Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
MEMEL-FOTÊ, Harris. Culture et nature dans les représentations africaines de l´esclavage et de la traite
négrière. Cas des sociétés lignagéres. In HENRIQUES, Isabel de Castro; SALA-MOLINS, Louis (Orgs.).
Déraison, esclavage et droite. Les fondaments idéologiques e juridiques de la traite négreère et de l
ésclavage. Col. Mémoire des peuples. La route de l´esclavage. Éditions UNESCO, 2002. P. 195-203 [PDF:
190-197]
1
Primeiro Movimento de Representações
Representações da Era Escravista
Há 4 níveis de desqualificação/decadência:
1.A.1 - duas formas:
a. interna à sociedade (a excomunhão social). A linhagem excluí um de
seus membros que a desonra por delitos ou crimes ou esgota seus
recursos pelas pesadas penas ocasionadas por estes delitos e crimes.
Os excluídos perdem o benefício da solidariedade econômica, política e
religiosa. Se torna um banido/pária (não pertence a nenhuma casta,
excluído do convívio social, à margem)
b. forma externa (o cativeiro militar); derrotado de guerra, cativo na terra
estrangeira, não tem direitos políticos, religioso ou fundiário.
1.A.2 -Tráfico
o Seres humanos são vendidos e comprados.
o O cativo se permanece perto de sua linhagem ou etnia, é reconhecido e
possui alguma consideração.
o Objetificação – transmutados em objetos de propriedade, que distancia do
parentesco e da etnia. Se tornam propriedades bem como seus
descendentes, entram na herança, fazem parte do sistema patrimonial
das sociedades linhageiras que os adquiriu.
o Passíveis de exploração.
1.A.3 - Como órgãos reprodutivos, os cativos podem ser excluídos dos
sistemas de reprodução e até esterilizados.
o Servem, no melhor dos casos, a formas de miscigenação ou ao
alargamento e à perpetuação de linhagens nobres.
o Permitem o enriquecimento de linhagens, por meio da fabricação e
comercialização de bens como sal, cola ou ouro.
o Cativos de guerra reforçam o status de homens e mulheres poderosos:
como bens acumulados ou como presentes ofertados entre amigos.
1.A.4 - Privação social e cultural após a morte: Status de excrementos sociais
- enterrados em locais distantes, em ilhas fluviais, abandonados pura e
simplesmente na natureza, enterrados em covas rasas.
2
1.B - Representações da escravidão como enfermidade absoluta.
Escravo visto como portador de uma enfermidade congênita.
Na representação do escravo como enfermo absoluto, ele não possui funções
essenciais: ancestralidade, nome e palavra. Sem ancestralidade, ele é
excluído da relação de pertencimento recíproco que caracteriza a origem.
Sem ancestrais, o escravo não possuía direito à propriedade nem de
sucessão fundiária. Em contrapartida, ele era posse e herança. ► Sem
ancestrais = Sem memória, sem nome genealógico próprio, carrega a sombra
do nome do seu senhor.
Sem nome, não pode reivindicar poder político, instrumento e lugar de
controle da propriedade e da memória coletiva.
Por falta de antepassados, propriedade e nome o escravo não tem fala, voz
deliberativa, que o integre a memória coletiva. Desprovidos da verdadeira fala,
a dos adultos livres, o escravo apenas pronuncia palavras domésticas,
semelhante à das crianças e das mulheres, deslegitimado para fala em
tribunais e era-lhe vedada a autoridade paterna.
3
Segundo Movimento de Representações
Teorias que explicam e justificam estas representações
2.A - Teoria metafísica de predestinação divina
Três mitos fornecem argumentos para justificar a
desqualificação/degradação e a enfermidade dos escravos:
a. Mito Abê: predestinação. De essência platônica, distinguia duas vidas e
duas ordens: uma vida anterior de ordem invisível e causal na qual o
destino dos indivíduos e grupos era predeterminado. Sendo assim, a
escravidão segue aquele que foi predestinado e o acompanha para terra
dos mortos. A riqueza do escravo, não se baseava em um direito à
riqueza, e era apenas um instrumento e signo do senhor
b. Mito Odjukru: Confirma o argumento da vida dupla e acrescenta o da
desigualdade irredutível, inclusive na morte.
c. Ratifica o argumento da vida dupla, assimila, por um lado, a
desqualificação, e, de outro lado, a morte do imolado a uma morte
expiatória.
4
Terceiro Movimento de Representações
A história do pós-escravidão como uma história regressiva das
sociedades e das culturas
Do ponto de vista da mentalidade escravista, o pós-abolição, que abriu ao
mesmo tempo a era da democracia moderna, a época da mistura biológica,
sociológica e moral, é um tempo de degradação das sociedades e das culturas.
Este tempo bastado viola a identidade do mundo, a unidade do homem, a
hierarquia tradicional das classes sociais.
O poeta guru Goré Bi Nangoné descreve as principais características dessa
sociedade
o Os descendentes de escravos são marcados por uma hereditariedade
psicológica e moral de conflitos/belicosa, de mentirosos e covardes.
o Na nova sociedade, eles ocupam a classe dominante tendo adquirido
conhecimento, riqueza e poder casar com as filhas dos senhores.
Finalmente, a nova sociedade aparece como uma sociedade patogênica,
todas as doenças são atribuídas a uma patologia indeterminada: doenças
culturais relacionadas à transgressão das proibições da religião africana,
doenças sociais derivadas da miscigenação, doenças da civilização
industrial, nascidas das novas relações de produção, dos novos modos
de vida e dos novos costumes.
Representações da escravidão e do tráfico de escravos são dados da
ideologia que os atores sociais em competição com os descendentes de
escravos usam como armas simbólicas – desacreditar e desestabilizar seus
rivais.
Sociedades africanas de tipo de linhagem, ao descrever a escravidão e o
tráfico como degradação, em representar a degradação como doença dos
escravos, como perigos de muitas maneiras, conferiram conteúdo
psicossociológico à história: mas explicando e justificando estes fatos de
representação por uma construção não científica.
Nesta ideologia, os descendentes de homens livres encontram, erroneamente,
um recurso político no combate a democracia.