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Carlos A.

Kuhnen

Mecânica Geral

Florianópolis, 2009
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K96m
Kuhnen, Carlos A.
Mecânica Geral / Carlos A. Kuhnen - Florianópolis : UFSC/EAD/
CED/CFM, 2009.
275p.
ISBN 978-85-99379-46-2
1. Física. 2. Mecânica. I. Título.
CDU 531
Catalogação na fonte: Eleonora Milano Falcão Vieira
Sumário
Apresentação..................................................................... 7
1 Mecânica Newtoniana..................................................... 9
Introdução.........................................................................
........... 11
1.1 Espaço e
Tempo.....................................................................12
1.2 As Leis de
Newton.................................................................15
1.2.1 Primeira lei e referenciais inerciais.................................17
1.2.2 Segunda e terceira leis: massa e força...........................18
1.3 Movimento em uma Dimensão............................................ 22
1.3.1 Teorema do momento linear e da energia..................... 22
1.3.2 Força constante e força dependente do tempo.............. 25
1.3.3 Forças dependentes da posição: energia potencial........26
1.3.4 Forças dependentes da velocidade: velocidade limite.... 33

2 Oscilações.................................................................... 45
2.1 Oscilações lineares e não-lineares.......................................47
2.2 Oscilações
lineares............................................................... 50
2.2.1 Oscilador harmônico simples........................................ 50
2.2.2 Oscilador harmônico amortecido................................. 55
2.2.3 Energia do oscilador amortecido.................................. 62
2.2.4 Fator de qualidade . ......................................................
64
2.3 Oscilador harmônico forçado............................................... 65
2.3.1 Amplitude das oscilações e ressonância....................... 68
2.3.2 Potência e dissipação da energia mecânica...................72
2.4 Analogias entre oscilações mecânicas e elétricas...............75
2.5 Princípio de
superposição.....................................................77
2.6 Oscilações não-
lineares........................................................79
2.6.1 Sistema não-linear simétrico ....................................... 80

3 Movimento em Duas e Três Dimensões........................ 91


Introdução.........................................................................
...........93
3.1 Cinemática no
Plano ............................................................ 94
3.1.1 Coordenadas retangulares..............................................94
3.1.2 Coordenadas polares......................................................96
3.1.3 Cinemática em três dimensões...................................... 99
3.2 Elementos de Cálculo Vetorial ............................................ 99
3.2.1 Integral de Linha...........................................................
99
3.2.2
Gradiente......................................................................103
3.2.3
Divergente....................................................................105
3.2.4
Rotacional.....................................................................106
3.3 Teoremas do Momento Linear e da Energia......................108
3.4 Teorema do Momento Angular........................................... 110
3.5 Movimento de Projéteis.......................................................
112
3.6 Energia
potencial................................................................. 121

4 Força Central.............................................................. 137


4.1 Forças
Centrais.....................................................................140
4.2 Movimento sob a Ação de uma Força Central...................143
4.3 Força Central Inversamente Proporcional
ao Quadrado da Distância...................................................154
4.4 As Leis de Kepler para o Movimento dos Planetas............165
4.5 Força do Inverso do Quadrado Repulsiva – O Problema
de
Rutherford........................................................................
176

5 Dinâmica de um Sistema de Partículas....................... 185


5.1 Conservação do Momento Linear ......................................187
5.2 Conservação do Momento Angular.................................... 193
5.3 Conservação da Energia......................................................199
5.4 Sistemas de Massa Variável................................................201
5.5 Colisões entre Dois Corpos................................................. 211
5.6 O Problema de Dois Corpos................................................220

6 Sistemas de Coordenadasem Movimento.................... 233


6.1 Referenciais Inerciais e Não-inerciais................................ 235
6.2 Sistemas de coordenadas em rotação................................244
6.3 Dinâmica em Sistemas em Rotação...................................251
6.4 Efeitos Estáticos e Dinâmicos devido à
Rotação da
Terra..................................................................257
6.4.1 Efeitos
estáticos............................................................257
6.4.2 Efeitos dinâmicos .......................................................259
Apresentação
O presente texto aborda a Mecânica de Newton em um contexto que pressupõe o
conhecimento prévio do cálculo diferencial e integral permitindo que se aplique a
mecânica newtoniana em situações como o movimento de foguetes e de planetas em suas
órbitas. Os assuntos tratados estão distribuídos em seis capítulos.

No capítulo 1 são discutidas as leis de Newton e seus limites de aplicabilidade. A


partir daí desenvolve-se a dinâmica de uma partícula em uma dimensão considerando-
se forças dependentes do tempo, forças dependentes da
posição e forças dependentes da velocidade.

O capítulo 2 trata das oscilações lineares e não lineares de sistemas mecânicos.


Em oscilações lineares são discutidos o oscilador harmônico, o oscilador amortecido
e oscilador forçado onde discute-se ressonância. É apresentada a equivalência entre
sistemas oscilantes elétricos e mecânicos. Resolvem-se exemplos
simples de oscilações não lineares pelo método das aproximações sucessivas.

A dinâmica de uma partícula em duas e três dimensões é desenvolvida no


capítulo 3. Aplica-se o teorema do momento linear, o teorema do trabalhoenergia e o
teorema do momento angular no movimento de uma partícula
em duas e três dimensões. O movimento de projéteis é analisado incluindose a
resistência do ar. Define-se a função energia potencial para o movimento
no espaço e identificam-se forças conservativas e não conservativas.

O capítulo 4 trata do importante caso de forças centrais onde se introduz a


função energia potencial efetiva para a análise qualitativa e quantitativa do
movimento. É tratado o caso da força central inversamente proporcional ao
quadrado da distância e sua aplicação ao movimento dos planetas. As leis de
Kepler são obtidas. Como exemplo de uma força central repulsiva abordamos
o espalhamento de Rutherford e o surgimento do modelo nuclear do átomo.

A dinâmica de um sistema de partículas é tratada no capítulo 5. Os teoremas do


momento linear e do momento angular e da energia são estendidos para o caso
de um sistema de N partículas. O movimento de sistemas com massa variável
é abordado e aplicam-se os princípios de conservação do momento linear e da
energia para a solução de problemas envolvendo a colisão entre dois corpos.
O capítulo 6 apresenta a aplicação da mecânica de Newton em sistemas de
coordenadas em movimento uniforme (referenciais inerciais) e em movimento acelerado
(referenciais não inerciais). Discute-se o princípio da relatividade Newtoniana e
explicitam-se as transformações de Newton-Galileu entre
referenciais inerciais. O movimento descrito a partir de um referencial não
inercial é analisado em termos de forças inerciais (ou fictícias). Os efeitos
estáticos e dinâmicos devido a rotação da terra são explorados.

Com os assuntos tratados da forma exposta acima se pretende aprofundar a


compreensão dos princípios fundamentais da mecânica aliando-se técnicas
matemáticas mais avançadas de modo a tratar o formalismo da teoria e a
resolução de problemas físicos sob um ponto de vista mais abrangente

Carlos Alberto Kuhnen


1

Mecânica Newtoniana
1

Mecânica Newtoniana

MECÂNICA NEWTONIANA
LEX I - Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in
directum, nisi quatenus a
viribus impressis cogitur statum illum mature.
LEX II - Mutationem motus proportionalem esse vi motrice impressae et fieri
secundum lineam rectam qua vis
illa imprimitur.
LEX III - Actioni contrariam semper et aequalem esse
reactionem: sive corporum duorum actiones in se mutuo
semper esse aequales et in partes contrarias dirigi.

Este capítulo tem como objetivo apresentar os princípios


básicos da mecânica de Newton e sua aplicação no estudo
do movimento de uma partícula em uma dimensão. Ao
final do mesmo, o aluno deverá ser capaz de:
• Enunciar as leis de Newton;
• Reconhecer os limites de aplicabilidade da mecânica
newtoniana;
• Aplicar o teorema do momento linear e o teorema do
trabalho-energia na solução de problemas;
• Descrever qualitativamente o movimento unidimensional de uma partícula,
conhecida a sua função
energia potencial;
• Obter a solução da equação de movimento unidimensional, pela conservação da
energia mecânica,
quando a força depende apenas da posição;

Introdução
A evolução da vida em nosso planeta propiciou o surgimento do homem, ser dotado de
uma mente investigadora com uma grande curiosidade sobre fenômenos naturais. No
início, suas únicas fontes de informação eram os seus sentidos e, conseqüentemente,
ele estabeleceu
uma classificação para os fenômenos observados de acordo com os
sentidos empregados para percebê-los. O ato de ver foi relacionado à
Mecânica Newtoniana

11
luz e, como resultado, desenvolveu-se a óptica como uma ciência praticamente
independente relacionada à visão. Já a audição foi associada
ao som e, assim, desenvolveu-se a acústica como ciência correlata. Da
mesma maneira, a sensação física de calor deu surgimento à termodinâmica, que
permaneceu um longo tempo como um ramo autônomo da
física. Mas, seguramente, o mais comum dos fenômenos observados
diretamente é o movimento, e a ciência do movimento, isto é, a mecânica, foi
desenvolvida antes dos demais ramos da física. O movimento
dos corpos celestes, de corpos em queda, as ondas do oceano, o vôo
dos pássaros, as rajadas de vento, a corrida dos animais, são exemplos
simples de fenômenos de movimento. O movimento dos corpos e suas
causas foi objeto de investigação do homem desde os filósofos gregos na
antiguidade, e as idéias de Aristóteles (384-322 aC), sobre o movimento
dos corpos prevaleceram durante quase vinte séculos. O pensamento
Aristotélico foi demonstrado como errôneo somente após os trabalhos
e as idéias de Galileu Galilei (1564-1642) e Sir Isaac Newton (1642-1727),
que desenvolveram uma abordagem para estudar o movimento dos corpos que conhecemos
como a mecânica clássica. Esta abordagem mudou definitivamente a maneira com que
descrevemos o movimento dos
corpos. O desenvolvimento da mecânica foi um passo essencial para
nosso entendimento de uma extensa gama de fenômenos físicos, pois
praticamente todos os processos imagináveis têm como origem o movimento de certos
objetos. Em nosso sistema solar, a Terra e os planetas
movem-se em torno do Sol e o conjunto de estrelas que formam nossa
galáxia gira em torno de seu centro. Os elétrons, em movimento nos
átomos, dão origem à absorção e emissão de luz e seu movimento num
metal produz corrente elétrica. As moléculas em movimento em um gás
dão origem à pressão e, numa reação química, as colisões entre moléculas produzem
novas moléculas, apenas para citar alguns exemplos. A
mecânica clássica é devida, em grande parte, ao gênio de Isaac Newton,
que sintetizou a mecânica por meio do que chamamos de princípios de
Newton ou as leis de Newton da mecânica. E a ela nos referimos como
mecânica newtoniana. Mas a mecânica tal como atualmente está estruturada deve-se
também às contribuições iniciais de homens como
Arquimedes, Galileu, Descartes, Huygens, bem como às contribuições
posteriores de homens como Lagrange, Hamilton, Mach e Einstein. Neste curso,
desenvolvemos a dinâmica de uma partícula e de um sistema
de partículas com a mecânica newtoniana, explicitando suas aplicações
e limitações, sem abordar as formulações de Lagrange e Hamilton da
mecânica clássica nem a formulação relativística de Einstein.

1.1 Espaço e Tempo


A Mecânica trata do movimento dos corpos no espaço e tempo. Mas
quais são os conceitos de espaço e tempo a que nos referimos? Clara-

12
mente, estes conceitos são vitais para o desenvolvimento da ciência
denominada Mecânica Clássica e foram definidos nas primeiras páginas da obra de Sir
Isaac Newton, Princípios Matemáticos de Filosofia
Natural (Philosophie naturalis principia mathematica), em 1687:

Espaço absoluto em sua própria natureza, sem


relação com qualquer coisa externa, permanece
sempre similar e imóvel.
O Tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e da sua própria natureza,
flui uniformemente sem
relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração.

Estes conceitos de espaço e tempo absolutos foram questionados


desde então. As primeiras críticas foram lançadas por Gottfried Wilhelm Leibniz e
George Berkeley, já na época da publicação da obra de
Newton. Para Berkeley, apesar de ser admirador de Newton, o espaço
e o movimento absoluto poderiam ser substituídos pelo sistema de
estrelas fixas no céu e pelo movimento relativo a este sistema, sem
que nada de importante se perdesse na teoria newtoniana. Ademais,
tanto Leibniz como Berkeley criticaram a associação estabelecida por
Newton entre Deus e o espaço absoluto. As críticas de maior influência à mecânica
Newtoniana viriam em fins do século XIX, com o
físico e filósofo austríaco Ernst Mach (1838-1916). Mach, cujas idéias
influenciaram o ensino da Mecânica, em seu tratado, A ciência da Mecânica – Uma
Apresentação Crítica e Histórica do seu desenvolvimento
(The Science of Mechanics: A Critical and Historical Account of Its Development),
publicado inicialmente em 1883, critica os conceitos Newtonianos de espaço e tempo
absolutos. Em sua obra, Mach argumenta
que Newton havia contradito sua intenção de não aceitar em uma
teoria científica nada que não pudesse ser inferido diretamente do
‘fenômeno observável’ ou induzido a partir da argumentação.

eia novamente as definições de tempo absoluto e espaço absoluto e perceba que o


termo “sem relação com
qualquer coisa externa” nos afirma que não pode ser observado, e que também não
podemos chegar à conclusão
de sua existência a partir de argumentos, pois não temos
onde assentar ou justificar qualquer argumento que seja.

Mecânica Newtoniana

13
Sugiro que, antes de
começar o estudo desta
disciplina, você leia os
livros Física Básica A e
B para revisar alguns
conceitos importantes
da mecânica.

Apesar de o próprio Newton ter plena consciência das dificuldades


introduzidas pelas concepções de espaço absoluto e de tempo absoluto e do embate
filosófico que se seguiu, você sabe que a mecânica
de Newton permite predizer com precisão, como uma ciência exata
que é, o movimento futuro dos corpos, dado que conhecemos as condições iniciais e
as forças atuantes sobre estes corpos. A mecânica
newtoniana vem sendo aplicada com sucesso no transcorrer dos últimos três séculos,
possibilitando desde a previsão teórica da existência de planetas no nosso sistema
solar até ao lançamento de satélites
em órbita da Terra. A mecânica de Newton possibilitou ao homem ir
à Lua e enviar robôs controlados a Marte. Neste curso de mecânica,
vamos tratar do movimento dos corpos no espaço e tempo absolutos
no sentido Newtoniano. Isto significa que não iremos considerar a
Teoria Especial da Relatividade de Albert Einstein, em que o conceito
de Tempo Absoluto deixa de existir estando as coordenadas espaciais
e temporais conectadas de modo que, em vez de nos referirmos a espaço e tempo,
devemos entender que o existente é um espaço-tempo
contínuo (ou seja, algum tipo de união entre espaço e tempo é que
tem realidade independente).
Antes de prosseguir, devo lembrar que este é um curso de mecânica
mais avançado e, por conseguinte, considero que você já tenha os conceitos de
grandezas escalares (como comprimento, massa, tempo, temperatura e pressão) e
grandezas vetoriais (como velocidade, aceleração,
força, torque, momento linear e momento angular), bem como saiba produtos escalar e
vetorial, diferenciação e integração de vetores. Também
considero que você tenha de forma clara o conceito de partícula.

embre-se, um corpo pode ser considerado como partícula desde que possamos ignorar a
sua estrutura
interna ou seus movimentos internos. Exemplo é a Terra, que tem uma estrutura e
movimento de rotação em
torno de um eixo, mas que em seu movimento em torno
do Sol, pode ser tratada como uma partícula. Porém, devemos levar em conta que ela
é um corpo extenso para
entendermos o fenômeno das marés, que decorre de sua
interação gravitacional com a Lua. Algumas vezes, é
possível tratar um corpo complexo como uma partícula,
se todas as partes do corpo movimentam-se da mesma
forma, como um bloco atado a uma mola, ou um automóvel em movimento.

14
Neste curso, primeiro abordamos a dinâmica de uma partícula e, posteriormente,
aplicamos as leis de Newton a um sistema de partículas.

1.2 As Leis de Newton


Em disciplinas anteriores, você teve contato com as idéias de Aristóteles, o
pensamento de Descartes e a contribuição de Galileu, no que
se refere ao estudo do movimento de corpos. Entretanto, foi Newton
quem, com clareza, estabeleceu as leis do movimento, fazendo surgir uma nova forma
de percebermos o mundo e jogando por terra as
idéias de Aristóteles, as quais se assentavam em poderosos argumentos lógicos e
perduraram por quase 20 séculos. Em sua obra publicada em 1687, o Principia
Mathematica, a que já nos referimos, Newton
formulou de maneira completa as três leis da mecânica, as quais podemos enunciar de
forma breve e concisa como segue:

I – Todo corpo permanece em estado de repouso ou de


movimento uniforme, em linha reta, a menos que seja
obrigado a mudá-lo por forças aplicadas a ele.
II - A taxa de variação do momento linear é proporcional
à força aplicada, e na direção em que a força age.
III - Para cada ação, existe sempre uma reação igual e oposta.

Observe que, na segunda lei, a quantidade física de interesse é o momento linear


que é a grandeza associada ao produto da massa pelo
vetor velocidade da partícula. Veja que, desta maneira, podemos considerar sistemas
onde a massa é variável, sendo um bom exemplo o
movimento de um foguete, assunto que iremos tratar no capítulo 5.
Quando consideramos um corpo de massa constante, a segunda lei
nos fornece a força como o produto da massa pela aceleração, sendo
esta a maneira como a segunda lei é enunciada nos cursos iniciais
de mecânica. Você deve perceber que Newton não descobriu que a
força é o produto da massa pela aceleração, mas o que ele descobriu
foi que as leis da física podem ser expressas mais facilmente através
do conceito de força definido desta maneira (produto da massa pela
aceleração). E as leis da física referem-se então às forças gravitacional,
eletromagnética, fraca e nuclear, que são as quatro forças fundamentais conhecidas
e nas quais nos baseamos para explicar os fenôme-

Mecânica Newtoniana

15
A emissão beta,
desintegração beta ou
decaimento beta é o
processo pelo qual um
núcleo atômico instável
pode se transformar em
outro núcleo mediante a
emissão de uma partícula
beta. A partícula beta
pode ser um elétron ( )
ou um pósitron
, que
é o anti-elétron, ou seja,
tem a mesma massa do
elétron e carga positiva.

nos físicos existentes no Universo observável. Assim, temos uma lei


de força para a atração entre dois corpos (força gravitacional), uma lei
de força para a força entre cargas (lei de Coulomb) e assim por diante.
A procura da unificação das forças fundamentais em uma só já levou
à unificação das forças eletromagnética e fraca, no que se denomina
de força eletrofraca, sendo a força fraca responsável, por exemplo, pelo
decaimento em reações nucleares.
As leis de Newton do movimento podem ser pensadas como uma prescrição para
calcularmos ou predizermos o movimento subseqüente
de uma partícula (ou sistema de partículas) a partir do conhecimento
da posição e da velocidade em um certo instante, que geralmente é
tomado como o instante inicial. Isto é, conhecendo-se a força atuante
sobre uma partícula (ou sistema de partículas), a sua posição e velocidade
iniciais, pode-se predizer de forma precisa seu movimento
futuro. Com Newton, a mecânica se estrutura solidamente como uma
ciência exata, e sua aplicação com resultados precisos em situações
práticas de estática, movimento de corpos na superfície da Terra e
movimento dos corpos celestes, mostrou sua validade de maneira
triunfal. Mas deve estar claro para você que a mecânica de Newton
não se aplica sem restrições a todos os fenômenos físicos. Basta você
lembrar o caso de um gás e de quantas partículas temos em questão.
Está claro que não podemos resolver as equações de movimento para
este sistema e calcular as coordenadas de todas as partículas do gás
como função do tempo. Este problema é abordado corretamente com
a mecânica estatística. Também não podemos aplicar a mecânica
newtoniana para explicar a estrutura eletrônica dos átomos e moléculas ou explicar
as contribuições eletrônicas para as propriedades
físicas dos sólidos. Somente após os trabalhos iniciais de Max Planck,
Albert Einstein, Niels Bohr e as contribuições posteriores de Louis
de Broglie, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg e Max Born, que
culminaram no desenvolvimento da mecânica quântica no início do
século XX, foi possível alcançar um entendimento da estrutura atômica da matéria.
Ademais, não podemos aplicar a mecânica newtoniana para estudar o comportamento de
partículas extremamente
energéticas, como em um acelerador de partículas, cujas velocidades
chegam a ser próximas à da luz. Neste caso, devemos empregar a
teoria especial da Relatividade, pois os efeitos relativísticos são agora
apreciáveis, o que não acontece para baixas velocidades, pois neste
caso a relatividade restrita se reduz à mecânica newtoniana. Veja que
o mesmo se sucede com a teoria da Gravitação de Newton. Por exemplo, dela não
podemos concluir sobre a existência de buracos negros
nas galáxias, ao passo que a teoria Geral da Relatividade prevê a existência dos
mesmos. Isto deixa claro que, à medida que crescia nossa
16
capacidade de investigação durante os séculos XIX e XX e aumentava
nossa compreensão do micro e macrocosmo, surgiam novas teorias
mais gerais e abrangentes. Lembre-se, apesar das suas limitações, a
mecânica de Newton é a base sólida sobre a qual se ergueram as novas teorias
físicas no início do século XX.

1.2.1 Primeira lei e referenciais inerciais


A primeira lei da mecânica Newtoniana descreve uma propriedade
comum a toda matéria, que denominamos de inércia, isto é, a resistência que toda
matéria oferece para alterar seu estado de movimento. Ou seja, se um corpo está em
repouso em relação a você, é necessária a aplicação de uma força para movimentá-lo
e, se o corpo está
em movimento, é necessária uma força para colocá-lo em repouso.
Portanto, o corpo não muda seu estado de repouso ou movimento
uniforme por si só, uma força é necessária para que mude o seu estado de movimento.
Obviamente, quando especificamos o estado de
movimento de um corpo, devemos ser precisos em relação ao sistema
de referência utilizado. Uma descrição matemática do movimento de
uma partícula (ou sistema de partículas) requer um referencial, e adotamos um
sistema de coordenadas que permite especificar o vetor posição da partícula. Os
referenciais onde valem as leis de Newton são
ditos referenciais inerciais e, portanto, são referenciais que ou estão
em repouso ou em movimento retilíneo uniforme, pois em referenciais acelerados, o
observador irá atribuir uma aceleração para uma
partícula que esteja em repouso quando observada de um referencial
inercial. A descrição do movimento de uma partícula a partir de referenciais não
inerciais será efetuada no capítulo 6.
Aqui é importante lembrarmos que a essência da primeira lei é que
sempre podemos encontrar um referencial em relação ao qual um
corpo isolado mova-se com velocidade uniforme. Isto é, a primeira
lei nos assegura a existência de referenciais inerciais. Mas os referenciais
inerciais, onde valem as leis de Newton, estão em repouso em
relação a quê? Estão em movimento retilíneo uniforme em relação a
quê? Vimos que, de início, Newton definiu o espaço e tempo e assim,
para ele, os referenciais inerciais são aqueles que estão em repouso
ou em movimento retilíneo uniforme em relação ao espaço absoluto.
Como não podemos inferir o espaço absoluto de Newton de qualquer
coisa observável ou de argumentação lógica, podemos aceitar ou não
a idéia de Newton de espaço absoluto, pois como primeiro observou
Berkeley, você pode substituir o espaço absoluto pelo sistema de estrelas fixas no
céu e nada se altera na mecânica de Newton. Mas sabemos que a estrelas não estão
fixas no céu, e então podemos perguntar
se existe um referencial inercial perfeito. Para a maioria das situações
Mecânica Newtoniana

17
práticas, um referencial fixo na superfície da Terra é aproximadamente inercial.
Isto decorre da baixa velocidade angular da Terra, mas,
como veremos no capítulo 6, em várias situações somos forçados a
levar em conta que um referencial fixo na Terra não é inercial, devido
a sua rotação. Uma escolha melhor é um referencial cuja origem coincida com o
centro da Terra, entretanto, neste caso também não temos
um referencial exatamente inercial, pois a Terra está acelerada em
seu movimento orbital em torno do Sol. Claro que um referencial cuja
origem se localiza no Sol é um excelente referencial inercial, porém
nossa estrela participa do movimento de rotação de nossa galáxia (a
via-láctea) executando um movimento de rotação em torno do centro da galáxia com um
período de aproximadamente 200 milhões de
anos. Na busca de um referencial inercial perfeito, podemos escolher
um cuja origem esteja no centro de nossa galáxia. Mas nosso objetivo não é
alcançado, pois a via-láctea faz parte de um grupo local de
galáxias, cuja vizinha mais próxima é Andrômeda, e que giram em
torno do centro de massa. Este grupo local de galáxias faz parte de
um grande agrupamento de galáxias (a Constelação de Virgem), cujo
centro dista 60 milhões de anos-luz da terra e que também tem um
movimento de rotação! Assim, não encontramos no Universo um referencial inercial
perfeito. Podemos acreditar que o melhor referencial
é aquele que tem como referência a distribuição de galáxias muito
distantes, substituindo a antiga proposta de Berkeley, que tomava as
estrelas “fixas” como referência. Mas mesmo galáxias muito distantes
têm movimento acelerado e, assim, a melhor definição a que podemos
chegar é, segundo Mach, que um referencial inercial é aquele em que
a matéria do Universo não é, em média, acelerada, isto é, sistemas de
coordenadas inerciais são os que se encontram em repouso, ou pelo
menos não sofrem aceleração, em relação à média do movimento da
matéria no Universo. Logicamente, nas aplicações práticas da mecânica de Newton,
não necessitamos resolver questões filosóficas como
a existência ou não de um referencial inercial perfeito, ou acerca da
existência ou não de um espaço absoluto. Mas fica claro que devemos
sempre escolher um referencial inercial adequado a cada situação,
como veremos durante este curso.

1.2.2 Segunda e terceira leis: massa e força


A medida quantitativa da inércia de um corpo é o que se denomina
de massa. Nós estamos familiarizados com a noção de que quanto
mais massivo um objeto, maior é sua resistência à aceleração. Existe
uma diferença muito grande entre empurrar uma bicicleta e um carro
– compare os esforços em cada caso. Pela experiência, sabemos que
os movimentos dos corpos são controlados pela maneira como eles
interagem com sua vizinhança. Quando empurramos um objeto so-

18
bre uma superfície rugosa, o atrito faz com que ele rapidamente atinja
o repouso, mas, se lubrificarmos as superfícies de contato, a distância
percorrida até atingir o repouso é muito maior. As interações de um
corpo com outros corpos implicam na variação de seu estado de movimento, o que
significa que o corpo adquire uma aceleração (ou desaceleração) e partimos daí para
quantificar a inércia, ou seja, através
da aceleração adquirida pelo corpo.
Considere dois corpos isolados e interagindo entre si, apenas por meio
das forças gravitacionais que um exerce sobre o outro. Experiências
cuidadosas mostram que as acelerações de dois corpos interagindo
são sempre opostas e que a razão das acelerações é inversamente
proporcional às suas massas inerciais. Isto é, a experiência mostra
que se a A e aB são as acelerações dos corpos A e B de massas inerciais

mA e mB , temos:

(1.1)

aA
m
=− B.
aB
mA

O sinal menos indica que as acelerações têm sentidos opostos. Esta


relação explicita o fato de que, quanto maior a massa do corpo, menor a sua
aceleração. Assim, escolhendo-se um corpo-padrão como
unidade de massa, pode-se determinar a massa de qualquer outro
corpo medindo-se a razão entre a aceleração da unidade de massa e
a aceleração do corpo. Portanto, fica estabelecida uma definição operacional de
massa por meio da equação 1.1. Esta definição de massa,
tendo por base a dinâmica do movimento, medindo-se as acelerações, foi proposta por
Ernst Mach em seu livro The Science of Mechanics e se opõe à definição de Newton,
que se referia a massa como a
quantidade de matéria contida no corpo. O problema com esta definição é que ela
significa dizer que a massa m de um corpo especificado pela sua densidade de
matéria

e ocupando um volume V é dada

por
, e aqui temos uma questão, pois a densidade é, na realidade, a massa por unidade
de volume, e logo caímos em um círculo
vicioso. Assim, evitamos qualquer dificuldade com relação à definição de massa
usando um processo dinâmico para medi-la. Apesar de
esta definição operacional de massa ser apresentada em todos os livros de mecânica
são pouquíssimos os autores que se referem a
Mach como autor desta definição operacional.
A relação entre as acelerações, expressa na equação 1.1, mostra, pela experiência,
a validade da terceira lei de Newton na interação entre corpos
macroscópicos. Observe que podemos escrever a equação 1.1 como:
(1.2)
Mecânica Newtoniana

mAa A = −mB aB
19
A equação 1.2 quer dizer que, como resultado da interação entre os
dois corpos, o produto massa vezes aceleração é constante e explicita
a mudança no movimento. Este produto é definido como força e denota a interação
entre os corpos. Considerando o movimento no espaço
ao invés de numa linha e usando notação vetorial, definimos:
,
(1.3)
.
Sendo

a força que o corpo B exerce sobre A e

a força que o

corpo A exerce sobre B, assim a equação 1.2 significa:


(1.4)

O que mostra que a definição operacional de massa (equação 1.1) é consistente com a
terceira lei de Newton (ação e reação iguais e opostas).
A equação 1.4 diz que as forças que resultam das interações entre os
corpos sempre existem aos pares, ou seja, não existe uma ação sem
haver uma reação. Assim, nunca vamos encontrar um corpo isolado
que esteja acelerado. Observe também que a terceira lei pode ser encarada de duas
formas: na forma fraca, em que a ação e reação são
iguais e opostas; na forma forte, na qual a ação e reação são iguais
e opostas estando elas orientadas segundo a reta suporte que une
os corpos. Esta distinção será útil no estudo de um sistema de partículas no
capítulo 5. A terceira lei, apesar de ser válida em situações
físicas que encontramos na mecânica, apresenta dificuldades quando
tratamos da eletrodinâmica de corpos em movimento. Para cargas
aceleradas em movimento muito rápido, a ação e a reação não estão necessariamente
segundo a reta suporte que une as cargas, e
desde que a terceira lei pressupõe que a interação entre os corpos
ocorra instantaneamente, ela naturalmente falha para interações que
ocorram com velocidade finita. Como exemplo, temos as interações
eletromagnéticas entre cargas aceleradas, cuja velocidade tem valor
c =299.792.458 m/s. Assim, você deve estar ciente tanto da aplicação
triunfal da mecânica de Newton em uma extensa gama de fenômenos
como também de suas limitações (por exemplo, não podemos descrever átomos e
moléculas usando a mecânica newtoniana), ficando
claro que, neste curso, iremos tratar de situações físicas em que a
mecânica newtoniana é plenamente aplicável.

20
A definição operacional de massa também é consistente com a segunda lei, pois como
vimos, quando a massa é constante, a força é o
produto da massa pela aceleração. Para se entender esta consistência,
basta lembrar que o momento linear é definido como o produto da
massa pelo vetor velocidade,

P = mv ,

(1.5)

onde, de forma genérica, estamos considerando uma partícula de


massa

m e velocidade v e, assim, escrevemos a segunda lei:

(1.6)

Quando a massa é constante, a equação 1.6 torna-se a expressão familiar da segunda


lei,
(1.7)

que concorda com as expressões de força para

F AB e F BA dadas na

equação 1.3. Usando a segunda lei expressa na equação 1.6, podemos


escrever a equação 1.4 (a terceira lei) da seguinte maneira:
(1.8)

ou,
(1.9)

Como a derivada de uma constante é zero, temos, finalmente:


(1.10)

PA + PB = PTotal = constante.
Em outras palavras, isto quer dizer que a terceira lei nos assegura que
o momento linear total de dois corpos isolados e interagindo apenas
entre si é constante no tempo. Perceba bem que neste caso nenhuma
outra força está atuando, mas apenas as forças que expressam suas
interações mútuas. Mais adiante neste curso, veremos como generalizar este
resultado para um sistema de partículas que interagem
mutuamente e estejam também sob a ação de forças externas.
Agora você deve estar percebendo que, para determinarmos o movimento futuro de uma
partícula, usamos as leis de Newton. Usamos
a primeira lei ao estabelecermos um referencial inercial adequado à
Mecânica Newtoniana

21
situação física, como o movimento de corpos na superfície
na Terra

ou movimento dos planetas, e determinamos a posição r (t ) usando a
segunda lei (equação 1.6 ou 1.7), isto é, resolvendo a equação diferencial de
segunda ordem:
(1.11)
Você deve lembrar que
a aceleração é a taxa
de variação segunda da
posição com o tempo.

Nesta equação, está explícito que a força

F é a resultante das forças

que atuam sobre a partícula e admite-se que conhecemos esta força.


A solução desta equação apresenta duas constantes arbitrárias e, logo,
para que tenhamos uma solução única, devemos conhecer as condições iniciais do
estado de movimento da partícula, isto é, a sua posi→

r(t 0 ) e sua velocidade inicial v (t 0 ) , sendo t0 o instante inicial, que


usualmente é tomado como o instante zero, t0 = 0 . Note que
ção inicial

a equação 1.11 é uma equação vetorial, que na realidade sintetiza três


equações, uma para cada direção no espaço. A solução analítica da
equação de movimento (equação 1.11) só é possível em situações especiais em que a
força ou é constante ou tem uma dependência simples
com a posição, a velocidade e/ou o tempo. O importante é que, mesmo em situações
práticas em que a força tem dependência complicada, podemos resolver as equações de
movimento numericamente com
o auxílio de computadores, os quais atualmente têm alta capacidade
de processamento, permitindo a solução de problemas bastante complexos. Por
exemplo, nós podemos obter de forma analítica a trajetória
de um projétil incluindo a resistência do ar, mas o lançamento de um
satélite em órbita exige uma solução numérica para o problema. Neste
curso, iremos considerar problemas mecânicos simples que permitem
um tratamento analítico, o que exige um conhecimento prévio de cálculo diferencial
e integral. Iniciaremos com o estudo do movimento de
uma partícula, assunto da próxima seção.

1.3 Movimento em uma Dimensão


1.3.1 Teorema do momento linear e da energia
Nesta seção, estudar-se-á o movimento de uma partícula de massa

m ao longo de uma linha reta que será considerada o eixo x , sob a


ação de uma força F dirigida ao logo do eixo, isto é, estudaremos o

movimento em uma dimensão. Neste caso, a equação 1.11 se reduz a


uma única, isto é:
(1.12)
22

••

m x = F ( x, x, t ) .
em que usamos a notação simplificada

••

2
x≡d x

dt 2

para a

velocidade e para aceleração da partícula. Observe que, mesmo para o


movimento unidimensional, só podemos resolver analiticamente a
equação de movimento em casos em que as forças não tenham uma
dependência muito complicada com a posição, velocidade e tempo.
Caso contrário, tendo-se as condições iniciais, resolve-se a equação
(1.12) numericamente. Lembre-se de que a força

F ( x, x, t ) é a resultan-

te. Por exemplo, para um corpo que cai verticalmente, ela vai ser a
soma da força peso mais a força de atrito devido à resistência do ar.
Antes de resolvermos a equação de movimento unidimensional para
algumas situações mais simples, vejamos os teoremas do momento linear e da energia
para o movimento em uma dimensão. Como vamos
analisar o movimento em uma dimensão, podemos omitir o caráter
vetorial das grandezas físicas, como força, aceleração, momento linear
e velocidade. Convencionamos que o movimento para a direita (ou para
cima) é positivo e para esquerda (ou para baixo) é negativo. Reescrevemos a equação
(1.6), a segunda lei de Newton, em uma dimensão:
(1.13)

Esta equação estabelece que a taxa de variação do momento linear de


uma partícula é igual à força aplicada, que é justamente o enunciado
da segunda lei. Este teorema pode ser chamado Teorema do Momento
Linear, na forma diferencial, e nos referimos à segunda lei como o teorema do
momento linear. Seu corolário é de que, na ausência de uma
força, o momento linear é constante no tempo. A integração desta
equação diferencial entre os instantes t1 e t2 fornece o Teorema do
Momento Linear na forma integral,
t2

∆P = P2 − P1 = ∫ Fdt .

(1.14)

t1

Isto é, a variação do momento é dada pela integral da força no tempo.


A integral é chamada de impulso, o qual é fornecido pela força durante este
intervalo de tempo. A força deve ser conhecida como função
do tempo apenas, de modo que possamos calcular a integral. Caso
a força F dependa da posição, da velocidade e do tempo, ou seja,

F ( x, x, t ) , o impulso pode ser calculado, para um movimento particular em que


sejam conhecidos

x(t ) e x(t ) . Em muitas situações, não

temos informação de como a força varia no tempo, mas podemos medir a variação no
momento linear e, portanto, determinar o valor do
impulso (o valor da integral). Pense no exemplo em que se chuta uma
bola em repouso e cuja massa é conhecida. Não conhecemos como
a força atuante varia com o tempo enquanto o pé colide com a bola,
Mecânica Newtoniana

23
mas podemos, de forma indireta, medir a velocidade que a mesma
adquire e assim saber o valor do impulso.
A partir do teorema do momento linear, podemos chegar a outro teorema relacionado
ao conceito de energia, a energia associada ao movimento, denominada de energia
cinética. Em uma dimensão, temos
, reescrevemos a equação 1.13 e, multiplicando-se ambos os
membros pela velocidade v da partícula, obtemos,
(1.15)

ou,
(1.16)

Sabemos que a quantidade entre parênteses é definida como a energia cinética da


partícula,
(1.17)

cuja unidade no MKS é o Joule e tem dimensões


, ou seja, o produto de força por distância. Para se estabelecer uma relação entre
energia de movimento, força aplicada e a
distância percorrida, reescreve-se a equação 1.16,
(1.18)

isto é, a taxa de variação temporal da energia cinética é igual ao produto da força


aplicada pela velocidade da partícula no instante t , que
chamamos de potência mecânica. Logo, a energia cinética pode
permanecer constante ( F = 0 ), ou pode aumentar se a força tiver
o mesmo sentido da velocidade, ou diminuir se a força tem sentido
oposto, ou seja, se opondo ao movimento (força de resistência do ar,
por exemplo). A equação 1.18 é conhecida como o teorema da energia (na forma
diferencial) e, integrando-se esta equação entre os instantes t1 e t2 , obtemos
este teorema na forma integral:
t2

(1.19)

∆EC = EC 2 − EC1 = ∫ Fvdt .


t1

A integral na equação 1.19 é denominada de trabalho realizado pela


força durante este tempo. Isto é, a variação da energia cinética é igual
ao trabalho realizado pela força aplicada. A equação 1.19 é conhecida
como o teorema do trabalho-energia, sendo que o integrando é a
potência significando a taxa de execução de trabalho com o tempo

24
pela força

F . Deve ficar claro que, se a força é conhecida como

F ( x, x, t ) , a integral só pode ser calculada para um movimento particular em


que são conhecidos
posição, isto é,
que

x(t ) e x(t ) . Quando a força depende da

F = F (x) , podemos reescrever a integral, lembrando

, e assim:

(1.20)

sendo a força conhecida, podemos calcular diretamente a variação


da energia cinética da partícula enquanto se desloca da coordenada

x1 até x2 calculando o trabalho (a integral) realizado por esta força.


Você deve ter notado que a equação 1.20 mostra que chegamos a
uma relação entre energia, força e distância como foi inferido a partir
da análise dimensional da energia. A equação 1.20 explicita, então, o
teorema do trabalho-energia, isto é, que a variação da energia cinética da
partícula entre dois pontos de sua trajetória é igual ao trabalho
realizado pela força para deslocá-la entre estes pontos.
1.3.2 Força constante e força dependente do tempo
O problema mecânico mais simples é o caso da força constante. A
equação 1.12 torna-se:
••

x=

(1.21)

F
= a,
m

e temos uma aceleração constante. Como

, integramos a

equação 1.21 para obter a velocidade,


(1.22)

logo,
(1.23)
v(t ) = v0 + a (t − t0 ) .

Sendo

, integramos agora a equação 1.23 para se obter a


posição da partícula como função de tempo,

(1.24)

(1.25)

1
x = x0 + v0 (t − t0 ) + a (t − t0 ) 2 .
2

Os resultados expressos nas equações 1.23 e 1.25 certamente são fa-

Mecânica Newtoniana

25
miliares a você, como sendo as soluções para o movimento uniformemente acelerado.
Vale frisar que a equação de movimento é de segunda ordem e na sua integração temos
duas constantes arbitrárias,
que, como você pode ver, referem-se à velocidade e posição iniciais da
partícula, ou seja, x0 e v0 , no instante t0 , para o qual podemos atribuir
qualquer valor. Na maioria dos casos, tomamos

t0 = 0 . O caso da força

constante tem aplicação, por exemplo, em corpos em queda livre próximos à


superfície da Terra, quando desprezamos a resistência do ar.
Uma outra situação em que podemos integrar diretamente a equação
do movimento é quando a força atuante depende do tempo apenas,
isto é, F = F (t ) . Neste caso, podemos ainda usar a equação 1.22 para
determinar a velocidade, mas agora a aceleração,

a = F (t ) m , não é

constante e, assim, temos:


(1.26)

A velocidade pode ser obtida na medida em que conhecemos a força

F (t ) . Uma vez determinado v(t ) , integramos para obter a posição da

partícula, isto é,
(1.27)

O problema está agora formalmente solucionado. Tendo sido especificada a força,


calculamos as duas integrais. Mesmo se a força depender do tempo de uma maneira
muito complicada, podemos encontrar
a solução por meio de integração numérica.

1.3.3 Forças dependentes da posição: energia potencial


Em muitas situações, a força que atua sobre um corpo depende da posição. Lembre-se,
por exemplo, da força gravitacional, ou da força restauradora de uma mola. Isto
significa que a equação de movimento é:
(1.28)

••

m x = F (x) .

Esta equação diferencial pode ser resolvida de várias maneiras. Uma


solução pode ser alcançada usando-se a regra da cadeia para escrevermos a
aceleração da seguinte forma:
(1.29)
Ou seja,

26

.
(1.30)

Equação que agora podemos integrar desde a posição


tícula tem velocidade
dade

v , isto é,

x0 , onde a par-

v0 , até a posição x onde a partícula tem veloci-

(1.31)

(1.32)

Resultado que permite obter a velocidade como função da posição

v(x) , a partir da qual obtemos a posição como função do tempo, pois


, e assim,
x

dx
∫x v( x) = t∫ dt .
0
0

(1.33)

Porém, em vez de se adotar o procedimento indicado nas equações


1.32 e 1.33, é mais conveniente observar que a equação 1.32 expressa
o teorema do trabalho-energia, que já vimos na equação 1.20. Como
vimos, a integral na equação 1.32 (ou 1.20) é o trabalho realizado pela
força quando a partícula se desloca de x0 para x e é uma função da
posição. Definimos a diferença de energia potencial como o trabalho
realizado pela força quando a partícula se desloca de x para um ponto de referência

x0 , isto é,

(1.34)

Ou, na forma diferencial,


(1.35)

e assim expressamos a força como a derivada da energia potencial. A


energia potencial é, portanto, uma função das coordenadas da partícula cuja
derivada negativa é a força. Note que a mudança da coordenada do ponto de
referência (escolher outro valor para x0 ) significa

V (x) , o que não altera a


equação de movimento, já que a força é a derivada de V (x ) , e a deri-

simplesmente adicionar uma constante à

vada de uma constante é zero. Logo, escolhemos sempre um ponto de


referência mais conveniente para cada situação. Como
,
reescrevemos a equação 1.32:

Mecânica Newtoniana

27

Vamos representar a
diferença de potencial por
.
Cuidado para não
confundir com velocidade.
(1.36)

(1.37)

A quantidade no segundo membro depende apenas das condições


iniciais e, assim, se mantém constante durante o movimento, isto
é, a soma da energia cinética mais a energia potencial da partícula
permanece constante no tempo e a denominamos de energia total
ou energia mecânica E . Desta maneira, a equação 1.37 expressa a
Citamos como exemplo de
forças conservativas
a força peso e a
força elástica.

conservação da energia mecânica, que é válida quando a força aplicada só depende da


posição (veja a definição para energia potencial
na equação 1.34). Logo, no movimento em uma dimensão, forças que
dependem só da posição são ditas forças conservativas, pois a energia mecânica é
conservada (ou seja, é uma constante do movimento).
Podemos usar a conservação da energia total para resolver o movimento, isto é,
obter a velocidade e posição. Para isso, reescrevemos a
equação 1.37,
(1.38)

e resolvendo para

v , obtém-se,

(1.39)

A escolha dos sinais (mais ou menos) é arbitrária, mas convencionase o sinal mais (
+ ) para movimento no sentido positivo do eixo x e
o sinal menos (-) para o movimento no sentido negativo. Portanto,
eliminaremos o sinal ± em frente à raiz quadrada, pois o sentido da
velocidade deverá estar especificado em cada problema. A equação
1.39 especifica como a velocidade varia com a posição, v (x ) , à medida que
conhecemos a função energia potencial. A função

x(t ) é

obtida integrando-se a equação 1.39,

(1.40)

Você deve notar que a equação (1.40) é, na realidade, a equação 1.33


reescrita de outra forma, ou seja, escrevendo-se a velocidade em termos da energia
total e da energia potencial (equação 1.39). Ademais,
as condições iniciais estão agora especificadas em termos da energia
total E e da posição inicial x0 . Naturalmente, sendo especificadas as

28
condições iniciais e a energia potencial V (x ) , a equação 1.40 mostra
que o problema está formalmente resolvido. Dependendo da forma de

V (x) , nem sempre podemos resolver a integral, mas quando possível,


resolvemos diretamente a integral, achando x (t ) . Note que a equação
1.39 diz que para uma dada energia mecânica E , o movimento da partícula vai estar
confinado às regiões no eixo x em que E ≥ V (x ) , caso

contrário a velocidade se torna uma quantidade imaginária. Assim,


podemos discutir de forma qualitativa o movimento, fazendo-se um
gráfico da energia potencial e considerando diversos valores possíveis
para a energia total. Como exemplo, considere que a energia potencial
de uma partícula tenha a forma apresentada na figura 1.1, onde estão
também indicadas várias energias possíveis para a partícula.

V(x)
E4
E3
E2
E1
E0

x5

x4 x2 x1 x0 x'1 x'2 x3 x6 x8

x8'

x6'

x7

Figura 1.1 - Função energia potencial para o movimento unidimensional.

Analisando a figura 1.1, você pode ver que, se E = E0 , então o único


lugar em que a partícula pode estar é em x0 , pois em outros pontos

E ≤ V (x) , e obtemos a velocidade como uma quantidade imaginária.


Como E0 = V ( x0 ) , a equação 1.39 fornece v = 0 , isto é, a partícula
permanece em repouso em x = x0 . Se a energia for um pouco maior
'
que E0 , digamos E1 , nas regiões x < x1 e x > x1 a velocidade será
imaginária e a partícula não pode se encontrar nestas regiões. Assim, a partícula
está restrita a se mover no vale da curva da energia
'
potencial entre x1 e x1 . Uma partícula movendo para a direita será

x1' , passando a se deslocar para a esquerda, quando será


então refletida em x1 . Portanto, dizemos que a partícula fica oscilando
'
entre x1 e x1 , sendo estes pontos designados, obviamente, de pontos
'
de retorno. Os pontos de retorno x1 e x1 são obtidos resolvendo-se
refletida em

Mecânica Newtoniana
29
E1 − V ( x) = 0 , o que significa velocidade nula nestes pontos. O que é
óbvio, pois para a partícula inverter sua velocidade, é necessário primeiro reduzi-
la a zero. Podemos explicar brevemente os movimentos
possíveis correspondentes à figura 1.1 como segue:

E0 : A partícula está em equilíbrio estável em x0 .


E1 : A partícula move-se entre os pontos de retorno x1 e x1' .
E2 : A partícula pode mover-se entre os pontos de retorno x2 e x2' , ou
'
mover-se entre os pontos x6 e x6 , sendo que na região entre x8 e x8'

ela se move com velocidade constante (região de equilíbrio neutro ou


indiferente). A partícula também pode se mover na região x > x7 .

E3 : Com esta energia, podemos encontrar a partícula em repouso


em x3 , que é uma posição de equilíbrio instável. Ela também pode
se deslocar entre x4 e x3 , ou se deslocar na região x > x3 . Logicamente, a
partícula pode se deslocar na região x < x5 . Mas ela não
pode se deslocar entre x4 e x5 , pois nesta região E ≤ V (x ) . Isto
quer dizer que uma partícula deslocando-se na região x < x5 nunca poderá acessar a
região x > x4 e vice versa. Dizemos que na
região entre x4 e x5 temos uma barreira de energia potencial.
E4 : Neste caso, a partícula tem energia suficiente para se mover ao longo de todo
o eixo x , pois a energia potencial nunca é maior que a energia total. A partícula
irá se deslocar aumentando ou diminuindo sua velocidade, na medida em que
passa pelos vales e colinas da função energia potencial. Em
muitas situações, é de interesse analisar o movimento da partícula em torno da
posição de equilíbrio, isto quer dizer, energias levemente maiores que E0 . Assim,
se V (x ) tem um mínimo em x = x0 ,
expandimos a função

V (x) em uma série de Taylor em torno deste

ponto:

(1.41)

A expansão em série de Taylor (equação 1.41) é bastante útil na obtenção de


aproximações de fórmulas mais complicadas que expressam
o resultado de um certo problema. Abaixo, mostramos a expansão de
algumas funções f (x ) em torno da origem ( x0 = 0 ), que significa di-

30
zer que os valores atribuídos a x não devem se afastar muito de zero,
portanto estas expansões são válidas para
,

1
= 1 − x + x 2 − ...
1+ x
1
x 3
= 1 − + x 2 − ...
f ( x) =
2 8
1+ x
x x2
f ( x) = 1 + x = 1 + − + ...
2 8
x2
+ ...
f ( x) = e x = 1 + x +
2
x 2 x3
f ( x) = ln(1 + x) = x − + − ...
2
3
3
x
f ( x) = sen x = x − + ...
3
x2
f ( x) = cos x = 1 − + ...
2

f ( x) =

(1.42)

Estas expansões serão utilizadas durante este curso de mecânica,


como você verá ainda neste capítulo. Quando nos interessar obter um
caso particular a partir de um mais geral, por meio de aproximações
adequadas, usaremos as expansões acima, e a elas vamos nos referir
como conjunto de equações 1.42.
Voltando agora à expansão dada na equação 1.41, vemos que a
constante V ( x0 ) pode ser ignorada, pois não afeta o movimento, e
lembrando que num ponto de mínimo de uma função temos
e
e

efetuamos

as

abreviações

, o que permite escrever a função poten-

cial na seguinte forma:


(1.43)
.

Nesta equação, desprezamos os termos de ordem mais alta, pois es'


tamos considerando valores pequenos de x , isto é, a partícula não se
afasta muito do ponto de equilíbrio. A força é a derivada negativa da
função energia potencial, logo
, e a partícula, quando
afastada da posição de equilíbrio, fica submetida a uma força que tende a retorná-
la ao ponto de equilíbrio, força dita restauradora, como
em molas que satisfazem a lei de Hooke. A equação 1.43 expressa
uma aproximação parabólica para o potencial verdadeiro, e em muiMecânica Newtoniana

31
tas situações usamos esta aproximação. Por exemplo, para o movimento de átomos em
uma molécula ou de átomos em uma rede cristalina, em torno da posição de
equilíbrio, podemos usar esta
aproximação parabólica para a energia potencial, o que significa tratar o problema
de forma mais simples, como se os átomos em uma
molécula ou numa rede cristalina estivessem ligados por molas, que
satisfazem a lei de Hooke.
Exemplo 1. Da discussão anterior, vê-se que é importante resolver,
como exemplo, o problema de uma partícula submetida à força restauradora linear,
como uma massa ligada a uma mola, ou num caso
mais geral, quando a partícula oscila em torno da posição de equilíbrio, como
discutido anteriormente, e submetida à força:
(1.44)

Escolhendo o ponto de referência como a origem ( x0

= 0 ), a energia

potencial é:
(1.45)
e, escolhendo

t0 = 0 , a equação 1.40 torna-se:

(1.46)

x(t ) seria buscar o resultado da integral acima em uma tabela de integrais, mas
neste caso podemos resolver diretamente a integral, a partir das substituições de
variáveis (apenas com o objetivo de se efetuar a integração de forma elementar),

Um procedimento para se obter

(1.47)

de tal maneira que a integral fica:


x

(1.48)

m
1
1
( E − kx 2 ) −1/2 dx =

2 x0
2
0

1
∫ dy = 

y0

( y − y0 ) = t .

E assim,
(1.49)

y = 0t + y0 .

E, usando a substituição dada na equação 1.47, obtemos a posição da


partícula como função do tempo:

(1.50)

32

.
A coordenada

x da partícula oscila harmonicamente no tempo com

A=

amplitude

2E
e freqüência
k

. Observe que as condições ini-

E e da posição
x0 = A sen y0 . Devido ao fato de a partícula realizar oscilações

ciais estão especificadas em termos da energia total


inicial

harmônicas, a aproximação parabólica para uma função energia potencial é dita


também de aproximação harmônica para a energia potencial.
Quando a energia mecânica da partícula é bem maior que V ( x0 ) , como
a energia

E2 na figura 1, ela oscilará entre os pontos de retorno, mas as

oscilações não serão harmônicas (ou lineares), pois não poderemos


desprezar termos de ordem mais alta na expansão para a energia potencial, dada na
equação 1.41. Neste caso, as oscilações são ditas nãolineares. No capítulo 2
estudaremos oscilações lineares e não lineares.
Um outro exemplo importante de força dependente da posição é a força
gravitacional. De acordo com a lei de gravitação de Newton, a força
entre um corpo de massa m a uma distância x + R do centro da terra
(de massa

M ) é:

onde consideramos a Terra como esférica de raio

R e a coordenada

x , obviamente, sendo medida a partir da superfície da Terra.

1.3.4 Forças dependentes da velocidade: velocidade limite


Agora iremos considerar forças atuantes em um corpo e que dependem da velocidade
deste corpo. Este é o caso da resistência viscosa
exercida sobre um corpo que se desloca em um fluido. A resistência
que o ar oferece ao deslocamento dos corpos também se inclui neste caso. Aqui não
se incluem as forças de atrito de deslizamento ou
rolamento entre superfícies sólidas e secas, as quais são aproximadamente
constantes para um dado par de superfícies, havendo uma
força normal conhecida entre elas, e dependem da velocidade somente quanto ao fato
de serem sempre opostas à velocidade. Por outro
lado, a dependência das forças resistivas em fluidos e gases com a
velocidade só pode ser determinada, para cada situação, por meio de
medidas. A experiência mostra que, em geral, estas forças de atrito
são proporcionais a alguma potência da velocidade, isto é,
(1.51)

onde b é uma constante positiva de proporcionalidade e n um inteiro


positivo. Se n é ímpar, usamos o sinal negativo; se n é par, devemos
Mecânica Newtoniana

33
usar o sinal negativo ou positivo de maneira que a força seja sempre
oposta à velocidade, realizando trabalho negativo, isto é, convertendo
energia mecânica em outra forma de energia (como calor gerado por
atrito). A força de atrito que atua sobre um corpo que se desloca em
um meio viscoso como o ar ou água é um exemplo de força de arrasto
e a constante b é, por vezes, chamada de coeficiente de arrasto. As
forças de arrasto implicam em efeitos importantes em uma grande
variedade de objetos, desde gotas de chuva, bolas de beisebol, até (e
principalmente) em aeronaves e embarcações. A constante b depende essencialmente da
geometria do corpo, isto é, depende da área que
o corpo oferece à resistência do ar, e da densidade do meio e sua viscosidade. Com
relação à geometria do corpo, lembre-se da diferença
que existe na resistência que o ar oferece à queda de uma caneta e à
queda de uma folha de papel. Com relação à densidade do meio, lembre-se da
resistência que a água oferece ao deslocamento de corpos,
que é bem maior que aquela que o ar oferece. Destes fatos, fica claro
que é por meio de medidas que obtemos a constante b e o valor de n .
Para o movimento em fluidos, em geral, a força não tem uma forma
simples como indicado na equação 1.51, e em cada caso a experiência
é que possibilita obtermos informação sobre a força. Para corpos se
deslocando no ar, a experiência mostra que, em muitos casos, temos
uma boa aproximação para descrever a situação real, com n = 1 ou

n = 2 . Em geral, temos resultados melhores quando descrevemos a

força resistiva como a soma de dois termos:

F (v) = −b1v − b2v 2 ,

(1.52)
Verifique as dimensões
de
e
.

x . Veja que as constanb1 e b2 têm dimensões diferentes, isto é, [b1 ] = MT -1 e


[b2 ] = L-1M .

sendo a velocidade no sentido positivo do eixo


tes

Observe também que, para baixas velocidades, o termo linear é que


domina, ao passo que, para velocidades altas, o termo quadrático domina. Para
corpos como carros e aviões, as constantes de proporcionalidade (coeficientes de
arrasto), em cada caso, são obtidas por meio
de experimentos em protótipos em túneis de vento.

túnel de vento ou túnel aerodinâmico é um equipamento que testa a ação do ar sobre


um objeto. A
velocidade de deslocamento do ar pode ser controlada e
é possível controlar também temperatura e pressão do
ar, em sistemas mais sofisticados. Esses túneis são construídos sob muitas formas e
para diferentes propósitos.

34
Nos túneis de vento, são feitos testes com o objetivo de
otimizar as características aerodinâmicas de automóveis e aeronaves. Um túnel de
vento pode testar veículos
de diferentes pesos e formas e medir as forças de atrito
resultantes de um escoamento de ar. Para realizar esse
escoamento de ar, existe um ventilador de dimensões
apreciáveis (o diâmetro das pás pode ultrapassar os dez
metros), que consegue simular ventos equivalentes a velocidades superiores a 200
km/h. Alguns túneis têm dimensões que permitem testar aviões em tamanho real.
Túneis de vento onde a velocidade do vento é menor que
a velocidade do som são chamados subsônicos, e aqueles onde a velocidade é superior
a do som são chamados supersônicos. E os que têm velocidade cinco vezes
ou mais que a do som são chamados hipersônicos. Em
alguns túneis, são estipuladas temperaturas muito baixas, a fim de simular
condições de grande altitude. Em
outros, a temperatura é muito elevada, de maneira a simular as condições existentes
em um vôo de um míssil
no ar. Devido à complexidade da interação escoamentocorpo, a determinação teórica
das cargas aerodinâmicas
(forças e torques) é, muitas vezes, imprecisa. Apesar do
desenvolvimento da aerodinâmica computacional, certas configurações exigem o uso do
túnel de vento para a
medição das cargas em condições próximas àquelas em
que o corpo será utilizado.

Iremos considerar primeiro a solução da equação de movimento para


partículas submetidas a forças dadas pela equação 1.51.

v0 no
x quando se desliga o motor. Esse instante é
tomado como t0 = 0 e sua posição inicial sendo x0 = 0 . Uma outra siExemplo 2.
Considere a situação de um barco cuja velocidade é
sentido positivo do eixo

tuação, mas equivalente, é aquela em que colocamos a marcha no ponto neutro quando
um automóvel está a 80 km/h e deslocando-se em
uma longa estrada retilínea. Seu movimento subseqüente vai depender
da resistência do ar. Toda a energia cinética inicial do automóvel irá se
transformar em calor, devido principalmente ao atrito viscoso com o
ar, e ele diminui lentamente sua velocidade até atingir o repouso. Veja
que a taxa com que diminui a energia cinética é obtida usando-se a
equação 1.18, e isto só pode ser feito depois de resolvido o movimento,
isto é, conhecendo-se v (t ) . Vamos resolver a equação de movimento

Mecânica Newtoniana

35
admitindo que n = 1 , e usando a equação 1.51, temos:
(1.53)

que integramos para obter a velocidade,

(1.54)

E, assim, v → 0 somente para t → ∞ , ou seja, o barco (ou o automóvel) nunca


atingirá o repouso em tempo finito. Para obter a posição
como função do tempo, integramos a velocidade no tempo,

.
(1.55)
Logo, apesar de levar um tempo infinito para atingir o repouso, a distância
percorrida x p é finita, isto é,
, para t → ∞ . Embora, de acordo com o resultado acima, equação 1.54, a velocidade
nunca
se torne efetivamente nula, para tempos suficientemente grandes a velocidade torna-
se tão pequena que o corpo estará praticamente parado.
Mas como explicamos o fato de que, na prática, o barco ou o automóvel deste exemplo
atingem o repouso num tempo finito? A resposta está na dependência da força com a
velocidade, isto é, para baixas
velocidades o valor de n na equação 1.51 é, presumivelmente, me-

nor que um ( n < 1 ). Por quê? Ora, veja o comportamento de F (v)


em altas e baixas velocidades na figura 1.2, onde temos gráficos de

F (v) versus v , para alguns valores de n .

36
F(v)

v
Figura 1.2 - Força resistiva F (v) versus v para alguns valores de n .

