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15/06/2019 Sociedades, mobilidades, deslocamentos: os territórios da espera.

O caso dos mundos americanos (de ontem a hoje)

Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

13 | 2011 :
Numéro 13
Projet de recherche / Projeto de pesquisa

Sociedades, mobilidades, deslocamentos: os


territórios da espera. O caso dos mundos
americanos (de ontem a hoje)
Sociétés, mobilités, déplacements: les territoires de l'attente. Le cas des mondes américains (d'hier à aujourd'hui)

L V ,A M D V

Notas do autor
Tradução: Carina Sartori (Mestranda em história - UFSC) ; revisão: Thiago Rocha (Doutorando em geografia – UFRJ – em bolsa-sanduíche
na Universidade de La Rochelle - CRHIA)

Texto integral

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1 Os fenômenos de mobilidade e de deslocamento se afirmam como características essenciais das nossas sociedades
contemporâneas. Para tanto, longe de serem fluidos, homogêneos ou lineares, estes deslocamentos são pontuados de tempos,
mais ou menos longos, de espera. Tendo por origens razões técnicas, administrativas ou políticas, tais momentos encontram
bem frequentemente uma tradução espacial: territórios acolhem estas sociedades em espera.
2 Examinar estes territórios da espera e a multiplicidade de formas com que se revestem, estabelecendo suas dimensões,
compreendendo seus estatutos jurídicos, suas articulações com o espaço circundante, suas temporalidades específicas, bem
como a variedade dos jogos econômicos e sociais que se desenha - é o desafio que se dá ao grupo de historiadores, geógrafos,
sociólogos e literatos, reunidos no projeto TERRIAT1.
3 Para tal investigação, os mundos americanos, nascidos do deslocamento (voluntário ou forçado) de populações de
origens diversas que deixaram a sua marca nos territórios de que se apropriaram, se oferecem como um terreno de estudo
particularmente adaptado. Durante muito tempo terra de refúgio para perseguidos de todas as confissões, depois Eldorado
sonhado para milhões de imigrantes, o continente americano é, ainda hoje, o teatro de numerosos deslocamentos humanos:
migrantes deixando (ou fugindo) os campos para as cidades tentaculares, clandestinos que cruzam os muros do medo,
refugiados climáticos aglomerados dos campos de seca ou instalações precárias (como após o Katrina).
4 Este texto é a base comum desta investigação (coletiva e interdisciplinar) que se dá por objeto de estudo a análise dos
territórios da espera nas sociedades americanas. Apresentaremos, primeiramente, os grandes desafios heurísticos e
metodológicos desta temática, antes de propor uma reflexão sobre a respectiva contribuição das principais disciplinas engajadas
nesta análise.

1. Escrever, descrever os territórios da espera e as


identidades em trânsito: introdução a uma pesquisa
interdisciplinar
5 O desafio para o qual convidamos é o de uma mudança de paradigma analítico: abordar os territórios da espera significa
privilegiar a observação das situações liminares onde se experimentam os limites da sociedade, do exercício do poder do Estado
e, hoje, os limites da modernidade.

Territórios da espera: o sentido das palavras

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6 Mais do que nunca, para tal investigação, é importante dar atenção especial aos sentidos que abrangem cada um dos
termos incluídos na expressão «territórios da espera».
7 Se pensarmos as línguas do continente americano como chave de entrada, constatamos que o francês, o espanhol e o
português possuem apenas um termo: «espera», «attente», que abrange dois sentidos claramente distintos - a imobilidade de
um lado, e a esperança do outro. A língua inglesa oferece, por seu lado, três palavras ou expressões que permitem apreender de
maneira ainda mais fina a variedade dos sentidos que podem abranger a espera.
8 - To hold on: indica um corte, «tempo morto», uma suspensão, um entre-deux2, mas deixa prever uma promessa de
retomada. Do famoso «please hold-on» para o atual onhold marketing3.
9 - To wait for: indica uma projeção, um objetivo a atingir, um horizonte de espera. A espera retorna aqui uma predisposição
psicológica, um afetar. Cria uma tensão projetada para o objetivo a atingir. «A palavra “waitier” [é] uma variante normanda de
“guaitier” do francês antigo. Esperar é, também, “guaitier” ou espreitar4».
10 - Standstill: ponto morto, pausa, situação na qual algo não se move ou não caminha. Também na dimensão jurídica: prazo
suspensivo nos procedimentos jurídicos.
11 Observamos que estas diferentes definições da espera contêm em germe, de maneira implícita ou explícita, dimensões
espaciais. A imobilidade é necessariamente localizada: remete, por conseguinte, ao lugar onde se vive esta espera (que seja
fechado, saturado ou coercitivo), lugar onde o homem faz frequentemente a experiência da tirania da espacialidade. Quanto à
esperança, ela se cristaliza em torno de um lugar desejado, imaginado, sonhado (desde a famosa cidade de Deus de Santo
Augostinho, passando pela ilha utópica de Thomas More até avatares contemporâneos de países de abundância para os
migrantes de países pobres). Este lugar distante invade o presente, fagocita-o em certa medida, ou seja, o esvazia da sua
substância temporal e espacial5. Mede-se, a partir daí, o quanto esses territórios da espera induzem ou constrangem a
possibilidade de ação : sonhados, geram a mobilidade; sofridos, impõem a imobilidade.
12 Daqui por diante, interessa de maneira mais precisa a noção de «território», como é utilizado na expressão «territórios
da espera», estes aparecem, ao primeiro olhar, sob duas formas claramente distintas:
13 - A de um espaço fechado, separado, distinto, possuindo uma forte visibilidade. É marcado por um uso social quase exclusivo
que enquadra um dispositivo jurídico específico. É pensado para por em espera temporariamente grupos em deslocamento -
trate-se de razões administrativas ou políticas, médicas ou humanitárias - mas também para separar os grupos em espera do
resto da sociedade circundante. Citemos aqui: as estações de quarentena (lazaretos), a hospedaria de imigrantes, a zona de
espera, o campo de exilados ou de refugiados.
14 Se fosse necessário reter uma forma que encarna estes territórios, poderia ser a ilha («objeto inconstante6» de acordo com
Franck Lestringant). Com efeito, inicialmente, são as ilhas que são privilegiadas para a instalação de quarentenas ou
hospedarias de imigrantes. A ilha apresenta a vantagem de ser espacialmente distinta do continente. Ela cria, pois, a ilusão de
um território separado, externo, espécie de peneira para selecionar os candidatos à entrada no território nacional.
15 E muitos destes territórios fechados de espera vivem sob o modo da insularidade. Assim o campo (de refugiados, trânsito) se
apresenta e se administra sob forma de ilha, distinta juridicamente das regras de direito comuns. Hoje, as zonas de espera são
ainda ficções jurídicas, pois permitem tratar uma pessoa que se encontra fisicamente no país como se estivesse no exterior do
país.
16 - A outra forma que tomam estes territórios é a de um espaço aberto, mas, no entanto forçadoou saturado: aquele dos
clandestinos ou dos engarrafados, por exemplo. A situação de espera cria um uso inesperado deste espaço que vem se sobrepor
(transitoriamente) ao seu uso comum. A espera é uma das modalidades de uso destes espaços: ela não os define. Além disso,

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não é enquadrada por nenhum dispositivo jurídico específico. É difícil fazer uma lista exaustiva destas formas territoriais mais
abertas que, por um tempo ocasional ou repetitivo, acolhem grupos em espera: ontem, o albergue e o porto, mas também a
ponte do navio do emigrante; hoje, a estação rodoviária ou o aeroporto, o check point. Vai das cidades de fronteira onde os
clandestinos procuram um meio para cruzar o muro ou os arames farpados, até a via expressa ou a auto-estrada urbana
engarrafada, ou a sala de espera de um serviço administrativo, onde nascem solidariedades efêmeras e se instala uma economia
da espera.
17 Não fosse essa noção de certa forma mal empregada, seria possível inscrever esta análise na perspectiva do estudo dos
«outros espaços», as famosas heterotopias cuja importância Michel Foucault assinalava desde 1967, posto que, frequentemente,
são espaços comuns que, por um tempo (de espera) são investidos de um outro sentido social e simbólico7.
18 Todos os territórios, fechados ou abertos, vivem a espera de um modo transitório. E é precisamente nestas transições, nesses
entre-deux, que tomam forma, de maneira imprevista, inesperada, as coalescências (para retomar aqui um conceito de Emile
Durkheim que o sociólogo Henri Desroche propôs precisamente aplicar a uma sociologia da espera8). Estas coalescências, que
escapam, na maior parte do tempo a qualquer tentativa de controle, definem novas leituras do espaço e das suas
potencialidades, novas relações com o tempo, novas solidariedades… em suma, novas identidades.

Um fato social total


19 A espera, tal qual ela se vive, se desenrola, se pratica, nos territórios da espera deve ser apreciada como «fato social
total». Põe em jogo, com efeito, múltiplas dimensões:
20 - psíquicas: a espera pode ser inibidora ou exaltante.
21 - fisiológicas: a espera se experimenta através do corpo: seja ele um mal necessário que se deve mascarar, esconder – o espaço
do clandestino - seja ele comprimido, maltratado, nos espaços fechados. A experiência da espera é, assim, corporal.
22 - sociais: a espera é criadora de coalescências, experiências sociais inesperadas.
23 - econômicas: atividades são pensadas em função dos tempos de espera: vendedores ambulantes nos engarrafamentos, donos
de albergues, passadores… sem falar no «on hold marketing».
24 - jurídicas: reencontramos aqui o standstill, como efeito suspensivo, ou a noção de estado de exceção (G. Agamben9).
25 - sensíveis: a espera provoca outra percepção do tempo pela apreciação da sua duração - este, nos recorda Bergson, é o tempo
vivido, tempo elástico que se estira, se acelera ou contrai de acordo com as situações. Nestes espaços confinados, passado,
presente e futuro são definidos de outra maneira. Com efeito, longe de ser um tempo morto, o tempo de espera é um tempo de
reinvenção da temporalidade: a situação de crise que conduziu à espera obriga o indivíduo, o grupo, a comunidade, a
reconsiderar as categorias de tempos que lhes permitem agir sobre o presente e de se projetar para o futuro.
26 - culturais: a espera é também um momento de aculturação.
27 - geográficas: o espaço pode ser coercitivo ou esconder recursos a se descobrir.
28 - políticas: nas zonas de exceção, o poder é exercido de outra maneira.
29 Deste ponto de vista, dar conta da espera, em outras palavras, do que acontece quandonada acontece (ou quando nada é
suposto acontecer)10, é endossar uma atitude poética, dado que a poética ambiciona precisamente a compreensão global,
conjunta e instantânea de uma situação11. E porque, então, não tomar como definição operacional de um território da espera a
fórmula de René Char: «um enclave de inesperados e metamorfoses12»; ou esta outra que poderia descrever a localização dos

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territórios: «ao centro do desvio13». Há, também, Aimé Césaire: «o não-tempo impõe ao tempo a tirania da sua
espacialidade14». Não se trata de tomar estas afirmações como absolutas, mas como convites a interrogar os laços que elas
sublinham, e utilizá-las como «mediadores» (Caillois).
30 Mas importa também levantar uma dúvida sobre um outroobstáculo possível. Com efeito, a espera pode ser uma metáfora
fácil para descrever muitas das situações sociais. Nem tudo é espera, e nem tudo é território da espera. No âmbito deste projeto,
intitulado: «sociedade, mobilidade, deslocamentos», os territórios da espera designam especificamente os espaços destinados
voluntariamente ou servindo involuntariamente a por em espera populações deslocadas ou em deslocamento. Há, por
conseguinte, uma dimensão coletiva necessária (e deste pontode vista, mesmo o clandestino não está sozinho, uma vez que irá
buscar activaruma rede de informações).

