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Artigo publicado

na edição 07

novembro/dezembro de 2008
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m
: : Melhores práticas

O Armazém do Futuro

Até alguns anos atrás os armazéns eram


tratados unicamente como um “custo
indesejável”, mas cada vez mais passam
Marco Antonio Oliveira Neves
Diretor da Tigerlog Consultoria e Treinamento em a fazer parte de uma ampla estratégia de
Logística Ltda. Graduado em Administração de Empresas
pela FGV-SP, pós-graduado em Administração da
manufatura, vendas, marketing e finanças.
Produção e Finanças pela FGV-SP. Atuação em empresas
como Goodyear, Cia. Cervejaria Brahma, Ryder Logística
e Deloitte Consulting.

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s armazéns representam aproximadamente 30% dos custos logísticos tes completos e cargas fechadas. Nes-
totais, e a sua participação vem crescendo nos últimos anos. se momento, surge a necessidade de
Na grande maioria dos casos, as operações de movimentação e armazenagem “quebrar” os grandes lotes em lotes
de materiais representam um custo equivalente a 1% a 5% da receita bruta das em- menores, em frações de paletes, em
presas, sendo, portanto, um dos mais importantes custos de uma empresa. caixas e até nas unidades primárias.
Dada a sua relevância pela representatividade em custos e o seu papel em racio- Daí surge a necessidade da criação da
nalizar o processo de abastecimento de linhas produtivas ou em aproximar merca- área de separação de pedidos (ou pi-
dos, é de vital importância entender o papel dos armazéns e as diferentes formas de cking) e a preocupação com a conso-
explorar o seu potencial de adicionar valor à cadeia logística. lidação das cargas em diferentes tipos
de veículos.
A atividade de picking é, atualmen-
Otimização
do uso da te, a de maior representatividade em
mão-de-obra
Menores Aproveitamento custos dentre as operações existentes
custos do espaço cúbico
(figura 2).
55%
Alta Maior
Produtividade Giro dos
Operacional Armazém Estoques
Classe
Mundial

Melhor Acesso às 15% 15% 15%


Serviço aos mercadorias
Clientes (seletividade)

Eficiente Maior Expedição Picking Estocagem Recebimento


controle das Proteção dos
itens Figura 2. Custos das operações.
Perdas

Nessa transição, os armazéns as-


Figura 1. Armazém classe mundial.
sistiram à verticalização dos estoques,
ao uso de equipamentos de movimen-
A evolução dos armazéns tação específicos, à formalização dos
Caminhamos para uma contínua evolução dos armazéns, tanto em seu papel processos e à especialização da mão-
e importância, como em sua infra-estrutura física. Entender a fundo a dinâmica de-obra.
dessa mudança e os impactos no trinômio pessoas-processos-tecnologia será Uma última onda vem sendo vi-
crucial para as empresas manterem-se altamente competitivas em seus respec- vida desde a virada do século, com a
tivos mercados. adoção de novas tecnologias de infor-
Nas décadas de 60, 70 e 80, os armazéns eram vistos como áreas meramente mação (em especial os sistemas WMS
acumuladoras de materiais, com pouca ou nenhuma complexidade. As constru- – Warehouse Management System),
ções eram simples, sem nenhuma sofisticação, sendo raro encontrarmos pé-di- automação da movimentação e esto-
reito superior a oito metros, pisos com alta capacidade de resistência (superior a cagem dos materiais, gestão por meio
6 tonf/m2), docas elevadas etc. de indicadores de desempenho (KPI –
A partir da estabilização econômica, alcançada com o Plano Real em meados Key Performance Indicators) e práticas
da década passada, uma importante mudança começa a ocorrer no comporta- incessantes de housekeeping.
mento dos consumidores brasileiros. Aos poucos, deixamos de fazer as compras Os novos armazéns, rebatizados
mensais (impulsionadas pela espiral inflacionária) que abasteciam a despensa de de Centro de Serviços Logísticos, as-
nossas casas e passamos a comprar menos, porém em mais vezes. Ou seja, nos sumem novas tarefas e passam a ser
transformamos em visitantes semanais dos supermercados, cada vez mais atra- como minifábricas, atuando intensiva-
entes para os consumidores, pelas ofertas semanais e pelos inúmeros “aniversá- mente na montagem de kits promo-
rios” realizados ao longo do ano. cionais, embalagens especiais, paleti-
O fracionamento das compras por parte dos consumidores provocou uma zação e repaletização etc. Nessa nova
mudança radical nos armazéns, até então adaptados a lidar apenas com pale- realidade, o que entra no armazém não
é necessariamente igual ao que sai.