Podemos observar das curvas na figura 1.2 que, para n < 1 , em baixas
velocidades, temos forças mais elevadas do que forças com expoente

n ≥ 1 . Assim, para valores de n < 1 , as forças resistivas têm intensida-

de suficiente para que o corpo acabe percorrendo uma distância finita


num tempo finito. Podemos perceber claramente que forças com n < 1
predominam em baixas velocidades. Em geral, um valor muito grande
do expoente n resulta em um rápido decréscimo inicial da velocidade,
mas demorará a atingir o repouso e vice-versa, isto é, um expoente
pequeno resulta em um decréscimo gradual da velocidade, mas atinge
o repouso mais rapidamente. Portanto, no caso real, temos a indicação
de que o expoente n deve ser grande para velocidades elevadas, mas
torna-se pequeno em baixas velocidades. Você percebe algo de prático
nesta conclusão? Não? Pense em automóvel a alta velocidade e constante, digamos a
120 km/h. Neste caso o expoente é maior, por exemplo, n = 2 , do que quando o
veículo está a uma velocidade constante

de 80 km/h, quando o expoente é menor, por exemplo, n = 1 . Logo, a


força de atrito do ar aumenta muito à medida que n cresce e, assim, temos um
acréscimo no consumo de combustível para manter o veículo
com velocidade constante, não só porque a velocidade é mais elevada,
mas também porque a força de atrito é agora bem maior.

Em relação aos resultados encontrados para a velocidade e posição,


equações 1.54 e 1.55, é importante ressaltar que, se a constante de

Mecânica Newtoniana

37
proporcionalidade b for pequena, podemos obter uma solução aproximada para o
movimento desde que os intervalos de tempo considerados sejam pequenos, isto é, os
valores que t pode assumir sejam
pequenos. Neste caso, podemos expandir as exponenciais nas equações 1.54 e 1.55,
usando a expansão para a função exponencial que é
fornecida na equação 1.42, obtendo assim:
(1.56)

(1.57)

Resultados que expressam a posição e velocidade quando a força é


constante. Isto significa que o movimento, nos primeiros intervalos de
tempo, pode ser considerado como uniformemente desacelerado,
sendo a desaceleração igual
, onde
é o valor inicial e
máximo da força de atrito, pois a velocidade decresce com o tempo.
Obviamente, quanto maior o valor da constante b , menores devem
ser os intervalos de tempo considerados para que as aproximações
dadas nas equações 1.56 e 1.57 sejam válidas. Você pode verificar isto
fazendo os gráficos da velocidade e posição usando as equações 1.54
e 1.56 e as equações 1. 55 e 1.57.
Exemplo 3. Agora vamos considerar que temos duas forças atuantes
em um movimento unidimensional. Uma força constante e uma força
dependente da velocidade. Você já deve ter percebido que queremos
tratar de um corpo que cai próximo à superfície da Terra e onde levamos em conta a
resistência do ar. Considerando positiva a direção
para cima, escrevemos a equação de movimento,
(1.58)

onde escolhemos uma força resistiva linear na velocidade ( n = 1 ). Observe que,


como o corpo está caindo, a velocidade é negativa. Seja o
caso em que o corpo foi largado de certa altura, assim v0 = 0 e, com

t0 = 0 , integramos a equação 1.58:

(1.59)

38
Para intervalos de tempo pequenos, podemos aproximar a função exponencial, de modo
que:
(1.60)

Se o intervalo de tempo considerado for muito pequeno

vem

, o que significa desprezarmos a resistência do ar nos primeiros intervalos de


tempo. Após um intervalo de tempo maior
(
), a velocidade atinge um valor limite, isto é,
(1.61)

que se denomina de velocidade limite ou terminal de um corpo em


queda livre. Esta é a velocidade máxima que o corpo atinge, e isto
acontece porque temos uma força resistiva que cresce com a velocidade, de modo que,
em certo momento, a força resistiva se equipara à
força peso e, logo, pela equação 1.58, vemos que a aceleração torna-se
nula e o corpo passa a se mover com velocidade constante, que é a velocidade
limite. Podemos obter o valor da constante b por meio da velocidade terminal obtida
experimentalmente. Por exemplo, para gotas
de chuva, a velocidade limite varia entre 3 a 7 m/s, enquanto que, para
uma bola de basquete, ela está em torno de 20 m/s (ou ≈ 70 km/h) e,
para uma pessoa, a velocidade limite pode atingir a 160 km/h ou mais
de 200km/h, dependendo da posição do corpo durante a queda (área
que se oferece à resistência do ar). Na figura 1.3, mostra-se a velocidade (o
módulo) como função do tempo (equação 1.59) para três corpos
de mesma massa, mas com coeficientes de arrasto diferentes.

v(t)
v

b1
b2

L1

v L2

b3

v L3
b3 > b2 > b1
vL1 > vL2 > vL3
t
Figura 1.3 - Velocidade como função do tempo para corpos em queda com uma
força de arrasto proporcional à velocidade.

Mecânica Newtoniana

39
Tendo-se obtido a velocidade, na equação 1.59, integramos e obtemos
a posição como função do tempo, admitindo-se que em t0 = 0 , o cor-

x0 , isto é:

po foi largado de uma altura


x

x0

∫ dx´= ∫ v(t )dt ,

x − x0 = −

(1.62)

bt

mg
m
e
(1

)dt ,

b 0

Naturalmente, este resultado vale até o instante em que o corpo atinge o solo, isto
é, x = 0 . A partir da equação (1.62), você deve perceber
que o tempo para o corpo atingir o solo aumenta, mas não é possível
expressar o tempo de queda de forma elementar, como no caso em
que ignoramos o atrito com o ar, quando o valor para o tempo de
queda de um corpo é

2 x0
.
g

Você deve analisar os resultados dados nas equações (1.59), (1.61) e


(1.62) para concluir que, se a constante b (ou coeficiente de arrasto)
for grande, a velocidade terminal do corpo é pequena, sendo que ele
percorre uma distância pequena até praticamente atingir esta velocidade. E, se o
coeficiente de arrasto é pequeno, a velocidade limite vai
ser alta e o corpo percorre uma distância razoável antes de atingir esta
velocidade. Esta é a situação de um pára-quedista, em que, no início,
antes de abrir o pára-quedas, o coeficiente de arrasto é pequeno e ele
atinge uma alta velocidade terminal, mas quando abre o pára-quedas,
a constante de arrasto cresce muito rapidamente, atingindo um valor
bem mais elevado, reduzindo drasticamente a velocidade limite e fazendo com que o
pára-quedista atinja o solo com segurança.
n , no exemplo 3 feito acima, ( n = 1 ), nos
levou à conclusão que o corpo atinge uma velocidade limite (ou de
arrasto) quando em queda livre, o que de fato se verifica pela experiência. Mas
convém lembrar a você que, para corpos grandes e pesados como no caso de uma
pessoa, a experiência mostra que uma
descrição mais adequada para o movimento em queda livre é com
uma força resistiva (ou força de arrasto) proporcional ao quadrado da
velocidade, isto é,
. Verifique, a partir da equação de mo-

Veja que nossa escolha para

vimento, que neste caso, a velocidade limite de um corpo em queda é

40
vL = mg / b . Lembre-se sempre que é por meio da experiência que
se determina qual o melhor modelo para uma força de arraste em
cada caso. Convém lembrar que o exemplo 3, resolvido acima, para
um corpo em queda, serve igualmente para analisar o movimento de
um veículo se deslocando em uma estrada retilínea sobre o qual o
motor exerce uma força constante Fm e onde a resistência do ar é
proporcional à velocidade (ou ao quadrado da velocidade).

Resumo
A Mecânica de Newton fundamenta-se em três leis básicas para o
movimento de corpos no espaço. A aplicação destas leis no estudo do
movimento dos corpos pressupõe a escolha de um sistema de referência inercial, isto
é, que não esteja acelerado. A escolha do referencial
inercial é sempre feita de acordo com o problema mecânico abordado.
Por exemplo, para o estudo do movimento de projéteis, a superfície da
Terra é um ótimo referencial inercial, mas para o estudo do movimento planetário,
devemos localizar a origem do sistema de coordenadas
no Sol. Em uma dimensão, a segunda lei do movimento é:
,
que é conhecida também como teorema do momento linear, cuja forma integral é:
,

relacionando a variação no momento linear da partícula com o impulso transmitido


pela força aplicada F . O teorema do momento linear
permite obter o teorema da energia, na forma diferencial,
,
e a energia cinética se mantém constante somente na ausência de forças externas,
mas podendo aumentar caso a força esteja no sentido
do movimento, ou diminuir se a força é oposta ao mesmo.
Para o movimento em uma dimensão, quando a força depende apenas da posição, podemos
definir uma função energia potencial,
.

Mecânica Newtoniana

41
A força fica expressa pela derivada desta função,
. Neste
caso, estas forças são ditas conservativas, pois a partir da forma integral do
teorema da energia, obtém-se a conservação da energia mecânica (ou energia total, E
) isto é,
.

V (x) , obter a velocidade como função da


posição, o que nos leva à solução integral para x (t ) :

Podemos, sendo conhecido

Exercícios
1) Uma partícula de massa m está sujeita à ação de uma força
em que k e

F = −kx + kx 3 / a 2 ,

a são constantes.

a) Determine

V ( x) e faça um gráfico da energia potencial, especi-

ficando os pontos de máximo e mínimo, caso existam, e discuta


os tipos de movimento possíveis que a partícula pode executar.

1 2
ka , resolva o mo4
vimento pela conservação da energia e determine x(t ) , assumindo que em t = 0 a
partícula esteja na origem dirigindo-se

b) Se a energia mecânica da partícula for

E=

para a direita.
c) Quanto tempo a partícula irá levar para atingir o ponto

x = a?

Por que ela leva este tempo?

Respostas: a) V ( x) =

1 2 1
k
kx − k ( x 4 / a 2 ) ; b) x = atgh(
t) ;
2
4
2m

c) Infinito.

2) Uma partícula de massa m


energia potencial é:
sendo

42

a e b constantes.

acha-se sob a ação de uma força cuja

V ( x) = ax 2 − bx 3 ,
a) Faça um gráfico da energia potencial, especificando pontos de
máximo e mínimo, caso existam, e determine os movimentos
possíveis que a partícula pode realizar.
b) Considere que a partícula esteja na origem com velocidade
(para a direita ou para a esquerda), mostre que, se

v0

v0 < vc , onde

2
vc = (a / b) 2ma / 3 , a partícula permanecerá confinada à re3

gião próxima da origem.

3) Uma partícula de massa

m , cuja posição inicial é x(t = 0) = x0 , é

atraída para a origem das coordenadas por uma força dada por:

F =−

mk 2 ,
x3

onde k é uma constante.


a) Usando a conservação da energia mecânica, ou resolvendo diretamente a
equação de movimento, determine a velocidade
como função da posição, v( x) .
b) Calcule o tempo que a partícula leva para atingir a origem das
coordenadas.

Respostas: a) v = − k

1 1
− 2 ; b) t = x02 / k .
2
x
x0

4) Uma partícula se desloca em um meio resistivo que exerce uma


força dada por:
3

F = −bv 4 ,
onde b é o coeficiente de arrasto. Admita que em t = 0 , a posição da
partícula seja a origem das coordenadas e que ela esteja se deslocando da esquerda
para a direita com velocidade v0 .
a) Calcule a velocidade como função do tempo, escrevendo-a em
termos do tempo, que a partícula leva até parar.
b) Determine a posição como função do tempo e a distância percorrida até a
partícula parar.

Mecânica Newtoniana

43
Respostas: a) v = v0 (1 − t / t p ) 4 ; t p = 4mv01/ 4 / b ;
b) x = x p 1 − (1 − t / t p )5  ;
Distância percorrida x p = 4mv05/ 4 / 5b .

5) Um meio resistivo se opõe ao movimento de uma partícula de


massa

m com uma força:

F = −mk (v3 + a 2 v) ,
onde k e a são constantes. Admita que a partícula tenha velocidade
v0 (para a direita) quando está na origem das coordenadas ( x0 = 0) .
a) Use a equação de movimento para determinar a velocidade
como função da posição.
b) Que distância a partícula percorre até parar? Qual é a distância
máxima que esta partícula pode percorrer?

v0 − atg (kax)
;
v
1 + 0 tg (kax)
a
1
1
1
b) x p =
arctg (v0 / a ) = arcsen
;
ka
ka
1 + a 2 / v02

Respostas. a) v =

v0 → ∞ ⇒ x p →

π
.
2ka

6) Um motor a jato desenvolve uma impulsão constante máxima

F0 ,

sendo usado para impulsionar um avião submetido à força de atrito


proporcional ao quadrado da velocidade.
a) Escreva a equação de movimento e diga qual é a velocidade
limite.
b) Se o avião iniciar seu movimento em t = 0 com velocidade inicial nula e
acelerar à impulsão máxima, determine a sua velocidade como função do tempo.

Respostas. a) vL =

44

F0 / b ; b) v = vL tgh(

b
vLt ) .
m
2

Oscilações
2

Oscilações

Este capítulo tem como objetivo apresentar o estudo de


oscilações lineares e não-lineares considerando o movimento em uma dimensão, sendo
que, ao final do mesmo,
o aluno deverá ser capaz de:
- Identificar oscilações lineares e não-lineares;
- Explicitar as condições em que o movimento de uma
partícula pode ser tratado como harmônico;
- Resolver o oscilador harmônico amortecido nos casos
subamortecido, superamortecido e crítico, com condições
iniciais previamente especificadas;
- Resolver o problema do oscilador forçado com força externa dependente do tempo;
- Identificar ressonância em osciladores forçados;
- Resolver a equação do movimento para osciladores nãolineares pelo método de
aproximações sucessivas.

2.1 Oscilações lineares e não-lineares


No capítulo anterior, quando analisamos o movimento de uma partícula com energia
potencial arbitrária V (x ) , vimos que, para certas energias, o movimento fica
restrito entre os pontos de retorno, isto é, a partícula oscila entre estas
posições. Na natureza, encontramos um número
sem fim de sistemas oscilantes; as pequenas oscilações de um pêndulo,
uma criança brincando num balanço, você descansando e balançando
em uma rede, o movimento das marés, o balanço das árvores no vento
ou as vibrações de uma corda de violino são alguns exemplos. Mesmo
o que não podemos ver apresenta oscilações. Os átomos das moléculas
que formam nosso corpo oscilam em torno de suas posições de equilíbrio, e os átomos
de uma rede cristalina também estão continuamente
oscilando. Aliás, se diz que não podemos falar a palavra vibração sem
que a ponta de nossa língua oscile. A característica essencial que todos

Oscilações

47
estes fenômenos têm em comum é a periodicidade, isto é, um padrão
de movimento, ou deslocamento, que se repete continuamente, sendo o período destas
oscilações facilmente identificado como o tempo
necessário para que ocorra um ciclo do movimento. É lógico que podemos encontrar
sistemas físicos em que o movimento de oscilação é
complexo, como no caso das marés, ou oscilações simples como num
pêndulo de relógio, ou no clássico sistema massa-mola. Neste capítulo,
iremos tratar das oscilações lineares e não-lineares, considerando o
movimento em uma dimensão.
Quando um sistema massa-mola está em equilíbrio e é levemente
deslocado de sua posição, o movimento oscilatório resultante é dito
harmônico, ou seja, as oscilações são lineares, e com isso queremos
dizer que a força restaurada é uma função linear do deslocamento.
Por outro lado, num caso mais geral, se o deslocamento for grande, a
força restauradora pode depender de potências mais altas do deslocamento e, assim,
as oscilações são ditas não lineares (ou anarmônicas). Para que isto fique mais
claro, vamos considerar o caso de uma
partícula cuja energia potencial V (x ) apresenta um mínimo em x0 ,
que está representada na figura 2.1.

V(x)
Parábola

E2

E1
E0
x1

x0

x2

Figura 2.1 Energia potencial de uma partícula e a aproximação parabólica.

48

x
A expansão em série de Taylor em torno do mínimo ( x0 ) até quarta
ordem fornece:
(2.1)

1  d 2V 
 dV 
2
V ( x) = V ( x0 ) + 
 ( x − x0 ) +  2  ( x − x0 ) +
2  dx  x = x
 dx  x = x0
0
1  d 3V 
1  d 4V 
+  3  ( x − x0 )3 +  4  ( x − x0 ) 4 + ....
6  dx  x = x
24  dx  x = x
0
0

Vamos considerar, neste momento, energias potenciais que sejam simétricas em torno
do mínimo, de modo que a derivada terceira no
mínimo da função seja nula e, assim, com as substituições,

 d 2V 
=k
 2 
 dx  x = x0
e localizando a origem em

1  d 4V 
=ε,


6  dx 4  x = x
0

x = x0 , isto é, x0 = 0 , a expansão para a

energia potencial torna-se:


(2.2)

V ( x) =

1 2 1 4
kx + εx ,
2
4

onde desprezamos termos envolvendo potências mais altas de

x , ou

x . Observe
que ε é uma quantidade bem pequena comparada com k (que enseja, a equação 2.2 é uma
expansão até quarta ordem em
tendemos como a constante de mola), já que a curva verdadeira não é
muito diferente de uma parábola, para pequenos valores de x em tor-

no da origem. Como você estudou no capítulo anterior, F = − dV / dx


(equação 1.35), sendo assim, a força que age sobre a partícula é:
(2.3)

F ( x) = − kx − εx3 .

Você pode perceber que, se os deslocamentos são grandes (o que significa uma
energia bem maior, como a energia E2 na figura 2.1), devemos
considerar mais termos na expansão em série de Taylor. Veja na figura
2.1 que a parábola só se ajusta bem à curva definida por V (x ) para
pontos em torno de

x0 (pequenos deslocamentos). Logo, quando muita

energia é cedida para a partícula, teremos oscilações que não são mais
lineares. Isto quer dizer que, neste caso, devemos usar a equação 2.3
para a força e a equação diferencial do movimento não é mais uma
3
equação linear em x , pois contém um termo com x . Veja que, quando
as energias envolvidas não são elevadas, ou seja, não são muito maiores que E0 ,
como a energia E1 , pode-se usar a aproximação parabólica

para a energia potencial e, assim, a força se reduz à F = − kx . Neste


caso, a força é linear e as oscilações decorrentes são ditas oscilações

Oscilações

49
lineares e os sistemas físicos, cujos movimentos podemos descrever
com esta força, seguem o que é chamada de lei de Hooke. Citamos,
no início, vários sistemas físicos oscilantes e todos se enquadram na
categoria de oscilações lineares, desde que os deslocamentos considerados não se
afastem muito da posição de equilíbrio. Por exemplo, um
sólido, ao sofrer deformação, resiste com uma força linear, desde que a
deformação não ultrapasse o limite elástico do sólido.

limite elástico de um sólido é a deformação máxima


a que ele pode ser submetido sem que fique deformado de maneira permanente. Quando
o limite elástico é
ultrapassado, inicia-se o fluxo plástico, em que as forças
dependem de maneira complicada da forma do material,
da velocidade de deformação e ainda de sua história anterior, de modo que não
podemos mais especificar as forças por meio de uma função energia potencial.

Assim, deve ficar claro que um mesmo sistema físico pode executar
oscilações lineares ou não-lineares, dependendo de quanta energia
mecânica se fornece a este sistema. O exemplo mais simples é de
uma criança num balanço: se você aplicar um pequeno impulso (cede
pouca energia), o deslocamento máximo (a amplitude) das oscilações
será pequeno e as oscilações serão lineares; caso contrário, o empurrão irá
ocasionar oscilações não-lineares. Vamos estudar primeiro os
sistemas oscilantes lineares.

2.2 Oscilações lineares


2.2.1 Oscilador harmônico simples
Vamos tratar aqui da aproximação parabólica para a energia potencial, considerando
pequenas amplitudes de oscilação, isto é, reduzi2
mos a equação 2.2 a V ( x) = kx / 2 (relação matemática já conhecida
por você). O protótipo do oscilador harmônico simples é o sistema
massa-mola, no qual, inicialmente, despreza-se qualquer atrito e a
força restauradora é linear. Medimos a posição x a partir da posição
de equilíbrio; assim, para uma mola de constante k e sendo

massa do corpo, escrevemos a equação de movimento,

(2.4)

50

••

m x = −kx ,

m a
ou
••

x + 02 x = 0 ,

(2.5)
onde

02 = k / m é a freqüência angular natural de oscilação do sis-

tema (ou freqüência característica do sistema). A equação 2.5 é uma


equação diferencial linear homogênea de segunda ordem. A ordem de
uma equação diferencial é a da derivada de mais alta ordem que nela
aparece. Ela é dita linear por não conter termos com potências maiores que um na
variável independente x ou em suas derivadas. Logo,
o tipo mais geral de equação diferencial linear de ordem

an (t )

(2.6)

n é:

dnx
d n −1 x
dx
a
t
+
(
)
+ ... + a1 (t ) + a0 (t ) x = b(t ) ,
n −1
n
n −1
dt
dt
dt

e esta equação é dita homogênea se

b(t ) = 0 ; caso contrário, é não-

homogênea. Equações diferenciais lineares são importantes porque


descrevem o comportamento de muitos sistemas físicos e existem
métodos gerais para resolvê-las, particularmente quando os coeficientes an são
constantes. É fácil observar que a equação 2.5 é um
caso particular da equação 2.6, com n = 2 ,

a2 = 1 , a1 = 0 e a0 = 02 .

Como iremos nos deparar com equações diferenciais lineares de


segunda ordem na solução de inúmeros problemas de mecânica,
vamos resumir algumas propriedades das soluções destas equações:

A
C

solução geral de qualquer equação de segunda ordem depende de duas constantes


arbitrárias. Sejam

1 e C2 estas constantes, assim escrevemos a solução


na forma x = x (t ; C1 , C2 ).

- Se

x1 (t )

é uma solução qualquer da equação diferen-

cial homogênea, então Cx1 (t ) é também solução desta


equação.
- Se x1 (t ) e x2 (t ) são soluções de uma equação diferencial linear, então a soma
x1 (t ) + x2 (t ) ou qualquer combinação linear C1 x1 (t ) + C2 x2 (t ) é também
solução.

A última propriedade decorre exatamente da linearidade da equação


diferencial. O fato de a superposição (ou combinação linear) de duas
soluções também ser solução é denominado de princípio de superposição. Assim,
sistemas físicos que são regidos por equações
lineares satisfazem o princípio de superposição. Mais adiante, discuOscilações

51

É importante que
você faça uma revisão
das equações lineares
de segunda ordem
estudadas na disciplina
Cálculo III. No estudo
da mecânica, você
observará várias
aplicações das
equações diferenciais.
tiremos com detalhes este princípio. A maioria dos fenômenos físicos
é regida por equações lineares. Um exemplo: quando você calcula o
campo elétrico devido a duas cargas pontuais, você soma os campos de cada carga.
Por quê? Porque as equações que regem os campos eletromagnéticos são equações
diferenciais lineares. Um contra
exemplo: na explosão de uma granada, as ondas sonoras são regidas
por equações não-lineares e não vale o princípio da superposição de
ondas quando duas granadas explodem próximas.

Caso tenha alguma


dúvida em relação à
equação 2.7, retorne ao
capítulo 1 e analise a
equação 1.50

A solução da equação de movimento (equação 2.5) foi obtida no capítulo 1, usando-se


a conservação da energia. A solução encontrada foi
(veja equação 1.50):

x(t ) = A sen( 0t + ) ,

(2.7)

onde  ≡ y0 é denominada de fase inicial. Aqui, as duas constantes arbitrárias, C1


e C2 , são expressas por meio da amplitude

A = 2 E / k (que é o deslocamento máximo e depende da energia


total) e a fase inicial  .≡ yO0 período do movimento ( T ) é o tempo

necessário para que ocorra um ciclo completo do movimento, e assim, T = 2  / 0 =


2  m / k . Para o movimento harmônico simples,
o período das oscilações não depende da amplitude e dizemos que
o movimento é isócrono. Isto quer dizer que dois ou mais osciladores iguais,
oscilando com diferentes amplitudes, têm todos a mesma freqüência e as oscilações
são isócronas. Mais adiante, veremos
que as oscilações de um pêndulo simples são isócronas apenas para
pequenas amplitudes. Ou seja, em geral, no movimento oscilatório
o período depende da amplitude. Naturalmente, podemos verificar
que a solução dada na equação 2.7 satisfaz a equação de movimento
(equação 2.5), pois podemos obter a velocidade e a aceleração:

v = x = 0 A cos( 0t + ) ,
••

a = x = − 02 A sen( 0t + ) = − 02 x .


Substituindo a relação anterior na equação 2.5, vem:

− 02 Asen( 0t + ) + 02 Asen( 0t + ) = 0 .


Vale observar que podemos escrever a solução
termos das constantes
da equação 2.7:

52

x(t ) (equação 2.7) em

C1 e C2 , para isto reescrevemos a função seno


x = A sen 0t cos  + A cos 0t sen  ,
ou,

x = C1 sen 0t + C2 cos 0t ,

(2.8)

onde você pode identificar que:

A = C12 + C22 ,

(2.9)

tg =

(2.10)

C2
.
C1

Ficando a nosso critério expressar a posição como função do tempo


no movimento harmônico simples pela equação 2.7 ou equação 2.8.
Existe uma outra maneira de você resolver equações diferenciais de
segunda ordem lineares com coeficientes constantes (e que será útil
mais adiante), para isto você deve procurar soluções na forma exponencial, isto é,
soluções do tipo:

x = e t ,

(2.11)

onde omitimos as constantes pois não são necessárias agora. Derivando a solução
2.11, você encontra:

••

x = e t ,

x = 2 e t ,

Substituindo a solução na equação 2.5, vem:


(2.12)
Como para qualquer
(2.13)

( 2 − 02 )e t = 0 .
t finito, e t ≠ 0 , logo:
λ = ±iω0 = ±i

k
.
m

Assim, a solução geral é a combinação das soluções encontradas com


as raízes 1 = +i  0 e 2 = −i 0 , isto é:
(2.14)
x = A1ei0t + A2 e − i0t ,

onde A1 e A2 são constantes complexas. Note que a solução física será


a parte real ou a parte imaginária da equação 2.14. Esta solução pode
ser escrita de outra maneira, mas completamente equivalente, isto é,
(2.15)
Oscilações

x = Ae ± i ( t + ) .
53
Lembrando agora a fórmula de Euler para números complexos escritos na forma
trigonométrica,

e ± i = cos  ± i sen  ,
a solução

x(t ) é, então,
x = A cos( t + ) ± iA sen( t + ) ,

(2.16)

onde tanto a parte real como a imaginária satisfazem a equação diferencial para o
movimento, como você mesmo pode verificar. Portanto,
pode-se escolher como solução tanto uma como outra, pois entre as
funções seno e co-seno existe apenas uma diferença de fase de  / 2. A
solução única para um determinado problema será obtida com as condições iniciais.
Isto é, devemos especificar a posição e a velocidade iniciais
para obtermos as constantes A e  para uma dada situação.
Uma vez determinado o movimento do oscilador harmônico, podemos explicitar a
maneira como as energias, cinética e potencial, variam no tempo. Com a solução x =
A sen( 0t + ) , vem, para a energia cinética:
(2.17)

e, para a energia potencial,


(2.18)

V=

1 2 1 2
1
kx = kA sen 2 ( 0t + ) = m02 A2 sen 2 ( 0t + ) ,
2
2
2

de modo que a soma da energia cinética mais a energia potencial é:


(2.19)

EC + V =

1
m02 A2 = E ,
2

ou seja, a energia total é constante no tempo, e novamente obtemos


a relação entre a amplitude do movimento e a energia mecânica,

A = 2 E / k . A equação 2.19 diz que a energia cinética e a energia

potencial variam continuamente no tempo, mas sua soma permanece


sempre constante. Observe atentamente que só podemos explicitar
estas energias como função do tempo depois de resolver a equação
de movimento, achando assim x (t ) .
Exemplo 1. Como aplicação elementar dos resultados acima, vamos obter a solução
para uma situação em que um bloco atado a
uma mola, numa superfície horizontal sem atrito, no instante inicial
t = t0 = 0 , é distendido de uma distância x0 , sendo neste instante

54
aplicado um impulso que o faz adquirir uma velocidade inicial − v0
(em direção à origem). Veja que a energia mecânica cedida ao bloco
2
2
é E = mv0 / 2 + kx0 / 2 e vai permanecer constante, pois não estamos
levando em conta a existência de atrito.
Como temos a solução geral, devemos aplicá-la neste caso específico,
para determinarmos as constantes de integração A e  da equação 2.7
(ou, caso se queira, as constantes C1 e C2 da equação 2.8). Escolhendo
a solução geral

x = A sen( 0t + ) , aplicamos as condições iniciais:


x0 = A sen  ,
−v0 = 0 A cos  ,

de onde,

A solução

tg  = −

x(t ) para este problema é, então:


v02
x = x + 2 sen( 0t + ) ,
0
2
0

(2.20)

sendo

0 x0
v2
2
e A = x0 + 02 .
v0
0

 = −arctg( 0 x0 / v0 ) . Você deve ser capaz de mostrar que a

solução da equação 2.20 é completamente equivalente a:

(2.21)



v
x = x0  cos 0t − 0 sen 0t  .
0 x0

Faça isso usando a solução geral dada na equação 2.8 e determinando as constantes
C1 e C2 .

Agora é a sua vez!


Para completar este exemplo, use a equação 2.20 e calcule a energia
cinética e a energia potencial como funções explícitas do tempo. Some
2
2
estas energias e mostre que o resultado é igual a mv0 / 2 + kx0 / 2 = E .
Veja que a solução encontrada na equação 2.20 pode ser particularizada para as
situações em que x0 = 0 ou em que v0 = 0 .

2.2.2 Oscilador harmônico amortecido


Até agora consideramos situações em que a energia mecânica se conserva, isto é,
tratamos o problema do oscilador de maneira idealizada,
pois em sistemas físicos reais sempre temos forças de atrito agindo.
A experiência de descansar balançando em uma rede é de curta duração, em pouco
tempo a amplitude das oscilações tende a zero e
é necessária a aplicação de uma força para balançarmos mais um
Oscilações

55
pouco. Assim, para que nossos resultados estejam mais próximos de
descrever uma situação real, devemos incluir forças de atrito. Naturalmente, uma
força constante não é de interesse analisar, pois a adição
de uma força constante não altera o movimento harmônico simples,
alterando apenas a posição de equilíbrio em torno da qual ocorrem
as oscilações. Para explicitarmos este fato, adicionamos uma força F0
constante na equação 2.4 e obtemos:
••

m x = −kx + F0 ,
ou,
••

x + 02 x =

(2.22)
Fazendo-se a substituição

F0
.
m

••

••

x ' = x − F0 / m02 , temos x' = x e x' = x e,

substituindo na equação 2.22, obtemos, para a equação de movimento:


••

x'+ 02 x ' = 0 ,

(2.23)

significando que as oscilações ocorrem em torno do ponto x ' = 0 , isto


2
é, em torno do ponto x = F0 / m0 . Um exemplo deste caso é um bloco
pendurado em um teto por meio de uma mola, onde a força constante
é o peso do bloco. Não iremos tratar dos casos em que a força de atrito
depende explicitamente do tempo, como é o caso de um sistema massa-mola numa
superfície horizontal rugosa. Nestes casos, a cada meio
ciclo, a força de atrito inverte de sentido, o que leva a uma dependência explícita
com o tempo. Na maioria dos casos, uma boa aproximação, particularmente quando a
força de atrito é pequena, é considerar
a força de atrito como linearmente dependente da velocidade, isto é,

Fa = −bv (veja que agora a força tem uma dependência implícita com

o tempo). Forças de atrito dependentes do quadrado da velocidade são


mais realistas em alguns casos, mas não trataremos desse caso, pois
as equações de movimento não são lineares e a solução destas equações, em geral, só
podem ser obtidas por integração numérica.
Com a inclusão de uma força de atrito proporcional à velocidade, a
equação de movimento fica:
••

m x = −kx − b x ,
ou,

••

x+

b •
x + 02 x = 0 .
m

Definindo-se o coeficiente de amortecimento

56

 = b / 2m , vem:
(2.24)

••

x + 2  x + 02 x = 0 .

Esta é a equação que descreve o oscilador amortecido. Note que o


coeficiente de amortecimento depende fortemente do meio em que
se encontra o oscilador. Pense em um pêndulo a oscilar no ar e outro
oscilando no interior de um líquido. Como antes, procuramos uma
t
solução
como
a proposta na equação 2.11, x = e e, substituindo x ,

••

x = e t e x = 2 e t na equação 2.24, encontramos:


e t ( 2 + 2  + 02 ) = 0 ,

o que significa que:


(2.25)

2 + 2  + 02 = 0 .

Observe que esta equação fornece duas raízes:


(2.26)

1 = −  +  2 − 02 ,

(2.27)

2 = −  −  2 − 02 .

Agora você tem a solução geral para o oscilador no caso de amortecimento,


(2.28)

x = C1e − 1t + C2 e − 2t .

Para analisar movimentos possíveis a partir da equação 2.28, está


claro que devemos analisar três situações distintas:
Oscilador subamortecido, que ocorre quando
Oscilador superamortecido, se

ω02 > γ 2;

ω02 < γ 2 ;

Oscilador criticamente amortecido, neste caso

02 =  2 .

Caso (a): Oscilador subamortecido


No oscilador subamortecido você pode escrever as expressões para as

1 e 2 de forma abreviada, fazendo 1 = 02 −  2 e, assim,


1 = −  + i 1 e 2 = −  − i 1 . Logo, a combinação linear das soluções
e 1t e e 2t fornece a posição como função do tempo,

raízes

(2.29)

x = e − t (C1ei1t + C2 e − i1t ) ,

solução que podemos reescrever com o auxílio da equação de Euler:

Oscilações

57

Lembre-se de que
γ é o coeficiente de
amortecimento γ = b / 2m
e que ω02 = k / m é
a freqüência angular
natural de oscilação do
sistema (ou freqüência
característica do sistema).
x = e − t ( B sen 1t + C cos 1t ) ,

(2.30)

B = i ( A1 − A2 ) e C = A1 + A2 . Também podemos reescrever a


solução x (t ) dada na equação 2.29 como:
onde

x = Ae − t cos( 1t + ) ,

(2.31)

sendo que agora

A = B 2 + C 2 e tg = −

C
.
B

Observe que as duas maneiras convenientes de se expressar a posição


como função do tempo no caso do oscilador subamortecido são as equações 2.30 e
2.31. Com as condições iniciais, determinamos as constantes

A e  (ou B e C ). Note que a solução dada pela equação 2.31 mos-

tra claramente que o sistema oscila com uma freqüência angular natural

1 . Esta freqüência natural não é uma freqüência no sentido estrito da


palavra, como é o caso de 0 , já que a partícula nunca passa pelo mesmo ponto duas
vezes com a mesma velocidade (já que esta se comporta como um oscilador
subamortecido). Como você pode observar pela
equação 2.31, a amplitude de oscilação decresce exponencialmente com
o tempo. E a amplitude da velocidade (derivada da posição), obviamente,
também decresce com o tempo. E assim, diz-se que o sistema oscila com
a freqüência 1 com uma amplitude exponencialmente decrescente. A
figura 2.2 mostra a posição como função do tempo para osciladores subamortecidos.
Nesta figura, a curva a mostra x (t ) quando o oscilador é
afastado de sua posição de equilíbrio de um valor

x0 e liberado ( v0 = 0 );

x(t ) na situação em que o mesmo oscilador no instante inicial está em repouso ( x0


= 0 ), adquirindo uma velocidade v0 por meio de um impulso a ele aplicado.
enquanto que a curva b mostra

x
x0

b
0

t
Figura 2.2 Posição como função do tempo para o oscilador subamortecido.

58
Você deve ser capaz de usar a equação 2.30 para mostrar que a solução representada
pela curva a da figura 2.2 é:

x = x0 e − t (cos 1t +


sen1t ) ,
1

enquanto que, para a curva b desta mesma figura, a solução é:

x=

v0 − t
e sen1t .
1

Caso (b): Oscilador superamortecido


2
2
Quando 0 <  , temos o chamado oscilador superamortecido. Agora as duas raízes
dadas nas equações 2.26 e 2.27 são reais, isto é:

1 = −  + 2 e 2 = −  − 2 , em que abreviamos a notação, usando


2 =  2 − 02 . E a solução geral para a posição x(t ) é obtida novat
 t
mente como combinação linear das soluções e 1 e e 2 , ou seja,
x = C1e 1t + C2 e 2t ,
ou,

x = e − t (C1e 2t + C2 e − 2t ) .

(2.32)

Agora você tem um decrescimento exponencial da posição com o


tempo. Observe que os dois termos decrescem no tempo, um com
taxa de decrescimento maior que a do outro (não ocorrem oscilações,
não é uma função que depende de seno ou co-seno). Note que 2 não
é uma freqüência, pois não temos mais um movimento que se repete
em ciclos. As constantes C1 e C2 são obtidas mediantes as condições
iniciais em cada situação.
Exemplo 2. Vamos determinar o movimento de um oscilador superamortecido
considerando que, quando em equilíbrio ( x0 = 0) ,
aplicamos um impulso, de modo que ele adquire uma velocidade

v0 .

Usando a equação 2.32, obtemos a velocidade,


x = − (C1e 2t + C2 e − 2t )e − t + e − t ( 2C1e 2t − 2C2 e − 2t ) .


Em t = 0 você tem as condições x = x0 = 0 e x = v0 , que já foram


enunciadas no início do exemplo, o que fornece duas equações (uma
para posição e outra para velocidade):

0 = C1 + C2
→ C2 = −C1 ,

v0 = − (C1 + C2 ) + 2 (C1 − C2 ) .
Oscilações

59

Compare a solução geral


2.32 com a solução
2.29 e 2.30 da oscilação
subamortecida. Qual a
sua análise?
Você pode verificar que
neste caso é:

C1 =
x=

v0
e a posição como função do tempo
2 2

v0
(e 2t − e − 2t )e − t .
2 2

Este resultado pode ser expresso em termos das funções seno hiperbólico e co-seno
hiperbólico, cujas definições são:

e − e− 
senh =
,
2

e + e− 
,
cosh  =
2

e a partir das quais definimos as demais funções hiperbólicas, como a


tangente hiperbólica e a cotangente. Logo, a solução x (t ) que encontramos acima,
neste exemplo, pode ser escrita como:

x=

v0 − t
e senh2t .
2

Esta solução está representada na figura 2.3, para três coeficientes


de amortecimento diferentes (por exemplo, osciladores idênticos mas
em meios diferentes), em que podemos ver que o oscilador, devido
ao impulso, se afasta da posição de equilíbrio até um valor máximo,
o que acontece no instante t1 , retornando em seguida ao equilíbrio.
Sabendo que o instante

t1 corresponde ao máximo da função x(t ) e

x = 0 você deve ser capaz de mostrar que o instante



1
arctgh 2 , em que arctgh =arco tangente hipert1 é dado por t1 =
2

que neste ponto

bólico, é a função inversa da tangente hiperbólica.

t1 t2 t3
Figura 2.3 Posição como função do tempo para o oscilador superamortecido.

60
Este exemplo mostra claramente que podemos expressar a solução geral
do oscilador superamortecido em termos de funções hiperbólicas, isto é,
a solução dada pela equação 2.32 é completamente equivalente a:

x = e − t ( A cosh 2t + Bsenh 2t ) ,


em que

A = C1 + C2 e B = C1 − C2 .

Caso (c): Oscilador criticamente amortecido


2
2
O amortecimento crítico ocorre quando 0 =  e assim, usando as equações 2.26 e
2.27, vemos que as raízes 1 e 2 são iguais: 1 = 2 = −  .
Isto quer dizer que a solução geral dada pela equação 2.28 é:

x = (C1 + C2 )e − t = B1e − t ,

(2.33)

C1 + C2 = B1 =constante. E temos apenas uma solução. Uma outra solução deve ser
achada para a equação de movimento (equação 2.24) onde agora  = 0 . Podemos
provar que, neste
caso, a segunda solução é:

em que fizemos

x = te − t ,

••

x=
e − •t• − te − t e x = − e − t − e − t +  2te − t , e assim, substituin•
do x , x e x na equação 2.24, ficamos com:
pois

− e − t − e − t +  2te − t + 2 e − t − 2  2te − t + 02te − t = 0 ,


ou,

( 02 −  2 )te − t = 0 .

O que é verdade para qualquer

t , pois  = 0 . A solução geral no

caso de amortecimento crítico é, então, a combinação linear das duas


soluções encontradas:
(2.34)

x = ( B1 + B2t )e − t .

B1 e B2 são determinadas a partir das


condições iniciais. A solução encontrada mostra que não temos oscilação, mas sim um
decrescimento exponencial da posição com o
tempo, que agora é mais rápido que no caso de superamortecimento.
Na figura 2.4, encontramos gráficos da posição como função do tempo para
osciladores superamortecidos e criticamente amortecidos. A
curva a da figura 2.4 mostra o caso do oscilador com amortecimento
crítico e a curva b, o caso superamortecido.

Novamente, as constantes

Oscilações

61
x

x0

Figura 2.4 Posição como função do tempo para o oscilador criticamente amortecido
(a) e superamortecido (b).

Os gráficos na figura 2.4 ilustram os resultados para a situação em que


os osciladores têm como condição inicial uma determinada posição

x0 e velocidade nula. Veja que, no amortecimento crítico, o oscilador

retorna mais rapidamente à posição de equilíbrio, enquanto que, para


o oscilador superamortecido, temos um decrescimento exponencial
bem mais lento. Aplicamos este conhecimento sobre osciladores em
problemas com mecanismos que se aproximam da posição de equilíbrio sob a ação de
uma força de atrito de amortecimento, como ponteiros de medidores, molas
pneumáticas ou hidráulicas de portas. Se
você deseja uma porta do tipo vai-e-vem, ela deve ser construída de
modo que se comporte como um oscilador subamortecido. Na maioria dos casos, deseja-
se que, quando deslocado de sua posição de
equilíbrio, o mecanismo retorne a esta posição de forma rápida, porém macia. Como
no caso crítico o oscilador retorna mais rapidamente para a posição de equilíbrio,
procura-se construir mecanismos em
que 0 =  , na medida do possível.

2.2.3 Energia do oscilador amortecido


A existência de forças de atrito em osciladores harmônicos implica
em uma diminuição contínua da energia mecânica. Para calcular a
taxa com que a energia mecânica é transformada em calor devido ao
trabalho realizado pela força de atrito, escrevemos a energia mecânica do
oscilador,
(2.35)

62

E=

1 2 1 2
mv + kx ,
2
2
e calculamos a taxa de variação temporal,

dE
dv
dx
dv
= mv + kx = v(m + kx) .
dt
dt
dt
dt
Se você usar a equação de movimento, isto é,

dE
= −bv 2 ,
dt

(2.36)

dv
= −kx − bv , você terá:
dt

para a variação temporal da energia mecânica do oscilador.


Vamos explicitar a variação da energia mecânica no caso do oscilador subamortecido,
sendo que você já sabe que a energia mecânica
do oscilador é dada na equação 2.35. Como você já tem a solução
geral x(t ) na equação 2.31, vem:

x = Ae − t cos( 1t + ) ,




v = x = − 1 Ae − t sen( 1t + ) + cos( 1t + )  .
1

Estas expressões podem ser usadas na equação 2.35 para obtermos E (t ) . Mas
considere o caso do oscilador levemente amortecido

(  / 1 << 1) de modo a desprezar o termo com cosseno na expressão

para a velocidade, e assim a energia total é, aproximadamente,

E (t ) ≅

(2.37)

1 2 −2 t
A e  m12sen 2 ( 1t + ) + k cos 2 ( 1t + )  .
2

 é pequeno (já que ( γ / ω1 << 1) ), então


12 ≅ 02 = k / m , o que significa que podemos escrever a energia me-
Finalmente, como
cânica como:

E (t ) ≅

(2.38)

em que

E0 =

1 2 −2 t
kA e = E0 e −2 t ,
2

1 2
kA é a energia inicial do oscilador (em t = 0). Veja que
2

a energia decresce exponencialmente numa taxa igual a duas vezes


a taxa de decaimento da amplitude das oscilações. O tempo t =  , no
qual a energia decresce de

1/ e (= 0.368) , é denominado de tempo

característico ou constante de decaimento. Pela equação 2.38, temos

1 m
= , e assim, para pequenos amortecimentos  → 0 , tem-se
2 b
que  → ∞ . Se  é grande,  → 0 . Ou seja, a energia mecânica do
=

oscilador é lentamente dissipada e ele demora a atingir o equilíbrio,


ou ela é dissipada rapidamente e o oscilador logo atinge o equilíbrio.
Oscilações

63
2.2.4 Fator de qualidade
É natural que se queira caracterizar os osciladores amortecidos pelo
grau de amortecimento. Uma maneira é pensarmos em quanta energia mecânica é
dissipada a cada ciclo de oscilações em relação à
energia armazenada no oscilador. Tanto no estudo de oscilações mecânicas como
elétricas, se define o fator de qualidade Q do oscilador,
ou o fator

Q do oscilador como sendo:


Q = 2

Energia armazenada no oscilador


.
Energia média dissipada num período

P como a taxa com que a energia é dissipada e o período de oscilação T1 = 2  /


1 , o fator de qualidade pode
Se definirmos a potência

ser escrito como:

Q = 2

(2.39)

E
E
=
.
P (2  / 1 ) P / 1

Podemos estimar o fator de qualidade usando a equação 2.38 para a


energia do oscilador. Observe que a partir desta equação você obterá
a taxa de variação temporal da energia,

dE
= −2 E0 e −2 t = −2 E .
dt
Assim, a energia dissipada em um intervalo ∆t será:

∆E =

dE
∆t = 2 E ∆t .
dt

Se o tempo é para 1 radiano de oscilação,

Q=
Para amortecimento fraco,


E
E
=
= 1.
∆E 2 E / 1 2 
1 ≅ 0 e, portanto:
Q=
(2.40)

∆t = 1/ 1 , o que implica em

1 0

.
2 2

Logo, amortecimento pequeno significa fator de qualidade elevado e


vice-versa. Em geral, sistemas mecânicos ordinários, como alto-falantes, são muito
amortecidos e têm valores de Q em torno 100. Os
fatores de qualidade das oscilações em terremotos estão entre 250 e
1400. Já cordas de violinos e pianos têm fatores de qualidade entre
1000 e 3000. Encontramos valores mais elevados de Q em cavidades
4

ressonantes ( Q ≅ 10 ), e sistemas físicos oscilantes que têm valores


7
muito elevados de Q são átomos excitados ( Q ≅ 10 ), núcleos atômi12

cos excitados e estrelas de nêutrons ( Q ≅ 10 ).

64
2.3 Oscilador harmônico forçado
Observe que em um oscilador ideal, sem atrito, as oscilações nunca
param e seu fator de qualidade é infinito. Osciladores reais têm fatores
de qualidade finitos e a energia mecânica cedida inicialmente a estes
osciladores, em geral, é dissipada sob forma de calor. Ou seja, qualquer que seja o
sistema oscilante, suas oscilações eventualmente param devido aos atritos
existentes. Para se manter as oscilações, não é
difícil se perceber a necessidade da aplicação de uma força que forneça energia ao
sistema na mesma taxa com que a energia do oscilador
se dissipa no meio amortecedor em que ocorrem as oscilações. Tais
movimentos de um sistema, onde energia externa é fornecida, são
denominados de oscilações forçadas e o sistema é chamado de
oscilador forçado. Um exemplo mecânico é o sistema massa-mola
com um agente externo aplicando uma força F (t ) . Quando você está
numa rede balançando, com alguém a lhe empurrar, temos um caso
de oscilações forçadas. A analogia entre sistemas oscilantes elétricos
e mecânicos será feita mais adiante. Agora vamos lembrar que, para
resolvermos a equação de movimento, é necessário que seja conhecida a força externa
aplicada num oscilador.
Um caso importante de força externa é aquela que varia senoidalmente com o tempo,
isto é, uma força aplicada que oscila com uma
freqüência angular  . Quer dizer, Fe = F0 cos( t +  0 ) , onde F0 é a

amplitude e  0 é uma constante que especifica a fase da força aplicada. Lembrando


que as forças atuantes são a da mola igual a − kx , a de
atrito igual a

e a externa
to para o oscilador forçado,
••

Fe , escrevemos a equação de movimen-

m x + b x + kx = F0 cos( t +  0 ) .

(2.41)

Observe que (2.41) é uma equação diferencial linear de segunda ordem não-homogênea.
A solução da equação 2.41 é dada pela soma de
duas partes, de acordo com o seguinte teorema:

e x p (t ) é uma solução particular de uma equação


diferencial não-homogênea e se xh (t ) é solução da

equação diferencial homogênea correspondente, então

x(t ) = x p (t ) + xh (t ) é também solução da equação dife-

rencial não-homogênea.

Logo, a solução geral para a equação 2.41 é,

Oscilações

65
x(t ) = x p (t ) + xh (t ) ,

(2.42)
onde a solução

xh (t ) satisfaz a equação homogênea,


••

m xh + b xh + kxh = 0 .

(2.43)

Na seção anterior, você obteve a solução geral da equação 2.43 para


os casos de oscilações subamortecidas, superamortecidas e criticamente amortecidas.
Você observou que nos três casos ocorre um decrescimento exponencial das
oscilações, indo rápida ou gradualmente
a zero, e as soluções homogêneas, xh (t ) , são denominadas, por isso,

de termo transiente da solução x(t ) . Portanto, as soluções transientes, para cada


tipo de oscilador, são dadas pela equação 2.31 para o
subamortecido, pela solução dada na equação 2.32 para o oscilador
superamortecido e pela equação 2.34 para o criticamente amortecido.
Como as soluções homogêneas xh (t ) tendem rapidamente a zero, a
solução que permanece é a particular

x p (t ) . Para encontrar a solu-

ção da equação não-homogênea, lembre que a experiência mostra


que o sistema oscila com a mesma freqüência da força aplicada. Isto
é, espera-se que a solução x p (t ) varie senoidalmente com tempo e
com uma amplitude que seja constante no tempo, e que certamente
depende da amplitude da força externa aplicada. Pense no exemplo
em que uma pessoa balança uma criança numa rede, e o que acontece quando esta
pessoa aumenta ou diminui a força aplicada. Assim,
procuramos uma solução particular que seja uma função senoidal no
tempo com a mesma freqüência da força aplicada,

x p = A cos( t − ) .

(2.44)

A e a fase  são obtidas substituindo x p na equação


de movimento, equação 2.41. Faremos isto especificando  0 = 0 na
força Fe , pois  0 é arbitrário e pode ter qualquer valor, e esta escolha
permite obtermos as constantes A e  de maneira mais simples.
Calculamos a derivada primeira e a segunda de x p (equação 2.44) e
A amplitude

substituímos na equação 2.41,

−m2 A cos( t − ) − bAsen( t − ) + kA cos( t − ) = F0 cos t .


Rearranjando os termos, vem:

(kA cos  − m2 A cos  + bAsen) cos t −


−(kAsen − m2 Asen − bA cos )sent = F0 cos t .
66
Esta igualdade deve valer para qualquer t , assim os coeficientes das
funções cos t e sent em cada lado da equação devem ser iguais,
isto é,

(k − m2 ) cos  + bsen =

(2.45)

F0
,
A

(k − m2 )sen − b cos  = 0 .

(2.46)

Logo, a equação 2.46 fornece a fase

tg =

(2.47)

sendo, como antes,

,

b / m
2 
= 2
,
2
k − m
0 −  2

02 = k / m e  = b / 2m . Escrevendo a função

seno e a função co-seno em termos da função tangente, e usando a


equação 2.47, vem:

2 

sen =

(2.48)

2
0

(  − 2 ) 2 + 4  2 2

cos  =

(2.49)

02 − 2
( 02 − 2 ) 2 + 4  2 2

Finalmente, substituindo as equações 2.48 e 2.49 na equação 2.45,


obtemos a amplitude,

A=

(2.50)

F0 / m
( 02 − 2 ) 2 + 4  2 2

Agora podemos escrever a solução geral para o oscilador forçado. Seja


o caso de subamortecimento, usamos para a solução da homogênea
a equação 2.31, e assim temos como solução geral:

x = xh + x p ,
(2.51)

onde

x = Ah e − t cos( 1t + h ) +

F0 / m
( 02 − 2 ) 2 + 4  2 2

cos( t − ) ,

2 
2 
equação
2.47, isto é,  = arctg 2
.
 é= dado
arctg pela
2
2
0 −  2
0 − 

Observe que a solução geral tem duas constantes de integração,


e

Ah

h , as quais determinamos com as condições iniciais ( x0 , v0 ) , a

serem dadas em cada situação. A parte homogênea da solução (equação 2.51) oscila
com uma freqüência natural 1 , mas para tempos
Oscilações

67
t >> 1/  , ela é desprezível, e por isso chamada de, como vimos, solução
transiente. Isto significa que a solução x (t ) dada pela equação
2.51 será independente das condições iniciais, exceto no início do movimento,
quando a solução transiente apresenta alguma contribuição apreciável para x (t ) .
Logo, para tempos posteriores ( t >> 1/  ),
as oscilações do sistema são governadas pela solução particular, que
é denominada solução estacionária, pois a amplitude do movimento
se mantém constante. Quando dizemos que o oscilador está num regime estacionário,
significa que um agente externo está fornecendo
energia, por meio da aplicação de uma força, a uma taxa suficiente
para manter a amplitude das oscilações constantes, compensando as
perdas por atrito.

2.3.1 Amplitude das oscilações e ressonância


No estado estacionário, a equação 2.51 fornece para a posição:

F0 / m

x=

2
0

(  − 2 ) 2 + 4  2 2

cos( t − ) ,

e o movimento não depende das condições iniciais, sendo a amplitude e o ângulo de


fase dados por:

A( ) =

(2.52)

F0 / m
2
0

(  − 2 ) 2 + 4  2 2

( ) = arctg

(2.53)

Para uma dada freqüência natural


pendência da amplitude

2 
.
02 − 2

0 , a figura 2.5 mostra a forte de-

A com a freqüência da força aplicada.

2y
2y
F /k
Figura 2.5 Amplitude versus freqüência para dois valores de

68

.
Como você pode observar na figura 2.5, a amplitude exibe um máximo
para uma freqüência r , que obtemos a partir de ( dA / d ) =  = 0 ,
r

que, resolvendo-se, fornece:


(2.54)

r = ( 02 − 2  2 )1/2 .
r , a amplitude das osci= A( r ) , e substituindo r dada na

Quando a força aplicada tem a freqüência


lações será máxima, isto é,

Amax

equação 2.54, na equação 2.52 obtemos:


(2.55)

Amax =

Como a amplitude é máxima para

F0 / m
2  02 −  2

 = r , dizemos que
 = r é a fre-

qüência de ressonância e uma força aplicada com esta freqüência


produz oscilações ressonantes no sistema, isto é, a força produz amplitudes máximas
das oscilações. A partir da equação 2.54, percebese que para amortecimento pequeno
(  → 0 ), vem r ≅ 0 e a ressonância ocorre quando a força aplicada tem a
freqüência natural de
oscilações do sistema. Neste caso, a amplitude na ressonância é:
(2.56)

Amax =

F0
,
2 m0

sendo, conseqüentemente, extremamente elevada. Para amortecimento nulo (sem


atrito), temos Amax → ∞ , mas naturalmente, sistemas reais apresentam um
coeficiente de amortecimento diferente de
zero. Em algumas situações, forças aplicadas na freqüência ressonante podem
produzir deformações irreversíveis no sistema oscilante,
pois as oscilações na ressonância, dada pela equação 2.56, podem
ultrapassar o limite elástico do sistema. Este é o caso de pontes com
um grande vão central e altas edificações (arranha-céus), que são estruturas
oscilantes e sobre as quais rajadas intensas de vento atuam
como uma força externa. Mesmo uma coluna de soldados em marcha
cadenciada sobre uma ponte pode levá-la a vibrar com uma amplitude grande o
suficiente a ponto de destruí-la. De fato, ventos que
atingiram a ponte Tacoma Narrows (Washington) em 1940 fizeramna oscilar até que o
vão central principal rompeu-se, levando a sua
destruição. A partir deste acontecimento, os projetos de pontes (bem
como de altos edifícios) levam em conta a necessidade de elas serem
aerodinamicamente estáveis, de maneira a oscilarem com grandes
amplitudes, se necessário, sem rompimento de suas estruturas.
Podemos relacionar a largura das curvas

A( ) na figura 2.5 com o

Q do oscilador. Primeiro, vamos obter uma expressão aproximada A( ) que seja


válida para pontos próximos à
fator de qualidade

Oscilações

69
ressonância, isto é, para freqüências  ≅ 0 ; neste caso
também podemos fazer a seguinte aproximação:

 ≅ 0 , e

02 − 2 = (  + 0 )(  − 0 ) ,
02 − 2 ≅ 2 0 (  − 0 ) .
Substituindo esta aproximação na equação 2.52, e usando a equação
2.55 para Amax , vem para a amplitude,

A( ) =

(2.57)

Amax 
( 0 − ) 2 +  2

0 −  =  , ou de forma equiva1
2
2
lente, se  = 0 ±  , então A = Amax , significando que  é uma
2
2
medida da largura da curva A( ) , sendo que a curva A ( ) é deA equação (2.57)
diz que quando

nominada de curva Lorentziana ou simplesmente de Lorentziana.


Assim, 2 é chamado de largura de ressonância e significa a diferença na freqüência
entre dois pontos para os quais a energia decresce
pela metade (lembre-se que a energia é proporcional ao quadrado da
amplitude). Na discussão sobre osciladores amortecidos, definimos
o fator de qualidade, que para pequenos amortecimentos, podemos
escrever como (equação 2.40) Q ≅ 0 / 2  . Assim, a largura da curva
de ressonância,

∆ , é:

∆ = 2  ≅

(2.58)

0
,
Q

deixando claro, que para osciladores com fator de qualidade alto, a curva de
ressonância é bem estreita, sendo que no limite ideal Q → ∞ ,

logo, ∆ → 0 . Veja que a equação 2.58 permite uma outra definição


de fator de qualidade, isto é,

Q=

0
freqüência de ressonância
=
,
∆ largura da curva de ressonância

mostrando mais uma vez que o fator de qualidade explicita as características do


sistema oscilante. Torna-se claro que sistemas com uma
curva de ressonância muito estreita (alto fator Q ) são altamente seletivos à
freqüência da força aplicada. Ou seja, nestes casos o sistema
só responde à força externa aplicada quando a freqüência desta força
for igual à freqüência natural de oscilações do sistema.
Na figura 2.6, temos a curva para a fase

( ) , equação 2.53, que

representa a diferença de fase entre a força aplicada e o movimento


resultante, isto é, nos fornece o atraso entre a ação da força e a resposta que o
oscilador apresenta. Para  > 0 , deslocamos o gráfico

70
da função arco tangente, fazendo

 = arctg

2 
+ .
02 − 2

Figura 2.6 Fase versus freqüência para três valores de

.

Como é visível na figura 2.6, esta fase é nula para  = 0 , crescendo


para

 =  / 2 quando  = 0 e atingindo o valor  =  para  → ∞ .

Portanto, para baixas freqüências, as oscilações tendem a ficar em


fase com a força e, para altas freqüências, as oscilações ocorrem 1800
fora de fase. É importante observar que, à medida que

 → 0 , a fase

 = 0 , e no caso extremo
em que  = 0 , a fase muda abruptamente de 0 a  em  = 0 . Na

muda mais e mais bruscamente quando

figura 2.7a, mostra-se a amplitude, e na figura 2.7b, a fase para o caso


ideal em que  = 0 . Note que agora a amplitude é infinita na ressonância e a curva
da fase é uma curva em degrau devido à mudança
abrupta na ressonância.

A (ω)

φ(ω)

γ=0

γ=0

F /k

ω0

ω0

Figura 2.7a Amplitude versus freqüência para o oscilador forçado sem amortecimento.
Oscilações

71
A (ω)

φ(ω)

γ=0

γ=0

F /k

ω0

ω0

Figura 2.7b Fase versus freqüência para o oscilador forçado sem amortecimento.

Quando a freqüência da força aplicada é baixa,

 << 0 , vimos que

 → 0 e as oscilações estão praticamente em fase com a força. Que


isto seja razoável, podemos ver por meio da amplitude, pois quando
 → 0 , a equação 2.52 fornece para a amplitude:
(2.59)

A(  → 0) ≈

F0 / m F0
=
.
02
k

Logo, para freqüências muito baixas, é a mola e não a massa ou o


atrito que controla a resposta do sistema. A equação 2.59 mostra que
a massa é puxada e empurrada por uma força externa que age contra
a força restauradora da mola.
No outro extremo, quando a freqüência da força é muito elevada,

 >> 0 , a fase tende a  e a amplitude das oscilações torna-se:


(2.60)

A(  >> 0 ) ≅

F0
,
m2

e agora a massa responde essencialmente como um corpo livre submetido a uma força
que o empurra e puxa muito rapidamente, sendo
que o efeito da mola é causar um atraso entre força e deslocamento
de 1800.
2.3.2 Potência e dissipação da energia mecânica
Em muitos casos envolvendo sistemas oscilantes, a quantidade de interesse é a
energia, e não a amplitude. Neste caso, você abordará o
movimento no estado estacionário, desta maneira as soluções para a
posição e velocidade do oscilador forçado são:
(2.61)

72

x = A cos( t − ) ,

(2.62)

v = x = − Asen( t − ) ,

onde

A e  são dadas pelas equações 2.52 e 2.53, respectivamente.

