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CRIME PROMO ÇÃO DE MIGRAÇÃO ILEGAL

Promoção de migração ilegal


Art. 232-A. Promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a
entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1o Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter
vantagem econômica, a saída de estrangeiro do territ ório nacional para ingressar ilegalmente
em país estrangeiro.

§ 2o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um ter ço) se:

I – o crime é cometido com violência; ou

II – a vítima é submetida a condição desumana ou degradante.

§ 3o A pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das correspondentes às
infrações conexas.

Considerações iniciais

A Lei nº 13.445/17, com vigência programada para o dia 25 de novembro de 2017,


revoga o Estatuto do Estrangeiro para instituir a Lei de Migra ção. Dentre suas disposições, o
art. 115 acrescenta ao Código Penal o art. 232-A, tipificando como crime a promoção de
migração ilegal.

Destacamos, inicialmente, a impropriedade da inser ção dessa figura criminosa no


Título relativo aos crimes contra a dignidade sexual, especificamente no Capítulo V, que trata
do lenocínio. Como veremos logo a seguir, o crime de promoção de migração ilegal não tem
conotação sexual e não se confunde, de forma alguma, com o tráfico de pessoas para
exploração sexual, que antes da Lei nº 13.344/16 fazia parte do mesmo Capítulo. Trata-se,
simplesmente, de viabilizar a entrada no territ ório brasileiro de estrangeiro que não cumpre os
requisitos legais estabelecidos na própria Lei de Migração.
A flexibilização das leis migratórias tem sido uma tendência mundial para facilitar o
trânsito de pessoas entre países. Flexibilizar, no entanto, não significa permitir a entrada e
saída de pessoas sem o atendimento de pressupostos legais que visam a manter a ordem
interna e a evitar o livre trânsito de indivíduos que podem trazer risco para a segurança dos
cidadãos nacionais. Por isso, ainda que a migração possa, em alguns casos, ser incentivada,
sua promoção ao arrepio da lei deve ser punida.

Tanto é assim que os mais diversos países punem criminalmente o ato de promover
migração ilegal. A Lei de Estrangeiros de Portugal , por exemplo, pune “Quem favorecer ou
facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidad ão estrangeiro
em territ ório nacional” com pris ão de até três anos (art. 183º). A lei italiana também contempla
figura criminosa que pune com reclusão de um a cinco anos aquele que pratica conduta
dirigida a promover a entrada de estrangeiro no territ ório italiano violando as disposições
do Texto Único sobre Imigração (art. 12).

Objetividade jurídica

A tutela penal recai, sobretudo, na manutenção da soberania nacional, da qual deriva


toda a disciplina para entrada e saída de pessoas do território brasileiro. É com base no poder
pleno de autodeterminação, ou seja, não condicionado a nenhum outro poder de origem
externa ou interna, que o Estado estabelece as regras para o trânsito de pessoas no território
nacional. Ignorar essas regras atenta, portanto, contra o poder de autodeterminação.

São também objetos jurídicos deste crime, ainda que mediatos, a segurança nacional e
a manutenção da ordem interna, pois a entrada ilegal de estrangeiros em território brasileiro
impede que os órgãos de imigração tomem conhecimento de quem está penetrando no país e
a que título (o art. 12 da Lei nº 13.445/17 estabelece cinco espécies de vistos, que por sua vez
são divididos em subespécies, cada uma concedida de acordo com a finalidade para o
ingresso e a permanência do estrangeiro no Brasil).

Por fim, como a figura criminosa pune também a promoção de entrada ilegal de
brasileiro em território estrangeiro e a saída ilegal de estrangeiro para outro país, é possível
dizer que se tutela a manutenção da regular relação entre o Brasil e outros países.

Sujeitos

O crime é comum, razão por que pode ser cometido por qualquer pessoa. Note-se, no
entanto, que o migrante ilegal não comete o crime, pois o tipo pune promover a migração de
terceiro, com intuito de obter vantagem econômica. Isso decorre dos princípios e diretrizes da
política migratória brasileira, dentre os quais está a não criminalização da migração (art. 3º,
inciso III, da Lei nº 13.445/17).