Campos de estudos
31 Este projeto propõe esclarecer, particularmente, três campos de estudos que oferecem muitas oportunidades para
experimentar uma mudança de foco analítico, não mais motivada pela observação das mobilidades, dos deslocamentos e outras
migrações, mas pelos tempos de parada, de pausa e de espera que pontuam os fluxos. No cruzamento de olhares disciplinares
complementares (geografia, história, sociologia e literatura), convém doravante descrever e compreender os territórios que
acolhem estes tempos de espera, os jogos sociais e as identidades que se constroem.
32 - Tipologia dos territórios da espera: aqui se analisam as configurações territoriais das situações de espera comparando duas
modalidades: a dramática e excepcional dos emigrantes, de migrantes e refugiados, e a mais comum que toma lugar nas brechas
que se abrem no cotidiano das sociedades. Trata-se igualmente de elaborar uma tipologia dos territórios que abrigam situações
de espera: desde o campo - especialmente desenhado e destinado à esta função - até via expressa urbana engarrafada, sem
esquecer as paisagens da clandestinidade. Convém, também, descrever e compreender a evolução dessas formas no tempo.
Pode-se levantar as invariáveis ou as constantes da multiplicidade das formas espaciais que cobrem estes territórios da espera?
Quais são as formas sociais que aí se desenrolam? A partir de quais estatutos jurídicos se erguem estes territórios?
33 - Economia da espera: aqui se interroga o comum dos dias ou das horas num lugar de espera: quais atividades sociais ou
econômicas nascem nestes lugares confinados onde é experimentada a experiência de um «tempo elástico15». Entre a
prostituição e a venda ambulante, importa descrever e compreender as formas espaciais do jeitinho. Um importante
questionamento se refere ao estudo das transformações sociais destes territórios da espera: a experiência do exílio e os campos
conduzem, às vezes, a uma perturbação dos modelos sociais. Tais perturbações relativas à economia das sociedades podem ser
observadas nos campos de migrantes das Américas? Também se trata de tomar a medida da inoperância social: Giorgio
Agamben demonstra, com efeito, quanto a inoperância pode ser percebida como um paradigma das formas modernas de
governo dos homens: os Estados modernos assim fizeram delaum modo de gestão das multidões humanas, e nomeadamente
dos migrantes16. Postos em situação de espera, em lugares específicos, onde nenhuma atividade econômica legal lhes é possível,
sua inutilidade social se torna patente - cada indivíduo se reencontra sozinho, nu, perante a administração de Estado. Os
territórios da espera se enriquecem, assim, dessa outra dimensão: são também espaços de inoperância. Mas como se manifesta
a gestão administrativa da inoperância?
34 - Memórias e identidades: os territórios da espera não são estes «não lugares» que Marc Augé evocava em 1992, arranjando
nesta categoria os espaços incapazes de criar «nem identidade singular, nem relação, mas solidão e semelhança17»: a título de

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exemplo, o autor cita o campo do trânsito. Sabemos que não é possível manter tal definição: nestes territórios, «lugares de um
possível espaço público18», ainda que domine um sentimento de incerteza, identidades podem, no entanto, tomar forma. Estas
não apagam necessariamente as identidades anteriores: elas são, ao contrário, um recurso suplementar do qual os indivíduos se
apoderam em função das suas necessidades, e das estratégias sociais que definem para fazer face a este tempo incerto. Trata-se,
assim, de descrever a variedade das identidades que nascem no partilhamento da espera num lugar confinado, por indivíduos
que não se conhecem necessariamente, mas que subitamente são vinculados por uma comunidade de destino. Em situação de
fragilidade, esta invenção de identidade pode consistir em uma reativação de antigos quadros – religiosos, étnicos - supostos a
oferecer uma segurança19. De resto, os museus que foram organizados partir dos sítios de Ellis Island, nos Estados Unidos, lugar
de trânsito, de espera e esperança, descrito minuciosamente por Georges Perec20 ou da Hospedaria dos Imigrantes em São
Paulo21 testemunham a importância destes lugares na formação de identidade dos imigrantes.
35 Hoje, estes territórios da espera (afora os espaços engarrafados e os aeroportos) majoritariamente são ocupados por homens
lentoscomo diz Milton Santos22, os pobres do planeta, os excluídos da velocidade que a globalização impõe a todos e a qualquer
coisa. Evidentemente, não se trata de opor a espera à velocidade, isto seria um grave erro. Ao contrário, neste mundo
globalizado caracterizado por um « tempo desorientado», os espaços de espera, dizemos, são os lugares de reformulação da
relação com o tempo. Como, então, pensar o enraizamento territorial dessas identidades e dessas memórias?

Os territórios da espera: aportes disciplinares


36 Esta investigação se inscreve, assim, num encontro entre dois domínios de estudos: o das migrações e deslocamentos, e o da
inscrição territorial das atividades humanas e das identidades sociais. Perante a complexidade destes fenômenos, nenhuma
disciplina sozinha tem competência plena sobre o conjunto destas questões. Só um diálogo interdisciplinar pode oferecer as
condições para o estabelecimento de uma metodologia adaptada ao estudo dos territórios da espera. É por isso que, a fim de
assinalar ou definir as noções, hipóteses e metodologias que estão no coração de nossa análise, se torna indispensável fazer
pontuações sobre o que cada disciplina pode contribuir em seu domínio23.

Por uma história social da espera


37 É preciso reconhecer de imediato: como na maior parte das disciplinas das ciências sociais, a questão dos “territórios da
espera” forma uma espécie de ângulo morto na pesquisa em história. Este vazio historiográfico não deve, entretanto, nos proibir
de estabelecer um estado da arte. Com efeito, diversos trabalhos de historiadores concernentes às migrações e aos
deslocamentos, os campos, lugares de trânsito ou outras formas de internamento, mas também a formação (ou negociação) das
identidades sociais, ou ainda as percepções e usos sociais do tempo, ganham luz através deste prisma.
38 Neste conjunto heteróclito, só um obra - já antiga - poderia fazer figura de exceção - La naissance du purgatoire24. Mesmo
não se tratando de deslocamentos físicos, Jacques Le Goff descreve e analisa a passagem, no Ocidente cristão, de uma
concepção da purgação e da espera como momento indefinido para purgar penalidades, para um lugar de trânsito entre a Terra
e o Céu ou o Inferno: o Purgatório. No meio do século XII a passagem do adjetivo ao substantivo, marca a invenção de uma
geografia do Além e da sua ocupação política. Entre as características deste Purgatório nos centraremos em dois que nos

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interessam de maneira essencial. O tempo como concebido no Purgatório é simétrico ao dos mercadores: as penitências e
indulgências são uma aplicação para o Além das novas artes de quantificar. Além disso, Le Goff insiste no dinamismo da
topografia do Purgatório, «um lugar orientado25 », ou seja, que se percorre desde a entrada até a sua saída. Retemo-nos neste
estudo, para a nossa análise dos territórios da espera, com uma dupla necessidade: a de se interrogar sobre a especificidade da
temporalidade nestes territórios, e a de compreender a dinâmica topográfica em curso destes territórios.
39 Por mais ricas que sejam estas pistas, elas não são por si só suficientes para descrever o que poderia ser uma metodologia
adaptada à análise histórica dos territórios da espera. Uma primeira leitura transversal dos trabalhos que podem se unir a este
domínio de estudo, faz claramente evidenciar que quando há reflexão sobre a espera, falta um pensamento de espaço26, e
quando há pensamento de espaço, este não se associa às formas da espera. É por isso que desejamos conceber este balanço
historiográfico como uma forma de prospecção a fim de medir os desafios metodológicos e heurísticos de uma posição de
correlação entre estes dois domínios de reflexão.

Migração e territórios da espera


40 Comecemos pelos trabalhos sobre as migrações e deslocamentos. Se este campo de estudo se interessa, em primeiro lugar,
com a instalação (ou mesmo assimilação) de migrantes na perspectiva do país de acolhimento, ele foi renovado profundamente
nestes últimos anos, voltando a dar lugar a variedades de percursos e ritmos nos desenrolar desses deslocamentos27,
interrogando-se sobre as condições de partida28. Mas se trata de ir mais além e de se interrogar sobre os “tempos mortos”neste
trajeto.Nancy Green chamou a atenção dos historiadores para os riscos de uma leitura teleológica do percurso migratório,
convidando, ao contrário, a «historicizar os lugares e os momentos de passagem libertando o seu profundo sentido sócio-
antropológico29». Em 2005, em conclusão de sua investigação sobre o deslocamento dos habitantes da cidade de Mazagão do
Marrocos à Amazônia, Laurent Vidal convidava por uma «história social da espera30»: estudar o deslocamento de uma
comunidade significava também dar conta dos tempos e dos lugares da espera, assim como das metamorfoses que lá tomam
lugar. Convidamos assim para uma mudança de paradigma analítico afim de não destacar apenas as seqüencias ou etapas de
um deslocamento, mas também de compreender o que se cria nestes espaços intersticiais, nestes momentos de transição.
41 Os «borderland studies» mudaram o foco sobre as fronteiras como espaço - freqüentemente metafórico - entre dois
31
lugares . Mas eles enfatizaram demasiadamente a construção identitária dos espaços regionais em vez de entender as fronteiras
como lugares de passagem. Os trabalhos de Philippe Rygiel sobre as migrações brancas, ao abordar «as polarizações do espaço
do migrante32», não evocam estes territórios da espera.
42 As grandes investigações sobre o deslocamento dos homens na época moderna ou contemporânea, bem como os portos de
emigração, nunca focaram realmente na vida cotidiana das populações em espera. Camille Marie abordou os problemas
municipais para as cidades de passagem dos emigrados: alojamento, controle… Daniel Roche, com seus Humeurs
vagabondes33, não interroga os territórios da espera. Enquanto ele insiste sobre uma ligação crescente entre movimento e
controle a partir do século XVI, os lugares de inatividade não o preocupam. Evoca apenas albergues, que define como «um
espaço liminar, nem totalmente marginal, nem totalmente integrado34» e cujas atividades dão relevo a uma «economia do
acaso». E o mesmo para Alain Montandon, que coordenou a obra coletiva Le livre de l’hospitalité. Accueil de l’étranger dans
l’histoire et les cultures35, que em nenhum momento visa a uma reflexão específica sobre os lugares de espera do estrangeiro.
Laurent Vidal formulou hipóteses em Mazagão: «Seja a emigração voluntária ou organizada por um poder qualquer, o