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Nos novos armazéns, mais do que simplesmente guardar materiais, há uma Em armazéns de grande porte, a pro-
preocupação com o fluxo físico de materiais e com as informações. dutividade é dificultada pelo excesso
Os novos armazéns caminham para operações de fluxo contínuo, com cada de movimentação devido a grandes
vez menos estoques, muito próximas das operações de cross-docking, detalhadas distâncias e má visibilidade do fluxo
a seguir. de trabalho. As dificuldades em comu-
A figura 3 ilustra o processo vivido pelos armazéns ao longo dos últimos 30 anos. nicação e supervisão possivelmente
Centro de Centro de podem contrabalançar as economias
Distribuição Serviços obtidas com grandes volumes de pedi-
Armazém
Logísticos

Serviços
do ou por meio de altos níveis de me-
E
S
Montagem de Valor canização. Também importante será
V de Pedidos Agregado
A T (Picking) dimensionar corretamente o formato
R O
C
Montagem do armazém, buscando uma propor-
I E de Pedidos
A A S
T
(Picking) ção adequada entre comprimento
V G O
C (face onde estão localizadas as docas)
E E A

I M
G
E Estocagem e largura do armazém (figura 4).
M

S
TEMPO
1970’s/80’S 1990’s 2000’S
CERTO
Figura 3. Processo vivido pelos armazéns.

As operações de cross-docking
97m
Cross-docking é uma operação de distribuição na qual os produtos são recebidos,
selecionados e encaminhados para outro veículo, e por isso necessita de grande exati-
Opção II 66m
dão quanto ao tempo de entrada e saída de produtos.
Além de eliminar altos custos de manuseio de produtos, o investimento em esto-
ques é substancialmente reduzido pela eliminação de múltiplos locais de estocagem.
Operações de cross-docking levam à redução de até 30% quando comparada com
uma operação convencional, na qual ocorre a formação de estoques.
A operação de cross-docking, embora simples na teoria, é muito difícil de realizar na ERRADO
prática. Algumas condições operacionais precisam ser atendidas:
t PMPDBMEFEFTUJOPEPNBUFSJBMÏDPOIFDJEPOPBUPEPSFDFCJNFOUP
t TFVDMJFOUFFTUÈQSPOUPQBSBSFDFCFSPNBUFSJBMJNFEJBUBNFOUF 66m
t PQSPEVUPFNTVBTEPDBTÏQSÏSPUVMBEP
t OFDFTTJEBEFTEFDPOUSPMFEBRVBMJEBEFQSFDJTBNTFSNÓOJNBT
t QSFGFSFODJBMNFOUFPQFSBÎÍPDPNQBMFUFTDPNQMFUPT
t FYJTUJSFTQBÎPTVöDJFOUFQSØYJNPËTEPDBT
t FOUSFHBTEJTDJQMJOBEBTOPBSNB[ÏN 97m
São bons candidatos a cross-docking operações que envolvam itens sazonais e itens
com altos volumes de venda.

A infra-estrutura física dos armazéns do futuro


Muito diferente dos atuais, os armazéns do futuro deverão conciliar seu tra-
dicional papel na estocagem, mas também deverão viabilizar o rápido fluxo de Figura 4. Proporção de armazéns.
materiais, na entrada (inbound) e saída (outbound). Essa capacidade de processa-
mento (throughput) será vital para as operações de distribuição. As docas e as áreas de stage terão
Como viabilizar funções tão antagônicas em uma mesma estrutura física? um papel fundamental nesse novo ar-
A discussão começa pelo tamanho do armazém. Estudos realizados nos EUA mazém, no qual se priorizará o fluxo
mostram que os armazéns que apresentam melhores indicadores de desempe- de materiais e não a sua estocagem.
nho têm entre dez mil m2 e 30 mil m2. A doca é o meio pelo qual um ve-
Os problemas de controle tendem a aumentar com o tamanho do armazém. ículo é colocado no armazém para a

