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7º
Ana Cláudia Félix Gualberto
Tânia Regina Oliveira Ramos
Gizelle Kaminski Corso
Período
Florianópolis - 2013
Governo Federal
Presidência da República
Ministério de Educação
Secretaria de Ensino a Distância
Coordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil
Comissão Editorial
Tânia Regina Oliveira Ramos
Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcelos
Cristiane Lazzarotto Volcão
Equipe de Desenvolvimento de Materiais
Ficha Catalográfica
Inclui bibliografia
UFSC. Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a
Distância
Introdução..........................................................................................11
1 As três famigeradas noites.........................................................................13
2 Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos...33
2.1 Mário de Andrade..............................................................................................33
2.2 Oswald de Andrade .........................................................................................37
2.3 Carlos Drummond de Andrade ...................................................................41
Unidade B............................................................................................49
Introdução..........................................................................................51
3 Guimarães Rosa: o primeiro João ...........................................................53
4 Cabral de Melo Neto: o segundo João..................................................59
Unidade C............................................................................................67
Introdução..........................................................................................69
5 Clarice Lispector............................................................................................71
6 Lygia Fagundes Telles .................................................................................81
7 Nélida Piñon....................................................................................................91
8 Lya Luft........................................................................................................... 101
Introdução....................................................................................... 109
9 Concretismo................................................................................................. 111
9.1. Haroldo de Campos.......................................................................................114
9.2. Augusto de Campos......................................................................................117
9.3. Décio Pignatari................................................................................................117
Introdução....................................................................................... 133
11 Rubem Fonseca........................................................................................ 135
12 Hilda Hilst.................................................................................................. 141
13 Caio Fernando Abreu............................................................................. 149
Referências....................................................................................... 177
Apresentação
Car@s estudantes, boas-vindas a tod@s vocês!
A
disciplina Literatura Brasileira III foi dividida em seis Unidades,
para que você possa assimilar da melhor maneira possível as dis-
cussões aqui sugeridas. Aspectos relevantes da contemporaneida-
de e importantes conceitos analíticos, teóricos e críticos foram distribuídos,
ressaltando-se aspectos como contextualização histórica, principais produções
literárias, autores representativos de maneiras do fazer literário, fragmentos de
suas principais obras, alguns comentários críticos e, principalmente, possíveis
leituras destes textos.
Na segunda Unidade, cujos marcos históricos podem ser resumidos pelo Brasil
dos anos 50, pós-segunda guerra mundial, pós-governo Getúlio Vargas, você
conhecerá dois importantes escritores, um poeta e um prosador, João Cabral
de Melo Neto e João Guimarães Rosa.
É interessante ressaltar que, sempre que possível, será feita uma relação entre
a leitura e a prática docente, para que você possa (re)pensar sua experiência
em sala de aula. Esperamos que você aproveite estas semanas para pesquisar,
ler e compartilhar suas experiências.
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As três famigeradas noites Capítulo 01
01 As três famigeradas noites Como afirma Alfredo
Bosi, sobre Lima Bar-
A modinha é a mais genuína forma de expressão da poesia reto, “O ressentimento
do mulato enfermiço
nacional e o violão é o instrumento que ela pede e o suburbanismo não
(Lima Barreto, 1983, p. 20) o impediram, porém,
de ver e de configurar
[…] o violão é um belo instrumento e tem grandes dificuldades. com bastante clareza
Por exemplo... o ridículo e o patético
do nacionalismo to-
– Qual! Interrompeu Quaresma abruptamente. Há outros mais difíceis. mado como bandeira
– O piano? Perguntou Ricardo. isolada e fanatizante:
no Major Policarpo
– Que piano! O maracá, a inúbia. Quaresma afloram
(Lima Barreto, 1983, p. 37) tanto as revoltas do
brasileiro marginaliza-
do em uma sociedade
onde o capital já não
Vamos começar a pensar com um emblemático personagem da Li- tem pátria, quanto a
teratura Brasileira. Quem é ele? própria consciência do
romancista de que o
caminho meufanista é
Policarpo Quaresma pode ser considerado o personagem mais na- veleitário e impoten-
te”(2006, p. 318).
cionalista da literatura brasileira. Criado por Lima Barreto, conhecido
por suas ideias extremamente ufanistas que iam desde a valorização de
produtos e artigos nacionais até o desejo da implantação do tupi como
língua nacional, o Major Quaresma também era um apreciador da boa
música brasileira, considerando a modinha como a forma mais genuína
da expressão nacional. Embora visse o violão como um instrumento
que expressasse nacionalidade, era capaz de considerá-lo mais fácil de
aprender se comparado ao maracá (chocalho indígena utilizado em fes-
tas, cerimônias religiosas e guerreiras) e a inúbia (trombeta guerreira
dos índios tupis-guaranis, também conhecida por membitarará).
O Major quaresma de cocar
Para Mário de Andrade, a música brasileira provinha de diversas defendendo a adoção da Língua Tupi
pelo Estado
fontes estranhas: a ameríndia (em pequena porcentagem), a africana
(em porcentagem bem maior), a portuguesa (em vasta porcentagem),
além de influências hispano-americanas, e das atuais, provindas do jazz
e do tango argentino.
13
Literatura Brasileira III
Ao lado de Lima Bar- Nesse sentido, não apenas Mário de Andrade estava preocupa-
reto podemos inserir
Euclides da Cunha, do com a questão da brasilidade, mas praticamente grande parte da
ambos exploraram prole modernista. Tal qual Policarpo Quaresma, é possível afirmar
criticamente o veio do
nacionalismo no co- que, de uma forma ou de outra, os intelectuais e os músicos esta-
meço do século XX, via vam preocupados com a questão da identidade nacional. O desejo
contrastes litoral/sertão,
cidade/campo, branco/ de se instituir uma identidade nacional, representada em ficção por
mestiço, por exemplo. Lima Barreto, e que já se aflorava desde os românticos brasileiros,
Estudados na disci- retorna com mais força entre os modernistas brasileiros nas pri-
plina de Literatura meiras décadas do século XX. Houve uma reutilização dos propó-
Brasileira I.
sitos do romantismo europeu no quadro da cultura nacional. Nesse
sentido, o modernismo constitui-se em um momento de retomada
e adiantamento de um caminho já aberto pela intelectualidade bra-
sileira do século XIX.
14
As três famigeradas noites Capítulo 01
tumados a encará-lo: tradição da ruptura – expressão de Octavio Paz
– de rompimento com os valores do passado, com os valores prece-
dentes. Por conta disso, argumenta o crítico literário brasileiro, “um
dos discursos mais privilegiados do modernismo, sobretudo nos úl- Minha terra tem palma-
timos vinte anos, tem sido o da paródia” (SANTIAGO, 1989, p. 94). res… (Poema: “Canto de re-
gresso à pátria”).
E dentre o rol dos modernistas, Oswald de Andrade é o que [mais]
tem angariado essa estética.
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Literatura Brasileira III
Velocidade
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As três famigeradas noites Capítulo 01
E as cores retesas dançam, sobem, descem de-va-gar
paralelamente,
paralelamente
horizontais,
sobre a cabeça espantada do Pequeno Polegar...
17
Literatura Brasileira III
Manifesto pau-brasil
18
As três famigeradas noites Capítulo 01
O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner
submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étni-
ca rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.
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Literatura Brasileira III
20
As três famigeradas noites Capítulo 01
Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento di-
nâmico dos fatores destrutivos.
A síntese
O equilíbrio
O acabamento de carrosserie
A invenção
A surpresa
21
Literatura Brasileira III
Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas;
nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Mu-
seu Nacional. Pau-Brasil.
22
As três famigeradas noites Capítulo 01
Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em
sua época.
23
Literatura Brasileira III
Segundo Bosi (2006, O objetivo do texto é claro – denunciar o engodo, uma farsa. Aquilo
p. 331), “Graça Aranha, que Oswald nos propõe como libertação dos cânones europeus e afir-
empenhado até o fim
da vida na teorização mação de uma literatura nacional não passa de contrafação. A poesia
de uma estética mais de exportação, o “pau-brasil”, continua a ser material importado, como
aderente à vida mo-
derna, foi o único inte- a poesia das gerações anteriores. Com uma diferença: importa-se ago-
lectual da velha guar- ra uma outra mercadoria e rotula-se: “feita no Brasil”.
da que, a rigor, pôde
passar de uma vaga
esfera pré-modernista Apesar de o Manifesto ser de 1924, uma proposta que ainda
ao Modernismo”.
continua a ser material importado, segundo Eduardo Jardim de
Moraes (1978), não há como situar o projeto de elaboração de uma
cultura nacional no modernismo sem levar em conta o seu contato
com o pensamento de Graça Aranha, especialmente o expresso em
A estética da vida.
De acordo com Wilson
Martins, a ideia original “A emoção estética na arte moderna”, conferência inaugural da Semana
de Semana de Arte Mo-
derna parece pertencer de Arte Moderna de 1922, não é mais que a súmula das concepções
a Di Cavalcanti, confor- filosóficas de Graça Aranha a respeito da arte presentes em A estética
me reivindicado por ele,
em suas memórias: “Eu da vida. (MORAES, 1978, p. 30).
sugeri a Paulo Prado
a nossa semana, que
seria uma semana de Embora a Semana de Arte Moderna não acompanhe de per-
escândalos literários e to essa problemática do nacionalismo que mais tarde se instaurou
artísticos, de meter os
estribos na barriga da entre os poetas modernistas e seja o marco oficial do movimento
burguesiazinha paulis- modernista brasileiro, os anos de 1915 e 1917 podem ser vistos
tana” (apud MARTINS,
1967, p. 65). como prenúncios reveladores de novas tentativas: 1915 por ser o
ano do concerto realizado por Villa-Lobos com obras originais de
sua autoria; 1917, por ter acontecido a exposição de Anita Malfatti,
criticada por Monteiro Lobato no artigo, publicado no jornal O Es-
“Urupês”, de 1915, poderia tado de S. Paulo, em 20 de dezembro de 1917, intitulado: “Paranóia
ter sido o primeiro mani- ou mistificação?”. Isso nos leva a pensar que, anos antes da Sema-
festo modernista. Figura
do Jeca tatu. Herói literário na, Villa-Lobos e Anita Malfatti já faziam tentativas de impor seus
contraposto a Peri. Segun- estilos artísticos à sociedade da época. Uma fase de atualização, ou
do Wilson Martins, uma das
correntes subterrâneas mais seja, modernização em que se sentia a absorção das conquistas das
importantes do Movimento vanguardas europeias do momento.
já se encontrava no artigo
de Lobato.