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emigrante nunca chega ao porto no mesmo dia da partida. Geralmente são dias ou semanas que deverá esperar - uma
embarcação, uma autorização… E que faz ele durante este tempo? Onde se aloja? O que come? Com quem se encontra? Trata-se
da sua primeira experiência da cidade? Em um porto, os rumores espalhados por marinheiros e taverneiros logo se difundem:
eles conheceram ou ouviram falar do país de destinação. Seria ilusório então pretender que a pessoa que acaba de embarcar é a
mesma que chegou alguns dias ou semanas antes: na verdade, está alimentada das experiências da espera e do lugar de
espera36».
43 Neste veio de pesquisa, se integram também as investigações sobre refugiados e clandestinos. Seja nos trabalhos sobre
diásporamarraneno Novo Mundo (por Nathan Wachtel37) ou sobre os refugiados huguenotes(por Didier Poton et Bertrand Van
Ruymbeke38), se encontram reflexões sobre paisagens de clandestinidade, ou sobre a necessidade de uma história subterrânea,
tantos elementos que poderiam tomar lugar numa reflexão sobre a importância dos territórios da espera no percurso destes
clandestinos ou refugiados. Tomemos o exemplo da diáspora huguenote nas ilhas Caraíbas, errando entre as ilhas francesas,
holandesas e inglesas, em busca de informações para uma instalação definitiva, ou um regresso possível. Estas «ilhas de espera»
que se revelam a posteriori como uma etapa igualmente decisiva num percurso espiritual.

Das ilhas de espera aos dispositivos da espera


44 Porque não aceitar esta metáfora das ilhas da espera e aplicar igualmente aos navios que asseguram a travessia Atlântica? Ao
exemplo de Marcus Rediker, os recentes trabalhos sobre a escravidão, rompem com uma prática historiográfica que considera
os oceanos como «imensos espaços vazios e a-históricos», insistindo pelo contrário no sentido da experiência da passagem do
meio39. Ainda que a pergunta da embarcação como lugar de espera não seja jamais formulada especificamente, Rediker convida
a dar conta de um triplo movimento à obra durante a travessia - violência, resistência, criatividade (nomeadamente social)40.
Considerando o navio negreiro como uma espécie de paradigma analítico, Rediker tem recentemente desejado ampliar, com
outros colegas, esta análise para outras passagens do meio41.
45 E na chegada sobre o continente americano, o que significam os dispositivos (Agamben42) instaurados para o controle
dos candidatos à emigração? Há primeiro as estações de quarentena (lazaretos)43que serão adaptados a partir dos primeiros
movimentos importantes de imigração (nos anos 1830-40), sendo, a partir de fim dos anos 1850, substituídos ao longo de todo
o Atlântico e do Pacífico também, pelos hospitais de imigrantes. Lá, também, os trabalhos tiveram lugar, mas antes numa
perspectiva monográfica44ou em função de um grupo de imigrantes: os italianos em Ellis Island... Mas em nenhum se tentou
compreender de maneira comparada o aparecimento e a organização destes territórios da espera dos candidatos à imigração45.
46 Estas estações ou hospedarias de imigrantes merecem um estudo comparativo: apresentam fortes semelhanças, tanto
na organização da arquitetura interna (serviços médicos, escritórios do trabalho, refeitórios, polícia das fronteiras,
administração…) como sobre o tipo de população que recebem e o ritmo cotidiano. Nesta grande época da industrialização das
sociedades, são usinas de fabricar imigrantes. Após o acolhimento médico, os emigrantes são sujeitos a diversos procedimentos
extremamente regulamentados antes de surgirem com a condição legal de imigrantes. Aqueles com e aqueles sem um acordo
decontratoexperimentampercursos distintos; as mulheres sozinhas ou as crianças não acompanhadas, da mesma maneira que
os velhos, possuem procedimentos específicos. Ainda que diferentes, todas as estruturas visam ao mesmo objetivo: verificar a
adequação do emigrante aos critérios nacionais do imigrante desejado. É o enxerto de um novo elemento ao corpo da nação ao
qual se assiste: o corpo dos imigrantes. A hospedaria assegura precisamente a passagem dos corpos individuais dos emigrantes

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(suas múltiplas histórias, seus diferentes projetos de vida…) ao corpo coletivo dos imigrantes. Listados, catalogados, postos em
quadros (de múltiplas colunas e linhas infinitas) eles compõem uma nova categoria social. No momento das estatísticas sociais
nascentes, eis um grupo facilmente identificável, perfeitamente uniformizado - como um produto industrial. Para retomar a
expressão de Jacques Le Goff, estas hospedarias de imigrantes são também «lugares orientados».
47 Quanto aos campos de refugiados ou de migrantes, ao redor das cidades nas Américas, já foram objeto de numerosas
investigações. O caso do Hoovervilles nos Estados Unidos tornou-se famoso a partir das Vinhas da Ira de Steinbeck: estes
campos de fortuna foram construídos às pressas pelo governo para fazer face à uma situação de emergência e impedir que se
derramassem nas cidades estas populações desfavorecidas. Steinbeck redigiu uma série de artigos sobre estes campos46 que
visitou em 1936, abrindo a via para trabalhos seguintes47. Em Fortaleza (Brasil), o mesmo fenômeno teve lugar, no momento da
grande seca de 1932: vários campos foram construídos para canalizar as de famílias flageladas, e impedir que viessem engrossar
os arredores da capital de Estado e de fato lhes armazenar, esperando que pudessem voltar à sua terra48.
48 Estes trabalhos nunca realmente abordaram a interação entre espaço e espera. É necessário identificar estes diferentes
“campos” e se interrogar sobre as formas do jeitinho dentro destes espaços fechados, controlados e coercitivos. Denis
Peschanski, no seu estudo sobre La France des camps, consagra algumas páginas à espera, tentando distinguir o que é da
competência do horizonte de espera dos internados, e do aborrecimento. Reconhecendo que «a vida nos campos era marcada
pelo aborrecimento e o hábito», que «a ociosidade era dominante49», evoca os conflitos que nascem da promiscuidade(conflitos
entre gerações, perda de intimidade…). Mas reconhece a dificuldade para tratar tal questão: «Se os mecanismos psicológicos são
muito semelhantes na maior parte [dos internados], é bem difícil reconstituir, tão pouca seja, a evolução geral do estado de
espírito. A situação era demasiada diferente de um campo ao outro, uma categoria a outra, para que se pudesse identificar as
linhas de força, os horizontes de expectativa eram muito diferentes para cada um50». Não podemos precisamente nos satisfazer
com esta observação na forma de impotência: compreender a articulação social entre território e espera é precisamente um
desafio.
49 Outro elemento, também, seria de refletir às formas aborrecimento nestes territórios da espera. A psicologia histórica
ainda não tem prestado atenção a esta dimensão da vida social. Ora, o aborrecimento sobre a embarcação, da mesma maneira
que o aborrecimento num campo pode ser apreendido como uma forma de controle dos homens e dos corpos.
50 Pesquisas sobre as práticas memoriais em torno destes territórios da espera foram efetuadas, mas ainda numa visão
mais monográfica que comparada: existem inúmeros trabalhos sobre hospedarias de imigrantes como Ellis Island (New York),
Grosse Ile (Québec), a Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo ou o Albergue dos Inmigrantes de Buenos Aires. O mesmo pode
ser contatado para os campos de refugiados. Ora, trata-se de saber como estes territórios da espera podem ser considerados
como lugares de memória, a exemplo dos campos da seca no Brasil cujos descendentes das famílias de ocupantes organizam a
cada ano procissões para manter a memória.

As tarefas da história
51 Após esta rápida apresentação, pensemos o quanto uma história social da espera deve se concentrar na análise detalhada das
interações entre os territórios e sociedades em espera. Este estado da arte nos permite definir mais precisamente quais serão as
tarefas da história nesta investigação:

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52 - Inicialmente, se tratará de delimitar melhor a especificidade de cada um dos momentos de crise que lançaram homens,
mulheres e crianças sobre as estradas e os oceanos, e que frequentemente os conduziu, sobre estes longos deslocamentos, ao
seu agrupamento, temporário ou duradouro, em territórios específicos. No prolongamento dos trabalhos de Alain Corbin51,
importa por em destaque a historicidade das paisagens da espera. Aqui, interrogaremos a gênese desses territórios, suas
múltiplas formas arquiteturais e suas diversas topografias. Esta análise comparada nos levará a uma atenção específica às
práticas administrativas e sociais das arquiteturas da espera.
53 - As investigações históricas levarão igualmente uma atenção específica às temporalidades específicas aos territórios da
espera: entre o tempo coercitivo da administração, o tempo vivido, pelos que esperam, e o tempo sonhado dos múltiplos
projetos de vida, convirá se interrogar sobre os diversos conflitos temporais que tomam forma nos territórios da espera.
54 - Um terceiro campo de análise pensará sobre a maneira como a experiência da espera, nomeadamente quando se trata de
uma espera que se instala na duração, pode alterar (temporariamente ou duradoramente) as identidades e laços sociais.
55 - A última orientação do trabalho de historiador se referirá ao problema da memória contemporânea desses lugares da
espera, e a forma como entra na definição da identidade dos imigrantes mas também das sociedades; nesta ótica, um lugar
específico será consagrado ao enfoque do patrimônio material ou imaterial. Será necessário também interrogar os dois lados do
Atlântico, países de emigração e de imigração: porque, por exemplo, é mais evidente criar um museu da imigração que da
emigração?