Sendo conhecidas a posição e a velocidade, pode-se obter a energia


mecânica do oscilador como função do tempo,

E=

1 2 1 2 1 2
mv + kx = A [m2sen 2 ( t − ) + k cos 2 ( t − )] .
2
2
2

Resultado que permite obter a energia mecânica média por período,

E =

(2.63)

onde usamos o fato de que

1
mA2 ( 2 + 02 ) ,
4

sen 2 ( t − ) = cos 2 ( t − ) = 1/ 2 para

a média em um período. Usando equação 2.52 para a amplitude, vem:


(2.64)

2 + 02
1 F02
E =
.
4 m ( 2 − 02 ) 2 + 4  2 2

Como feito antes para a função

A( ) , podemos obter uma expressão

aproximada para a energia média do oscilador forçado, para freqüências aplicadas


próximas da ressonância. Fazendo as mesmas aproximações que levaram à equação 2.57,
obtemos:

E ≅

(2.65)

F02
1
.
8m (  − 0 ) 2 +  2

Este resultado mostra que, como você estudou na discussão sobre


ressonância, a curva E ( ) é uma curva Lorentziana de largura 2γ .
Obviamente, a energia mecânica do oscilador se deve à força externa
aplicada, a qual deve também compensar a energia que é dissipada
por atrito. Para explicitarmos a relação entre a potência mecânica e a
taxa com que a energia mecânica é dissipada, parte-se da equação de
movimento para o oscilador forçado,
••

m x + b x + kx = F0 cos( t +  0 ) .
Multiplicando-se ambos os membros da equação acima pela velocidade, vem:
• ••

• •

m x x + b x x + k x x = F0 x cos( t +  0 ) .
Equação que podemos reescrever como:

 •2

•2

d  m x m02 x 2 
+
+ b x = [ F0 cos( t +  0 )] x ,
dt  2
2 


Oscilações

73
ou,
(2.66)

Em palavras, a equação 2.66 nos diz que: A taxa de variação da energia mecânica é
igual à taxa com que ela está sendo dissipada por
atrito mais a taxa com que a energia está sendo fornecida pela força
externa aplicada (potência mecânica fornecida pela força). Logicamente, a energia
mecânica permanece constante se a potência mecânica
fornecida compensar as perdas por atrito. Como a velocidade

é x = − Asen( t − ) (equação 2.62), a taxa com que o trabalho é
realizado sobre o oscilador pela força aplicada é:

x F (t ) = x F0 cos t = − AF0sen( t − ) cos t ,

= AF0 (cos 2 tsen − cos tsent cos ) ,

(2.67)

e, como antes, considera-se por simplicidade que

 0 = 0 . O primeiro

termo no lado direito é positivo, o que significa que a força cede energia ao
sistema oscilante, enquanto que o segundo termo é negativo,
indicando que agora o sistema oscilante está cedendo energia. Logo,
o agente externo (ou mecanismo) que exerce a força está alternadamente fornecendo e
recebendo energia. Entretanto, na média, a força
externa cede mais energia do que recebe, pois a média de

cos 2 t é

1/ 2 , enquanto que a média de cos tsent é zero. Isto quer dizer que

a potencia média fornecida pela força aplicada é:


P = x F (t ) =

(2.68)

Usando a equação 2.48 para

1
AF0sen .
2

sen e a equação 2.50 para a amplitude

A , respectivamente, vem para a potência média o resultado:


P =

(2.69)
Assim,

F02
2
.
m ( 02 − 2 ) 2 + 4  2 2

P ( ) também tem a forma de uma curva Lorentziana para

freqüências próximas da freqüência de ressonância, e vê-se que a potência mecânica


fornecida é máxima na ressonância. A largura desta

2 , mostrando que quanto maior é o fator Q do oscilador, mais estreita é a curva


de P ( ) em torno da ressonância. Na
Lorentziana é

figura 2.8, mostram-se duas curvas da potência média para diferentes


valores de  (ou equivalentemente dois valores de Q ).

74
P

Figura 2.8 - Potência média transferida para oscilador como função da freqüência da
força aplicada.

Usando

x dado na equação 2.62, você deve calcular

, e com

isso mostrar que, para o oscilador forçado no estado estacionário, a


potência mecânica média fornecida pela força aplicada é igual à taxa
com que a energia está sendo dissipada pelo atrito.

2.4 Analogias entre oscilações mecânicas e elétricas


Quando iniciamos este capítulo, mencionamos que muitos sistemas
físicos podem ser adequadamente tratados como sistemas oscilantes,
como cordas de um piano, átomos em moléculas ou numa rede cristalina. Será
apresentado brevemente que existe uma analogia completa
entre as oscilações mecânicas discutidas até aqui e as oscilações de
vários circuitos elétricos. Para se ressaltar as analogias a que nos
referimos, devemos inicialmente escrever a equação para a carga q
num circuito RLC série, submetido a uma força eletromotriz
••

onde

L q+ R q+

(2.70)

••

(t ) ,

q
= (t ) ,
C

q ≡ dq / dt (corrente) e q ≡ d 2 q / dt 2 . Esta equação é idêntica em

forma à equação 2.41, para o movimento de um oscilador forçado. Assim, as soluções


são iguais em forma, e resolver um determinado problema mecânico significa tê-lo
resolvido do ponto de vista elétrico e
vice-versa. Os primeiros trabalhos sobre circuitos elétricos foram realizados
levando-se em conta a sua analogia com o problema mecânico
correspondente. Atualmente, a situação, muitas vezes, encontra-se invertida, isto
é, engenheiros mecânicos e acústicos empregam métodos
simples e efetivos desenvolvidos por engenheiros elétricos para resolver problemas
de vibrações acústicas e mecânicas. A figura 2.9 mostra
Oscilações

75
os três sistemas mecânicos discutidos (oscilador livre, oscilador amortecido e
oscilador forçado) e os circuitos elétricos correspondentes.

c
LQ + 1 Q = 0
C

mx + kx = 0

c
LQ + RQ + 1 Q = 0
C

mx + bx + kx = 0

mx + bx + kx = F (t)

R
c
LQ + RQ + 1 Q = ε (t)
C

Figura 2.9 Sistemas mecânicos e circuitos elétricos correspondentes.

Veja que toda a discussão sobre osciladores feita até aqui e as soluções
encontradas aplicam-se para os circuitos elétricos mostrados na
figura 2.9, desde que utilizemos a correspondência entre as quantidades elétricas e
mecânicas como mostradas na tabela 2.1.
MECÂNICA

ELÉTRICA

Deslocamento
x

Carga

Velocidade

Corrente

Massa

Indutância

Constante Elástica

1/ C

Capacitância

Amortecimento

Resistência

Força Aplicada

Força Eletromotriz
Tabela 2.1 Analogia entre quantidades mecânicas e elétricas.

76
Da tabela 2.1, observe que a freqüência natural de oscilações de um
circuito LC é 0 = 1/ LC , o que também não é novidade para você.
Para circuitos elétricos oscilantes, também definimos o fator de qualidade e pode
ser provado que, para um circuito RLC série, o fator de
qualidade é

Q ≅ 0 L / R , o que é natural, já que a resistência ôhmica

R no circuito elétrico é o coeficiente de amortecimento que no caso


mecânico designa-se por  .

2.5 Princípio de superposição


Como você observou em nossa discussão, a equação de movimento para o oscilador
harmônico é uma equação diferencial linear de
segunda ordem. Uma das propriedades importantes do oscilador
decorre desta linearidade. Isto é, devido a esta linearidade, o deslocamento x(t )
de um oscilador harmônico, quando submetido a uma

F (t ) , que pode ser a soma de duas ou mais forças


F1 (t ), F2 (t ),..., é a soma dos deslocamentos x1 (t ), x2 (t ),..., que ele
teria se cada uma das forças Fn (t ) , onde n = 1, 2,..., agisse sepa-

força aplicada

radamente. Esta propriedade é válida para qualquer sistema físico


que seja descrito por equações diferenciais lineares. Dizemos que
tais sistemas satisfazem o princípio de superposição, que podemos
expressar mais corretamente por meio do seguinte teorema:
Teorema: Seja o conjunto (finito ou infinito) de funções

n = 1, 2,3,..., soluções das equações


••

xn (t ) ,

m x n + b xn + kxn = Fn (t ) ,
onde

F (t ) = ∑ Fn (t ) .
n

Então, a função

x(t ) = ∑ xn (t ) ,
n

satisfaz a equação
••

m x + b x + kx = F (t ) .
Para demonstrar este teorema, basta substituir

x(t ) no primeiro

membro da equação acima, isto é,


Oscilações

77
••

••

m x + b x + kx = m∑ x n + b∑ x + k ∑ xn
n


 ••

= ∑  m xn + b xn + kxn  = ∑ Fn (t )
 n
n 
= F (t ) .

Este teorema é sumamente importante, já que permite a determinação de x(t ) sempre


que a força F (t ) pode ser escrita como uma soma

Fn (t ) . Um caso importante é a situação em que podemos


escrever a força atuante F (t ) como uma soma de termos que oscilam

de forças

senoidalmente, ou seja,

F (t ) = ∑ F0 n cos( nt +  n )
n

Onde

F0n são coeficientes constantes (são as amplitudes de cada

componente da força). Neste caso, ignorando-se a solução transiente,


qual é a resposta do sistema à aplicação desta força? Ou seja, qual
é a solução x (t ) ? Neste caso, usa-se o princípio de superposição e
tomamos a solução estacionária na equação 2.51, assim a solução
estacionária é:

x=∑
onde

F0 n
1
cos( nt +  n − n ) ,
2
2
m [( n − 0 ) + 4  2 2n ]1/2
n = arctg

2 n
.
02 − n2

Você deve estar pensando: quando podemos escrever a força atuante


no sistema como uma soma de forças que oscilam senoidalmente? A
resposta é que podemos proceder desta maneira sempre que tivermos
uma função periódica, isto é, sendo T o período, F (t + T ) = F (t ) . É
possível provar, que neste caso,

F (t ) pode ser sempre escrita como a

soma (uma série) de funções senoidais. Estas séries são chamadas de


séries de Fourier e a generalização do teorema das séries de Fourier
aplicado a forças não periódicas é o teorema integral de Fourier, o
qual permite representar qualquer função contínua (sujeita a certas
limitações) como uma superposição de forças que oscilam harmonicamente. Por meio
das séries e integrais de Fourier, pode-se resolver
a equação de movimento para quase todas as forças F (t ) fisicamente
razoáveis. Não discutiremos este tópico neste curso, mas é conveniente ressaltar
que o princípio da superposição se aplica em vibrações
mecânicas, oscilações elétricas, ondas sonoras, ondas eletromagnéticas e a todos os
fenômenos físicos governados por equações diferenciais lineares. Mas, por outro
lado, encontramos diversos fenômenos

78
físicos em que as equações que os regem não são lineares e, naturalmente, neste
caso não é aplicável o princípio de superposição.

2.6 Oscilações não-lineares


No início deste capítulo, fizemos uma distinção entre oscilações lineares, que
discutimos até aqui, e oscilações não-lineares, as quais
iremos discutir brevemente nesta seção. Como você certamente lembra, as oscilações
deixam de ser lineares à medida que a energia do
oscilador cresce, de modo que não podemos fazer a aproximação parabólica para a
função energia potencial. Veja novamente a figura 2.1
para V ( x ) arbitrário e a expansão em série de Taylor correspondente
dada pela equação 2.1. Se estamos tratando de sistemas nos quais
não vale a expansão somente até segunda ordem, porque a energia
do oscilador é alta, devemos reter mais termos da expansão em série,
e assim para energias potenciais V ( x) simétricas em relação à origem (lembre-se
que foi escolhido

x0 = 0 ), usamos a equação 2.2 para

a energia potencial, isto é,


(2.71)

onde

V ( x) =
 d 2V 
 2  =k
 dx  x =0

Em caso de dúvida volte


ao início do capítulo.

1 2 1 4
kx + x ,
2
4
1  d 4V 

 = .
6  dx 4  x =0

Entretanto, esta simetria na energia potencial ( V ( x ) é uma função


par) não se faz presente em todos os sistemas oscilantes, sendo que
em alguns casos a função energia potencial pode ser assimétrica, ou
seja, uma função que não é nem par nem ímpar. Isto significa que na
expansão 2.1 para a energia potencial retém-se até o termo de terceira ordem, isto
é,
(2.72)

sendo

V ( x) =

1 2 1 3
kx + x ,
2
3

1  d 3V 
=  3  ,
2  dx  x =0

uma quantidade pequena (como acontece com

 na equação 2.71), de

modo que a parábola se ajusta bem à curva da energia potencial verdadeira para
pequenos deslocamentos. Assim, quando a energia do
oscilador é grande, podemos levar em conta os efeitos não-lineares
mediante as expansões para a energia potencial fornecidas nas equações 2.71 e 2.72,
para sistemas simétricos e assimétricos.
Oscilações

79
2.6.1 Sistema não-linear simétrico
Como um exemplo de oscilações não lineares, em que o sistema é simétrico, suponha
uma massa m suspensa entre duas molas idênticas
como se mostra na figura 2.10 As molas têm constantes elásticas iguais
a k0 e estão fixas nos pontos A e B. Quando o sistema está em equilíbrio, a tensão
em cada mola é

T0 , como indicado na figura 2.10a.

B
l0

T0

x
T0

l0

A
(a)

m
T

(b)

Figura 2.10 Corpo conectado a duas molas. a) Posição de equilíbrio. b) Deslocamento


na direção horizontal.

Na figura 2.10b o corpo foi deslocado horizontalmente de uma distância x e, assim,


as molas têm uma variação no comprimento de

(l − l0 ) ; logo, a força restauradora é k (l − l0 ) . Isto quer dizer que a


tensão em cada mola após o deslocamento da massa m é:
T = T0 + k (l − l0 ) .

(2.73)

Já que as componentes na vertical da tensão se anulam, o movimento


da massa m ocorre na horizontal, e como a resultante nesta direção
é 2Tsen , temos a equação de movimento,
••
m x = −2Tsen ,

(2.74)

ficando óbvio que ignoramos o amortecimento e supomos ausência


de forças externas. Substituindo a tensão pela sua expressão dada
pela equação 2.73, obtemos:
••

(2.75)

m x = −2[T0 + k0 (l − l0 )]sen .

Mas da figura 2.10b tiramos que:

l = l02 + x 2 = l0 1 +

80

x2
x
x
x
e sen = =
=
2
l0
l
l02 + x 2 l0

1
1+

x2
l02
Logo, substituindo l e sen na equação 2.75, vem:
(2.76)


••

 x
x2
1
m x = −2 T0 + k0l0  1 + 2 − 1 
.
2

  l0
l

x
0


1+ 2
l0

Não se assuste com esta relação, mas procure analisar com calma.
Veja que o segundo membro desta equação é a força F ( x ) que é
exercida sobre a massa m , sendo, portanto, uma função bastante
complicada da posição, o mesmo ocorrendo com a função energia potencial (que é
menos a integral da força). Você deve estar percebendo
que podemos procurar alguma solução analítica somente quando os
deslocamentos considerados são pequenos. Nestes casos, x / l0 << 1 e
usamos as expansões em série de Taylor,

 x2 
1 + 2 
 l0 

±1/ 2

1 x2
= 1 ± 2 + ... .
2 l0

Substituindo estas expansões na equação 2.76 e desprezando termos


5
de quinta ordem (termos contendo ( x / l0 ) ), obtemos:
••

mx =−

(2.77)

k T 
2T0
x −  20 − 30  x 3 ,
l0
 l0 l0 

e reescrevendo as constantes como


equação de movimento torna-se:
 k l −T 
k = 2T0 / l0 e  =  0 0 3 0  , a
 l0

••

(2.78)

m x = −kx − x 3 .

O que significa que a força é

F ( x) = −kx − x 3 (equação 2.3), cuja fun-

ção energia potencial é dada pela equação 2.71 (ou equação 2.2). É
importante lembrar que a equação 2.78 é uma equação diferencial de
segunda ordem não-linear, pois contém termos com potências de x
3

maiores que 1 ( x , x etc.). Como agora as oscilações do sistema são


descritas por equações não-lineares, elas não satisfazem o princípio
da superposição, como você estudou na seção precedente.
Você já sabe que se a única força atuante for

F ( x) (uma força que

é conservativa, pois depende só da posição), podemos obter a solução para o


movimento usando a conservação da energia em vez de
resolver diretamente a equação 2.78. Mas utilizaremos uma abordagem que pode ser
utilizada quando temos uma força externa atuando
0
(oscilador não-linear forçado). Já sabemos que  →
é uma
quantidade
pequena e é positiva para uma mola dura, ao passo que é negativa
se a mola é macia (veja acima que  → 0 quando k0l0 → T0 ). Este fato
Oscilações

81
permite concluir que numa primeira aproximação o movimento do
sistema pode ser tomado como aproximadamente linear. Isto permite
adotar o método de aproximações sucessivas, o que significa dizer
que começamos por uma solução de ordem zero, que é a solução para
oscilações lineares (quando  = 0 ). Assim, substituímos no segundo

membro da equação 2.78, x = A cos t (como solução de ordem zero,


ou seja, x não depende de  ) e obtemos para a solução de primeira
ordem, x1 , a equação:
••

m x1 = −kA cos t − A3 cos3 t .

(2.79)

Usando a relação trigonométrica

3
1
cos3 t = cos t + cos 3t e re4
4

arranjando os termos, a equação 2.79 pode ser escrita como:


(2.80)

••
3
1


m x1 = −  kA + A3  cos t − A3 cos 3t .
4
4

Integramos a equação 2.80, assumindo que as constantes de integração sejam nulas, o


que fornece:

(2.81)

x1 =

1 
3 3
A3
kA
+

A
cos

t
+
cos 3t ,


m2 
4
36m2

que é a solução para uma aproximação sucessiva de primeira ordem.


Para obtermos uma relação entre a freqüência  e a amplitude A das

x1 como sendo a solução de ordem zero, isto é,


substituímos na equação 2.81, x1 = A cos t , e desprezamos o termo
contendo  no segundo membro, o que fornece:
oscilações, tomamos

A cos t ≅

1
3
(kA + A3 ) cos t .
2
m
4

Logo,
(2.82)

2 =

k 3  2
3
+
A = 02 +
A2 .
m 4m
4m

 e o período
( T = 2  /  ) dependem da amplitude. Veja que a freqüência pode aumentar ou
diminuir em relação 0 dependendo de o sistema apresentar  > 0 (mola dura, como
vimos) ou  < 0 (mola macia). PodeObserve que agora a freqüência das oscilações

mos continuar o método de aproximações sucessivas substituindo,


no segundo membro da equação 2.78, x1 dado na equação 2.81, para
determinarmos uma segunda solução
ma para determinar
primeira ordem.

82

x2 , procedendo como feito aci-

x1 . Aqui consideramos apenas a aproximação de


Na figura 2.11 mostram-se as oscilações anarmônicas expressas pela
equação 2.81 para valores positivos e negativos de  . Nesta figura a
curva a é a função

cos t , a curva c é a função cos 3t , enquanto

que a curva b é a soma dada na equação 2.81.

ε<0

ε< 0

0
c

ωt

ωt
x

ε<0

ε< 0

b
0
c

ωt

ωt

Figura 2.11 - Oscilações anarmônicas expressas pela equação 2.82. O comportamento


não-linear é obtido como superposição de movimentos harmônicos.

As equações 2.81 e 2.82 explicitam duas características de oscilações


livres submetidas a uma força restauradora não-linear. Primeiro, que as
oscilações não são estritamente senoidais, mas podem ser consideradas
como uma superposição de uma mistura de harmônicos, como você
pode observar na figura 2.11. Segundo, que o período (ou a freqüência)
depende da amplitude das oscilações. Um exemplo de sistema em
que o período depende da amplitude, para grandes amplitudes de
oscilações, é o pêndulo simples. Você deve estar atento ao fato de
que, ao usarmos o método das aproximações sucessivas, partimos de
uma solução na forma de funções co-seno, mas igualmente podemos
propor uma solução na forma de funções seno, x = Asent + Bsen3t .
Procedendo como acima, iremos obter novamente a equação 2.82, que

Oscilações

83
relaciona a freqüência com a amplitude, sendo que para

B , obtém-

B = − A3 / 4(9 2 − 02 ) . Caso você queira detalhar este cálculo,


3
1
3
lembre-se de usar sen t = sent − sen3t .
4
4
se

Como dissemos anteriormente, usamos o método de aproximações


sucessivas para resolver a equação de movimento 2.78, em vez da
conservação da energia, pelo fato de ele ser útil quando temos uma
força aplicada que depende do tempo. Isto significa que, para uma
força externa do tipo Fe = F0 cos t , e ignorando qualquer atrito, a
equação 2.78 é, agora,
••

m x = −kx − x 3 + F0 cos t ,

(2.83)

e podemos usar o mesmo procedimento que nos forneceu a aproximação de primeira


ordem ( x1 ) dada na equação 2.81. Você pode repetir aquele procedimento e mostrar
que a aproximação de primeira
ordem neste caso fornece:
(2.84)

x1 =

A3
1 
3 3 F0 
+

+
kA

A

t
cos
cos 3t .


m 2 
m
4
36m2

Não iremos discutir a ressonância em oscilações não-lineares forçadas. Nestes


casos, apesar de ocorrerem ressonâncias, elas são inteiramente diferentes daquelas
que ocorrem em sistemas lineares.
Do que analisamos até agora para sistemas oscilantes, é fácil perceber
que oscilações não-lineares ocorrem na natureza quando as equações
que descrevem estas oscilações são não-lineares. Um fato importante
decorre da não-linearidade das equações diferenciais que descrevem
sistemas oscilantes. Não é válido, como acontece para sistemas descritos por
equações lineares, o princípio de superposição, isto é, se

x1 e x2 são soluções de uma equação diferencial não-linear, como a


equação 2.78, a sua soma x = x1 + x2 , onde  e  são constantes

Errático: Comportamento
aleatório.

arbitrárias, não é solução. Além disso, as equações diferenciais não-lineares têm


soluções que são extremamente sensíveis às condições iniciais. Isto é, pequenas
alterações nas condições iniciais acarretam em
soluções drasticamente diferentes. Estas características das equações
não-lineares é que são responsáveis pelo fascinante comportamento
de suas soluções, denominado de comportamento caótico. O comportamento caótico de
um sistema é essencialmente errático, não previsível. O movimento caótico não
ocorre somente em sistemas complexos, como correntes turbulentas em um rio
caudaloso, mas ocorre
também em sistemas mecânicos simples, como no pêndulo simples,
ou em sistemas vibrantes, quando a energia potencial não pode ser
mais descrita por meio de uma função quadrática da distância à posi-

84
ção de equilíbrio. O movimento caótico pode ocorrer no movimento de
convecção de fluidos aquecidos, em corpos do sistema solar, em circuitos
eletrônicos e mesmo em certas reações químicas, para citar uns
poucos exemplos. Oscilações caóticas em tais sistemas se manifestam
como um comportamento não repetitivo. As oscilações são limitadas,
mas em cada ciclo, a oscilação tem comportamento único, não sendo
igual à oscilação anterior e igual à oscilação no ciclo seguinte. O comportamento
caótico pode exibir todas as nuances de um movimento
puramente aleatório. Mas não se confunda. Isto não significa dizer que
os movimentos caóticos de sistemas clássicos não obedecem a leis determinísticas da
natureza. Elas são satisfeitas por estes sistemas. Dadas as condições iniciais, e
as forças a que são submetidos, estes sistemas evoluem no tempo de maneira
determinista, já que são regidos
pelas leis clássicas do movimento. Devido à não-linearidade e a forte
dependência com as condições iniciais, é extremamente difícil se obter
com alto grau de precisão o movimento subseqüente do sistema. Nas
situações reais, em que nos deparamos com sistemas não-lineares, só
podemos resolver de forma adequada o problema por meio da solução
numérica das equações diferenciais. Atualmente, isto é perfeitamente possível
graças ao gigantesco crescimento tecnológico das últimas
décadas, que permitiu a construção de computadores com altíssima
capacidade de processamento. Na verdade, problemas físicos tratados
de forma realista só podem ser resolvidos por cálculo numérico, pois
nestes casos, em geral, nunca podemos encontrar uma solução que
possa ser apresentada de forma analítica.
É importante ressaltar que o estudo detalhado de sistemas governados por equações
não-lineares, na década de 1960, revelou que o
comportamento caótico destes sistemas contém uma certa ordem e
regularidade intrínsecas e o seu estudo formou o núcleo de um novo
ramo da ciência, o caos. Aplicações das leis do caos têm sido encontradas tanto em
sistemas físicos quanto em sistemas biológicos. Mesmo áreas de ciências sociais,
como economia e dinâmica populacional, apresentam comportamento caótico.

Resumo
As oscilações de inúmeros sistemas físicos podem ser adequadamente descritas por
meio de uma expansão em série de Taylor da função energia potencial, em torno da
posição de equilíbrio. Para pequenos deslocamentos, podemos utilizar a aproximação
parabólica

V ( x) = kx 2 / 2 , assim a equação de movimento é:

Oscilações

85

A aplicação da mecânica
newtoniana combinada
com a teoria do caos
mostrou que a órbita
de Plutão é caótica em
uma escala de tempo
de dezenas de milhões
de anos. Com a teoria
do caos também se
podem explicar duas
características do cinturão
de asteróides localizado
entre as órbitas de Marte
e Júpiter. Primeiro, o fato
de muitos asteróides
desviarem-se de órbitas
aparentemente estáveis,
sendo que alguns deles
tornam-se meteoritos que
caem na terra. Segundo,
a existência, dentro do
cinturão de asteróides,
de espaços vazios onde
o número de asteróides
em órbita é pequeno ou
nulo. Somente nos últimos
anos, com o advento de
computadores de grande
porte, foi possível se
desenvolver os cálculos
detalhados da dinâmica
de tais sistemas.
••

x+

onde

k
x=0
m

ou,

••

x + 02 x = 0 ,

02 = k / m é a freqüência natural de oscilações do sistema. O mo-

vimento do sistema é dito harmônico simples, significando que a equação diferencial


que descreve o movimento é linear, cuja solução consiste
de oscilações lineares que variam senoidalmente no tempo, isto é,

x(t ) = A sen( 0t + ) .


Em sistemas físicos reais sempre temos o atrito, que incluímos na
descrição do movimento
do oscilador como uma força proporcional à

velocidade ( F ( x) = −b x) , o que nos fornece a equação do movimento
para o oscilador amortecido,
••

x + 2  x + 02 x = 0 ,

onde

 = b / 2m é o coeficiente de amortecimento. Para esta equação

diferencial linear, encontramos três casos distintos, dependendo da


relação entre  e 0 :
a) Oscilador subamortecido, quando

02 >  2, que tem solução geral:

x = e − t ( B sen 1t + C cos 1t ) ,


12 = 02 −  2 .

sendo

b) Oscilador superamortecido, quando

x = e − t (C1e 2t + C2 e − 2t ) ,

x = e − t ( A cosh 2t + Bsenh 2t ) ,

ou
com

 2 > 02 , com solução geral:

22 =  2 − 02 . Neste caso, uma vez deslocado, o sistema

retorna gradualmente à posição de equilíbrio, com decréscimo


exponencial.
c) Oscilador criticamente amortecido, quando

 = 0 , que tem

como solução geral:

x = ( B1 + B2t )e − t ,
onde também temos um decrescimento exponencial da posição,
mas de forma mais acentuada do que no caso do oscilador superamortecido.

86
Para que um determinado sistema físico permaneça executando oscilações, devemos
ceder continuamente energia a ele de modo a compensar as perdas por atrito. Isto
significa aplicarmos uma força sobre
o oscilador que, em geral, pode depender do tempo, neste caso temos
o oscilador forçado, que é descrito pela equação de movimento,
••

m x + b x + kx = F0 cos( t +  0 ) .
Esta é uma equação diferencial linear de segunda ordem não-homogênea, cuja solução
geral é obtida mediante a soma da solução da
homogênea com uma solução particular. Considerando o oscilador
subamortecido, a solução geral é:

x = Ah e − t cos( 1t + h ) +

F0 / m
2
0

(  − 2 ) 2 + 4  2 2

cos( t −  +  0 ) .

Como a solução da homogênea tende rapidamente a zero, ela é denominada de solução


transiente, sendo a solução particular que determina o movimento do sistema. Ela
não depende das condições iniciais
e é denominada de solução estacionária. Portanto, depois de algum
tempo, dizemos que o oscilador se encontra no regime estacionário.
Quando as energias envolvidas nas oscilações de um sistema são elevadas, não
podemos usar a aproximação parabólica, isto é, devemos
considerar mais termos na expansão da energia potencial. Assim,
dependendo do sistema oscilante, podemos ter energias potenciais
anarmônicas simétricas,

V ( x) =

1 2 1 4
kx + x ,
2
4

V ( x) =

1 2 1 3
kx + l x .
2
3

ou assimétricas,

Em ambos os casos, as equações de movimento não são lineares,


não se aplicando nesses casos o princípio da superposição. Técnicas
especiais são empregadas na solução das equações de movimento e,
em geral, quando se inclui o atrito, as soluções só podem ser determinadas por
integração numérica.
Exercícios
1) Duas molas de constantes elásticas k1 e k2 , respectivamente, são
usadas na posição vertical para sustentar uma massa
a freqüência angular das oscilações é
Oscilações

m . Mostre que

(k1 + k2 ) / m se as molas estão

87
em paralelo e k1k2 /( k1 + k2 ) m se as molas estão em série. Quais são
os circuitos elétricos equivalentes a estas duas situações?

2) Uma massa

m presa
a uma mola de constante elástica k e com

um amortecimento −b x é afastada da posição de equilíbrio de um
valor x0 e, por meio de um impulso, transfere-se a essa massa uma
velocidade de módulo v0 em direção à origem. Considere que este sis2
2
tema massa-mola seja subamortecido ( 0 >  ) e calcule a posição
como função do tempo.

Resposta: x = x0 e − t [cos 1t + (

v

− 0 )sen1t ] .
1 1 x0

3) Um vagão de carga pesando 104 kg rola livremente e chega ao final


v0 = 4, 0 m / s . No final,
4
2
existe um batente que consiste numa mola com k = 1, 6 x10 kg / s .
de sua linha a uma velocidade cujo módulo é

O vagão comprime a mola. Considere a posição em que o vagão atinge a mola como a
origem das coordenadas. a) Considerando que a
força de atrito seja proporcional à velocidade, determine a constante
de amortecimento bc para que o amortecimento seja crítico. b) Deter-

x(t ) e faça um esboço. Determine a distância máxima xm em


que a mola é comprimida. c) Mostre que, se b ≥ bc , o vagão irá parar, determinando
x (t ) e considerando b = 2bc . Determine também
a compressão máxima da mola. d) Mostre que, se b ≤ bc , o vagão será
mine

lançado de volta e se deslocará em sentido contrário sobre os trilhos.


(Note que o vagão não fica preso à mola). Neste caso, considere que

b = bc / 2 e determine: a posição como função do tempo, a com-

pressão máxima da mola e a velocidade com que o vagão passa pela


origem ao retornar.

Respostas:
a)  = 0 = k / m = 1, 265 Hz; bc = 2m  = 2,53 x104 kg/s .
b) x = −v0te

− 0t

xm = −v0 / e ; xm = 1,16 metros.

c) Agora b = 2bc →  = 2 0 → 2 = 0 e assim


x=−

v0 −
e
0

metros .

20t

senh0t ; xm = −

v0 −
e
0

2arctgh (1/ 2 )

; xm = 0,90

d) Com b = bc / 2 →  = 0 / 2 → 1 = 0 / 2 e, assim,

2v0 − 0t / 2
0 t
v0 − 4
; xm = −
x=−
e
sen
e ; xm = 1, 44
0
0
2

metros. Velocidade com que passa pela origem ao retornar é


v = v0 e −  ≅ 0, 0432v0 = 0,17m/s .

88
4)

Um bloco de massa (considere que seja um elevador) m cai de


uma altura h sobre uma plataforma de massa desprezível. O objetivo
é se construir uma mola e um amortecedor, que constitua um oscilador
superamortecido, sobre os quais a plataforma será montada, de
tal forma que ela possa atingir uma nova posição de equilíbrio, 0,4
metros abaixo da posição original, depois de sofrer o impacto com
o bloco. Pede-se para calcular a constante elástica da mola, k , e o

coeficiente de amortecimento b . Obtenha valores numéricos para


m = 1000 kg e h = 20 metros.

Respostas: Origem na nova posição de equilíbrio: → x0 = 0, 4


metros. Velocidade inicial igual v0 = 2 gh . Nova posição de equilíbrio: → mg = kx0
, logo k = mg / x0 = 2, 45 x104 kg / s . Posição
como função do tempo: x = ( x0 cosh 2t +

x0 − v0
senh2t )e − t
2

→ Para não ultrapassar a origem devemos ter no mínimo


x0 = v0 e, assim, b = 2mv0 / x0 = 2m 2 gh / x0 = 9,9 x104 kg / s .

5) Um oscilador sem amortecimento

(b = 0) inicialmente em repouso é submetido a uma força F = F0sent . Determine o


deslocamento
x(t ) , considerando que a solução particular tenha a mesma forma da
força aplicada.

Resposta: x =

F0
[ 0sent − sen0t ] .
m0 ( 02 − 2 )

6) Um oscilador subamortecido que está inicialmente em repouso


fica submetido a uma força

F = F0 e − at onde F0 e a são constantes. a)

Considerando que a solução particular tem a mesma forma da força


aplicada, determine a posição como função do tempo. b) Qual é a solução para b =
2ma ? c) Neste caso, o que acontece se a = 0 ?

Respostas:
a) x =

 a−

F0
(
sen1t − cos 1t )e − t + e − at  ;
2 
m(a − 2 a + 0 )  1

2
1 = 02 −  2
b) x =

F0 e − at
[1 − cos 1t ] .
m( 02 − a 2 )

c) Se a =  = 0 → oscilador crítico. Proponha, para este caso,


− at
2 − at
uma solução geral da forma x = (C1 + C2t )e + C3t e e mostre
que C1 = C2 = 0 e C3 = F0 / 2m , logo, x =
Oscilações

F0 2 − at
t e .
2m

89
3

Movimento em Duas e Três


Dimensões
3

Movimento em Duas e Três


Dimensões

Este capítulo tem como objetivo aplicar a mecânica de Newton


ao estudo do movimento de uma partícula em duas e três dimensões. Ao final do
mesmo, o aluno deverá ser capaz de:
• Expressar o vetor posição, o vetor velocidade e o vetor aceleração em
coordenadas retangulares e em
coordenadas polares para o movimento de uma partícula em um plano;
• Explicitar os vetores posição, velocidade e aceleração
em coordenadas retangulares para o movimento em
três dimensões;
• Calcular integrais de linha de funções vetoriais simples, o gradiente de
funções escalares simples, o divergente e o rotacional de funções vetoriais
simples;
• Aplicar o teorema do momento linear, o teorema do
trabalho-energia e o teorema do momento angular
no movimento de uma partícula em duas e três dimensões;
• Resolver o movimento de projéteis incluindo a resistência do ar;
• Definir a função energia potencial para o movimento no espaço e identificar
forças conservativas e não
conservativas;
• Calcular a força como o gradiente de uma função
energia potencial dada;
• Calcular a função energia potencial sendo conhecida a força que atua sobre a
partícula.

Introdução
Neste capítulo você aplicará a mecânica newtoniana para o movimento
de corpos no plano e em três dimensões. Assim, é necessário que você
tenha conhecimento prévio de álgebra vetorial. Vamos admitir que você
já saiba adição e subtração de vetores, produto escalar e produto vetorial,
bem como diferenciação e integração de vetores. Abordaremos o moviMovimento em Duas
e Três Dimensões

93
mento no plano e no espaço tridimensional em diferentes sistemas de
coordenadas, e em seguida trataremos de elementos de cálculo vetorial
que são necessários ao estudo da dinâmica em três dimensões.
Para se descrever a posição e o movimento de uma partícula no espaço,
é necessário que se adote um sistema de coordenadas. Até este ponto
tratamos do movimento unidimensional de uma partícula, assim o sistema de
coordenadas retangulares (ou Cartesiano) que adotamos era
apropriado, já que neste caso temos apenas uma coordenada. Entretanto, na descrição
do movimento em duas e três dimensões nem sempre
é conveniente ou possível se adotar coordenadas retangulares. Como
você verá adiante, em muitas situações a descrição do movimento se
faz mais adequadamente adotando-se outros sistemas de coordenadas,
como coordenadas polares, coordenadas cilíndricas e esféricas. Mas antes de
resolvermos a equação de movimento em diferentes sistemas de
coordenadas, é importante que saibamos descrever o movimento em
diferentes sistemas de coordenadas do ponto de vista da cinemática. Inicialmente
trataremos da cinemática, a parte da mecânica que estuda os
movimentos possíveis de uma partícula, mas onde não se leva em conta
as leis da dinâmica que determinam estes movimentos.

3.1 Cinemática no Plano


3.1.1 Coordenadas retangulares
A posição P de uma partícula no plano XY pode ser especificada em coordenadas
retangulares pelas suas coordenadas ( x, y ) ou por meio do vetor


posição r , onde r = r é a distância a uma origem especificada, conforme
se ilustra na figura 3.1. O movimento da partícula no plano XY pode ser
descrito especificando-se y como uma função de x ou vice-versa, isto é,
y = y ( x),

(3.1)

x = x( y ) .

P (x,y)
y

^j

θ
^i

Figura 3.1 - Vetor posição e as coordenadas retangulares de um ponto P no plano.

94
Pode-se também especificar a curva que a partícula descreve (enquanto se movimenta
no plano) fornecendo uma relação entre suas
coordenadas x e y ,

f ( x, y ) = 0 .

(3.2)

Por exemplo, para uma partícula movimentando-se em círculo de raio

a , a trajetória é descrita por:

x2 + y 2 = a2 .

(3.3)

Entretanto, uma das maneiras mais convenientes para se representar


a trajetória de uma partícula é em termos de algum parâmetro. Seja

s este parâmetro, assim especificamos,


x = x( s ),

(3.4)

y = y(s) ,

ou

 
r = r (s) .

(3.5)

O parâmetro s pode ser a distância medida ao longo da curva a partir


de um ponto fixo. Assim, a trajetória descrita pela equação 3.3 pode
ser expressa em termos do parâmetro  ,

y = asen , x = acos ,
 é o ângulo formado pelo eixo dos x e o raio a até o ponto
( x, y ) . Ou, em termos da distância s medida ao longo da circunferência ( s = a)
,

onde

x = a cos

s
s
e y = asen .
a
a

Em mecânica, o parâmetro de interesse é o tempo e como exemplo


pense no caso em que a partícula tem uma velocidade constante v
em torno do circulo de raio
partícula no instante

a . Portanto, s = vt , e assim a posição da


t é especificada por:

x = a cos

vt
vt
e y = asen
.
a
a

Isto mostra que, em geral, quando uma partícula move-se num plano,
podemos especificar seu deslocamento fornecendo s (t ) ou se fornecendo diretamente
(3.6)


x(t ) e y (t ) ou r (t ) , isto é,

r (t ) = x(t )iˆ + y (t ) ˆj .

Movimento em Duas e Três Dimensões

95
Sendo iˆ e ˆj os vetores unitários na direção x e y , respectivamente,
indicados na figura 3.1. A partir da posição como função do tempo, equação 3.6,
obtém-se a velocidade e aceleração da partícula em coordenadas retangulares,
(3.7)


 dr ˆ dx ˆ dy ˆ
v=
=i
+j
= ivx + ˆjv y ,
dt
dt
dt

(3.8)



 dv d 2 r ˆ d 2 x ˆ d 2 y ˆ
a=
=
= i 2 + j 2 = iax + ˆja y .
dt dt 2
dt
dt

3.1.2 Coordenadas polares


Em muitas situações, como iremos comprovar adiante, é conveniente
o uso de coordenadas polares ( r , ) em vez de coordenadas cartesia-

( x, y ) para se descrever o movimento de uma partícula no plano.


Na figura 3.2 mostramos as coordenadas polares de um ponto P e os
vetores unitários rˆ e ˆ . Note que estes vetores apontam no sentido
em que r e  crescem.
^j
Y
^
r^
θ
nas

^i
P (x,θ)
y

^j

θ
^i

Figura 3.2 - Vetor posição e coordenadas polares de um ponto P no plano.


As relações entre os dois conjuntos de coordenadas são:
(3.9)

x = r cos  , y = rsen ,

e as relações inversas são:

y
.
x

(3.10)

r = x 2 + y 2 ,  = tg −1

Os vetores unitários

rˆ e ˆ que formam o novo sistema de coordena-

das, que chamamos de coordenadas polares, são funções do ângulo

 e estão relacionados (veja a figura 3.3) aos unitários iˆ e ˆj por:

(3.11)

rˆ = iˆcos + ˆjsen ,

(3.12)

ˆ = −iˆsen + ˆjcos .

96
Y

^j
^
θ

r^

^jcosθ
-i^

^jsenθ
θ

-i^ senθ

^icosθ

^i

Figura 3.3 - Decomposição dos vetores unitários

As derivadas destes vetores unitários em relação a

ˆ .

 são:

drˆ
= −iˆsen + ˆjcos = ˆ ,
d
d ˆ
(3.14)
= −iˆcos − ˆjsen = −rˆ .
d
ˆ
Os resultados drˆ
= ˆ e d  = − rˆ podem também ser obtidos
d
d
pela análise da figura 3.4, que mostra os vetores unitários rˆ e ˆ em
dois ângulos particulares  e  + d  , e seus incrementos drˆ e dˆ
(3.13)

(lembre-se de que

rˆ = 1 e ˆ = 1 ).

^ +d )
r(
θ θ

dr

^ )
r(
θ

θ (θ)

r^

θ (θ+ d θ)

Figura 3.4 - Acréscimos infinitesimais em

ˆ .

As derivadas expressas nas equações 3.13 e 3.14 são muito úteis, como
veremos agora, no cálculo das componentes do vetor velocidade e vetor aceleração em
coordenadas polares. Primeiro, observe que em coordenadas polares o vetor posição
se expressa simplesmente como:
(3.15)


r = rrˆ() .

Podemos assim descrever o movimento da partícula em coordenadas


polares fornecendo-se r (t ) e (t ) e determinando-se, assim, o vetor
posição


r (t ) (equação 3.15). O vetor velocidade será

drˆ dr
drˆ d 
 dr dr
v=
= rˆ + r
= rˆ + r
,
dt dt
dt dt
d  dt

Movimento em Duas e Três Dimensões

97
e, desde que

drˆ

d

= ˆ , vem:

(3.16a)


 •
v = r rˆ + r  ˆ ,

(3.16b)


v = vr rˆ + v ˆ ,

Muitas dessas relações


você já deve ter visto
nas disciplinas de Física
Básica. Em caso de dúvida,
procure fazer uma revisão
do movimento rotacional,
que irá lhe ajudar.

onde identificamos vr = r e v = r  como as componentes radial


e angular do vetor velocidade. Naturalmente, a componente radial
aponta na direção do vetor unitário rˆ , sendo perpendicular à trajetória, enquanto
que a componente angular aponta na direção do vetor
unitário ˆ sendo, portanto, tangente à trajetória, como se mostra na
figura 3.5. Por exemplo, se a partícula executa um movimento circular
de raio

r constante, tem-se vr = r = 0 , e se a velocidade angular é

 =  , vem para a componente tangencial

vr

r^
m

r
θ

Figura 3.5 - Componentes da velocidade em coordenadas polares.

A aceleração em coordenadas polares é agora obtida a partir da equação 3.16a, isto


é,



ˆ d

• drˆ d 

• d
d
r
dr
d

 dv d •
a=
rˆ + r
ˆ + r 
= (r rˆ + r  ˆ ) =
+  ˆ + r
dt dt
dt
d  dt dt
dt
d  dt


• •
••


 ••
a = r rˆ + r ˆ  + r  ˆ + r  ˆ − r  rˆ  .

Ou, juntando os termos comuns,


(3.17a)


••
• •
 ••
a = ( r − r  2 )rˆ + (r  + 2 r )ˆ ,


a = ar rˆ + a ˆ ,

(3.17b)

sendo as duas componentes da aceleração, radial e angular, dadas por:


(3.18)

98

••

ar = ( r − r  2 )

••

• •

a = r  + 2 r 

2

O termo r  = v / r é denominado de aceleração centrípeta e tem


origem no movimento na direção angular ( ) . Se o movimento é circular de raio

••

r constante, vem r = r = 0 e assim a componente radial

do vetor aceleração é


2

ar = −r  = −v2 / r . Você deve conhecer este

resultado dos cursos básicos de mecânica. O termo

• •

2 r  é denomina-

do de aceleração de Coriolis, que discutiremos posteriormente no capítulo 6. Mais


adiante, ao estudar movimento sob força central, você
verá a utilidade de se escrever o vetor aceleração em termos de suas
componentes em coordenadas polares expressas na equação 3.18.

3.1.3 Cinemática em três dimensões


Agora que você já sabe sobre coordenadas polares e retangulares, vamos estudar como
aplicar estes conceitos no movimento em três dimensões. Podemos descrever o
movimento em três dimensões usando
coordenadas retangulares ( x, y, z ) em relação a um sistema de eixos
retangulares no espaço, ou pelo vetor posição

 
r = r ( x, y, z ) em rela-

ção à origem escolhida. Desta maneira, como no caso do movimento


no plano, as componentes retangulares do vetor velocidade são:
(3.19a)


 dr ˆ dx ˆ dy ˆ dz
v=
=i
+ j +k ,
dt
dt
dt
dt
 ˆ
ˆ
ˆ
v = iv
x + jv y + kvz ,

(3.19b)
sendo

iˆ , ˆj e kˆ os vetores unitários segundo as direções x , y e z .

Para a aceleração, vem:


(3.20a)

(3.20b)


 dv ˆ dvx ˆ dv y ˆ dvz
,
a=
=i
+j
+k
dt
dt
dt
dt

a = ax iˆ + a y ˆj + az kˆ .

Você está verificando que não existe novidade até aqui. Naturalmente,
em três dimensões muitos outros sistemas de coordenadas são úteis
para a solução de problemas específicos. As mais usadas, além das retangulares, são
as coordenadas polares cilíndricas e polares esféricas.

3.2 Elementos de Cálculo Vetorial


3.2.1 Integral de Linha
Quando estamos descrevendo o movimento no espaço tridimensional, em geral, podemos
encontrar grandezas escalares (como a energia cinética) e vetoriais (como força)
com um valor definido em cada
ponto do espaço. Tais grandezas geralmente são funções das coordeMovimento em Duas
e Três Dimensões

99
nadas espaciais, usualmente ( x, y, z ) , ou podem ser funções do ve
tor posição r . Um exemplo de função escalar de ponto é a energia
potencial V ( x, y, z ) de uma partícula que se desloca em três dimensões, e o de
uma função vetorial de ponto é o campo elétrico cujas
componentes Ex , E y e Ez podem ser funções de x, y e z . Muitas
vezes, funções escalares e vetoriais, além de dependeram da posição,
são também funções do tempo.
Algumas informações serão importantes para o estudo da mecânica,
entre elas a integral de linha. Você compreenderá que, em Física,
expressamos muitos resultados através da integral de linha. Consi
dere agora uma dada curva C , no espaço, e uma função vetorial A
definida em
 todos os pontos sobre esta curva. Definimos a integral de
linha de A ao longo da curva C por:

 
A • dr .

Para se definir esta integral de linha, subdivide-se a curva C em segmentos


infinitesimais, onde cada um desses segmentos é representa
do pelo vetor dr na direção do segmento e de comprimento igual ao
do segmento. Assim, a curva consistirá em uma sucessão de vetores


dr de uma extremidade
  a outra.
 Desta maneira, para cada segmento,
temos o produto A • dr , onde A é o valor da função vetorial na posição do segmento
considerado.

integral de linha da relação matemática citada anteriormente é definida como o


limite das somas dos
produtos
, quando o número de segmentos cresce
sem limite, enquanto o módulo

de cada segmento se

aproxima de zero.

Um exemplo deintegral de linha em mecânica é o trabalho realizado


por uma força F variável sobre uma partícula que se desloca ao lon-

go de uma curva C ,

 
W = ∫ F • dr .
C

Observe que é uma generalização do resultado

 
W = F • s para uma
força constante sobre uma partícula que se move ao longo de um

segmento de reta s .
Outra forma de especificar a integral de linha é expressar o vetor posição em
coordenadas retangulares,
(3.21)

100


r = xiˆ + yjˆ + zkˆ ,
e cujo diferencial é:

 ˆ
ˆ .
dr = idx
+ ˆjdy + kdz

(3.22)


A
 pode ser escrita em termos de suas compoˆ
nentes cartesianas, A = Ax iˆ + Ay ˆj +
 Az k , de modo que podemos escrever para a integral de linha de A :
Uma função vetorial

(3.23)

 
A • dr = ∫ ( Ax dx + Ay dy + Az dz ) .
C

Outra maneira de se expressar a integral de linha é considerar a distância s medida


ao longo da curva a partir de algum
 ponto fixo, veja
a figura 3.6. Sendo



ds = dr e  o ângulo entre A e dr , podemos

escrever para a integral de linha:


(3.24)

 
A • dr = ∫ A cos ds .

Figura 3.6 - Elementos envolvidos na integral de linha de uma função vetorial.

Utilizamos
a equação 3.24 para se efetuar uma integral de linha quando

A e  sejam funções conhecidas de s . Uma das formas apropriadas


de representar uma curva no espaço é fornecendo as coordenadas x,

y e z , ou, de modo equivalente, o vetor posição r , como funções de
um parâmetro s de valor bem definido em cada ponto da curva. Como
você estudou anteriormente, s pode ser a distância ao longo da curva
a partir de um ponto de referência, mas também pode ser o tempo no
qual a partícula
  em movimento chega a cada ponto da curva. Sendo
conhecidos A( r ) e r ( s ) , calculamos a integral de linha, como segue:

 
 dr
∫C A • dr = ∫ ( A • ds )ds ,
(3.25)

 
dx
dy
dz
A
∫C • dr = ∫ ( Ax ds + Ay ds + Az ds )ds .

Note que o segundo membro da equação 3.25 é uma integral comum


sobre a variável s . Assim, você acabou de estudar que as equações
3.23, 3.24 e 3.25 são maneiras distintas de se efetuar uma integral de
linha e podem lhe ajudar na solução de problemas específicos.
Movimento em Duas e Três Dimensões

101
Exemplo 1. Para ajudar na sua compreensão sobre este assunto,
você estudará, como exemplo de integral de linha, o trabalho realizado sobre uma
partícula em movimento semicircular de raio a em

B (a, 0) até o ponto A(−a, 0) , por uma


força que a atrai na direção do ponto A( x = − a, y = 0) e proporcional
ao quadrado da distância entre a partícula e o ponto ( − a, 0) . No ponto
(a, 0) a força tem módulo 4F0 . Na figura 3.7 estão indicadas as quantorno da
origem, desde o ponto

tidades de interesse envolvidas no problema.

a
a

Figura 3.7 - Elementos para o cálculo do trabalho ao longo de uma trajetória


semicircular.

A partir da figura 3.7 podemos escrever as relações:

+

 
−
= → =
,
2 2
2

A força, conforme o enunciado, é

+ +−



= → = − .
2
2


F = −kr12 rˆ1 , sendo k uma constante

de proporcionalidade que determinamos usando o valor da força no


2
2
ponto ( a, 0) , isto é, 4 F0 = k (2a ) → k = F0 / a , de modo que rees-


F
F = − 02 r12 rˆ1 . Para calcularmos o trabalho,
a
expressamos r1 em termos de  ,

crevemos a força como

r12 = 2a 2 (1 − cos) = 4a 2sen 2  / 2 .


O trabalho é:
 
W = ∫ F • dr = ∫ F cos ds .
C

Como


ds = dr = ad  , vem:
0


W = ∫ F cos(  − )ad  .
2

Substituindo o valor de

F , obtemos:
0

F0 2


4a (sen 2 cos )ad  .
2
a
2
2

W = −∫
Fazendo

102

 = 2 1 , d  = 2d 1 , vem:

 /2

2
2
W = 4 F0 a ∫ 2sen 2 1cos1d 1 = 4 F0 a sen 3 1 ,
3
0
0
8
W = F0 a .
3

Para completar este exemplo, vamos obter o trabalho realizado pela


força para deslocar a partícula desde o ponto B até o ponto A , ao

y = 0 (ao longo do eixo dos x ). Agora, r1 = x´= x + a


com a ≥ x ≥ − a , de modo que:
longo da reta

F
W = − 02
a

−a

F0 ( x + a )3
x
a
dx
(
+
)
=

∫a
a2
3

−a

,
a

8
W = F0 a .
3
Portanto, este exemplo mostra que o trabalho realizado pela força não
depende do caminho percorrido pela partícula. Isto é, a integral de
linha neste caso só depende do ponto inicial e do final. Mais adiante
iremos diferenciar entre forças para as quais o trabalho realizado depende do
caminho e forças cujos trabalhos realizados independem da
trajetória, como estudado neste exemplo.

3.2.2 Gradiente
Energia potencial, energia cinética, temperatura e pressão são exemplos de
grandezas físicas escalares que, em geral, dependem das coordenadas. Isto é, são
funções escalares do tipo u ( x, y, z ) cujas três
derivadas parciais podem ser consideradas como componentes de
uma função vetorial denominada de gradiente de u :

grad u = iˆ

(3.26)

∂u ˆ ∂u ˆ ∂u
.
+j
+k
∂x
∂y
∂z

grad u de maneira geométrica, como sendo


o vetor cuja direção é aquela em que u cresce mais rapidamente e
cujo módulo é a derivada direcional de u , ou seja, a taxa de crescimento de u por
unidade de distância naquela direção. Você percebePode-se também definir

rá que esta definição geométrica é equivalente à definição algébrica


(equação 3.26), tomando-se o diferencial de u :

du =

(3.27)
Já que

∂u
∂u
∂u
dx + dy + dz .
∂x
∂y
∂z

 ˆ
ˆ , podemos escrever du como:
dr = idx
+ ˆjdy + kdz
du = (

∂u ˆ ∂u ˆ ∂u ˆ ˆ
ˆ )
i+
j + k ) • (idx + ˆjdy + kdz
∂x
∂y
∂z

Movimento em Duas e Três Dimensões

103

du = ( grad u ) • dr .

(3.28)

Geometricamente, du é a variação de u , quando se desloca do ponto


r = ( x, y, z ) para um ponto próximo r + dr = ( x + dx, y + dy, z + dz ) . A
partir da equação 3.28, podemos escrever:


du = dr grad u cos  ,

(3.29)


 é o ângulo entre dr e grad u . Logo, a uma distância peque


na fixa dr do ponto r , a variação de u será um máximo quando dr
tiver a mesma variação do gradiente de u , assim,
onde

grad u =

du
 ,
dr

resultado que confirma a descrição geométrica do gradiente de uma


função escalar dada anteriormente.
Para uma
 notação mais concisa do gradiente, introduz-se o símbolo
nabla (∇) , isto é, reescrevemos a equação 3.26 como:


∂ ˆ ∂ ˆ ∂
+ j + k )u = ∇u .
∂x
∂y
∂z

(3.30)

grad u = (iˆ

Isto significa que






∇ ≡ iˆ + ˆj + kˆ . Veja que ∇ não é um vetor
∂x
∂y
∂z

no sentido geométrico,
 mas sim uma operação sobre uma função
que resulta no vetor

∇u . Note que a forma de ∇ depende do sistema

de coordenadas utilizado. Por exemplo, em coordenadas cilíndricas,


uma função escalar u ( , , z ) tem diferencial:

du =
E como agora

∂u
∂u
∂u
d +
d  + dz .
∂
∂
∂z


ˆ , reescrevemos a expressão
ˆ d  + 
ˆ d  + kdz
dr = 

acima,

ˆ
du = ( 

e identificamos


ˆ ∂u ˆ ∂u
∂u 
ˆ ) = ∇u • dr ,
ˆ d  + 
ˆ d  + kdz
+
+ k )•(
∂  ∂
∂z

ˆ ∂ ˆ ∂
∂ 
ˆ
∇ ≡ (
+
+ k ) para o cálculo do gradiente
∂  ∂
∂z

de uma função em coordenadas cilíndricas.

104
3.2.3 Divergente

A aplicação de ∇ em uma quantidade escalar gera um vetor. Por ou
tro lado, é fácil perceber que, ao
 efetuarmos o produto escalar de ∇
com uma quantidade vetorial A( x, y, z ) , resultará em uma quantida
de escalar. Este produto escalar denomina-se de divergência de A :
 



∇ • A = (iˆ + ˆj + kˆ ) • ( Ax iˆ + Ay ˆj + Az kˆ) ,
∂x
∂y
∂z
  ∂A ∂Ay ∂Az
.
∇• A= x +
+
∂x
∂y
∂z

(3.31)

O significado geométrico da divergência de um vetor é fornecido pelo


Teorema da Divergência ou Teorema de Gauss:


 
ˆ ,

• A dV =
A
∫∫∫
∫∫ • nds

(3.32)

onde V é um dado volume e S é a superfície que delimita este volume, sendo nˆ um


vetor unitário perpendicular à superfície S , apon-

tando para fora do volume


 V em cada ponto de S (observe a figura
3.8). Isto quer dizer que A • nˆ é a componente de A normal a S .

n^

S
V

ds

Figura 3.8 - Volume


V

limitado por superfície

S.

Literalmente, a equação 3.32 afirma que a divergência de um vetor


no interior de um dado volume que é delimitado por uma superfície é
igual ao fluxo total deste vetor através desta superfície.
Podemos exemplificar o uso da divergência de um vetor no escoamento de um fluido.
Seja  a densidade do fluido, a massa num volume arbitrário V é

m = ∫∫∫ dV .
V

E o fluxo de fluido através da área S que delimita o volume V



3
ˆ
é
v • nds
(em m / s ) e a massa de fluido que sai através de S

∫∫
S

Movimento em Duas e Três Dimensões

105

ˆ (em kg / s ) e, portanto, deve ser igual à variação da
− ∫∫ v • nds
S
dm
∂
= ∫∫∫ dV , ou seja,
massa de fluido dentro do volume V ,
dt
dt
V

∂

ˆ = ∫∫∫ dV .
− ∫∫ v • nds
dt
S
V
Usamos agora o Teorema da Divergência (equação 3.32), de modo que:

∫∫ v
S



ˆ = ∫∫∫ ∇ •( v )dV ,
nds
V


∂

− ∫∫∫ ∇ •( v )dV = ∫∫∫ dV ,
dt
V
V
ou

∂

∫∫∫ ( ∂t + ∇


v )dV = 0 .

Como o volume é arbitrário, o integrando deve se anular,


∂  
+ ∇ • v = 0 ,
∂t
que é conhecida como a equação da continuidade para um fluido na ausência de fontes
ou sumidouros de fluido dentro do volume considerado.

3.2.4 Rotacional
Talvez você já tenha tido a oportunidade de andar pela margem de
um rio e deve ter percebido que, em certas partes, a água flui placidamente,
enquanto que em outras partes, ela agita-se, formando redemoinhos, isto é,
apresentando movimento de rotação. Nestas partes
do rio o movimento da água apresenta propriedades rotacionais.
Observe que o
divergente é o
produto escalar de
por uma função
vetorial

Você estudará agora como expressar as propriedades rotacionais de


uma função vetorial. Começamos observando que, de maneira similar à
divergência de um vetor, pode-se também formar o produto vetorial de

por uma função vetorial


, denominado rotacional de
que se pode escrever na forma de determinante:


  ∂
∇× A =
∂x
Ax
ou

106

ˆj


∂ ,
∂y ∂z
Ay Az

A,
(3.33)

 
∂Ay ∂Ax
∂A ∂A
∂A ∂Ay
) + ˆj ( x − z ) + kˆ(
).
∇× A = iˆ( z −

∂y
∂z
∂z
∂x
∂x
∂y

A interpretação geométrica do rotacional é obtida com o Teorema


de Stokes:
(3.34)

 
 
ˆ
∇×
A
• nds
=
A
(
)
∫∫
∫ • dr ,
C

onde S é qualquer superfície no espaço limitada pela curva fechada


C , como se mostra na figura 3.9.

^
n
ds

C
Figura 3.9 Superfície

limitada pela curva

C.

De acordo com a equação 3.34, o rotacional de um vetor em um ponto qualquer é a


medida da extensão da circulação (ou rotação) deste
vetor em torno daquele ponto. Você pode interpretar o rotacional de
um vetor como o limite da circulação deste vetor por unidade de área.
Pela equação 3.34 você verificará que, se a circulação do vetor ao longo de um
percurso fechado for zero, o rotacional deste vetor também
é nulo. E se o rotacional for nulo, também é nula a circulação do vetor.
O rotacional, obviamente, diz respeito às propriedades de rotação de
uma função vetorial. Podemos exemplificar voltando ao exemplo das
águas em um rio, mas simplificando a situação, isto é, considerando
um fluido onde a velocidade de suas partículas defina a função veto
  
rial de velocidades dada por v =  × r , onde  é a velocidade angular



(  =  x iˆ +  y ˆj +  z kˆ) e r seu


vetor posição ( r = xiˆ + yjˆ + zkˆ) . Calculamos o rotacional de v :
constante de uma partícula do fluido


    

∇× v = ∇× (  × r ) = ∇×  x
x

Movimento em Duas e Três Dimensões

ˆj
y


z ,

107
ˆj


 



∇×v =
,
∂x
∂y
∂z
z  y − y  z x z − z  x y  x − x y
 

∇× v = 2  x iˆ + 2  y ˆj + 2  z kˆ = 2  ,
 1 
 = ∇×v .
2

ou

Este resultado deixa claro que o rotacional de v está relacionado às


propriedades rotacionais desta função vetorial de velocidades. Isto é,
a velocidade angular (constante) das partículas do fluido, ou seja, o

movimento de rotação do fluido, é especificado pelo rotacional de v .

eremos mais adiante


que, em mecânica, o rotacional

de uma força F ( x, y, z ) define se ela é conservativa

ou não. No eletromagnetismo as equações de Maxwell na


forma diferencial se expressam mediante a divergência e
o rotacional dos campos elétrico
e magnético .

Você acabou de estudar, no tópico 3.2, os elementos de cálculo vetorial.