A Semana de Arte Moderna foi a substituição de ideias estéticas
do passado pelas novas teorias europeias, (futurismo, expressionismo,
24
As três famigeradas noites Capítulo 01
cubismo, dadaísmo, espiritonovismo), mencionadas neste livro pela
“voz”, via citações densas, de Gilberto Mendonça Teles, para que você
conheça também este importante crítico literário, livre-docente da
PUC Rio, que se destacou no âmbito acadêmico por seus estudos so-
bre o modernismo e a vanguarda na poesia.
Vide Vanguarda
europeia e modernis-
“O ideal de uma Arte “construtiva”, preocupada com as tradições ro- mo brasileiro (Vozes,
2002).
mânicas da cultura francesa, tem as suas origens em torno do par-
nasianismo, embora se tenha formulado pela primeira vez como re-
ação contra o simbolismo, quando Jean Moréas, insatisfeito com os
rumos que ia tomando o simbolismo, começa a falar numa “escola
romana”, num certo romanismo destinado a proteger as tradições
culturais greco-latinas.” (TELES, 2002, p. 152).
25
Literatura Brasileira III
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...”
26
As três famigeradas noites Capítulo 01
Urra o sapo-boi:
- “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
- “Não foi!” - “Foi!” - “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
E solitário, é
27
Literatura Brasileira III
Que nos importa que a música transcendente que vamos ouvir não
seja realizada segundo as fórmulas consagradas? O que nos interessa
é a transfiguração de nós mesmos pela magia do som, que exprimirá
a arte do músico divino. (ARANHA, 1997, p. 281).
28
As três famigeradas noites Capítulo 01
um lado, por Carlos Gomes, o qual tinha por defensor crítico Oscar
“a idéia de nossa Semana de
Guanabarino, Chopin no episódio da “Marcha Fúnebre”, e de outro, Arte Moderna foi simples-
por Heitor Villa-Lobos, Satie, Stravinsky, por exemplo. mente copiada da idéia de
um “Congrès de l’Esprit Mo-
derne”, programado um ano
antes para março de 1922,
por André Breton, e que foi
Com o intuito de explicar e justificar suas obras, os modernistas fun- a causa da briga de Breton
com Tzara e o conseqüente
daram revistas e escreveram manifestos. Como expressão imediata
desaparecimento do dada-
da Semana, em maio de 22, apareceu a Revista Klaxon, durando ísmo.” (TELES, 2002, p. 134).
apenas nove números, dedicados a Graça Aranha. Segundo Bosi,
essa revista “foi o primeiro esforço concreto do grupo para sistema-
tizar os novos ideais estéticos ainda confusamente misturados nas
noites bulhentas do Teatro Municipal” (2006, p. 340). A Klaxon foi
seguida pelas revistas Estética, Terra roxa e Outras Terras.
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Literatura Brasileira III
30
As três famigeradas noites Capítulo 01
Agora que você já leu um pouco sobre a Semana de Arte Moderna,
vai conhecer mais sobre três autores que se destacaram no Modernismo
Fazemos uso desse
brasileiro. Nossa escolha não foi fácil, admitimos, mas bastante cuida- advérbio proposita-
dosa. Pelo título do tópico, você os vai reconhecer, pois tratará de três damente, como forma
de instigar você a ler
“Andrades”, ou melhor, de três autores brasileiros com sobrenome “An- mais sobre a Semana,
drade”. Vamos, então, à leitura? sobre o Modernismo.
Há muita produção
sobre essas questões.
31
Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos Capítulo 02
02 Onde quer que Andrades,
encontras três: Mário, Oswald
e Carlos
33
Literatura Brasileira
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Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos Capítulo 02
Nesse romance, Mário de Andrade mescla três estilos de narrar (cf.
BOSI, 2006): um estilo de lenda, épico-lírico, solene:
Senhoras:
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Literatura Brasileira
Ode ao burguês
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
“— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!”
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Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos Capítulo 02
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
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Literatura Brasileira
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Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos Capítulo 02
As quatro gares, título que relembra as quatro estações, e que
pressupõe ritual de passagem (não podemos desconsiderar o sig-
nificado da palavra “gare” [do francês, gare = estação, ancoradou-
ro], “embarcadouro ou desembarcadouro das estações de estrada de
ferro”), sinaliza, em poucos versos – eis, então, uma possibilidade Uma remissão que
de “simultaneidade” – as quatro fases da vida, podendo estendê-las poderia ser feita ao
poema de Mário
para uma análise do percurso pessoal do poeta: “infância”, o poeta Quintana, “Poeminho
sob as ordens da ‘mãe’ – parnasianismo; uma ideia de passado, de do Contra” (In: Prosa e
verso, 1978).
passagem, passarinho. Ainda, o jarro poderia, possivelmente, ilus-
trar a “boemia”, e o oceano, a liberdade, o desprendimento, a ida à
Europa. A “adolescência”, o sentimento vanguardista. A “maturida-
de”, o instinto revolucionário instaurado pelo “feliz nascimento” da
filha (o avesso do costume – “a Gilberta” – pelo prazer de assombrar,
escandalizar), afiliação, “posse”, o “seu” que é “nosso”. E a “velhice”,
simbolizada na experiência dos óculos dispensados pelo netinho (o
porvir), o qual se recusa aos anos vistos, vividos, experimentados
por aqueles que o precederam. A utopia do futuro que se vê melhor
rejeitando um presente-passado.
Brasil
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Literatura Brasileira
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Literatura Brasileira
Procura da poesia
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Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos Capítulo 02
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
43
Literatura Brasileira
E a “Morte do leiteiro”:
Morte do leiteiro
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
44
Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos Capítulo 02
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.
45
Literatura Brasileira
não sei,
é tarde para saber.
Disponível em:http://drummond.memoriaviva.com.br/alguma-poesia/
Falaremos no último morte-do-leiteiro/. Acesso em: 7 ago. 2012.
tópico sobre a litera-
tura brasileira contem-
porânea, contempora- Drummond comporia até o final da vida, vindo a se destacar, prin-
neidade.
cipalmente, como um poeta contemporâneo. Nossa incursão breve em
46
Onde quer que Andrades, encontras três: Mário, Oswald e Carlos Capítulo 02
Drummond, o último dos três Andrades, termina neste momento, mas
não se encerra completamente. Não falaremos de Drummond como poe-
ta moderno que foi, e de tantos outros aspectos concernentes à sua produ-
ção mais recente, porque consideramos imprescindível que você percorra,
antes, outros autores e obras da literatura brasileira. Por isso, no nosso
próximo capítulo, continuaremos nossa trajetória pela marca da autoria.
E, se neste capítulo você pôde conhecer três Andrades – Mário de Andra-
de, Oswald de Andrade e Carlos Drummond de Andrade –, no capítulo
a seguir você conhecerá a marca da “repetição” por dois “Joões” da nossa
literatura: João Cabral de Melo Neto e João Guimarães Rosa. Se neste ca-
pítulo a diferença se instaurou pelos nomes próprios, no capítulo a seguir
será o contrário: a diferença é demarcada pelos sobrenomes. Em comum,
além dos nomes e dos sobrenomes, uma das mais produções mais impor-
tantes da literatura brasileira tanto na poesia quanto na ficção.
Moderno e eterno
Miguel Conde
47
Literatura Brasileira
Leia mais!
ÁVILA, Affonso (org.). O Modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1975.
48
Unidade B
Dois Joões: um prosador e um poeta
Introdução
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai
Caetano Veloso, A terceira margem do rio
51
Guimarãoes Rosa: o primeiro João Capítulo 03
03 Guimarães Rosa: o primeiro
João
53
Literatura Brasileira III
Após ter lido, o que você achou do texto? Sentiu dificuldades em relação
à sintaxe e ao vocabulário? Como você interpretaria este trecho do prefácio?
ROSA, João Guimarães.
Tutaméia. In: Terceiras E conseguiu quadrupedar-se, depois verticou-se, disposto a prosseguir
Estórias. Rio de Janei-
ro: José Olympio, 1976. pelo espaço o seu peso corporal. Daí, deu contra um poste. Pediu-lhe: —
p. 103. Pode largar meu braço, Guarda, que eu fico em pé sozinho... Com susto,
recuou, avançou de novo, e idem, ibidem, itidem, chocou-se; e ibibidem.
Foi às lágrimas: — Meu Deus, estou perdido numa floresta impenetrável!
Veja o que diz o colunista Daniel Piza do jornal Estado de São Paulo:
54
Guimarãoes Rosa: o primeiro João Capítulo 03
derivação ou formação, com base no português arcaico ou popular, quanto
adicionou um novo sentido a palavras já existentes. Veja alguns exemplos
da criatividade desse autor:
Taurophtongo.
Neologismo dos mais eruditos concebidos por Guimarães
Rosa. Quer dizer mugido, voz de touro. O escritor recorreu aos
termos gregos “táuros” (touro) e “phtoggos” (som da fala).
Enxadachim.
Rosa empregou o termo para designar um trabalhador do campo,
que luta para sobreviver. A palavra é formada por enxada e espada-
chim.
Mimbauamanhanaçara.
Esse é dos mais complexos. Quer dizer vaqueiro ou “o que vigia o
gado”. Para criar a palavra, o autor fundiu os termos tupi “mimbaua”
(criação, animal doméstico) e “manhana” (vigia) e adicionou o sufixo
“çara” (que faz).
Imitaricar.
Significa arremedar, fazer trejeitos imitativos. Pro-
vém da junção do verbo imitar com o sufixo diminuti-
vo “icar”, que indica a repetição de pequenos atos.
Ensimesmudo.
Trata-se de um amálgama entre as palavras ensimesmado e mudo. Gui-
marães Rosa utilizou-o para designar um sujeito fechado e taciturno.
Embriagatinhar.
Neologismo de conotação humorística. Serve para indicar qualquer
um que esteja engatinhando de tão bêbado. Origina-se da fusão de
embriagado e gatinhar.
55
Literatura Brasileira III
Fluifim.
Significa pequenino, gracioso, e se compõe da junção de fluir e fino.
O termo é exemplo da preocupação do escritor em fazer a sonorida-
de acompanhar o significado da palavra.
Velvo.
Uma das várias palavras que Rosa criou com base em outros idiomas.
É uma adaptação do inglês velvet, que quer dizer veludo. No contexto
empregado pelo autor, corresponde a “planta de folhas aveludadas”.