Por uma geografia social da espera


56 Como os historiadores ou os sociólogos, os geógrafos até agora têm negligenciado os momentos e os lugares do entre-deux
para privilegiar o estudo dos fluxos, dos deslocamentos, das dinâmicas sociais e espaciais que permitiriam escapar à armadilha
(real ou imaginária) da monografia estática – herdeira suposta, e hoje difamada, de Vidal de La Blache. Existe assim uma
geografia dos transportes que há muito tempo tem sido considerada como um anexo da geografia econômica, mas não uma
geografia dos tempos de parada e dos lugares da espera. Sabemos que há pontos de ruptura de carga, mas ignora-se o que se
passa quando a mercadoria ouo passageiro estão em espera de transbordo oumudança de veículo. Além disso, esta geografia dos
transportes tende a privilegiar a escala macro-geográfica que lhe permite apreender a complexidade das trocas mundiais ou
estudar os processos de integração regional ou intercontinental (com grande reforço de análises estatísticas) - mas é menos
interessada nas escalas locais, muitas vezes vistas como anedóticas. Ora, é esta escala local que se situa no coração dos
territórios da espera, ainda que estes se inscrevam em sistemas de circulação muito maiores, como o demonstrou Alain Tarrius
ao falar de “territórios circulatórios” para evocar os sistemas estabelecidos pelas comunidades de migrantes oriundos da
margem sul do Mediterrâneo.
57 Mesmo Augustin Berque, cujos trabalhos se inscrevem no cruzamento da geografia e da filosofia não utiliza a noção de espera
para interrogar sobre o sentido que é necessário ou que pode se dar ao território52. Nas suas definições de topos e chôra
fundamentados sobre os escritos de Aristóteles e Platão, ele não leva em conta a duração da estada dos indivíduos ou dos grupos
num espaço que eles irão ou não poder (ou dever) se apropriar de maneira provisória. O «pensamento de espaço» que
caracteriza os trabalhos geográficos negligenciou, geralmente, uma dimensão essencial da nossa condição humana e a nossa
vida cotidiana - dimensão que não escapou a Georges Perec na sua Tentativa de esgotamento de um lugar parisiense, quando
se sentou durante três dias na varanda de diferentes cafés parisienses para tentar captar a essência do lugar de Saint-Sulpice:

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«O meu propósito nas páginas que seguem foi, sobretudo, de descrever o resto: o que não se nota geralmente, o que não se
observa o que não damos importância: o que se passa quando não se passa nada, se não o tempo, as pessoas, os automóveis e as
nuvens»53.

Territórios da espera: o lugar da geografia


58 Longe de procurar estabelecer novas fronteiras entre as disciplinas universitárias e inventar querelas entre os seus
representantes, a investigação coletiva nos territórios da espera impõe uma cooperação entre historiadores, sociólogos e
geógrafos que compartilham o mesmo objeto e não podem analisá-lo sem utilizar a bibliografia, os instrumentos e os métodos
dos seus parceiros. É por isso que parece indispensável centrar a vertente espacial do estudo sobre uma geografia social da
espera situada no cruzamento das reflexões pluridisciplinares sobre o lugar, tempo e a sociedade.
59 O objeto da geografia social é precisamente o estudo das relações que existem entre relações sociais e relações espaciais - estas
correspondendo aos laços afetivos, funcionais e econômicos, políticos e jurídicos ou puramente imaginários que os indivíduos e
os grupos tecem com os espaços geográficos onde vivem, que percorrem ou em que se representam. Para a geografia social, o
espaço carrega constantemente valores que definem as culturas em toda sua variedade, pois integra uma dupla dimensão:
material e ideal. Como assinala Guy Di Méo em Géographie sociale et territoires, as atividades sociais produzem, quase cada
uma, temporalidades específicas. As formas temporais são intrinsecamente ligadas às formas espaciais das construções sociais e
devem ser encaradas no mesmo movimento de interpretação54. Mais perto do indivíduo, há o tempo vivido, percebido, aquele
da experiência sensível. É tentador fazer dele o equivalente do espaço vivido, categoria essencial da geografia social desde o
trabalho pioneiro de Armand Frémont. Cada indivíduo sabe de experiência a plasticidade do tempo, sua subjetividade, sua
capacidade de se estirar, parecer longo ou, pelo contrário, de uma extrema brevidade de acordo com a sua disposição afetiva ou
psicológica, a sua atividade, o seu estatuto ou o seu papel a um dado momento da sua existência. Ainda que Di Méo não
aprofunde esta dimensão na sua obra, a espera desempenha aqui um papel central. O tempo se dilata, mas tem-se a impressão
de que o espaço se retrai: não está mais na dimensão das nossas necessidades (ou das nossas esperas). A espera induz
geralmente uma sensação de cerco.
60 Numa obra mais recente, Pascal Buléon e Guy Di Méo sublinham que, para a geografia social, o nosso espaço é o de nossos
deslocamentos, de nossos movimentos, dos nossos projetos, de nossas representações, nossas práticas e nossa ação. Se trata
então de «apreender a relação, o movimento, as contradições produtivas entre as diferentes esferas da atividade humana, de
delimitar o caráter indivisível e, no entanto, decodificável das espacialidades e temporalidades»55. O problema é que os estudos
geográficos quase nunca levam em conta o momento em que «não se passa nada» (como dizia Georges Pérec em sua Tentativa
de esgotamento de um lugar parisiense), os pontos de suspensão, os lugares de entre-deux, os interstícios do espaço e do tempo
social - os tempos e os espaços que precisamente nos interessam neste projeto. Contudo, certas propostas de Buléon de Di Méo
podem alimentar as nossas reflexões nos territórios da espera, nomeadamente as que se unem para levar em conta o indefinido
e o improvável e para estudar o espaço de vida, ou seja, «a prática concreta dos lugares e o vestígio necessariamente deformado
que deixa nas memórias». É por isso que é essencial reconsiderar a noção de território na construção do nosso objeto de estudo
dado que a espera se dá num sentido novo, introduzindo uma dimensão temporal demasiada negligenciada.
61 Não é por acaso que o primeiro termo do projeto TERRIAT seja a palavra «território». Em Géographie sociale et territoires,
Di Méo, explica que este conceito é essencial na geografia social: «é um instrumento operacional, um método sonhado para

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aprofundar os fenômenos de identidade e de controle, de alteridade, de integração ou de segregação, ou mesmo de exclusão, de


equidade, de igualdade, de justa distribuição das riquezas e meios para produzir-las»56. Este espaço produzido, materializando
o campo de ação, é associado a um espaço percebido e representado (que integra as modalidades de conhecimento ou de
cognição), mas também a um espaço vivido condicionado pelas modalidades de existência humana e por um conjunto (ou um
sistema) de práticas sócio-espaciais. Di Méo define assim o território de acordo com três dimensões que nos interessam
diretamente para compreender como podem ser estudados os territórios da espera: conjunto dos lugares frequentados pelo
indivíduo (espaço de vida), as interdependências sociais que se formam (espaço social) e os valores psicológicos que são lá
projetados e percebidos (o espaço vivido desenvolvido por Frémont). O território aparece assim como a conjunção das noções
de espaço social e de espaço vivido.
62 Tendo em conta a influência do território sobre as interações sociais e sobre a construção das identidades (individuais e
coletivas) nos permitimos passar a um nível superior da análise sócio-espacial: a territorialidade. Uma das definições que
melhor poderia dar conta da noção de espera seria de Raffestin e Bresso que qualificam a territorialidade como «a estrutura
latente do cotidiano, a estrutura relacional, pouco percebida ou não percebida, da cotidianidade»57. Se o território é por
excelência o lugar onde se tecem as relações sociais e onde se desenvolvem as interações, parece desde já necessário bem
distinguir aquilo que se entende por lugar e aquilo que se entende por território. Pascal Buléon e Di Méo sublinham assim que
“se o lugar se define, antes de mais nada, pelas funções e práticas ao mesmo tempo individuais e sociais, o território exprime
sobretudo um sistema de representações, uma ideologia e uma autoridade”58. A questão é saber se os lugares e os espaços de
espera podem ser considerados como territórios. É todo o problema da identificação, da territorialização dos atores, da
construção das práticas sociais induzidas pela espera. Trata-se de «não-lugar» como pôde definir Marc Augé, mesmo tendo ele
voltado atrás quanto às suas primeiras posições? Com efeito, dentre os não-lugares evocados pelo antropólogo, numerosos são
diretamente associados aos fatos da mobilidade e aos processos migratórios, em particular os campos de refugiados ou as
barracas provisórias erigidas pelos migrantes, mas também os pontos de trânsito, os clubes de férias ou as cadeias hoteleiras
que repetem ao infinito a mesma estrutura, a mesma arquitetura de interior, as mesmas paisagens, como as latas de sopa
Campbell pintadas por Andy Warhol.

Os territórios de uma geografia da espera


63 Aos olhos de Guy Di Méo e Pascal Buléon, é a entrada metodológica dada pelo ator que se revela mais fértil para analisar os
conteúdos sociais dinâmicos que permitem configurar os espaços geográficos. O ator está também no centro da reflexão
organizada por Hervé Gumuchian, Éric Grasset, Romain Lajargue e Emmanuel Roux em Les acteurs, ces oubliés du territoire –
obra que insiste na necessidade de tomar em conta ao mesmo tempo a pluralidade das situações possíveis em um dado
contexto, a tipologia dos atores e o quadro tanto espacial quanto temporal de suas interações, afim de identificar e de definir
aquilo que é um “ator territorializado” e quais são suas capacidades reais de ação59. No que diz respeito ao nosso projeto,
abordamos o indivíduo ou o grupo em posição de espera. Mas o ator não é uma pessoa neutra: é por definição uma pessoa que
interage. Daí o paradoxo central que enfrentamos: nas representações colectivas da espera, o sujeito não interage.
Erroneamente é atribuída à espera uma função passiva que não corresponde à realidade das práticas sociais, pois os indivíduos
em posição de espera e os grupos, têm múltiplas actividades que estão alinhados ou não com a sua situação imediata. Tudo
depende do tipo de espera (formal, informal, institucional ou imprevista) e do lugar de espera (um lugar feito para a espera, ou