É importante que você tenha claro o conceito e função da integral de
linha, gradiente, divergente e rotacional para o estudo da mecânica.

3.3 Teoremas do Momento Linear e da Energia


No estudo do movimento de uma partícula em uma dimensão, você
estudou os teoremas do momento linear e da energia. Neste tópico
você estudará o movimento em três dimensões. Escrevemos a segunda lei de Newton na
forma vetorial,


d 2r 
m 2 =F,
dt

(3.35)
sendo

F a soma das forças que atuam sobre a partícula de massa m .

Em coordenadas cartesianas, a equação acima equivale a três equações, uma para cada
direção no espaço:
(3.36)

108

d 2x
m 2 = Fx ,
dt

d2y
m 2 = Fy ,
dt

d 2z
m 2 = Fz .
dt
Em uma dimensão, definimos o momento linear (ou quantidade de
movimento) de uma partícula como px = mvx , de modo que, em três
dimensões, teremos:
(3.37)



p = mvx iˆ + mv y ˆj + mvz kˆ = mv .

A equação 3.35 pode ser reescrita como:


(3.38)



d
dr
d

(m ) = (mv ) = F ,
dt
dt
dt

dp 
=F.
dt

(3.39)

A equação 3.39 expressa o teorema do momento linear em três dimensões, ou seja, a


taxa de variação temporal do momento linear é
igual à força resultante aplicada sobre a partícula. Integrando-se a
equação 3.39 ente os instantes t1 e t2 , obtém-se a variação do momento linear,

t2

 
p2 − p1 = ∫ Fdt .

(3.40)

t1

Esta forma integral do teorema do momento linear estabelece que a variação do


momento entre dois instantes quaisquer é dada pelo impulso
fornecido pela força aplicada (o segundo membro da equação acima).
Para estabelecermos o teorema do trabalho-energia, partimos da
equação 3.38, fazendo o produto escalar de ambos os membros com

o vetor velocidade v :

 d   
v • mv = F • v .
dt

(3.41)




d   dv   dv
 dv
Desde que
(v • v ) =
•v +v •
= 2v •
, podemos reescrever a
dt
dt
dt
dt

equação 3.41 como:

(3.42)

 
d 1  
d 1
( mv • v ) = ( mv 2 ) = F • v .
dt 2
dt 2

Na expressão acima

 
v 2 = v • v = vx2 + v y2 + vz2 , e sendo a energia cinética

da partícula definida como

Ec =

1 2
mv , a equação 3.42 nada mais é
2

que o teorema da energia na forma diferencial,


(3.43)

dEc  
= F •v ,
dt

Movimento em Duas e Três Dimensões

109
de onde você pode perceber que a energia cinética da partícula pode
aumentar, diminuir ou permanecer constante. O exemplo clássico de
uma força que não muda a energia cinética da partícula é a força
magnética sobre uma partícula carregada.
  Nesta situação, a força é
perpendicular à velocidade, e assim, F • v = 0 e, portanto, a energia
cinética se mantém constante. Integrando-se a equação 3.43 no tempo, obtém-se o
teorema da energia na forma integral,
(3.44)

t
1 2 1 2 2  
Ec2 − Ec1 = mv2 − mv1 = ∫ F • vdt .
2
2
t1

Como vdt = dr , se a força depender da posição, podemos escrever a


integral na equação 3.44 como uma integral de linha,

r2

 
Ec2 − Ec1 = ∫ F • dr ,

(3.45)


r1

que conhecemos como o teorema do trabalho energia. A variação da


energia cinética é igual ao trabalho realizado pela força enquanto a


partícula se desloca entre a posição r1 e a posição r2 .

3.4 Teorema do Momento Angular

A relação 3.46 não deve


ser nenhuma novidade
para você, pois este
assunto foi desenvolvido
na Física Básica.

Já é de seu conhecimento que, quando estudamos o movimento de


rotação em torno de um ponto ou em torno de um eixo, o análogo à
força no movimento de translação é o torque associado à força, ou
momento da força. Para abrir ou fechar uma porta, você sabe que é
necessário aplicar uma força bem mais intensa se a mesma for aplicada perto do eixo
de rotação. A mesma força aplicada à borda da porta
fará com ele se movimente facilmente. Isto demonstra que no movimento de rotação
não só a força, mas também o ponto
 de aplicação
da mesma, é que
 determina o movimento. O torque T , ou momento
de uma força

F , em relação a um ponto (tomado como a origem

das coordenadas) ou a um eixo que passa por este ponto, sobre uma
partícula de massa m , é definido pelo produto vetorial entre o vetor
posição do ponto de aplicação da força e a força aplicada,
(3.46)

  
T = r ×F .

Observe que se efetuarmos o produto vetorial de


r com ambos os

membros da equação 3.39,


 dp  d
   

= r × (mv ) = r × F = T .
dt
dt

dr
 

Já que
× mv = v × mv = 0 , podemos reescrever a equação anterior
dt
como:
110

 d
 dr
   
r × (mv ) + × (mv ) = r × F = T ,
dt
dt
o que é equivalente a:


d 

(r × mv ) = T .
dt

ou


d  
(r × p) = T .
dt

(3.47)

Definimos o momento angular


L como:

(3.48)

  
L = (r × p) .

Assim, a equação 3.47 expressa o teorema do momento angular na


forma diferencial,

dL 
=T ,
dt

(3.49)

ou seja, a taxa de variação temporal do momento angular de uma


partícula é igual ao torque que age sobre ela. A integração da equação
3.49 entre dois instantes fornece o teorema do momento angular na
forma integral:

  t2 
L2 − L1 = ∫ Tdt .

(3.50)

t1

Logo, conhecido o torque exercido sobre a partícula, podemos obter


a variação do momento angular e, na ausência de qualquer torque, o
momento angular permanece constante.
Vejamos agora o teorema do momento angular (equação 3.49) quando
o movimento da partícula ocorre no plano. Você já sabe que uma maneira de
especificar o movimento no plano é adotando-se coordenadas

polares. Na figura 3.5 mostram-se as componentes polares vr = r e



v = r  do vetor velocidade v de uma partícula e seu vetor posição r
em relação a uma origem O . Da definição do momento angular (equa-

ção 3.48), obtemos:


L = rmv = mr 2  ,

(3.51)

para o módulo do momento angular. A direção de L é perpendicular


ao plano no qual a partícula executa seu movimento e o seu sentido
determinado pela regra do produto vetorial. Observe que o sentido de

L é o mesmo sentido de  .
Movimento em Duas e Três Dimensões

111

Caso tenha alguma


dúvida, retorne as tópicos
anteriores
deste capítulo.
Também devemos escrever a força que atua sobre a partícula em termos de suas
componentes polares,
(3.52)

 
ˆ r + ˆ F .
F (r ) = rF

Usamos as componentes do vetor aceleração em coordenadas polares da


equação 3.18 para escrever as equações de movimento correspondentes:
••

(3.53)

mar = m( r − r  2 ) = Fr ,

(3.54)

ma = m(r  + 2 r ) = F .

••

• •

A seguir, multiplicamos ambos os membros da equação 3.54 pelo módulo do vetor


posição,
(3.55)
sendo

••

• •

m(r 2  + 2 rr ) = rF ,


rF o módulo do torque T = rrˆ × ˆ F = rF (rˆ × ˆ ) = rF . Para

identificar o primeiro membro da equação 3.55, observamos que a


equação 3.51 permite obter a taxa de variação temporal do momento
angular, ou seja,
(3.56)

• •
••
••
• •
dL
= 2mr r  + mr 2  = m(r 2  + 2r r ) .
dt

Comparando as equações 3.55 e 3.56, você verificará que:


(3.57)


dL
= rF = T ,
dt

que é um caso particular da equação 3.49, quando aplicada ao movimento no plano e


descrito em coordenadas polares. Você verificará
que o teorema do momento angular (equação 3.57) e as equações
de movimento 3.53 e 3.54 serão úteis na descrição do movimento de
uma partícula submetida
  a forças, especificada pela equação 3.52,
onde F = 0 , isto é F ( r ) = Fr ( r ) rˆ , denominadas de forças centrais.

3.5 Movimento de Projéteis


Um dos problemas mais antigos e importantes na história da mecânica é a
determinação do movimento de projéteis, que serve com um
exemplo da dinâmica de uma partícula em duas dimensões. Se ignorarmos a resistência
do ar, durante a trajetória o projétil fica sob a
ação da força gravitacional apenas, que no caso de um movimento

próximo à superfície da Terra, é constante e igual a mg , tendo a direção vertical,
que escolhemos como sendo o eixo
de movimento para o projétil é:

112

Z . Assim, a equação

d 2r
m 2 = − mgkˆ ,
dt

(3.58)

que expressamos em termos de suas componentes,

d 2x
m 2 = 0,
dt

d2y
m 2 = 0,
dt

d 2z
m 2 = −mg .
dt

As soluções destas equações são:


(3.59)

x = x0 + v0 x t ,

(3.60)

y = y0 + v0 y t ,

(3.61)

z = z0 + v0 z t − gt 2 .

1
2

Ou, na forma vetorial,

  
1
r = r0 + v0t − gt 2 kˆ .

(3.62)

A posição inicial do projétil pode ser tomada como a origem das coordenadas, o que
significa x0 = y0 = z0 = 0 . Admita agora que o vetor

xz , de maneira que v0 y =0. Neste caso, a equação 3.60 mostra que y (t ) = 0 e,


logo, a trajetória vai
ocorrer no plano xz. Assim, o projétil efetua sua trajetória no plano
definido pelo vetor velocidade inicial e o eixo z , veja a figura 3.10. Portanto,
escolher v0 y = 0 é completamente equivalente a uma escolha
velocidade inicial esteja no plano

conveniente do sistema de coordenadas. Note na figura 3.10 que esta


escolha é equivalente a uma rotação dos eixos coordenados em torno
do eixo z, de modo que o eixo x coincida com o eixo x´.

Y
θ


Figura 3.10 - Trajetória do projétil: a) No espaço b) No plano xz.

Escolhendo então o plano da trajetória como o plano xz , as equações


3.59 e 3.61 fornecem as coordenadas como função do tempo,

x = v0 x t ,

Movimento em Duas e Três Dimensões

1
2

z = v0 z t − gt 2 .
113
Estas duas equações descrevem o movimento do projétil e dizemos
que a trajetória está sendo fornecida de forma paramétrica, onde o
tempo é o parâmetro. Para se obter a trajetória em coordenadas retangulares, isto
é, z ( x) , devemos eliminar o parâmetro tempo, fazemos
isto substituindo

t = x / v0 x na equação para z (t ) , o que fornece:

z=

(3.63)

v0 z
1 g 2
x−
x ,
v0 x
2 v02x

que é a equação de um a parábola, cuja concavidade é para baixo,


cruzando o eixo dos x na origem e em:

xA = 2

(3.64)

v0 z v0 x
.
g

Logo, x A é o alcance do projétil na horizontal. A altura máxima atingida pelo


projétil pode ser obtida calculando o máximo da função z ( x) ,
equação 3.63, cujo ponto de máximo obtém-se de (dz ) x = x = 0 , o
que fornece o valor de

x1 =

(3.65)
A altura máxima é

dx

x1 :

v0 x v0 z
.
g

z ( x1 ) , relacionando 3.65 com 3.63, ou seja,

(3.66)

z ( x1 ) = zm =

v02z
.
2g
Observe que os resultados expressos nas equações 3.63 a 3.66 podem
ser colocados em termos do módulo do vetor velocidade inicial v0 , e
o ângulo de inclinação
e

v0 z = v0sen 0 .

 0 em relação à horizontal, pois v0 x = v0 cos  0

O movimento de qualquer projétil é alterado devido à resistência do


ar. Você deve estar pensando que como o ar é pouco denso, talvez
ele seja incapaz de frear de modo sensível o rápido movimento de
uma bala de fuzil. Para ver como isto é um grande engano, considere
um tiro de fuzil com uma inclinação de 45°, o que, pela equação 3.64,
fornece um alcance máximo. Se o fuzil dispara a bala com uma velocidade de 650m/s,
m / s então o seu alcance seria, conforme a equação
3.64, algo em torno de 43 km. E a bala atingiria uma altura, conforme
a equação 3.66, de quase 11 km. Naturalmente, nada disso acontece,
pois devido à resistência do ar a bala de um fuzil tem um alcance em
torno de 4 km, atingindo uma altura em torno de mil metros. Como
podemos admitir que, em geral, a força de resistência do ar é proporcional à
velocidade ou ao seu quadrado, percebe-se que quanto maior

114
a velocidade do projétil, maior é a resistência do ar e seu efeito tornase
apreciável, não podendo mais ser desprezada.
A maneira mais simples de se levar em conta a resistência do ar é
considerar uma força resistiva proporcional à velocidade, e a equação
de movimento do projétil fica:



d 2r
dr
ˆ
,
m 2 = −mgk − b
dt
dt

(3.67)

onde a constante de proporcionalidade b depende da geometria do


projétil e da densidade do meio, no caso, o ar. Vamos supor o movimento do projétil
no plano xz , de modo que em componentes, temos
as equações:

(3.68)

(3.69)

d 2x
dx
= −b ,
2
dt
dt

d 2z
dz
= − mg − b .
2
dt
dt

As soluções destas equações de movimento já foram obtidas no capítulo 1, sendo que


a equação 3.68 é a equação 1.53, cuja solução é
expressa na equação 1.55, ou seja,

x=

(3.70)

mv0 x
(1 − e − bt / m ) .
b

x → z ), cuja solução está


na equação 1.62, mas agora tem-se uma velocidade inicial v0 z . Va-
A equação 3.69 é a equação 1.58 (trocando

mos, portanto, integrar a equação 3.69, o que fornece:


vz

v0 z

dvz
b
= − ∫ dt ,
mg
m0
+ vz
b

mg
+ vz
b
b
ln
=− t,
mg
m
+ v0 z
b
vz = (

(3.71)

mg
mg
+ v0 z )e − bt / m −
.
b
b

Integre a velocidade para obter a posição


z

∫ dz = (
0

z (t ) ,
t

mg
mg
dt ,
+ v0 z ) ∫ e − bt / m dt −
b
b ∫0
0
Movimento em Duas e Três Dimensões

115
 m 2 g mv 
mg
z =  2 + 0 z  (1 − e − bt / m )−
t.
b 
b
 b

(3.72)

Note que, como antes, supomos que o projétil foi lançado da origem

das coordenadas com velocidade v0 = v0 x iˆ + v0 z kˆ . Podemos obter a
trajetória

z ( x) a partir das equações 3.70 e 3.72, eliminando o parâ-

metro tempo,

 mg v0 z 
mv0 x
m2 g
z =
+
).
 x − 2 ln(
b
mv0 x − bx
 bv0 x v0 x 

(3.73)

z ( x) não é uma parábola, sendo


que quando x se aproxima de mv0 x / b , a função z ( x) tende a me-

De acordo com esta equação, a curva

nos infinito, ou seja, a trajetória termina como uma queda vertical em

x = mv0 x / b , e pela equação 3.71, a sua velocidade nesta queda vertical


será − mg / b . Na figura 3.11, mostram-se algumas trajetórias para projéteis com
diferentes velocidades iniciais. Nesta figura tornamos evidente
o fato de que os projéteis, em alguns casos, podem atingir o solo antes
de atingir a parte da trajetória correspondente à assíntota vertical.

x
Figura 3.11 - Trajetórias para o alcance máximo de projéteis com diferentes
velocidades iniciais.

Na figura 3.11 você pode observar que, para trajetórias de curto alcance, o que
significa baixas velocidades e pequena resistência do ar,
a curva se aproxima bastante de uma parábola. Podemos comprovar
isto reescrevendo a equação 3.73,

 mg v0 z 

m2 g 
1
z =
+
x

ln 

 ,
2
b
 bv0 x v0 x 
 1 − bx / mv0 x 

(3.74)
ou

 mg v0 z
z =
+
 bv0 x v0 x

(3.75)


m2 g 
bx
x
+
ln 1 −

2
b

 mv0 x


.

Quando a resistência do ar é pequena e temos pequenos alcances, signi2


3
fica que y = bx / mv0 x << 1 e assim como ln(1 − y ) ≅ − y − y / 2 − y / 3
quando

y << 1 , podemos expandir o logaritmo na equação 3.75, ob-

tendo-se:

116
z≅

(3.76)

v0 z
1 g 2 1 bg 3
x−
x −
x .
v0 x
2 v02x
3 mv03x

Na equação 3.76 verifica-se que a trajetória se inicia como uma parábola, mas
quando os valores de x crescem muito, z decresce mais
rapidamente do que no caso de uma parábola. Note que no limite

b → 0 a equação 3.76 reduz-se à equação 3.63, como é de se esperar.


A equação 3.76 é uma correção de primeira ordem na trajetória devido à resistência
do ar. Ou seja, a correção é linear no parâmetro b .

Podemos obter correções de ordem mais alta em b , retendo mais termos na expansão
em série para o ln(1 + y ) . Com a aproximação dada
em 3.76, podemos estimar a correção no alcance do projétil devido à
resistência do ar. O alcance é obtido quando z = 0 , assim,

v0 z 1 g
1 bg 2

x−
x )x = 0
2
v0 x 2 v0 x
3 mv03x

sendo que uma raiz desta equação corresponde à origem


e, resolvendo a equação de segundo grau em

(3.77)

xA =

( x = 0, z = 0)

x , obtemos o alcance:


16bv0 z
3 mv0 x 
− 1
 1+
4 b 
3mg

.

Como estamos tratando de situações em que as velocidades iniciais


são baixas e a resistência do ar é pequena, a força de resistência do ar
máxima na vertical (bv0 z ) é bem menor que a força peso mg , ou seja,

y = 16bv0 z / 3mg << 1 , e expandindo a raiz

1+ y ≅ 1+ y / 2 − y2 / 8 ,

obtemos para o alcance:

xA ≅

3 mv0 x  8bv0 z 32b 2 v02z  ,





4 b  3mg 9m 2 g 2 

xA ≅

2v0 x v0 z 8 bv0 x v02z .



3 mg g
g

Que ainda podemos reescrever como:

(3.78)

x A ≅ (1 −

Movimento em Duas e Três Dimensões

4 bv0 z 2v0 x v0 z
)
,
3 mg
g
117
mostrando efetivamente que o alcance é reduzido devido ao atrito com
o ar. Com b = 0 , você obterá o resultado anterior, dado na equação 3.64.

Note que a equação 3.78 é uma correção de primeira ordem em b para


o alcance e que podemos obter correções de ordem mais alta retendo
mais termos na expansão feita acima para 1 + y . Isto significa que

o termo entre parênteses em 3.78 é, na realidade, uma série de potências em b ,


onde levamos em conta apenas os dois primeiros termos
da série. Nestes casos a redução no alcance é pequena: considere, por
exemplo, que a força de atrito máxima na vertical, bv0 z , seja um quinze avos da
força peso, neste caso o alcance será

x A ≅ (0,91)

ou seja, 91% do alcance quando ignoramos o atrito.

2v0 x v0 z
,
g

E com relação à altura máxima atingida pelo projétil neste caso? Você
já sabe que deve-se calcular o máximo de z ( x) dado pela equação
3.75, e que primeiro determinamos a posição do máximo por meio

(dz / x) x = x1 = 0 , o que resulta em:

mg v0 z m 2 g (−b / mv0 x )
 dz 
=
+
+ 2
= 0,
 
bx1
b
 dx  x = x1 bv0 x v0 x
1−
mv0 x
(3.79)

x1 =

mv0 x / b
.
mg
1+
bv0 z

O que permite obter a altura máxima atingida pelo projétil,


 mg v0 z  mv0 x / b m g 
1
z ( x1 ) = zm = 
+
− 2 ln 1 −

b
 1 + mg
 bv0 x v0 x  1 + mg

bv0 z
bv0 z

2

(3.80)



.


E novamente, se a resistência do ar não é apreciável e as velocidades


iniciais são baixas, bv0 z / mg << 1 , podemos expandir o logaritmo, de

modo que obtemos, em primeira ordem em b , a altura máxima como


sendo:

zm ≅

v02z bv0 z v02z


,

2 g mg 3 g

que podemos reescrever como:


(3.81)

2bv0 z v02z
) .
zm ≅ (1 −
3mg 2 g

Se considerarmos como antes,

118

bv0 z = mg /15 , obtemos zm ≅ 0,95

v02z
,
2g
ou seja, uma redução de apenas 5% em relação à altura quando ignoramos o atrito.
Procure lembrar a respeito da bala de fuzil que comentamos anteriormente. Verifique
que os resultados das equações anteriores não
se aplicam naquele caso. Primeiro, porque as aproximações dessas
equações só valem para pequenas velocidades iniciais e baixa resistência do ar
(coeficiente b pequeno). Segundo, porque como estudado
no capítulo 1, já que a velocidade inicial da bala é muito alta, no início
da trajetória a força de resistência do ar deve depender de potências
mais altas da velocidade, por exemplo, com o quadrado da velocidade,
fazendo com que a bala diminua mais rapidamente sua velocidade.
Depois, à medida que a velocidade da bala diminui, a resistência do
ar torna-se aproximadamente linear na velocidade e o resultado final
é uma grande diminuição na altura máxima e no alcance do projétil.
Naturalmente, podemos estimar o alcance da bala de fuzil assumindo
uma força resistiva linear com a velocidade, como foi considerado
anteriormente, sendo o atrito agora apreciável e tendo o projétil velocidade
inicial alta, isto é, bv0 z / mg >> 1 . Com esta condição, podemos
obter expressões aproximadas para o alcance e a altura máxima atingida pelo
projétil. Neste caso, para o alcance, obtemos:
(3.82)

xA ≅

2v0 x v0 z mg
(
)(1 − e−bv0 z / mg ) .
g
2bv0 z

Por exemplo, se a força máxima de atrito


rior à força peso, o alcance será de

(bv0 z ) for cinco vezes supe-

x A ≅ 0,1

2v0 x v0 z
, ou seja, apenas
g

10% do alcance caso não houvesse o atrito. E neste caso a altura máxima fica
reduzida a menos de 27% da altura que o projétil atingiria
sem o atrito.
Até agora não consideramos o efeito do deslocamento do ar (o vento)
na trajetória de um projétil. Claramente, isto torna o problema bem
mais complexo, mas podemos tratar de forma aproximada o efeito
do vento sobre o projétil, supondo uma força de resistência que seja
proporcional à velocidade do projétil em relação ao ar:
(3.83)



d 2r
dr 
ˆ
m 2 = −mgk − b( − vve ) ,
dt
dt

vve é a velocidade do vento. É claro que se a velocidade do vento

for constante, a força bvve é uma força constante e podemos resolver

onde

o problema como feito anteriormente, porém no caso geral, em que


vve tenha componentes nas três direções, teremos forças constantes

Movimento em Duas e Três Dimensões

119
adicionadas às forças de atrito nas direções x, y , z. Por outro lado, se
a velocidade do vento for variável, mas conhecida, podemos resolver
a equação de movimento (equação 3.83) numericamente.

O gigantesco canhão Big


Bertha consistia em um
tubo de aço de 34 m de
comprimento e mais de
1 metro de diâmetro.
A espessura da parede
da culatra era de 40
cm. O Big Bertha tinha
uma massa total de 750
toneladas e seus projéteis
de 120 kg tinham 1
metro de comprimento
e 21 cm de diâmetro. A
carga de pólvora, que era
de 150 kg, ao explodir,
exercia uma pressão
de 5000 atmosferas
e fazia com que os
projéteis adquirissem
uma velocidade inicial
de 2000 m/s. O disparo
era feito com um ângulo
de inclinação de 52° e o
ponto superior do arco
descrito pelo projétil
situava-se a 40 km de
altitude, isto é, o projétil
penetrava e percorria boa
parte de sua trajetória na
estratosfera. O Big Bertha
estava situado a 115 km
de Paris e seus projéteis
levavam três minutos e
meio para alcançá-la.

Existe um outro fato que afeta sobremaneira a trajetória de um projétil e que nunca
havia sido levado em conta até a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). O fato é que se lançamos projéteis que chegam a
grandes altitudes, devemos levar em conta a variação na densidade
do ar com a altitude. Em 1918, a aviação francesa e a inglesa conseguiram pôr fim
aos ataques aéreos alemães a Paris. Assim, o exército alemão, por meio da
construção de um enorme canhão, conhecido como
Big Bertha, atingiu Paris com disparos de longo alcance. A artilharia
alemã descobriu, por acaso, que ao aumentar o ângulo de elevação
(acima de 450) de um canhão de grosso calibre, o alcance passava de
20 km para 40 km! Por quê? Isto se devia ao fato de que o projétil era
lançado com uma velocidade inicial muito grande, em uma trajetória
muito inclinada, atingindo camadas rarefeitas da atmosfera, onde a
resistência do ar é quase desprezível. Nessa grande altitude o projétil
percorria parte considerável de sua trajetória e descia ao longo de
uma curva bastante inclinada, quase atingindo a parte da trajetória
correspondente à assíntota vertical, como mostrado na figura 3.16.
Este fato foi usado pelos idealizadores do canhão Big Bertha, que no
verão de 1918, lançou mais de 300 projéteis sobre a capital francesa.
V

ocê deve calcular o alcance e a altura máxima de


uma bala do Big Bertha ignorando a resistência do
ar. Compare com os resultados reais e veja a enorme
diferença existente entre eles!

Como incluir o fato de que a densidade do ar decresce com a altitude?


Ora, como o coeficiente b depende tanto da geometria do projétil
como da densidade do ar, podemos expressar a dependência da densidade do ar com a
altitude por meio de b , isto é, expressando b como
uma função da altitude. Desde que a densidade do ar decresce lentamente com a
altitude, podemos supor, como uma boa aproximação,
− z/h
um caimento exponencial de b com a altitude z , ou seja, b = b0 e
,

sendo h a altura onde a densidade do ar ( e também o valor de b )


decresce para um valor 1/ e (36,8%) do seu valor na superfície terrestre, valor que
pode ser obtido experimentalmente (aproximadamente
8 km). Logo, supondo-se que seja válida a aproximação de uma força
de resistência linear na velocidade, segue-se que para projéteis como
aqueles lançados pelo Big Bertha, que alcançam grandes altitudes, a

120
equação de movimento é:



d 2r
− z / h dr
ˆ
m 2 = −mgk − b0 (e ) .
dt
dt

(3.84)

As componentes da equação acima são:


••

••

m x = −b0 x e − z / h ,

m y = −b0 y e − z / h ,

••

m z = −mg − b0 z e − z / h .
Estas equações são muito mais difíceis de serem resolvidas, pois a
variável z aparece nas três equações, de modo que devemos resolver

z e obter z (t ) . Feito isto, subsz (t ) nas equações de movimento acima para x e


y , para
resolvê-las e encontrar x(t ) e y (t ) . Deve ficar claro que, neste caso, a

primeiro a equação para a coordenada


tituímos

melhor alternativa é a solução numérica das equações de movimento,


pois não existem soluções elementares para as equações diferenciais
citadas anteriormente. Sendo fornecidas as condições iniciais, programas de
integração numérica fornecem as coordenadas como função
de tempo de maneira rápida e precisa, o que permite obter a trajetória
e seus pontos de interesse, como altura máxima e o alcance.

3.6 Energia potencial


Quando você estudou o movimento de uma partícula em uma dimensão, no capítulo 1,
você verificou que um caso importante é o movimento sob a ação de uma força
dependente da posição, caso em que
é sempre possível se definir uma energia potencial V ( x ) ,
x

(3.85)

V ( x) = − ∫ F ( x)dx ,
xr
sendo

xr a posição de referência, ou seja, a posição que corresponde

ao zero da energia potencial. A primeira idéia que pode surgir é de que


podemos generalizar imediatamente a equação 3.85 para o movimento em duas e três
dimensões, isto é, se a força depende só da posição,
então podemos definir uma energia potencial associada a esta força.
Mas
 não é bem assim, como você estudará agora. Considere uma força

F atuante
  sobre uma partícula que seja função de sua posição, isto é,
F = F (r ) . Como você já sabe, o trabalho realizado por esta força para


deslocar a partícula desde r1 até r2 é dado pela integral de linha:

r2

(3.86)

 
W = ∫ F • dr .

Movimento em Duas e Três Dimensões


r1

121
Comparando com a equação 3.85, vê-se que a idéia é definir uma

energia potencial V ( r ) = V ( x, y , z ) como o trabalho realizado pela

força enquanto desloca a partícula da posição r até qualquer ponto
de referência


rr escolhido,


r




V (r ) = V ( x, y, z ) = − ∫ F (r ) • dr .

(3.87)


rr

É exatamente aqui que temos um problema, pois a definição 3.87 im


plica que a função V ( r ) deve ser somente função das coordenadas



( x, y, z ) do vetor posição r (e do ponto de referência rr que é fixo), en-

quanto que, em muitos casos, a integral de linha depende do caminho




de integração desde rr até r . Você lembra do cálculo do trabalho no
exemplo 1 deste capítulo? Lá, você encontrou uma situação em que
a integral de linha não depende do caminho, só dos pontos inicial e final. Porém
isto não significa que sempre é possível se definir uma função energia potencial,
mesmo que a força dependa apenas da posição.
Logo, devemos encontrar alguma condição necessária e suficiente que
uma força (dependente da posição apenas) deve satisfazer, de modo
que se possa definir uma função energia potencial como expressa na
equação 3.87. Para encontrarmos esta condição, iniciamos supondo
que a força F ( x, y, z ) é tal que a integral de linha na equação 3.87
seja independente do caminho de integração desde



rr a qualquer r ,


V (r ) , que dependerá só



de r (e de rr ). A variação dV enquanto a partícula se desloca de r


para r + dr é menos o trabalho realizado pela força,
definindo assim a função energia potencial
 
dV = − F • dr .

(3.88)
Como

V = V ( x, y, z ) , vem:

(3.89)

dV =

∂V
∂V
∂V
dx +
dy +
dz .
∂x
∂y
∂z

A equação 3.88 pode ser reescrita como:

dV = − Fx dx + Fy dy + Fz dz .

(3.90)

Comparando as equações 3.89 e 3.90 vem,


(3.91)

Fx = −

∂V
,
∂x

Fy = −

∂V
∂y

Fz = −

Ou vetorialmente,
(3.92)

122


∂V ˆ ∂V ˆ ∂V
.
F = −iˆ
−j
−k
∂x
∂y
∂z
∂V
.
∂z
Usando a notação para o gradiente, equação 3.30, vem:



F = −∇V .

(3.93)

E a força fica definida por meio do gradiente da função energia potencial.
Agora, como procuramos as condições que F deve satisfazer para que
seja possível se definir uma energia potencial, é bom lembrar que estamos
envolvidos com uma integral de linha, o que nos remete ao teorema
de Stokes, o qual estabelece a relação entre o rotacional de uma função
vetorial e a circulação desta função, isto é, sua integral de linha num
percurso fechado (equação 3.34). Tomando o rotacional da força, vem:

(3.94)

  

 
∇× F = ∇× (−∇V ) = −∇×∇V = 0 .

Este resultado pode


 ser obtido a partir do caráter vetorial do símbolo
nabla, e assim, ∇ × ∇ = 0 (produto vetorial de um vetor por ele mesmo
é zero); ou se calculando diretamente o rotacional do gradiente de V , e
obtemos o resultado acima, usando que

∂ 2V
∂ 2V
=
, e o mesmo para
∂x∂y ∂y∂x

as outras derivadas parciais. Verifique! Isto significa o resultado:

 
∇×F = 0 ,

(3.95)

o qual foi obtido admitindo-se que a função energia potencial existe


e

é uma condição necessária que deve ser satisfeita pela força F , para
que possamos definir uma função energia potencial. Iremos demonstrar agora que a
condição expressa na equação 3.95 também é uma
condição suficiente para a existência de uma função energia potencial

por meio do teorema de Stokes. No caso de uma função vetorial F , o
teorema de Stokes (equação 3.34) estabelece que:
(3.96)

 
 
ˆ
∇×
F
• nds
=
F
(
)
∫∫
∫ • dr ,
C

sendo C uma curva fechada que limita a área S . A equação 3.96


mostra que o trabalho realizado por uma força ao longo de um percurso fechado é
igual à integral de superfície da componente normal
 do rotacional desta força. Logo, se a força satisfaz a condição

∇ × F = 0 , então a equação 3.96 fornece:

(3.97)

 
F • dr = 0 .

Portanto, se o rotacional da força é nulo, o trabalho realizado por ela


ao longo de um percurso fechado é nulo. Mas se o trabalho realizado
Movimento em Duas e Três Dimensões

123

por F ao longo de qualquer percurso fechado for nulo, então o tra



balho realizado para se ir de r1 até r2 será independente do caminho

seguido. Considere o percurso fechado C da figura 3.12, ele é a soma


 
do caminho C1 , para se ir de r1 a r2 , com o caminho C2 , que vai de



r2 para r1 .

r2
C2
C1
r1
Figura 3.12 - Dois caminhos entre


r1


r2 , formando um caminho fechado.

Se o trabalho realizado ao longo do percurso C é zero, então o tra



balho realizado no deslocamento de r1 até r2 deve ser igual ao oposto


do trabalho no deslocamento de r2 para r1 . Logo, o trabalho realizado no
deslocamento de



r1 para r2 por qualquer um dos caminhos é

o mesmo. Aplicando essa conclusão à definição da energia potencial,


equação 3.87, verifica-se que se o rotacional da força é zero, a integral

de linha da força independe do caminho e, portanto, V ( r ) é só uma
função do limite superior, pois o limite inferior é conhecido (posição
onde a energia potencial é nula). Assim, a condição 3.95 é uma condição necessária
e suficiente para existência de uma energia potencial


V (r ) quando a força é uma função da posição.

Admita agora que


F (r ) seja tal que seu rotacional é nulo. Satisfeita

esta condição, a definição da energia potencial (equação 3.87) mostra que podemos
expressar o trabalho realizado para deslocar uma


partícula entre r1 e r2 como a diferença entre os valores da energia
potencial entre estes pontos:

r2


r1


r1


rr

  rr   r2  
F
∫ • dr = ∫ F • dr + ∫ F • dr

(3.98)



= V (r1 ) − V (r2 ) .

Logo, temos uma conseqüência importante, pois pelo teorema do trabalho-energia,


equação 3.45, a variação da energia cinética da partícula será:

r2

ou,
(3.99)

 


Ec2 − Ec1 = ∫ F • dr = V (r1 ) − V (r2 ) ,

r1



Ec2 + V (r2 ) = Ec1 + V (r1 ) = E .

A equação 3.99 afirma que a energia mecânica, a soma da energia

124
potencial mais a energia cinética da partícula, permanece constante
durante o movimento. A conclusão é de que forças que têm rotacional zero e que,
portanto, podem ser expressas mediante uma função
energia potencial, são forças sob as quais o movimento de uma partícula ocorre com
a energia mecânica permanecendo constante. Por
isso, tais forças são ditas forças conservativas, pois a energia mecânica
é conservada (seu valor não se altera durante o movimento). Logo, no
movimento sob a ação de uma força conservativa, a energia mecânica é uma constante
do movimento,
(3.100)

onde a energia mecânica E é especificada pelas condições iniciais


do movimento. Note que a equação 3.100 é uma generalização da
conservação da energia mecânica no movimento em uma dimensão
quando a força depende só da posição, equação 1.38. Entretanto, nem
a equação 1.38 nem a equação 3.100 informam sobre a direção do
movimento. Esta falta de conhecimento da direção é mais séria no
caso de duas e três dimensões, onde há uma infinidade de direções
possíveis, do que no caso de uma dimensão, onde só existem duas direções opostas em
que a partícula pode se mover. Em uma dimensão
só há uma trajetória possível, enquanto que em duas ou três dimensões temos muitas
possibilidades. Se a trajetória da partícula não for
conhecida, a equação 3.100 sozinha dirá pouco sobre o movimento.
Saberemos apenas que o movimento ocorre onde E ≥ V ( x, y, z ) , pois
a energia cinética é uma quantidade positiva definida. Porém, a conservação da
energia mecânica expressa acima é de extrema utilidade
para a discussão do movimento (ou mesmo para se obter a solução
para o movimento) em casos especiais de forças conservativas, como
veremos adiante. A seguir, você verificará alguns exemplos de forças
conservativas e não-conservativas.
Exemplo 2. Nas figuras 3.13 e 3.14 mostra-se o mapeamento de
duas funções vetoriais F ( x, y ) definidas no plano xy . No primeiro
 caso (fig.3.13), a força em cada ponto do plano está definida por

F ( x, y ) = −ayiˆ + axjˆ , onde a é uma constante e dizemos que a figura


3.13 fornece o mapeamento de um campo de força no plano xy , significando que se
uma partícula for colocada
em qualquer ponto ( x, y )

deste plano, ficará submetida à força F ( x, y ) .

Movimento em Duas e Três Dimensões

125
y

Figura 3.13 - Campo de força não-conservativo com


componentes Fx = − ay e Fy = ax .

Note que a integral de linha de F ao longo de um percurso circular


énitidamente diferente de zero, pois a soma de todos os elementos


F • dr não se anula. Logo, esta é uma força não-conservativa, isto é,

seu rotacional é diferente de zero. Calculando diretamente o rotacional, por meio


da equação 3.52, vem:

 
∂Fy ∂Fx
) = kˆ(a + a) = 2akˆ .
∇ × F = kˆ(

∂x
∂y
Neste caso, não podemos definir uma função energia potencial, e para
uma partícula submetida a este campo de força, a energia mecânica
não se conserva durante o movimento.
Já na figura 3.14 mostra-se um campo de força
 de maneira que em
cada ponto do plano está definida uma força F = ayiˆ + axjˆ .

Figura 3.14 - Campo de força conservativo com componentes Fx = ay e Fy = ax .

Observe que agora a circulação de F ao longo de um percurso circular fechado é


nula,
  pois devido à simetria existente, as contribuições
elementares F • dr se anulam ao longo da trajetória fechada. Neste
caso temos uma força definida em cada ponto do plano (um campo de
força) que é conservativa, o que podemos verificar também calculando diretamente o
rotacional de F , que agora fornece:

126
 
∂Fy ∂Fx
) = kˆ(a − a) = 0 ,
∇× F = kˆ(

∂x
∂y
e agora, para este campo de força, pode-se definir uma energia potencial. A energia
mecânica de uma partícula movendo-se neste campo
de força é conservada. A energia potencial pode ser obtida de duas
maneiras, fazendo a integral de linha de um ponto de referência até um
ponto qualquer do plano, isto é, usando a equação 3.87, ou usando-se
as derivadas parciais em 3.91. Escolhendo este procedimento, vem:

∂V ( x, y )
= −ay → V ( x, y ) = − axy + C1 ( y ) ,
∂x
dC ( y )
∂V ( x, y )
= −ax = −ax + 1
→ C1 ( y ) = C2 ,
∂y
dy
C2 sendo uma constante que não depende de x nem de y . Chamando C2 = V0 , obtemos:
com

V ( x, y ) = −axy + V0 ,
V0 é a energia potencial em algum ponto tomado como referência. Por exemplo,
podemos escolher a origem ( x = 0, y = 0) como sendo o zero da energia, e assim V0
= 0 . Se usássemos a equação 3.87,

onde

a integral de linha iniciaria em algum ponto, podendo ser a origem,


seguindo algum caminho escolhido até o ponto ( x, y ) , como você
estudará no próximo exemplo.
Exemplo 3. Considere uma força


F definida em cada ponto ( x, y, z ) ,

tendo componentes:

Fx = 3ayz 3 − 20bx3 y 2 ,

Fy = 3axz 3 − 10byx 4 ,

Fz = 9axyz 2 .

Calculando o rotacional desta força, vem:

 
∂Fy ∂Fx
∂F ∂F
∂F ∂Fy
) + ˆj ( x − z ) + kˆ(
),
∇× F = iˆ( z −

∂y
∂z
∂z
∂x
∂x
∂y
 
∇× F = iˆ(9axz 2 − 9axz 2 ) + ˆj (9ayz 2 − 9ayz 2 ) + kˆ(3az 3 − 40byx 3 − 3az 3 +
40byx 3 )
 
∇×F = 0 .
Assim, a força é conservativa, sendo que agora você obterá a função
energia potencial usando a equação 3.87 em vez da integração das derivadas
parciais, como foi apresentado anteriormente. Como você pode
escolher qualquer caminho, procure um caminho mais simples, como o

Movimento em Duas e Três Dimensões

127
mostrado na figura 3.15. Isto é, parta da origem (tomada como referência)
e percorra os caminhos C1 , C2 , C3 até um ponto arbitrário ( x1 , y1 , z1 ) .

(x1, y1, z1)


(0,0,0)

c1

x1

(x1, y1)

c2

c3

Figura 3.15 Um caminho de integração de (0, 0, 0) a ( x1 , y1 , z1 ) .

Deste modo,a energia potencial é:

V ( x1 , y1 , z1 ) = −

( x1 , y1 , z1 )

(0,0,0)

Ao longo do caminho

 ˆ
, logo,
dr = idx

C1

 
 
 
 
F • dr = − ∫ F • dr − ∫ F • dr − ∫ F • dr .
C1

C2

C1 , tem-se: y = z = 0 ,

 
F • dr = 0 .

Ao longo do caminho
C3

Fx = Fy = Fz = 0 e


C2 , tem-se: x = x1 , z = 0 , dr = ˆjdy , e as com-

ponentes da força agora são:

Fx = −20bx13 y 2 , Fy = −10bx14 y ,
Logo,

Fz = 0 .

y1
  y1
4
F • dr = ∫ Fy dy = −10bx1 ∫ ydy = −5bx14 y12 .

C2

 ˆ
C3 , tem-se: x = x1 , y = y1 e dr = kdz
, sendo a
2
componente Fz igual a Fz = 9ax1 y1 z .

Ao longo do caminho

Logo,

C3

Como o ponto

z1
  z1
F • dr = ∫ Fz dz = 9ax1 y1 ∫ z 2 dz = 3ax1 y1 z13 .
0

( x1 , y1 , z1 ) é qualquer, eliminamos o índice, de modo

que a energia potencial é:

V ( x, y, z ) = 5bx 4 y 2 − 3axyz 3 .

128
Convém lembrar que nos casos
que uma força dependa da po  em

sição e do tempo,isto é, F = F ( r , t ) , e seu rotacional seja nulo em

qualquer tempo


(∇ x F (r , t ) = 0) , ainda podemos definir uma função

energia potencial como na equação 3.87,



r




V (r , t ) = V ( x, y, z , t ) = − ∫ F (r , t ) • dr ,

rr

Porém, agora a energia não será mais conservada, o que se pode verificar pela
equação 3.100, pois existe uma dependência explícita da
energia potencial com o tempo. Você verificará isto em seguida. Derivando a equação
3.100 com relação ao tempo, tem-se que:

(3.101)

Como


dE
 dv dV
= mv •
+
.
dt
dt dt
V = V ( x, y, z , t ) , vem:
dV dV dx dV dy dV dz ∂V
=
+
+
+
,
dt
dx dt dy dt dz dt ∂t
dV  
∂V
= v • ∇V +
.
dt
∂t

De modo que a taxa de variação temporal da energia total é:

(3.102)


∂V
dE  dmv 
= v •(
+ ∇V ) +
.
∂t
dt
dt

A equação de movimento nos diz que



dmv
= −∇V e, portanto,
dt

dE ∂V
=
, mostrando que a energia mecânica não é mais constante
dt
∂t
 
no tempo, e assim a força F ( r , t ) não é conservativa. Desta forma,
se a energia potencial tem uma dependência explícita com o tempo, a
energia não é conservada e a força não é conservativa.
Na seção anterior você estudou um tipo especial de força, dependente
apenas da posição. Antes de apresentar algum caso específico deste
tipo de força, é conveniente ressaltar a você que o problema geral da
dinâmica de uma partícula em três dimensões pode ser de difícil solução. Considere
que uma partícula esteja submetida
   a uma força dependente da posição, velocidade e do tempo F ( r , v , t )
(esta força pode
ser a soma de forças, como no caso do oscilador forçado com atrito).
As equações de movimento para cada direção no espaço fornecem um
Movimento em Duas e Três Dimensões

129
conjunto de equações diferenciais de segunda ordem acopladas,

m
m

• • •
d 2x
F
x
y
z
x
=
(
,
,
,
, y, z , t ) ,
x
dt 2

• • •
d2y
F
x
y
z
x
=
(
,
,
,
, y, z , t ) ,
y
dt 2

• • •
d 2z
= Fz ( x, y, z , x, y, z , t ) .
2
dt

Note que agora você deve conhecer seis constantes arbitrárias, como

as três coordenadas da posição r0 = ( x0 , y0 , z0 ) e as três componentes
da velocidade


v0 = (vx0 , v y0 , vz0 ) em um instante qualquer t0 . Sendo

conhecidas estas constantes, pode ser demonstrado que as equações



citadas anteriormente apresentam uma solução única para r (t ) . Isto

é, dadas as condições iniciais, o conjunto de equações diferenciais


de segunda ordem acima apresenta uma única solução. Entretanto,
a resolução destas três equações simultâneas é muito mais difícil do
que a resolução do problema em uma dimensão, como estudado na
equação 1.12. Isto se explica, pois agora as variáveis e suas derivadas
aparecem nas três equações, o que torna o problema tão complexo
quanto a resolução de uma equação diferencial de sexta ordem. Pode-se mostrar que o
conjunto de equações de segunda ordem citadas anteriormente é equivalente a uma
equação de sexta ordem. E
qual o exemplo para uma situação complicada assim? Considere
uma

partícula de carga q em um campo
elétrico externo E ( x, y, z , t ) e

B ( x, y, z , t ) . A força de Lorentz sobre



a partícula é F = qE + qv x B , o que, em componentes, fornece o con-

um campo magnético

 externo

junto de equações acima. Naturalmente, problemas complexos assim


requerem o uso de técnicas especiais de integração numérica, objetivando-se
soluções aproximadas até o grau de precisão desejado.
Uma situação mais simples ocorre quando em cada componente da
força aparecem somente as coordenadas correspondentes e suas de•

rivadas, Fx = Fx ( x, x, t ) , Fy = Fy ( y, y, t ) e Fz = Fz ( z , z , t ) . Agora
as
equações de movimento são independentes e podemos resolvê-las
separadamente para determinar x (t ), y (t ) e z (t ) como movimentos
unidimensionais independentes. Se as componentes da força dependem só do tempo, ou
só da velocidade ou só da posição, empregam-se
as técnicas de integração usadas no capítulo 1, no estudo do movimento em uma
dimensão, sendo que aqui aplica-se para as três direções no espaço. Um exemplo de
problema tridimensional é o caso em
que as componentes da força são forças restauradoras,

130
Fx = − k x x,

Fy = −k y y,

Fz = −k z z.

Este é o problema do oscilador harmônico em três dimensões.

Resumo
Os vetores posição, velocidade e aceleração para o movimento em
três dimensões são expressos em coordenadas retangulares por:


r (t ) = x(t )iˆ + y (t ) ˆj + z (t )kˆ ,

 dr ˆ dx
v=
=i
+
dt
dt


 dv ˆ dvx ˆ dv y ˆ dvz
.
a=
=i
+j
+k
dt
dt
dt
dt

ˆj dy + kˆ dz ,
dt
dt

Para o movimento em duas dimensões, podemos escolher coordenadas polares, sendo que
os vetores posição, velocidade e aceleração
são expressos por:



r = rrˆ() , v = r rˆ + r  ˆ ,


••
• •
 ••
a = ( r − r  2 )rˆ + (r  + 2 r )ˆ .

Um exemplo deintegral de linha em mecânica é o trabalho realizado


por uma força F variável sobre uma partícula que se desloca ao longo de uma curva C
,

 
W = ∫ F • dr .
C

Em coordenadas retangulares, o trabalho expresso em termos das


componentes da força é:

 
F • dr = ∫ ( Fx dx + Fy dy + Fz dz ) .
C

O gradiente de uma função escalar

u é definido por (usando coorde-

nadas retangulares)





grad u = (iˆ + ˆj + kˆ )u = ∇u .
∂x
∂y
∂z
E, portanto,

torial

A é:





∇ ≡ iˆ + ˆj + kˆ . O divergente de uma função ve∂x
∂y
∂z
  ∂A ∂Ay ∂Az
.
∇• A= x +
+
∂x
∂y
∂z

Movimento em Duas e Três Dimensões

131
O rotacional pode ser expresso na forma de componentes retangulares,

 
∂Ay ∂Ax
∂A ∂A
∂A ∂Ay
) + ˆj ( x − z ) + kˆ(
).
∇× A = iˆ( z −

∂y
∂z
∂z
∂x
∂x
∂y
O teorema do momento linear para o movimento em três dimensões
se expressa vetorialmente por:


dp 
=F.
dt
De onde se obtém o teorema da energia na forma diferencial,

dEc  
= F •v .
dt
Quando a força depende apenas da posição podemos expressar o teorema da energia na
forma integral como:

r2

 
Ec2 − Ec1 = ∫ F • dr .

r1

Se a partícula executa um movimento de rotação em torno de um


eixo, a taxa de variação temporal de seu momento angular é igual ao
torque exercido sobre ela,

dL 
=T ,
dt

equação que expressa na forma diferencial o teorema do momento


angular. No movimento em duas e três dimensões, podemos definir
uma energia potencial

r




V (r ) = V ( x, y, z ) = − ∫ F (r ) • dr ,

rr
desde que a integral independa do caminho. Esta condição é satisfeita
para forças cujo rotacional é zero, isto é,

 
∇× F = 0 .
Neste caso, a força pode ser obtida como o gradiente da função energia potencial

F = −∇V .

Estas são forças conservativas, pois a energia mecânica da partícula


permanece constante no tempo, resultado que se obtém a partir do
teorema da energia na forma integral,

132

r2

 


Ec2 − Ec1 = ∫ F • dr = V (r1 ) − V (r2 ) .

r1

O que mostra a conservação da energia mecânica:



Ec2 + V (r2 ) = Ec1 + V (r1 ) = E .

Exercícios
1) Um triângulo isóscele, ABC, reto, de

45° , tem uma hipotenusa

do ponto A. O módulo da força é igual a

k / r 2 , onde r é a distância

AB de comprimento 4a . Uma partícula é submetida a uma força que


a atrai para o ponto O localizado sobre a hipotenusa, à distância a

da partícula ao ponto O. Calcule o trabalho realizado por esta força


quando a partícula se move de A para C e de C para B ao longo dos
dois catetos do retângulo.

Resposta: WAB = −

2k
.
3a

2)

Uma partícula desloca-se em torno de um semicírculo de raio R ,


a partir da extremidade A do diâmetro para a outra extremidade B. Ela
é atraída em direção ao ponto de partida A por uma força proporcional
a sua distância ao ponto de partida A. Quando a partícula está em B, a
força na direção de A é igual a F0 . Qual é o trabalho realizado contra
esta força para mover a partícula em torno do semicírculo de A para B?

Resposta: W = F0 R .

3) Uma partícula movimentando-se no plano

xy é atraída para a
origem das coordenadas por uma força cujo módulo é F = kx .
a) Calcule o trabalho realizado contra esta força para se deslocar
a partícula da origem (0, 0) até o ponto ( a, 2a ) ao longo da parábola

y=

2 2
x .
a

b) Esta força é conservativa?


c) Calcule o trabalho realizado contra esta força para se deslocar
a partícula da origem (0, 0) até o ponto ( a, 2a ) ao longo da se-

y = 0 desde x = 0 até x = a e da semi-reta x = a desde


y = 0 até y = 2a .

mi-reta

Respostas: a) W =

ka 2
(7 5 + 1) ; b) Não, pois
12

Movimento em Duas e Três Dimensões

133
 
∇×F = −

ka 2
(2 5 − 1) .
kˆ ≠ 0 ; c) W =
2
x2 + y 2
ky

4) Um projétil é lançado com velocidade v0 segundo um ângulo 0 com


a horizontal. Desprezando a resistência do ar, a trajetória é uma parábola passando
por dois pontos, ambos a altura h acima da horizontal.
a) Calcule a distância d entre estes dois pontos como função de
v0 ,  0 e h .
b) Qual é este resultado quando o ângulo de inclinação é ajustado
para o alcance máximo? Qual é o significado para d = 0 , quando

v02 = 4 gh ?

Respostas: a) d =

2v0 cos  0 2 2
v0 sen  0 − 2 gh ;
g

b) d =

v0 2
v0 − 4 gh .
g

5) Um projétil é disparado da origem num plano


sendo o eixo vertical) com velocidade inicial
que está no ponto x = xa e z = 0 .

xz (com o eixo z
v0 para atingir um alvo

a) Ignorando a resistência do ar, mostre que em geral existem dois


ângulos de elevação (  0 ) que permitem atingir o alvo, a menos
que ele esteja no ponto de alcance máximo ou além dele.
b) Determine a correção

∆ no ângulo de elevação que é ne-

cessária para se atingir o alvo, levando em conta a resistência do ar. Observe que,
neste caso, a equação da trajetória é
dada pela equação 3.76. Note que, como a correção é pequena,

sen(∆) ≅ ∆ e cos(∆) ≅ 1 .

Respostas: a)  0 = arcsen
b) ∆ =

1 ± 1 − 4 2
;  = gxa / 2v02
2
4bv0 cos  0
.
3mg cot g 2  0 − 1

6) Um canhão está situado no início de uma colina de inclinação


 . Ele é elevado de um ângulo  0 em relação à horizontal
e um projétil é lançado com velocidade v0 .

constante

a) Calcule o alcance

x A do projétil medido ao longo da linha de

inclinação da colina.

134
b) Calcule o valor máximo deste alcance.

Respostas: a) x A =

2v02 cos 0sen( 0 − )


;
g cos 2 
v02
.
g (1 + sen)

b) ( x A ) max =

7) Uma partícula de massa

m está sob a ação de uma força que é

descrita pela energia potencial

V ( x, y ) =

1
k ( x2 + 4 y 2 ) .
2

Ache o movimento resultante para as seguintes condições iniciais em


t = 0 : x = a , y = 0 ; x0 = 0 e y0 = v0 .
Resposta: x = a cos t ; y =

v0
sen2 t , onde  = k / m . A
2

trajetória é uma figura de Lissajous (verifique!).

8)

Considere uma partícula deslizando, sob ação da gravidade, ao


longo de uma ciclóide, isto é, no plano xz a equação da trajetória é
dada de forma paramétrica como:

x = L(2  + sen2 ) ;

z = L(1 − cos 2 ) ; −  / 2 ≤  ≤  / 2 .

Sabendo que a energia potencial é

mgz , calcule a energia mecânica

e mostre que:

E=
onde

1 • 2 1 mg 2
ms +
s ,
2
2 4L

s = 4 Lsen é a posição da partícula medida ao longo da ciclói-

ds = dx 2 + dz 2 = 4 A cos d  . Como a energia mecânica se


conserva, mostre que a equação de movimento para a variável s é:
de, isto é,

••

s+

g
s = 0.
4L

Que é a equação do movimento harmônico simples para a variável


cujo período é

s,

T = 2  4 L / g . E assim, a partícula executa um mo-

vimento cujo período independe da amplitude, ou seja, o movimento


da partícula ao longo da ciclóide é isócrono. Christian Huygens descobriu este fato
em suas tentativas de melhorar a precisão de relógios
de pêndulo. Huygens descobriu a teoria das evolutas e mostrou que
a evoluta (ou evolvente, que é o lugar geométrico dos centros de curMovimento em
Duas e Três Dimensões

135
vatura de uma curva) de uma ciclóide também é uma ciclóide. O que
permitiu a ele desenvolver um método engenhoso para fazer com que
o bulbo de um pêndulo descrevesse uma ciclóide: um pêndulo suspenso no ponto de
retrocesso de uma ciclóide. Veja na figura abaixo.

2πa
A

C
Ciclóide
Círculo rolante
C2

C1
Perfis
cicloidais

Ciclóide
Figura 3.16 - Pêndulo cicloidal.
4

Força Central
4

Força Central

Este capítulo tem como objetivo aplicar a mecânica de


Newton no estudo do movimento de uma partícula sob
a ação de uma força central. Ao final do mesmo, o aluno
deverá ser capaz de:
• Identificar forças centrais;
• Citar exemplos de forças centrais;
• Utilizar a conservação do momento angular e da
energia mecânica na solução de problemas de força
central;
• Obter, a partir da força, a energia potencial efetiva;
• Descrever de forma qualitativa os movimentos possíveis, sendo conhecida a
função energia potencial
efetiva;
• Resolver a equação da trajetória para o movimento
sob a ação de uma força central;
• Identificar as trajetórias possíveis para o movimento
sob a ação de uma força que depende do inverso do
quadrado da distância;
• Relacionar as trajetórias com os valores possíveis de
energia e momento angular da partícula sob a ação
de uma força do tipo inverso do quadrado;
• Enunciar as leis de Kepler para o movimento planetário;
• Obter as leis de Kepler a partir da mecânica de
Newton;
• Descrever o movimento de partículas sob a ação de
uma força repulsiva que depende do inverso do quadrado da distância;
• Definir seção de choque;
• Explicar o surgimento do modelo nuclear do átomo
a partir do espalhamento de partículas alfa.
Força Central

139
4.1 Forças Centrais
Para iniciar este estudo, você sabe o significado de “Forças Centrais”?

orças centrais constituem um exemplo importante


de forças conservativas. São forças dirigidas sempre
para um centro fixo
, cujo módulo só é função da distância entre a partícula e a origem

Muitas forças que existem na natureza são forças centrais: gravitacional


(atrativa), elétrica (atrativa e repulsiva), forças intermoleculares de
longo alcance e a força nuclear são alguns exemplos. Note que aqui
trataremos a interação entre duas partículas (dois corpos) como sendo
o de uma única partícula submetida a uma força central. A maneira
como se reduz o problema de dois corpos ao de um único corpo será
apresentada no capítulo 5, durante o estudo da dinâmica de um sistema de muitas
partículas. Em três dimensões, uma força central tem a
direção radial, de modo
 que é mais prático se adotar coordenadas esféricas. A força central F em
coordenadas esféricas se expressa como:

 
ˆ (r ) .
F (r ) = rF

(4.1)

Desde que rˆ = r / r , as componentes cartesianas da força são:

Em caso de dúvida, revise


o capítulo anterior,
que aborda o estudo
do rotacional.

Fx =

(4.2)

x
F (r ),
r

Fy =

y
F (r ),
r

Fz =

z
F (r ).
r
É simples mostrar que o rotacional de qualquer força central é nulo.
Em coordenadas cartesianas, calculamos a componente
cional de


F,

 ∂Fz ∂Fy

∂z
 ∂y

(∇ × F )iˆ = iˆ 

iˆ do rota-


.

Ao analisar esta equação e 4.2, tem-se:

∂Fz ∂  z
∂  F (r )  ∂r zy ∂  F (r ) 

=  F (r )  = z 
 =

,
∂y ∂y  r
∂r  r  ∂y r ∂r  r 

onde usa-se

140

r = x 2 + y 2 + z 2 e logo

∂r y
= .
∂y r
Da mesma forma,

∂Fy
∂z

∂ y
∂  F (r )  ∂r zy ∂  F (r ) 

 F (r )  = y 
 =

.
∂z  r
∂r  r  ∂z r ∂r  r 

Estes dois
 resultados para as derivadas parciais de

Fy e Fz mostram

(∇× F )iˆ = 0 . O mesmo procedimento mostra que as outras duas


componentes do rotacional também são nulas. Logo, forças centrais
são conservativas e podemos expressá-las como o gradiente de uma
função energia

 potencial V , que depende apenas da coordenada ra-

que

dial

r , F = −∇V , com F definida na equação 4.1. Assim,


 
∂V (r )
dV
ˆ (r ) = − rˆ
F (r ) = rF
rˆ ,
=−
∂r
dr

e como V depende só de r , integrando-se desde uma posição de


referência até a posição r , obtém-se:
r

ˆ .
V (r ) = − ∫ F (r )rˆ• rdr
rr

V (r ) = − ∫ F (r ) dr .

(4.3)
rr

Alguns exemplos de forças centrais:

F (r ) = −kr ;

Força restauradora,

Força gravitacional ou elétrica,

Força intermolecular de van der Waals,

Força nuclear de Yukawa,

F (r ) = (±)

F (r ) = (

k
;
r2

F (r ) =

a
b
− 7;
13
r
r

A B − r
− )e .
r r2

As forças de van der Waals são assim denominadas em homenagem


a Johannes Diderik van der Waals, e sua origem está nas forças de interação entre
momentos de dipolos das moléculas em líquidos e gases.

Força Central

141
Forças de van der Waals
O físico holandês Johannes Diderik van der Waals (18371923) foi o primeiro a
estabelecer, por meio de experimentos com gases, a existência de forças
intermoleculares,
forças que são devidas às polarizações das moléculas.
Se as moléculas têm momento de dipolo elétrico permanente, as forças de van der
Waals são entre dipolos
(do tipo dipolo-dipolo). Moléculas polares podem induzir
um momento de dipolo em moléculas apolares, e aqui
surgem forças do tipo dipolo-dipolo-induzido.
Um terceiro tipo de forças de van der Waals ocorre entre
moléculas que não possuem momento de dipolo permanente, como o gás neônio ou o
líquido benzeno. Estas
moléculas, mesmo não tendo um momento de dipolo
médio, apresentam momentos de dipolos instantâneos
que são capazes de induzir polarização nas moléculas
adjacentes, resultando em forças atrativas. Este terceiro
tipo de forças de van der Waals é conhecido como forças
de dispersão ou forças de London, em homenagem ao
físico polonês Fritz London, que foi o primeiro a sugerir
a existência de tais forças.
Forças intermoleculares são responsáveis pelos baixos
pontos de fusão de substâncias orgânicas (como gordura) e baixo ponto de ebulição
de líquidos apolares em
que predominam as forças de dispersão de London. Por
seus trabalhos em equações de estado de gases e fluidos, van der Waals recebeu o
premio Nobel, em 1910.