O sujeito passivo é o Estado, que deixa de exercer o direito de controle sobre o trânsito
de estrangeiros no país.
Conduta

Consiste a conduta típica em promover, por qualquer meio, com o fim de obter
vantagem econ ômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro
em país estrangeiro.

A ação nuclear de promover a entrada ilegal de estrangeiro deve ser interpretada de


forma ampla, punindo-se quem agencia a vinda do estrangeiro, quem o transporta para o
território nacional, quem o recebe no momento do ingresso ou quem de qualquer forma
pratica algum ato com o prop ósito de tornar possível a entrada do estrangeiro sem a
observância das disposições legais, sendo que a entrada ilegal pode ocorrer tanto por meio
de desvio dos postos de imigração (ex.: o agente promove a entrada do estrangeiro por
fronteira terrestre ou marítima onde não existe forma de controle) quanto mediante utilização
de meios fraudulentos perante o controle de imigração (ex.: documentos falsos).

Para compreender o alcance do termo estrangeiro, devemos, antes, analisar o


conceito de brasileiro. Extrai-se do art. 12 da CF/88 serem brasileiros natos:

1) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros,


desde que estes não estejam a serviço de seu país;

2) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer


deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

3) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam


registrados em reparti ção brasileira competente ou venham a residir na República Federativa
do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade
brasileira.

E são naturalizados:

1) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários


de países de língua portuguesa apenas resid ência por um ano ininterrupto e idoneidade
moral;

2) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do


Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a
nacionalidade brasileira.

É, portanto, estrangeiro qualquer pessoa que não se insira em nenhuma das


qualificações de brasileiro nato ou naturalizado.

O tipo pune a entrada ilegal de estrangeiro em territ ório nacional. O que se entende, no
entanto, para os efeitos desta infração penal, como território nacional ?
O conceito de território nacional para fins penais é extraído do art. 5º do Código Penal.
Nessa esteira, entende-se como território nacional a soma do espa ço físico (ou geográfico)
com o espaço jurídico (espaço físico por ficção, por equipara ção, por extensão ou território
flutuante).

Território físico é o espaço terrestre, marítimo ou aéreo sujeito à soberania do Estado


(solo, rios, lagos, mares interiores, baías, faixa do mar exterior ao longo da costa – 12 milhas
marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continente e insular – e
espaço aéreo correspondente). E, como extens ão do território nacional, consideram-se as
embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro
onde quer que se encontrem, bem como as embarcações e as aeronaves brasileiras
(matriculadas no Brasil), mercantes ou de propriedade privada, que se achem,
respectivamente, em alto-mar ou no espa ço aéreo correspondente (art. 5°, § 1°, CP). É
também aplicável a lei brasileira aos crimes cometidos a bordo de aeronaves ou embarcações
estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou
em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil (art. 5º,
§ 2°, CP).

Para a caracteriza ção do crime de promoção de migração ilegal, parece-nos mais


adequada a limitação da entrada ao territ ório físico. É somente nesse momento que os órgãos
de fiscalização de fronteiras podem exercer o controle da entrada de pessoas no território
brasileiro. Não faz sentido aplicar o conceito extenso de território neste caso porque em
determinadas situações o crime se perfaria muito antes de ser possível qualquer tipo de
controle. É o caso, por exemplo, do agente que, com intuito de promover a entrada de
estrangeiro ilegal no Brasil, o introduzisse em uma embarcação pública brasileira atracada em
outro país. O crime se consumaria imediatamente, com a mera entrada do estrangeiro na
embarcação. Se, em outro exemplo, o estrangeiro estivesse em uma aeronave comercial
brasileira, o crime se consumaria no momento em que o aparelho ingressasse no espaço
aéreo internacional. Seria no mínimo inusitado admitir ofensa ao controle de imigração num
momento em que sequer seria possível seu exercício.