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carga e descarga. Há dois tipos básicos de configurações de docas para cami- adjacentes umas às outras;
nhões: de 90º e de 45ª. A doca de 90º precisa de largura menor e profundidade t PUJNJ[BÎÍPEFFNQJMIBEFJSBT QPJT
maior do que a doca de 45º. Conseqüentemente, a doca de 90º precisa de menos as viagens de estocagem e retira-
espaço dentro do armazém e de mais espaço fora do mesmo, para a execução da são facilmente combinadas e
das manobras. Quanto maior a largura da doca, maior será o espaço interno do as localizações de estocagem mais
armazém dedicado a cada doca. Por isso, docas de 90º são mais utilizadas do que perto das docas são as localizações
as inclinadas. naturais dos itens de maior giro.
A quantidade de docas, tradicio-
nalmente dimensionadas numa pro-
porção de uma doca a cada mil m2 de
área construída, mudará de forma ra-
dical. Será necessário termos pelo me-
nos uma doca a cada 500 m2 de área
coberta construída.
As docas deverão estar equipadas
com equipamentos para o nivelamen-
to (dock leveler) do armazém com os
caminhões, já que não existe um pa-
drão de altura de veículos. Esses equi-
pamentos proporcionam carga e des-
carga mais rápidas e seguras.

Figura 5. Docas.

A localização das docas dependerá do layout operacional utilizado, fluxo em


“I” ou fluxo em “U”.
Fluxos em “I”, ou fluxos atravessando o armazém, são mais comuns em ope-
rações de cross-docking em grandes transportadoras (terminais) e normalmente
não possuem áreas para estocagem.
Fluxos em “U” são normalmente utilizados pelas indústrias e segmento varejista.
Figura 7. Dock leveler.

Além disso, a cada doca existente


deverá existir, internamente, uma área
ÁREA PARA ESTOCAGEM de stage (espera) correspondente, do
tamanho do veículo de carga/descar-
corredores de circulação interna ga utilizado (8,0 a 15,0 metros de com-
primento, com largura de 2,5 metros).
O tamanho das áreas de stage-in
/ stage-out tem relação direta com os
tipos de operação de recebimento e
expedição:
t VN BMUP HSBV EF DIFDBHFN F JOT-
Figura 6. Fluxos em “I” e fluxos em “U”.
peção aumentará a necessidade
de espaço;
Fluxos em forma de “U” trazem grandes vantagens em relação a outros tipos t OPDBTPEBJNQPTTJCJMJEBEFEFDPO-
de projeto: trole sobre a chegada dos veículos
t FYDFMFOUF VUJMJ[BÎÍP EF SFDVSTPT EB EPDB FRVJQBNFOUPT  GVODJPOÈSJPT FUD
 (dock schedule), uma área suficien-
devido ao fato de que os processo de recebimento e expedição podem com- temente grande deverá ser dimen-
partilhar as portas das docas; sionada para suportar os “picos”
t GBDJMJUBÎÍPEFcross-docking, pois as docas de recebimento e expedição são operacionais ao longo do dia;

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t PSFDFCJNFOUPEFDBSHBTBHSBOFMFYJHJSÈBQBMFUJ[BÎÍPEPTNBUFSJBJTBOUFTEB WMS – Warehouse