MARTINS, Nilce
Sant’Anna. O léxico de Esta lista de neologismos faz parte de uma pesquisa desenvolvida pela
Guimarães Rosa. São professora de estilística da USP, Nilce Sant’Anna Martins, durante um perí-
Paulo: Edusp, 2008.
odo de mais de dez anos, que resultou no livro O léxico de Guimarães Rosa.
Você pode verificar como ocorreu o processo de reinvenção da língua por-
tuguesa por este autor. Ele não só usa o nosso idioma, como também faz um
empréstimo de vocábulos de outras línguas, como pode ser observado no
neologismo velvo.
Mas qual foi o percurso trilhado por Guimarães Rosa para inventar
uma língua própria? A este respeito o crítico Flávio Moura afirma que:
MOURA, Flávio. Nonada
e outras invenções: Para criar sua própria língua, o autor recorreu a vários métodos. Foi, por
um dicionário mostra
como Guimarães Rosa exemplo, um pesquisador incansável dos hábitos e da fala dos sertane-
criava as palavras que jos de Minas Gerais, assim como do português antigo e de várias outras
compõem seu universo.
In: Veja on-line, 06 jun. línguas. Segundo o crítico alemão Günter Lorenz, Rosa era capaz de ler
2001. Disponível em: em vinte idiomas. Nas diversas incursões que fez pelo sertão mineiro, ele
<http://veja.abril.com.
br/060601/p_162.html>. anotou de tudo em suas cadernetas: de expressões utilizadas pelos jagun-
Acesso em: 17 set. 2008. ços a frases de pára-choque de caminhão. Não deixava escapar nenhum
detalhe. Grande parte dos termos que causam estranhamento em seus
livros, assim, não foi tirada do vácuo. Palavras como “alimpar” ou “percurar”,
por exemplo, são utilizadas pela população das regiões pesquisadas pelo
autor. Do mesmo modo, “convinhável” e “humildoso” são na realidade ar-
caísmos que constam de dicionários e da obra de autores mais antigos e
pouco lidos, entre eles Alexandre Herculano e Fernão Lopes.
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Guimarãoes Rosa: o primeiro João Capítulo 03
Depois de desfrutarmos da criatividade, demonstrada através da lin-
guagem, e de mergulharmos no envolvente universo sertanejo da obra de
Guimarães Rosa, chegou o momento de transitarmos na aridez da poesia
de João Cabral de Melo Neto, sem nos despedirmos da temática do sertão.
57
Cabral de Melo Neto: o segundo João Capítulo 04
04 Cabral de Melo Neto: o
segundo João
Agora, deixemos de lado, por algum tempo, a prosa e vamos co-
nhecer a poesia desta época, conduzidos pelos versos de João Cabral
de Melo Neto, o poeta pernambucano. Mas, quem foi este poeta?
59
Literatura Brasileira
60
Cabral de Melo Neto: o segundo João Capítulo 04
Depois que Severino se apresenta ao(à) leitor(a), convidando-o(a)
a escutar a sua história, depara-se pela primeira vez com a morte – sua
fiel companheira durante esta viagem – a qual pode ser considerada,
neste caso, como os nãos impostos pela vida à sua condição de margem,
de oprimido pelo sistema. O encontro primeiro é com o sepultamento “– Dize que levas
de um lavrador da região da caatinga, Severino Lavrador – proprietário somente/ coisas de
não:/ fome, sede,
de um pequeno roçado – que foi assassinado numa emboscada. Interes- privação./ [...] – Dize
sado em saber os detalhes deste homicídio o Severino de Maria começa que coisas de não,/
ocas, leves:/ como
a perguntar sobre o acontecido aos irmãos das almas que conduziam o o caixão, que ainda
defunto: deves.” (Ibidem, p. 52).
A condição de misé-
ria vivida por estes
– E quem foi que o emboscou, – Tinha somente dez quadras Severinos, habitantes
da região da caatinga
irmãos das almas, irmão das almas, do Nordeste, remete a
que contra ele soltou todas nos ombros da serra, uma vida de negação,
a qual é perceptível,
essa ave-bala? nenhuma várzea. inclusive, na forma de
– Ali é difícil dizer, – Mas então por que o mataram, falar em algumas des-
sas regiões, em que
irmão das almas, irmãos das almas, a partícula negativa
sempre há uma bala voando mas então por que o mataram é empregada nume-
rosas vezes numa mes-
desocupada. com espingarda? ma sentença, a fim de
– E o que havia ele feito – Queria mais espalhar-se, concretizar a idéia de
negação. Ex.: Não, eu
irmãos das almas, irmão das almas, não quero não.
e o que havia ele feito queria voar mais livre
contra a tal pássara? essa ave-bala.
– Ter um hectare de terra, – E agora o que passará,
irmão das almas, irmãos das almas,
de pedra e areia lavada o que é que acontecerá
que cultivava. contra a espingarda?
[...] – Mais campo tem para soltar,
– E era grande sua lavoura, irmão das almas,
irmãos das almas, tem mais onde fazer voar
lavoura de muitas covas, as filhas-bala
tão cobiçada?
Ibidem, p. 48-49
61
Literatura Brasileira
[...]
Mas não avisto ninguém,
só folhas de cana fina;
somente ali à distânci
aquele bueiro de usina;
62
Cabral de Melo Neto: o segundo João Capítulo 04
somente naquela várzea
um bangüê velho em ruína.
Por onde andará a gente
que tantas canas cultiva?
63
Literatura Brasileira
2
E se encorpando em tela, entre outros,
se erguendo tenda, onde entrem outros,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
64
Cabral de Melo Neto: o segundo João Capítulo 04
pidado, a ponto de se “despir de traços supérfluos e cadências sentimen-
tais”, como afirma Bosi. (BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura
Brasileira. 41 ed. São Paulo: Cultrix, 2003. p. 471.)
Catar feijão
1.
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
2.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.
65
Literatura Brasileira
Leia mais!
Caso você esteja esquecido(a) do conceito cânone para a Literatura, o qual
já foi evidenciado na disciplina Teoria da Literatura I, releia alguns textos
que abordam esta temática. Sugiro:
66
Unidade C
Literatura de autoria feminina
Introdução
69
Clarice Lispector Capítulo 05
05 Clarice Lispector
Iniciaremos este percurso lançando um olhar mais atento à tra-
jetória literária de Clarice Lispector, que é constituída por uma pro-
dução complexa, rica e densa, tornando-se, assim, fonte inesgotável
de leituras críticas. A escritora, embora tenha falecido no auge de sua
criatividade, deixou uma vasta produção literária: Perto do coração sel-
vagem (1943); O Lustre (1946); A Cidade Sitiada (1949); Alguns Contos
(1952); Laços de Família (1960); A Maçã no Escuro (1961); A Legião
Estrangeira (1964); A Paixão Segundo G. H. (1964); Uma Aprendiza-
gem ou O Livro dos Prazeres (1969); Felicidade Clandestina (1971); A
Imitação da Rosa (1973); Água Viva (1973); Onde Estiveste de Noite?
(1974); A Hora da Estrela (1977); Para Não Esquecer (1978); Um Sopro MORICONI, Ítalo. A
Hora da Estrela ou
de Vida (1978); e A Bela e a Fera (1979). A Hora do Lixo de
Clarice Lispector. In:
ROCHA, João Cezar de
Clarice Lispector é apontada por muitos críticos, entre eles os pró- Castro (Org.). Nenhum
prios Antonio Candido e Alfredo Bosi, como dona de uma escrita real- Brasil existe: peque-
na enciclopédia. Rio
mente nova, surpreendente. Ela surge na cena literária brasileira com o de Janeiro: Opbook ;
livro Perto do coração selvagem¸ escrito aos dezessete anos. Ítalo Moriconi UERJ, 2003. p. 720.
71
Literatura Brasileira III
Medo da Eternidade
JOZEF, Bella. Clarice Lis-
pector e o ato de narrar. In:
RAMALHO, Cristina (Org.).
Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
Literatura e feminismo:
propostas teóricas e refle-
xões críticas. Rio de Janeiro:
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mes-
Editora Elo, 1999. p. 173-182.
mo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie
de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não
dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas
LISPECTOR, Clarice. Medo da
eternidade. In: A descober- balas.
ta do mundo. Rio de Janei-
ro: Nova Fronteira, 1984. p.
446-448. Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para
a escola me explicou:
72
Clarice Lispector Capítulo 05
- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que
certamente deveria haver.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E,
ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gen-
te às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para
não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um
dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
73
Literatura Brasileira III
A hora da estrela foi a última obra que a autora publicou, ela o fez
poucos meses antes de morrer. O narrador do romance é Rodrigo S.
LISPECTOR, Clarice. A M., um escritor que ironiza, através de contínuas intrusões no texto,
hora da estrela. Rio
de Janeiro: Ed. José o estilo da narrativa que ele próprio utiliza. Escrever é para Rodrigo o
Olympio, 1977. significado da própria existência, ele adverte deste o início da narrativa:
“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta, continuarei a es-
crever”. Ele ocupa, pela freqüência com que dialoga com o leitor sobre
a construção da narrativa, o lugar de uma das personagens centrais do
romance. A partir desta linguagem dialógica, Rodrigo compartilha com
o leitor a desestruturação do romance tradicional diante do absurdo e
da angústia existencial.
74
Clarice Lispector Capítulo 05
o narrador, Macabea nunca se deu conta de que vivia em uma sociedade
técnica onde ela era um parafuso dispensável.
CAMPEDELLI, Sa-
mira; ABDALA JR.;
Benjamim. Clarice
Estes breves comentários sobre A hora da estrela devem servir para que Lispector: seleção de
textos, notas, estudos
você busque ler e conhecer mais a respeito desta obra. Você sabia que biográfico, histórico e
há um filme baseado neste romance de Clarice? Então, não deixe de ver crítico. São Paulo: Abril
Educação, 1981.
A hora da estrela (1985), de Suzana Amaral. Aproveite para observar dife-
renças e semelhanças presentes entre as duas obras: o filme e a novela.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chu-
pando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que
éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos li-
vres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha
ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: con-
tinuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
75
Literatura Brasileira III
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma
tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reina-
ções de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus,
era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o.
E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse
pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não mora-
va num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar.
Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro
a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquia-
berta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda
e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho
de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa
do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha
vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas
como sempre e não caí nenhuma vez.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo in-
definido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já
começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivi-
nho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me
fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
76
Clarice Lispector Capítulo 05
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer.
Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você
só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu,
que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus
olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde
e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando
a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu ex-
plicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de
palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o
fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-
-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca
saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. De-
via ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em
silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a me-
nina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então
que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai
emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por
quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo
tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena,
pode ter a ousadia de querer.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para de-
pois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilho-
sas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer
pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o,
77
Literatura Brasileira III
abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela
coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandesti-
na para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar...
Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu
amante.
Esta narrativa nos remete à ‘leitura’. Sabemos que o Curso de Letras tem,
a princípio, a finalidade de lecionar Língua ou Literatura. Assim, como
você poderia usar esta narrativa em sala de aula para motivar a leitura?
Os textos de Clarice são considerados herméticos pela maioria dos alu-
nos que freqüentam o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. O que
CASTANHEIRA, Cláu-
dia. Literatura, mu- fazer para mudar este conceito?
lher e subjetividade:
Clarice Lispector. In:
RAMALHO, Cristina
(Org.). Literatura e
feminismo: propostas Mais uma vez Clarice se apropria de uma situação aparentemente
teóricas e reflexões simples para expor uma questão mais complexa. No caso de Felicida-
críticas. Rio de Janeiro:
Editora Elo, 1999. p. de clandestina, a autora evidencia a perversidade, a crueldade humana
183-194. presente, inclusive, na infância. Cláudia Castanheira faz um apanhado
sobre a importância desta produção literária intimista, introspectiva, de
Clarice para a Literatura Brasileira e para a autoria feminina:
78
Clarice Lispector Capítulo 05
to interior” e a “subjetivação em crise” são duas fortes marcas de Clarice,
cuja entrada no cenário das letras nacionais deu-se como um marco,
um divisor de águas, um evento; enfim, qualquer coisa que instalou dois
tempos na história da literatura brasileira, especialmente na produção
literária de autoria feminina, para qual a obra de Clarice Lispector fun-
dou uma linha de tradição. É imperioso registrar que, para além de um
julgamento urdido sob uma reduzida perspectiva nacionalista, a obra
da escritora foi colocada por alguns críticos – inicialmente por Álvaro
Lins – em contato com a de Virgínia Woolf e a de James Joyce, nomes
aos quais Alfredo Bosi acrescenta o de Faulkner, Cristina Ferreira Pinto
o de Mallarmé, e Lúcia Castello Branco o de Proust e o de Guimarães
Rosa, de modo que a narrativa clariceana surge compreendida sob uma
merecida universalidade.
79
Lygia Fagundes Telles Capítulo 06
6 Lygia Fagundes Telles
Lygia de Azevedo Fagundes Telles nasceu em São Paulo a 19 de
abril de 1923. Em 1938, ela publicou o seu primeiro livro de contos,
Porão e sobrado, numa edição financiada por seu pai e assinando Lygia
Fagundes. A escritora nunca mais autorizaria a republicação deste livro.
Ela começou a participar ativamente nos debates literários durante o
período em que cursou Direito. Neste momento, conheceu Mário de
Andrade e Oswald de Andrade, Paulo Emílio Salles Gomes, entre outros
nomes da cena literária brasileira. Foi também nesta época que conhe-
ceu a poetisa que veio a ser a sua melhor amiga: Hilda Hilst.
81
Literatura Brasileira III
82
Lygia Fagundes Telles Capítulo 06
idéia foi de dois professores e pesquisadores, Maria Luiz e Alfred Opitz,
residentes na França, que reuniram estes textos com o título de Contos
Fantásticos, para publicação na Alemanha. Em entrevista ao jornal Mu-
lher – o qual, hoje, não existe mais, sendo, em 1983, suplemento domi-
nical do jornal Folha de São Paulo - Lygia diz o seguinte:
Eu sou uma pessoa ansiosa, aflita, inquieta com os demônios todos que
me assaltam às vezes e me arrastam pelos cabelos. Os temas de horror
me são muito caros: tenho paixão por Lovecraft, Poe, Stevenson. Toda
essa literatura do imaginário, do fantástico e que parte para o realismo
mágico, para essa fantasia desbragada. Ah, vou correndo, monto nesses
cavalos todos e saio galopando... Acho que isso é viver: – é você ter sua
imaginação solta, livre, sem rédeas. É você se entregar ao imaginário, ao
sonho. Prefiro escrever fazendo com que o leitor seja meu cúmplice, co-
nivente com o que escrevo. Eu chamo o leitor para que ele resolva cer-
tas situações ele se sente poderoso nisso. Detesto envelopes fechados:
abro todos. É uma forma de sugerir, de deixar as coisas não definidas.
Meu tema, meu conto não tem fim.
83
Literatura Brasileira III
84
Lygia Fagundes Telles Capítulo 06
Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com
um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos
claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei que suas roupas (pobres
roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.
— Quente?
— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma
peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez
que vem por estas bandas?
Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma
outra pergunta:
— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não espe-
rava que justamente hoje...
— Seu filho?
— É o caçula?
Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar
tinha a expressão doce.
85
Literatura Brasileira III
Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primei-
ra pergunta porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos
vasos comunicantes.
— Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele
encontrou por acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma
brincadeira, a Bila enfeiou, sabe que de nós dois fui eu que acabei fi-
cando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma manhã ele se le-
86
Lygia Fagundes Telles Capítulo 06
vantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o
menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu es-
tava na cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela
de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto
de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio... Mas eu estava
com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta.
Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha
escolinha. Sou professora.
— A senhora é conformada.
— Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma noite tão de-
sesperada que saí pela rua afora, enfiei um casaco e saí descalça e cho-
rando feito louca, chamando por ele! Sentei num banco do jardim onde
87
Literatura Brasileira III
toda tarde ele ia brincar. E fiquei pedindo, pedindo com tamanha força,
que ele, que gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me apare-
cer só mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante, ao
menos mais uma vez, só mais uma! Quando fiquei sem lágrimas, encos-
tei a cabeça no banco e não sei como dormi. Então sonhei e no sonho
Deus me apareceu, quer dizer, senti que ele pegava na minha mão com
sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no
jardim do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo
ao meu encontro e me beijou tanto, tanto... Era tamanha sua alegria que
acordei rindo também, com o sol batendo em mim.
Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir an-
tes que ela descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo
a marcha, a barca fazia uma larga curva antes de atracar. O bilheteiro
apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:
88
Lygia Fagundes Telles Capítulo 06
Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento
como se fosse apanhar a sacola. Ajudei-a, mas ao invés de apanhar a
sacola que lhe estendi, antes mesmo que eu pudesse impedi-lo, afastou
o xale que cobria a cabeça do filho.
— Acordou?!
Ela sorriu:
— Veja...
Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto
resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar
até que ela desapareceu na noite.
89
Nélida Piñon Capítulo 07
7 Nélida Piñon
O livro é o lar, é a cama, é o amor, é o espírito. O livro é a vida.
Nélida Piñon
91
Literatura Brasileira III
92
Nélida Piñon Capítulo 07
Uma das vozes que se levantou com mais vigor contra a opressão
política durante o regime militar, Nélida Piñon é uma especialista
no tema da resistência. “Vozes do deserto” é, de certo modo, uma
recriação livre das “Mil e uma noites”, a longa história de Schere-
zade e as intermináveis histórias que ela desfia para acalmar seu
Califa, na esperança de conter, ou pelo menos adiar, uma condena-
ção à morte. A narração contra a opressão: é uma luta velha, que
nunca se esgota. E são os temas arcaicos, as fixações mais antigas,
que interessam a Nélida.
I love my husband
93
Literatura Brasileira III
Ele diz que sou exigente, fico em casa lavando a louça, fazendo com-
pras, e por cima reclamo da vida. Enquanto ele constrói o seu mundo
com pequenos tijolos, e ainda que alguns destes muros venham ao
chão, os amigos o cumprimentam pelo esforço de criar olarias de barro,
todas sólidas e visíveis.
O que mais quer, mulher, não lhe basta termos casado em comunhão
de bens? E dizendo que eu era parte do seu futuro, que só ele porém
tinha o direito de construir, percebi que a generosidade do homem
habilitava-me a ser apenas dona de um passado com regras ditadas no
convívio comum.
94
Nélida Piñon Capítulo 07
quem mais, além dele, ali estivera, batera-lhe à porta, arranhara suas
paredes com inscrições e datas.
Filho meu tem que ser só meu, confessou aos amigos no sábado do
mês que recebíamos. E mulher tem que ser só minha e nem mesmo
dela. A idéia de que eu não podia pertencer-me, tocar no meu sexo
para expurgar-lhe os excessos, provocou-me o primeiro sobressalto na
fantasia do passado em que até então estivera imersa. Então o homem,
além de me haver naufragado no passado, quando se sentia livre para
viver a vida a que ele apenas tinha acesso, precisava também atar mi-
nhas mãos, para minhas mãos não sentirem a doçura da própria pele,
pois talvez esta doçura me ditasse em voz baixa que havia outras peles
igualmente doces e privadas, cobertas de pêlo felpudo, e com a ajuda
da língua podia lamber-se o seu sal?
Eu lhe disse então, se não quer discutir o amor, que afinal bem pode
estar longe daqui, ou atrás dos móveis para onde às vezes escondo a
poeira depois de varrer a casa, que tal se após tantos anos eu mencio-
nasse o futuro como se fosse uma sobremesa?
95
Literatura Brasileira III
96
Nélida Piñon Capítulo 07
Para esconder minha vergonha, trouxe-lhe café fresco e bolo de choco-
late. Ele aceitou que eu me redimisse. Falou-me das despesas mensais.
Do balanço da firma ligeiramente descompensado, havia que cuidar
dos gastos. Se contasse com a minha colaboração, dispensaria o sócio
em menos de um ano. Senti-me feliz em participar de um ato que nos
faria progredir em doze meses. Sem o meu empenho, jamais ele teria
sonhado tão alto. Encarregava-me eu à distância da sua capacidade de
sonhar. Cada sonho do meu marido era mantido por mim. E, por tal
direito, eu pagava a vida com cheque que não se poderia contabilizar.
Ele não precisava agradecer. De tal modo atingira a perfeição dos sen-
timentos, que lhe bastava continuar em minha companhia para querer
significar que me amava, eu era o mais delicado fruto da terra, uma árvo-
re no centro do terreno de nossa sala, ele subia na árvore, ganhava-lhe
os frutos, acariciava a casca, podando seus excessos.
Já viu, filha, que coisa mais bonita, uma vida nunca revelada, que nin-
guém colheu senão o marido, o pai dos seus filhos? Os ensinamentos
paternos sempre foram graves, ele dava brilho de prata à palavra enve-
lhecimento. Vinha-me a certeza de que ao não se cumprir a história da
mulher, não lhe sendo permitida a sua própria biografia, era-lhe assegu-
rada em troca a juventude.
