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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE

DIGNIDADE À FILOSOFIA

Diego Lopes

Silvestre F.G. Coelho Savino Jr.

GUARAPUAVA

2019
Dignidade à Filosofia

Félix Guattari (1930/1992), psicanalista e militante revolucionário francês, e


Gilles Deleuze (1925/1995), filosofo francês, escreveram em conjunto uma vasta
bibliografia, mas é no celebre “O que é Filosofia?” que devolvem a velha senhora a
sua dignidade. Mas então, o que seria a filosofia? O que é o Conceito? O que seria
os tais Planos de Imanência? E quem é esse tal Personagem Conceitual? Iremos
tratar um pouco de cada um destes temas, de maneira simples e clara, no decorrer
deste, para que possamos mostrar que esta senhora está mais jovem do que nunca.
O que é, para a dubla que escrevem e “respondem do múltiplo puro sem
referência a um qualquer um, da diferença pura, das intensidades que
individualizam, das heoceidades1” (1995, p. 4), a filosofia? Porém, cabe inicialmente
dizer o que ela não é, e para esse múltiplo autor “ela não é contemplação, nem
reflexão, nem comunicação” (1997, p. 12), pois: não é Contemplação, porque ela
não tem compromisso com o Universal, contemplando o transcendente, seu papel é
outro, o de criação de conceitos e singularidades; não é comunicação, pois também
não possui compromisso com esclarecimento e consenso, sem preocupação com
opinião geral, pois tem pavor de discussões; e, por fim, nem reflexão, pois ninguém
precisa dela para refletir ou pensar, mas também a outras áreas do saber, não lhe
sendo exclusividade o pensamento.
Já que não é contemplação, reflexão ou comunicação, o que ela é? É uma
disciplina que tem como finalidade criar, como uma máquina, conceitos múltiplos e
singulares, sem pretensões de Universalidade ou consenso. E é com esse
entendimento que eles devolvem a sua dignidade, pois não há a preocupação de se
tornar uma ciência, arte ou outra coisa. Mesmo ameaçada, ou não, por outras áreas
do conhecimento, ela permanece e permanecerá viva.
E quando ao filosofo, qual o seu papel nesse empreendimento? O seu papel é
o de criar, é esse o seu oficio, capturar o acontecimento e criar planos que cortem o
caos (conceitos que iremos discorrer mais adiante), e como um bom artesão, que
trabalha para criar sua arte, ele cria, não de maneira modesta como um simples
produto, mas criando-os de forma mais elaborada possível para resolver os
problemas a que tentam responder. O filosofo é o amigo do conceito, ele próprio é
1
Heoceidades: individuações sem sujeito.
um conceito em potência, pois participa do devir, enxerga o acontecimento, cria
planos de imanência para não perder o seu pensamento, que tem movimento
infinito.
Sendo a filosofia, essa maquina criadora, um conceito e o filosofo, o amigo do
conceito e seu criador, um conceito em potência, o que é o conceito? E o múltiplo
autor inicia sua resposta com uma frase de força, que é: “Não há conceito simples”
(1997, p. 23). Porém, por que não há conceito simples? Não há porque ele é
formado de componentes, por isso se distancia de definições básicas e fracas, é
singular, irregular e múltiplo.
O conceito tem um número finito de componente, pois necessita de uma
consistência e ordem para dar conta da velocidade infinita, sem perder este infinito,
do movimento que é o acontecimento e de seu próprio pensamento. Ele remete a
outros conceitos, e tem conceitos como componentes, é múltiplo e singular. É
incorporal e intenso, pois não é criado para se adequar a um estado de coisa. O seu
objetivo é pensar o acontecimento, que gera as perguntas que o filosofo busca
responder. Ele também não é proposição, pois o seu referencial não é o estado de
coisas nem preocupação com valores de verdade, tais coisas cabem a ciência e não
a filosofia.
Mas o que seria esse acontecimento? Como citado acima, não é mero
estado de coisa, mesmo que estes o incorporem, ele é obstáculo que pode conter
história, porém é também devir infinito, pois o tempo da filosofia é a superposição.
Ele traz sentido e levanta questões, que o filosofo tenta responder criando conceitos
que são pensados em um plano de imanência, que corta o caos e baliza o
pensamento sem perder a seu infinitude.
E o que seria esse plano de imanência? É a imagem do pensamento, que
abarca dentro de si conceitos, que os filtra com um sistema de seleção, com o
objetivo de dizer quais podem ou não serem incluídos. É como um rio sem represas,
que deixa suas águas correrem, mesmo que cheio de afluentes, sem perder o
infinito do pensamento.
O transcendente é seu inimigo, pois ao tornar o conceito um Universal, na
tentativa de estancar a sangria, transforma a sua imanência em um atributo, o que
acaba por matar o movimento infinito do pensamento.
Ele é um corte no caos, sem restringir a sua força caotizadora. O que seria
esse caos que o plano de imanência corta? Ele é movimento, um acaso infinito. Ele
está em uma constante luta com o pensamento, o que leva a muitos a tenta capturá-
lo, o fechando em um invólucro, porém, ele continua caotizar, produzindo novos
acasos não pensados. A boa filosofia é aquela sabe domá-lo, a que mergulha nesse
turbilhão caótico sem forçar o seu enquadramento, pois nenhum plano lhe abarca
como um todo, é a que não foge dele, mas a que o corta preservando infinitude.
Para mergulhar nesse caos, o filosofo precisa de um heterônimo, que não é
ele nem seu representante, pois precisa ser outro, para transitar entre a dimensão
pré-filosófico, adentrando nos conceitos e em seus planos de imanência, onde vive,
esse alguém é o personagem conceitual.
Sua função é tripla, a de manifestar territorialidade, desterritorialização e
reterritorialização absoluta do pensamento, que nada mais é do que ser um
estrangeiro, que busca em sua primeira função se ambientar, para depois modificar
e ciar um novo terreno, resolvendo os problemas que o plano lhe apresenta.
Seu número não é certo, já que podem haver muitos em um plano, e sua
existência está atrelada a este, de forma reciproca, seja precedendo o plano, em um
estágio pré-filosófico, seja o acompanhado. e suas relações são importantes para a
criação de conceitos e resoluções dos problemas. A relação destes personagens,
dentro de um plano de imanência, é muito importante, pois é nestas que eles criam
conceitos e resolvem os problemas. Conceitos consistentes são de seu agrado, pois
estes mantem a imanência, e, com isso, o movimento infinito.
Por fim, o personagem conceitual é a conexão entre os conceitos e os planos
de imanência, e juntos formam a trindade da filosofia. A obra é muito mais que um
livro técnico, pois apresenta testes desse múltiplo autor, e a maior delas é qual o
papel da filosofia, como a disciplina criadora de conceitos que, de forma magistral,
trazem e garantem a dignidade dessa velha senhora de enorme importância para o
pensamento humano.

REFERENCIAS

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 1.


Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é Filosofia?. Tradução de Bento Prado Jr. e
Alberto Alonso Munoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.

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