estocagem;
t PQFSBÎÜFT EF cross-docking exigirão a separação e a consolidação das car-
Management System
gas. Nem todos necessitam ter um sis-
Entre as docas deverá existir um intervalo de 1,5 m a 3,0 m, dependendo do tema WMS. Seguramente qualquer
equipamento de movimentação utilizado entre os stages. operação logística se beneficiará do
uso dessa importante ferramenta,
porém é preciso avaliar os custos
com a aquisição e implantação do
sistema, comparativamente com os
benefícios a serem obtidos.
O WMS é uma ferramenta robus-
ta e complexa, requerendo enormes
esforços iniciais, principalmente com
a parametrização do sistema e com a
constante manutenção dos mesmos,
Figura 8. Intervalo entre docas. que garantirá o seu perfeito funcio-
namento.
Os caminhões devem entrar na doca de recebimento ou expedição no senti- Defensores dos sistemas WMS ar-
do anti-horário, de modo a permitir que entrem de ré na doca no sentido horário. gumentam que:
Isso facilitará a operação para o motorista, que se guiará pelo seu espelho, e não t 8.4SFEV[JSÈPTFTUPRVFT
pelo espelho localizado ao lado do passageiro. t 8.4 SFEV[JSÈ PT DVTUPT DPN
mão-de-obra;
t 8.4BVNFOUBSÈPVTPEBDBQBDJ-
dade de estocagem;
t 8.4 BVNFOUBSÈ P TFSWJÎP BP
cliente;
t 8.4 BVNFOUBSÈ P OÓWFM EF BDV-
racidade dos estoques.
A implantação do WMS, associado
à automação da coleta de dados, real-
mente levará a uma maior acuracida-
de da informação dos estoques, redu-
ção na mão-de-obra e em uma maior
capacidade de melhor atender os seus
clientes, por meio da redução dos
Figura 9. Entrada da doca. tempos de ciclo. Expectativas quanto
à redução de estoques e melhor uti-
As áreas externas, constituídas do pátio para a manobra e estacionamento de lização do espaço cúbico disponível
veículos e das ruas para a circulação dos mesmos, também terão um papel fun- nem sempre são verdadeiras.
damental. Normalmente esquecidas ou subdimensionadas, passarão a ter papel Apesar dos benefícios que pos-
importantíssimo, principalmente para viabilizar operações com alta concentra- sam ser obtidos com a redução da
ção de movimentação na última semana. A profundidade do pátio de manobra mão-de-obra, a decisão de investir
variará de 12 m a 20 m, dependendo do comprimento do caminhão. ou não em um sistema WMS estará
Quanto à verticalização dos estoques, o tradicional porta-palete, estrutura diretamente condicionada ao nível
comumente utilizada pelas empresas, e muitas vezes encarada como a melhor e de serviço exigido pelos seus clien-
talvez única solução, dará espaço a um estudo de otimização cúbica, envolvendo tes e à capacidade do sistema de
a análise de diversas soluções que tratem de forma diferente com a questão de preencher as lacunas existentes e
densidade, seletividade e velocidade de processamento. A melhor solução será agregar valor.
um mix de soluções e não apenas a solução porta-palete.

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Com um bom sistema WMS, você poderá, por exemplo, praticar o PEPS Conclusão
(primeiro que entra, primeiro que sai), realizar cross-docking, atender pedidos
emergenciais, reduzir stockouts, diminuir sensivelmente o risco de obsoles- O melhor armazém é, sem dúvida
cência, disponibilizar informação de estoques em tempo real etc. alguma, aquele que não existe. Mas,
Para Operadores Logísticos é uma ferramenta essencial. Para os Embarca- apesar dos esforços na integração da
dores, deve ser cuidadosamente avaliada, levando em conta aspectos técni- cadeia de materiais, ECR (Eficient Con-
cos e financeiros. sumer Response), Just-in-time e Quick
Uma vez decidido pela implantação, é necessário tomar um passo ante- Response, a cadeia de materiais nunca
rior: a otimização da infra-estrutura física existente e a revisão dos processos- será tão perfeitamente coordenada
chave. Sem isso, automatizaremos o que está ruim, portanto, teremos muitas a ponto de eliminar as atividades de
dificuldades em obter os benefícios esperados. movimentação e armazenagem por
completo.
O próximo grande desafio dos armazéns Portanto, se os armazéns podem
ser considerados um “mal necessário”,
O avanço da logística reversa deverá se tornar o próximo grande desafio dos precisaremos então saber conviver
profissionais de armazéns. As devoluções, ainda hoje pouco representativas e com eles e extrair o melhor possível,
tratadas com certo descaso, merecerão maior atenção das empresas. seja em desempenho operacional ou
As áreas hoje destinadas ao recebimento, inspeção e triagem dos materiais, em custos.
ainda pouco relevantes, serão redimensionadas para permitir o correto destino Uma visão sistêmica, envolvendo
do material devolvido, seja ele a reestocagem, reaproveitamento de componen- pessoas, processos, tecnologia e infra-
tes, sucateamento etc. estrutura, será imprescindível para
Numa nova realidade, na qual a logística reversa passa a ser representativa alcançarmos um desempenho classe
em valores e volumes, esqueça o FIFO (First In, First Out) e entenda como funcio- mundial nas operações de movimen-
na o FEFO (First Expired, First Out). tação e armazenagem de materiais.

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