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Waltzer

O santo puritano encontra nas Escrituras um sentindo de ação na vida social, antecipando, por meio
de uma “ascese intramundana”– a ideia de que, pela interiorização profunda de um senso de dever e
disciplina, se poderia cumprir a vontade de Deus nas ações cotidianas e na prática profissional –, o
radicalismo político em sua vida pessoal.

Segundo Waltzer, a ação revolucionária dos santos puritanos e dos cidadãos cumpriria um papel tão
importante quanto aquele desempenhado pelos príncipes soberanos no processo de formação do
Estado moderno.

O calvinismo desloca a ênfase do pensamento político para a ação dos santos, construindo, assim,
uma justificação teórica para a ação política independente

O conceito de cidadania formulado com a Revolução Francesa, não mais baseado na concentração
de privilégios por nascimento ou em um status concedido pelo soberano, mas sim nos valores de
virtude cívica, disciplina e dever, tem sua origem na integração dos homens privados à ordem
política iniciada pelos puritanos nos séculos XVI-XVII e fundada em uma nova visão da política
como trabalho minucioso e contínuo.

→ Com o puritanismo, consciência e trabalho ingressam no mundo político, formando a base de


uma nova política revolucionária e cementando o caráter da revolução.

→ Enxergavam-se como instrumentos divinos a quem cumpria realizar a reforma da sociedade


humana. Deveriam para isso superar o desdém e o desprezo com os quais seu zelo e sua
preocupação eram recebidos e transformá-los em fundamentos dessa sociedade reformada.
A atividade política como tarefa criativa na qual os santos tinham a obrigação e privilégio de
participar
Ao contrário dos homens medievais, viam-se imbuídos de uma responsabilidade em relação
ao mundo e de uma obrigação de reformá-lo continuamente, e isto era parte da sua vida cotidiana; o
exercício da santidade dá-se não apenas no interior de um monastério, mas também na prática
política cotidiana → “La política de esse momento era la prosecución de un objetivo religioso; su
finalidad era el gozo – si bien un gozo espiritual”

→ Compromisso com a destruição do mundo tradicional

→ Cooperação desprovida de laços familiares e ou de vizinhança

→ 4 fenômenos da história social e política relativos à transição entre uma sociedade tradicional e
uma sociedade moderna que contribuem e são paralelos ao surgimento desse novo espírito político
que caracteriza os santos puritanos → não são pré-condições porque eles próprios são produto do
voluntarismo humano e do voluntarismo dos santos
• separação entre política e unidade doméstica:
Idade Média → esforços do papa e dos monarcas no sentido de monopolizar direitos
e privilégios acaba por fragilizar o modelo tradicional de família; os santos puritanos precisariam ir
além disso: era necessário solapar de vez a concepção do Estado como família estendida chefiada
pelo rei, o pai de todos os súditos; e substituir “a autoexaltação dinástica pela política de exaltação
do indivíduo, da classe e da nação”
• aparição de homens formalmente livres
primeiro no renascimento
no século XVI: os homens em autoexílio ideológico, vítimas de perseguição,
“homens sem amo”
• consideração amoral, racional e pragmática dos métodos políticos

de que são exemplos as extensas deliberações em torno de cada ato, de cada decisão tomada
pelos monarcas, o crescente interesse pela casuística
cálculo racional dos meios políticos

• aparição de unidades políticas em grande escala→ surgimento do Estado Moderno


supressão das unidades políticas menores, destruição das lealdades feudais, domésticas e
locai; reaparecimento do sujeito e, em seguida, do cidadão → base social para a obediência exigida
pelos novos monarcas, mas também para o voluntarismo requerido pelo compromisso ideológico
fundamental para o espírito político dos santos

A política radical puritana é construída no decurso da revolução, por meio da experimentação e da


invenção. “O seu caráter sistemático e contínuo é o próprio caráter do santo, manifesto em esforço
terrenal”; “caráter excepcionalmente forte”.

O calvinismo instruiu homens antes passivos nos métodos e estilos da atividade política, a partir do
que eles tornam-se capazes de reivindicar o direito à participação política no Estado moderno; nesse
sentido, tem muito mais a ver com processo de modernização em si do que com o resultado final
desse processo, a modernidade

O santo é protagonista central da Revolução puritana; é, mais do que produto, causa dessa crise;
mas também é produto de seu tempo, “porque los hombres sólo están abiertos a la disciplina
ideológica en ciertos momentos de la historia”

→ Ao contrário do protestantismo francês (huguenote), cujos principais laços ideológicos e sociais


eram com a Antiga nobreza feudal (movimento aristocrático, mais do que clerical), o clero puritano
“foi desde suas origens um movimento clerical e evangélico” centrado na figura do ministro
o que pode ser explicado, em um primeiro momento, pela fragilidade da aristocracia inglesa em
consequência das guerras do século XV e XVII, e, desde a década de 80, pela dependência da
parcela politicamente influente dessa aristocracia em relação à Coroa (aristocracia de Corte)
a relativa tolerância político-religiosa da Inglaterra isabelina (elizabetana) – 1558-1603
(consolidação da Reforma) afasta a possibilidade de surgimento de um calvinismo laico enérgico
alienação dos ministros puritanos em relação à Inglaterra de modo geral em seu retorno pós
exílio