A força nuclear de Yukawa foi proposta por Hideki Yukawa, em 1935,


em uma teoria que explicava a natureza das forças nucleares fortes
fazendo uso de uma partícula, o méson, cuja massa estaria entre a
do próton e a do elétron. Em 1937, foi descoberto o primeiro méson,
o píon . Mais tarde, novos mésons foram descobertos, o que tornou
inviável o modelo de Yukawa. Mas a teoria dos mésons contribuiu
de forma decisiva para o estudo da física das partículas subatômicas
e, em 1949, Yukawa recebeu o prêmio Nobel pela predição da existência do méson.

142
4.2 Movimento sob a Ação de uma Força Central
Uma característica do movimento de uma partícula submetida à ação
de uma força central é a conservação do momento angular. Este resultado é imediato,
pois o torque devido a uma força central em relação à origem é:

  
T = r × F = (rrˆ × rˆ) F (r ) = 0 .

(4.4)

Logo, pelo teorema do momento angular (equação 3.49),


dL
=0.
dt

(4.5)

Conseqüntemente,o momento angular em torno de qualquer eixo que


passe pelo centro de força é constante. Este resultado é muito importante, primeiro
porque significa que temos além da energia me
cânica, mais uma constante do movimento. Segundo, porque se L
é constante, então sua intensidade
e direção no espaço permanecem
 

 
constantes. Logo, como L = r × mv , vê-se que r e v devem sempre
permanecer em um plano fixo perpendicular ao vetor L . Portanto, no
movimento sob força central, o momento angular é uma constante do
movimento, sendo que o mesmo ocorre em um plano perpendicular
ao vetor momento angular.
Já que o movimento ocorre em um plano e como a força tem a direção
radial, é mais conveniente se adotarem coordenadas polares para se
escrever as equações de movimento (3.53 e 3.54, com F igual a zero),
•2

••

(4.6)

mar = m( r − r  ) = Fr ,

(4.7)

ma = m(r  + 2 r ) = 0 .

••

• •

Usando agora a equação 3.75


• •
••
••
• •
dL d (mr 2 )
=
= 2mr r  + mr 2  = m(r  + 2 r )r = 0 ,
dt
dt

onde usamos a equação 4.7. Logo,


(4.8)

L = mr 2  = CONSTANTE,

para o movimento sob força central. Tanto o momento angular


como a energia mecânica

Força Central

E são obtidos a partir das condições ini143


ciais do problema analisado. A energia mecânica é uma constante do
movimento, que em coordenadas polares, fica expressa como:
(4.9)

E=

•2

1
mr
2

1
mr 2
2

•2

 + V (r ) = CONSTANTE.

Estas duas constantes permitem, em princípio, determinar a solução


completa do problema, pois a conservação do momento angular (4.8)
permite reescrever a conservação da energia, equação 4.9, como:
1
2

Resolvendo para

(4.11)

•2

E = mr +

(4.10)

L2
+ V (r ) .
2mr 2

r:
2 
L2 


(
)
E
V
r

.
m 
2mr 2 

r=

r deixa claro que o movimento da partícula ocorL2


re apenas nas regiões em que E ≥ V ( r ) +
. Isto permite uma dis2mr 2
Este resultado para

cussão mais aprofundada do movimento na direção radial, como você


estudará. Integrando-se a equação 4.11 no tempo, obtém-se:
r

(4.12)

dr


L2 
 E − V (r ) −

2mr 2 

r0

2
t,
m

t0 = 0 a partícula tinha posição radial r0 . A


r (t ) , sendo conhecidos a energia total E ,
o momento angular L e a função energia potencial V ( r ). A coordenada (t ) é
obtida a partir da equação 4.8,
onde supôs-se que em

equação 4.12 permite obter

L
dt ,
2
mr
t
(
)
0

(t ) =  0 + ∫

(4.13)

sendo  0 a posição angular da partícula no instante inicial. É óbvio


que só podemos conhecer (t ) após a integração da equação 4.12,

r (t ) . Uma vez conhecidos r (t ) e (t ) , podemos obter a trajetória em


coordenadas polares, r ( ) , eliminando-se

isto é, conhecendo-se

o parâmetro tempo. Um procedimento


mais direto para se obter a

trajetória é reescrevendo-se r como:
(4.14)

144

r=

dr d  • dr
L dr
=
=
.
d  dt
d  mr 2 d 
Comparando com a equação 4.11, obtém-se:

L dr
2 
L2 
=


(
)
E
V
r


mr 2 d 
m 
2mr 2 

(4.15)

Integrando-se entre os limites


r

(4.16)

r0

r0 e r , e os limites  0 e  , vem:

dr

r2

2m
d .
=
L2 ∫0

L2 
 E − V (r ) −

2mr 2 

Logo, por meio da conservação da energia mecânica e do momento


angular, podemos expressar a solução do problema em termos das
constantes E , L , r0 ,  0 , sendo que E , L são definidas pela posição
e a velocidade iniciais no plano.
Este procedimento baseado na equação 4.9, é análogo ao usado no
problema unidimensional, baseado na integral da energia (equação
1.38). A coordenada

r tomando o lugar de x , e o termo contendo


 na energia cinética é transformado, via conservação do momento
angular, em um termo que depende só de r e se adiciona à energia
potencial

V (r ) (equação 4.10). Esta analogia com o movimento em

uma dimensão pode ser levada mais longe se voltarmos nossa atenção para a equação
de movimento, equação 4.6, onde substituímos

usando a equação 4.8, isto é,

(4.17)
ou
(4.18)

••

m r−

L2
= F (r ) ,
mr 3

L2
m r = F (r ) + 3 .
mr
••

A equação acima tem a forma da equação de movimento em uma dimensão para uma
partícula submetida a uma força F ( r ) mais uma “força centrífuga”

L2 / mr 3 . Este termo não é realmente uma força, e sim,

parte do produto da massa pela aceleração transportada para o segundo


membro da equação a fim de reduzir a equação em r a uma forma idêntica à do
movimento em uma dimensão. Como o termo “centrífugo” depende só de r , podemos
definir uma energia potencial efetiva, Vef , por:

Vef (r ) = − ∫ F (r )dr − ∫

Força Central

L2
dr ,
mr 3

145
L2
Vef (r ) = V (r ) +
.
2mr 2

(4.19)

A definição da energia potencial efetiva permite reescrever a equação


4.12 como:
r

(4.20)

r0

dr

(E − V

ef

(r ) )

2
t,
m

Vef (r ) , podemos obter a solução, ou efetuar uma descrição qualitativa dos


movimentos possíveis, os quais só ocorrem nas regiões em que E ≥ Vef ( r ) .
Note que a equação 4.16 também pode ser escrita em termos da energia potencial
efetiva,

de modo que, uma vez especificado a energia potencial

(4.21)

∫r

r0

dr

(E − V

ef

(r ) )

2m
d .
L2 ∫0

Você estudará agora um exemplo em que fica claro como a energia total, o momento
angular e as condições iniciais especificam a trajetória
seguida por uma partícula sob a ação de uma força central.
Exemplo 1. Considere que uma partícula de massa unitária

(m = 1)

3 k
(formando um ângulo
a 2
reto com o raio vetor) a uma distância a da origem de um centro de

seja lançada com uma velocidade

v0 =

força atrativo dado por:

F = −k (

4 a2
+ ).
r3 r5

Qual é o movimento subseqüente da partícula?


Você deve perceber que o enunciado deste exemplo traz consigo toda a
informação necessária. Isto é, fornece a posição inicial, a velocidade inicial, o
momento angular e a energia total. Como a velocidade é perpendicular ao vetor
posição, o momento angular da partícula (constante) é:

L=a

3 k
k
=3
.
a 2
2

(não esqueça que m = 1 ). A partir da velocidade, temos a energia cinética

Ec =

9k
. A força especificada acima fornece a energia potencial:
4a 2
r

V (r ) = − ∫ F (r )dr = k ∫ (

146

4 a2
+ )dr ,
r3 r5
V (r ) = −

2k ka 2

.
r 2 4r 4

Onde escolhemos o zero da energia potencial no infinito. Logo, quando a partícula


está passando na posição r = a com velocidade v0 , sua

9k
. Isto significa que a energia mecâni4a 2
ca (constante) da partícula é E = Ec + V ( a ) = 0 . A energia potencial
energia potencial é

V (a) = −

efetiva é (equação 4.19):

Vef (r ) = −
Com o valor de

2k ka 2 L2

+
.
r 2 4r 4 2r 2

L obtido acima, vem:


k a2 1
Vef (r ) = − ( 4 − 2 ) .
4 r
r

Na figura 4.1 mostra-se o gráfico da energia potencial efetiva, onde se


indica também a curva E = 0 . Pelo gráfico, vê-se que a partícula tem
seu movimento confinado à região onde

E ≥ Vef (r ) , isto é, 0 ≤ r ≤ a .

Vef (r)
E= 0

a 21/2a

Figura 4.1 - Energia potencial efetiva para o exemplo 1.

Substituindo

E = 0, L = 3 k / 2 e Vef (r ) na equação 4.21, obtém-se:


r


a

dr
a2 1

r4 r2

r2
r


a

Força Central

dr
2

a −r

1
3

∫ d ,
0

1
3

= .

147
Onde escolhemos  = 0 para

r = a . A integração fornece r () :

r

arcsen
=
aa 3

r = a cos


.
3

Na figura 4.2 mostra-se a trajetória em coordenadas polares.

90
120

1,0

60

0,8
0,6

150

30

0,4

0,2
0,0
0,0

v0

180

0,2
0,4
0,6

210
330

0,8
1,0

240

300
270

Figura 4.2 - Trajetória da partícula em coordenadas polares para o exemplo 1.

A partícula atinge a origem quando  = 3 / 2 , e percorre uma distância ( ds =


rd) :

s=

3  /2


0


a cos d  = 3a .
3

O tempo que a partícula leva para atingir a origem pode ser obtido a
partir da equação 4.20, onde agora o limite inferior é r = a e o limite
superior é r = 0 . O cálculo da integral fornece

t=

1 2 2
a ,
4 k

para o tempo que a partícula leva para atingir a origem. Neste e em


muitos outros casos é conveniente consultar uma tabela de integrais.
Note que as soluções das integrais deste exemplo forneceram uma
solução simples para a trajetória e o tempo para a partícula atingir
a origem, devido às condições iniciais consideradas. Se alterarmos

148
estas condições (outros valores de E , L, r0 ,  0 ), nem sempre será possível
resolver as equações 4.20 e 4.21.
Em muitos casos as integrais dadas nas equações 4.20 e 4.21 são de
difícil solução, sendo mais fácil determinar primeiro a trajetória para
depois se obter o movimento como função do tempo. Isto significa resolver
diretamente a equação de movimento, equação 4.17, mas transformando-a em uma
equação diferencial relacionando r e  . Isto é
conseguido de maneira mais simples fazendo-se a substituição,

1
u= ,
r

(4.22)

Assim, podemos reescrever


r=

r=

1
.
u

r como:

• du
dr d 
1 du •
L du
 = −r 2 
=− 2
=−
.
d  dt
u d
d
m d

Resultado que fornece para


••

r =−

(4.23)

••

r:

L d 2u •
L2u 2 d 2u

=

.
m d 2
m2 d 2

Substituindo 4.22 e 4.23 na equação 4.18, vem:


ou

L2u 2 d 2u
L2 3
=
F
(1/
u
)
+
u ,
m d 2
m
d 2u
m
= −u − 2 2 F (1/ u ) .
2
d
Lu

(4.24)

Equação diferencial que fornece a trajetória (ou a órbita) em termos

1
. Aparentemente, a equação 4.24 diverge para L = 0 ,
r ()

2
mas ela não deve ser usada neste caso, pois como L = 0 = mr  , tede

u () =

mos

 = 0 , isto é,  é constante e a trajetória é uma linha reta que

passa pela origem.


Sendo especificada a força

F (r ) , a solução da equação diferencial

4.24 fornece a solução r ( ) . Observe que uma conclusão importante


é que, sendo conhecida a trajetória, pode-se determinar a força central que atua na
partícula. Como exercício, você pode usar a trajetória do exemplo 1,

Força Central

, para obter a força,


F = −k (

4 a2
+ ),
r3 r5

149
usando a equação 4.24. Não esqueça que neste exemplo

L=3 k/2.

Naturalmente, em algumas situações é difícil obter soluções explícitas


das equações 4.20, 4.21 e 4.24, mas mesmo nestes casos podemos
obter informações qualitativas sobre o movimento em r a partir do
potencial efetivo, como foi estudado neste exemplo 1.
Exemplo 2. Considere uma partícula cuja energia potencial é


 
1
V (r ) = Kr 2, isto é, submetida a uma força F (r ) = − Kr (r = xiˆ + yjˆ + zkˆ,
2

oscilador tridimensional isotrópico). Discuta os movimentos possíveis para


alguns valores de energia total e momento angular diferente de zero.
O primeiro conhecimento que você precisa aplicar é o fato de que esta
força é central, o que implica em momento angular constante e energia
mecânica constante. Como o momento angular é constante, o movi
mento ocorre num plano perpendicular ao vetor momento angular L .
O plano que contém a trajetória é definido pelas condições iniciais. Como
o movimento ocorre num plano, como em qualquer movimento sob força
central, você resolverá o problema usando coordenadas polares ( r , ) .
A energia potencial efetiva da partícula é:

L2
Vef (r ) = Kr +
.
2mr 2
1
2

(4.25)
A figura 4.3 mostra

Vef (r ) e algumas energias possíveis para a partícula.

Vef (r)

E2
E1

Vef (r0 )
E0= Vef (r0 )
r1

r0

r2

Figura 4.3 - Energia potencial efetiva para o exemplo 2.

A partícula pode se mover apenas nas regiões em que


150

E ≥ Vef (r ) .
Pode-se ver, pela figura 4.3, que para energias E1 , E2 e energias maiores, a
partícula executa oscilações radiais entre r1 e r2 , por exemplo,
enquanto move-se em torno do centro de força com uma velocidade
angular dada por

 = L / mr 2 . Os pontos r1 e r2 são os pontos de

maior aproximação e maior afastamento do centro de força, isto é,


são os pontos retorno, pontos onde
tes pontos

2
( E − Vef (r ) = 0 , pois nesm

r=

E = Vef (r ) , logo dizemos que o movimento da partícula


r1 e r2 .

está confinado entre


Para a energia

E0 temos um caso particular, pois agora a energia é

igual ao mínimo da energia potencial efetiva (verifique a figura 4.3) e

2
( E − Vef (r ) = 0 em todos os pontos da trajetória. Logo,
m
r é constante e igual a r0 . O que isto significa? Que o movimento é

agora

r=

circular de raio• r0 , em torno do centro de força com velocidade angu2


lar constante  r0 = L / mr0 . O valor de E0 = Vef ( r0 ) obtém-se de:
1/4

dVef
dr

r = r0

 L2 
L2
= Kr0 − 3 = 0 → r0 = 
 ,
mr0
 mK 
E0 = Vef (r0 ) = L K / m .

2

A velocidade angular será  r0 = L / mr0 =

K /m .

Quando a energia da partícula é levemente superior a E0 , podemos


considerar pequenas oscilações na direção radial em torno de r = r0 ,
assim expandindo a energia potencial efetiva em torno do mínimo,
como estudado no capítulo 2 para V ( x) , vem:
(4.26)

2
1  d Vef ( r ) 
2
Vef (r ) ≅ Vef (r0 ) + 
 (r − r0 ) ,
2
2
 dr
 r = r0

(4.27)

Vef (r ) ≅ Vef (r0 ) + k (r − r0 ) 2 .

1
2

E, portanto, como o a energia potencial efetiva é parabólica em torno do


mínimo (verifique o gráfico 4.3), a partícula executa as oscilações harmônicas na
direção radial em torno de r0 com freqüência angular r
(4.28)

2
k 1 d Vef (r )
.
 = =
m m dr 2 r = r
2
r

Força Central

151
Neste exemplo, com a energia potencial efetiva dada na equação 4.25,
obtém-se:

d 2Vef (r )
dr 2

3L2
=K+ 4
mr

d 2Vef (r )
dr 2

= 4K ,
r = r0

de modo que a freqüência angular para pequenas oscilações radiais


em torno de r0 é r = 2 K / m . Note que esta freqüência para as oscilações radiais
tem o dobro do valor da velocidade angular
movimento circular de raio

 r0 para o

r0 . Isto é, o período das oscilações radiais

é a metade de período de revolução da órbita circular.


Assim, a partícula oscila duas vezes na direção radial enquanto gira
em torno do centro de força. Este resultado mostra que a órbita circular é estável,
no sentido de que, estando a partícula em movimento
circular, um pequeno acréscimo na energia total não faz com que a
partícula se desloque em direção ao centro de força ou se afaste definitivamente do
mesmo. Ao contrário, a partícula permanece orbitando em torno do centro de força, e
ao dissipar o acréscimo de energia,
ela retorna ao movimento circular de raio r0 . O gráfico da energia
potencial efetiva na figura 4.3 mostra claramente esta conclusão, pois
em r0 temos um mínimo da energia potencial efetiva. Isto significa
que quando a força é central todas as órbitas circulares são estáveis?
Não! No exemplo 1 que você estudou, a energia potencial efetiva mostrada na figura
4.1 deixa claro que não temos um mínimo, e sim ao
contrário, em r = 2a temos um máximo. Isto significa que se a par-

2a , com velocidade v0 = 3 k / 2a perpendi2


cular ao raio vetor, sua energia total será E = k /16a = Vef ( 2a ) e
a sua a trajetória será circular de raio 2a . Entretanto, agora, se a

tícula for lançada em

partícula receber qualquer acréscimo de energia, ou ela seguirá em


direção ao centro de força ou se afastará definitivamente deste centro
de força, dependendo do sentido do movimento adquirido devido a
este acréscimo de energia.
Desta maneira, o exemplo 1 mostra que podemos ter órbitas circulares
instáveis, o que em geral ocorre se as forças centrais decrescem com
2
a distância mais rapidamente do que com 1/ r . No caso do exemplo
1, a condição para que a partícula descreva uma órbita circula instável

L2 L2
é v = 2 ( − 4) .
a k
2
0

Usando-se as equações 4.20, 4.13 e 4.21 no exemplo 2, você obterá as


coordenadas r (t ) e (t ) , e a trajetória r ( ) , que são elipses no plano.

152
Você já deve ter percebido que as trajetórias possíveis neste exemplo
são as mesmas que a do oscilador harmônico bidimensional isotrópico, isto é,
movimento elíptico, circular e em linha reta passando pela
origem, o que acontece, como vimos, para momento angular nulo.
O exemplo 2 mostra claramente que no movimento sob força central, a
partícula oscila na direção radial e gira em torno do centro de força com

 = L / mr 2 . A taxa de revolução em torno do centro


de força decresce à medida que r cresce, e se o movimento da partí-

velocidade angular

cula for tal que não seja confinado, então se

r → ∞ , vem que  → 0 ,

e a partícula pode ou não executar uma ou mais revoluções completas


enquanto se move para r = ∞ , dependendo da taxa com que r cresce

r , como no exemplo 2,
onde, por exemplo, para energia E1 a partícula oscila entre r1 e r2 (figura 4.3), o
período do movimento em r (Tr ) nem sempre é igual ao
período de revolução em torno do centro de força (T ) . Se os períodos
com o tempo. Se o movimento é periódico em

forem comensuráveis, isto é, se sua razão pode ser expressa como a


razão de dois inteiros, e se esta razão for um número racional, a órbita
será fechada. Se por exemplo, o período Tr for pouco maior que T , o
raio vetor gira de um ângulo maior do que

2 enquanto a coordenada

r oscila de r1 a r2 e de volta a r1 , veja a figura 4.4. Depois de um grande

número de revoluções, a partícula retorna a sua posição inicial e a órbita


é quase fechada. Note que a curva na figura 4.4 pode ser descrita como
uma elipse que gira no plano (movimento de precessão).

Figura 4.4 - Órbita limitada e não-periódica.

Se a razão Tr / T for um inteiro, a partícula descreve uma órbita fechada simples


como no movimento elíptico. Mas se a razão Tr / T for
incomensurável, a órbita nunca se fechará, ou seja, a órbita é aberta e
a partícula, depois de um longo intervalo de tempo, terá passado por
todos os pontos compreendidos entre r1 e r2 . A razão Tr / T depende
da lei de força, isto é, de como a força
Força Central

F (r ) depende de r , do mo-

153
mento angular e da energia total.
Quando a força, a energia e o momento angular são tais que a órbita é
uma curva fechada simples, o período da órbita se relaciona a sua área.
A figura 4.5 mostra parte da trajetória fechada simples de uma partícula.

rdθ

Figura 4.5 - Área varrida pelo raio vetor.

Já que a área é varrida pelo raio vetor, quando esta se desloca entre

r () e r ( + d ) , é:

dA = 12 r 2 d ,
assim,
(4.29)

dA 1 2 •
L
= 2r =
,
dt
2m

onde usamos a conservação do momento angular, equação 4.8. Logo,


no movimento sob a ação de uma força central, o momento angular
é conservado e em conseqüência a taxa com que a área é varrida

L
. Se a trajetória é uma curva
2m
fechada simples, pode-se integrar a equação 4.29 em um período T ,

pelo raio vetor é constante e igual a

o que fornece:
(4.30)

A=

L
T.
2m

Se a órbita for conhecida, pode-se obter o período do movimento de


maneira elementar por meio da equação acima.

4.3 Força Central Inversamente Proporcional ao


Quadrado da Distância
As forças gravitacionais e eletrostáticas são exemplos importantes de
forças centrais que dependem do inverso do quadrado da distância ao
centro de força:

154
 K
F = 2 rˆ .
r

(4.31)
A energia potencial é:

V (r ) =

(4.32)

K
,
r

onde se tomou o ponto de referência no infinito, de maneira a se evitar a adição de


um termo constante em V ( r ) . Se a força for gravita-

cional K = −Gm1m2 e se for de origem eletrostática, K = ± q1q2 / 4 0


para duas cargas interagindo no vácuo. É bom lembrar mais uma
vez que a força na equação 4.31 é entre dois corpos ou duas cargas
e que aqui estamos tratando o problema de uma forma equivalente,
que é considerar o movimento de um corpo sob a ação da força central dada em 4.31.
No caso da força gravitacional, cabe ressaltar que,
historicamente, a aplicação da mecânica newtoniana com sucesso,
em problemas que envolviam o movimento dos planetas sob a atração gravitacional do
Sol e o movimento de satélites naturais (luas)
dos planetas, foi responsável por sua aceitação inicial por parte da
comunidade científica.
Sendo conhecida a energia potencial, equação 4.32, podemos determinar
a natureza das trajetórias no movimento sob forças que seguem a lei do
inverso do quadrado. Primeiro, escrevemos a energia potencial efetiva,

K
L2
Vef (r ) = +
.
r 2mr 2

(4.33)

Na figura 4.6 é apresentado o gráfico desta energia potencial efetiva


para diferentes valores da constante K e momento angular L .

Vef(r)
K>0
K= 0
r0
1
2

K< 0, L= 0

- (K2m/ L2)
K<0, L= 0
Figura 4.6 - Energia potencial efetiva para uma força central
inversamente proporcional ao quadrado da distância.
A figura 4.6 mostra que, se a força é repulsiva ( K > 0) , só são possíveis
energias positivas ( E > 0) e o movimento não é periódico em r , sendo

Força Central

155
que a partícula vindo de r = ∞ alcança um ponto de máxima aproximação (ponto de
retorno) chamado de periélio, voltando para o infinito.
Para um dado valor de energia e momento angular, o ponto de retorno ocorre em
valores maiores de r do que quando não existe for-

( K = 0) , e a partícula segue em linha reta. Se a força for atrativa ( K < 0) com


L ≠ 0 e a energia for positiva ( E > 0) , o movimento

ça

também será ilimitado, mas agora o ponto de retorno ocorrerá num


valor de r menor do que para K = 0 . Estas órbitas abertas estão esquematizadas na
figura 4.7.

K>0
K= 0

K< 0

Figura 4.7 - Esboço das órbitas não limitadas para a força inverso do quadrado.

( K < 0) e as energias são negativas,


− mK / L < E < 0 , a coordenada r oscila entre os pontos de re1
2
2
torno r1 e r2 . Para E = E0 = − 2 mK / L , que corresponde ao míQuando a força é
atrativa
1
2

nimo da energia potencial efetiva (figura 4.6), a partícula tem mo-

L2
. Por último, se K < 0 e para
mK
energias negativas E < 0 , na ausência de momento angular, L = 0,

vimento circular de raio

r0 = −

o movimento se reduz ao de queda livre, já analisado no capítulo 1.


Para se obter o raio da trajetória circular, usamos:

d
K
L2
Vef (r )
=0=− 2 − 3
dr
r0 mr0
r = r0
Ou
r0 =

L2
mK

L2
→ r0 = −
.
mK

, pois K < 0 . O mínimo da energia potencial efetiva

1
2

é Vef ( r0 ) = − mK / L . O período da órbita circular pode ser obtido


da equação 4.30:
(4.34)

T=

2m 2
L3
r0 = 2 
.
L
mK 2

Aqui, como no caso do oscilador isotrópico, podemos considerar pequenas oscilações


radiais em torno da posição de mínimo, para ener-

156
gias da partícula levemente superiores a E0 . Usamos a equação 4.28
para calcular a freqüência r das pequenas oscilações radiais,
2
k 1 d Vef (r )
2 K 3L2 m 2 K 4
.
=
+
=
 = =
m m dr 2 r = r
r03 mr04
L6
2
r

Sendo o período correspondente

Tr =

2
L3
= 2
e, portanto, igual
r
mK 2
r0 . Isto significa
E0 , a aproximação de peque-

ao período de revolução da órbita circular de raio


que, para energias pouco maiores que

nas oscilações mostra que a órbita é uma curva fechada, com a origem deslocada
levemente do centro.
Para energias negativas entre zero e

E0 e para valores arbitrários de L ,

as informações essenciais sobre o movimento podem ser obtidas a


partir da equação diferencial para a órbita, equação 4.24, onde agora

F (r ) = F (1/ u ) = Ku 2 , e logo,

d 2u
m
mK
= −u − 2 2 Ku 2 = −u − 2 ,
2
d
Lu
L
d 2u
mK
+u = − 2 .
2
d
L
(4.35)

u tem a mesma forma que a equação para um


oscilador harmônico em uma dimensão de freqüência unitária e sub-

A equação 4.35 para

mK
), sendo que a variável 
L2
substitui a variável tempo t ( x → u , t → ) . A solução desta equação
metido a uma força constante (o termo

consiste na soma da solução da equação homogênea mais uma solução da não-homogênea.


A solução da homogênea você já conhece,

uh = A cos( −  0 ) ,

(4.36)

enquanto que uma solução particular, solução da equação não-homogênea, procura-se


na forma de uma constante, u p = C . Substituindo na equação 4.35, obtém-se

(4.37)

u=

C = −mK / L2 e a solução geral é:

1
mK
= − 2 + A cos( −  0 ) .
r
L

Esta é a equação de uma cônica, podendo ser uma elipse, uma hipérbole ou uma
parábola, com o foco em r = 0 , como você verificará logo
a seguir. Uma cônica é obtida pela interseção de um plano com um

Força Central

157
cone, sendo que o ângulo entre o plano e o eixo do cone determina o
tipo de cônica. Por exemplo, se o ângulo é de
, a cônica resultante
é um círculo. As constantes
sendo que

A e  0 dependem das condições iniciais,

 0 determina a orientação da órbita no plano, enquanto

que A especifica os pontos de retorno do movimento na direção radial. Usando a


equação acima, os pontos de retorno são:

(4.38)

1
mK
=− 2 +A
r1
L

1
mK
= − 2 − A.
r2
L

mK
(condição necessária se K > 0 ), existe soL2
mente um ponto de retorno, ou seja, r1 , pois r não pode ser negativo.
mK
Também não se pode ter A < 2 , pois não teríamos nenhum valor
L
positivo de r para qualquer valor de  . O quanto a partícula se afas-

Observe que se

A>−

ta e se aproxima do centro de força depende de quanta energia ela


tem e de seu momento angular, de modo que a constante A deve
depender diretamente da energia e do momento angular. Nos pontos
de retorno, tem-se E = Vef ( r ) , e usando 4.19, vem,
(4.39)

Vef (r ) =

K
L2
+
= E.
r 2mr 2

A maneira mais simples de se obter as raízes

do u = 1/ r ,
1/ r1 e 1/ r2 é substituin-

L2 2
u + Ku − E = 0 .
2m

As soluções desta equação de segundo grau são:


1/2

(4.40)

2
1
mK  mK  2mE 
= − 2 +  2  + 2  ,
r1
L
L 
 L 

(4.41)

2
1
mK  mK  2mE 
= − 2 −  2  + 2  .
r2
L
L 
 L 

1/2

Comparando com a equação 4.38 obtém-se a constante


da energia e momento angular,
2

(4.42)

158

 mK  2mE
A = 2  + 2 .
L
 L 
2

A em termos
Resultado que devemos substituir na equação 4.37 para fornecer a
órbita em termos das condições iniciais. Você já sabe que fornecer a
posição e a velocidade iniciais é equivalente a fornecer a energia total
e o momento angular.
Antes, afirmamos que a equação 4.37 é a equação geral de uma cônica com a origem em
um dos focos. Veremos agora as equações da
elipse, da hipérbole e da parábola em coordenadas polares. A curva
que é obtida por um ponto que se move de tal maneira que a soma de
suas distâncias a dois pontos fixos F e F ´ é constante, é denominada de elipse. Os
pontos

F e F ´ são chamados de focos da elipse. A

figura 4.8 mostra a geometria da elipse.

r
0


b

a
Figura 4.8 - Geometria da elipse.

A definição de elipse é tal que:

r´+ r = 2a ,

a o semi-eixo maior da elipse. Usando coordenadas polares


com a origem no foco F e com o eixo dos x negativo passando por
F´ , como se mostra na figura 4.8, a lei dos co-senos fornece:
sendo

(4.43)

r´2 = r 2 + 4a 2 2 + 4a  cos  ,

a é a distância a partir do centro da elipse até o foco, sendo


 denominada de excentricidade da elipse. Observe que para  = 0 ,

onde

os focos coincidem e a elipse torna-se uma circunferência, e quando

 → 1 a elipse, degenera em uma parábola, ou num segmento de reta,


dependendo de o foco F ´ se deslocar para o infinito ou permanecer em
uma distância finita de

F . Substituindo na equação 4.43 r´= 2a − r ,

acha-se a equação da elipse:


(4.44)
ou,

Força Central

r=

a (1 − 2 )
,
1 +  cos 

159
1
1

cos  .
=
+
2
r a (1 −  ) a (1 − 2 )

(4.45)

Já a hipérbole é definida como a curva descrita por um ponto que se


move de tal maneira que a diferença entre as distâncias a dois focos
fixos F e F ´ é constante. A geometria da hipérbole está na figura 4.9.


r

α

Ramo +

Ramo -

Figura 4.9 - Geometria da hipérbole

Como a figura 4.9 mostra, a hipérbole tem dois ramos definidos por:

r´−r = 2a

(ramo +)

Pela figura 4.9, temos agora

r´−r = −2a

(ramo -)

 > 1 e podemos aplicar a lei dos co-senos

(equação 4.43), e usando as definições acima para os dois ramos da


hipérbole, obtemos:
(4.46)

1
1


+
cos  ,
2
2
r
a (  − 1) a (  − 1)

onde o sinal positivo (+) refere-se ao ramo (+) e o sinal negativo (–) ao
ramo (–). Da figura 4.9, tiramos também que as assíntotas da hipérbole
(linhas tracejadas na figura) fazem um ângulo  com o eixo que passa pelos focos, e
como este ângulo corresponde ao valor do ângulo

160
 quando r tende ao infinito, isto é,  →  para r → ∞ , a equação
4.46 fornece:

1
cos  = ± .

(4.47)

A parábola, por sua vez, é uma curva descrita por um ponto de maneira que a sua
distância a uma linha fixa D (a diretriz) é igual a sua
distância a um foco fixo

F . Verifique que na figura 4.10 mostra-se a

geometria da parábola.

r
r
F θ

Figura 4.10 - Geometria da parábola.

Da definição apresentada e pela figura 4.10, obtemos:

r + r cos  = a ,
de modo que a equação da parábola com a origem no foco é:

1 1 1
= + cos  .
r a a

(4.48)

As equações 4.45, 4.46 e 4.48 permitem escrever as três cônicas, de


maneira geral, como:

1
= B + A cos  .
r

(4.49)

Para uma elipse (verifique 4.45), teremos

(4.50)
Força Central

B=

1
,
a (1 − 2 )
A=

B>A e

.
a (1 − 2 )
161
B=A e

Para uma parábola (verifique 4.48),

B=

(4.51)

1
,
a

A=

1
.
a

Para uma hipérbole (verifique 4.46), podemos ter 0 < B < A (ramo +), e
(4.52)

B=

1
2

a (  − 1)

A=

a (  − 1)

ou − A < B < 0 (ramo -), e


(4.53)

B=−

1
2

a (  − 1)

A=


2

a (  − 1)
.

B < − A não pode ocorrer, pois r seria negativo para qualquer valor de  .
Comparando a trajetória obtida (equação 4.37) com
Note que

a expressão 4.49, pode-se ver que a solução para o movimento é uma


cônica cuja orientação no plano é definida pelo ângulo  0 , isto é,  0 é
o ângulo entre o eixo dos x e a linha que parte da origem até o periélio
(ponto de maior aproximação da curva à origem). Para a elipse e a hipérbole, as
equações 4.50, 4.52 e 4.53 mostram que a excentricidade é:

A
,
B

=

(4.54)

enquanto que o semi-eixo maior para as duas curvas se expressa como:

a=

(4.56)

B
.
A − B2
2

Assim, para o movimento sob a ação de uma força central que varia
com o inverso do quadrado da distância, vê-se, por meio das equações 4.37 e 4.42,
que:
(4.57)

B=−

mK
,
L2

A = B2 +

2mE
.
L2

De onde se pode obter o semi-eixo maior para órbitas elípticas e hiperbólicas,


(4.58)

a=

K
.
2E

Logo, o semi-eixo maior só depende da energia (e vice-versa), não


dependendo do momento angular da partícula. Por outro lado, a ex-
162
centricidade da órbita depende da energia e do momento angular.
Usando as equações 4.54 e 4.57, obtém-se:

 = 1+
ou
(4.59)

2mE
,
B 2 L2

 = 1+

2 EL2
,
mK 2

enquanto que a equação 4.44 fornece os raios mínimo e máximo da


elipse como sendo r1 = a (1 − ) e r2 = a (1 + ) , onde a e  são obtidos a partir
da energia e momento angular (equações 4.58 e 4.59).
Os pontos ( r1 , 0) e ( r2 , ) são denominados de periélio e afélio para o
movimento de planetas e cometas em torno do Sol, e denominados de
perigeu e apogeu no caso de satélites naturais (luas) e artificiais.
Note que a equação 4.59 é um resultado importante porque mostra
diretamente que para uma força atrativa ( K < 0) , temos:
a) Para momento angular nulo

( L = 0) , temos que  = 1 e a traje-

tória é uma linha reta que passa pelo centro de força;


b) Se

( L ≠ 0) mas a energia total é zero ( E = 0) , temos que  = 1 ,

e a trajetória é uma parábola com o foco no centro de força;


1

c) Quando − mK / L < E < 0 , temos 0 <  < 1 e as órbitas são


2
elipses com o centro de força em um dos focos;
1

d) Para E = − mK / L , vem  = 0 , e a partícula descreve uma


2
órbita circular em torno do centro de força;
e) Se as energias são positivas

 > 1 , a trajetória será o ramo posi-

tivo (+) da hipérbole.


Se a força for repulsiva
( K > 0) , só podemos ter energias positivas

( E > 0) , então  > 1 e as trajetórias são hipérboles (o ramo negativo

da hipérbole).
Todos os resultados apresentados anteriormente quantificam os resultados
qualitativos obtidos por meio da análise da energia potencial efetiva da figura
4.6, mostrando mais uma vez que o mero conhecimento da
energia potencial pode fornecer conclusões importantes a respeito do
movimento de uma partícula quando sob a ação de uma força central.

m é lançado com velocidade v0 a


partir da superfície da Terra, fazendo um ângulo  com a direção raExemplo 3. Um
míssil de massa

Força Central

163
dial. Veja a figura 4.11. Descreva o movimento do míssil, determine a altura máxima
atingida e a distância em que ele cairá de retorno a Terra
2
medida ao longo da superfície. Considere que v0 = GM / R , sendo M
e

R a massa e o raio da Terra, respectivamente, e que

v0
φ
A

θ´

θ2

Terra

θ1

α= θ2−θ1
θ2= π + θ´

Figura 4.11 - Lançamento de um míssil a partir da superfície da Terra.

Como queremos uma solução simplificada, devemos ignorar o movimento de rotação da


Terra e a resistência do ar. Observe que dizer
que o míssil foi “lançado” a partir da superfície da Terra significa que
a altura em que ele se encontra ao atingir a velocidade v0 é pequena,
comparada ao raio da Terra. Isto significa que temos o movimento de
uma partícula sob a ação de uma força do tipo inverso do quadrado.
Como a energia total do míssil é:

E = 12 mv02 − GMm / R ,
e seu momento angular vale:

L = (mv0sen) R ,
então a excentricidade de sua órbita é:
2

 v Rsen   GM

 = 1−  0
− v02  .
 2

 GM   R
Como

v02 < 2GM / R , a excentricidade é menor que um, e assim a tra-

jetória é uma elipse com o centro da Terra em um dos focos. Você


deve estar lembrado que a velocidade de escape é 2GM / R e deve
saber o que acontece se o míssil for lançado com esta velocidade. A
equação da trajetória é:

a (1 − 2 )
r=
,
1 +  cos 

com o semi-eixo maior dado pela equação 4.58,

164
a=

GM
.
2GM / R − v02

Logo, a equação da trajetória fica:

r=
Com

v02 = GM / R e

R 2 v02sen 2 
.
GM (1 +  cos )

, vem

r=

 = 23 , e assim:
R

4(1 + 23 cos )

A altura máxima h atingida pelo míssil é h = r2


sendo r2 o apogeu, que corresponde a  =  ,

r2 =
e logo,

h=

3
2

− R (veja a figura 4.11),

R
,
2(2 − 3)

R ≅ 5.500km . Para calcularmos a distância, medida ao

longo da superfície, em que o míssil retorna à Terra, devemos calcular


o arco AB = R . O ângulo  é dado por  =  2 − 1 , conforme mos-

1 e  2 correspondem aos dois valores de r = R . Usando a equação da trajetória, R


= R / 4(1 + 3 cos 1 ) ,
2
e logo cos 1 = − 3 , assim 1 =  / 2 +  / 3 . Para obter  2 , ob2
serve a figura 4.11 e veja que podemos escrever  2 = ´+  , e logo
R = R / 4(1 + 23 cos(  + ´) , fornecendo cos ´= 23 , de modo que
 2 =  / 6 +  . Portanto, o ângulo  vale  =  / 3 , de modo que o
arco AB é AB = R / 3 ≅ 6.700km .
trado na figura 4.11. Os ângulos
O exemplo que acabamos de fazer será útil no capítulo 5, quando tratarmos do
movimento de foguetes e de como enviar à Lua um satélite
utilizando um foguete de três estágios.

4.4 As Leis de Kepler para o Movimento dos


Planetas
Durante o transcorrer dos séculos, os povos antigos observaram os
cinco planetas visíveis (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) em
seu movimento lento e quase regular através das constelações fixas
do zodíaco. Mas ocasionalmente, de tempos em tempos e de forma
bastante previsível, estes astros invertiam seu movimento durante um
tempo (algumas semanas), para em seguida, avançar retomando a
direção inicial do movimento. Este comportamento de avançar e re-

Força Central

165
troceder para em seguida avançar recebeu a denominação de movimento retrógrado.
A tentativa de explicar este comportamento dos planetas dentro de
um modelo geocêntrico (a Terra como centro do Universo com os
planetas e o Sol girando ao redor) surgiu com a teoria dos epiciclos,
desenvolvida pelo grego Apolônio (246 a 221 a.C.), a qual mostrava
que um arranjo de movimentos circulares podia gerar um movimento
elíptico. Posteriormente, Hiparco de Nicéia (130 a.C.) apontou algumas
falhas na teoria de epiciclos de Apolônio. Mais tarde, o astrônomo
alexandrino Ptolomeu (100 d.C. a 170 d.C) – baseando-se nas observações de Hiparco,
bem como nas observações de Aristilo e Timocaris,
que foram dois astrônomos de Alexandria, e também nas evidências
de dados gregos e babilônicos – desenvolveu uma descrição matemática detalhada,
baseada também na teoria dos epiciclos, do movimento dos cinco planetas visíveis,
do sol e da Lua, que serviu de base para
toda a astronomia ocidental durante os quatorze séculos seguintes.
Na verdade, o que Ptolomeu conseguiu, de um ponto de vista atual,
foi dar aos planetas órbitas ligeiramente elípticas centradas na Terra,
junto com uma grande aproximação do movimento variável que eles
apresentavam. Somente com Nicolau Copérnico (1473-1543) é que o
movimento retrógrado foi explicado como decorrente do movimento
relativo entre a Terra e os outros planetas, cada qual se movendo em
órbitas heliocêntricas. Entretanto, foi com o trabalho do astrônomo
Johannes Kepler (1571-1630) que o movimento planetário foi descrito
de modo preciso, usando o modelo heliocêntrico de Copérnico, por
meio de leis derivadas das observações astronômicas.
As leis de Kepler do movimento planetário se constituem em um dos
marcos da física, tendo sido crucial para que Newton estabelecesse
sua lei de gravitação. Após quase vinte anos analisando os dados astronômicos -
principalmente referentes ao movimento de Marte cuja
órbita é altamente elíptica - coletados pelo astrônomo Tycho Brahe
(1546-1601), do qual fora assistente, Kepler verificou que existiam importantes
regularidades nos movimentos dos planetas. A partir daí
Kepler estabeleceu três leis empíricas, que descreviam o movimento
observado dos planetas (mas sem qualquer explicação teórica). As
duas primeiras leis foram publicadas em 1609, e a terceira em 1619. As
leis de Kepler são enunciadas como segue:

166
Leis de Kepler
Lei das Elipses: A órbita de cada planeta é uma elipse
com o sol localizado em um dos focos.
Lei das Áreas iguais: O raio vetor do sol ao planeta
varre áreas iguais em tempos iguais.
Lei dos Períodos: O quadrado do período de revolução
de qualquer planeta é diretamente proporcional ao cubo
do semi-eixo maior de sua órbita.

Dos resultados obtidos na seção anterior do movimento sob forças


centrais, podemos concluir que a primeira lei de Kepler é decorrente
de a força gravitacional depender do inverso do quadrado da distância.
A segunda lei decorre da conservação do momento angular, mostrando que a força
gravitacional é uma força central, isto é, a força sobre
o planeta é dirigida para o Sol. A terceira lei está relacionada a dois
fatos. Primeiro, devido à conservação do momento angular no movimento sob força
central, para órbitas fechadas existe uma proporcionalidade entre a área da órbita
e o período (equação 4.30). Segundo,
a força gravitacional depende da massa do planeta. Vejamos isto em
detalhes. A área de uma elipse é ab , onde a é o semi-eixo maior
e b é o semi-eixo menor. Da figura 4.8, vemos que
modo que a equação 4.30 torna-se:
(4.60)

T=

b = a 1 − 2 , de

2m 2
a 1 − 2 .
L

Usando as equações 4.58 e 4.59, obtém-se (lembre-se que E < 0 e


K < 0 ):
(4.61)

T 2 = 42

m 3
a .
K

Note que, aparentemente, o período depende da massa

m , o que iria

contrariar a terceira lei de Kepler. Entretanto, para a força gravitacional a


constante K é K = −GmM s , sendo m a massa do planeta e M s
a massa do Sol. Substituindo
(4.62)

K na equação 4.61, vem:

T2 =

42 3
a .
M sG
E, portanto, a constante de proporcionalidade entre

T 2 e a 3 é a mes-

ma para todos os planetas, o que concorda com a terceira lei de Kepler, deduzida a
partir dos dados astronômicos acerca do movimento

Força Central

167
dos planetas em nosso sistema solar. O resultado de 4.62 permite determinar a massa
do Sol, uma vez determinado o valor da constante de gravitação G . O valor de G
pode ser obtido em laboratório
medindo-se a de maneira extremamente precisa a força gravitacional
entre dois corpos de massa conhecidas. Experimentos para se determinar o valor da
constante de gravitação são difíceis de realizar, pois
as forças gravitacionais são extremamente pequenas, motivo pelo
qual G é uma das constantes físicas conhecidas com menor precisão.
Note que todo o nosso conhecimento atual sobre as massas de corpos
astronômicos (incluindo a Terra) é baseado no valor da constante de
gravitação. Por exemplo, assumindo que a órbita da Terra seja cir11
cular de raio a = 1,5 x10 m e usando o seu período orbital, a massa
do Sol é obtida a partir de

M s = 4  2 a 3 / GT 2 ≅ 2 x1030 kg . Da mesma

maneira, podemos determinar a massa da Terra a partir do movimen24


to orbital da Lua, o que fornece M T ≅ 5,97 x10 kg . Naturalmente a
massa da Terra pode ser obtida do valor medido de
de gravitação,

M T = gRT2 / G .

g e da constante

No que diz respeito ao nosso sistema solar, a tabela 4.1 apresenta o


período, o semi-eixo maior e a excentricidade da órbita dos planetas.
Período

Semi-eixo

Excentricidade

Planeta

T2

a3

Mercúrio

0, 241

0, 0581

0, 387

0, 0580

0, 206

Vênus
0, 615

0,378

0, 723

0,378

0, 007

Terra

1, 000

1, 000

1, 000

1, 000

0, 017

Marte

1,881

3,538

1, 524

3,540

0, 093

Júpiter

11,86

140, 7

5, 203

140,8

0, 048

Saturno

29, 46

867,9

9,539

868, 0

0, 056

Urano
84, 01

7.058

19,18

7.056

0, 047

Netuno

164,8

27.160

30, 06

27.160

0, 009

Plutão

247, 7

61.360

39, 44

61.350

0, 249

Tabela 4.1 Períodos, semi-eixos e excentricidades dos planetas do sistema solar.

A tabela 4.1 apresenta os períodos expressos em anos terrestres e

168
os semi-eixos em unidades astronômicas
Neste sistema de unidades, temos que

(1UA = 1,50 x108 km) .

42
= 1 , e assim T 2 = a 3 ,
GM s

como você pode verificar na tabela 4.1. Note que os planetas com
órbitas mais elípticas são Mercúrio, Marte e Plutão, sendo que os demais,
principalmente Vênus e Netuno têm órbitas aproximadamente circulares. Os cometas,
em geral, têm órbitas bastante elípticas.
Por exemplo, a velocidade orbital do cometa Halley no periélio é de

v1 = 196.441km/h e no afélio é apenas v2 = 3.281km/h . Chamando


v1 / v2 = n e usando a conservação do momento angular, você deve

ser capaz de mostrar que a excentricidade da órbita pode ser obtida a


partir de  = ( n − 1) / (n + 1) , o que, no caso do cometa Halley, fornece
uma órbita bastante excêntrica,

 ≅ 0,967 .

Plutão
A partir do fim do século XIX, muitos astrônomos propuseram a existência de
planetas no sistema solar em órbitas
mais distantes que a de Netuno. A tarefa monumental de
analisar visualmente centenas de placas fotográficas coube ao jovem astrônomo Clyde
Tombaugh (1906-1997).
Ao estudar duas exposições fotográficas feitas em janeiro
de 1930, Tombaugh descobriu o nono planeta, que receberia o nome de Plutão. Sabe-se
agora que o diâmetro
de Plutão é de 2320 km (menor que a Lua) e sua massa
é apenas 0,2% da massa da Terra. Devido a estas características, a 26a Assembléia
Geral da União Astronômica
Internacional (IAU), realizada em agosto de 2006, classificou este astro não como
um planeta, mas como sendo
um dos membros mais internos do cinturão de Kuiper
(em homenagem a Gerard Kuiper (1905-1973), que propôs
a existência, em 1950, de corpos (cinturão de asteróides)
em órbitas em torno do sol mais distantes que Netuno).

A tabela 4.2 mostra a velocidade orbital dos planetas (considerando


órbitas circulares), a duração do dia (em termos do dia terrestre), a
velocidade rotacional (no equador) e o valor local da aceleração da
gravidade (em termos do valor de g , na Terra).

Força Central

169
Planeta

Velocidade orbital

Velocidade rotacional

Valor de g

(km/h)

Dia

Mercúrio

172.305, 0

58, 6

10, 9

0, 27

Vênus

126.051, 0

24,3

6, 6

0,86

Terra

107.206, 0

1.673, 0

Marte

86.852, 0

1d 37 min 23s

867, 0

0,37

Júpiter

47.041, 0

9h55m

45.633, 0
2, 64

Saturno

34.777, 0

10h38m

36.997, 0

1,17

Urano

24.602, 0

10h 42m

9.313, 0

0,92

Netuno

19.715, 0

15h 48m

9.656, 0

1, 44

Plutão

17.088, 0

12,4

49, 0

(km/h)

Tabela 4.2 - Velocidades orbitais e rotacionais dos planetas do sistema solar.

Da discussão anterior, você já deve ter concluído que as leis de Kepler


são obtidas a partir das leis de movimento de Newton e da lei de gravitação. Mas,
historicamente, sucedeu-se o inverso. Newton, usando
suas leis do movimento, deduziu, a partir das leis de Kepler, a lei de
gravitação. Newton publicou sua lei de gravitação universal em sua
obra Principia Mathematica, sendo seu enunciado:
Lei da Gravitação Universal
Todo corpo no universo atrai outro com uma força cuja
intensidade é proporcional ao produto de suas massas
e inversamente proporcional ao quadrado da distância
entre eles. Esta força tem a direção da reta suporte que
conecta estes dois corpos.

Enunciado que podemos expressar vetorialmente pela equação



mi m j
Fij = G 2 rˆij
rij


Fij a força que o corpo de massa mi exerce sobre o corpo de
m j . Aqui, rˆij é um vetor unitário segundo um segmento de reta
que une o corpo j ao corpo i . Como rˆji = − rˆij , a força gravitacional


entre dois corpos satisfaz a terceira lei do movimento Fij = − F ji . É
Sendo
massa

importante observar que os corpos são tratados como partículas.

170
Se desejarmos determinar a força entre dois corpos extensos, deve-se
supor cada corpo como constituído de partículas e calcular a força entre elas. Com
este objetivo, Newton desenvolveu o Cálculo Integral.
Vejamos como Newton chegou à lei de gravitação. Durante os anos de
1665-1666, Newton afastou-se da Universidade de Cambridge devido à
peste bubônica que assolava Londres. Nesta época, em sua casa em
Woolsthorpe, Newton envolveu-se com estudos que o ocupariam pelo
resto de sua vida: Matemática, Mecânica, Óptica e Gravitação. A interpretação do
peso de um corpo como uma força de atração entre ele e a
Terra foi uma idéia que ocorreu a Newton e a alguns de seus contemporâneos, como
Robert Hooke (1635-1703) e Edmond Halley (1656-1742).
A tradicional imagem de Newton sentado sob uma macieira com uma
maçã caindo-lhe na cabeça serve, na realidade, para ilustrar como
Newton refletiu acerca da natureza da gravidade, perguntando a si
mesmo se a força que causa a queda de um corpo (a maçã) não seria
a mesma que mantém a Lua em sua órbita em torno da Terra. Newton
foi o primeiro a perceber que a Lua devia ter uma aceleração em seu
movimento orbital, uma aceleração dirigida para a Terra, aceleração
esta devido a uma força centrípeta.
Ele percebeu que esta força era a mesma com que a Terra atrai os corpos em direção
a sua superfície, pois o comportamento cinemático da
Lua é diferente de um corpo que cai em direção à Terra. A Lua caindo
não atinge a superfície da Terra, pois ela tem velocidade tangencial
suficiente para que, à medida que cai de uma distância h , se afaste
da superfície curva da Terra da mesma quantidade, mantendo assim a
mesma distância da superfície da Terra, como mostra na figura 4.12.

Lua x
h
R-h

h
R

Terra RT

Figura 4.12 - Duas posições da trajetória circular de um satélite.


Força Central

171
Ninguém havia suspeitado, até aquela época, que a aceleração centrípeta da Lua e a
aceleração gravitacional de uma maçã caindo na superfície da Terra tinham a mesma
origem. Newton demonstrou que se
uma maçã caindo tivesse uma componente horizontal da velocidade
suficientemente grande, seu movimento seria o mesmo que o da Lua.
Isto é, a maçã entraria em órbita próxima à superfície da Terra.
Obviamente este é um experimento hipotético, onde não haveria a
resistência do ar e nem obstáculos. Saiba que a velocidade necessária é
extremamente alta. Para uma órbita circular de raio R , onde R

é o raio da Terra, vem v = 2 R / T . Usando a terceira lei de Kepler,


T 2 = (4  2 / MG ) R 3 , obtemos v = GM / R ≅ 28.500 km/h ≅ 8 km/s e
a maçã daria a volta na Terra em pouco menos de uma hora e meia.
Note que usar a terceira lei de Kepler fornece a velocidade de um
planeta ou satélite em órbita circular de modo bem simples. Newton
raciocinou então que a aceleração centrípeta da maçã em órbita seria
igual a sua aceleração gravitacional em queda livre. A questão crítica
seria determinar como a força gravitacional exercida pela Terra sobre
a Lua e sobre a maçã dependeria da distância.
Newton sabia que a intensidade desta força era proporcional à aceleração dos
objetos em queda. A aceleração centrípeta ac da Lua em dire-

ac = v 2 / r , onde v é sua velocidade e r o raio de sua ór2


bita assumida como circular. Com a terceira lei de Kepler, v = GM / r ,
2
de modo que ac = GM / r . Logo, a aceleração da Lua (ou da maçã)
ção à Terra é

varia com o inverso do quadrado da distância. Assim, Newton estabeleceu como


hipótese que o valor da aceleração da gravidade variasse
2
dessa maneira, isto é, o valor local de g sendo g = GM / r .
Para confirmar esta hipótese, Newton calculou a aceleração centrípeta
da Lua e a comparou com a aceleração g de uma maçã caindo, para
verificar se a razão entre elas era igual ao inverso do quadrado de suas
respectivas distâncias ao centro da Terra. A distância entre a Lua e a
Terra é 60 vezes o raio da Terra. Assim, a força sobre a Lua deveria ser
3600 vezes menor do que sobre a maçã. Ou seja, a taxa com que uma
maçã cai é 3600 vezes maior do que a taxa com que a Lua cai. Em outras palavras, a
distância que uma maçã cai em um segundo deve ser
igual à distância que a Lua cai em 1 minuto, com a distância sendo proporcional ao
quadrado do tempo. Quando Newton realizou este cálculo
pela primeira vez, ele cometeu um engano, pois assumiu que o ângulo de 1 grau
subtendesse um arco de 60 milhas na superfície terrestre

(1milha = 1, 609 km) . Esta distância, na realidade, é igual a 60 milhas


náuticas (60 x1,852 km) . Assim, ele calculou que a Lua cairia em um
minuto, uma distância de 13 pés (1pé = 0,3048 m) . Os experimentos de
172
Galileu, que foram repetidos posteriormente com maior precisão, forneciam uma
distância de 15 pés em um segundo para um corpo em queda
próximo à superfície da Terra. Esta pequena diferença fez Newton abandonar esta
brilhante idéia. Mais tarde, usando o valor correto do arco na
superfície da Terra subtendido pelo ângulo de um grau, ele chegou ao
valor correto, estabelecendo a lei universal da gravitação.
Newton concluiu que a força gravitacional atuando em um corpo deveria ser
proporcional a sua massa (em oposição, por exemplo, ao
quadrado da massa ou alguma outra dependência). Esta conclusão
é derivável da segunda lei do movimento e do resultado obtido por
Galileu, de que a taxa de queda de todos os corpos é a mesma, independente do peso
ou da forma do corpo.
Assim, se a força gravitacional

FG sobre um corpo de massa inercial

m for proporcional a sua massa, então de acordo com a segunda lei


2
2
do movimento FG = Km / r = ma = mg , logo, g = K / r . Portanto,
sendo a força gravitacional proporcional à massa inercial do corpo, a
aceleração dos corpos em queda só depende da constante K e da distância ao centro
da Terra. Isto significa uma equivalência entre massa inercial e gravitacional,
isto é, não fazemos distinção entre massa
gravitacional mg e massa inercial mi , mg = mi = m . Para Newton, esta
equivalência permaneceu como um mistério durante toda sua vida.
Newton percebeu que se a força gravitacional sobre um corpo era
proporcional à massa do corpo, então ela deveria ser proporcional também à massa do
corpo que exerce esta força. Tal exigência
nos leva, de forma inevitável, à conclusão de que a lei da gravitação seja
universal, isto é, cada objeto no universo deve atrair cada
um dos outros corpos do universo. Se o corpo 1 atrai o corpo 2 com
2
um a força F12 = K1m2 / r e o corpo 2 atrai o corpo 1 com uma for-

F21 = K 2 m1 / r 2 e, pela terceira lei do movimento, elas devem ser


iguais ( e opostas), vem K1 / K 2 = m1 / m2 . Esta igualdade fica satisfeita se K1
= Gm1 e K 2 = Gm2 . Mostra-se, assim que a força gravitaça

cional é proporcional ao produto da massa do corpo que atrai pela


massa do corpo que é atraído. Deste modo, Newton estabeleceu a lei
de gravitação universal, que foi aplicada de maneira triunfal na descrição do
movimento planetário.
Talvez você tenha percebido que a partir da lei de gravitação, devese esperar que
os planetas apresentem pequenos desvios das leis de
Kepler. Primeiro, porque o problema de força central, resolvido acima
nesta seção, admite que o Sol (como o centro de força) permanece

Força Central

173
fixo no espaço, o que não é verdade, devido à atração gravitacional
que os planetas exercem sobre ele. Como a massa do Sol é muito
maior do que a massa de qualquer dos planetas, este efeito é pequeno
e pode ser corrigido, como veremos no capítulo 5, quando analisarmos o problema de
dois corpos.
Segundo, porque cada planeta é atraído pela força gravitacional dos
outros planetas, assim como pelo Sol. As forças gravitacionais entre
os planetas, apesar de serem pequenas, produzem desvios pequenos,
porém mensuráveis, das leis de Kepler. Os desvios esperados podem
ser calculados por métodos apropriados, e eles concordam com observações
astronômicas muito precisas. Por exemplo, um dos primeiros triunfos, senão o
primeiro da mecânica de Newton, deve-se a seu
colega Edmond Halley.
Halley percebeu que o aparecimento dos cometas em 1531 e 1607 parecia ter alguma
ligação com o cometa de 1682. Halley presumiu que
era o mesmo cometa e calculou seu regresso para 1758, usando a lei
de gravitação de Newton para calcular o retardo devido à atração
gravitacional de Júpiter. E, de fato, ele reapareceu na data prevista,
embora com o atraso de alguns dias, pois o efeito de Júpiter foi um
pouco maior que o calculado por Halley.
Também o planeta Netuno foi descoberto, antes de ser observado, a
partir dos efeitos causados na órbita de outros planetas. Observações
do planeta Urano, realizadas durante quase sessenta anos após sua
descoberta, em 1781, mostraram desvios inexplicáveis em sua órbita
prevista, mesmo depois de se incluírem as correções devidas aos efeitos
gravitacionais causados por outros planetas conhecidos.
Por meio de análise matemática cuidadosa e elaborada dos dados disponíveis, John
Couch Adams (1819-1892) e Urbain Jean Leverrier (1811-1877)
foram capazes de demonstrar, por volta de 1846, que os desvios poderiam ser
explicados caso se admitisse a existência de um planeta desconhecido, mais afastado
do que Urano. Eles calcularam a órbita do planeta desconhecido e naquele mesmo ano
Leverrier solicitou ao astrônomo
Johann Galle (1812-1910), do observatório de Berlim, que examinasse o
céu na área provável da localização do planeta desconhecido. Esta observação
mostrou que lá estava Netuno, na órbita prevista.
A contínua observação do movimento dos planetas do nosso sistema
solar trouxe novos fatos. A observação do planeta Mercúrio, desde 1631,
mostrou a precessão do eixo maior de sua órbita, com velocidade angular de 41
segundos de arco por século, além de perturbações atribuídas

174
aos efeitos gravitacionais dos outros planetas. Pensou-se, anteriormente,
que este resultado poderia ser obtido considerando-se os efeitos gravitacionais
causados por poeiras no sistema solar, mas pode-se demonstrar
que a quantidade de poeira é muito pequena para produzir tal efeito.
Atualmente, acredita-se que o efeito se deve a pequenas correções introduzidas na
teoria da gravitação, requeridas pela teoria da Relatividade
Geral. Mas, o mais importante é que, excluindo-se situações especiais
de campos gravitacionais muito intensos ou distâncias extremas que
requerem o uso da relatividade geral, a observação de corpos celestes
a distâncias incrivelmente grandes tem mostrado que seus comportamentos são
consistentes com as leis da mecânica newtoniana. Portanto,
a dinâmica de corpos celestes é completamente descrita pela mecânica
newtoniana, revelando a universalidade da lei de gravitação.
A firme convicção na validade universal da lei de gravitação de Newton
pode ser ilustrada pela procura da matéria escura no Universo. Uma
das razões para se pensar que uma enorme quantidade de matéria
não visível preenche o universo, numa quantidade talvez dez vezes a
matéria visível, está na dinâmica das galáxias espirais (aglomerados
girantes de mais de cem bilhões de estrelas na forma de um disco). As
observações indicam que as velocidades de rotação das estrelas mais
afastadas do centro são muito maiores que as previstas pela mecânica de Newton,
admitindo-se apenas a existência da matéria visível.
Por exemplo, o Sol está a uma distância de 28.000 anos-luz (distância
que a luz percorre em um ano) do centro de nossa galáxia e sua velocidade orbital
em torno do centro é 217km/s ≅ 782.000 km/h , que
é um valor muito superior ao calculado usando-se o resultado obtido,
como já vimos, pela terceira lei de Kepler, v = GM gal / r , onde M gal
é a massa da galáxia e

r o raio da órbita circular do Sol (a distância

do Sol ao centro da galáxia). Este resultado para a velocidade é obtido


admitindo-se que quase toda a massa da galáxia esteja concentrada
num raio pouco maior que três mil anos-luz.
Na verdade, na maioria das galáxias espirais, a maior parte da matéria
luminosa concentra-se em um núcleo central cujo raio é da ordem de
vários mil anos-luz. O resto da matéria luminosa situa-se nos braços
da espiral. Assim, se admitimos a validade universal da lei de gravitação, somos
levados a supor a existência de uma enorme quantidade
de matéria escura permeando toda a galáxia e além, o que explicaria a
velocidade de rotação das estrelas em galáxias espirais como a nossa.