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um espaço que se torna pela força das coisas um lugar de espera, um lugar «por defeito»). De fato, como nos lembra Gustave-
Nicolas Fischer em uma perspectiva que responde perfeitamente às questões colocadas pelos territórios da espera: “A função
dos lugares produz significações que se manifestam concretamente em sua utilização social , em outras palavras pelos
comportamentos que se exprimem nessas situações”60. Os espaços institucionalizados da espera foram investidos pelo wait
marketing que leva em conta o tempo passado (perdido?) pelos indivíduos em lugares onde se pode captar o seu interesse
fazendo crer que se lhe faz passar o tempo61.
64 O lugar de espera assume então todo seu sentido e se torna uma dimensão essencial do estudo: não é somente uma cena ou
um quadro, como dizia Malte-Brun, mas um ator integrante do processo estudado. Em suma, pode-se dizer que se os lugares
são aquilo o que fazemos deles, eles fazem também aquilo que nós somos. A este respeito, as distinções operadas por Augustin
Berque entre topos e chôra podem se revelar muito úteis62. A fim de compreender a formação e o funcionamento destes
territórios da espera e para encarar seu porvir, é essencial estudar as variáveis que permitem elaborar uma tipologia a partir do
caráter dos territórios (abertos ou fechados), em função das temporalidades e de acordo com os contextos econômicos e sociais
dos atores (ao mesmo tempo a influência do estatuto social do migrante, por exemplo, e aquela da sua origem geográfica). Os
geógrafos assim como o sociólogo devem então se interrogar sobre a durabilidade de tais territórios (vida efêmera, cíclica ou
permanente) levando em conta as evoluções que o afetam - em especial quando se trata de lugares e espaços que participam na
intensificação do fenômeno migratório.
65 Uma segunda interrogação aborda as denominações de espaço onde se inscreve o processo de espera. Com efeito, esta
denominação se identifica a uma primeira forma de apropriação (duradouro ou passageiro, virtual ou empírico, oficial ou
informal…) porque, de certa maneira, nomear é possuir (daí a necessidade de se interrogar sobre a noção de territorialidade e
sobre o processo de territorialização). Como sistema de conhecimentos geográficos, a toponímia qualifica correntemente os
lugares de três maneiras mais ou menos misturadas: simbólica, memorial, prática. Ora, o sentido do atributo espacial de um
nome de lugar varia em função dos indivíduos, da sua idade, do seu itinerário espacial. É pela denominação que o tempo vivido
se inscreve no espaço vivido. Como, então, se estabelece esta relação entre o ator (usuário, passivo, ativo…) e o território, de
acordo com o seu estatuto e com a sua cultura? Se existem salas de esperas, grandes vestíbulos e lugares de espera reconhecidos
e batizados como tais, como se apreendem (se qualificam ou se desviam do uso) pelos que frequentam de maneira mais ou
menos provisória, de maneira mais ou menos voluntária? Trata-se, além disso, de saber como são designados os espaços da
espera que não são concebidos para este uso e que são desviados da sua função.
66 Neste domínio, outra dimensão deve ser levada em conta: a publicidade dos lugares da espera. Se for verdadeiro que se pode
esperar nele, a espera como atividade específica se concebe num espaço ou um lugar público que provoca interrelações com
outras pessoas em estado de espera ou com indivíduos e grupos encarregados de gerir ou organizar a espera. Teremos então de
fazer referência aos trabalhos em psicogeografia de Abraham Moles63, e à noção de copresença elaborada por Isaac Joseph.
Pode-se considerar a espera como um esporte solitário ou como um jogo coletivo?
67 Atualmente, no quadro de um estudo dos territórios da espera, é sem dúvida na noção de habitar que a geografia deve
procurar pistas de investigação para desenvolver. A obra de Olivier Lazzarotti, Habiter: La condition géographique, propõe a
esse respeito numerosas perspectivas quando afirma, por exemplo, que «habitar repousa sobre a idéia de que ao cruzamento do
«onde se está» e do «como se é lá», se encontra o «quem somos» ou, mais precisamente, a parte geográfica desse «quem
somos», em outros termos, a parte da geografia que entra na elaboração da identidade global dos homens, mas que, também,
participa da sua construção. Isto já foi dito: estar aqui ou lá, passar aqui ou lá, ir daqui pra lá, não é nem indiferente nem trivial
uma vez que a multiplicidade das situações reflete apenas aquela dos habitantes do mundo»64. Considerando-se que a

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mobilidade é uma das condições modernas das formas do habitar, Mathis Stock não hesita em propor quanto a isso a noção de
“habitus mobilitário”65, fundada sobre a capacidade dos indivíduos de fazer face a lugares que lhes são estrangeiros e lhes tornar
familiares – processos de apropriação do espaço e de territorialização que devem efetuar os migrantes em situação de espera,
sobretudo quando sua espera se eterniza. A abordagem sensível, fenomenológica e existencial dos lugares induzida por esse
estudo das formas de habitar o espaço conduz Olivier Lazzarotti a falar do indivíduo não somente como ator, mas também como
autor de sua geografia – em outros termos, de sua inscrição no espaço. Essa noção de autor, inspirada em Michel Foucault66
deve permitir melhor compreender como o habitante de um lugar (mesmo se ele não o habita que de maneira provisória,
sabendo ou esperando que seu tempo de residência seja apenas provisório), pode aí se inscrever de maneira ao mesmo tempo
singular e sintética a partir dos instrumentos que ele partilha como todo o mundo – ou ao menos com o grupo do qual ele faz
parte67. Essa abordagem sensível dos lugares e dos fatos sociais pode se inscrever na perspectiva da geografia da experiência,
teorizada por Yi-Fu Tuan, geógrafo norte-americano de origem chinesa que se interessa pela maneira pela qual os indivíduos,
no seio de um grupo e de uma cultura, percebem e constroem sua realidade topológica graças a um fluxo contínuo de
alimentação simbólica entre memória (os lugares passados) e antecipação ou projeção (em direção aos lugares a vir)68.
68 No domínio mais específico das migrações, o olhar dos geógrafos deverá, assim, se prender à maneira como as sociedades de
migrantes dão forma a territórios investidos do tempo de todo tipo de espera - da simples parada à espera de vários meses numa
cidade fronteiriça, sem esquecer aquilo que denomina-se migração por etapas (step migration), como sublinha Laurent Faret
em seu estudo sobre os percursos dos imigrantes mexicanos que se instalam nos Estados Unidos69. A step migration, que se
aplica a todos os deslocamentos que um indivíduo (ou uma família) realiza no espaço e no tempo para atingir seu objetivo ou
para responder a situações particulares, não faz referência direta à espera como elemento estruturante de um percurso
individual. No entanto, a espera (como noção e como prática) pode explicar processos estratificados, hierárquicos e não-lineares
que combinam migração e mobilidade (geográfica e por vezes social, para o alto ou para baixo). Que elas façam ou não parte de
uma “migração em etapas”, as circulações migratórias, longe de serem lineares e contínuas, são semeadas de paradas e espera.
Estes tempos mortos no trajeto dos migrantes podem ser devido aos riscos das práticas e técnicas de deslocamento (mudança de
meio de transporte, de paradas, avarias…). Territóriosnascem, assim, comoresultados dessaspausasque marcamas trajetórias:
se constroem a partir das práticas dos migrantes em espera que se apropriam de maneira temporária. Este campo de estudo
comporta um caráter inovador pelo fato de se concentrar em espaços intersticiais. Ele se focaliza sobre um entre-deux espacial
(entre lugares de partida e de chegada) e se interessa por um tempo de incerteza que prevalece numa situação de passagem, à
intersecção entre a projeção no futuro (o destino) e a permanência de um passado mais ou menos repelido (nomeadamente das
informações identitárias) que marca a organização das sociedades sobre o lugar… No cruzamento entre geografia e sociologia
toma lugar uma geografia social, onde a psicologia da espera determina a maneira como os homens se apropriam de um espaço
na medida (e à medida) das suas capacidades.

Por uma sociologia dos territórios da espera


69 Se não existe, propriamente, um estudo da sociologia dos territórios da espera, seria errado dizer que os sociólogos os
ignoraram nas suas investigações. Os exemplos são tão numerosos que desencorajam qualquer tentativa de inventário.
Consideremos, por esta razão, apenas alguns que possuem uma relação direta com os campos de estudos do projeto TERRIAT.

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70 A sociologia das migrações insistiu largamente nas perturbações que os fenômenos migratórios provocaram tanto sobre os
espaços de partida, de chegada e de viagem quanto sobre as identidades dos indivíduos e dos grupos que lá se encontram70. A
aldeia de onde o migrante sai, a cidade onde se encontra o passador que pode lhe fazer cruzar a fronteira e o lar de
trabalhadores imigrados onde reside são, entre outros, igualmente territórios da espera intrinsecamente ligados dos quais se
deve compreender os agenciamentos e temporalidades distintas. O que é para grupos familiares viver na espera do regresso dos
partidos em migração, e o que é, para os que partiram, esperar este momento? O que vivem osrequerentes de asilo nas zonas
aeroportuárias e nos centros de refugiados onde esperam que as autoridades locais lhes atribuam o estatuto de refugiado? Quais
tipos de relações sociais se estabelecem entre migrantes e autóctones nos espaços de trânsito? Como os lugares (associativos,
religiosos, recreativos) frequentados nos países de recepção permitem a eles viver a espera da realização do projeto migratório?
71 A situação de espera tem sido estudada como indicativo das diferenças de poder. Numa obra que tornou-se um marco, Barry
Schwartz estabeleceu finamente que o fato de esperar e a capacidade de fazer esperar obedecem a princípios identificáveis
daquelas sociedades contemporâneas e que não possuem o mesmo sentido de acordo com o estatuto social de um indivíduo71.
Convém, então, sempre se perguntar não somente sobre o que faz esperar e quem espera, mas também sobre quem não esperar
e onde os que esperam o fazem e como. O que é esperar na emergência de um hospital, e sob que pretexto pode-se receber
atendimento antes da vez? Como se espera ser recebido por uma autoridade, e quem pode ser imediatamente recebido por um
ministro?
72 É, contudo, no estudo das filas de espera que os sociólogos abordaram mais diretamente, sem dúvida, a pergunta dos
territórios da espera. Da forma como se constituem e funcionam subjaz uma quantidade de análises sobre a produção e o uso
das normas sociais, indicando que tomar lugar em uma fila acaba não sendo tão trivial como parece72. Como observam os
etnometodologistas, uma fila de espera pode existir apenas porque é reconhecida como tal pelos que a constituem e que existe
um acordo sobre a idéia de uma ordem de passagem. Não se faz, de resto, uma fila da mesma maneira numa caixa de um
supermercado, na ópera e na frente de uma loja na manhã da abertura das liquidações. Quem viaja também constata que não se
espera necessariamente a sua vez similarmente de um país ao outro. Aqui, a fila de espera na frente de um guichê se ordena
simplesmente pela única ação de indivíduos que se alinham tranquilamente uns de trás dos outros. Lá, é necessário, ao
contrário, um dispositivo material (barreiras) e a presença de um terceiro (vigia) para produzir o alinhamento e evitar a
aglomeração.