→ os ministros exilados

O exílio coloca esses homens em contato com formas não tradicionais de autoridade, baseadas no
talento, no intelecto e na competência individuais, na capacidade de manipular e interpretar as
Escrituras, mais do que em um privilégio de nascimento ou em uma concessão por parte do rei, e
com um modelo, igualitário por essência, de organização eclesiástica. Ao retornarem à Inglaterra,
encontram, ao contrário, uma Igreja cada vez mais dominada pelo Estado, com um anglicanismo
amorfo; não podendo contar com o apoio da aristocracia nem com um estímulo à oposição
comparável ao catolicismo de Maria.
Jogo duplo → declaram sua lealdade a Elizabeth, ao mesmo tempo em que começam a
experimentar com o radicalismo político. O seu compromisso era claramente a destruição da ordem
tradicional → ataques ao papismo e às reminiscências católicas;
exigiam a substituição do sacerdócio sacramental por um ministério pregador, o que exigia
um ministério de homens educados; o protestante autodidata
→ Exigiam uma Igreja não doutrinária, aberta ao talento e ao intelecto, e a abolição da
hierarquia clerical; trazem do exílio uma nova concepção, não tradicional, do ministério
→ Primazia da Palavra; eram representantes da Causa, o que significou a despersonalização
do conflito político e o desafio às formas tradicionais de organização

→ O principal laço entre os ministros era aquele baseado no compromisso ideológico


→ Repúdio às extravagâncias da corte renascentista

→ Também uma influência trazida do exílio, a experimentação política desdenhosa dos processos
legítimos, os leva a atuar na ilegalidade ou semilegalidade, empregando técnicas políticas
tipicamente modernas, como a livre associação, as petições, a mobilização da opinião pública etc.;
discutia-se entre os ministros não só teologia, mas assuntos parlamentares

→ Colocam a política como assunto público, e o público como “grande associação impessoal de
santos”
→ Crescem no vazio deixado pela decadente aristocracia – não fosse por esse impasse social
(período entre a queda da aristocracia e a tomada pela alta burguesia da Câmara dos Comuns),
dificilmente teriam conseguido romper o isolamento político
→ Para isso contribui a facilidade que tinham para se moverem entre as classes comerciantes das
cidades e a alta burguesia rural

→ nunca se integraram de fato à classe dirigente elisabetana, conservando sua independência, ainda
que fizessem algumas concessões ao anglicanismo oficial; exílio em sua terra natal
realização de reuniões secretas

Muchas de las tácticas de los laicos santos y de los parlarnentarios de la década de 1640
fueron anticipadas ypuestas a prueba por los ministros de la década de 1580.

En cierto sentido, e! radicalismo era la política de! exilio, de hombres que no se sentían en
casa en la antigua Inglaterra; e! calvinismo era la ideologia de los exiliados, de hombres que
habían abandonado "padre y patria" para enlistarse en el ejército de Cristo

→ Desprezo pelo mundo, pela sociedade tradicional. Era a Palavra que os movia, que conservava-
os em sua retidão;

→ aos católicos isabelinos, igualmente isolados, faltou uma ideologia radical que os conduzisse ao
rompimento com a sociedade tradicional; empregavam técnicas tradicionais (e até mesmo
antiquadas) de atuação política; sua política era definida em Roma
→ os puritanos, ao contrário, voltam-se a si mesmos após retornarem do exílio; é por meio da
introspecção que criam sua ideologia – portanto, sem mediadores; sentimento constante de
instabilidade; sentimento de superioridade e de estranhamento

Um sentimento permanente de instabilidade, resultado tanto do exílio quanto das dificuldades que
enfrentava na Inglaterra, da inadequação em relação ao sistema eclesiástico tradicional da Igreja
anglicana, faziam do puritano um outsider

→ 1570-1640: caráter social cambiante que implicou o deslocamento gradual da ênfase ideológica
doutrina disciplinar de caráter prebisteriano e caracterizada pela ênfase no papel do ministro,
de forma que se pode defini-la como um sistema de dominação clerical

→ início do século XVII: maior independência em relação à Igreja; transição do puritanismo


disciplinário para as formas congregacionais acompanha um rápido processo de sofisticação da
burguesia, direcionado e modelado em grande parte pela intelectualidade puritana; os ministros
como tutores da burguesia; fusão do terceiro estamento clerical ao movimento dos Comuns, que era
maior e que o arrasta com ele; aliança com os laicos enérgicos e ambiciosos na cidade e no campo
substitui aquele radicalismo despreocupado dos primeiros tempos

Dissolução do Parlamento em 29 → fecha o último canal de oposição legal


Instabilidade se converte em pessimismo
Emigrar, agora para a Nova Inglaterra, ou fazer a revolução
Ressurgimento na década de 30 do “aparato íntegro da política radical puritana”, pela primeira vez
desde 1580→ imprensa ilegal, rede subterrânea básica, contrabando organizado de livros → novo
puritanismo ilegal
Cromwell como síntese dessas transformações

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