97
Literatura Brasileira III
Ele é único a trazer-me a vida, ainda que às vezes eu a viva com uma se-
mana de atraso. O que não faz diferença. Levo até vantagens, porque ele
sempre a trouxe traduzida. Não preciso interpretar os fatos, incorrer em
erros, apelar para as palavras inquietantes que terminam por amordaçar
a liberdade. As palavras do homem são aquelas de que deverei precisar
ao longo da vida. Não tenho que assimilar um vocabulário incompatível
com o meu destino, capaz de arruinar meu casamento.
98
Nélida Piñon Capítulo 07
Ah, quando me sinto guerreira, prestes a tomar das armas e ganhar um
rosto que não é o meu, mergulho numa exaltação dourada, caminho
pelas ruas sem endereço, como se a partir de mim, e através do meu
esforço, eu devesse conquistar outra pátria, nova língua, um corpo que
sugasse a vida sem medo e pudor. E tudo me treme dentro, olho os
que passam com um apetite de que não me envergonharei mais tarde.
Felizmente, é uma sensação fugaz, logo busco o socorro das calçadas
familiares, nelas a minha vida está estampada. As vitrines, os objetos, os
seres amigos, tudo enfim orgulho da minha casa.
Estes meus atos de pássaro são bem indignos, feririam a honra do meu
marido. Contrita, peço-lhe desculpas em pensamento, prometo-lhe es-
quivar-me de tais tentações. Ele parece perdoar-me à distância, aplaude
minha submissão ao cotidiano feliz, que nos obriga a prosperar a cada
ano. Confesso que esta ânsia me envergonha, não sei como abrandá-
-la. Não a menciono senão para mim mesma. Nem os votos conjugais
impedem que em escassos minutos eu naufrague no sonho. Estes votos
que ruborizam o corpo mas não marcaram minha vida de modo a que
eu possa indicar as rugas que me vieram através do seu arrebato.
99
Literatura Brasileira III
E também evita falar do meu corpo, que se alargou com os anos, já não
visto os modelos de antes. Tenho os vestidos guardados no armário,
para serem discretamente apreciados. Às sete da noite, todos os dias, ele
abre a porta sabendo que do outro lado estou à sua espera. E quando
a televisão exibe uns corpos em floração, mergulha a cara no jornal, no
mundo só nós existimos.
O que você achou desta personagem feminina que tem sua vida redu-
zida às funções de um objeto a mais na engrenagem de uma realidade
que só diz respeito ao marido?
100
Lya Luft Capítulo 08
08 Lya Luft
Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com
fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe.
Lya Luft
Na década de 60, Lya Luft iniciou sua carreira literária como tradu-
tora de literaturas em alemão. Por ter nascido em uma cidade de coloni-
zação germânica, Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, dominava o
idioma alemão, e, assim, traduziu mais de cem livros para o português.
Apesar de ter escrito vários romances, costuma dizer que traduzir é sua
verdadeira profissão. Estas são as suas narrativas mais significativas:
Canções de Limiar, 1964; Flauta Doce, 1972; Matéria do Cotidiano, 1978;
As Parceiras, 1980; A Asa Esquerda do Anjo, 1981; Reunião de Família,
1982; O Quarto Fechado, 1984; Mulher no Palco, 1984; Exílio, 1987; O
Lado Fatal, 1989; O Rio do Meio, 1996; Secreta Mirada, 1997; O Ponto
Cego, 1999; Histórias do Tempo, 2000; Mar de dentro, 2000.
101
Literatura Brasileira III
A criança loura era agora uma adulta precoce, cheia de manias. Uma
delas era o sótão. Ali ela construiu uma dimensão em que só cabiam os
GARCIA, Carla Cristina. seus interlocutores invisíveis.
Ovelhas na névoa.
Rio de Janeiro: Rosa
dos Tempos, 1995. De acordo com Carla Cristina Garcia, a louca que, no início do
século XIX, era confinada no sótão, transforma-se na criança do sótão,
muito mais impotente e desprotegida no início de 1900.
Vinte anos depois Catarina tem Sibila, a última filha, do sexo re-
jeitado, que, por coincidência nasce deficiente, simbolizando a repulsa
102
Lya Luft Capítulo 08
aos abusos sexuais do esposo. Sibila fora concebida e parida no sótão.
(LUFT, op. cit., p. 18)
Anelise descreve sua família da seguinte forma:
Éramos uma família de mulheres doidas, segundo tia Dora. Pelo menos,
uma família de mulheres, na qual os poucos homens entraram pelo ca-
samento. E meu primo Otávio pela adoção.
A louca presa no sótão, conforme Carla Cristina Garcia, descreve o (Ibidem, p. 45)
momento imediatamente anterior ao tratamento de controle moral da psi-
quiatria, quando era comum às mulheres insanas ficarem presas em casa e
serem tratadas como bestas selvagens. No caso da personagem de Lya Luft,
é uma escolha da própria Catarina, é uma forma de fugir de sua realidade.
Em seguida, a família contribui para o confinamento da louca no sótão, a
fim de esconder esta realidade fantasmagórica que amedrontava a família:
“o medo de enlouquecer”. Este é um questionamento constante da narra-
(LUFT, op. cit., p. 47)
dora Anelise, e está presente em todos os capítulos do romance:
E comecei a ter esse medo: estaria ficando doida? Loucura podia ser
herdada? Uma avó louca, uma tia anã. Andava nas lajes do pátio e dizia
a mim mesma que talvez já tivesse enlouquecido, e não soubesse disso;
os doidos não sabem que são doidos.
103
Literatura Brasileira III
Como você pôde perceber estas são as questões que permeiam As par-
ceiras de Lya Luft, a loucura e o medo de enlouquecer. Aproveite para
conhecer e ler outros títulos de Lya Luft, A asa esquerda de um anjo, A
Sentinela, Exílio e O rio do meio, e discutir com seus colegas.
104
Lya Luft Capítulo 08
Leia mais!
BRANDÃO, Izabel; MUZART, Zahidé L. Refazendo nós: ensaios sobre
mulher e literatura. Florianópolis: Editora Mulheres, 2003.
105
Unidade D
Algumas décadas de poesia
Introdução
109
Concretismo Capítulo 09
9 Concretismo Para saber mais sobre
a Revolução Industrial,
A poesia concreta, criada por Décio Pignatari (1927), Haroldo indicamos mate-
rial disponível em:
de Campos (1929) e Augusto de Campos (1931), surge como um ata- <http://www.histo-
que à produção poética da época, representada pela geração de 1945, riadomundo.com.br/
idade-moderna/re-
a quem os jovens paulistas acusavam de verbalismo, subjetivismo, volucao-industrial/>.
falta de apuro e incapacidade de expressar a nova realidade gerada Acesso em: 7 nov.
2008.
pela revolução industrial.
111
Literatura Brasileira III
112
Concretismo Capítulo 09
(Cinética é o ramo da física que trata da ação das forças nas mudanças de
movimento dos corpos) de seu próprio conteúdo. Veja que a letra m en-
contra-se montada sobre um eixo vertical fixo e alguns dispersos e casuais
rebatimentos (como pode ser verificado no eco: mira – ira). Há, portanto,
um processo mental de vivificação do movimento, a partir da própria pa-
lavra (movimento: momento/vivo).
113
Literatura Brasileira III
114
Concretismo Capítulo 09
Haroldo de Campos foi considerado o “mais barroco” dos concretistas
e teve sua obra poética intimamente ligada ao movimento. A crença em uma
“crise no verso” o levou ao experimentalismo, à busca de novas formas de
estruturação e sintaxe, em curtos poemas-objeto ou longos poemas em prosa,
como por exemplo o poema Circum-lóquio, publicado originalmente no jor- CORDEIRO, Hélio D. Um
nal Folha de São Paulo. Leia agora um trecho desse texto: tributo a Haroldo de
Campos. In: Revista Ju-
daica, nº 68, dez. 2003.
Circum-lóquio Disponível em: <http://
www.judaica.com.br/
(pur troppo non allegro) materias/068_08e09.
sobre o neoliberalismo htm>. Acesso em: 21
nov. 2008.
terceiro-mundista
laisser faire laisser passer
1.
o neoliberal
neolibera:
de tanto neoliberar
o neoliberal
neolibera-se de neoliberar
tudo aquilo que não seja neo (leo)
libérrimo:
o livre quinhão do leão
neolibera a corvéia da ovelha
2.
o neoliberal
neolibera
o que neoliberar
para os não-neoliberados:
o labéu?
o libelo?
a libré do lacaio?
a argola do galé?
o ventre-livre?
a bóia-rala?
o prato raso?
a comunhão do atraso?
115
Literatura Brasileira III
3.
no céu néon
do neoliberal
anjos-yuppies
bochechas cor-de-bife
privatizam
a rosácea do paraíso
de dante
enquanto lancham
fast-food
e super
(visionários) visam
com olho magnânimo
as bandas
(flutuantes)
do câmbio:
enquanto o não
- neoliberado
come pão
com salame
(quando come)
ele dorme
sonhando
com torneiras de ouro
e a hidrobanheira cor
de âmbar
de sua neo-mansão em miami.
116
Concretismo Capítulo 09
9.2. Augusto de Campos
117
Literatura Brasileira III
118
Anos 70 e 80 Capítulo 10
10 Anos 70 e 80
10.1 Tropicalismo
119
Literatura Brasileira III
Tropicália
Caetano Veloso
Composição: Caetano Veloso
Viva a bossa
Sa, sa
Viva a palhoça
Ca, ça, ça, ça...(2x)
O monumento
É de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde
Atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga
Estreita e torta
E no joelho uma criança
Sorridente, feia e morta
Estende a mão...
Viva a mata
Ta, ta
Viva a mulata
Ta, ta, ta, ta...(2x)
120
Anos 70 e 80 Capítulo 10
No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa
E fala nordestina
E faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira
Entre os girassóis...
Viva Maria
Ia, ia
Viva a Bahia
Ia, ia, ia, ia...(2x)
Viva Iracema
Ma, ma
Viva Ipanema
Ma, ma, ma, ma...(2x)
Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém!