Força Central

175
4.5 Força do Inverso do Quadrado Repulsiva – O
Problema de Rutherford
Após a descoberta do elétron por J. J. Thomson (1856-1940) em 1897,
surgiu um modelo para a constituição atômica da matéria, com os
átomos sendo entendidos como uma bolha de carga positiva onde se
encontravam embebidos os elétrons. Este modelo foi sugerido inicialmente por Lorde
kelvin (1824-1907), sendo posteriormente refinado
por Thomson, motivo pelo qual este modelo atômico é conhecido por
modelo atômico de Thomson.
Em 1907, Ernest Rutherford (1871-1937) e o físico experimental Hans Geiger (1882-
1945) iniciaram uma série de medidas para testar a validade
do modelo de Thomson. A idéia era dirigir um feixe de partículas recentemente
descobertas e emitidas por núcleos radiativos, as partículas
alfa, em direção a uma fina folha de metal. Uma análise detalhada do
espalhamento destas partículas deveria fornecer informações acerca da
estrutura atômica. Com a colaboração do aluno Ernest Marsden, os experimentos foram
realizados por Geiger durante alguns anos.
Os resultados mostraram que havia ângulos de espalhamento muito
grandes que o modelo de Thomson não podia explicar. De fato, algumas partículas
alfa eram espalhadas de volta, ou seja, um ângulo de
espalhamento de 1800. Como um modelo que explicasse os resultados
para o espalhamento das partículas alfa, Rutherford propôs que os
átomos se constituíssem de pequenos núcleos massivos com elétrons
girando em órbitas elípticas, em completa analogia com os planetas
girando em torno do Sol.
Este modelo, apesar de explicar o espalhamento das partículas alfa,
tinha um grave defeito. O eletromagnetismo, desenvolvido por James
Clerk Maxwell (1831-1879), prevê que cargas aceleradas irradiam energia
eletromagnética, de modo que os elétrons em órbitas em torno de
núcleos atômicos iriam perdendo energia continuamente e suas órbitas
seriam espiraladas em direção ao núcleo, levando ao colapso atômico.
Isto é, os átomos não seriam estáveis. A solução para o problema da
estabilidade atômica foi proposta por Niels Bohr, que postulou que os
elétrons, em suas órbitas, não irradiavam energia e que a passagem
de uma órbita para outra se daria mediante a absorção ou emissão de
uma determinada quantidade de energia eletromagnética.
Surgia, assim, a percepção que a mecânica de Newton não era aplicável no nível
atômico e molecular e uma nova mecânica era necessária, que posteriormente se
denominaria de mecânica quântica.

176
Nosso interesse aqui é verificar como Rutherford analisou o espalhamento das
partículas alfa por núcleos atômicos. Como o núcleo atômico tem massa muito maior
do que a massa da partícula alfa, ele
se mantém praticamente fixo durante o espalhamento, de modo que
podemos utilizar os resultados da seção 4.4, onde, para energias positivas,
obtivemos trajetórias hiperbólicas para forças que dependem
do inverso do quadrado da distância (forças atrativas ou repulsivas).
Assim, a partícula alfa segue uma trajetória hiperbólica ao passar
próximo a um núcleo atômico. Como temos o espalhamento de partículas atômicas, a
região em que a trajetória se afasta de uma assíntota
para outra é muito pequena, isto é, alguns poucos Angströns

(1A = 10−10 m) . Logo, o que se mede é o ângulo de deflexão entre as

trajetórias da partícula incidente antes e depois da colisão.


A figura 4.13 mostra o caso em que o núcleo atômico está situado no
foco ( F ) , sendo considerado como um centro de força repulsivo.

b

α
a

mv0
Figura 4.13 - Órbita hiperbólica.

Pela figura 4.13, é fácil de ver que o ângulo de deflexão é Θ =  − 2  ,


e pela equação 4.47, temos:
(4.63)

tg

Θ
= cot g =
2

1
2 − 1

Fazendo uso da equação 4.59, obtemos:

(4.64)

Θ
mK 2
tg =
,
2
2 EL2
de onde vemos a dependência com a energia e o momento angular da
partícula alfa. A partícula alfa tem uma velocidade v0 quando muito
Força Central

177
afastada do núcleo e se desloca numa direção tal que, se não for desviada, passará
a uma distância b do centro de força ( F ) , como se mostra

na figura 4.13. A distância b é denominada de parâmetro de impacto


para a colisão (note que o espalhamento da partícula alfa é um processo de colisão,
sobre o qual retornaremos a falar no capítulo 5). Logo, a
1 2
energia da partícula é E = mv0 e seu momento angular é L = mv0b .

q1 e o núcleo carga q2 ,
temos K = q1q2 / 4 0 , de modo que substituindo os valores de E , L
e K na equação 4.64, obtém-se:

Considerando que a partícula alfa tenha carga

(4.65)

tg

qq
Θ
1
=( 1 2 ) 2 .
2
4 0b mv0

Note que se o parâmetro de impacto for nulo, temos uma colisão frontal e a equação
4.65 mostra que o ângulo de deflexão será de 180
graus (Θ = ) . Em experiências de espalhamento típicas, um feixe de
partículas carregadas pode ser lançado numa direção definida através
de uma folha muito fina de metal. Muitas das partículas emergem da
folha em direções diferentes da incidente, depois de serem defletidas
de um ângulo Θ pela colisão com os núcleos atômicos. Para se colocar a equação 4.65
numa forma que possa ser comparada com a
experiência, é preciso eliminar o parâmetro de impacto b , que não
pode ser determinado experimentalmente.
Na experiência, pode-se observar a fração de partículas incidentes
que são espalhadas em vários ângulos Θ . O resultado é expresso
em termos da seção de choque, que é definida como segue. Se N
partículas incidentes colidirem com uma folha fina de metal contendo

n centros de espalhamento por unidade de área, o número médio de


partículas dN espalhadas entre os ângulos Θ e Θ + d Θ é dado em
termos da seção de choque d  definida por:
(4.66)

dN
= nd  .
N

Desta maneira, d  é a seção de choque para o espalhamento entre os


ângulos Θ e Θ + d Θ , podendo ser considerada como a área efetiva
que envolve o centro de espalhamento, que a partícula incidente deve
atingir para ser espalhada entre os ângulos Θ e Θ + d Θ , conforme
se mostra na figura 4.14.

178
Θ

F
b
db

Figura 4.14 - Seção de choque de espalhamento.

Considere agora uma partícula incidente aproximando-se de um centro espalhador F ,


como na figura 4.14. Se o parâmetro de impacto

estiver entre b e db , a partícula será espalhada num ângulo entre


Θ e Θ + d Θ . Assim, tomando-se derivada de Θ em relação à b na
equação 4.65, vem:
(4.67)

qq

= − 1 2 2 2 db .
2
2 cos (Θ / 2)
mb v0

A área do anel em torno do centro espalhador (figura 4.14) é d  = 2 bdb .


Usamos agora b dado pela equação 4.65 e db dado na equação 4.67
para chegar a:
2

(4.68)

 q1q2  2 senΘ
d = 
dΘ .
2 
4
 8 0 mv0  sen (Θ / 2)

A equação 4.68 foi deduzida por Rutherford e é conhecida como a


fórmula de espalhamento de Rutherford. Este resultado pode ser comparado com o
resultado para a seção de choque experimental e foi
assim que Rutherford explicou o espalhamento de partículas alfa por
folhas finas de metal. Ele mostrou que a equação 4.68 concorda com
a experiência, quando q1 = 2e , que é a carga da partícula alfa ( e é o
valor da carga eletrônica) e

q2 = Ze (carga do núcleo atômico).

Para que possamos ter uma idéia das dimensões nucleares, devemos
usar algum resultado experimental. Considere partículas alfa emitidas

Força Central

179
−19

por núcleos de rádio com energias de E = 5MeV (1eV = 1, 602 x10 J)


e incidindo numa folha fina de ouro. Se a medida mostra que algumas
partículas são defletidas de
, podemos obter o parâmetro de impacto e a distância de maior aproximação ao
núcleo. Como para o
ouro Z = 79 , usamos a equação 4.65, pois conhecemos a energia e
o ângulo Θ . Substituindo os valores na equação 4.65, encontramos

b = 2,1x10−12 cm . O ponto de maior aproximação da partícula alfa ao

núcleo de Au corresponde ao raio mínimo da hipérbole e, portanto,


usamos as equações 4.46, 4.58 e 4.59 para obter:

r1 = a (  + 1) =

(4.69)

r1 =

K
2 EL2
(1 + 1 +
),
2E
mK 2

32  2 02 EL2
q1q2 
1 + 1 +
8 0 E 
mq12 q22


.

Note que determinamos em 4.69 o valor do parâmetro de impacto, de modo que agora já
conhecemos o valor do momento angular

L = mv0b , sendo a velocidade obtida a partir de E = mv02 / 2 = 5MeV .


-12
Substituindo os valores na equação 4.69, obtemos 5,1x10 cm . A

maior aproximação ao núcleo acontece quando ocorre uma colisão


frontal, isto é, b = 0 ( L = 0 ) e neste caso
dem de

r1 =

q1q2
, que é da or4 0 E

10−12 cm . Estes resultados mostravam que a carga positiva

do átomo deveria estar concentrada numa região de raio menor que


10−12 cm e surgia, assim, a teoria nuclear do átomo.

O cálculo realizado anteriormente para se obter a seção de choque


(equação 4.68) só é estritamente válido quando a partícula alfa é espalhada por um
núcleo de massa muito maior, pois foi admitido que
o núcleo permanecesse fixo durante o processo de espalhamento, se
comportando como um centro de força. Se esta condição não é satisfeita, deve-se
tratar o problema como um processo geral de colisão,
como veremos no capítulo 5.
As partículas alfa também colidem com os elétrons nos átomos, mas
estes têm massa muito menor, de maneira que praticamente não afetam a trajetória
das partículas alfa. É importante que você saiba que,
na realidade, colisões de partículas alfa com núcleos devem ser tratadas com
métodos inerentes à Mecânica Quântica. O conceito de
uma trajetória com um parâmetro de impacto definido não é válido na
mecânica quântica, mas o conceito de seção de choque permanece
válido, como é de se esperar, pois a seção de choque é definida em
termos de grandezas determinadas experimentalmente.

180
O resultado quanto-mecânico para a seção de choque é o mesmo
dado pela equação 4.68, mostrando que a mecânica clássica fornece
o resultado correto para este problema.

Resumo
Forças centrais são forças dirigidas sempre para um centro fixado O ,
cujo módulo só é função da distância entre a partícula e a origem O .
A força central F em coordenadas esféricas se expressa como:

 
ˆ (r ) .
F (r ) = rF

Forças centrais constituem um exemplo importante de forças conservativas e podemos


expressá-las como o gradiente de uma função
energia

 potencial V , que depende apenas da coordenada radial r ,

F = −∇V , e a energia potencial obtém-se de:


r

V (r ) = − ∫ F (r )dr .
rr

No movimento sob força central, o torque em relação à origem é nulo,


e pelo teorema do momento angular, temos:


dL
=0.
dt

Logo, o momento angular é uma constante do movimento, assim


como a energia mecânica da partícula. Desde que o vetor momento
angular é
num plano perpendi constante, o movimento deve ocorrer

cular a L , isto é, o plano definido por r e p . Em coordenadas polares, podemos
escrever:

L = mr 2  = CONSTANTE,
para o movimento sob força central. A energia mecânica é uma constante do
movimento, que em coordenadas polares fica expressa como:

E=

1
1
m r 2 + mr 2  2 + V (r ) = CONSTANTE.
2
2

Estas duas constantes permitem, em princípio, determinar a solução


completa do problema. Introduzindo a energia potencial efetiva,

Vef (r ) = V (r ) +
As soluções

Força Central

L2
.
2mr 2

r (t ) e (t ) são obtidas usando a conservação da energia e


181
do momento angular. A trajetória, em alguns casos, pode ser obtida por:

Em outros casos, pode-se obter a trajetória num movimento sob força


central diretamente da equação de movimento,

d 2u
m
= −u − 2 2 F (1/ u ) .
2
d
Lu
Equação diferencial que fornece a trajetória (ou a órbita) em termos
de

u () =

1
.
r ()

No movimento sob ação de uma força central, se a trajetória é uma


curva fechada simples, a área subtendida pela curva se relaciona ao
período de forma simples, devido à conservação do momento angular,

A=

L
T.
2m

As forças gravitacionais e eletrostáticas são exemplos importantes de


forças centrais que dependem do inverso do quadrado da distância ao
centro de força:

F=

A energia potencial é:

K
rˆ .
r2

V (r ) =

K
.
r

Forças repulsivas entre cargas, originando trajetórias hiperbólicas, foram


observadas por Rutherford e Geiger em experimentos com feixe
de partículas alfa incidindo em uma folha fina de metal. A seção de
choque deduzida por Rutherford é
2

 q1q2  2 senΘ
d = 
dΘ .
2 
4
 8 0 mv0  sen (Θ / 2)
Expressão que concorda com os resultados experimentais.

Exercícios
1) Mostre que o raio da órbita circular de um satélite cujo período de
revolução é 24 horas é

182

r=

g
RT ≅ 6, 7 RT , onde  é a freqüência
 RT
2
angular de rotação da Terra.

2) Uma partícula de massa unitária (m = 1) é lançada com uma velo-

v0 , formando um ângulo reto com o raio vetor e a uma distância r = 3a / 2 de um


centro de força central dado por:
cidade

 4 6a 2 
F (r ) = −k  3 + 5  .
r 
 3r
a são constantes. Considerando que a velocidade da partí8
k / 6 , pede-se para calcular:
cula é v0 =
3a
Onde k e

a) O momento angular.
b) A energia total.
c) A energia potencial efetiva. Faça um gráfico da energia potencial efetiva.
d) A trajetória em coordenadas polares.
e) O tempo que a partícula leva para atingir a origem.
a) A distância percorrida até atingir a origem.

Respostas: a) L = 4 k / 6 ; b) E = Ec + V = 0 ;

2 3a 2
2
c) Vef (r ) = k ( 2 − 4 ) ; máximo em r = 3
a;
3r
2r
2
d) r =

3

9 a 2
a cos
; e) t =
2
32
2

3
; f) s = 3a / 2 .
k

3) Para um planeta movendo-se em uma órbita elíptica, mostre que


o produto da velocidade no afélio pela velocidade no periélio é igual a

(2 a / T ) 2 , onde a é o semi-eixo maior e T o período orbital.

4) Uma partícula de massa m move-se sob a ação de uma força central


cuja energia potencial é

V (r ) = Kr 4 , onde K > 0 é uma constante.


a) Para que energia e momento angular a órbita será um círculo de
raio a em torno da origem?
b) Qual é o período deste movimento?
c) Deslocando-se ligeiramente a partícula deste movimento cir-

Força Central

183
cular, qual será o período das pequenas oscilações radiais em
torno de r = a ?

Respostas: a) E = 3Ka 4 ; L = 2a 3 mK ; b) T =
c) Tr =

1 
6 a

5) Uma partícula de massa

m
1
T.
=
K
6


a

m
;
K

m e momento angular L se desloca ao

longo das trajetórias:


a)
onde k , K e

r = k 2 (espiral),

b)

r = Ke  ,

 são constantes. Ache a força central F (r ) em cada caso.

Respostas: a) F (r ) = −

L2  6k 1 
(1 + 2 ) L2 / m
+
;
b)
.
F
(
r
)
=



m  r4 r3 
r3

6) Uma partícula movendo-se sob influência de uma força gravitacional descreve uma
órbita circular de raio

r0 . Mostre que se a partí-

cula for subitamente parada, ela irá atingir o centro de força depois de
um tempo

t=

4 2

, onde

T é o período da órbita circular.

7) Considere que uma partícula esteja sob a ação de uma força cenF (r ) = −k / r
n . Se a órbita da partícula é circular e passa
pelo centro de força, mostre que n = 5 .

tral dada por

8)

Se n é a razão entre a máxima e mínima velocidade angular de


uma partícula em sua órbita elíptica, sob ação de uma força central

F (r ) = −k / r 2 , mostre que a excentricidade da órbita é:


=

184

n −1
.
n +1
5

Dinâmica de um
Sistema de Partículas
5

Dinâmica de um Sistema de
Partículas

Este capítulo tem como objetivo estudar o movimento de


um sistema de partículas sob a ação de forças internas e
forças externas. Aplica-se a mecânica de Newton em processos de colisão e sistemas
de massa variável. Para isso,
no final deste estudo, o aluno deverá ser capaz de:
• Definir centro de massa de um sistema de partículas;
• Explicitar os vetores posição, velocidade e aceleração
do centro de massa de um sistema de partículas;
• Enunciar o teorema do momento linear para um sistema de partículas;
• Enunciar os teoremas do momento angular e da
energia para um sistema de partículas;
• Aplicar o teorema do momento linear, o teorema da
energia e o teorema do momento angular no movimento de um sistema de partículas;
• Enunciar os princípios da conservação do momento
linear, do momento angular e da energia para um
sistema isolado de partículas;
• Resolver a equação de movimento para sistemas de
massa variável;
• Utilizar os princípios da conservação do momento linear e da energia para
resolver problemas de colisão
entre dois corpos;
• Reduzir o problema de dois corpos a dois problemas
de um corpo.

5.1 Conservação do Momento Linear


Até este momento, você estudou a dinâmica de uma partícula e isto
permitiu lhe mostrar uma vasta gama de situações físicas onde um
exemplo contundente é a Terra em sua trajetória elíptica em torno do
Sol, que pode ser tratada como uma partícula sob ação de uma força
central. Mas, você sabe que na verdade o Sol exerce força gravitacional
Dinâmica de um Sistema de Partículas

187
sobre a Terra e a Terra sobre o Sol. Isto é, temos um problema de dois
corpos que foi reduzido ao problema de um único corpo sob ação de
uma força central. Então, como se resolve o problema de dois corpos?
Este problema será resolvido neste capítulo, quando tratarmos do problema
específico de dois corpos. Outro fato importante é que com a
dinâmica de uma partícula, não podemos resolver situações físicas em
que a massa do sistema é variável, onde o exemplo clássico é o foguete.
Logo, fica claro que é necessário estender o estudo da mecânica para
um sistema de partículas submetidas a forças internas, que as próprias
partículas exercem umas sobre as outras, e a forças externas que as
partículas podem estar submetidas. As forças externas são causadas
por agentes externos ao sistema de partículas considerado.
Para iniciar o nosso estudo, considere um sistema de N partículas de
massas m1 , m2 ,..., mN , cujas posições são especificadas pelos vetores

 

r1 , r2 ,..., rN . O centro de massa deste sistema de partículas é definido por:



m1r1 + m2 r2 + ... + ... + mN rN

rcm =
=
m1 + m2 + ... + mN

(5.1)

Onde

∑m r
i =1

i i

M = ∑ mi é a massa total do sistema. Até aqui, não deve ser

nenhuma novidade para você. O vetor posição que especifica o centro


de massa é obtido pela média ponderada do vetor posição de cada
uma das partículas. A média é ponderada pelas massas, de modo que
o vetor posição centro de massa depende de como as massas estão
distribuídas em relação à origem do referencial adotado. Por exemplo,
se temos uma partícula de massa igual a 1kg a 1, 0 m da origem e
outra de
mente a

10 kg a 10, 0 m da origem, o centro de massa estará pratica9, 2 m da origem.


Naturalmente, a definição dada na equação

5.1 é equivalente às três equações:


N

(5.2)

xcm =

∑ mi xi
i =1

ycm =

∑ mi yi
i =1

zcm =

∑m z
i =1

i i

As equações 5.2 definem as coordenadas do centro de massa de um


sistema de partículas em relação a uma origem escolhida. O momento linear total de
um sistema de partículas é definido como a soma dos
momentos lineares individuais de cada partícula,

(5.3)

N
 N 

P = ∑ pi = ∑ mvi .
i =1

188

i =1
A partir da equação 5.1, obtemos a velocidade do centro de massa,
N



r cm = vcm =

(5.4)

•

∑m r ∑m v
i =1

i i

i i

i =1

Comparando com a equação 5.3, obtemos:



P = Mvcm ,

(5.5)

e o momento linear de um sistema de partículas é igual à velocidade


do centro de massa multiplicado pela massa total do sistema. O que
é equivalente a dizer que: o momento total do sistema é igual ao de

uma partícula de massa M localizada no centro de massa, rcm , tendo velocidade


vcm . Iremos agora analisar a dinâmica deste sistema de

partículas e você verá que as definições apresentadas anteriormente


serão bastante úteis.
Vamos supor agora a existência de forças externas

 


F1e , F2e ,..., Fi e ,..., FNe
atuando sobre as respectivas partículas do sistema e também a existência de forças
internas que as partículas exercem umas sobre as outras e que designamos por Fij ,
significando a força que a j-ésima partícula exerce sobre a i-ésima partícula. É
importante que fique claro
para você que nestemodelo não existe força de uma partícula sobre
ela mesma, isto é, Fii = 0 . A equação de movimento para a i-ésima
partícula é:

N 
••
 
mi ri = Fi e + ∑ Fij ,

(5.6)

j =1

e
onde Fi significa a força externa total sobre a partícula. A somatória
na equação (5.6) representa a soma vetorial de todas as forças internas sobre a
partícula i. Temos, assim, N equações de movimento,
uma para cada partícula. Podemos somar as equações de movimento
para todas as partículas, o que resulta em:
N 
N N 
••
 N •
e
m
r
=
p
=
F
+
∑ i i ∑ i ∑ i ∑∑ Fij .
N

(5.7)

i =1

i =1

i =1

i =1 j =1

Ao efetuarmos
5.7, vamos encontrar para
 a soma dupla na equação

cada força Fij a correspondente F ji . Desde que consideramos a validade das leis
de movimento para as partículas que compõem o sistema, as forças internas que atuam
de partículas devem
 em pares

satisfazer a terceira lei de Newton, Fij = − F ji . Logo, as forças internas
na equação 5.7 se cancelam em pares e a soma dupla é nula.
Dinâmica de um Sistema de Partículas

189
N

ote que usamos a terceira lei na forma denominada


fraca. Na forma fraca, a terceira lei diz que as forças
são iguais e opostas, mas não se impõe que sua ação
se faça sentir ao longo da reta suporte que une as duas
partículas.

Assim, como a soma dupla na equação 5.7 é nula e usando a equação


5.3, obtemos:
N 
 N •
P = ∑ p i = ∑ Fi e .

(5.8)

i =1

i =1

 N e
Agora, definimos F = ∑ Fi como sendo a força externa total atuani =1

do sobre o sistema, o que permite escrever a equação 5.8 como:


dP 
=F.
dt

(5.9)

Este é o teorema do momento linear para um sistema de partículas.


Isto é, a taxa de variação do momento linear total é igual à força externa total
atuando sobre o sistema. Se a força externa total for nula,
o momento linear do sistema será constante. A equação 5.9 pode ser
reescrita ainda como:



dvcm 
dP d 
= Mvcm = M
=F,
dt dt
dt

ou

••



M r cm = Macm = F .

(5.10)

E
quação que expressa um resultado importante: a aceleração do centro de massa de um
sistema de partículas
é a mesma que a de uma única partícula de massa igual à
massa total do sistema, sob a ação da soma de todas as forças externas que atuam no
sistema de partículas.

Portanto, se a força externa total é nula,


F = 0 , a aceleração é nula e

o centro de massa ou estará em repouso ou estará se deslocando com



velocidade vcm = constante, e o momento total será:


dP
=0
dt

190



P = Mvcm = constante.
Este é o principio da conservação do momento linear, que afirma que
o momento linear total de um sistema isolado permanece constante.
Note que chegamos a estabelecer este princípio com base na validade da terceira lei
de Newton, a qual é suficiente na sua forma fraca.
Consideremos alguns exemplos. No caso da Terra em seu movimento orbital, o centro
de massa da Terra move-se como se fosse uma
partícula de massa igual à da Terra e submetida a uma força igual
à soma das forças exercidas pelo Sol, a Lua e o os outros planetas.
Quando lançamos uma corrente no ar, o centro de massa da corrente
move-se como uma partícula de mesma massa que a corrente, sujeita
a uma força igual ao peso da corrente, portanto o centro de massa
da corrente descreve uma trajetória parabólica (desprezando-se a resistência do
ar). Quando lançamos uma granada no ar e ela explode
em certo ponto de sua trajetória, o centro de massa dos fragmentos
continuará a se mover sobre a trajetória parabólica original, pois o
centro de massa se comporta como uma partícula de massa igual à
massa total de todos os fragmentos. O peso dos fragmentos não varia
com a explosão porque a força da gravidade é constante próximo à
superfície da Terra. Devemos notar, entretanto, que se a força não fosse constante,
mas dependesse da posição, os fragmentos resultantes
da explosão estariam sujeitos a forças diferentes daquelas que atuam
ao longo da trajetória original. E a trajetória do centro de massa não
continuaria a ser a mesma de antes da explosão porque a soma das
forças externas seria diferente. Por exemplo, se um planeta explode
devido a algum cataclisma cósmico, o centro de massa dos fragmentos não irá seguir
a trajetória elíptica original do planeta, pois as forças sobre os fragmentos
seriam diferentes.
Na verdade, o princípio da conservação do momento linear de um
sistema isolado tem validade mesmo quando a terceira de lei Newton
não se aplica, como acontece com as forças magnéticas entre cargas
elétricas em movimento. Quando as cargas acham-se em movimento,
seus campos elétricos e magnéticos propagam-se com a velocidade
da luz, de maneira que se o movimento relativo entre as cargas for rápido, as
forças existentes entre elas podem, ou não, em cada instante,
serem iguais e opostas. Neste caso, a lei de conservação do momento
linear permanece válida se levarmos em conta o momento linear total
das partículas e o momento linear associado aos campos eletromagnéticos. Não iremos
considerar este tipo de situação neste curso.
Exemplo 1. Como uma aplicação simples do princípio da conservação
do momento linear, considere a situação em que um míssil de massa

m , em certo ponto de sua trajetória, explode em três fragmentos de


massa iguais a m / 3 . Um dos fragmentos continua na mesma direDinâmica de um
Sistema de Partículas

191

ção inicial do míssil com velocidade v0 / 2 , onde v0 é a velocidade do


míssil imediatamente antes de explodir. Os outros dois fragmentos seguem com
velocidades iguais, formando um ângulo reto entre si, como
se mostra na figura 5.1. Ache a velocidade destes dois fragmentos.

v1
v0

φ
v0

φ
v2
Figura 5.1 - Direções dos fragmentos do míssil do exemplo 1.

A primeira observação que se faz é se existe ou não alguma força


externa atuando. Se o míssil está próximo à superfície da Terra, temos a força peso
atuando, além da resistência do ar. Porém, o tempo
durante o qual ocorre a explosão do míssil é extremamente curto, de
modo que a variação do momento linear devido às forças externas
durante o intervalo de tempo correspondente a explosão é completamente desprezível.
Assim, tratamos este problema como o de um
sistema isolado de partículas e usamos a conservação do momento
linear. O momento linear do sistema antes da explosão deve ser igual
ao momento linear imediatamente após a explosão:

 m m m
mv0 = v1 + v2 v3 ,
3
3 3
 
 
sendo fornecidos v1 = v0 / 2 e v2 = v3 com v2 • v3 = 0 , pois estes dois

fragmentos fazem um ângulo reto entre si. Substituindo v1 na equação acima, vem:

5  
v0 = v2 + v3 .
2
Efetuando-se o produto escalar em cada membro por ele mesmo, obtém-se:

25  
 
 
 
v0 • v0 = (v2 + v3 ) • (v2 + v3 ) = v22 + v32 + 2v2 • v3 ,
4

192
e, portanto:

v2 = v3 =

5
2 2

v0 .

Note que este exemplo pode ser resolvido decompondo-se as velocidades segundo os
eixos ortogonais da figura 5.1. Você deve resolver
este exemplo dessa maneira, mostrando que o ângulo  na figura 5.1

é igual a  / 4 e obtendo as velocidades v2 e v3 . É importante notar


primeiro que, se o míssil estiver descrevendo uma trajetória parabólica próximo à
superfície da Terra, o centro de massa dos fragmentos continua sua trajetória
original. Em segundo lugar, observe que
encontramos a solução do problema porque foram fornecidos dados
a respeito do movimento dos fragmentos depois da explosão. Sem
estas informações, não podemos resolver o problema, pois não conhecemos as forças
internas que atuam durante a explosão, de modo
que não podemos determinar, por meio da solução das equações de
movimento, as velocidades dos fragmentos imediatamente após a explosão. Note também
que neste exemplo não ocorre a conservação
da energia mecânica, pois durante a explosão ocorre a conversão de
energia química em energia cinética. Some a energia cinética dos três
2
fragmentos após a explosão e mostre que é igual a 6,5( mv0 / 2) , enquanto que a
energia cinética inicial é

(mv02 / 2) .

5.2 Conservação do Momento Angular


No capítulo 3, definimos o momento angular de uma partícula como
o produto vetorial entre o vetor posição e vetor momento linear, ou
   

seja, Li = ri × pi = ri × mvi . Para um sistema de partículas, definimos o

momento angular total como a soma dos momentos angulares individuais,

 N 
L = ∑ Li ,
i =1

(5.11)

 N 

L = ∑ (ri × mi vi ) .
i =1

Quando estudamos a dinâmica de uma partícula, vimos que a taxa de


variação temporal do seu momento angular é igual ao torque aplicado sobre a
partícula. Logo, para um sistema de partículas, calculamos
a derivada temporal do momento angular total,
(5.12)


N
dL N 



= ∑ (vi × mi vi ) + ∑ (ri × mi ai ) .
dt i =1
i =1

Dinâmica de um Sistema de Partículas

193

A primeira soma se anula, pois vi × vi = 0 e mi ai é igual à força total


sobre a partícula dada na equação 5.6, de modo que se pode reescrever a equação
5.12 como:
(5.13)


dL N    e N  
= ∑  ri × ( Fi + ∑ Fij )  ,
dt i =1 
j =1

(5.14)


dL N   e N N  
= ∑ ri × Fi + ∑∑ ri × Fij .
dt i =1
i =1 j =1

A soma dupla na equação 5.14 consiste de uma soma de pares da forma:

 
 
(ri × Fij ) + (rj × Fji ) .

(5.15)

A figura 5.2 define o vetor deslocamento da partícula j relativo à partí  


cula i e podemos ver que, por definição: rij = rj − ri .

mj
rij

rj
o
Figura 5.2 Definição do vetor

ri

mi


rij .

Considerando
que

 as forças internas satisfazem a terceira lei de
Newton, Fij = − F ji , podemos reescrever a equação 5.15 como:
(5.16)

  
 
−(rj − ri ) × Fij = −rij × Fij .


Fij estiver orientada segundo a linha que une
 o par

de partículas i e j, o produto vetorial de 5.16 é nulo, pois rij / / Fij . Por-

Se a força interna

tanto, agora estamos usando a terceira lei de Newton na sua forma


forte, isto é, ação e reação iguais e opostas e estando segundo a reta
suporte que une a duas partículas. Satisfeita esta condição, a soma
dupla na equação 5.14 é nula, e assim a taxa de variação temporal do
momento angular é:
(5.17)

194


dL N   e 
= ∑ ri × Fi = T .
dt i =1
A

equação 5.17 mostra que para um sistema de partículas, a taxa de variação temporal
do momento angular total é igual ao torque externo total
atuando sobre o sistema. Este é o teorema do momento angular expresso para um
sistema de partículas.

Se o torque externo total for nulo, vem:



dL
= 0 → L = Constante .
dt

(5.18)

Logo, se o sistema é isolado, ou seja, não submetido a torques externos, o momento


angular é constante no tempo, o que é conhecido
como o princípio da conservação do momento angular para um sistema isolado. É
importante ressaltar que no caso de cargas elétricas em
movimento rápido, mesmo não se aplicando a terceira lei de Newton
para as forças entre estas cargas, o principio da conservação do momento angular
permanece válido se levarmos em conta o momento
angular associado aos campos eletromagnéticos. Não iremos discutir
este tipo de problema neste curso.
A conservação do momento angular tem aplicação importante na dinâmica de corpos
rígidos. Um corpo rígido é um caso especial de um
sistema de muitas partículas onde a distância relativa entre elas permanece fixa
(corpo rígido ideal). Se um corpo rígido estiver livre de
torques externos, seu momento angular permanece constante e, logo,
seu movimento de rotação em torno de um eixo qualquer de simetria
é constante. Esse fato tem aplicação no movimento giroscópico.

giroscópio é um sistema em que, basicamente, um


disco girante (o rotor) pode mudar livremente a direção de seu eixo de rotação. O
rotor é montado em um
eixo horizontal e é contrabalançado por um peso de tal
modo que o torque sobre o sistema em relação ao ponto
de apoio seja zero. Assim, quando o rotor tem uma velocidade angular girando em
torno do eixo horizontal,

seu momento angular

, paralelo ao eixo do rotor, será


constante, e quando movemos o giroscópio no espaço, o
eixo do rotor permanece apontando sempre na mesma
direção, pois não muda de direção. Isto tem uma conseqüência importante. Quando um
giroscópio está girando com seu eixo apontando na direção leste-oeste se

Dinâmica de um Sistema de Partículas

195
observa que seis horas depois seu eixo está na direção vertical
apontado para baixo. Mas, você sabe por quê? Note que
é
constante, não mudando sua direção no espaço, e esta aparente
rotação do eixo do giroscópio é, na realidade, devida à rotação
da Terra. A figura 5.3 mostra claramente o que acontece.

ϖ
1
2
ϖ

3
N
ϖ
A

Figura 5.3 - O eixo de rotação de um giroscópio permanece fixo no espaço e,


portanto, tem um movimento de rotação aparente em relação à Terra.

O eixo AB do giroscópio aponta inicialmente na direção lesteoeste, como a Terra


embaixo dele gira na direção oeste-leste,
nós, que giramos junto com a Terra, observamos que, aparentemente, o eixo AB
gradualmente se inclina de maneira que seis
horas depois aponta na direção vertical. Mas, na verdade, o eixo
de rotação permanece fixo no espaço. A tendência do giroscópio em manter o eixo de
rotação fixo no espaço é um princípio usado em estabilizadores de navios e pilotos
automáticos
de aviões. Uma aplicação do movimento giroscópico associada
com a rotação da Terra é a bússola giroscópica. O giroscópio
é montado de tal modo que seu eixo permaneça sempre num
plano horizontal; isto pode ser feito colocando-se o giroscópio
flutuando num líquido. A bússola giroscópica tem a vantagem
especial de apontar para o norte verdadeiro, pois não está sujeita a anomalias
magnéticas locais.

196
O popular pião é uma espécie de giroscópio que fica submetido a um
torque externo devido à força peso. Este é um exemplo em que o torque
é perpendicular ao vetor momento angular, fazendo com que o eixo de
rotação do pião gire ao redor de um eixo fixo no espaço. Este movimento
é denominado de precessão. Quando um corpo rígido gira em torno de
um
seu momento angular
 eixo principal (em geral, um eixo de simetria),



L é proporcional à velocidade angular  , L = I  , onde a constante I é

o momento de inércia, quantidade que depende de como a massa do corpo está


distribuída em relação ao eixo de rotação. O momento de inércia
2
pode ser escrito como I = MRG , sendo M a massa e RG é denominado
de raio de giração do corpo. Assim, em situações de rotação em torno
de um eixo de simetria, podemos considerar o corpo como uma partícula
de massa total M girando a uma distância RG do eixo de rotação. No
exemplo a seguir, mostra-se como utilizar a conservação do momento
angular em uma situação simples.

M = 60kg em uma
cadeira giratória, girando com velocidade angular i , estando com os
braços esticados e tendo em cada mão uma esfera de massa m = 1kg .

Exemplo 2. Considere uma pessoa cuja massa é

Qual é a velocidade angular dessa pessoa após ela rapidamente encolher os braços,
trazendo as esferas para junto do corpo? Admita
que inicialmente, cada esfera esteja a uma distância a = 1m do eixo
de rotação e que após a pessoa encolher os braços, esta distância
seja reduzida para a /10 = 0,1m . Suponha a pessoa, antes e depois de
encolher os braços, como uma partícula de massa
distância

RG = 0,3m do eixo de rotação.

M girando a uma

A solução aproximada para este exemplo se obtém considerando que


as esferas sejam aproximadas do eixo de rotação num intervalo de
tempo muito curto, de modo que a variação do momento angular
devido a qualquer torque externo seja desprezível. Assim, podemos
usar a conservação do momento angular. Como temos três partículas
girando com velocidade angular i , o momento angular inicial do
sistema antes da pessoa encolher os braços é:

Li = ( MRG2 + 2ma 2 ) i .
Enquanto que o momento angular após a pessoa encolher os braços é:

L f = ( MRG2 + 2m

a2
) f .
100
Como o momento angular é conservado

Dinâmica de um Sistema de Partículas

Li = L f , obtemos para  f :
197

Caso você tenha dúvida


em relação à definição
de momento de inércia,
sugerimos uma revisão dos
conteúdos estudados nas
disciplinas básicas.
f =

MRG2 + 2ma 2
i .
a2
2
MRG + 2m
100

Substituindo os valores, encontramos

 f = 1,36 i , significando um

acréscimo de 36% na velocidade angular do sistema. Note que este é


um resultado aproximado, pois desprezamos qualquer atrito e também
a variação do momento angular da pessoa ao encolher os braços.
Algumas vezes, é conveniente se expressar o momento angular de um
sistema de partículas em termos do movimento do centro de massa.
A figura 5.4 mostra que podemos escrever o vetor posição da i-ésima
partícula como:

 

ri = rcm + ricm ,

(5.19)
onde


ricm é o vetor posição da partícula i em relação ao centro de

massa.

riCM

ri

CM

Figura 5.4 Definição do vetor


ricm .

rCM

Derivando a equação 5.19 em relação ao tempo, temos que:

 

vi = vcm + vicm ,

(5.20)

e, portanto a velocidade da partícula em relação à origem O pode


ser dada como a velocidade do centro de massa do sistema mais a
velocidade desta partícula em relação ao centro de massa. Isto permite escrever o
momento angular deste sistema de partículas (equação
5.11) como:
 N 



L = ∑ (rcm + ricm ) × mi (vcm + vicm ) ,
i =1

198
N
N




= ∑ (rcm × mi vcm ) + ∑ (rcm × mi vicm )
i =1

i =1

N




+∑ (ricm × mi vcm )+∑ (ricm × mi vicm )
i =1

i =1

ou
N
N
 



L = rcm × (∑ mi )vcm + rcm × ∑ mi vicm

(5.21)

i =1

i =1

i =1

i =1





+∑ (mi ricm ) × vcm +∑ (ricm × mi vicm )
Agora, a partir da equação 5.19, vem:
N

(5.22)

N
N
N

 


m
r
=
m
(
r

r
)
=
m
r

(
∑ i icm ∑ i i cm ∑ i i ∑ mi )rcm = 0 ,
i =1

i =1

i =1

i =1

onde usamos a definição de centro de massa (equação 5.1). Similarmente, obtemos:


N

(5.23)

∑m v
i =1

i icm

N
N
N
 


= ∑ mi (vi − vcm ) =∑ mi vi − (∑ mi )vcm = 0 ,
i =1

i =1

i =1

e estes dois resultados permitem reescrever a equação 5.21 como:


(5.24)

N
 



L = rcm × Mvcm +∑ (ricm × mi vicm ) .
i =1

Ou ainda
(5.25)

  
L = Lcm +Licm .

Portanto, o momento angular pode ser expresso em termos de uma


parte orbital (o movimento do centro de massa) mais uma parte correspondente ao
movimento em torno do centro de massa. O exemplo mais
contundente é o movimento da Terra (tratada como um sistema de partículas), onde
temos o momento angular devido ao movimento orbital
em torno do Sol mais o momento angular intrínseco, devido à rotação
da Terra em torno de um eixo que passa pelo centro de massa.

5.3 Conservação da Energia


Não deve ser novidade saber que a energia cinética total de um sistema
de partículas é dada pela soma das energias cinéticas individuais,
(5.26)

N
1
Ec = ∑ mi vi2 .
i =1 2

Dinâmica de um Sistema de Partículas

199
Como no caso do momento angular da seção anterior, podemos expressar a energia
cinética em termos do movimento do centro de massa mais o movimento das partículas
em relação ao centro de massa.
Usando a equação 5.20, podemos escrever:
N
N
1  
1




Ec = ∑ mi vi • vi = ∑ mi (vcm − vicm ) • (vcm − vicm ) ,
i =1 2
i =1 2
N
N
N
1
1
 
2
2
Ec = ∑ mi vcm
− ∑ mi (vcm • vicm ) + ∑ mi vicm
,
i =1 2
i =1
i =1 2

Ec =

N
N
1
1


2
2
Mvcm
− vcm • ∑ mi vicm + ∑ mi vicm
.
2
i =1
i =1 2

Usando o resultado 5.23, obtemos:

Ec =

(5.27)

N
1
1
2
2
Mvcm
+ ∑ mi vicm
,
2
i =1 2

Ec = Ecm + Eicm .

(5.28)

O primeiro termo expressa a energia cinética de translação do sis


tema como um todo (uma partícula de massa M localizada em rcm

com velocidade vcm ) e o segundo expressa a energia cinética devido
ao movimento relativo ao centro de massa. A separação do momento
angular e da energia cinética em parcelas correspondentes ao movimento do centro de
massa e o movimento relativo ao centro de massa tem importantes aplicações em
física atômica e molecular, como
também em astrofísica.
Para generalizarmos o teorema da conservação da energia mecânica
para um sistema de muitas partículas, iremos considerar como ocorre em muitos
casos, que a força exercida sobre qualquer partícula do
sistema dependa da posição das partículas do sistema. Assim, admitindo-se que as
forças internas possam ser derivadas de uma função
i
energia potencial interna V , mas que as forças externas não possam
ser expressas mediante uma energia potencial, a equação de movimento para a k-ésima
partícula é:




dvk
mk
= −∇ kV i + Fke
dt
,

(5.29)
sendo


Fke

força

externa

sobre

partícula

e
onde





∇ k ≡ iˆ
+ ˆj
+ kˆ
. Multiplicando ambos os membros da
∂xk
∂yk
∂zk
equação 5.29 pela velocidade, vêm:

200

d 1  
 dv
 
 
mk vk • k = ( mk vk • vk ) = −vk • ∇ kV i + vk • Fke .
dt dt 2
Somamos agora sobre todas as partículas,
N
d 1
  i N  e
2
(
m
v
)
v
=



k k
k • ∇ kV + ∑ vk • Fk .
k =1 dt 2
i =1
i =1
N

(5.30)

Desde que

(5.31)

V i = V i ( xi , yi , zi ) , sua derivada total é:

N
N
dV i
∂V dxk ∂V dyk ∂V dzk
 
= ∑(
+
+
) = ∑ vk • ∇ kV i .
dt
∂yk dt ∂zk dt
k =1 ∂xk dt
k =1

O primeiro membro da equação 5.30 é a derivada da energia cinética total do sistema


de partículas, e usando a equação 5.31, podemos
escrever:
(5.32)
ou
(5.33)

dEc
d N 1
dV i N   e
2
m
v
(
)
=
=

+ ∑ vk •Fk ,
∑ k k dt
dt k =1 2
dt k =1
N
d
 
( Ec + V i ) = ∑ vk • Fke .
dt
k =1

A equação 5.33 é o teorema do trabalho-energia para um sistema de


partículas. Este resultado mostra que na presença de forças externas
não conservativas, a energia mecânica do sistema não irá permanecer constante. Por
outro lado, se não temos forças externas atuando, a
energia mecânica do sistema de partículas será constante, isto é,
(5.34)

Ec + V i = E = Constante .

Assim, para um sistema isolado de partículas a energia mecânica se


conserva. Obviamente, se as forças externas também forem conservativas, suas
energias potenciais podem ser somadas à energia poi
tencial interna V e a energia total E = Ec + V será constante.

5.4 Sistemas de Massa Variável


A maioria dos sistemas mecânicos pode ser considerada como tendo
massa constante. Entretanto, em certos casos a massa é variável. Um
exemplo simples é uma gota de chuva. Enquanto a gota está caindo
sob ação da gravidade, pode haver condensação de umidade sobre a
superfície da gota, ou evaporação de água, o que acarreta na variação
de sua massa. Naturalmente, a solução da equação de movimento
para uma gota que cai exige algumas hipóteses com relação à variação de sua massa
com o tempo.
Dinâmica de um Sistema de Partículas

201
Outro exemplo que podemos caracterizar é o foguete. Foguetes propulsionam a si
mesmos queimando combustível de forma explosiva
e ejetando os gases resultantes a altas velocidades e, portanto, eles
perdem massa à medida que aceleram. Nesta seção, iremos considerar alguns exemplos
de sistemas com massa variável.
Exemplo 3. Um exemplo típico de massa variável
é o da esteira ro
lante. Neste problema, deve-se obter a força F necessária para manter uma esteira
rolante com velocidade constante enquanto deixa-se
cair continuamente material de um reservatório em repouso como se
mostra na figura 5.5.

Figura 5.5 - O problema da esteira rolante.

Observe que, como o reservatório está em repouso, o momento linear


do sistema é a soma do momento linear da esteira mais o momento
linear do material que ela transporta. Caso o reservatório estivesse
em movimento, deveríamos incluir o momento linear do reservatório
e de seu conteúdo. Sendo M a massa (constante) da esteira e m(t )
a massa do material transportado num certo instante, o momento
linear do sistema é:

P = ( m + M )v .
Aplicando o teorema do momento linear, vem:
(5.35)

F=

dP
dm
=v
.
dt
dt

Portanto, a força, para uma determinada velocidade, depende da taxa


com que o material é despejado na esteira. Em geral, a taxa com que
o material é despejado na esteira é constante e, logo, devemos aplicar
uma força constante para manter o sistema com velocidade v constante. Já que
conhecemos a força que deve ser aplicada, é de interesse

202
também saber que potência é suprida por esta força. Como a potência
é dada pelo produto Fv , obtém-se:

Pot = Fv = v 2

(5.36)

Pot = 2

(5.37)

dm d
d 1
= mv 2 = 2 ( mv 2 ) ,
dt dt
dt 2

dEc
d 1
2
.
 ( m + M )v  = 2
dt  2
dt

Este resultado mostra que a potência necessária é duas vezes a taxa


com que a energia cinética do sistema está aumentando, de modo que
o teorema da conservação da energia mecânica não se aplica neste
caso. Então, para onde está indo o excesso de energia suprida pela
força F ? Este excesso de energia é necessário para realizar trabalho
contra a força de atrito que existe entre o material que cai e a esteira.
Quando o material atinge a esteira, ele é acelerado horizontalmente
a partir do repouso até atingir a velocidade da esteira, e durante este
tempo, algum deslizamento ocorre entre a esteira e o material. Para
um observador em repouso na esteira, a qual se move para a direita,
uma quantidade dm de material que cai tem uma velocidade horizon-

v0 = −v , para a esquerda. Entretanto, a


esteira exerce uma força de atrito horizontal dFa para a direita sobre

tal inicial oposta à da esteira,


o material,

dFa = − (dm) g ,
 é o coeficiente de atrito cinético entre o material e a esteira. E a
desaceleração para a direita da quantidade dm do material é
a = dFa / dm = − g . Assim, a distância percorrida pelo material até

onde

atingir o repouso em relação à esteira é:

2ad = 0 − v02 = −v 2 ,
pois a velocidade final é zero e a inicial é

v0 = −v . Substituindo o valor

da desaceleração, vem:
d = v 2 / 2 a = v 2 / 2 g .
O trabalho

(dWFa ) realizado contra a força de atrito é:


1
dWFa = dFa d = ( gdm)v 2 / 2 g = (dm)v 2 ,
2

e a potência é:

Dinâmica de um Sistema de Partículas

203
(5.38)

PFa =

dWFa

dE
1 dm d 1 2
= v2
= ( mv ) = c .
dt
dt
2 dt dt 2

Logo, pelas equações 5.36 e 5.38, podemos ver que


quanto que a equação 5.37 nos diz que

(5.39)

PFa = Pot / 2 , en-

dEc
= Pot / 2 , de modo que:
dt

dEc dWFa
+
= Pot .
dt
dt

Desta maneira, fica claro por que não temos conservação da energia
mecânica, pois a potência suprida pela força F é igual à taxa com
que a energia cinética do sistema cresce mais a taxa do trabalho realizado contra a
força de atrito. A equação 5.39 explicita a conservação
da energia, incluindo aqui outras formas de energia além da mecânica, como calor
e/ou energia associada às deformações microscópicas
devido às forças de atrito entre o material e a esteira. Assim, metade
da energia empregada é dissipada sob forma de calor e deformações
microscópicas e metade é empregada para o aumento da energia cinética do sistema.
Note que, independentemente do valor da desaceleração do material que cai na
esteira (podendo ser 1 segundo ou
(1/50) segundo), a potência desenvolvida pelas forças entre o material
e a esteira é sempre exatamente igual à metade da potência suprida
pela força aplicada F .

Iremos analisar agora um exemplo importante de sistema de massa


variável, o foguete. A tecnologia de foguetes é baseada no princípio
da conservação do momento linear. Um foguete adquire movimento
em uma direção ejetando massa na direção contrária, o que se consegue com a
explosão contínua do combustível. Nosso objetivo é obter
a velocidade do foguete em um instante qualquer após o lançamento.
Como se mostra na figura 5.6, num certo instante t , o foguete tem

uma massa

m , movendo-se com velocidade v em relação a um sis-

tema de coordenadas fixo (como, por exemplo, a Terra).


Seja

ve
dm


ve a velocidade de exaustão dos gases (velocidade de escape dos

gases) em relação ao foguete, logo a velocidade dos gases em relação


 
à Terra será v + ve . Considere que durante o intervalo de tempo entre

t e t + dt uma quantidade de combustível dm = −dm (sinal menos

Figura 5.6 - Movimento de


um foguete.

para indicar que o sistema perde massa) seja expelida. A massa do fo

guete será, então,m + dm e sua velocidade v + dv . O momento linear
no instante


t é P (t ) = mv , enquanto que no instante t + dt , o mo-

mento
linear do sistema será a soma do momento linear do foguete

PF mais a o momento linear dos gases expelidos Pgas :

204



P(t + dt ) = PF (t + dt ) + Pgas (t + dt ) ,



 
P(t + dt ) = (m + dm)(v + dv ) + (−dm)(v + ve ) .

Desprezando-se o termo de segunda ordem, dmdv , obtemos a variação do momento


linear do sistema,




 
dP = dP(t + dt ) − dP ≅ mdv − ve dm .
Pelo teorema do momento linear, a força externa total aplicada é igual
à taxa de variação temporal do momento,
(5.40)



 dP
dv  dm
F=
= m − ve
.
dt
dt
dt

Equação que podemos reescrever como:


(5.41)


dv  dm 
= ve
+F ,
dt
dt

que é a equação de movimento para o foguete. O primeiro termo do


segundo membro é denominado impulso do motor do foguete. Note que

à direção da velocidade
dm / dt < 0 , de modo que o impulso será oposto

de escape dos gases de exaustão. A força F pode ser a força gravitacional, se
ignoramos o atrito com o ar, ou pode ser a soma da força gravitacional mais a força
de resistência do ar. Para
 medirmos a potência do
motor do foguete, devemos medir a força F0 para mantê-lo
estacioná
rio, ou seja, com aceleração nula, e neste caso com

F = 0 , vem:

 dm 
−ve
= F0 ,
dt

e assim, medindo-se
te


ve dm / dt .


F0 , determinamos o impulso do motor do fogue-

Vamos encontrar agora a solução da equação de movimento para o


foguete (equação 5.41) para a situação em que o foguete se movimenta no espaço,
livre de forças gravitacionais. Assim, devemos resolver:


dv  dm
= ve
.
dt
dt

Considerando que a velocidade inicial seja


v0 e a massa inicial do

foguete sendo m0 , integramos a última equação, admitindo que a velocidade de


exaustão dos gases seja constante,

v

 
∫ dv = ve


v0

Dinâmica de um Sistema de Partículas

dm
,
m
m0

205
   m
v = v0 − ve ln 0 .
m

(5.42)

A velocidade do foguete num certo instante depende da velocidade de


escape dos gases e da fração de massa descarregada, até aquele instante ( m0 / m) ,
e não depende da taxa com que o combustível é quei-

(dm / dt ) . O foguete atinge a maior velocidade no instante em


que todo combustível é queimado. Se m f é a massa final do foguete
mado

após todo o combustível ser queimado, a velocidade atingida depende da razão ( m0 /


m f ) . Quanto maior esta razão, maior a velocidade
final do foguete, porém isto significa uma grande carga de combustível. Uma solução
para o lançamento de satélites foi a construção
de foguetes com vários estágios, de modo a se queimar uma grande
quantidade de combustível e se obter uma razão ( m0 / m f ) elevada.
Próximo à superfície da Terra e ignorando-se a resistência do ar, a
equação 5.41 fornece:


dv  dm

m
= ve
+ mg .
dt
dt

(5.43)

Considerando o instante inicial como zero, integramos a equação 5.43,



v

 
∫ dv = ve


v0

dm 
∫m m + g ∫0 dt ,
0

   m 
v = v0 − ve ln 0 + gt .
m

(5.44)

ve (dm / dt ) , deve ter um valor


maior ou igual à força gravitacional inicial m0 g . Seja o exemplo nuInicialmente,
o impulso do foguete,

mérico onde a massa inicial do foguete for 3 x 106 kg e a velocidade


de escape for 50 x 103 m/s, então para que a velocidade inicial do
foguete seja zero, devemos ter

dm / dt = 3x107 / 5x104 = 600kg/s .

Considerando a velocidade inicial como zero (impulso igual à força


peso), a equação 5.44, na forma escalar, é:

v = ve ln

(5.45)

m0
− gt .
m

Tomamos a direção vertical como sendo eixo

z e integramos a velo-

cidade para obter a altura do foguete em cada instante,


(5.46)

z=

m0 ve  m
m  1
(1 + ln 0 )  − gt 2 ,
1 −
dm / dt  m0
m  2

onde consideramos que dm / dt seja constante e explicitamos que


esta taxa é negativa dm / dt → − dm / dt . No exemplo numérico dado

206
acima, suponha que a massa final após a queima do combustível seja
2,4 x 106 kg e que a velocidade de escape seja a mesma, porém com

dm / dt = −1200kg/s . Neste caso, o combustível queimará em 500 se-

gundos, a velocidade do foguete neste instante será 22.165 km/h e


sua altura será de 1.435 km. Se você calcular a energia cinética do
foguete neste instante, verá que mais de 45 milhões de megajoules de
energia química foram transformados em energia cinética pela queima do combustível.
Vimos no capítulo anterior que a velocidade orbital de um satélite
a uma distância R do centro da Terra é v = GM T / R . Próximo à
superfície da Terra, digamos a apenas algumas centenas de quilômetros ( R = RT + h
≅ RT , pois RT = 6.400 km ), a velocidade necessária é em torno de 8 km/s. Os
satélites são lançados na direção leste
para aproveitar a velocidade de rotação da Terra, que é (no Equador)
. Na maioria dos foguetes a velocidade de exaustão é da ordem de 2 a 4 km/s . Se
admitirmos ve = 2,5 km/s , a razão

m0 / m f para que o satélite (com v0 = vT ) alcance a velocidade orbital

a partir do solo é:

 v − v0 
m0
 7,5  3
= exp 
 = exp 
 = e ≅ 20 ,
mf
 2,5 
 ve 
onde usamos a equação 5.42 para obter a razão

m0 / m f de forma

aproximada. Isto significa que, neste caso, 95% da massa inicial é de


combustível! Veja no próximo exemplo como colocar um satélite em
órbita com foguetes de dois estágios e como atingir a Lua com um
foguete de três estágios!
Exemplo 4. Um satélite é colocado em órbita circular por meio do
lançamento de um foguete de dois estágios. O foguete é lançado com
velocidade inicial v0 , fazendo um ângulo  com a direção radial. Ao
atingir o apogeu da órbita elíptica, é feita a ignição dos foguetes do
segundo estágio, de modo que a velocidade aumenta de uma quantidade ∆v necessária
para que o satélite descreva uma órbita circular a

uma altura h acima da superfície da Terra. Calcular o valor de ∆v .

A situação está esquematizada na figura 5.7. Admita, como no exemplo 3 do capítulo


4, que v0 = GM / R e  = 30° , sendo M e R a

Dinâmica de um Sistema de Partículas

207
massa e o raio da Terra, respectivamente.

vc

h v
0 φ

Terra

Figura 5.7 - Órbita elíptica de um satélite (no lançamento) sendo convertida em


circular no apogeu.

Neste exemplo estamos ignorando a rotação da Terra e a resistência do


ar, como fizemos no exemplo 3 do capítulo 4. Veja que a situação é a mesma que a
daquele exemplo do míssil. Estamos admitindo que através dos
motores do primeiro estágio, o satélite tem energia suficiente para descrever uma
órbita elíptica. Quando dizemos que o foguete é “lançado” a
partir da superfície da Terra, queremos dizer que a altura que ele sobe até
queimar o combustível do primeiro estágio ainda é pequena, comparada
ao raio da Terra. Mas agora no apogeu, via os motores do segundo estágio, o
satélite ganha energia mecânica, de sorte a estabelecer uma órbita
circular. Usando a conservação do momento angular durante a trajetória
elíptica, determinamos a velocidade v1 no apogeu,

L = (mv0sen) R = mv1 ( R + h) ,
v1 =
A energia mecânica

R
v0sen .
R+h

ES do satélite no apogeu é:
ES =

1 2 GMm .
mv1 −
2
R+h

A energia mecânica necessária para uma órbita circular de raio R + h é:

E=−

GMm
.
2( R + h)

Com a ignição dos motores do segundo estágio, no apogeu, o satélite


2
ganha uma quantidade de energia cinética ∆Ec = 1 m( ∆v) , que so2

208
mada a ES , deve ser igual à energia
circular de raio R + h , isto é,

ES + ∆Ec =
ou

E necessária para uma órbita

1 2 GMm 1
GMm
mv1 −
+ m(∆v) 2 = −
,
2
R+h 2
2( R + h)

1 2 1
GMm
1
mv1 + m(∆v) 2 =
= mvc2 ,
2
2
2( R + h) 2
vc = GM / ( R + h) é a velocidade para a órbita circular. Note
2
2
2
que podemos escrever v1 + ( ∆v) = vc . Substituindo o valor de v1 obtido acima e
resolvendo para ∆v , encontramos:
onde

(∆v) 2 =
Com

GM 
R
R 2 2 
v0 sen   .
1 −
R + h  GM R + h

v02 = GM / R e  = 300 , vem:


∆v =

GM  1 R 
1 −
.
R+h 4 R+h

No exemplo 3 do capítulo 4 encontramos, para estes valores de

h=

3
R , e assim obtemos, para ∆v ,
2
v0 e ,




GM
1
1 1 
1 −
 .
∆v =
R
3 4
3
1+
1+


2 
2 
GM
= 0, 68v0 . Note que este incremento é grande,
R
1 1
v0 ≅ 0, 27v0 . Como fizepois a velocidade no apogeu é v1 =
2
3
1+
2
Ou

∆v ≅ 0, 68

mos acima, antes deste exemplo, podemos estimar a massa de combustível necessária
para que, com o auxílio dos foguetes do segundo
estágio, o satélite permaneça em órbita circular. A velocidade inicial
(antes da ignição) é v1 ≅ 0, 27v0 , enquanto que a final é a velocidade

vc = v12 + ∆v 2 = GM / ( R + h) ≅ 0, 73v0 , de
modo que usando a equação 5.42, obtemos a razão m0 / m f de forma

para a órbita circular, ou


aproximada,

Dinâmica de um Sistema de Partículas

209
 0, 73v0 − 0, 27v0 
 0, 46v0 
m0
= exp 
 = exp 
.
mf
ve


 ve 
Se admitirmos, como antes, que a velocidade de escape seja da ordem de

m0
= e1,47 ≅ 4,35 .
mf

2,5 km/s , e como v0 é da ordem de 8 km/s , obtemos

E, portanto, no segundo estágio ainda teríamos aproximadamente 77% de


massa como sendo de combustível. Como já vimos, para o foguete atingir a velocidade
v0 , 95% da massa deve ser de combustível, isto significa
que dos 5% restantes de carga, 77% deve ser de combustível do segundo
estágio, de modo que a carga útil do foguete, ou seja, a massa do satélite
deve representar apenas 1,15% da massa total.
Podemos finalizar este exemplo verificando como atingir a Lua. Para isso,
vamos considerar que o nosso foguete seja de três estágios. Como proceder? Na
figura 5.8 mostramos a continuação deste exemplo. Quando o
foguete atingir a posição B , que está em oposição à Lua, aciona-se pela
terceira vez os foguetes, de modo que o acréscimo de energia cinética
seja suficiente para que sua trajetória se torne elíptica, com a posição B
sendo o perigeu e a posição da lua,

A , o apogeu de sua trajetória.


v2
Terra

A
Lua
Figura 5.8 - Conversão de uma órbita circular em elíptica com o apogeu na lua. (A
figura não está em escala).