Situar-se no encontro entre o que inscreve e o que separa espacialmente


73 A sociologia, no entanto, não tirou todo o partido possível do estudo dos múltiplos territórios da espera no mundo
moderno. Este déficit analítico não se refere à ausência de articulação entre um quadro espacial e uma temporalidade nas
investigações sociológicas, mas, como bem mostrou Jean-Samuel Bordreuil a propósito da sociologia urbana, refere-se a uma
tensão recorrente entre os estudos das formas de inscrição espacial e aquele dos movimentos no espaço73. De fato, os sociólogos
privilegiam o estudo dos modos de apropriação do espaço por uma população (os bairros de imigração italiana nos Estados
Unidos, por exemplo), e tendem a fazer decorrer a construção das identidades pessoais e coletivas da capacidade dos indivíduos
de se ancorar territorialmente, negligenciando, assim, frequentemente, aquilo que nestes processos excede o território
identificado (o fato, entre outros, de trabalhar num outro bairro, de pertencer a um grupo religioso transnacional ou ter relações
fortes com pais que residem em outras cidades). Outros sociólogos, pelo contrário, insistem na desterritorialização crescente

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das relações sociais devida ao crescimento dos deslocamentos e ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação, e perdem
de vista, frequentemente, a inscrição espacial de muitas atividades humanas. O entusiasmo para o estudo das redes e as
mobilidades exprime bem esta última tendência. Em um livro que poderia ser considerado como um manifesto de reformulação
do projeto disciplinar da sociologia, John Urry conclama a abandonar a ideia de sociedade pensada em relação ao Estado-nação
e se interessar pelo movimento e pelas diferentes formas de mobilidade (físicas, virtuais e imaginárias)74. As transformações das
sociedades contemporâneas durante as últimas décadas têm, argumenta ele, aumentado consideravelmente as relações que
existem entre espaços geograficamente distantes, tornando-se importante inventar novos conceitos e novos métodos capazes de
dar conta dessas transformações. Mas, aqui ainda, insistindo em tudo aquilo que cruza as fronteiras nacionais ou as torna
porosas, Urry cede à tentação de esquecer que a ascenção de mobilidades de todo tipo está longe de ter dissolvido a consistência
do espaço físico delimitado por estruturas estatais, como nos recordam notadamente os limites impostos para os deslocamentos
dos migrantes.
74 Ora, compete precisamente a qualquer sociologia dos territórios da espera de ter em conjunto, de um lado, aquilo que se
ergue da inscrição dos indivíduos em um espaço e, por outro lado, o que procede das possibilidades que se tem de se extrair
deles física, virtual ou imaginariamente. Nesta perspectiva, seria necessário, prestar atenção específica ao que hoje se faz
nomear «os objetos dos territórios da espera», a começar pelos computadores portáteis e outros smartphones, dos quais sabe-
se que dispor ou não pode alterara espera num lugar, quer esteja prevista ou não, tanto para o viajante como para aqueles com
os quais se relaciona.

Território da espera e situações de interação


75 Dar-se por objeto os territórios da espera conduz ao estudo das situações de interação às quais eles dão forma. O que é, de
fato, esperar num território se não ser levado frequentemente a compartilhar um mesmo espaço com uma ou várias pessoas? O
encontro com a obra de Erving Goffman e os debates que ele suscitou é incontornável aqui, especialmente quando a espera
reúne indivíduos socialmente muito distantes ou de origens diferentes. Pensemos na espantosa diversidade dos usuários do
metrô nas horas de pico, à coabitação forçada num elevador imobilizado entre dois andares ou passageiros em trânsito tendo
que coexistir em um saguão de aeroporto num dia de greve. Quando experimentada, a espera não tem nada de uma atividade
passiva. Ela supõe, ao contrário, estar atento ao comportamento dos outros e de cooperar para o melhor uso de um espaço raro.
Mas o que se passa exatamente nestas situações? Quais regras prevalecem então para chegar a um acordo mínimo que permita
viver da melhor forma possível conjuntamente nestes territórios da espera? Constituindo a situação de interação em unidade de
análise específica, Goffman oferece uma chave de leitura para responder a estas perguntas75. Ele enfatiza particularmente o fato
de que a interação é uma ordem social integral, cujo funcionamento tem uma autonomia relativa em relação à ordem social
mais geral ou, em outras palavras, que as normas sociais da sociedade global não determinam necessariamente o que acontece
em situações de interação. Goffman fala do «acoplamento solto» (loose coupling) entre o nível macrossociológico e o nível
microssociológico da interação. Para se ter uma ideia melhor, tomemos o caso de uma estação onde uma pessoa de aparência
idosa em pé espera o trem. Uma regra social largamente admitida, e habitualmente lembrada em cartazes, recomenda que
pessoas mais jovens cedam o lugar nos bancos reservados para a espera. Ora, a observação deste tipo de situação mostra que
este comportamento não tem nada de sistemático. Pode resultar de uma recordação da regra geral («Homem jovem, este é um
lugar reservado»), um incidente entre o que continua sentado e o que espera («não se tem mais respeito hoje em dia») ou uma

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advertência de um terceiro («você poderia se levantar»). Mas pode ser que, às vezes, o passageiro que é convidado a se sentar
não o faça, seja agradecendo ao que se levanta pela sua intenção, seja, mais raramente, com indelicadeza, indicando-lhe ser um
usuário comum que não pediu nada («Acha que sou velho?»). Uma perspectiva goffmaniana sobre os territórios da espera
convida, em consequência, a considerá-los não como miniaturas que refletem dinâmicas maiores, mas como espaços instáveis
onde nada é inevitavelmente desempenhado antecipadamente.
76 A ordem da interação descrita por Goffman foi objeto de numerosos comentários para os quais não há espaço para
retomar aqui. Há, contudo, pelo menos uma referência que concerne a uma investigação interdisciplinar nos territórios da
espera: a questão da historicidade da ordem da interação. Ainda que Goffman a apresente como universal, seus críticos
sublinham que este nível de análise é determinado largamente pelo contexto sociocultural que o cerca. Consideremos, outra vez,
a espera na estação que se propôs anteriormente. Sabe-se que existem zonas de espera definidas em função das características
dos viajantes: bancos reservados aos brancos na África do Sul do Apartheid ou, de certa forma por toda a parte no mundo, uma
sala de espera mais confortável para os que viajam em primeira classe. É, portanto, essencial se interrogar como as interações
nos territórios da espera foram configuradas historicamente. Para permanecer nos trilhos da ferrovia, o acesso às plataformas
das estações foi objeto de regulamentos progressivos que proibiram vendedores ambulantes e aqueles que não adquiriam um
direito específico (o «bilhete de plataforma») para acompanhar os passageiros até a beira dos trilhos76. Uma investigação
sociológica sobre um território da espera não poderá, assim, evitar se perguntar se a sensibilidade à espera variou ao longo do
tempo, ou quando e ao termo de quais processos as diferentes formas de organização territorial da espera se instauraram ou
foram abolidas. Ela poderá, também, considerar que a espera se faz num registro específico dos conjuntos sociais onde os
indivíduos se consideram iguais em direito. Porque, como nota Danilo Martuccelli, Goffman é um sociólogo da fragilidade do
mundo social que localiza no coração de sua sociologia a dificuldade da interação nas sociedades democráticas igualitárias, onde
cada um estando fundamentado para exigir o direito à igualdade de tratamento, qualquer manifestação de uma diferença ou de
uma hierarquia ameaça romper as relações interindividuais77. Seu interesse por aquilo que se representa numa fila de espera é
uma evidência. Aqueles que fazem a fila podem bem ter posições sociais diferentes, mas se arrumam um atrás dos outros
dependendo do momentode sua chegadae se esforçam parafazer valero princípio de ordem78. Qualquer desvio a esta forma de
organização territorializada supõe poder se justificar em circunstâncias específicas (pessoas doentes ou fracas, mulheres
grávidas, adultos acompanhados de crianças menor idade). Se as regras de precedência determinam a ordem de passagem nos
universos hierarquizados, onde os códigos de comportamento diferem em função do status social, a auto-organização de uma
fila só é de fato possível se os participantes se reconhecem numa situação de igualdade fundamental face aos outros.

Fazer do território da espera uma análise do social


77 A herança de Goffman convida, constata-se, a constituir os territórios da espera em uma análise do social sem ignorar sua
historicidade. Seu estudo sociológico implica, portanto, considerá-los como unidades específicas de análise que poderiam lançar
luz sobre outras dimensões negligenciadas por outros enquadramentos espaciais e temporais. Sem ceder ao determinismo
histórico, o sociólogo da espera deverá estar atento ao que contribuiu para a formação e a evolução de um território da espera
para poder compreender suas dinâmicas em curso. Nas investigações sobre as migrações internacionais, se trata de recordar os
constrangimentos estruturais impostos por políticas migratórias restritivas que limitam os deslocamentos79 e não esquecer a
capacidade dos indivíduos de se libertar para viver em mundos que abrangem vários Estados80. A sociologia dos territórios da