De igual forma, pensamos que a promoção de entrada ilegal de brasileiro em país


estrangeiro só ocorre se houver o ingresso do nacional no territ ório físico de outro país.
Trata-se, aqui, da situação em que criminosos agenciam a ida de nacionais sem vistos para
residir em outros países. Talvez a situação mais comum seja a de brasileiros que emigram
aos Estados Unidos passando pelo México, guiados pelos denominados “coiotes”.

Aqui ousamos uma crítica: a nosso ver, teria feito melhor o legislador se, no lugar de
punir a promoção da entrada ilegal de brasileiro em país estrangeiro (caput), punisse
a saídailegal de brasileiro do territ ório nacional para ingressar em país estrangeiro. Isso no
mínimo tornaria a apuração mais simplificada, pois se o tipo condiciona a caracterização do
crime à entrada em outro país, há de se demonstrar o efetivo ingresso, providência que pode
depender da colaboração de autoridades internacionais. Uma vez que fosse punida a saída,
isso seria dispensável.
O § 1º contém uma forma equiparada ao caput, consistente em promover, por qualquer
meio, com o fim de obter vantagem econ ômica, a saída de estrangeiro do território nacional
para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.

A forma equiparada pune, corretamente, a saída – não a entrada – de estrangeiro do


território brasileiro para ingressar ilegalmente em outro país. Aplicam-se aqui as mesmas
considerações sobre o que se consideram territ ório brasileiro.

Voluntariedade

É o dolo, consistente na vontade consciente de promover a entrada ilegal de


estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro, bem como a saída de
estrangeiro do territ ório nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.

O tipo cont ém um elemento subjetivo: a finalidade especial de obter vantagem


econômica. Com isso afasta-se a possibilidade de punição se alguém praticar uma das
modalidades do crime com o intuito de simplesmente auxiliar a pessoa que pretende
ingressar ilegalmente no territ ório nacional ou em país estrangeiro.

Consumação e tentativa

Nas modalidades tipificadas no caput, consuma-se o crime com a entrada ilegal do


estrangeiro no territ ório nacional ou com a entrada ilegal do brasileiro em outro país.

Na forma equiparada, a consumação se dá com a saída do estrangeiro do território


brasileiro.

O § 3º estabelece que a pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das
correspondentes às infrações conexas. Isso significa que eventuais infrações penais
cometidas no mesmo contexto da promoção de migração ilegal serão punidas em concurso,
sem que seja poss ível aplicar o princípio da consunção. Dessa forma, se, por exemplo, a
entrada ilegal no território nacional – ou a saída dele – se der por meio da falsificação de
documentos, o agente responde pelo art. 232-A em concurso material com o crime contra a fé
pública.

O mesmo ocorre se a promoção da entrada ilegal de estrangeiro for praticada em


conjunto com o tráfico de pessoas. Os crimes têm objetividades jurídicas distintas; o tráfico de
pessoas pode ser cometido por meio do trânsito legal de pessoas de um país para outro, ou
seja, a entrada ou saída ilegal não integra o tipo do art. 149-A; os sujeitos passivos são
diversos, pois enquanto o tráfico de pessoas atinge o indivíduo, a entrada ilegal de
estrangeiro vitima o Estado. Além disso, o art. 232-A exige propósito de obter vantagem
econômica, mas esta não é um pressuposto do art. 149-A. É perfeitamente possível, por
exemplo, que algu ém agencie a entrada ilegal de uma pessoa no Brasil, recebendo
determinada quantia, em colaboração com uma organização criminosa que promova o tráfico
de pessoas para explora ção sexual. Há, no caso, concurso material.
A tentativa é possível nas situações em que o agente adota as medidas necessárias
para o ingresso ou a saída ilegal do estrangeiro, mas não alcan ça seu propósito por
circunstâncias alheias à sua vontade.

Ação penal

A ação penal é pública incondicionada.

Tendo em vista os bens jurídicos tutelados, a competência é da Justiça Federal.

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