121
Literatura Brasileira III
Viva a banda
Da, da
Carmem Miranda
SANT’ANNA, Affonso Da, da, da, da...(3x)
Romano de. Música
popular e moderna
poesia brasileira. Pe- Agora observe os aspectos ressaltados pelo crítico Afonso Ro-
trópolis: Vozes, 1977.
mano de Sant’Anna ao analisar esta música. Ele aponta para o cosmo-
politismo estilístico na estruturação formal do texto. Além disso, o
crítico ressalta o emprego do ritmo africano, por este motivo é im-
portante que você escute a música. Ao dizer que tem sobre sua cabeça
os aviões, o eu lírico tenta reunir o civilizado e o interiorano, “viva a
bossa, ssa, ssa/ viva a palhoça, ça, ça, ça, ça”. O texto tem também uma
acumulação de imagens que é característica da poesia moderna e pode
ser chamada de enumeração caótica. Neste caso, é visível a influência
do Modernismo de Oswald de Andrade que você já viu em disciplinas
anteriores de Literatura Brasileira.
122
Anos 70 e 80 Capítulo 10
No Brasil, a partir de 1974, após dez anos de governos militares,
houve uma série de redefinições na vida política e cultural. Começa um
processo de abertura e um financiamento estatal para manifestações
culturais, como aos filmes Dona Flor e seus dois maridos (1976), Xica da
Silva (1976) e A dama do Lotação (1978). Você já viu alguns desses fil-
mes? Paralelamente a essas intervenções estatais de cultura, a indústria
cultural se fortalece, a televisão passa a fazer parte dos espaços domés-
ticos. O mercado do disco se fortalece com vendagens significativas de
discos de Roberto Carlos, Chico Buarque e Maria Bethania.
Receita
Nicolas Behr
Ingredientes
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
Modo de preparar
123
Literatura Brasileira III
124
Anos 70 e 80 Capítulo 10
Sobre o momento atual e a tática proletária
Maira (RJ)
....................................................................................
....................................................................................
....................................................................................
Panfleteamos a noite toda
– o nome mais belo do medo –
e alguma coisa nos fazia
lembrar uma música
ótimo
O que você pode verificar nesses textos é a poesia na contramão, Cf. HOLLANDA, He-
ainda que de conjunto bastante desigual, oscilando entre um resul- loísa B. de; PEREIRA,
Carlos A. M. Poesia
tado de valor propriamente literário e aquele cujo interesse se limita jovem (anos 70). São
a sua qualidade de sintoma de um fenômeno de peso sociológico, Paulo: Abril Educação,
1982. p. 77.
constitui-se como um “acontecimento” insofismável do interior da
produção cultural jovem pós-AI-5.
Ato Institucional nº 5,
Depois de passar pelas três décadas de poesia (50, 60 e 70), no pró- que entrou em vigor
em 13/12/68 e reforçou
ximo item nos deteremos na produção em versos dos anos 80. poderes discricionários
do regime militar.
125
Literatura Brasileira III
cancioneiros.
pós-tudo
QUIS
MUDAR TUDO
MUDEI TUDO
AGORAPÓSTUDO
EXTUDO
126 MUDO
Anos 70 e 80 Capítulo 10
O poeta, após tanta mudança, parece “mudo”, sem palavras ou ainda
usufruindo as mudanças anteriores que ele mesmo provocou. Diante des-
ta “calmaria”, surgem os jovens roqueiros dos anos oitenta. Eles aparecem
nos palcos dos festivais, dos shows de rock, são os poetas compositores.
O início dos anos oitenta não foi muito propício para o rock. A
MPB estava em evidência e, apesar da relativa abertura política, a som-
bra da repressão e a censura desanimavam os que buscavam a ousadia.
O “som jovem” ouvido nas rádios era o pop-rock na voz de Guilherme
Arantes, Marina, Ney Matogrosso, 14 Bis, Eduardo Dusek, Baby Con-
suelo, Pepeu Gomes, A Cor do Som e Rádio Táxi.
127
Literatura Brasileira III
-wave e tropicalismo com rock, tornando-se, assim, cada vez mais po-
pular. Outros grupos importantes foram Barão Vermelho, que ficou bem
conhecido ao gravar o tema do filme Bete Balanço, e Legião Urbana, que
tinha como fundador Renato Russo.
Dentro Pouco
128
Anos 70 e 80 Capítulo 10
Agouro
Nome
Leia mais!
Para saber mais sobre a poesia concreta, seus poetas mais significativos,
além de vários poemas que se movem e se trans-formam a cada movimen-
to do mouse, visite os seguintes sites e deixe a criatividade fluir:
<http://www.poesiaconcreta.com/>
<http://arvoredospoemas.blogspot.com/2007/09/poesia-concreta.
html>
<http://www.tanto.com.br/haroldodecampos-circunloquio.htm>
129
Unidade E
A prosa do final do século XX:
violência e sexualidade
Introdução
Na Unidade deste livro, iremos abordar dois temas que atravessa-
ram a produção literária brasileira dos anos setenta até os dias atuais:
violência e sexualidade.
133
Rubem Fonseca Capítulo 11
11 Rubem Fonseca
135
Literatura Brasileira III
Almoçava em uma hora, às vezes uma hora e meia, num dos restaurantes
das proximidades, e voltava para o escritório. Havia dias em que eu falava
mais de cinqüenta vezes ao telefone. As cartas eram tantas que a minha se-
cretária, ou um dos assistentes, assinava por mim. E, sempre, no fim do dia,
eu tinha a impressão de que não havia feito tudo o que precisava ser feito.
Corria contra o tempo. Quando havia um feriado, no meio da semana, eu
me irritava, pois era menos tempo que eu tinha. Levava diariamente traba-
lho para casa, em casa podia produzir melhor, o telefone não me chamava
tanto.
Um dia comecei a sentir uma forte taquicardia. Aliás, nesse mesmo dia, ao
chegar pela manhã ao escritório surgiu ao meu lado, na calçada, um su-
jeito que me acompanhou até a porta dizendo “doutor, doutor, será que
o senhor podia me ajudar?”. Dei uns trocados a ele e entrei. Pouco depois,
quando estava falando ao telefone para São Paulo, o meu coração disparou.
Durante alguns minutos ele bateu num ritmo fortíssimo, me deixando ex-
tenuado. Tive que deitar no sofá, até passar. Eu estava tonto, suava muito,
quase desmaiei.
136
Rubem Fonseca Capítulo 11
Nessa mesma tarde fui ao cardiologista. Ele me fez um exame minucioso, in-
clusive um eletrocardiograma de esforço, e, no final, disse que eu precisava
diminuir de peso e mudar de vida. Achei graça. Então, ele recomendou que
eu parasse de trabalhar por algum tempo, mas eu disse que isso, também,
era impossível. Afinal, me prescreveu um regime alimentar e mandou que
eu caminhasse pelo menos duas vezes por dia.
O médico havia dito, com franqueza, que se eu não tomasse cuidado pode-
ria a qualquer momento ter um enfarte. Tomei dois tranqüilizantes, naquele
dia, mas isso não foi suficiente para me deixar totalmente livre da tensão.
À noite não levei trabalho para casa. Mas o tempo não passava. Tentei ler
um livro, mas a minha atenção estava em outra parte, no escritório. Liguei a
televisão mas não consegui agüentar mais de dez minutos. Voltei da minha
caminhada, depois do jantar, e fiquei impaciente sentado numa poltrona,
lendo os jornais, irritado.
137
Literatura Brasileira III
No dia seguinte eu não saí para dar a minha volta. Almocei no escritório. Foi
um dia terrível, em que tudo dava errado: papéis não foram encontrados
nos arquivos, uma importante concorrência foi perdida por diferença míni-
ma; um erro no planejamento financeiro exigiu que novos e complexos cál-
culos orçamentários tivessem que ser elaborados em regime de urgência. À
noite, mesmo com os tranqüilizantes, mal consegui dormir.
Mas não foi a última vez. Todos os dias ele surgia, repentina¬mente, súplice
e ameaçador, caminhando ao meu lado, arruinando a minha saúde, dizen-
do é a última vez doutor, mas nunca era. Minha pressão subiu ainda mais,
meu coração explodia só de pensar nele. Eu não queria mais ver aquele
sujeito, que culpa eu tinha de ele ser pobre?
138
Rubem Fonseca Capítulo 11
Resolvi parar de trabalhar uns tempos. Falei com os meus colegas de direto-
ria, que concordaram com a minha ausência por dois meses.
Um dia saí para o meu passeio habitual quando ele, o pedinte, surgiu ines-
peradamente. Inferno, como foi que ele descobriu o meu endereço? “Dou-
tor, não me abandone!” Sua voz era de mágoa e ressentimento. “Só tenho
o senhor no mundo, não faça isso de novo comigo, estou precisando de
um dinheiro, esta é a última vez, eu juro!” — e ele encostou o seu corpo
bem junto ao meu, enquanto caminhávamos, e eu podia sentir o seu hálito
azedo e podre de faminto. Ele era mais alto do que eu, forte e ameaçador.
Fechei a porta, fui ao meu quarto. Voltei, abri a porta e ele ao me ver disse
“não faça isso, doutor, só tenho o senhor no mundo”. Não acabou de falar
ou se falou eu não ouvi, com o barulho do tiro. Ele caiu no chão, então vi
que era um menino franzino, de espinhas no rosto e de uma palidez tão
grande que nem mesmo o sangue, que foi cobrindo a sua face, conseguia
esconder.
139
Hilda Hilst Capítulo 12
12 Hilda Hilst
Hilda Hilst nasceu em Jaú, São Paulo, em 1930, e morreu em
2004. Escritora versátil, cuja obra perpassou a poesia, a prosa, o teatro
e a crônica, Hilda realizou uma verdadeira renovação no repertório
da ficção brasileira, sua prosa mescla os diferentes gêneros literários
produzindo um texto holístico.
Diante das dificuldades enfrentadas para tornar-se uma escri- Cf. ROSENFELD, Ana-
tora reconhecida no âmbito da literatura brasileira, Hilda desafiou o tol. Hilda Hilst: poeta,
narradora, dramatur-
cânone sob o olhar de um dos críticos mais respeitados, Anatol Ro- ga. In: HILST, Hilda.
senfeld, o responsável pelo prefácio de seu primeiro livro de ficção Fluxo-Floema. São
Paulo: Perspectiva,
Fluxo-Floema. Nesse texto, Rosenfeld situa o leitor quanto à traje- 1970. p. 14.
tória literária da escritora, informando que ela passou inicialmente
pela poesia, com o livro Presságio, e em seguida (1967/1969) expe-
COELHO, Nelly Novaes. A
rimentou outro gênero literário, o dramático, a fim de atingir um poesia obscura/luminosa
público maior, já que seu intuito era abranger um número mais sig- de Hilda Hilst; A meta-
morfose de nossa época;
nificativo de leitores, fato que não lhe foi possível através da poesia, Fluxo-Floema e Qadós:
de acordo com a palavra do crítico: “[...] a obra poética não ‘batia a busca e a espera. In:
_____ (Org.). A literatura
no outro’. [...] Há, em Hilda Hilst, uma recusa do outro e, ao mesmo feminina no Brasil con-
tempo, a vontade de se ‘despejar’ nele, de nele encontrar algo de si temporâneo. São Paulo:
Siciliano, 1993. p. 80.
mesma, já que sem esta identidade ‘nuclear’ não existiria o diálogo
na sua acepção verdadeira.”