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espera se inscreve, assim, na perspectiva que Nancy Green denominou como uma “abordagem intermediária” quando chama a
superar a dicotomia entre estrutura coercitiva e vontade individual que organiza os estudos migratórios81.
78 Uma investigação sociológica sobre um território da espera se esforçará em propor uma descrição detalhada. A observação
participante é sem dúvida um método de colecta de dados a se privilegiar. Fazendo ele mesmo a experiência da espera no
território que estuda, o investigador poderá melhor mostrar os acordos e as tensões entre os que o compõem. Deverá nesta
intenção identificar os objetos, as posturas e os conhecimentos da espera. Como se faz a espera? Como se preenche o tempo?
Como se aprende a esperar? Ou, ainda, em que momento a espera se torna insuportável? Os territórios da espera são, assim, tão
interessantes por permitirem revelar ao mesmo tempo as rotinas sem as quais a vida social é impossível, bem como os
sentimentos de injustiça produzidos por situações de espera imputáveis à autoridades.
79 A sociologia dos territórios da espera tem também a vocação de lhes considerar como propícios à construção identitária.
Podem, a esse respeito, serem encarados sob duas maneiras analiticamente distintas. A primeira se concentrará em destacar a
constituição de grupos nesses espaços-tempos, se interrogando sobre em quais condições a experiência compartilhada da
espera, sobre um mesmo território, facilitam a constituição de uma identidade coletiva82. Quando e como o atraso regular de
uma linha de trem provoca a constituição de um coletivo de usuários? Quais fatores conduzem uma multidão cansada de
esperar o abastecimento de uma loja a saquear suas vitrines? Ao fim de quais processos a espera de datas de liberações muito
diferentes provocam o aparecimento de um protesto comum dos prisioneiros? A segunda abordará a construção das
identidades pessoais. Há territórios da espera propícios na elaboração de um discurso sobre si? Nessa ótica, Dominique Vidal
analisou os quartos de empregadas, onde vivem numerosas mulheres trabalhadoras domésticas no Brasil, como «um suporte
territorial da identidade pessoal83». Mas poderia-se a esse respeito igualmente pensar a espera do porteiro na portaria do
edifício ou a do prisioneiro na sua cela. Esta abordagem, que enfatiza o quanto o significado de um determinado recurso,
depende do contexto e do ator consiste em sublinhar quanto a relação e os usos de um mesmo espaço podem sustentar formas
de construção identitária diferentes de acordo com as características sociológicas de um indivíduo ou o sentido que ele dá à sua
trajetória. Também a experiência da espera sobre um mesmo território pode se lastrar de práticas e significados diferentes.
80 De muitas maneiras, a sociologia dos territórios da espera permite, compreensivelmente, renovar uma perspectiva disciplinar
dando um novo alento a uma das questões que têm na sua origem a influência do social ante os comportamentos e as práticas.
81 Ao termo desta apresentação dos desafios metodológicos e dos grandes eixos de investigação que mobilizam uma pesquisa
interdisciplinar sobre os territórios da espera, sublinhamos dois pontos essenciais. O primeiro é que cada estudo nos propõe o
desafio de compreender o agenciamento específico, que toma forma nas múltiplas situações de espera, entre espaço, tempo e
sociedade. Este tríptico é a pedra angular de qualquer análise dos territórios da espera: compreender a sua gênese, o seu sentido
e a sua evolução, tais são nossos desafios. O segundo ponto, decorrendo do primeiro, é que tais investigações não podem ser
empreendidas sem um diálogo interdisciplinar, sem o empréstimo (ou mais precisamente, um deslizamento disciplinar) de
conceitos ou metodologias. O estabelecimento de uma tipologia dos territórios da espera, da mesma maneira que o estudo das
relações entre formas de sociedades e tipos de espaços ou a análise das identidades móveis nestes territórios da espera,
necessita, assim, do diálogo entre historiadores, geógrafos e sociólogos (sem esquecer os especialistas da literatura que podem
abrir pistas úteis de investigação, notadamente sobre os lugares de memórias das sociedades em espera: cidades fronteiriças ou
portos de partida, ponte da embarcação ou plataforma do trem, ilhas ou muros…).
82 É, portanto, a reformulação de um paradigma analítico das sociedades contemporâneas que ambiciona este projeto. Estas
«sociedades líquidas» (para retomar um conceito de Zygmunt Bauman84) são tomadas por mobilidades incessantes, mas elas se
dotam também de dispositivos (visíveis ou invisíveis) para por em espera e controlar as populações em deslocamento. Para uma

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observação implícita destas sociedades, privilegiando as situações de desequilíbrio social, espacial e identitário, procuramos
descrever e compreender as margens da política, enclaves onde se inventam as sociedades modernas e as suas identidades - os
territórios da espera.
83 4 Michael Edwards, Éloge de l’attente. T. S. Eliot et Samuel Beckett, Paris, Belin, 1996, p.65.
84 9 Giorgio Agamben, Homo sacer II, 1. État d’exception, Paris, Seuil, 2003
85 11 Em Approches de la poésie, Roger Caillois define a poética: « Eu chamo de “poética” todos estes “sinais” de inteligência
que , além das palavras e dos poemas, maspara incluircomo intercessoresprivilegiadospara alémdos objetos, coisas, emoções,
situações, dátodoso espaço de umapercepção a segunda de umenigmaqueele pediuque não ésem inocênciao único coma chave».
(Paris, Gallimard, 1978, p. 254).Este sentimento depercepção completonos levaà famosatesen º VdeWalterBenjamin: «A
verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. Imagem que surge para apenas desaparecer no memento seguinte. A verdade
imóvel que faz esperar o investigador não corresponde ao conceito de verdade na história». (« Thèses sur le concept d’histoire »,
1940, in : Ecrits français, Paris, Gallimard, 1991, p. 341).
86 19 Jean-Claude Kaufmann, L’invention de soi, une théorie de l’identité, Paris, Hachette, coll. Pluriel, 2005
87 21 Soraya Moura, Memorial do Imigrante. A imigração no estado de São Paulo, São Paulo, Imprensa Oficial, 2008.
88 22 Milton Sanros, A natureza do espaço : técnica e tempo, razão e emoção, São Paulo, Hucitec, 1996.
89 31 Ver por exemplo os trabalhos de Richard White, The Middle Ground: Indians, Empires, and Republics in the Great Lakes
Region, 1650-1815, Cambridge University Press, 1991 ; Daniel Nordmann, Frontières de France. De l'espace au territoire XVIe-
XIXe siècle, Paris, Gallimard, Bibliothèque des histoires, 1998
90 32 Philippe Rygiel, Le temps des migrations blanches. Migrer en occident (1840 – 1940), Paris, Aux lieux d’être, 2007
91 38 Didier Poton, Bertrand Van Ruymbeke, « Elie Neaud, « galérien pour la foi » (1662-1722) », in Mickaël Augeron, Mathias
Tranchant, La violence et la mer dans l’espace atlantique, Rennes, PUR, 2004, pp. 325-336.
92 39 Peter Linebaugh and Marcus Rediker, The Many-Headed Hydra: Sailors, Slaves, Commoners, and the Hidden History of
the Revolutionary Atlantic, Verso, London and New York, 2000 ; REDIKER, Marcus, The slave ship : a human history,
Londres, John Murray, 2007.
93 41 Marcus Rediker, Emma Christopher, Cassandra Pybus, Many Middle Passages: Forced Migration and the Making of the
Modern World, University of California Press, 2007
94 45 Aprimeira tentativateve lugar (justamente nos estudos do projeto ANR TERRIAT) com a investigação conduzida por
Maria Isabel de Jesus Chrysostomo e Laurent Vidal sobre a aplicação dashospedariasde imigrantespara o Brasilnos anos 1870-
1930: «As hospedarias de imigrantes no Brasil: Um dispositivo esquecido no caminho da emigração para o Brasil (1880’s –
1930’s) » (conferência pronunciada no simpósio internacional do Institute for Latin American Studies, Freie Universität de Berlim,
“Brazil in Global Context (1870-1945)” 27-28 de outubro de 2011).
95 63 Abraham Moles, « Vers une psycho-géographie », in Antoine Bailly, Robert Ferras, Denise Pumain (dir.), Encyclopédie de
la géographie, Paris, Economica, 1995.
96 74 John Urry, Sociologie des mobilités. Une nouvelle frontière pour la sociologie ?, Paris, Armand Colin, 2005 (2000).
97 80 Para uma melhor compreensão desta abordagem conferir Alain Tarrius, La remontée des Sud. Afghans et Marocains en
Europe méridionale, La Tour d’Aigues, Éditions de l’Aube, 2007.

Notas
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1 ANR TERRIAT é um projeto quadrienal (2011-2014), financiado pela Agence Nationale de la Recherche (França) e sua dimensão é
internacional e interdisciplinar - site: http://terriat.hypotheses.org.
2 Literalmente “entre-dois”. Esta expressão evoca uma situação intermediária, instável
3 O objetivo do “on hold marketing” é de aproveitar dos tempos de espera (numa comunicação telefônica, nos aerportos e outros lugares de
espera) para a difusão de mensagens publicitários.
5 Thomas Mann, evocandoum homem que esperapara a distribuiçãosemanal decorreio,observou: «Dizem que é enfadonho esperar. Mas ao
mesmo tempo, e mais propriamente, é divertido, porque assim devoramos quantidades de tempo sem as viver e explorar como tais.
Podereríamos dizer que o homem que apenas espera se parece com um comilão cujo aparelho digestivo deixa passar as massas de comida sem
lhes assimilar os valores nutritivos e proveitosos.» (La Montagne magique).
6 Franck Lestringant, Le livre des îles. Atlas des récits insulaires de la Genèse à Jules Vernes, Paris, Droz, 2002, p. 13.
7 Michel Foucault, « Des espaces autres. Hétérotopies », in Dits et Écrits 2, Paris, Gallimard, 2001, pp. 752-762.
8 Henri Desroche, Sociologie de l’espérance, Paris, Calmann-Lévy, 1973 ; Henri Desroche, Dieux d’hommes. Dictionnaire des messianismes
et millénarismes de l’ère chrétienne. Contribution à une sociologie de l’attente, Paris, Mouton, 1969.
10 Esta pergunta foi feita por Jean Duvignaud, Paul Virilio e Georges Perec na revista Cause Commune (« le pourrissement des sociétés »,
1975) em que Perec publica sua « tentative d’épuisement d’un lieu parisien ».
12 René Char, Feuillets d’Hypnos, n°213 (recueil de poèmes publié en 1946).
13 René Char, Aromates chasseurs, Paris, Gallimard, 1975.
14 Aimé Césaire, Moi, Laminaire, Paris, Seuil, 1982.
15 Stéphane Beaud, « Un temps élastique », Terrain, Numéro 29, « Vivre le temps », septembre 1997, pp. 43-58
16 Giorgio Agamben, Homo Sacer, II, 2, Le Règne et la Gloire. Pour une généalogie théologique de l’économie et du gouvernement. Paris,
Seuil, 2008
17 Marc Augé, Non-lieux. Introduction à une anthropologie de la sur-modernité, Paris, Seuil, 1992, p. 130.
18 Michel Agier, Gérer les indésirables. Des camps de réfugiés au gouvernement humanitaire, Paris, Flammarion, 2008, p. 102.
20 Georges Perec, Ellis Island, Paris, POL, 1995.
23 Para uma bibliografia geral ver oestado da artepreparado por Grégory Bériet e acessar o blog ANR TERRIAT
http://terriat.hypotheses.org/293.
24 Jacques Le Goff, La naissance du Purgatoire, Paris, Gallimard, 1981.
25 Idem, p. 453.
26 Franck Lestringant, Le livre des îles. Atlas des récits insulaires de la Genèse à Jules Vernes, Paris, Droz, 2002, p. 31. Voir aussi Gilles
Deleuze, L’île déserte et autres textes, Paris, Editions de Minuit, 2002.
27 Camille Maire, En route pour l'Amérique, L'odyssée des émigrants en France au XIXe siècle, Nancy: Presses Universitaires de Nancy,
1993
28 Nancy Green, François Weil, Citoyenneté et émigration : Les politiques du départ, Paris, Éditions de l’EHESS, 2006.
29 Nancy Green, « Trans-frontières : pour une analyse des lieux de passage », Socio-Anthropologie, Revue interdisciplinaire de sciences
sociales, n° 6, Passages, 1999, p. 48.
30 Laurent Vidal, «Por uma história social da espera», in Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico. Do Marrocos à Amazônia (1769-
1783), São Paulo, Martins Fontes, 2008, pp. 275 – 282. Ver também: Laurent Vidal, «Cidades em espera, sociedades em espera no Brasil
colonial : alguns desafios metodológicos». In: Fania Fridman; Mauricio de A. Abreu. (Org.). Cidades latino-americanas. Um debate sobre a
formação de núcleos urbanos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010, p. 53-62.