Para calcularmos o incremento na velocidade, que chamaremos de

∆v1 , usamos o procedimento citado anteriormente,

1 2 1
GMm
GMm
,
mvc + m(∆v1 ) 2 −
=E=−
2
2
r1
2a
sendo
e

vc a velocidade na órbita circular, r1 a distância do perigeu

a o semi-eixo maior da elipse. Você deve estar lembrado do ca-

pítulo 4 que o semi-eixo da elipse se relaciona com a energia total

210
por a = K / 2 E e K = −GMm . Sabemos que 2a = r1 + r2 , r1 = R + h
e como a distância Terra-Lua é sessenta vezes o raio da Terra, vem

r2 = 60 R , e assim como vc = GM / ( R + h) , obtemos para ∆v1 :


∆v1 =

Em nosso caso,

GM
1
2

.
R 1 + h / R 61 + h / R

h = 23 R , e como v0 = GM / R , o resultado é

∆v1 = 0, 71v0 , o que significa uma velocidade v2 = vc2 + ∆v12 ≅ 1, 02v0


no perigeu. Agora podemos calcular a quantidade de combustível necessária para o
terceiro estágio. Como a velocidade inicial é vc ≅ 0, 73v0 e a
final, após a queima do combustível, é

v2 ≅ 1, 02v0 , a razão m0 / m f é:

 1, 02v0 − 0, 73v0 
 0, 29v0 
m0
= exp 
 = exp 
.
mf
ve


 ve 
Considerando

como

antes,

ve = 2,5 km/s

v0 = 8 km/s , vem

m0 / m f = 2,53 . Ou seja, 60% da massa do terceiro estágio deve ser de


combustível. Como o terceiro estágio representa apenas 1,15% da massa
total, isto significa que a carga útil neste foguete de três estágios, utilizado
para se atingir a Lua, deve representar apenas 0,46% da massa total. É
lógico que, para se aumentar a carga útil, deve-se usar um combustível
mais explosivo, ou seja, que libere os gases de exaustão numa velocidade
de escape maior. No exemplo que analisamos anteriormente, se dobrarmos a velocidade
de escape, ve = 5 km/s , a carga útil final será de 6% da
massa total. Isto é, dobrando-se a velocidade de escape, aumentamos
treze vezes a carga útil!

5.5 Colisões entre Dois Corpos


Problemas sobre colisões são importantes, pois muitas questões a
respeito de colisões de partículas podem ser respondidas aplicandose as leis de
conservação. Como as leis de conservação são válidas
também na mecânica quântica, os resultados obtidos com estas leis
são válidos em partículas atômicas e subatômicas, e não apenas em
problemas de colisões envolvendo corpos macroscópicos, como na
colisão entre bolas de bilhar ou numa colisão entre duas galáxias. Na
maioria dos problemas sobre colisão, as partículas movem-se com
velocidade constante, livres de forças, durante algum tempo antes e

Dinâmica de um Sistema de Partículas

211
depois da colisão. Durante o processo de colisão, as partículas ficam
sob a ação de forças internas, que umas exercem sobre as outras. Se
estas forças internas satisfazem a terceira de lei Newton, o momento
linear total é o mesmo antes e depois da colisão (princípio da conservação do
momento linear para um sistema isolado). Se as forças
internas durante a colisão satisfazem a terceira lei na forma forte,
então o momento angular total do sistema também será conservado.
Ademais, se as forças internas forem conservativas, a energia cinética será
conservada. Caso contrário, usa-se a conservação de toda
a energia, incluindo-se qualquer energia que seja transformada de
energia cinética para outras formas ou vice-versa.
Se numa colisão entre duas partículas, o momento linear total e a
energia cinética são conservados, a colisão é dita elástica. Numa colisão entre
duas partículas, aplicamos a conservação do momento linear e da energia cinética,
(5.47)





p1 f + p2 f = p1i + p2i ,

(5.48)

Ec1 f + Ec 2 f = Ec1i + Ec 2i .

Pode-se escrever a energia cinética em termos da massa e do mo2


2
mento linear, pois Ec = mv / 2 e v = p / m , logo Ec = p / 2m , assim
a equação 5.48 fica:
(5.49)

p12f
2m1

p22 f
2m2

p12i
p2
+ 2i .
2m1 2m2

A equação 5.47 é uma equação vetorial correspondendo a três equações escalares, uma
para cada direção no espaço. Assim, as equações
5.47 e 5.49 representam quatro equações que dependem da razão entres as duas massas
e das doze grandezas necessárias para especificar os quatro momentos lineares
envolvidos. Logo, é necessário se
conhecer nove das quantidades envolvidas para poder se determinar
as quatro restantes. Isto significa que devemos efetuar as medidas que
forem possíveis antes e depois do processo de colisão, de modo a se
determinar quantidades que não podemos medir de maneira simples.
Por exemplo, em uma situação típica, podemos conhecer (através de
medidas) as massas, o momento linear inicial de uma das partículas
e a direção final do movimento de uma das partículas. Assim, se co


nhecemos m1 , m2 , p1i e a direção de p1 f , podemos determinar p2 f e
o módulo do momento linear


p1 f . Por outro lado, pode ser que não se

conheça a massa de uma das partículas, e como veremos adiante, as


equações 5.47 e 5.49 permitem determinar a massa de uma das partí-

212
culas envolvida no processo de colisão. Por que precisamos conhecer
(medir) várias quantidades antes e depois da colisão? A resposta é
simples. Podemos conhecer as condições iniciais do sistema, mas em
praticamente todos os casos não se conhecem as forças que atuam
durante o processo de colisão, logo não temos como resolver as equações de
movimento para determinar o movimento subseqüente das
partículas. Um exemplo de colisão em que sabemos as forças internas
é a colisão de partículas alfa com núcleos atômicos, que conhecemos
como espalhamento de Rutherford, estudado no capítulo anterior. Já
numa colisão entre bolas de bilhar, não temos como conhecer as forças que atuam
durante a colisão.

m1 e mo
mento p1i com uma partícula de massa m2 em repouso. A colisão é
Vamos considerar a colisão entre uma partícula de massa

mostrada na figura 5.9.

p1f
m1

p1i

θ1
m2

m1

θ2
m2

p2f

Figura 5.9 - Colisão de uma partícula em movimento com outra em repouso.

Como mostrado na figura 5.9, admitimos que a partícula incidente seja


espalhada de um ângulo 1 em relação à direção inicial. Logo, a momento linear
final




p2 f deve estar no mesmo plano que p1i e p1 f , pois

não existem componentes do momento linear perpendicular a este


plano antes da colisão e, portanto, não pode haver depois da colisão.
Escrevemos a equação 5.47 em termos de componentes,
(5.50)

p1i = p1 f cos 1 + p2 f cos  2 ,

(5.51)

0 = p1 f sen1 + p2 f sen 2 .

A conservação da energia cinética, neste caso, pode ser escrita como:


(5.52)

p12i − p12f
2m1

p22 f
2m2

Digamos agora que, por meio de medidas, determinamos as massas,

Dinâmica de um Sistema de Partículas

213
o momento inicial p1i e o ângulo de espalhamento da partícula incidente 1 . Assim,
podemos calcular p1 f , p2 f e  2. Para tanto, reescrevemos as equações 5.50 e
5.51 como:

( p1i − p1 f cos 1 ) 2 = ( p2 f cos  2 ) 2 ,


( p1 f sen1 ) 2 = ( p2 f sen 2 ) 2 .
Desenvolvendo o quadrado e somando-se estas duas equações, vem:

p22 f = p12i + p12f − 2 p1i p1 f cos 1 .

(5.53)

p22 f na equação 5.52 e ficamos com uma equação


de segundo grau para p1 f , que se resolvendo, fornece:
Substituímos agora

(5.54)

1/2

 m  2
m1
m2 − m1 
2
1
 .
cos 1 ± 
=
 cos 1 +
p1i m1 + m2
m1 + m2 
 m1 + m2 

p1 f

p2 f usando a equação 5.53, e


 2 por meio das equações 5.50 e 5.51. É interessante analisar-

Este resultado permite então se obter


obter

mos alguns casos particulares da equação 5.54.


A primeira observação que podemos fazer é que, se
na raiz se anula quando

(5.55)

1 =  m , onde:
cos 2  m = 1 −

m1 > m2 , o termo

m22
,
m12

0 ≤  m ≤  / 2 , em que os valores limites de  m correspondem


ao limites m1 → ∞ e m1 = m2 , respectivamente. Note que, se 1 >  m ,
e menor que  , você verificará que p1 f será imaginário ou negativo, que não
representam soluções físicas. Isto quer dizer que  m
representa o ângulo máximo através do qual m1 pode ser espalhado.
Quando m1 >> m2 , o ângulo  m é muito pequeno e a partícula incicom

dente é muito pouco espalhada, praticamente seguindo sua trajetória


inicial depois da colisão, o que é observado na prática. A equação 5.54
mostra que, quando 1 <  m existem dois valores de p1 f , o maior corresponde a
uma colisão de raspão, onde a partícula incidente quase
não transfere momento para a partícula em repouso, e o menor corresponde a uma
colisão mais próxima de uma colisão frontal, quando
a partícula incidente transfere boa parte de seu momento linear para
a partícula que estava em repouso. Deve ser lembrado que o caso

1 = 0 pode significar que não houve colisão. Se não há colisão, de214


vemos ter p1 f = p1i . Note que a equação 5.54 fornece este resultado
com a escolha do sinal ( + ) em frente ao radical. Havendo colisão com

1 = 0 , significa colisão frontal e a equação 5.54 fornece a solução


com sinal ( −) em frente ao radical,
(5.56)

p1 f

p1i

p2 f

m1 − m2
, 2 = 0 ,
m1 + m2

p1i

2m2
,
m1 + m2

 2 e a equação 5.53 para obp2 f . Quando m1 = m2 , você poderá verificar que os


resultados em
5.56 se reduzem a p1 f = 0 e p2 f = p1i , a partícula incidente fica em

onde usamos a equação 5.51 para obter


ter

repouso transferindo todo seu momento para a partícula que estava


em repouso. Se as massas forem iguais e o ângulo 1 for diferente de
zero, as equações 5.54, 5.53 e 5.51 fornecem:
(5.57)
e

p1 f
p1i

p2 f

= cos 1 ,

p1i

= sen1 ,  2 =


− 1 ,
2

1 varia entre zero (sem colisão) até  / 2 (colisão frontal), quando

a partícula incidente transfere todo seu momento para a partícula em


repouso.
m1 < m2 , a equação 5.54 mostra que todos
os valores de 1 entre zero e  são permitidos, fornecendo sempre
um valor positivo para p1 f / p1i , com a escolha do sinal positivo em
Na situação oposta, isto é,

frente ao radical. Neste caso, não podemos escolher o sinal negativo,


pois irá fornecer um valor negativo para p1 f / p1i e, já que estamos
calculando o módulo do momento linear, este não pode ser negativo.
Se 1 = 0 , vem p1 f = p1i e, neste caso, não haverá colisão. E no caso
extremo de 1 =  , a colisão é frontal e encontramos:
(5.58)

p1 f
p1i

m2 − m1
,
m1 + m2

2 = 0 ,

p2 f
p1i

2m2
.
m1 + m2

Estes resultados são importantes, pois podem ser usados para a determinação da
massa de uma das partículas. Considere que a massa m1

p1i (ou sua


energia cinética inicial Ec1i ), na qual a medida da energia cinética Ec 2 f ,
2
em uma colisão frontal, permite determinar m1 . Como Ec1i = p1i / 2m1 ,
2
usamos a conservação da energia Ec1i − Ec 2 f = p1 f / 2m1 e a equação
5.58 para p1 f / p1i , de modo que:

seja desconhecida, mas que possamos medir seu momento

Ec1i − Ec 2 f

Chamando

A = 1−

Ec 2 f
Ec1i

 m − m1 
= p / 2m1 =  2
 Ec1i .
 m2 + m1 
2
1f

, obtemos a equação de segundo grau para

Dinâmica de um Sistema de Partículas

215
m1 / m2 :
2

 m1 
 A + 1   m1 
  + 2
   +1 = 0 .
 A − 1   m2 
 m2 
Resolvendo e substituindo o valor de

E
m1
= 2 c1i − 1 ±
m2
Ec 2 f

(5.59)

A , obtém-se:
2

 Ec1i

− 1 − 1 .
 2

 Ec 2 f

Como a solução apresenta dois valores possíveis para

m1 , pode-se

determiná-la de forma unívoca a partir da colisão com outra partícula


de massa m2 diferente (conhecida), ou cujo ângulo de espalhamento seja diferente,
porém conhecido. Este método é essencialmente o
mesmo que James Chadwick (1891-1974) usou para estabelecer a existência do nêutron.

o início da década de 1920, o elétron e o próton


eram partículas cujas existências já haviam sido
amplamente confirmadas e suas propriedades eram
bem conhecidas. Rutherford lançou, nesta época, a hipótese da possibilidade da
ligação de um elétron com
um próton, dando origem a uma partícula sem carga,
de massa praticamente igual à do próton, que ele denominou de “nêutron”. Foram
realizadas várias tentativas,
sem sucesso, para se detectar experimentalmente estas
partículas. O fato de ela não ter carga dificultava a verificação de sua
existência. Em 1932, Chadwick realizou experiências em que um feixe de partículas
alfa incidindo
sobre uma amostra de berílio provocava a emissão, por
esta substância, de algum tipo de “radiação invisível”,
sem carga elétrica, que os físicos suspeitaram tratar-se
de raios gama. Porém, por meio de medidas cuidadosas e cálculos, verificou-se que
se essa hipótese fosse
verdadeira, os princípios de conservação do momento
linear e da energia não estariam sendo satisfeitos. Chadwick recusou-se a admitir
que as leis de conservação
estivessem sendo violadas e formulou a hipótese de
que as leis de conservação eram válidas e que a “radiação invisível”, proveniente
do berílio, fosse constituída
de partículas, os nêutrons, e não de raios gama. Para

216
testar a validade de sua hipótese, Chadwick fez a “radiação invisível” incidir em
uma amostra de hidrogênio,
observando assim a emissão de um grande número de
prótons, que ele considerou como o resultado das colisões dos nêutrons com os
núcleos dos átomos de hidrogênio. De forma simplificada, podemos considerar uma
colisão frontal e, assim, o momento linear do próton
será
. Contudo, o momento
linear do nêutron era desconhecido, e assim Chadwick
contornou esta dificuldade substituindo a amostra de hidrogênio por nitrogênio, de
forma que o momento linear dos núcleos de nitrogênio, depois de uma colisão, é
, o que permite se determinar a massa

do nêutron medindo-se os momento


lineares dos prótons e dos núcleos de nitrogênio, o que é
simples, pelo fato de serem partículas carregadas. Os resultados destes
experimentos forneceram um valor para
a massa do nêutron muito próximo da massa do próton,
como Rutherford havia sugerido. Estes experimentos foram de tamanha importância
para o desenvolvimento
da física nuclear que Chadwick recebeu, em 1935, o prêmio Nobel de Física.

Até o momento, discutimos colisões em que ocorre a conservação


da energia cinética, porém, em muitos casos a energia cinética não
se conserva, como no caso de duas bolas de bilhar. Nestas situações,
pode ocorrer a transformação de energia mecânica em térmica ou em
deformação plástica dos corpos que colidem. Pode ocorrer também a
transformação de energia química em energia cinética, se no momento
da colisão ocorre uma explosão. Ademais, átomos, moléculas e núcleos atômicos
possuem energia potencial interna que pode ser convertida em cinética ou vice-
versa. As colisões entre corpos ou partículas
atômicas onde ocorre transformação de energia são ditas inelásticas.
Seja Q a quantidade que indica a energia cinética ganha ou perdida no

Q > 0 , a energia cinética do sistema aumenta desta quantidade e a colisão é dita


exoérgica. Se Q < 0 a energia cinética diminui
processo. Se

desta quantidade e a colisão é dita endoérgica. Como vimos antes, a


colisão elástica corresponde a Q = 0 . Logo, para colisões inelásticas,
aplicamos a conservação do momento linear total do sistema (equação
5.47) e a conservação da energia (equação 5.49) é escrita como:

Dinâmica de um Sistema de Partículas

217
p12f
p22 f
p12i
p2
.
+ 2i + Q =
+
2m1 2m2
2m1 2m2

(5.60)

As colisões entre corpos macroscópicos são sempre inelásticas e endoérgicas, sendo


que parte da energia cinética é convertida em calor
e outras formas de energia. A energia cinética de translação pode ser
convertida em energia cinética de rotação e vice-versa. As variações
de energias cinéticas de rotação estão incluídas no fator Q , na equação 5.60. As
colisões podem variar desde as aproximadamente elásticas, como colisões com balas
de aço, desde que rotações não estejam
envolvidas, até as completamente inelásticas, em que os dois corpos
permanecem juntos após a colisão.
Numa colisão completamente inelástica, em que uma bala de massa

m e de velocidade v1 colide penetrando em um bloco de massa M ,

inicialmente em repouso, em uma superfície horizontal, a conservação da quantidade


de movimento fornece:

mv1 = (m + M )v2 ,

(5.61)

onde v2 é a velocidade do sistema bala+bloco imediatamente após a


colisão. Observe que admitimos um tempo de colisão extremamente curto, isto é, a
bala rapidamente atinge o repouso em relação ao
bloco. Caso contrário, deve-se levar em consideração a variação no
momento linear devido à força externa (força de atrito). Se  é o coeficiente de
atrito cinético entre o bloco e a superfície horizontal e

o tempo que a bala leva até atingir o repouso em relação ao bloco, a


variação na quantidade de movimento será:

ou

∆p = (m + M )v2 − mv1 = − ∫ (m + M ) gdt ,

(5.62)

(m + M )v2 = mv1 − (m + M ) g  ,

mostrando que podemos usar a equação 5.61 se o tempo de colisão


for muito pequeno. Para que você compreenda onde queremos chegar,
podemos ilustrar isto através do seguinte exemplo numérico. Considere que  =
0,85 , m = 15g e que a massa do bloco seja de M = 3kg ,
tendo a bala uma velocidade de

v1 = 300m/s . Se o tempo de colisão

t = 0,1s , a variação no momento linear do sistema será de ∆p = −2,51Ns ; ora, o


momento linear inicial é 4,5Ns
for grande, digamos

e vemos que a variação é grande. Logo, não existe conservação do


momento linear nesta colisão. A velocidade do sistema imediatamente após a colisão
será dada pela equação 5.62, em que v2 = 0, 66m/s .
Se usarmos a equação 5.61, obtém-se um resultado incorreto e igual a

218
v2 = 1, 49m/s . Por outro lado, se o tempo de colisão, o que geralmente
acontece, for da ordem de 1milisegundo ( t = 0, 001s ), a variação no
momento linear será de apenas ∆p = −0, 025Ns e agora a equação
5.62 fornece v2 = 1, 48m/s , praticamente o mesmo valor que a equação 5.61 fornece
(1, 49m/s) , e podemos dizer que o processo ocorre com a conservação do momento
linear do sistema. Note que, por
mais curto que seja o tempo de colisão, nunca teremos a conservação
exata do momento linear devido à existência de uma força externa
atuando sobre o sistema (a força de atrito).
A quantidade de energia cinética da bala que é transformada em calor
e deformação do bloco, à medida que a bala penetra no mesmo, é:

1
1
Q = (m + M )v22 − mv12 .
2
2

Admitindo-se a conservação do momento linear no processo, temos,


(5.63)

1
 M 
Q = − mv12 
 .
2
m+M 

No exemplo numérico que você estudou anteriormente, o valor de

Q é aproximadamente 671, 6 Joules, enquanto que a energia cinética


inicial da bala era de 675 Joules. O que mostra que praticamente toda
a energia cinética da bala é convertida em outras formas de energia.
Isaac Newton estudou a colisão frontal entre dois corpos, em situações em que não
havia movimento de rotação, e verificou experimentalmente que a razão entre a
velocidade relativa antes do impacto e
depois do impacto era aproximadamente constante para dois corpos
quaisquer. Considere uma colisão com as partículas se movendo ao
longo do eixo x com velocidades iniciais v1i e v2i . As partículas colidem e voltam
ao longo do mesmo eixo com velocidades

v1 f e v2 f . Os

resultados experimentais de Newton se expressam por:


(5.64)

v2 f − v1 f = e(v1i − v2i ) ,

onde e é denominado de coeficiente de restituição tendo valores entre zero e um. Se


e = 1 , a colisão é perfeitamente elástica; se e = 0 ,
completamente inelástica. Em ambos os casos, a conservação do momento linear
fornece:
(5.65)

m1v1i + m2 v2i = m1v1 f + m2 v2 f .

Se forem conhecidas as velocidades iniciais, determinamos as velocida-

Dinâmica de um Sistema de Partículas


219
des finais resolvendo o sistema composto pelas equações 5.64 e 5.65,

(m1 − em2 )v1i + m2 (1 + e)v2i


,
m1 + m2

(5.66)

v1 f =

(5.67)

v2 f =

O cálculo do valor de

(m2 − em1 )v2i + m1 (1 + e)v1i


.
m1 + m2

Q para a colisão é laborioso. O resultado é:

mm
1
Q = − (1 − e 2 ) 1 2 (v1i − v2i ) 2 .
2
m1 + m2

(5.68)

Observe que a equação 5.63 é um caso particular da equação 5.68 para


uma colisão completamente inelástica (e = 0) , com m1 = m , m2 = M ,

v2i = 0 e v1i = v1 . Estudos experimentais recentes têm mostrado que o

coeficiente de restituição não é realmente constante, dependendo das velocidades


iniciais, do meio em que ocorrem as colisões e da história passada dos corpos. Um
corpo que não tenha sido submetido a colisões tem
uma superfície diferente (pelo menos do ponto de vista microscópico) de
um corpo idêntico submetido a inúmeras colisões, pois em cada uma delas ocorrem
deformações microscópicas que alteram a sua superfície.

5.6 O Problema de Dois Corpos


Iremos considerar agora o problema específico de dois corpos que
estão submetidos a forças internas que satisfazem a terceira lei de
Newton. Não devemos esquecer que o centro de massa é governado
pela equação 5.10, que tem a formada equação para uma partícula de
massa total M submetida à força F , que é soma das forças externas
que atuam no sistema. Vamos detalhar o problema de dois corpos e
mostrar que ele pode ser reduzido a dois outros de um único corpo.

Considere duas partículas de massas m1 e m2 com vetores posição r1
e


r2 , como indicado na figura 5.10.

m2
r2
0

r
c.m.
r1

Figura 5.10 - Coordenadas para o problema de dois corpos.

220

m1
e e

i i

Seja F1 , F2 e F1 , F2 as forças externas e internas atuantes nas partículas 1 e 2,


respectivamente,
e
i
 i admitimos que as forças internas
satisfaçam a terceira lei, F1 = − F2 . As equações de movimento para
as duas partículas são:

(5.69)

••

 
m1 r1 = F1i + F1e ,

(5.70)


•• 
m1 r2 = F2i + F2e .

A figura 5.10 mostra que podemos introduzir agora o vetor do centro



de massa rcm e o vetor que dá a posição da partícula 1 relativa a partícula 2, isto
é,
(5.71)



m1r1 + m2 r2

,
rcm =
m1 + m2

(5.72)

  
r = r1 − r2 .

A transformação inversa é:
(5.73)

 
r1 = rcm +

m2 
r,
m1 + m2

(5.74)

 
r2 = rcm −
m1 
r.
m1 + m2

Somando-se as equações de movimento 5.69 e 5.70 e usando a equação 5.71, obtemos:


••




(m1 + m2 ) r cm = F1e + F2e = F ,

(5.75)

onde se usou a terceira lei de Newton para as forças internas. A equa


ção de movimento para r é obtida multiplicando-se ambos os membros da equação 5.72
pelo produto

m1m2 e derivando-se em relação

ao tempo duas vezes. Em seguida, ao usarmos as equações 5.69 e


5.70 e a terceira lei de Newton, obtemos:
(5.76)



F1e F2e

i
m1m2 r = (m1 + m2 ) F1 + m1m2 ( − ) .
m1 m2
••

Admitindo-se que as forças externas sejam proporcionais às massas,


como no caso gravitacional, isto é,
(5.77)



F1e F2e
,
=
m1 m2

a equação 5.76 fica:


Dinâmica de um Sistema de Partículas

221
(5.78)

m1m2 ••
r = F1i .
m1 + m2

Introduzindo as quantidades,

m1m2
,
m1 + m2

(5.79)

=

(5.80)

M = m1 + m2 ,

as equações de movimento 5.75 e 5.78 podem ser escritas como:


(5.81)

••


M r cm = F ,

(5.82)

••

 r = F1i .

A equação 5.81 já é a conhecida equação para o movimento do centro


de massa (equação 5.10), enquanto que a equação 5.82 é a equação
de movimento para uma partícula de massa  (chamada de massa reduzida do sistema)
submetida à força interna que a partícula 2 exerce
i
sobre a partícula 1 ( F1 ) . Logo, o movimento da partícula 1, observado a partir
da partícula 2, é o mesmo que se obteria caso a partícula
2 estivesse fixa e a massa da partícula 1 fosse  . Note que, se a partícula 2 tem
massa muito maior que a massa da partícula 1, a massa
reduzida será ligeiramente menor que a massa da partícula 1. Porém,
se as massas forem iguais, a massa reduzida será a metade da massa
de uma das partículas. Assim, fica claro, através das equações 5.81 e


5.82, que pela introdução das coordenas rcm e r , reduzimos o problema de dois
corpos a dois problemas de um corpo. Quando não existe
força externa resultante, o centro de massa permanece em repouso,
ou em movimento retilíneo uniforme em relação a algum referencial
inercial previamente escolhido. Agora fica claro que foi este o procedimento
adotado quando aplicamos o movimento sob força central ao
movimento dos planetas. A massa do Sol é muito maior que a massa
dos planetas, e assim podemos resolver o problema como de uma
partícula de massa reduzida submetida à força gravitacional do Sol.
Devido às grandes distâncias envolvidas, podemos tratar cada planeta separadamente,
pois as forças gravitacionais entre os planetas são
pequenas. Seus efeitos são pequenos, acarretando leves alterações
(mensuráveis) nas órbitas dos planetas. Da mesma forma, podemos
tratar separadamente o problema Terra-Lua, pois a distância entre a
Terra e a Lua é extremamente menor que as distâncias destes dois
astros ao Sol. Portanto, neste caso a Terra é o centro de força gravitacional em
torno do qual a Lua descreve seu movimento orbital.
Neste momento, é importante explicitarmos como o período orbital

222
dos planetas, dado pela terceira lei de Kepler, é afetado pelo fato de
que o Sol, tendo uma massa finita, realmente não está estacionário na
origem das coordenadas, como foi suposto implicitamente no capítulo
4. Devemos levar em conta o movimento do Sol em torno do centro
de massa. Para isso, escrevemos a equação de movimento (equação
5.81) para o caso de um planeta de massa m p sob a ação da força
gravitacional do Sol de massa

Ms ,

••
GM s m p

r = −
rˆ ,
r2

ou

••
G ( M s + m p )m p

mp r = −
rˆ ,
r2

de modo que na terceira lei de Kepler (equação 4.62),


devemos substituir

T2 =

42 3
a ,
M sG

M s → M s + m p , e assim de forma mais precisa, a

lei de Kepler se expressa como:

T2 =

42
a3 .
G(M s + mp )

Resultado que dá o período orbital para dois corpos quaisquer interagindo sob a
influência mútua de suas forças gravitacionais, isto
é, levando-se em conta a massa reduzida  do sistema. Note que,
como os planetas têm massa muito menor que a massa do Sol, a
diferença entre calcular os períodos com a equação anterior ou com
a equação 4.62 é muito pequena. Note que o período, considerandose a massa
reduzida, T , difere do período sem levá-la em conta por

T2 ≅ T 2 (1 − m p / M s ) . Mesmo no caso do planeta Júpiter, esta diferen-

ça é mínima. Entretanto, se as massas dos dois corpos forem iguais,


temos

T =
2
T e a diferença agora é apreciável. Esta é uma situ2

ação comum nas galáxias, pois se sabe que quase a metade das estrelas constituem
sistemas duplos ou binários, ou seja, elas ocorrem
aos pares, mantidas juntas pela força gravitacional que uma exerce
sobre a outra. Logo, cada estrela gira em uma órbita elíptica em torno
da outra, cujo período é dado por T . Um exemplo típico é a brilhante

2,1M s , e sua companheira, uma pequena e pálida estrela (uma anã branca), cuja
massa é 1, 05M s e cujo
tamanho é de um grande planeta, o que significa que sua densidade
é extremamente alta (30.000 vezes a densidade da água). A distância
entre Sirius e sua acompanhante é de 20UA (como a distância de

estrela Sirius, cuja massa é

Urano ao Sol) e o período orbital calculado é

T = 50 anos terrestres,

o que concorda com o que é observado. Note que este período é bem
diferente do período orbital de Urano (84 anos terrestres).

Dinâmica de um Sistema de Partículas

223
Para finalizar, vale lembrar que, como vimos antes, para um sistema
de muitas partículas, tanto o momento angular como a energia cinética podem ser
expressos em termos de uma parcela correspondente
ao movimento do centro de massa e outra devido ao movimento em
relação ao centro de massa, equações 5.25 e 5.28. Para duas partículas, separamos
estas quantidades físicas em termos da velocidade
 •  
relativa v = r = v1 − v2 e da velocidade do centro de massa,
(5.83)
Resolvendo para



m v + m2 v2

.
vcm = 1 1
m1 + m2

 
v1 e v2 , vem:

(5.84)

 
 
v1 = vcm + v ,
m1

(5.85)

 
 
v2 = vcm −
v.
m2

O momento angular do sistema é:


(5.86)


 
 
L = m1 (r1 × v1 ) + m2 (r2 × v2 ) .

Usando agora as equações 5.73, 5.74, 5.84 e 5.85, podemos reescrever


a equação 5.86 como:
(5.87)


 
 
L = M (rcm × vcm ) + µ(r × v ) .

Equação que é um caso particular da equação 5.25 para um sistema


de duas partículas, uma de massa M e outra de massa  . De maneira similar, a
energia cinética do sistema é:

(5.88)
Ec =

1
1
m1v12 + m2 v22 .
2
2

Usando agora as equações 5.84 e 5.85, obtemos:

(5.89)

Ec =

1
1
2
Mvcm
+ v 2 ,
2
2

e, igualmente, a energia cinética do sistema fica expressa como a


soma das energias cinéticas de duas partículas. Note que, se o sistema de
partículas é isolado, podemos localizar um referencial inercial
no centro de massa do sistema, de modo que as equações 5.87 e 5.89
reduzem apenas a parcela correspondente ao movimento relativo, isto
é,


1
 
L = (r × v ) e Ec = v 2 .
2

224
É conveniente lembrar a você que se pode resolver o problema de dois
corpos como feito nesta seção, mas que se adicionarmos mais um corpo
e tentarmos resolver o problema geral de três corpos, veremos que não é
possível se achar uma solução analítica. Isto é, até o presente, não se conseguiu
resolver as equações de movimento para três corpos de diferentes
massas sob a ação de suas forças gravitacionais mútuas. As dificuldades
matemáticas são insuperáveis, pois as equações de movimento correspondem a um
sistema de nove equações diferenciais de segunda ordem.
Mesmo depois de uma redução na complexidade matemática, por meio
de uma escolha criteriosa de um sistema de coordenadas adequado, e
invocando-se as leis de conservação para se achar constantes do movimento e com o
emprego de modernas técnicas analíticas, o problema
continua insolúvel. Uma maneira de atacar o problema de três corpos é
considerando sua forma restrita. Na forma restrita do problema de três
corpos, consideram-se dois corpos massivos e um terceiro corpo de pequena massa.
Uma análise cuidadosa deste problema fornece alguns critérios para a estabilidade
de algumas órbitas do corpo de pequena massa,
mas mesmo neste caso os cálculos são laboriosos. Atualmente, dadas as
condições iniciais, podemos encontrar soluções numéricas para o problema de três ou
mais corpos com o grau de precisão desejado. Naturalmente, quanto mais complexo for
o sistema considerado, maior será o tempo
computacional exigido para se resolver as equações de movimento.

Resumo
O momento linear total de um sistema de partículas é definido como a
soma dos momentos lineares individuais de cada partícula,
N
 N 

P = ∑ pi = ∑ mvi .
i =1

i =1




Que pode ser escrito como P = Mvcm , sendo vcm a velocidade do centro de massa do
sistema.
A equação de movimento
 para um sistema de partículas submetidas
à força externa total F e a forças internas que satisfazem a terceira
lei de Newton é:

ou



dvcm 
dP
=M
=F,
dt
dt
••



M r cm = Macm = F .
Dinâmica de um Sistema de Partículas

225
Portanto, se a força externa total é nula, o momento total é:


dP
=0 →
dt



P = Mvcm = constante.

Este é o princípio da conservação do momento linear, que afirma que


o momento linear total de um sistema isolado permanece constante.
Para um sistema de muitas partículas, definimos o momento angular
total como a soma dos momentos angulares individuais,

 N 

L = ∑ (ri × mi vi ) .
i =1

Se as forças internas satisfazem a terceira lei de Newton na sua forma


forte, isto é, ação e reação iguais e opostas, e estando segundo a reta
suporte que une as duas partículas, a taxa de variação temporal do
momento angular é:


dL N   e 
= ∑ ri × Fi = T .
dt i =1

Sendo igual ao torque externo total atuando sobre o sistema de partículas. Este é o
teorema do momento angular expresso para um sistema de partículas. Se o torque
externo total for nulo, vem:



dL
= 0 → L = Constante .
dt

Logo, se o sistema é isolado, ou seja, não submetido a torques externos, o momento


angular é constante no tempo, o que é conhecido
como o princípio da conservação do momento angular para um sistema isolado.
Se, num sistema de muitas partículas, as forças internas são conservativas, e sobre
cada partícula atuam forças externas, a taxa de variação da energia mecânica será:
N
d
 
( Ec + V i ) = ∑ vk • Fke .
dt
k =1

Logo, na presença de forças externas não conservativas, a energia


mecânica do sistema não irá permanecer constante. Por outro lado,
se não temos forças externas atuando, a energia mecânica do sistema
de partículas será constante, isto é,

Ec + V i = E = Constante .
Se as forças externas também forem conservativas, suas energias po-

226
tenciais podem ser somadas à energia potencial interna
gia total E = Ec + V será constante.

V i e a ener-

Numa colisão elástica entre duas partículas, aplicamos a conservação


do momento linear e da energia cinética,





p1 f + p2 f = p1i + p2i ,
Ec1 f + Ec 2 f = Ec1i + Ec 2i .
Para colisões inelásticas aplicamos a conservação do momento linear
total do sistema e a conservação da energia,

p12f
p22 f
p12i
p2
.
+ 2i + Q =
+
2m1 2m2
2m1 2m2
Q > 0 , a energia cinética do sistema aumenta e a colisão é dita
exoérgica. Se Q < 0 a energia cinética diminui e a colisão é dita endoérgica. A
colisão elástica corresponde a Q = 0 . As colisões entre
Se

corpos macroscópicos são sempre inelásticas e endoérgicas, sendo


que parte da energia cinética é convertida em calor e outras formas
de energia.
O problema de dois corpos pode ser reduzido a dois problemas de um
corpo, cujas equações de movimento são dadas por:
••


M r cm = F ,
••

 r = F1i .

Sendo


F a força externa total sobre as partículas.

Exercícios
1) Despeja-se água num barril a uma taxa de 60 kg por minuto de
uma altura de 5 metros. O barril tem uma massa de 10 kg e está em
repouso sobre a balança. Determine a leitura (em Newtons) da balança depois que a
água foi despejada no barril durante um minuto
2
( g = 10 m / s ).

Resposta: 710 N.
2) Um pêndulo balístico usado para medir a velocidade de uma bala
Dinâmica de um Sistema de Partículas

227
é construído suspendendo-se um bloco de madeira de massa M por
uma corda de comprimento l . O pêndulo encontra-se inicialmente
em repouso na vertical. Uma bala de massa

m é disparada, atingin-

v e se incrusta nele. O pêndulo se


desloca até que a corda faça um ângulo máximo  m com a vertical.
Determine a velocidade v da bala ao atingir o bloco.
do o bloco com uma velocidade

Resposta: v = 2(1 +


M
) gl sen m .
m
2

3) Uma bala de massa

m e velocidade v colide com o bulbo de um


pêndulo de comprimento l de massa M e emerge do outro lado com
velocidade v / n , onde n > 1 . Admita que o tempo de colisão seja extremamente
curto e que o pêndulo quase não se desloque durante a
colisão (tempo necessário para que a bala atravesse o bulbo). O pêndulo pode girar
livremente no plano vertical.
a) Qual é o menor valor de

v para que o bulbo do pêndulo gire de

uma volta completa?


b) Se n = 4 , m = 20 gramas,

M = 1kg e l = 0,8 metros, qual a ve-

locidade da bala em metros por segundo? ( g

Respostas: a) v = 5 gl

4) Uma caixa de massa

M n
.
m n −1

= 9,8 m/s 2 )

b) 417 m/s .

m cai sobre uma esteira que se move com

v . O coeficiente de atrito de deslizamento entre


a caixa e a esteira é  .

velocidade constante

a) Em que distância a caixa desliza sobre a esteira, antes que seu


movimento atinja a mesma velocidade da esteira?
F deve ser aplicada à esteira para mantê-la em movimento com velocidade constante
depois que a caixa cai sobre
ela.

b) Que força

c) Por quanto tempo deve a força ser aplicada?


d) Calcule o trabalho

WF realizado pela força F para puxar a es-

teira.
e) Calcule o trabalho

W fa realizado pela força de atrito entre a cai-

xa e a esteira.
f) Verifique se a energia fornecida à esteira pela força

F é exata-

mente igual ao acréscimo da energia cinética da caixa mais a


energia dissipada por atrito.

228
Respostas: a) d = v 2 / 2 g ; b) F = mv / ∆t ; c) ∆t = v / g ;
d) WF = mgv∆t = mv 2 ; e) W fa = mv 2 / 2 ; f) WF = 12 mv 2 + W fa .
A energia fornecida à esteira é igual ao acréscimo da energia cinética mais a
energia dissipada por atrito.

5) Um bloco de massa

M fixo a uma mola de constante elástica k

está em equilíbrio sobre um plano inclinado, cujo ângulo de inclinação é  . O


atrito entre o bloco e o plano inclinado é desprezível. Veja a
figura abaixo. Um projétil de massa

m é disparado ao longo do plano

inclinado, indo colidir com o bloco. Considere que o tempo de colisão


seja extremamente curto e que o sistema bloco mais projétil praticamente não se
desloque durante o tempo de colisão.
a) Ache a expressão que fornece a velocidade necessária do projétil para que o
ponto mais alto atingido pelo sistema bloco mais
projétil corresponda à situação em que a mola não se encontra
distendida nem comprimida.
b) Calcule

velocidade

do

projétil,

k = 150N/m ,  = 30° e m =15 gramas.

supondo

M = 3, 0kg ,

c) Qual é a velocidade necessária se  = 90° (bloco fixo na mola


pendurada no teto)?

k
M

v
θ

Figura 5.11 - Colisão de uma bala com bloco fixo por uma mola
em um plano inclinado.

Respostas: a) v = (1 +
c) v ≅ 279 m/s .

M
M ( M + 2m)
)gsen
; b) v =≅ 140 m/s ;
m
k ( M + m)

6)

Uma granada de massa M é lançada verticalmente a partir do


solo com velocidade v0 . No ponto mais alto de sua trajetória, ela explode em duas
partes de massas

m1 e m2 (m1 + m2 = M ) , sendo que

imediatamente após a explosão estas duas partes têm movimento na


horizontal. A explosão da granada libera uma quantidade de energia
Dinâmica de um Sistema de Partículas

229
Q igual a quatro vezes a energia cinética inicial da granada.
a) Obtenha uma expressão que fornece a distância d entre as
duas partes da granada no momento em que atingem o solo.
b) Calcule esta distância para
e

v0 = 15 m/s .

Respostas: a) d =

m1 = 100 gramas, m2 = 300 gramas

v02  m2
m1 
+

 ; b) d ≅ 106 metros.
g  m1
m2 

7) a) Calcule a perda de energia cinética Q para uma colisão frontal


m1 com velocidade de inciv1 , com outra bola de massa m2 em repouso. O coeficiente
de restituição entre as bolas é e .
entre uma bola de bilhar de massa

dência

b) Para m1

= 127 gramas com v1 = 3m/s e m2 = 105 gramas e onde


e = 0, 75 , qual é o valor de Q ?

c) Compare este valor com a energia cinética inicial.

Respostas: a) Q = − 12 (1 − e 2 )

m1m2 2
v1 ; b) Q = 0,113 Joules.
m1 + m2

c) Quase 20 % da energia cinética inicial.

8) Um foguete lançado verticalmente a partir do solo expele massa a


uma taxa que é proporcional a sua massa em cada instante, sendo a
−2 −1
constante de proporcionalidade igual a 10 s . Suponha que a velocidade de escape
dos gases de combustão seja de
quartos

9800 m/s e que três

(3 / 4) da massa do foguete seja de combustível.

a) Quanto tempo leva para o foguete consumir todo o combustível?


b) Quais são os valores da velocidade e a altura do foguete no instante em que
todo o combustível é consumido?
c) Qual é a altitude máxima atingida por este foguete? Quanto tempo ele leva
para atingir esta altitude? Admita que g seja constante e igual a
9,8 m/s 2 . Note que a aceleração deste foguete é

a máxima aceleração suportável pelo homem.

Respostas: a) 138, 6 segundos b) 44.017,8 km/h ; 847,5 km


c) 8.475, 2 km ; 23,1 minutos.

230
9) Um foguete de brinquedo consiste numa garrafa de plástico rígido, parcialmente
cheia de água e contendo também ar a uma alta
pressão p . A água tem densidade  e é ejetada através de um pequeno orifício de
área

A.

a) Calcule a velocidade de exaustão

ve , admitindo que as perdas

de energia por atrito sejam desprezíveis, de forma que a energia


cinética da água que escapa é igual ao trabalho realizado pela
pressão do gás para empurrar a água para fora.
b) Qual é o empuxo deste foguete?

500 gramas, se contiver


500 gramas de água e o orifício de saída de água tendo uma
2
área de A = 5 mm , qual é a pressão necessária para que ele

c) Se o foguete vazio tem uma massa de

possa se sustentar contra a gravidade?


d) Se ele então for largado, de maneira a ser acelerado para cima, quanto tempo
levará até que toda água seja expelida? Que velocidade
máxima o foguete atingirá? (admita que a pressão não mude)
e) Qual a altura do foguete no instante em que atinge a velocidade
máxima? Qual a altura máxima que este foguete atinge? Na
prática, o foguete atingirá esta altura?

Respostas: a) ve2 = 2 P /  ;
b) 2 pA ;
c) p = mg / 2 A = 98 x104 N/m 2 ;
d) 2,27 segundos, 8,45 m/s ; e) 5,65 metros, 9,30 metros.
Não! Por quê?

10)

Um bloco de massa M está suspenso por meio de uma corrente que passa por uma polia
fixa. Veja a figura abaixo. A corrente tem
massa total m e densidade linear de massa  (massa por unidade de

comprimento) e seu comprimento total é d .

a) Se o bloco está inicialmente a uma distância d do centro da


polia, qual é sua velocidade quando a corrente começa a abandonar a polia?
b) Mostre que, se a massa total da corrente for igual à metade da
massa do bloco e  = 1/ 2 , a velocidade ao abandonar a polia
será

v=

5 gd
. Neste caso qual é o resultado para  = 0 ?
6

Dinâmica de um Sistema de Partículas


231
m
v
Figura 5.12 - Bloco suspenso por corrente passando por uma polia fixa.

Respostas:. a) v = 2 gd (1 − )

232

M
M

m
m

+
+1

b) v = 2

gd
.
3
6

Sistemas de Coordenadas
em Movimento
6

Sistemas de Coordenadas em
Movimento

Este capítulo tem como objetivo apresentar a aplicação


da mecânica de Newton em sistemas de coordenadas em
movimento – tanto em movimento uniforme (referenciais
inerciais) como em movimento acelerado (referenciais nãoinerciais). Ao final do
mesmo, o aluno deverá ser capaz de:
• Definir referenciais inerciais e não-inerciais;
• Enunciar o princípio da relatividade newtoniana;
• Explicitar as transformações de Newton-Galileu entre referenciais inerciais;
• Definir forças inerciais ou fictícias;
• Aplicar a mecânica newtoniana em referenciais nãoinerciais com a introdução
de forças inerciais;
• Escrever a equação de movimento em um referencial não-inercial dotado de
movimento de rotação,
explicitando as forças inerciais, denominadas de força transversa, força de
Coriolis e força centrífuga;
• Identificar os efeitos estáticos e dinâmicos devido à
rotação da Terra;
• Descrever o efeito produzido no movimento de um
pêndulo devido à rotação da Terra.

6.1 Referenciais Inerciais e Não-inerciais


Nos capítulos anteriores, vimos que as equações de movimento para
uma partícula, um sistema de partículas ou corpos rígidos são sempre
estabelecidas em um sistema de referência que, ou está em repouso
ou em movimento retilíneo uniforme. Para estudar o movimento de
projéteis, escolhemos um referencial fixo na Terra. Para estudar o movimento da
Terra no espaço, escolhemos um referencial com origem
no Sol, considerado como estando fixo.

Sistemas de Coordenadas em Movimento

235
É importante lembrar que a essência da primeira lei de Newton é que
sempre podemos encontrar um referencial em relação ao qual um corpo isolado esteja
em repouso ou mova-se com velocidade uniforme,
isto é, um referencial inercial. E podemos considerar referencial inercial
como aquele que está em repouso ou tem movimento retilíneo uniforme em relação ao
espaço absoluto. Isto é, a primeira lei nos assegura a
existência de referenciais inerciais que devemos adotar para descrever
o movimento dos corpos, aplicando-se a segunda lei do movimento.
Entretanto, em alguns casos, o sistema físico no qual queremos fixar nosso
referencial está acelerado (um exemplo é a Terra, que gira em torno do
seu eixo, ou um trem acelerado) e um referencial fixo neste sistema é chamado de
referencial não-inercial. Ou em outras palavras, um sistema
de coordenadas acelerado é denominado de referencial não-inercial.
Estritamente falando, qualquer referencial fixo na Terra é não-inercial
devido, à rotação da Terra. Da mesma forma, um referencial localizado no Sol também
é não-inercial, devido à rotação do Sol em torno
do centro da galáxia. Isto nos remete à discussão feita no capítulo 1,
acerca da existência de um referencial inercial perfeito. Vimos que
mesmo as galáxias muito distantes estão aceleradas. Desta maneira,
podemos ou adotar a postura de Newton e definir um referencial inercial como aquele
que ou está em repouso ou em movimento uniforme
em relação ao espaço absoluto. Ou procedemos como Mach, e consideramos que um
referencial inercial é aquele em que a matéria do
Universo não é, em média, acelerada, isto é, referenciais inerciais são
os que se encontram em repouso, ou pelo menos não sofrem aceleração, em relação à
média do movimento da matéria no Universo.
Porém, para fins práticos, sabemos que na maioria das situações, podemos considerar
referenciais localizados na Terra e no Sol como inerciais.
Mas, se estivermos em um foguete acelerado, ou em um trem acelerado,
não podemos desprezar a aceleração do sistema. Como fazer para estudar o movimento
de corpos num sistema de coordenadas acelerado?
E se nosso interesse for estudar o movimento dos corpos levando em
conta a aceleração da Terra? Por exemplo, será que o fato de a Terra ser
um sistema girante afeta a trajetória de projéteis? Para que você seja
capaz de responder a esta e outras questões, veremos agora como aplicar a mecânica
newtoniana em sistemas de coordenadas acelerados.
Primeiro, iremos tratar de sistemas de coordenadas com movimento de
translação acelerado em relação a algum referencial inercial.
Vamos considerar dois sistemas de coordenadas, um sistema linha,

S´ , especificado pelos eixos x´, y´, z´ , que tem movimento de transla-

236
ção em relação ao sistema S , com eixos
so, como se mostra na figura 6.1.

x, y, z , e que está em repou-

Y
Y’
P

0’

r
r0

r’

X’

Z’

Z
Figura 6.1 - Relações entre vetores de posição para dois sistemas de coordenadas
com movimento de translação relativo.

Em um instante t qualquer, um ponto P no espaço é especificado




pelo vetor r em relação à origem O do sistema e pelo vetor r ´ em
relação à origem O´ do sistema S´ . A origem O´ em relação à O é
especificada pelo vetor


 
ro (veja figura 6.1) e a relação entre r e r ´ é:
  
r = r ´+ r0 .

(6.1)
Em componentes,
(6.2)

x = x´+ xo ,

y = y´+ yo ,

z = z´+ zo .

Supomos que durante o movimento, os eixos

x´, y´, z´ do sistema de

coordenadas S´ permaneçam sempre paralelos aos eixos x´, y´, z´ do


sistema S em repouso. Portanto, temos apenas um movimento de
translação do sistema S´ .
Note que, no caso mais geral, pode haver também um movimento de
rotação do sistema S´ em torno de algum eixo, situação que vamos
considerar mais adiante. Derivando ambos os membros da equação
6.1 em relação ao tempo, temos:




 dr dr ´ dro
v=
=
+
,
dt dt dt
Sistemas de Coordenadas em Movimento

237
e como a velocidade do referencial S´ em relação ao referencial S é


vo = dro / dt , obtemos:
(6.3)

  
v = v´+vo .

Derivando novamente obtemos a relação para as acelerações,

(6.4)




 d 2 r d 2 r ´ d 2 ro ,
a= 2 = 2 + 2
dt
dt
dt
  
a = a´+ ao ,


ao é a aceleração do sistema de coordenadas S´ em relação à S .
Assim, se temos
 uma partícula de massa m no ponto P sob a ação
de uma força F , no sistema de coordenadas em repouso (referencial
inercial) S , escrevemos a segunda lei de Newton,

d 2r 
m 2 =F.
(6.5)
dt
onde

Usando a equação 6.4, podemos escrever a equação de movimento


no sistema S´ ,
(6.6)


d 2r´ 

m 2 = F − mao .
dt

O que mostra que no sistema S´ a equação de movimento (equação


6.6) é diferente da equação no sistema S (equação 6.5)
 devido à pre-



−mao .Isto é, no sistema S temos F = ma , mas no


sistema S´ , F ´= ma´= F − mao . Se o sistema S´ tem movimento uni
forme, ao = 0 , e assim,

d 2r´ 
m 2 =F.
(6.7)
dt
sença do termo

Verifique que a equação 6.7 tem a mesma forma da equação 6.5. Isto
permite concluir que a forma da segunda lei de Newton é a mesma em
todos os sistemas de coordenadas que se deslocam com velocidades relativas
uniformes. Este é o Princípio da Relatividade Newtoniana, o qual
estabelece que não há um sistema de referência único; todos os sistemas
de referência movendo-se com velocidades uniformes são equivalentes.
Tais sistemas de referência, que estão em repouso ou se deslocam com
velocidade uniforme, são denominados de referenciais inerciais. Logo, se
as equações de movimento são válidas em um referencial inercial, também serão
válidas em qualquer outro sistema de coordenadas que se
mova com velocidade constante em relação a este referencial. Podemos
expressar esta propriedade da equação 6.6, dizendo que as equações do

238
movimento de Newton permanecem invariantes na forma, ou covariantes
em relação a translações uniformes dos sistemas de coordenadas.
Se o referencial S´ tem velocidade uniforme na direção x e, em t = 0 ,
as origens das coordenadas eram coincidentes, a transformação do
sistema S´ para o sistema S obtém-se a partir das equações 6.2,

x´= x − vot ,
(6.8)

y´= y,
z´= z ,
t´= t.

Note que os intervalos de tempo medidos nos dois referenciais são


iguais (t´= t ) , independentemente do movimento relativo entre eles,
pois adotamos a definição Newtoniana de tempo absoluto. Ou seja,
se você estiver em um avião com velocidade uniforme, quando seu
relógio acusar a passagem de 1 minuto, o relógio de seu colega que
está em terra também irá marcar a passagem de 1 minuto. O movimento uniforme do
avião não afeta medidas de intervalo de tempo
para quem está nele, em relação a quem ficou em terra. As equações
6.8 são conhecidas como as transformações de Newton-Galileu, que
fornecem as transformações de coordenadas entre dois referenciais
inerciais. E podemos enunciar o Princípio da Relatividade Newtoniana
dizendo que as leis do movimento (as leis da mecânica) são invariantes frente a uma
transformação de coordenadas de Newton-Galileu.
O Princípio da Relatividade especial, proposto por Einstein, assegura
que este princípio não está restrito à Mecânica, mas que é válido para
todos os fenômenos físicos. Mais precisamente, a Relatividade especial
é baseada em dois postulados; o postulado da invariância das leis da
física em relação a referenciais inerciais e o postulado de que a velocidade da luz
é constante (independe do referencial escolhido para medila), ou seja, a velocidade
da luz é invariante em relação a referenciais
inerciais. Não iremos considerar as conseqüências dos postulados da
Relatividade especial neste curso. Outro fato importante é que, se analisarmos com
cuidado as equações 6.8, iremos concluir que nenhuma experiência inteiramente
realizada dentro de um referencial inercial será
capaz de determinar a velocidade vo deste referencial. Se você estiver
dentro de um avião com velocidade uniforme, nenhuma experiência inteiramente
realizada lá dentro vai permitir determinar a velocidade do
avião em relação à Terra. É necessário se comparar as medidas com
outra realizada em outro referencial. Ou seja, se você conhece, na equação 6.8, por
meio de medidas, apenas x´ no tempo t , mas não consegue

conhecer x por meio de medidas, não é possível determinar

Sistemas de Coordenadas em Movimento

v0 .

239
Quando o sistema S´ tem movimento acelerado a segunda lei de
Newton torna-se



F = ma´+ mao ,
 

ma´= F − mao .

ou
(6.9)

Que é a equação de movimento no sistema de referência acelerado.


Podemos escrever no referencial acelerado,


 

F´= ma´= F − mao .

(6.10)



F
´= ma´ no sistema S´ , é similar à equação 6.5,



F = ma , porém F ´≠ F devido ao termo −mao na equação 6.10. As-

A equação 6.10,

sim, a aceleração do sistema de referência


é levada em conta pela adi

ção do termo inercial − mao à força F . Termos inerciais nas equações
de movimento são denominados de forças inerciais ou forças fictícias.
Tais “forças” não têm origem na interação entre corpos, como forças
gravitacionais, forças de atrito etc. A origem destas “forças” está na
aceleração do sistema de referência adotado para se estudar o movimento dos corpos.
Sistemas de referência que estejam acelerados são
denominados de referenciais não inerciais, e nestes sistemas a segunda lei de
Newton tem a forma da equação 6.10.
Exemplo 1. Um bloco de madeira está em repouso sobre a superfície
rugosa de uma mesa. Se a mesa for acelerada na direção horizontal,
sob que condições o bloco deslizará?
O sistema S´ é um referencial fixo na mesa e o sistema S é um referencial fixo no
solo. Seja  o coeficiente de atrito estático entre o bloco
e a mesa. A força de atrito


F tem um valor máximo mg , onde m

é a massa do bloco. Para um observador que se desloca junto com a



mesa, a condição para que ocorra deslizamento do bloco ( a´≠ 0) é que
a força inercial



−mao exceda a força de atrito máxima, sendo ao a ace-

leração da mesa. Logo, a condição para que ocorra deslizamento é:



− mao > mg ,
ou

ao > g .

Assim, um observador que se desloca junto com a mesa vê o bloco


deslizar no sentido oposto ao deslocamento da mesa. E para quem está
em repouso no solo, o que acontece? Ora, se a aceleração da mesa for
menor que g , quem está em repouso no solo vê a mesa e o bloco se
moverem juntos. Mas, se

ao > g , quem está em repouso no solo vê o

bloco permanecer em repouso enquanto a mesa desliza de forma acelerada por baixo
dele. Este exemplo deve lembrar a você o truque de se

240
puxar rapidamente uma toalha sobre uma mesa sobre a qual temos alguns objetos. Se
imprimirmos uma aceleração à toalha maior que g ,
removemos a toalha sem movimentar os objetos sobre ela.
Exemplo 2. Um pêndulo de massa

m está fixo no teto de um vagão

de trem, como se mostra na figura 6.2. Admita que o trem tenha uma
aceleração ao para a direita (direção + x ). Um observador não-inercial,
alguém dentro do vagão (figura 6.2a), vê o pêndulo suspenso, formando
um ângulo  com a vertical. Ele acredita que o pêndulo permanece

Fx ´ que atua
a0 em todos

suspenso dessa maneira devido à força inercial

os objetos em seu sistema de referência (figura 6.2b). Um observador


inercial, isto é, em repouso em relação ao trem, percebe também que o
pêndulo está suspenso, formando um ângulo  com a vertical. Entretanto, este
observador sabe que o pêndulo está suspenso dessa maneira
porque uma força é necessária para fornecer ao pêndulo uma θaceleração ao . Pede-
se, então, para calcular a aceleração
Y` ao do trem segundo

F`x

o ponto de vista do observador inercial e, em seguida, que se mostre


que, de acordo com o observador não-inercial, a força Fx ´= − mao é a
X`
responsável pelo fato do pêndulo formar um ângulo  com a vertical.
a)
a0

b)

Y`

F`x

a0

F`x

(b)

Y`
X`

mg

X`
mgX`

X`

Y
Figura 6.2 - (a) Pêndulo
suspenso em um trem
T acelerado conforme visto por: (b) um
Y observador não
inercial e (c) um observador inercial.
a0
Primeiro, resolvemos o problema
para
a0 o observador inercial. Para este
(c) figura 6.2c):
observador, a segunda lei de Newton fornece (veja
(c)
mg
Ou, em componentes,

∑XF = ma .

mgi

Tsen = mao ,

Sistemas de Coordenadas em Movimento

X`

Y
Y`

Y`

mg
c)

a0

Y`

T cos  − mg = 0 .
241

mg (b)

(c)
X
Logo, ao = gtg , e, portanto, o observador inercial conclui que o pêndulo faz um
ângulo  com a vertical devido à aceleração do trem na
horizontal e uma força é necessária para acelerá-lo. Esta força é a
componente x da tensão T no fio de suspensão do pêndulo. A aceleração é, então,
proporcional à tangente do ângulo de deflexão e o
pêndulo serve, assim, como um acelerômetro linear. Já o observador
não-inercial simplesmente verifica que o pêndulo está em repouso,
fazendo um ângulo com a vertical. Ele conclui que (veja figura 6.2b):

∑ F ´ = ma´= 0 ,
i

Tsen − Fx ´= 0 ,

ou

e, portanto,

T cos  − mg = 0 ,

Fx ´= mgtg . Isto é, para este observador, as forças estão

equilibradas e o pêndulo faz um ângulo com a vertical devido à força


inercial Fx ´( = − mao ) . De fato, se o observador dentro do trem efetuar
alguns experimentos dentro do vagão, ele irá concluir que em todos
os casos haverá sempre uma força atuando sobre os objetos, deslocando-os para a
esquerda com uma aceleração ao , além da força
gravitacional na direção vertical.
Exemplo 3. Dois astronautas estão de pé em uma espa
çonave cuja aceleração é ao e na ausência de qualquer
campo gravitacional. Veja a figura 6.3. O astronauta 1 joga
uma bola de massa m diretamente para o astronauta 2,
que está afastado 10 metros do primeiro. Qual deve ser a
velocidade inicial da bola para que ela atinja o astronauta
2 antes de atingir o chão da espaçonave? Admita que o
astronauta 1 jogue a bola de uma altura h = 2 metros em

a0

Y`

Y
X

X`

relação ao chão da espaçonave. Resolva este problema do


ponto de vista de um observador no interior da espaçonave (observador não-inercial)
e do ponto de vista de um
observador fora da espaçonave (observador inercial).
Para qualquer observador no interior da espaçonave, exis
te uma força − mao atuando sobre os objetos (inclusive
sobre o próprio observador). Logo, para um observador na
espaçonave, temos:
••

m x´= 0 ,
Figura 6.3 - Dois astronautas jogando uma
bola em uma nave acelerada.

242

••

m y´= −mao .
Integrando-se com as condições iniciais,
velocidades iniciais

x´(t = 0) = 0 , y´(t = 0) = h e

y´(t = 0) = 0 e x´(t = 0) = v0 x , vem:


x´(t ) = v 0 x t ,

y´(t ) = h − 12 aot 2 .