RIBEIRO, Leo Gilson. Da
ficção. In: Cadernos de
Outros dois críticos literários, dos poucos que se debruçaram, literatura brasileira.
Hilda Hilst. São Paulo:
de fato, sobre a obra hilstiana, compartilham da mesma opinião de Instituto Moreira Salles,
Anatol Rosenfeld, Nelly Novaes Coelho e Léo Gilson Ribeiro. Sem nº 8, out/1999. p. 82.
141
Literatura Brasileira III
142
Hilda Hilst Capítulo 12
projetando no leitor um estado de sítio constante, em função das ex-
cruciantes demandas pelo inominável – o sentido da vida, o sentido
da morte, as formas do amor, a fatalidade do tempo. Esta temática (QUEIROZ, op. cit., p. 20) .
existencial também foi uma das marcas presentes na fala da escrito-
ra, pois, nas várias oportunidades que a imprensa lhe concedeu, Hil-
da demonstrou uma preocupação com o leitor, que, ao ler sua obra,
geralmente, não a entende por considerá-la hermética. Cortando-se
facilmente com as palavras-navalhas que permeiam suas páginas, de-
monstrando não estar apto/a para adentrar no mundo complexo e
avassalador que a escrita da autora traz à tona. Na passagem a seguir,
Hilst procura justificar suas escolhas: HILST, Hilda. Um diálo-
go com Hilda Hilst. In:
COELHO, Nelly Novaes
Considero a prosa muito difícil, porque não acho que a história seja et al. Feminino singu-
importante na literatura atual. Acho que hoje é importante a emoção, lar: a participação da
mulher na literatura
todo o traçado de emoção que você pode passar para o outro. A mi- brasileira contempo-
nha vontade sempre é de fazer uma radiografia da emoção, porque rânea. São Paulo: GRD;
Rio Claro, SP: Arquivo
acho que histórias, você lê nos jornais todos os dias. Há mil histórias Municipal, 1989. p.
fantásticas. Então acho que o importante é você descrever todas as 149.
143
Literatura Brasileira III
145
Literatura Brasileira III
[...] carne de Lucius antes era mansa e tépida, brioso corpo de antes
tão educado respondendo rápido a qualquer afago, de mulheres na-
turalmente, ah sim, naturalmente, mulheres com discursos de várias
qualidades, umas de língua altiva rinchando política e sabedoria (os
BUTLER, Judith. Cor- antagônicos tentando semelhança), espigadas leves, as blusas soltas
pos que pesam: sobre
os limites discursivos traduzindo plena liberdade, idéias, corpos elásticos, ágeis, e quantas
do ‘sexo’. In: LOURO, vezes na cama despencando, gemendo, dóceis como pequenos ani-
Guacira Lopes (Org.). O
corpo educado: peda- mais doentes, trêmulas, encharcadas se abrindo famintas de sua dura
gogia da sexualidade. vara, cadê o discurso, o critério, a bacia de idéias, cadê pombinha, cadê?
Trad. Tomaz Tadeu da
Silva. Belo Horizonte: às vezes você fala como se tivesse raiva das mulheres é mesmo, Lucas?
Autêntica, 1999. p. não tinha percebido...
151-172, apud LOURO,
Guacira Lopes. Um
corpo estranho: en- É interessante observar que esta parece ser a primeira experi-
saios sobre sexualida-
de e teoria queer. Belo ência homossexual de Lucius, embora não fique claro. Até então,
Horizonte: Autêntica, conforme o trecho acima citado, suas relações eram heterossexuais.
2004. p. 44.
Judith Butler ao discutir o conceito de performance, afirma que a lin-
guagem que se refere aos corpos ou ao sexo não faz apenas uma consta-
tação ou uma descrição desses corpos, mas, no instante mesmo da no-
meação, constrói, faz aquilo que nomeia, isto é, produz os corpos e os
sujeitos. Lucius, ao rememorar seu primeiro encontro com Lucas – de-
pois de ser acusado por seu pai “de se fazer de mulherzinha com o moço
machão” – refere-se a uma transformação que sofreu ao se deparar com a
beleza de seu genro: “Farpas pontudas emergindo do corpo dos con-
HILST, Rútilos..., p. ceitos. Antes o conceito redondo. Liso. [...] Posso deduzir que escapei
87-88. da casca consistente, que eu estava encerrado ali, não que o meu corpo
era o fruto da paineira, todo fechado, e num instante abriu-se. Abriu-
-se por quê? Porque já era noite para mim e aquele era o meu instante
de maturação e rompimento. Porque fui atingido pela beleza como se
um tigre me lanhasse o peito.” Ao usar a metáfora do abrir a casca ao
se permitir vivenciar a sexualidade de uma outra maneira, Lucius nos
remete a uma outra imagem usualmente utilizada quando se alude a
experiências homossexuais, ou seja, quando se instaura o dilema entre
assumir-se ou permanecer enrustido, neste caso, sair ou não de den-
tro do armário. No caso do protagonista de Rútilo NADA, ele “sai do
(Ibidem, p. 88). armário” e lança-se nesta paixão desenfreada por Lucas: “Vejo-o de
costas agora, é sólido, crível, nada de angélico ou inefável, e um novo
146
Hilda Hilst Capítulo 12
ou talvez um antigo e insuspeitado Lucius irrompe, dois escuros e con-
traditórios, aguçados e leves, violentos e sórdidos.”
147
Literatura Brasileira III
148
Caio Fernando Abreu Capítulo 13
13 Caio Fernando Abreu
Vamos agora conhecer um pouco da trajetória literária de Caio
Fernando Abreu, através de fragmentos das inúmeras correspondências
que ele trocou com amigos e familiares. Depois, entraremos em contato
com a sua prosa ficcional. Segundo José Castello um dos críticos jorna-
listas que acompanharam a escrita deste gaúcho, CASTELLO, José. Caio
Fernando Abreu: o po-
eta negro. In: Inventá-
Caio Fernando Abreu passou boa parte de seus quarenta e sete anos rio das sombras. Rio
enamorado da morte. Preferiu sempre as atmosferas sombrias e se dei- de Janeiro: Record,
1999. p. 59.
xou guiar por uma estética dark que começava nas roupas negras, nas
olheiras emprestadas de El Greco, no porte arqueado, e se ampliava em
suas idéias depressivas a respeito do mundo ao seu redor.
149
Literatura Brasileira III
Mas não foi somente Carmem quem auxiliou Caio nesta incansável
busca pelo reconhecimento e pela publicação de sua obra literária. Há ou-
tros nomes importantes compondo a lista de amigos preocupados em di-
vulgar os textos deste jovem escritor, tais como: Nélida Piñon, Lygia Fagun-
des Telles, Léo Gilson Ribeiro, Maria Helena Cardoso, dentre outros. Tudo
isto facilitou o ingresso de Caio no cânone da literatura brasileira; primeiro
ele saiu do Rio Grande do Sul para morar em São Paulo, ou seja, o centro
cultural do país, lugar onde conheceu outros escritores e críticos literários,
e, assim, foi construindo sua teia de relações e conquistando espaço no meio
intelectual de maior efervescência do Brasil. Ele transitava nos diversos es-
paços artísticos (literatura, cinema, teatro, música, pintura) demonstrando
uma insaciável sede de conhecimento, somada à eterna busca pessoal.
150
Caio Fernando Abreu Capítulo 13
Caio, então, sofreu na própria pele o dissabor da censura quando
um dos seus contos, A visita, sofreu algumas alterações ao ser publi-
cado no jornal Estado. Mais tarde, já no ano de 1972, inscreveu esse
mesmo conto em um concurso e ganhou o primeiro prêmio do Insti-
tuto Estadual do Livro.
Alguns anos mais tarde, em 1973, Caio foi convidado pelo Suple-
mento Literário de Minas Gerais - composto por Murilo Rubião, Carlos
Roberto Pellegrino, Humberto Verneck e Luiz Gonzaga Vieira - para
participar de uma antologia de contos, composta pelos trinta e dois mais
importantes contistas nacionais, dentre os quais Lygia Fagundes Telles,
Nélida Pinõn, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Ruben Fonseca e Mo-
acyr Scliar. Ele enviou o que considerava sua melhor narrativa, Ascen-
(Ibidem, p. 432)
são e queda de Robhéa, manequim e robô, “a piradíssima estória de uma
epidemia tecnológica, em que as pessoas se transformam em robôs, com
toda uma crítica ao consumo e ao poder”.
Caio encerra as mal traçadas linhas de uma vida que começou a fa-
zer sentido no início do fim, em 1996, quando se depara com o diagnós-
151
Literatura Brasileira III
tico positivo da doença: era portador do vírus HIV. Nos últimos anos,
dizia-se mais sereno, republicou alguns livros e tentou amenizar, sempre
que possível, o tom lamuriento e ácido de sua escrita, neste momento, o
escritor underground deu lugar ao regador de flores.
Como não vamos poder nos deter em todas as narrativas deste pe-
ríodo, é importante registrar que foi possível constatar uma significa-
tiva presença da sexualidade como tema central de contos, romances,
dramaturgia. Os personagens se emancipam humanamente através do
sexo e quando nada mais parece fazer sentido é o sexo que parece tudo
resolver. Há ainda a falta de um lastro amoroso nas relações pessoais e
os protagonistas das narrativas são remetidos à sua própria solidão e à
sua incapacidade de comunicação. Essas parecem ser as matrizes redun-
dantes e trágicas de muitas das narrativas da primeira metade dos anos
90. A partir da segunda metade dos anos 90 vemos voltar narrativas que
tematizam a cidade, mostrando um quadro de referências imagéticas,
sonoras e comportamentais.
152
Caio Fernando Abreu Capítulo 13
de encontro, é um recorte na realidade que deixa à mostra outras re-
alidades, também permeadas pelo mesmo estado de espírito perplexo EAGLETON, Terry.
que condiciona hoje as relações pessoais, mas também consegue escre- Depois da teoria: um
olhar sobre os Estudos
ver uma crônica de costumes contemporâneos. Nesse sentido o próprio Culturais e o pós-
sexo, mais que um episódico tema da ficção atual, pode se constituir -modernismo. Trad.