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33 Daniel Roche, Humeurs vagabondes: de la circulation des hommes et de l’utilité des voyages, Paris, Fayard, 2003.
34 Idem, p. 518
35 Alain Montandon, dir., Le livre de l’hospitalité. Accueil de l’étranger dans l’histoire et les cultures, Paris, Bayard, 2004.
36 Laurent Vidal, Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico. Do Marrocos à Amazônia (1769-1783), São Paulo, Martins Fontes, 2008, p.
278.
37 Nathan Wachtel, La Foi du souvenir. Labyrinthes marranes, Paris, Editions du Seuil (La Librairie du XXIe siècle), 2001
40 Edward Laxton (The famine ships. The Irish exodus to America, New York, Holt Paperback, 1998) coletahistóriasde viagens, umas mais
terríveisdo que outras, mas sem qualquer reflexão sobreo barcocomo um lugar/espaço confinadoda travessia.
42 Giorgio Agamben, Qu’est-ce qu’un dispositif ?, Paris, Payot & Rivages, 2007
43 Ver a esterespeitoas hipótesesde trabalho dohistoriador Grégory Bériet e acessar o blog ANR TERRIAT: « La quarantaine, territoire de
l’attente : quelques réflexions épistémologiques (1 et 2) » [http://terriat.hypotheses.org/75 ; http://terriat.hypotheses.org/325]
44 Para os Estados Unidos, ver o recente estudo de Vincent J. Cannato, American Passage. The history of Ellis Island, New York, Harper
Collins, 2009. O autor reconheceem sua introduçãotambém: « this book is a biography, not of a person, but of a place, of one small island in
New York Harbor that crystallized the nation’s complex and contradictory ideas about how to welcome people to the New World » (14).
46 John Steinbeck, The Harvest Gypsies. On the Road to The Graps of Wrath, Berkeley, Hayday Books, 1988.
47 John M. Crouse, Joan M. The Homeless Transient in the Great Depression: New York State, 1929–1941, The New York University Press,
1986 ; Christina Anne Sheehan Gold, Hoovervilles: Homelessness and Squatting in California during the Great Depression, PhD dissertation
U. of California, Los Angeles, 1998.
48 Raimundo Alves Araujo, Edvanir Maia de Silveira, « A cidade e a seca: o campo de concentração de 1932 e as transformações urbanas em
Ipú-CE », Revista da Casa de geografia de Sobral, Sobral, vol. 8/9, n°1, pp. 99-110, 2007.
49 Denis Peschanski, La France des camps : l'internement 1938-1946, Gallimard, 2002, p. 411 et p.412
50 Idem, p. 418.
51 Alain Corbin, L’homme dans le paysage, Paris, Textuel, 2001.
52 Augustin Berque, Écoumène. Introduction à l’étude des milieux humains, Paris, Belin, 2000, pp. 18-30.
53 Georges Pérec, Tentative d'épuisement d'un lieu parisien,Paris, Bourgois, 1975.
54 Guy Di Méo, Géographie sociale et territoires, Paris, Nathan, 1998, p. 21.
55 Guy Di Méo et Pascal Buléon, L’Espace social. Lecture géographique des sociétés, Paris, Armand Colin, 2005, p. 10.
56 Guy Di Méo, 1998, Op. cit., p. 5.
57 Claude Raffestin, et Mercedes Bresso, « Tradition, modernité, territorialité », in Cahiers de géographie du Québec, 1982, n°68, pp. 186-
198
58 Guy Di méo et Pascal Buléon, Op. Cit., 2005, p. 88.
59 Hervé Gumuchian, Éric Grasset, Romain Lajargue et Emmanuel Roux, Les acteurs, ces oubliés du territoire,Paris Economica, 2003.
60 Gustave-Nicolas Fischer, La psychologie de l’espace, Paris, PUF, “Que sais-je?” n° 1925, 1981, p. 96.
61 http://blogs.ecoles-idrac.com/WaitActive/Cartographie-des-lieux-d-attente
62 Augustin Berque, Écoumène. Introduction à l’étude des milieux humains, Paris, Belin, 2000, pp. 18-30.
64 Olivier Lazzarotti, Habiter. La condition géographique, Paris, Belin, 2006, p. 21.
65 Mathis stock, “L’habiter comme pratique des lieux géographique”s, EspacesTemps. Net
(http://www.espacestemps.net/document1138.html, consulté le 19 septembre 2011)
https://journals.openedition.org/confins/7274 21/23
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66 Michel Foucault, L’ordre du discours, Paris, Gallimard, 1971.
67 Olivier Lazzarotti, Op. Cit,, 2006, pp. 228-229.
68 Yi-Fu Tuan, Espace et lieu, la perspective de l’expérience, Paris, Infolio, 2006.
69 Laurent Faret, Les territoires de la mobilité. Migration et communautés transnationales entre le Mexique et les États-Unis, Paris, CNRS
Éditions, 2003, p. 61.
70 As obras deAbdelmalekSayadvêm à mentea este respeito. Cf. Abdelmalek Sayad, La double absence. Des illusions de l’émigré aux
souffrances de l’immigré, Paris, Seuil, 1999.
71 Barry Schwartz, Queuing and Waiting. Studies in the social organization of access and delay, Chicago, Chicago University Press, 1975.
72 Harold Garfinkel, Eric Livingston, « Phenomenological field properties of order in formatted queues and their neglected standing in the
current situation of inquiry » Visual Studies, 18(1), 2003, pp. 21-28.
73 Jean-Samuel Bordreuil, « La ville desserrée », in Thierry Paquot, Michel Lussault, Sophie Body-Gendrot (eds.), La ville et l’urbain. L’état
des savoirs, Paris, La Découverte, 2000, pp. 169-182.
75 Erving Goffman, «The interaction order », American Sociological Review, vol. 48, n°1, 1983, pp. 1-17.
76 Isaac Joseph (ed.), Villes en gare, La Tour d’Aigues, Les éditions de l’aube, 1999.
77 Danilo Martuccelli, Sociologie de la modernité. L’itinéraire du vingtième siècle, Paris, Gallimard, 1999.
78 O fato de queé possívelpagar alguém paraficar na filapara ele -como tem sido observadopor exemplona frente de algunsserviços públicosno
Brasil -não significaque, fundamentalmente,em causa o princípiode um direito deacessocom base na ordemde chegada.É claro que épara se
investigaras condiçõesde aceitabilidadede tais práticas epara mostrar, talvez, como o contextoajuda a explicar.
79 Carolina Kobelinsky, Chowra Makaremi (eds.), « Confinement des étrangers : entre circulation et enfermement », Cultures&Conflits, n°72,
automne 2008.
81 Nancy L. Green, Repenser les migrations, Paris, PUF, 2002, p. 104.
82 Em um estudo sobre as filas de espera durante a ocupação, Paul Achard mostrou como se constituía lugares onde se transmitiam
informações e se formavam os julgamentos públicos (La queue. Ce qui s’y disait. Ce qu’on y pensait, Paris, Mille et une nuits, 2011 [1945]).
83 Dominique Vidal, « Les supports territoriaux de l’identité personnelle. Rapport à l’espace et construction identitaire chez les travailleuses
domestiques de Rio de Janeiro », Espaces et Sociétés, n°130, 2007, pp. 135-149.
84 Zygmunt Bauman, Le présent liquide, Paris, Seuil, 2007

Para citar este artigo


Referência eletrónica
Laurent Vidal, Alain Musset e Dominique Vidal, « Sociedades, mobilidades, deslocamentos: os territórios da espera. O caso dos mundos
americanos (de ontem a hoje) », Confins [Online], 13 | 2011, posto online no dia 30 novembro 2011, consultado o 15 junho 2019. URL :
http://journals.openedition.org/confins/7274 ; DOI : 10.4000/confins.7274

Este artigo é citado por


Álvarez R., Ana María. Cavieres Higuera, Héctor. (2016) Territorio y subjetividades de la espera : el castillo, un caso de
estudio. Nuevo mundo mundos nuevos. DOI: 10.4000/nuevomundo.69095

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Simon-Lorière, Hélène. (2016) Conakry, antichambre de Philadelphie pour les réfugiés libériens ?. Nuevo mundo
mundos nuevos. DOI: 10.4000/nuevomundo.68936

Ardila Sierra, Marcia Carolina. (2016) La espera en los servicios de visa, en los centros de internamiento de extranjeros y
en ciudades de paso: tres etapas del proceso migratorio colombiano. Nuevo mundo mundos nuevos. DOI:
10.4000/nuevomundo.69139

Plançon, Thomas. (2015) Les territoires de l’attente dans la littérature des Amériques au 20ème siècle : représentations
et enjeux. Amerika. DOI: 10.4000/amerika.6866

Autores
Laurent Vidal
Coordenador do projeto (ANR) TERRIAT – Historiador - Professor da Universidade de La Rochelle - Diretor-adjunto do Centre de Recherche
en Histoire Internationale et Atlantique (CRHIA - EA 1163).

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Publicado em Confins, 23 | 2015
Alain Musset
Coordenador-adjunto do projeto (ANR) TERRIAT – Geógrafo – Diretor de estudos na EHESS

Dominique Vidal
Sociólogo - Professor da Universidade de Paris VII – Diretor-adjunto da Unité de Recherche Migrations et Société (Urmis - UMR 205).

Direitos de autor

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