Por fim, o personagem conceitual é a conexão entre os conceitos e os planos de imanência, e juntos formam a trindade da filosofia. A obra é muito mais que um livro técnico, pois apresenta testes desse múltiplo autor, e a maior delas é qual o papel da filosofia, como a disciplina criadora de conceitos que, de forma magistral, trazem e garantem a dignidade dessa velha senhora de enorme importância para o pensamento humano.
REFERENCIAS
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 1.
Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é Filosofia?. Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Munoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.