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Wilhelm
Dilthey:
filósofo
da vida e
clássico da
filosofia
hermenêutica
Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral
“
ua ndo, no outono de Dilthey como filósofo. A que se deveria,
passado, Wil helm pois, o fato de não ter tido o autor, no curso
Dilthey morreu – de- de sua longa vida, o reconhecimento público
masiado cedo, pois, que obteve após sua morte? Como motivo
apesar dos seus 79 principal da fria acolhida da parte do público
anos, ele não era um costumam seus estudiosos fazer referência
homem idoso, tendo ao mais completo descaso com que encarava
sido arrancado do seu o trabalho atinente à publicação de seus es-
trabalho mais fecundo –, a ressonância desse critos. Seus discípulos mais chegados sabiam
fato nos jornais foi assustadoramente insigni- perfeitamente que ele temia perder seu tem-
ficante. Na verdade, só se manifestaram seus po, que o avançar da idade tornava cada dia
discípulos mais íntimos, um pequeno grupo mais precioso, com edições e reedições de
de oito ou nove homens que nos últimos vinte obras já escritas quando poderia empregá-lo
anos tinham trabalhado pessoalmente com melhor dando continuidade a trabalhos ainda
ele, formando um verdadeiro centro de estu- incompletos. Aliás, a angústia a que o levava
do” (Nohl, 1984, p. 275). a ideia de morrer deixando inacabados seus
trabalhos parecia oprimi-lo constantemente,
Essas palavras, em tom de melancólica sobretudo nos últimos anos de sua vida. Pa-
resignação, foram proferidas por Herman recia pressentir o fim próximo. Foi em uma
Nohl, discípulo e um dos mais próximos co- viagem que fez à pequena cidade de Seiss
laboradores de Dilthey, em conferência pro- am Schlern, no sul do Tirol. Apesar de ter
ferida em 1912, na Sociedade Filosófica de ido passar ali férias, estava tão concentrado
Jena, em homenagem à memória do filósofo. em seus estudos e leituras (livros e materiais
No ano de 2011, em outubro, as inúmeras de trabalho eram sempre despachados com
homenagens prestadas a ele em comemora- antecedência para que quando chegasse esti-
ção ao centenário de sua morte, principal- vessem já a sua disposição) que não percebeu
mente na Europa, revelaram reconhecimen- estar o salão de refeições do hotel a cada dia
to e respeito pelo valor de sua obra, embora mais vazio em função de um surto de difte-
ainda por parte de um público especializado. ria que grassava no local, fazendo com que
Colóquios, simpósios e congressos interna- as pessoas fugissem. Não tendo sido avisa-
cionais foram realizados na Academia de do pela administração do hotel, inteiramente
Ciência de Berlim (de onde era membro), na obcecado por desenvolver suas ideias, aca-
Itália (Bolsano e Merano), na Polônia (Uni- bou contraindo a doença e saiu de lá morto.
versidade de Breslávia, onde foi por longo Nada a estranhar, portanto, que ao morrer,
tempo professor) e França (Lille), entre ou- em 1911, duas grandes obras suas se encon-
tros. O colóquio “Antropologia e História”, trassem desde longo tempo esgotadas: a Vida
realizado em Merano, representou a coroação de Schleiermacher (1870) e a Introdução às
das comemorações internacionais de Dilthey. Ciências do Espírito (1883). Não obstante,
A conclusão das atividades configurou um Dilthey ganha alguma publicidade em vida
modo especial e único de honrar sua vida va- com a publicação da História da Juventude
liosa, reconhecida hoje internacionalmente. de Hegel (1905) e de uma série de ensaios
Exatamente cem anos depois de sua morte, reunidos sob o título de Vivência e Poesia
em um sábado, 1o de outubro de 2011, o pre- (1906). Tais ensaios alcançaram grande re-
feito do vilarejo de Kastelruth descerrou uma percussão atingindo várias edições antes da
placa fixada em um muro de rua na qual se morte do autor, cujo nome, a partir desse
podia ver seu nome, dados e foto. momento, ficou fortemente ligado a tais es-
Otto Friedrich Bollnow (1982, p. 184), critos. Graças à destacada atuação no campo
da segunda geração de discípulos de Dil- literário e no da ciência da arte, o reconheci-
they, ressalta o fato de ser póstuma a fama mento de seus contemporâneos não tinha por
qual se torna possível atingir o conhecimento as organizações de vida mais simples e rudi-
conjunto dos fenômenos históricos, tratados mentares até as mais ricas e mais complexas,
por suas respectivas ciências do espírito. Dil- como a do homem. O que diferencia brutal-
they parte do nexo estrutural de nossa vida mente a organização humana daquela dos
psíquica que espelha toda a complexidade e animais inferiores é a existência de mem-
riqueza próprias de nossa realidade histórico- bros de conexão cada vez mais numerosos,
-social. É justamente o reconhecimento das mais ricos e complexos entre o estímulo e
relações de cada uma das ciências do espíri- o movimento, entre a impressão e a reação.