Maria L. Oliveira. Rio
como a metáfora da condição contemporânea. de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005. p.
14-15.
A este respeito, Terry Eagleton, em seu livro Depois da teoria, faz
uma análise sobre esta busca incessante pelo prazer, pelo erótico, no
mundo contemporâneo:
Leia mais!
CASTELLO, José. Inventário das sombras. Rio de Janeiro: Record, 1999.
SOUZA, Eneida Maria de. Crítica Cult. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
153
Unidade F
Por uma percepção do novo da
literatura brasileira
Por uma percepção do novo da
literatura brasileira Capítulo 14
14 Breves Histórias para leituras
rápidas
Nosso livro está centrado em muitos nomes próprios e suas prin-
cipais obras. Procuramos traçar um painel da Literatura Brasileira do
século XX para que nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andra-
de, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade se integrassem
a João Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector,
Lygia Fagundes Telles, Nelida Piñon, Lya Luft, aos poetas Haroldo de
Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, permitissem diálogos
com o Tropicalismo e a Poesia Marginal e que se somassem a Rubem
Fonseca, Hilda Hilst e Caio Fernando Abreu, entre tantos outros. Mais
ainda: desejamos os apresentar para que todos eles fizessem parte do re-
pertório de leituras presentes e futuras para cada um e cada uma de nós.
além dos citados acima, e dos poetas e romancistas brasileiros já lidos e es-
tudados, entre tantos outros, assim como a eles se misturarão livros teóricos
de teoria literária, de estudos culturais, livros sobre a indústria cultural e a
globalização econômica que passaram a moldar gradualmente a literatura, a
arte, o cinema e o teatro produzidos no Brasil a partir do Modernismo.
157
Literatura Brasileira III
158
Por uma percepção do novo da
literatura brasileira Capítulo 14
Mencionamos também todos os livros de uma coleção Literatura e Morte da
Editora Companhia das Letras (São Paulo): O Doente Molière de Rubem Fon-
seca e A Morte de Rimbaud de Leandro Konder (ambos lançados em abril de
Os romances men-
2000); Medo de Sade de Bernardo Carvalho (maio de 2000); Os Leopardos de cionados de Alberto
Kafka de Moacyr Scliar Stevenson sob as palmeiras de Alberto Manguel (junho Manguel e Leonardo
Pandura também cir-
de 2000); Bilac vê estrelas de Ruy Castro e Borges e os orangotangos eternos de culam em tradução no
Luiz Fernando Veríssimo (dezembro de 2000) e Adeus, Hemingway de Leo- Brasil.
nardo Padura (abril de 2001). Oito livros lançados em um ano. Uma série de
narrativas que entrecruzam literatura e história e que buscam acima de tudo
hospedar na narrativa mais contemporânea, pela paródia, pastiche, citação, A Morte
vida e obra de escritores e narrativas canônicas: Moliére, Rimbaud, Sade, de Rimbaud, por
Leandro Konder
Kafka, Stevenson, Hemingway, Borges e o brasileiro Olavo Bilac.
Jean-Nicolas Arthur (1854-1891) foi um poeta fran-
cês. Illuminations, livro concluído em 1873, é com-
preendido como um livro síntese de toda a sua obra.
Os Leopardos de Kafka, de
Moacyr Scliar
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Literatura Brasileira III
Nenhum destes três autores O ideal seria que pudéssemos dissertar sobre cada uma destas
mora na América do Sul. Al- quinze narrativas, onze delas escritas por escritores brasileiros (hou-
berto Manguel mora no Ca-
nadá e Tomás Eloy Martinez ve uma espécie de Mercosul literário com a inclusão, nos projetos, dos
e Ariel Dorfman nos Estados argentinos Alberto Manguel e Tomás Eloy Martinez, do chileno Ariel
Unidos.
Dorfman; somando ainda a presença do cubano Leonardo Padura).
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literatura brasileira Capítulo 14
Sob esta ótica, dá para concluir por antecipação que nesta ficção Porque o perfil de mui-
brasileira, que se pode chamar literatura do/para leitores do século tos dos leitores deste
século XXI inclui leituras
XXI, houve, sim, uma procura estética de uma expressão adequada diárias de posts de 140
ao momento histórico e cultural: a narrativa curta, a breve história caracteres (Twitter),
“curtição” de imagens,
para leituras rápidas. Fora destes projetos de coleção para estabelecer comentários, memes
uma possível relação com uma tradição literária, especialmente a das a todo o momento
(Facebook) e conversas
décadas compreendidas pós anos 60, selecionamos como sugestões rápidas, sem saudações
de leitura alguns livros publicados no início do século XXI: A Mãe e despedidas, objetivas,
cartesianas: nos chats
da Mãe da sua Mãe e suas filhas de Maria José Silveira, da Editora integrados aos leitores
Globo; As pessoas dos livros de Fernanda Young e Divã de Martha de e-mail, como é o caso
do Google Talk, Yahoo
Medeiros, ambos da Editora Objetiva; Vésperas de Adriana Lunardi, Messenger, entre outros.
Hoje acordei gorda e Por que os homens não cortam as unhas dos pés?
de Stella Florence, da Editora Rocco; Trouxa frouxa de Vilma Arêas
e Talk Show de Arnaldo Bloch, da Editora Companhia das Letras; A De Maria José Silveira,
Matemática da formiga de Daniela Beccacia Versiani e Sexo de André fomos posteriormente mo-
tivadas pelo livro anterior,
Sant’Anna da Editora 7 Letras; A Maldição do Macho de Nelson de lemos a bonita biografia,
Oliveira da Editora Record; O herói devolvido de Marcelo Mirisola Eleanor, Filha de Marx. SP:
Francis, 2003.
da Editora 34 e O Voo da Guará Vermelha de Maria Valéria Rezende
da Editora Objetiva. Todos respaldados por reconhecidas editoras Divã, foi um livro lido no
calor da hora do seu lança-
brasileiras foram bem recebidos na época em que surgiram e podem mento, sem estar apoiado
ser lidos como representativos de uma época. Poderíamos citar ago- no sucesso do filme de José
Alvarenga Junior em 2009.
ra os romances do premiado escritor Cristovão Tezza especialmente
seu livro O Filho Eterno.
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Por uma percepção do novo da
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mio Machado de Assis, Prêmio Jabuti, Prêmio União Latina de Tradução
Especializada, Prêmio ABEC, Prêmio Casa de Cultura Mário Quintana,
Prêmio Juca Pato, Prêmio Ribeirão das Letras de Literatura, Prêmio Nes-
tlé de Literatura, Prêmio Açorianos de Literatura, Prêmio Literário Li-
vraria Asabeça, e outros não mencionados. É quase impossível darmos
conta de ler mais de cinco desses títulos escolhidos por uma comissão de
professores e críticos. Mas a literatura sempre nos pede leituras futuras.
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Escrevo com as mãos atadas [...] Nasci com cheiro de terra úmida, o bafo
de tempos antigos sobre o meu dorso. Por mais estranho que isso possa
parecer, a verdade é que nasci com o pé na cova. Não falo de aparência
física, mas de um peso que carrego nas costas, um peso que me endu-
rece os ombros e me torce o pescoço […]. Um peso que não é de todo
meu, pois já nasci com ele. Como se toda vez em que digo “eu” estivesse
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dizendo “nós”. Nunca falo sozinha, falo sempre na companhia desse so-
pro que me segue desde o primeiro dia. Um sopro que me paralisa. Uma
espécie de fardo. Mais do que isso: bruto, acimentado, capaz de me tirar
todas as possibilidades de movimento, amarrando as articulações uma à
outra, colando todos os espaços vazios do meu corpo […]. (2010, p. 9).
ver foi um parto, esse romance foi tirado a fórceps de dentro de mim? Será
essa a benção materna? Pode haver criação literária sem filiação? Pode
haver filiação fora da tradição literária?
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14.4 Alegorias da Tradição
Não se trata de ser ou não ser feliz, mas de uma herança que trago co-
migo e da qual quero me livrar. Nem que para isso tenha que correr
riscos sem medida, nem que para isso tenha de me desfazer de tudo [...].
(SALEM-LEVY, 2010, p. 10).
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romântica em busca de ideais; em Cecília a amarga aceitação da vida
pelo viés simbolista (GOUVEIA, [s.d.]). A fruta quis cair sim longe
do pé. Não é em vão que em seu poema Memória, Cecília Meirelles
desconstrói as relações de parentesco:
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literatura brasileira Capítulo 14
14. 6 Encontramos a chave?
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ela? Você é que sabe, ele respondeu, como se não tivesse nada a ver
com isso. [...]. E agora cabe a mim inventar que destino dar a essa chave,
se não quiser passá-la adiante (2010, p. 13).
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Pego a chave, assopro a poeira em que está mergulhada e, esticando o
braço, alcanço a mão do meu avô, seguro-a com força, e permanece-
mos com as mãos coladas, a chave entre nosso suor, selando e separan-
do as nossas histórias (SALEM-LEVY, 2010, p. 206).
173
Prezad@s alun@s!
Chegamos ao final da Disciplina. Durante este tempo, você teve a
oportunidade de conhecer um pouco mais da produção literária reali-
zada a partir da segunda década do século XX.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: O que é o con-
temporâneo? e outros ensaios. Tradução de Vinícius Nicastro Honesko.
Chapecó, SC: Argos, 2009. p. 55-73.
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3.ed. São Pau-
lo: Vila Rica; Brasília: INL, 1972. Disponível em http://www.ufrgs.br/
cdrom/mandrade/mandrade.pdf.
178
Referências
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? Trad. de Nilson Moulin. SP:
Companhia das Letras, 1993.
COSTA PINTO, Manuel da. Literatura brasileira hoje. São Paulo: Pu-
blifolha, 2004.
180
Referências
HILST, Hilda. Um diálogo com Hilda Hilst. In: COELHO, Nelly Nova-
es et al. Feminino singular: a participação da mulher na literatura bra-
sileira contemporânea. São Paulo: GRD; Rio Claro, SP: Arquivo Muni-
cipal, 1989.
181
Literatura Brasileira III
MACIEL, Maria Esther. O Livro dos Nomes. SP: Companhia das Le-
tras, 2008.
182
Referências
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Literatura Brasileira III
PIZA, Daniel. Rosa Viva. In: Seção Livros, Estado de São Paulo, São
Paulo, 16 set. 2008. Disponível em: <http://blog.estadao.com.br/blog/
piza/?title=rosa_viva>. Acesso em: 17 set. 2008.
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. 9.ed. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 1997.
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Referências
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