De modo que a equação da trajetória neste sistema é,

 x´
y´= h − 12 ao 
v

0x


 .

Assim, no sistema S´ , a trajetória da bola será uma parábola, já que


não há forças atuando na horizontal. Considerando que y´= 0 quando x´ é igual a 10
metros, vem:

v0 x = 10

ao
.
2h

Se a aceleração da espaçonave é de
é

ao = g = 9,8 m/s 2 , o resultado

v0 x = 15, 6 m/s . Note que, para os astronautas no interior da es-

paçonave, tudo se passa como se existisse um campo gravitacional



g = −ao . E neste caso, sobre cada astronauta atua uma força inercial


−mA ao = −mA g (onde mA é a massa do astronauta).

Já para um observador inercial, a descrição do que ocorre é diferente.


Para ele, a bola segue em linha reta após ser lançada, e o chão da espaçonave, que
está acelerado para cima, intercepta a bola depois de
algum tempo. Na figura 6.4 mostra-se a posição vertical da bola e do
chão do foguete como função do tempo. Tanto a bola como o foguete
têm a mesma velocidade inicial para cima, v0 y , no instante que o astronauta 1
lança a bola para o astronauta 2.

y = voy t + 0,5aot²
y = h + voy t

tF

Figura 6.4 - Posição vertical da bola e posição vertical do chão do foguete,


segundo
um observador inercial.

Sistemas de Coordenadas em Movimento

243
A interseção das duas curvas fornece o instante em que a bola atinge o chão do
foguete. A posição vertical da bola em cada instante é

yb = h + v0 y t , enquanto que a posição vertical do chão do foguete é


1
yF = v0 y t + aot 2 . A bola atinge o chão do foguete ( yb = yF ) no ins2
tante t F ,
1
h + v0 y t F = v0 y t F + aot F2
2
.
t F = 2h / ao , e como durante este tempo a bola percorre na
horizontal a distância x =10 metros, obtemos,

Logo,

v0 x = x / t F = x / 2h / ao = 10 ao / 2h .
Portanto, os dois observadores calculam a mesma velocidade horizontal de lançamento
da bola. Note que a análise é mais simples para um
observador não-inercial (dentro da espaçonave). De fato, como comentamos
anteriormente, os astronautas estão sob a ação da força inercial


−mao , que gera a mesma sensação física da força peso. Disso, podemos

perceber que um campo gravitacional pode ser simulado por um sistema de referência
acelerado. Este fato foi enunciado por Einstein como
o princípio da equivalência, o qual estabelece que a força gravitacional
experimentada por qualquer corpo próximo de uma grande massa
(como a Terra) é a mesma que a força inercial experimentada pelo corpo
em um referencial não-inercial (sistema de coordenadas acelerado). Ou
seja, como você já sabe de capítulos anteriores, isto significa a equivalência
entre massa inercial e massa gravitacional ( mi = mg = m) .

6.2 Sistemas de coordenadas em rotação


Para que possamos discutir os efeitos devidos à rotação de um sistema de
coordenadas, vamos considerar um sistema de referência fixo

S e um sistema S´ em rotação, de maneira que as origens O e O´ dos

dois sistemas sejam sempre coincidentes. Os vetores unitários dos


dois sistemas são iˆ, ˆj , kˆ para o sistema S e iˆ´, ˆj´ , kˆ´ para o sistema

S´ , como se mostra na figura 6.5.

244
Y

P
X`

r=

r`

Y`
ˆj ` ˆj

iˆ `
X

0
ˆ
kˆ ` i
ˆ
k
Z`

Figura 6.5 - Sistema de coordenadas fixo S e sistema girante S´ .


P no espaço é dada pelo vetor r no sistema

S e pelo vetor r ´ no sistema S´ . Mas, como as origens dos dois siste
 
mas coincidem, o vetor r é o mesmo nos dois sistemas, isto é, r = r ´ .
A posição de um ponto

Somente as componentes são diferentes ao longo dos diferentes eixos.


Escrevendo estes vetores em termos dos vetores unitários, temos:


r = xiˆ + yjˆ + zkˆ e
Como


r ´= x´iˆ´+ y´ ˆj´+ z´kˆ´ .

 
r = r ´ , isto significa que:
xiˆ + yjˆ + zkˆ = x´iˆ´+ y´ ˆj´+ z´kˆ´ .

(6.11)

Ao efetuarmos a derivada com relação ao tempo nos dois membros da


equação 6.11, devemos levar em conta que os vetores unitários iˆ´, ˆj´ ,

kˆ´ não são constantes, pois eles acompanham a rotação do sistema


de coordenadas S´ . Assim, tomando-se a derivada temporal da equação 6.11, vem:

(6.12)

dx
dy
dz
dx´
dy´
dz´
diˆ´
djˆ´
dkˆ´
iˆ + ˆj + kˆ = iˆ´ + ˆj´ + kˆ´ + x´ + y´ + z´ .
dt
dt
dt
dt
dt
dt
dt
dt
dt

O primeiro membro desta equação é o vetor velocidade no sistema

S , e o primeiro termo do segundo membro é o vetor velocidade no


sistema S´ , ou seja,
(6.13)

dx

v = iˆ +
dt

ˆj dy + kˆ dz
dt
dt

dx´
dy´
dz´

v´= iˆ´ + ˆj´ + kˆ´ ,
dt
dt
dt

assim, podemos escrever a equação 6.12 como:

Sistemas de Coordenadas em Movimento

245
diˆ´
djˆ´
dkˆ´
 
v = v´+ x´ + y´ + z´ .
dt
dt
dt

(6.14)

Os últimos três termos no lado direito desta equação representam a


velocidade devida à rotação do sistema de coordenadas S´ e devemos
determinar como as derivadas temporais dos vetores unitários

kˆ´ estão relacionadas a esta rotação.

iˆ´, ˆj´ ,

Em qualquer instante, a rotação do sistema S´ é especificada pelo


eixo de rotação e pela velocidade angular em torno deste eixo. Considere que o eixo
de rotação seja especificado pelo vetor unitário nˆ e 

seja velocidade angular em torno deste eixo. O produto nˆ é o vetor


velocidade angular de rotação do sistema:


 = nˆ .

(6.15)

O sentido do vetor velocidade angular é dado pela regra da mão direita,


similar à definição do produto vetorial, como se mostra na figura 6.6.

ω
Z`
k`
0
i`

Y`

X`

Figura 6.6 Vetor velocidade angular de um sistema de coordenadas girante.

Para

que

possamos

determinar

as

derivadas
temporais

diˆ´/ dt , djˆ´/ dt , e dkˆ´/ dt , considere a figura 6.7, que mostra a variação


∆iˆ´ devido a uma pequena rotação ∆ do vetor unitário iˆ´ em torno

do eixo de rotação.

ω
∆θ
^
∆i`

φ
0`
Figura 6.7 - Variação no vetor unitário

246

iˆ´

^
i`
devida a uma pequena rotação

∆ .
Para facilitar a visualização, na figura 6.7 omitimos os vetores ˆj´ e kˆ´ .
A partir desta figura, pode-se ver que o módulo de ∆iˆ´ é, aproximadamente,

∆iˆ´ ≅ (sen)∆ ,

(6.16)


 o ângulo entre os vetores iˆ´ e  . A rotação de um ângulo
∆ ocorre num intervalo de tempo ∆t , e assim,

sendo

diˆ´
∆iˆ´
d
= lim
= sen
= (sen)  .
dt ∆t →0 ∆t
dt

A figura 6.7 mostra que ∆iˆ´ é perpendicular a ambos os vetores 
e iˆ´ e, conseqüentemente, a partir da definição do produto vetorial,
(6.17)

podemos escrever a equação 6.17 na forma vetorial, isto é, a taxa de


variação temporal do vetor unitário iˆ´ como sendo igual ao produto
vetorial entre o vetor velocidade angular e o próprio vetor

iˆ´ ,

diˆ´  ˆ
= ω× i ´ .
dt

(6.18)

Usando o mesmo procedimento para os outros dois vetores unitários,


encontramos:

djˆ´  ˆ
= ω× j´ ,
dt

dkˆ´  ˆ
= ω× k´ .
dt

Agora podemos reescrever o segundo termo do segundo membro da


equação 6.14 como:




diˆ´
djˆ´
dkˆ´
+ y´ + z´
= x´(  × iˆ´) + y´(  × ˆj´) + z´(  × kˆ´)
dt
dt
dt

=  × ( x´iˆ´+ y´ ˆj´+ z´kˆ´)

(6.19)

 
= × r´ .

Esta é a velocidade do ponto

P devida unicamente à rotação do siste-

ma de coordenadas S´ . Usando o resultado dado na equação 6.19 na


equação 6.14, podemos reescrever a vetor velocidade como:
(6.20)

   
v = v´+  × r ´ .

Que podemos escrever de forma mais explícita:

(6.21)



   d 
 
 dr   dr ´ 
  =
 +  × r ´=   +  ×  r ´ .
 dt  S  dt  S ´
 dt  S ´

Sistemas de Coordenadas em Movimento

247
Este resultado mostra que a operação de diferenciação do vetor posição com respeito
ao tempo no sistema fixo ( S ) é equivalente a esta


( S´) mais a operação x . A equação 6.21 é facilmente demonstrável para qualquer
vetor Q , isto é,

operação no sistema em rotação



 dQ   dQ 
 

 =
 + × Q .
 dt  S  dt  S ´

(6.22)

Podemos aplicar o resultado 6.22 para o vetor momento linear, vetor momento
angular, vetor velocidade etc. No caso do vetor velocidade, vem:



   d         
 dv   dv 
(6.23) 
 =   + ω× v =   (v´+ ω× r ´)  + ω× (v´+ ω× r ´) ,
 dt  S  dt  S ´
 dt  S ´

onde usamos a equação 6.20. A equação 6.23 pode ser escrita como:



    
 dv   dv´ 
d   
  =
 +  (  × r ´)  +  × v´+  × (  × r ´) ,
 dt  S  dt  S ´  dt
S´
ou





    
 dv   dv´ 
 d      dr ´ 
(6.24) 
 =
 +
 × r ´+  × 
 +  × v´+  × (  × r ´)
 dt  S  dt  S ´  dt  S ´
 dt  S ´
Agora lembramos que:




   d 
•
 d   d 

 =
 + ×  = 
 = ,
 dt  S  dt  S ´
 dt  S ´

(6.25)

isto é, a equação 6.25 mostra que não existe distinção entre calcularmos a derivada
temporal do vetor velocidade angular no sistema fixo
ou no sistema em rotação.

Como v´= dr ´/ dt e a´= dv´/ dt , a equação 6.24 pode ser reescrita como:
(6.26)

  •      
a = a´+  × r ´+2  × v´+  × ( × r ´) ,

equação que fornece a aceleração no sistema fixo em termos da posição, velocidade e


aceleração no sistema em rotação. Naturalmente,
se as origens O e O´ dos sistemas S e S´ não forem coincidentes e

o sistema S´ , além do movimento de rotação, tiver também um movimento de


translação acelerado, as equações 6.20 e 6.26 incluirão a


velocidade ( vo ) e aceleração ( ao ) do sistema S´ , isto é,
(6.27)
(6.28)

248

    
v = v´+  × r ´+vo ,
  •       
a = a´+  × r ´+2  × v´+  × ( × r ´)+ao .

Na equação 6.26 o segundo membro contém, além da aceleração


a´ da
• 
partícula no sistema S´ , mais três termos. O termo  × r ´ é denominado de
aceleração transversa, pois é perpendicular ao vetor posição


r ´ e só está
presente se o sistema girante apresentar uma
aceleração
•
•
angular  . Iremos tratar apenas de situações em que  = 0 . O termo
 
2 × v´ é conhecido como aceleração de Coriolis, que é perpendicular
  

a v´ , e o termo  × ( × r ´) é o termo centrípeto que aponta para o

centro da trajetória. Na figuras 6.8, se mostram as várias componentes da equação


6.26 para uma partícula movimentando-se no plano

xy , em um sistema de coordenadas em rotação não-uniforme.


Z`
ω

ω
o`

Y`
ω×(ω×r`)

2ω×v`

r`

X`

v`

-ω×r´

Figura 6.8 - As componentes transversa, de Coriolis e centrípeta da aceleração.

Exemplo 4. Um disco de raio R0 rola em linha reta em uma superfície



horizontal, deslocando-se com velocidade vo . Qual é a aceleração de

P qualquer da borda do disco em relação ao solo? A figura 6.9


mostra o disco e o sistema de coordenadas S´ fixo no disco que rola.
um ponto

Z`

P
r`
0`

v0
0

X`

Y`

R0
Y

X
Figura 6.9 Sistema de coordenadas girante fixo em um disco que rola em um plano.
Sistemas de Coordenadas em Movimento

249
Como podemos escolher qualquer ponto, escolhemos o ponto P sobre

o eixo Z ´ , como indicado na figura 6.9. No sistema S´ , temos r ´= R0 kˆ´ ,



vo ˆ
 •
 • ••
ˆ
v´= r ´= 0 e a´= v´= r ´= 0 , e a velocidade angular é  = i ´= i ´ . No
R0
sistema S , fixo no solo, calculamos a aceleração do ponto P do disco

usando a equação 6.28, que agora se reduz a:

   
a =  × ( × r ´) ,
pois os demais termos são nulos. Assim,

v2

a = iˆ´× (iˆ´× R0 kˆ´)=iˆ´× (iˆ´× kˆ´) o ,
R0
vo2
vo2 ˆ
 ˆ
ˆ
a =(i ´× (− j´))
= − k´
R0
R0
Ou seja, como esperado, a aceleração centrípeta aponta para o centro
do disco.
Exemplo 5. Vamos considerar agora que o disco, em vez de se deslocar em uma linha,
esteja descrevendo uma trajetória circular de raio

R , conforme se ilustra na figura 6.10. Qual é a aceleração do ponto P

em relação a um referencial fixo no solo com origem O no centro da


trajetória circular do disco?
Z`


v0

v0 2
R0

o`
ω1
R0

X`

Y`

v0 ˆ
ω1 = i `
R

R

ω

�� v
ω = o kˆ`
R

Figura 6.10 - Disco rolando em um plano ao longo de uma trajetória circular.

Agora, o sistema girante S´ descreve uma trajetória circular de raio

 vo2 ˆ
R , de modo que sua aceleração é ao = i ´ e sua velocidade angular
R

250
 v
 = o kˆ´ . Do exemplo 4, sabemos que qualquer ponto da borda do
R
v2
disco tem uma aceleração o apontado para a origem O´ (veja figuR0

ra 6.10) e isto significa que, no sistema S´ , a aceleração a´ do ponto
v2
 ••

P é a´= r ´= − o kˆ´ e a velocidade deste ponto é v´= −vo ˆj´ . Portanto,
R0
o termo de Coriolis é:

 
v
v2
2 × v´= 2 o kˆ´× (−vo ˆj´) = 2 o iˆ´ ,
R
R

e a parte centrípeta é:

   v2
 × ( × r ´)= o2 kˆ´× (kˆ´× Rkˆ´) = 0 .
R
Como a aceleração angular é nula, a equação 6.28 aplicada para a
aceleração do ponto P em relação ao solo se reduz a:

v2
v2
v2
    
a = a´+2  × v´+ ao = − o kˆ´+2 o iˆ´+ o iˆ´ ,
R0
R
R
ou

v2
v2

a = 3 o iˆ´− o kˆ´ .
R
R0

Note que, se o raio da trajetória circular for muito maior que o raio
do disco ( R >> R0 ) , isto é, se a trajetória é praticamente retilínea

( R → ∞) , o resultado acima se reduz ao do exemplo anterior.

6.3 Dinâmica em Sistemas em Rotação


Para se obter a força sobre uma
de massa m em um refe partícula

rencial não-inercial, usamos F = ma , onde a aceleração é dada pela
equação 6.28, isto é,
(6.29)

• 
 
  



F = ma = ma´+ m  × r ´+2m × v´+ m × ( × r ´)+mao ,

e, portanto, no referencial em rotação,


(6.30)

• 
 
  
 

ma´= F − m  × r ´−2m × v´− m × ( × r ´) − mao .

O que mostra de forma clara que, para um observador no referencial



não-inercial a força ma´ é devida à força F , que tem origem na interação entre
corpos (quer dizer força gravitacional, força de atrito, força elétrica, força
magnética etc) e também é devida a forças inerciais
Sistemas de Coordenadas em Movimento

251
que não têm origem na interação entre corpos, sendo que sua origem
está no fato de que o sistema de referência está acelerado. Podemos
escrever a equação 6.30 como:


   

ma´= F + Ft + FCo + FCe − mao ,

(6.31)
onde:


F → Força devida a interações entre corpos.

• 

Ft = −m  × r ´ → Força transversa, perpendicular ao vetor r ´ . Só
está presente quando o sistema tem aceleração
ou desaceleração angular.


 

FCo = −2m × v´ → Força de Coriolis, perpendicular ao vetor v´ . Sua

origem está no deslocamento da partícula, com



velocidade v´ , no sistema em rotação.


  
FCe = −m × ( × r ´) → Força Centrífuga, com direção radial,

apontando para fora do eixo de rotação.


−mao → Força inercial devido à aceleração do sistema em seu
movimento de translação.
Na figura 6.11, estão indicadas as forças inerciais que atuam em uma
partícula num sistema girante. Nesta figura, o sistema em rotação tem
uma desaceleração angular

(  < 0) e a partícula está se deslocando

em um plano, como indicado. Observe que a força de Coriolis deflete a


partícula segundo um ângulo reto com a direção do movimento.

Z`
ω

ω<0
o`
ω

Y`
Ft
r`
v`

X`

Fco

Fce

Figura 6.11 Forças inerciais atuando em uma partícula num sistema girante
desacelerado.

252
A equação 6.31 mostra claramente que, introduzindo-se as forças
inerciais (ou fictícias), as leis de movimento em relação a sistemas de
coordenadas em movimento de rotação serão iguais às equações em
um referencial inercial. Note que as forças inerciais são forças fictícias, pois
não resultam da interação entre corpos, e não satisfazem
a terceira lei de Newton. Como as forças inerciais que atuam sobre
um corpo são devidas à aceleração do sistema, não existe nenhum
corpo onde ocorra a reação. Desta maneira, em problemas de mecânica, nós temos duas
opções: escolhemos um referencial inercial e
descrevemos o movimento apenas em termos de forças reais, isto é,
que resultam da interação entre corpos; ou escolhemos um referencial não-inercial e
descrevemos o movimento em termos de forças
oriundas da interação entre corpos e de forças inerciais que surgem
devido à aceleração do referencial escolhido.
Entretanto, forças inerciais (fictícias) são bastante reais para observadores em
sistemas acelerados, como vimos no exemplo dos astronau
tas em uma espaçonave com aceleração g . Cotidianamente, também
sentimos estas forças. O exemplo mais simples é quando você amarra
uma pedra com um fio e a faz girar. Você sente uma força tendendo
a puxar a pedra, afastando-a do eixo de rotação, esta é a força centrífuga. Para um
observador que gira junto com a pedra, ela está em
repouso, pois a força centrífuga para fora é balanceada pela tensão no
fio, que aponta para o centro da trajetória. Mas, para um observador
inercial, não existe força inercial denominada centrífuga, existe apenas a tensão
no fio, que neste caso é a força centrípeta, que produz a
aceleração radial da pedra. Em outro exemplo, imagine-se dirigindo
um carro e efetuando uma curva para a direita. Para uma pessoa no
solo, o carro possui uma aceleração centrípeta e, logo, é um sistema
de referência não-inercial. Se o carro tem assentos bem lisos, você irá
sentir-se deslizando sobre o assento para a esquerda. Para o observador no solo
(num referencial inercial), isto é bem natural; o seu corpo
está apenas tentando obedecer a primeira lei de Newton e seguir em
linha reta e é o carro que está deslizando embaixo de você para a direita. Do seu
ponto de vista, num referencial não-inercial, você atribui
o seu deslizamento a uma força inercial que o puxa para a esquerda.
Esta é a força centrífuga, isto é, que aponta para fora do eixo de rotação. O fato
de que as forças centrífugas tendem a afastar os corpos
de seu eixo de rotação motivou Newton a explicar a razão pela qual
a água no interior de um balde que gira rapidamente tem sua superfície côncava,
através da experiência do balde de Newton. Trata-se de
uma experiência em que consideramos duas situações para um balde
suspenso por uma corda contendo água no seu interior. A primeira
situação é quando o balde e a água estão em repouso em relação à
Sistemas de Coordenadas em Movimento

253
Terra e a água tem a superfície plana. A segunda situação é quando,
depois de ser torcida a corda e, depois de liberada, o balde e a água
têm um movimento de rotação em relação à Terra e a superfície da
água é côncava. Newton, analisando a situação, concluiu que nem o
balde, nem a Terra e nem as estrelas fixas no céu são responsáveis
pela forma côncava da água. Para Newton, a causa da concavidade
da superfície da água era a rotação da água em relação ao espaço
absoluto. Ou seja, a água se afasta do eixo de rotação, formando uma
superfície côncava, devido à força centrífuga que atua sobre ela, força
cuja origem está na rotação da água em relação ao espaço absoluto.
A força centrífuga, inclusive, é usada como base de dispositivos práticos como a
centrífuga, um instrumento de laboratório muito útil. Uma
centrífuga baseia-se no fato de que, à medida que uma mistura de
substâncias se move rapidamente em círculo, as substâncias
de maior

2
massa experimentam uma força centrífuga maior ( FCe = m r ) e
afastam-se mais do eixo de rotação. A força centrífuga serve também
para calcularmos, por exemplo, a velocidade máxima de rotação da
Terra sem que corpos em sua superfície sejam lançados ao espaço.
Isto é simples, suponha um corpo de massa m localizado no Equador, assim basta
pensar no caso limite quando a força centrífuga se
iguala à força peso, isto é,
(6.32)
Se a massa de uma
estrela normal fosse
comprimida em um
volume suficientemente
pequeno, os prótons e
elétrons seriam forçados
a se combinar e formar
nêutrons. Por exemplo,
uma estrela com 70% da
massa solar produziria
uma estrela de nêutrons
de apenas uns 10 km de
raio. Mesmo com uma
temperatura superficial
de 50.000K, seu raio é
tão pequeno que sua
luminosidade total seria
um milhão de vezes menor
do que a do Sol.

GMm
= m2max R .
2
R

Supondo a Terra uma esfera de raio

R e densidade  , M = 43 R 3 , e

2max = 43 G  é a velocidade angular máxima. Observe que po2


demos escrever max = g / R onde g é o valor do campo gravitacional
3
3
na superfície. Para a Terra, cuja densidade média é 5,522 x10 kg/m ,
-3
temos uma velocidade máxima de ωmax = 1, 24 x10 rad/s , e assim a
assim,

duração do ‘dia’ seria de apenas 5067 segundos, ou 1 hora e 24 minutos. Podemos


aplicar este resultado para uma estrela de nêutrons.
Estrelas de nêutrons possuem uma densidade comparável às densida15
3
des de núcleos atômicos, aproximadamente 10 kg/m , logo a velocidade angular máxima
de rotação de uma estrela de nêutrons, sem que
massa se desprenda de seu Equador, é ωmax = 528 rad/s o que significa
84 rotações por segundo! Medidas de pulsos de radiação eletromagnética emitidas por
estrelas de nêutrons, também denominadas de
Pulsares, mostram que estas estrelas têm uma freqüência de mais de
50 rotações por segundo. Observe que a equação 6.32 também fornece a resposta para
a velocidade angular de uma estação espacial
circular de raio RE , de modo que os astronautas tenham a mesma
sensação de peso que na superfície da Terra. Igualando a força centrífuga à força
peso, como na equação 6.32, obtém-se a velocidade

254
2

angular necessária,  E , da estação espacial,  E = g / RE . Para uma


0
estação orbital com raio de 10 km, vem ωE = 0, 0313rad/s = 1,8 /s , ou
seja, um período de aproximadamente 200 segundos.

força de Coriolis tem essa denominação em homenagem a Gustave-Gaspard Coriolis


(1792-1843), matemático e engenheiro francês. No final do século XVIII e
início do século XIX, houve um grande desenvolvimento
teórico da Mecânica e, sendo engenheiro, Coriolis tinha
por objetivo tornar os conhecimentos teóricos aplicáveis
na compreensão e desenvolvimento de máquinas industriais. Em um artigo de sua
autoria, de 1835, Coriolis definiu matematicamente a força que, mais tarde, levaria
seu nome. Neste trabalho, a força de Coriolis aparece
como uma componente suplementar da força centrífuga, e os argumentos de Coriolis
baseavam-se na análise
do trabalho e da energia cinética e potencial de sistemas
mecânicos em rotação. Porém, foi somente em fins do
século XIX que a força de Coriolis foi mencionada na
literatura meteorológica e oceanográfica, sendo que a
denominação “força de Coriolis” surgiu já no início do
século XX.

Veremos na próxima seção que a força de Coriolis dá origem a diversos fenômenos na


superfície da Terra, influenciando o movimento das
massas de ar, desviando a trajetória de projéteis de longo alcance e
fazendo girar o plano de oscilação de um pêndulo.

m rasteja com velocidade constan


te v´ do centro para a periferia de um disco que gira com velocidade
constante  . Determine as forças atuando no inseto em um referenExemplo 6. Um
inseto de massa

cial que gira com o disco. Se o coeficiente de atrito estático entre o


inseto e o disco for  , determine a distância máxima que o inseto
rasteja sem deslizar.
Note que o enunciado afirma que o inseto tem velocidade uniforme
no sistema em rotação, logo, neste sistema sua trajetória só pode ser
retilínea. A figura 6.12 mostra as forças que atuam no inseto segundo
um referencial fixo no disco girante.

Sistemas de Coordenadas em Movimento

255
ω
Y`

X`
F

v`
Fce
r`
Fco

Figura 6.12 - Força de atrito F e forças inerciais atuando no inseto.

Um observador na origem O do referencial S´ descreve a trajetória


do inseto como sendo retilínea, isto é, na direção radial, de dentro
para fora. Já um observador num referencial fixo no solo descreve a
trajetória do inseto como sendo uma curva. A solução deste exemplo
é mais simples em um referencial que gira com o disco. Escolhemos
o sistema S´ , de maneira que o eixo x´ coincida com a trajetória do
inseto. Isto significa que


 •
 •

r ´= iˆ´x´ , v´= r ´= iˆ´x´= iˆ´v´ e a´= v´= 0 são a

posição, velocidade e aceleração no sistema S´ . A velocidade angular


é


 = kˆ´ e é constante, de modo que as forças inerciais diferentes de

zero são a de Coriolis e centrífuga. A força de Coriolis é:


 
FCo = −2m × v´= −2mv´(kˆ´× iˆ´) = −2mv´ ˆj´ ,
enquanto que, para a força centrífuga, temos:


  
FCe = −m × (  × r ´) = −m2 (kˆ´× (kˆ´× iˆ´x´)) = m2 x´iˆ´ ,
e a equação 6.31 fornece:


F − 2mv´ ˆj´+ m2 x´iˆ´= 0 .


F , entre o inseto e o disco, conforme se mostra na fi
gura 6.12, é a soma das forças inerciais, pois a aceleração a´ do inseto

A força de atrito

é nula. A força de Coriolis se mantém constante, mas a força centrífuga aumenta à


medida que o inseto rasteja
em direção à borda do disco.

Sendo o módulo da força de atrito F = mg , o inseto irá começar a

256
deslizar, a uma distância x´= d , quando o módulo da soma das forças
inerciais for maior ou igual ao valor da força de atrito, ou seja,


FCe2 + FCo2 ≥ F ,
ou,

(m2 d ) 2 + (2mv´) 2 ≥ mg ,


d≥

2 g 2 − 4( v´) 2
.
2

( g >> v´) , podemos tomar


d ≥ g / 2 . Por exemplo, se a velocidade do inseto for de 2 mm/s e o disco girar
a 30 rotações por minuto (  radianos
por segundo), com um coeficiente de atrito de  = 0, 4 , o inseto irá
percorrer uma distância aproximada de 40 cm antes de começar a
2
deslizar. Note que, como d depende de 1/  , se dobrarmos a velociSe a velocidade
do inseto for baixa
aproximadamente

dade do disco, a distância será reduzida quatro vezes.

6.4 Efeitos Estáticos e Dinâmicos devido


à Rotação da Terra
Devido à rotação da Terra, um sistema fixo nela é um sistema girante
e, portanto, um referencial não-inercial. Entretanto, a velocidade an-5
gular da Terra é ω = 2π / 86.400 = 7, 27 x10 rad/s e, logo, os efeitos
esperados devem ser pequenos. Iremos considerar, de início, efeitos
estáticos e, em seguida, dinâmicos.

6.4.1 Efeitos estáticos


Vamos analisar, como exemplo de efeito estático resultante da rotação da Terra, o
fio de prumo, que usualmente é utilizado para definir
a direção “vertical”, isto é, perpendicular à superfície da Terra. Vamos
descrever esta situação estática usando um sistema de referência girante com origem
no centro da Terra e analisando as forças sobre o
‘peso’ do fio de prumo, cujo ‘peso’ tem massa m e que gira com a

Terra. Assim, escolhemos o referencial girante S´ para descrever as


forças que atuam sobre o fio de prumo. A figura 6.13 a e b mostram as
forças atuantes no peso do fio de prumo no hemisfério norte e hemisfério sul,
respectivamente. Nesta figura,  é a latitude geocêntrica e
especifica a posição do fio de prumo em relação ao Equador.

Sistemas de Coordenadas em Movimento

257
ω
T

- mω (ω r)

Rcosλ

mg
λ

ο
mg

(a) HN

mge
Equador

mge
- mω (ω r )

T
(b) HS

Figura 6.13 - Forças atuantes no peso do fio de prumo: (a) HN - Hemisfério Norte
(b)
HS - Hemisfério Sul.

As forças
são as forças peso mg , a tensão
 atuantes no fio de prumo
  

no fio T e a força centrífuga − m × (  × r ´) , onde r ´= Rrˆ´ , sendo R o

rˆ´ um vetor unitário na direção radial. Como no siste-

raio da Terra e

ma girante o fio de prumo está em repouso, a equação 6.31 fornece:


 


ma´= 0 = T + mg − m × (  × Rrˆ´) ,

(6.33)


  
T = −m( g −  × (  × Rrˆ´)) .
(6.34)

E assim, a direção do fio de prumo (na vertical) tem a direção da ace


  
leração efetiva da gravidade, g e = g −  × (  × R rˆ´) , e não a radial, que
é a direção de


g . A superfície de um líquido em equilíbrio é perpen-


g e e um corpo largado de certa altura tem aceleração inicial


g e . Também a superfície da Terra tende a ser perpendicular a g e , o

dicular a

que colabora para a sua forma de um elipsóide achatado nos pólos (o


raio equatorial da terra é apenas 21km maior que o raio polar). Podemos ver,
entretanto, que a correção é pequena, pois:

  
 × (  × r ´) = 2 R cos  .

(6.35)
No
2

Equador,

-2

esta
2

contribuição
-3

tem

valor

máximo,

ω R = 3,38 x10 m/s = 3, 45x10 g , ou seja, uma correção que cor2


responde a apenas 0,34% do valor local (9,80 m/s ) da aceleração da
gravidade. Isto acarreta numa pequena diferença entre a direção radial

258
e a direção vertical. Na figura 6.13a, vê-se claramente que este desvio é
para o sul no hemisfério norte, enquanto que a figura 6.13b mostra que
este desvio é para o norte no hemisfério sul. Note que, no Equador e
nos pólos, a direção vertical coincide com a direção radial. Nos pólos,
 
porque r ´/ /  , e no Equador porque o termo centrífugo é antiparalelo
a



g . Para se obter o desvio, considere o ângulo  entre os vetores g e


g e , como mostra a figura 6.14.

mg

mge

Rω2cosλ
Figura 6.14 - Desvio

 na linha do fio de prumo.

Aplicando-se a lei dos senos, vem:


(6.36)

sen
sen
=
,
 R cos 
ge

(6.37)

2 Rsen2 
sen =
.
2 ge

(  = ±  / 2) e
no Equador (  = 0) , tendo um valor máximo para  =  / 4 . Como o

Note que, como esperado, o desvio anula-se nos pólos

ângulo é muito pequeno, podemos aproximar o seno do ângulo pelo


ângulo (em radianos), de modo que para  =  / 4 , temos somente

ε ≅ ω2 R / 2 g ≅ 1, 7 x10−3 radianos ≅ 0,10 de desvio. Note que, por último,


ignoramos a pequena diferença entre g e g e no cálculo do ângulo de
desvio. Obviamente, esta não é uma análise precisa, pois consideramos

que o valor local de g seja constante, o que não é verdade, pois a Terra
não tem a forma esférica, e assim o valor local de


g varia com a latitude.

Ademais, grandes depósitos de minérios e/ou montanhas podem afetar o


valor local da gravidade, logo, não é possível, sem esta informação, obter
o desvio preciso de forma teórica. Porém, estas variações acarretam em
diferenças muito pequenas nos desvios, de maneira que, para fins práticos, a
equação 6.37 fornece o desvio com precisão suficiente.

6.4.2 Efeitos dinâmicos


Para analisarmos os efeitos dinâmicos devido à rotação da Terra no
movimento de uma partícula, vamos escolher um referencial na su-

Sistemas de Coordenadas em Movimento

259
perfície da Terra com o eixo z´ na vertical, o eixo x´ na direção leste e
o eixo y´ na direção norte. A figura 6.15a mostra o referencial adotado
quando se analisa o movimento da partícula no hemisfério norte. Para
considerarmos o movimento no hemisfério sul, basta trocar  → −  .

ω
Norte
Y`

Equador

R
o λ

ω
Z` Vertical

o`

X` Leste

ω2Rcosλ = ao
o`

Equador

λ
R

S
(a)

Y`
Nor
te

Z`

ω
ωco


ωse

(b)

te
Les
X`

(c)
Figura 6.15 - (a) Referencial S´ fixo na superfície da Terra. (b) Aceleração
centrípeta

do referencial S´ . (c) Componentes de  no referencial S´ .

Como o referencial S´ escolhido está na superfície da Terra, ele tem


 

uma aceleração ao =  × ( × Rrˆ´) em relação a um referencial inercial
com origem no centro da Terra e que está fixo (que não gira com a
Terra). Isto é, a origem O´ do referencial S´ está descrevendo uma
trajetória circular de raio R cos  e tem, portanto, uma aceleração


ao = 2 R cos  . Veja a figura 6.15 b. Assim, a equação 6.31
fornece a equação de movimento para uma partícula de massa m no
referencial S´ :
centrípeta

(6.38)
onde

••
 •
  
 


m r ´= F + mg − mao − 2m × r ´− m × ( × r ´) ,


F é alguma força de interação, como por exemplo, a força devido

à resistência do ar. Note que a equação 6.38 se reduz à equação 6.34

260
para o fio de prumo. Basta
colocar aorigem O´ no peso do fio de prumo


(r ´= 0) e, no caso, F é a tensão T no fio de prumo. E como ele está





em repouso no referencial S´ ( r ´= 0 e r ´= 0) , vem T = − m( g − ao ) ,


que é a equação 6.34. Isto mostra que a direção vertical (eixo ) do
sistema S´ tem a direção de
superfície da Terra, vem que


g e . Considerando o movimento próximo à
  

r ´ << R e, assim, o termo −m × ( × r ´)

na equação 6.38 é bem menor que os demais, de modo que é possível


desprezar este termo, e a equação 6.38 fica sendo:
••
 •
 

m r ´= F + mg e − 2m × r ´ ,

(6.39)
onde escrevemos


 
g e = g − ao . A equação 6.39 é a equação para o

movimento de um corpo próximo à superfície da Terra. Iremos considerar agora o


movimento
de um projétil, porém desprezando-se a

resistência do ar, logo F = 0 , de modo que escrevemos a equação de
movimento para o projétil como:
••
 •


m r ´= mg e − 2m × r ´ .

(6.40)

A figura 6.15c mostra que o vetor velocidade angular faz um ângulo


e, assim, no sistema S´ o vetor velocidade angular tem
componentes  x´ = 0 ,  y´ =  cos  e ωz´ = ωsenλ . Como o movimento é em três
dimensões, o vetor velocidade do projétil tem componentes:
com o eixo



• •
r ´= x´iˆ´+ y´ ˆj´+ z´kˆ´ .

(6.41)
Calculamos o produto

 •
 x r´ ,

ˆj´
iˆ´
kˆ´
 •
 × r ´ = 0  cos  sen ,


(6.42)
Como





 •
 × r ´= ( z´ cos  − y´sen)iˆ´+( x´sen) ˆj´−( x´ cos ) kˆ´ .



g e tem a direção vertical, g e = − g e kˆ´ ; além disso, aqui também

podemos ignorar a pequena diferença entre os valores numéricos de



g e g e de sorte que, g e ≅ − gkˆ´ . Substituindo g e e as componentes

dadas na equação 6.42, reescrevemos a equação de movimento 6.40


em termos das componentes cartesianas,
••


(6.43)

m x´= −2m( z´cos  − y´sen) ,

(6.44)

m y´= −2m( x´sen) ,

••

Sistemas de Coordenadas em Movimento

261
••

m z´= −mg + 2m( x´cos ) .

(6.45)

A primeira observação que se faz acerca das equações de movimento acima é que a
velocidade angular de rotação da Terra é pequena,
, o que resulta em forças de Coriolis de baixa
intensidade, a não ser que as velocidades sejam muito altas. Logo,
como no caso de efeitos estáticos, os efeitos dinâmicos esperados devido à rotação
da Terra também são pequenos. As equações de movimento acima mostram claramente que
a aceleração em uma direção
depende da velocidade em outras direções. A aceleração na direção

x´ depende das componentes da velocidade na direção z´ e y´ , e o

mesmo ocorre para as acelerações nas outras duas direções. Dizemos, então, que as
equações de movimento estão acopladas. Iremos
procurar soluções aproximadas para estas equações, usando o fato
de que a velocidade angular de rotação da Terra é pequena. Um outro
exemplo em que encontramos equações de movimento acopladas é
no movimento de uma partícula carregada em um campo magnético,

pois a força magnética é dada pelo produto vetorial v × B . Voltemos
agora para as equações de movimento 6.43, 6.44 e 6.45. Primeiro, é
necessário que saibamos as condições iniciais e consideremos que
sejam conhecidas, isto é, em t = 0 , temos:
(6.46)


r0 ´= x0iˆ´+ y0 ˆj´+ z0 kˆ´ ,

(6.47)


v0 ´= v0 x iˆ´+v0 y ˆj´+v0 z kˆ´ .

As equações de movimento 6.43 a 6.45 estão acopladas, entretanto é


possível integrá-las uma vez, o que fornece:

(6.48)

x´= −2 ( z´cos  − y´sen) + v0 x ,

(6.49)

y´= −2 x´sen + v0 y ,

(6.50)

z´= − gt + 2 x´cos  + v0 z .


Note que usamos a condição inicial para a velocidade (equação 6.47).
Integrar mais uma vez no tempo não é possível, pois não conhecemos

x´(t ) , y´(t ) e z´(t ) , que fazem parte do segundo membro das equa-

ções 6.48 a 6.50. Entretanto, estes resultados permitem uma solução


aproximada, pois podemos inserir as velocidades

y´ e z´ dadas nas

equações 6.49 e 6.50 na equação 6.43, o que resulta em:

(6.51)

262

••

x´= −2 (− gt + 2 x´cos  + v0 z ) cos  + 2 sen(−2 x´sen + v0 y ) ,


••

x´= 2 gt cos  + 2 (v0 y sen − v0 z cos) − 4 2 x´ .

(6.52)

Agora, lembramos que a velocidade angular é muito pequena

( 2 = 52,8 x10-10 (rad/s) 2 ) e desprezamos o termo envolvendo 2 na

equação 6.52, e assim ficamos com:


••

x´= 2 gt cos  + 2 (v0 y sen − v0 z cos) .

(6.53)

Equação que, integrada no tempo, fornece a velocidade na direção x´ ,


vx ´= x´= gt 2 cos  + 2 t (v0 y sen − v0 z cos) + v0 x .

(6.54)

Integrando-se novamente, obtém-se a posição como função do tempo,


(6.55)

x´= 13 gt 3 cos  + t 2 (v0 y sen − v0 z cos) + v0 x t + x0 .

Efetuando-se o mesmo procedimento para as outras duas coordenadas, encontramos:


(6.56)

(6.57)

y´= v0 y t − v0 x t 2sen + y0 ,


z´= − 12 gt 2 + v0 z t + v0 x t 2 cos  + z0 .

As etapas para se obter as equações 6.56 e 6.57 são essencialmente


iguais às realizadas para se obter a equação 6.55 e você deve ser capaz de realizá-
las. Os termos envolvendo  nas equações 6.55, 6.56
e 6.57 descrevem os efeitos devido à rotação da Terra no movimento
de corpos próximos à superfície terrestre. É importante lembrar que
estas equações servem para o hemisfério norte. Para o hemisfério
sul, como já enfatizamos, trocamos  → −  . Os resultados apresentados
anteriormente para as coordenadas da partícula como função
do tempo são bastante importantes, pois permitem analisar várias
situações. Veremos isso por meio de alguns exemplos.
Exemplo 7. Em um experimento, um corpo é deixado cair de uma
altura h . Levando em conta a rotação da Terra, determine as coordenadas em que ele
atinge o solo. Considere o experimento realizado
nos hemisférios norte e sul.
Vamos considerar o mesmo sistema de coordenadas da figura 6.15a,
localizando a origem O´ , de modo que as coordenadas iniciais do
corpo sejam

(0, 0, h) . Esta situação é bastante simples, pois a veloci-

Sistemas de Coordenadas em Movimento


263
dade inicial é nula e a posição inicial é
do corpo em cada instante são:

z0 = h . Assim, as coordenadas

(6.58)

x´= 13 gt 3 cos  ,

(6.59)

y´= 0 ,

(6.60)

1
z´= h − gt 2 .
2

Logo, o corpo, neste caso, não sofre nenhum desvio para o norte ou
para o sul (direção y´ ), sendo desviado para leste (direção x´ ) pela
força de Coriolis. No hemisfério sul, o desvio também é para leste,
pois a função co-seno é função par. Na figura 6.16 mostramos o efeito
resultante da força de Coriolis sobre a trajetória, que é o mesmo tanto no
hemisfério norte como no hemisfério sul. Note que, nos pólos

(  = ±  / 2) , não ocorre desvio e ele é máximo na linha do Equador


(  = 0) .

Z`
Y`(N)
h
o`

x`d

X` (L)

S
Figura 6.16 - Desvio para o leste de um corpo em queda livre devido à força de
Coriolis.

Entretanto, a conclusão anterior não está estritamente correta, você


sabe por quê? Ora, porque não se pode esquecer que a direção vertical
do sistema S´ da figura 6.15a não tem a direção radial devido ao termo
centrífugo, isto é, a direção vertical tem a direção de


g e , e como vimos,

no hemisfério norte existe um desvio da direção vertical para o sul e no


hemisfério sul existe um desvio da direção vertical para o norte. Isto significa
que, no hemisfério norte, o corpo sofre um desvio para leste e simultaneamente um
desvio para o sul, de modo que o resultado final é
um desvio para sudeste. Já no hemisfério sul, temos um desvio para leste
mais um desvio para norte e o resultado final é um desvio para nordeste.
Somente na linha do Equador é que o desvio vai ser exatamente para
leste. A figura 6.17 mostra a trajetória seguida em cada hemisfério.
264
Z`

Y`(N)
Z`

y`d

x`d

o`

X`(L)
h

Y`(N)

HN
(a)

X`(L)

o`

HS
(b)
Figura 6.17 - Desvio de um corpo em queda livre (a) para o sudeste no hemisfério
norte e (b) para o nordeste no hemisfério sul.

Você deve estar lembrado que o desvio de um fio de prumo da direção


radial é muito pequeno, e o mesmo acontece neste exemplo. Como a
velocidade angular de rotação da terra é baixa, os desvios são mínimos e, em geral,
podemos desprezar o efeito devido ao termo centrífugo, retendo-se apenas os efeitos
devido ao termo de Coriolis (figura
6.16). Mas não em todos os casos. Para se ter uma idéia dos desvios
neste exemplo, suponha que o corpo seja deixado cair de uma altura
de 100 metros, na linha do Equador. Quando o corpo atinge o solo, temos z´= 0 , o
que, pela equação 6.60, ocorre no instante

t = 2h / g ,

e substituindo este tempo na equação 6.58, encontramos sua posição

1
xd ´=  8h3 / g cos  . No Equador,  = 0
3
e para a altura dada, vem xd ´≅ 2, 2cm . Portanto, mesmo para uma
a leste, isto é, o desvio,

altura apreciável, o desvio devido à força de Coriolis é mínimo. Para

Sistemas de Coordenadas em Movimento

265
se obter o desvio para o sul (no hemisfério norte), podemos calcular
o desvio yd ´ da figura 6.17 a devido ao termo centrífugo. A aceleração
para o sul é devida à componente do termo centrífugo nesta direção
2
sendo, portanto igual (  R cos )sen , e assim,

yd ´= 12 ( 2 R cos sen)t 2 .
Desde que

t = 2h / g , obtém-se:
yd ´= ( 2 R cos sen)h / g = 3, 4 x10−3 h cos sen .

Para h = 100 metros e  =  / 4 , obtemos xd ´≅ 1,55cm e yd ´≅ 17 cm .


Porém, este desvio, que aqui é mínimo, deve ser cuidadosamente levado em
consideração tanto em casos de bombardeios de grandes
altitudes como para mísseis balísticos intercontinentais, onde os efeitos
combinados das forças centrífuga e de Coriolis podem produzir
desvios apreciáveis.
Exemplo 8. Considere a situação em que um projétil é lançado a
partir da origem das coordenadas no plano x´z´ , com velocidade inicial


v0 ´= v0 x iˆ´+v0 z kˆ´ . Levando em conta a rotação da Terra, descreva a

trajetória do projétil para lançamentos nos hemisférios norte e sul.


Neste caso, a posição inicial é a origem das coordenadas e o projétil
não tem velocidade inicial na direção y´ (sul-norte). Logo, para o hemisfério
norte, usando as equações 6.55, 6.56 e 6.57, temos as coordenas em um instante
qualquer,

(6.61)

(6.62)

(6.63)

x´= 13 gt 3 cos  − t 2 v0 z cos  + v0 x t ,


y´= − v0 x t 2sen ,
.

A equação 6.62 informa que o movimento não se dá no plano x´z´ ,


ocorrendo um desvio no sentido do eixo
negativo, isto é, um desvio para o sul. Veja a trajetória realizada pelo projétil
na figura 6.18. A
equação 6.62 mostra que não existe desvio apenas se o lançamento
ocorrer na linha do Equador, quando  = 0 .

266
Y´(N)


x`d

X´(L)

y`d

Figura 6.18 - Desvio para o sul (hemisfério norte) de um projétil


devido à força de Coriolis.

Como o projétil tinha inicialmente a direção para leste, o desvio para


o sul significa um desvio para a direita. Note que, se o projétil for lançado para
oeste ( v0 x → −v0 x ), o desvio será para o norte, ou seja, para
a direita. Isto quer dizer que, no hemisfério norte, a força de Coriolis
tende sempre a desviar para a direita uma trajetória inicialmente reta.
Para o hemisfério sul, trocamos  → −  e a equação 6.62 mostra que
o desvio se inverte, pois a função seno é ímpar. Assim, no hemisfério
sul a força tende a desviar para a esquerda, a trajetória inicialmente
reta do projétil. Naturalmente, este desvio é pequeno para projéteis
com baixas velocidades. Mas podem ser apreciáveis se as velocidades
são altas. O desvio, isto é, a coordenada yd ´ no instante em que o
projétil atinge o solo, obtém-se das equações 6.63 e 6.62,

(6.64)

yd ´= −

4v0 x v02z
4v0 x v02z
sen



sen .
( g − 2 v0 x cos ) 2
g2

Suponha agora que o projétil tenha velocidade inicial tal que

v0 x = v0 z = 500 m/s e que a latitude seja de 45°. Com estes valores, a


equação 6.64 fornece um desvio yd ´= 270 metros. Porém, este desvio
exagerado não está correto, pois a equação 6.64 é aplicável quando
podemos desprezar a resistência do ar. E no estudo sobre movimento
de projéteis realizado no capítulo 3, deve ter ficado claro para você
que, para projéteis com velocidades altas, devemos necessariamente
levar em conta a resistência do ar. Como vimos, a resistência do ar

Sistemas de Coordenadas em Movimento

267
pode reduzir em até 90% o alcance de um projétil. Assim, para projéteis com um
alcance da ordem de 20 quilômetros, o desvio devido à
força de Coriolis, levando-se em conta a resistência do ar, é da ordem
de 30 a 50 metros. E de qualquer forma, este é um desvio apreciável.
Uma maneira simplificada de se obter este desvio é a partir do conhecimento do
alcance na direção leste ( xd ´) . Sendo conhecido ( xd ´) ,
usamos a equação 6.61 de forma aproximada para obter
que, substituído na equação 6.62, fornece

yd ´= −

td = xd ´/ v0 x ,

( xd ´) 2
sen . Sendo
v0 x

xd ´= 20 km , v0 x = 500 m/s e  =  / 4 , obtemos yd ´≅ 41 metros. Note

que incluímos a resistência do ar, pois você já sabe que, sem a resistência do ar,
o alcance do projétil na direção leste, com uma velocidade inicial v0 x = v0 z =
500 m/s , seria de 51km .

Com a inclusão de uma força de resistência do ar, digamos proporcional à


velocidade, as equações de movimento não permitem nenhum
tratamento simples e as equações devem ser resolvidas numericamente. Atualmente, as
correções na trajetória já estão embutidas em programas de computador utilizados
para controlar a pontaria e o disparo
de armas de longo alcance. Como vimos anteriormente, é importante
você especificar em que hemisfério está ocorrendo o lançamento do
projétil. Esquecer este importante fato conduz a resultados errados.
Durante a I Guerra Mundial, a marinha inglesa, em uma batalha naval
perto das Ilhas Malvinas, no hemisfério sul, utilizou os seus manuais
de controle de disparo feitos para o hemisfério norte. Com isso, os
projéteis ingleses estavam se distanciando de aproximadamente 100
metros de seus alvos! Como seus manuais foram feitos para o hemisfério norte, a
correção para o desvio devido à força de Coriolis estava
sendo feito no sentido errado, o que produzia o dobro do desvio (de
aproximadamente 50 metros). Veja que isto é, meramente, esquecer de
trocar  → −  na equação 6.62 do exemplo estudado anteriormente.
A força de Coriolis é de grande importância no movimento de grandes
massas de ar em volta de centros de baixa ou alta pressão. Existindo
um centro de baixa pressão na atmosfera, o vento escoará radialmente para esse
centro, como se ilustra na figura 6.19 a e b.

268
N

(a) Hemisfério Norte

S
(b) Hemisfério Sul

Figura 6.19 - Redemoinho (a) anti-horário do vento no hemisfério norte e (b)


horário
no hemisfério sul, resultante de um centro de baixa pressão combinado com a força
de Coriolis.

Porém, no hemisfério norte, a força de Coriolis desvia as moléculas de


ar para a direita de suas trajetórias, o que resulta em um movimento de
rodopio anti-horário (é conveniente lembrar que a pressão e a temperatura também
afetam de modo significativo o movimento das massas
de ar, mas o efeito final é um movimento ciclônico, que encontramos
em furacões e ciclones). No hemisfério sul, a força de Coriolis desvia as
trajetórias das moléculas de ar para a esquerda e, como resultado, o rodopio é no
sentido horário. A força de Coriolis explica também os ventos constantes na direção
leste na zona equatorial, pois as massas de
ar que se deslocam na direção do Equador adquirem velocidade para
leste devido à força de Coriolis. Os ventos constantes são mantidos pelas zonas de
alta pressão em ambos os lados da zona equatorial.
É interessante comentar que devido, à influência da força de Coriolis
no deslocamento de grandes massas de ar, como no movimento de
rotação de furacões e ciclones, existe a tendência de se explicar movimento de
rodopio, ou seja, em forma de redemoinhos ou vórtices,
presentes no escoamento de água em pias e tanques, por meio da
força de Coriolis. Porém, aqui, as forças de Coriolis são muito pequenas, de
maneira que as condições iniciais de movimento da água são
importantes e ela pode escoar tanto em um sentido como em outro,
em qualquer um dos hemisférios. Experimentos cuidadosos realizados em pias e
tanques mostraram que, certamente, a formação de
redemoinhos não pode ser atribuída à força de Coriolis. Os experimentos mostraram
que mesmo que a água permaneça sem ser perSistemas de Coordenadas em Movimento

269
turbada por muito tempo, após o enchimento do tanque, o ato de abrir
para que ocorra o escoamento já é suficiente para que a água adquira
alguma quantidade de momento angular inicial, de modo que o redemoinho acabe
girando em um ou outro sentido.
Um efeito dinâmico interessante devido à rotação da Terra é a rotação
do plano de um pêndulo que inicialmente oscila em um determinado
plano. O pêndulo especificamente montado para evidenciar este efeito
é denominado de pêndulo de Foucault, assim denominado em homenagem a Jean Leon
Foucault.

m 1851, o físico francês Jean Leon Foucault demonstrou de maneira espetacular a


rotação do plano de
oscilação de um pêndulo, efeito decorrente da rotação da
Terra, quando ele dependurou na cúpula dos Lês Invalides, em Paris, um pêndulo de
67 metros de comprimento. Durante cada oscilação, a bola do pêndulo deixava
cair areia sobre um círculo no chão, demonstrando experimentalmente a existência de
uma rotação do plano
de oscilação do pêndulo de 11015´ em cada hora. A experiência de Foucault é uma
importante prova da rotação
da Terra. Mesmo que a Terra estivesse sempre coberta
de nuvens, a realização desta experiência demonstraria
que a Terra tem um movimento de rotação. Existe um
pêndulo de Foucault no saguão da Smithsoniam Instituion, em Washington, e também no
saguão do edifício
das Nações Unidas, em Nova Iorque.

Um pêndulo de Foucault deve ter uma massa considerável, o fio deve


ser muito longo e o suporte aproximadamente sem atrito, para que o
pêndulo possa continuar oscilando livremente durante um intervalo
de tempo longo, de maneira que seja observável a rotação do plano
de oscilação.

Resumo
Um sistema de referência é denominado de referencial inercial se está
em repouso ou em movimento uniforme em relação ao espaço absoluto Newtoniano ou em
relação às galáxias distantes. Na solução
de problemas de mecânica, podemos sempre localizar um referencial
que pode ser tratado como inercial. Podemos adotar sistemas de re-

270
ferência fixos na Terra, ou centrados no Sol, ou mesmo no centro da
galáxia, caso necessário.
Se o sistema de referência adotado estiver acelerado em relação a
algum referencial inercial, dizemos que este sistema é um referencial
não-inercial.
As transformações entre as coordenadas, velocidades e acelerações
de um ponto para dois sistemas de referência S (inercial ) e S´ (não
inercial) são:

x = x´+ xo ,

y = y´+ yo ,

z = z´+ zo ,

  
v = v´+vo ,
  
a = a´+ ao .

Assim, se o sistema S´ tem velocidade vo uniforme relativa à S , ou



 
seja, é inercial, temos ao = 0 , e logo, a = a´ . Isto quer dizer que:


 
ma´= ma = F .
O que mostra que as leis da mecânica têm a mesma forma (são invariantes) em todos
os referenciais inerciais, que é o princípio da Relatividade Newtoniana. Podemos
expressar este princípio dizendo que
as leis da mecânica são invariantes frente às transformações de coordenadas de
Newton-Galileu:

x´= x − vot ,

y´= y,

z´= z ,

t´= t ,

para dois referenciais inerciais que têm movimento relativo uniforme.


Quando o sistema S´ tem movimento acelerado, a segunda lei de
Newton torna-se:



F = ma´+ mao ,

ou

 

ma´= F − mao .

Que é a equação de movimento no sistema de referência acelerado


(não-inercial).
A aceleração do sistema de referência
 é levada em conta pela adição

do termo inercial − mao à força F . Termos inerciais nas equações
de movimento são denominados de forças inerciais ou forças fictícias.

Sistemas de Coordenadas em Movimento

271
Tais “forças” não têm origem na interação entre corpos, como forças
gravitacionais ou forças de atrito.
Para sistemas de coordenadas
girantes, a taxa de variação temporal

de qualquer vetor B no sistema fixo S está relacionada à taxa de va-

riação temporal no sistema girante S´ por meio do vetor velocidade


angular do sistema S´ ,



 dB   dB 
 

 =
 + × B .
 dt  S  dt  S ´
Para sistemas em rotação, a transformação para os vetores velocidade e aceleração
de uma partícula são:

   
v = v´+  × r ´ ,
  •      
a = a´+  × r ´+2  × v´+  × ( × r ´) .
De maneira que, para um observador localizado num referencial não
inercial, com movimento de translação acelerado de aceleração ao e em
rotação, a equação de movimento para uma partícula de massa

m será:

• 
 
  
 

ma´= F − m  × r ´−2m × v´− m × ( × r ´) − mao ,
ou


   

ma´= F + Ft + FCo + FCe − mao .

Onde as várias componentes são:


F → Força devida a interações entre corpos.

• 

Ft = −m  × r ´ → Força transversa, perpendicular ao vetor r ´ . Só
está presente quando o sistema tem aceleração ou
desaceleração angular.


 

FCo = −2m × v´ → Força de Coriolis, perpendicular ao vetor v´ . Sua
origem está no deslocamento da partícula, com

velocidade v´ , no sistema em rotação.


  
FCe = −m × ( × r ´) → Força Centrífuga, com direção radial,
apontando para fora do eixo de rotação.


−mao → Força inercial devido à aceleração do sistema em seu
movimento de translação.

272
Exercícios
1) Um bloco de massa M está ligado a uma mola de constante elásti-

ca k e encontra-se sobre uma superfície horizontal sem atrito. Sobre


este bloco, encontra-se um outro bloco de massa m . O coeficiente de
atrito entre os blocos é

 . Qual é a amplitude máxima das oscilações

que o sistema pode ter sem que o bloco superior se mova em relação
ao inferior?

Resposta: A = (

M +m
) g .
k

2) Uma massa

m está ligada por uma mola (constante elástica k ) a


um suporte que se move para frente e para trás, ao longo do eixo x ,

em um movimento harmônico simples senoidal de freqüência


amplitude

 e

a . Admita que o movimento da massa m ocorra apenas

no eixo x e que ela esteja inicialmente em equilíbrio. Resolva a equação de


movimento num sistema de coordenadas cuja origem esteja no
ponto de suporte da mola.


a 2 

sen

t

sen

t
Resposta: x´= 2

.
0
0 −  2 
0

3) Existem suposições de que os pássaros podem determinar a sua latitude através da


sensação produzida pela força de Coriolis. Considere
um pássaro de massa m , em vôo plano, com velocidade v , fazendo um
ângulo

 com a direção leste.


a) Calcule as componentes da força de Coriolis que atuam sobre o
pássaro.
b) Mostre que a intensidade da força não depende do ângulo

.

c) Qual é a direção da força de Coriolis?

54 km/h , na
 = 30° , numa latitude de  = 45° , no hemisfério sul.

d) Considere um pássaro de 500 gramas voando a


direção

Calcule o valor das componentes de Coriolis. Qual é a direção


da força de Coriolis?

Respostas: a) Fx´ = 2mvsensen ; Fy´ = 2mv cos sen


b) FCo =

Fx2´ + Fy2´ = 2mvsen .

c) Sudeste no Hemisfério Norte. Noroeste no Hemisfério Sul.


d) Fx´ = 3,8 x10−4 N

Fy´ = 6, 6 x10−4 N . Na direção Noroeste,


fazendo um ângulo de 30° com a direção Norte.

Sistemas de Coordenadas em Movimento

273
4)

Um avião sobrevoa o Pólo Norte na direção leste a uma velocidade de 900 km/h .
Determine o ângulo entre a direção de um fio de prumo pendurado no avião, quando
ele passa sobre o pólo, e a direção do
fio de prumo pendurado na Terra, sobre o pólo.

Resposta: Força de Coriolis na direção sul.


.

tg =

2 v
g

5) O coeficiente de atrito entre um inseto e a superfície de um disco


de vinil é

.
 , qual
bmáx que o inseto pode estar do centro e permane-

a) Se o disco gira com uma velocidade angular constante


é a distância

cer em repouso em relação ao disco?


b) Se o inseto está caminhando com velocidade

v em uma traje-

tória circular de raio b < bmáx , qual é a condição satisfeita pela


velocidade para que o inseto não deslize?

c) Considere que a velocidade de rotação do disco seja de 45rpm e


que  = 0,8 . Se o inseto está a uma distância de 35 cm do centro, qual é a máxima
velocidade que o inseto pode caminhar?

Respostas: a) bmáx =

g
;
2

b) v ≤

 g b
;

2 2

c) v ≤ 4 cm/s .

6) Um projétil é lançado verticalmente a partir do solo com velocidade

v0 . Considere que g seja constante e ignore a resistência do ar. Em

que posição o projétil retorna ao solo?

 2 v03 cos  
 a oeste do ponto
g2

Resposta: A uma distância 2 


3
de lançamento.

274
Referências
ALONSO, M.; FINN, E. J. FÍSICA: um curso universitário. São Paulo:
Editora Edgard Blücher Ltda., 1977 v.1 – Mecânica.
MARION, J. B. Dinâmica Clásica de las partículas y sistemas. Barcelona: Editorial
Reverté S.A., 1975.
SYMON, K. R. MECÂNICA. Rio de Janeiro: Editora Campus Ltda.,
1982.

Referências

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