to, em particular, com o nexo psíquico, origi- Semelhante estrutura vital é um nexo, sendo
nalmente existente na base de todas elas ao que em níveis mais elevados dessa linha de
mesmo tempo, que possibilita à psicologia evolução o nexo psíquico representa a unida-
fundamentar a autonomia bem articulada do de de consciência. Juntamente com ela nos é
conjunto das ciências do espírito. A análise dada a consciência do mundo exterior. Uma
e descrição do nexo de nossa vida psíquica e outra provêm da vitalidade de nosso eu, isto
mostra-nos que ele está sempre atrelado em é, do exercício do nexo psíquico estrutural do
seu desenvolvimento regular e típico a con- homem com sua interligação de funções do
cretizações históricas singularizadas e vivas. pensar, sentir e querer em contínuo relacio-
O método histórico-antropológico vem ao en- namento com o meio.
contro das necessidades da psicologia permi- O esquema fundamental parece ser bas-
tindo uma apreensão tipológica de conteúdos tante simples e rudimentar: o homem, esse
dos estados psíquicos. “Psicologia e antropo- “feixe de impulsos”, como Dilthey o chama, é
logia passam então a constituir o fundamen- pressionado pela necessidade de buscar satis-
to de todo conhecimento da vida histórica, fação para seus impulsos e, por esse motivo,
assim como de todas as regras de direção e movimenta-se. Semelhante atuação é subje-
aperfeiçoamento da sociedade” (GS, I, p. 32). tiva, imanente e teleologicamente orientada
Dilthey, buscando aprofundar ainda mais com vistas não apenas a alcançar a conser-
o conhecimento das qualidades gerais do ho- vação do indivíduo e da espécie ou aumentar
mem como elemento da sociedade, detecta a organização entre os seres vivos, mas tam-
estar o nexo estrutural da vida psíquica en- bém a responder por todos os efeitos finalis-
raizado na própria estrutura da vida. tas na vida humana, na sociedade e história.
Em outras palavras, a estrutura psíquica
“A expressão vida significa aqui em primeiro emergente das camadas mais subterrâneas
2 Uma avaliação mais ri- lugar aquilo que para cada um é o mais co- da vida orgânica é capaz de, em interação
gorosa da importância nhecido, o mais íntimo. O que é a vida está criativa com o meio, conceber a realidade
do conceito de estru-
tura em Dilthey e da dado na experiência. Nós a vivenciamos, e apoiada na realização de valores e propo-
origem da influência ainda assim ela é para nós um enigma. Mas sição de fins graças às sempre crescentes e
indireta do evolucio-
nós sabemos como ela se comporta e como mais complexas diferenciações que essa es-
nismo spenceriano so-
bre o filósofo alemão se caracteriza. Ela está onde existe uma es- trutura original acolhe em seu seio, sem, com
(via Theodor Ribot) trutura que vai do estímulo ao movimento. isso, permitir qualquer brecha ou ruptura de
encontra-se em Rodi
(1987). Cf. GS, XXIV, 56; Esse progresso do estímulo ao movimento continuidade em sua linha de evolução3.
GS, V, 215; além de GS está por toda parte ligado a um fenômeno Na base da unidade estrutural fundamen-
VI, 63.
orgânico. Nessa estrutura, que vai do estí- tal nascem as vivências, um dos pilares que
3 P
ara Helmut Johach
mulo ao movimento, como que se encontra o sustentam o mundo histórico social ao lado
(1974, p. 100), existe
dentro de certos li- segredo da vida. A unidade da vida está sem- da “expressão” e da “compreensão. O conjun-
mites uma linha de pre na conexão dessa estrutura” (GS, XIX, p. to das vivências compõe, então, sobre a base
d e s e nv o l v i m e n t o
psíquico que vai da 344; cf. também GS, XIX, p. 345)2. sólida desse nexo estrutural original, o nexo
variedade à unidade, adquirido da vida psíquica, passível de ser
da estrutura geral fi-
siológica à psíquico- É-nos autorizado falar de uma estrutura compreendido graças às formas objetivas de
-espiritual. ou tipo de vida psíquica que progride desde expressão da vida nele contidas. No jogo entre
B I B LI O G R AFIA