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PENELOPE FAZER E DESFAZER A HISTORIA PUBLICAGAO QUADRIMESTRAL — N*6 + 1991 DIRECTOR A.M. HESPANHA REDACGAO Atvaro Ferreira da Silva (re-un.); Amélia Aguiar Andrade (rcst-unt); Antonio Costa Pinto (ceHcP- -tscTe); Anténio M. Hespanha (ics); Bernardo Vasconcelos @ Sousa (Fcsu-ust); Carlos Fabido (Fut); Fernando Rosas (rcst-unt); Helder A. Fonseca (ue); José Manual Sobral (ics): Luls Krus (rcs uni); Luls Ramalhosa Guerreiro; Mafalda Soares da Cunha (ve); Maria Alexandra Lousada (Fut); Nuno Gongalo Monteiro (xs); Nuno Severiano Teixeira (ue/uce); Rui Ramos (ics); Valentim Alexandre (10s); Vitor Serrdo (Fiuc); Secretério da Redacc&o: Jofo Carlos Cardoso Propriedade do titulo: Cooperativa Penélope. Fazer e Desfazer a Historia ‘Subsidios & RedacgSo da J.N.I.C.T. @ S.| Nota: Os originais recebides, mesmo quando solicitados, nfo sero devolvidos. Edigaes COSMOS Rua da Emenda, 111-1* ‘Telefones: 342 20 $0 + 346 82 01 Fax: 347 82 55 Reservados todos os direitos de acordo com a legislagio em vigor © Cooperativa Penélope Composigao, impressio ¢ acabamento: Edigées Cosmos Distribuigho: Edigdes Coswos 1" edigho: Setembro de 1991 Depésito Legal: 4915291 ISSN: 0871-7486 «Disciplina Rei Familiariae»: a Economia como Modelo Administrativo de Ancien Régime Daniela Frigo Investigadora do CN.R.S., Itélia I. De varios lados, na moderna historiografia, foi avangada a proposta de uma releitura e de uma reinterpretago das-categorias jurfdicas, politicas ¢ culturais do antigo regime, no sentido de uma definicdo mais precisa da antropologia politica da hist6ria europeia’. Trata-se de um percurso de investigag3o que hoje ¢ j4 inevitével para quem queira restituir ao conceito de «modemidade» uma espessura hist6rica que até hd pouco era substituida, de forma fruste, por uma série de contraposigdes e de transigdes delineadas de forma demasiado esquematica. Ao mesmo tempo, ele constitui uma pista preciosa para entender de «dentro» a alteridade das sociedades de antigo regime e as formas peculiares de organizago da realidade das relag6es politicas e dos saberes destes séculos. Se, para seguir no campo da hist6ria econdmica, férmulas como «do feudalismo ao capitalismo» encontram uma ressonancia cada vez menor, 0 mesmo se pode notar para a histéria politica ¢ institucional, cada vez menos interessada em ler a €poca entre Quinhentos € Seiscentos como a longa génese do «Estado moderno» e cada vez mais atenta aos processos de poder originais e aos modelos de administragio territorial caracteristicos dos diversos ordenamentos politicos. Também as investi- gagdes da historiografia jurfdica se tém, desde h4 algum tempo, orientado em tomo dos conceitos e dos instrumentos préprios do direito comum?, para valorizar, para além do facil esquema simplificado representado pela contraposigAo direito comum/ [direito codificado, «o relevo central hist6rico-politico e social» do primeiro’. 1 Cf. sobretudo B. CLAVERO, Tantas personas como estados. Por una antropologia politica de la historia europea, Madrid, 1986. 2 V., por todos, A. M. HESPANHA, «Représentation dogmatique et projets de pouvoir. Les outils conceptuels des juristes du ius commune dans le domaine de l'administration» , em Wissenschaft und Recht der Verwaltung seit dem Ancien Régime, ed. E. VOLKMAR HEYEN, Frankfurt, 1984, pp. 3-28. 3 P, CAPPELLINI, «Juris Prudentia’ versus ‘Scientia Juris’: prolegomeni ad ogni futuro “Jessico politico europeo’», em Filosofia Politica, I (1987), p. 315. 47 Estupos independentemente desse sistema ético, os principios e as categorias da politica, do direito e da ciéncia econémica. Acolhendo as disciplinas morais de origem peripatética, a tradig&io medieval da filosofia pritica tinha-as dividido, a partir de Boécio, em «ética», dirigida a cura sui, em «economia», tendo em vista a res familiaris, e em «politica», dirigida & cura da res publica *. Uma tipologia que, depois, € reproposta por Santo Isidoro de Sevilha, que, entre as partes da filosofia actualis, colocard precisamente a moralis, a dispensativa e a civil °, e que, nesta forma, se impord & cultura medieval, para depois ser transmitida 4 época humanistica e do Renascimento. A triparti¢4o nao assinalava, como se vé, disciplinas dirigidas a sujeitos diversos, mas antes as regides confins e as técnicas especfficas de um tnico saber ético dirigido 4 formagio de um individuo capaz de realizar a virtus ¢ a justica nos varios ambientes da vida social. Tipica do modelo aristotélico e da sua reelaborag4o medieval é, de facto, uma visio da esfera politica como resultado natural da tendéncia do individuo para uma sociabilitas que, da familia, se estende, por raz6es hist6ricas e funcionais, a formas de convivéncia civil e politica cada vez mais vastas. Se a familia é a comunidade originaria que se cria por necessidades vitais e quotidianas e A satisfa¢o de outras necessidades sociais, desde a troca de bens & administraciio da justic¢a, prevéem-se outras formas de comunidade civil: a vila, a cidade, o principado ou reino”. * Esta tipologia se, por um lado, implicava o reconhecimento da prioridade Idgica da esfera doméstica e, com ela, da disciplina «econémica» destinada a regulé-la, por outro, indicava a superioridade moral da vida civil e politica, da qual as outras formas de convivéncia constitufam outras tantas fases preparatérias. Permanecia, no entanto, como comum 0 fim tiltimo a que miravam, quer a economia quer a politica, ou seja, a subordinago do agir humano Aqueles principios éticos ¢ Aquelas virtudes que o pai e o principe, cada qual no Ambito que lhe era préprio, deviam incarnar. Os intérpretes da filosofia pritica tentavam impor limites precisos ao agir do pai e do principe: ao primeiro estava vedado, enquanto externo A casa € nao relativo ao seu dominio, 0 ambito da produgio dos bens e do comércio; ao ® R, LAMBERTINI «Per una storia dell"oeconomica’ tra alto ¢ basso Medioevo», em Cheiron, 1 (1985), p. 46, onde destaca, entre outras coisas, a definigao, nio de todo clara, no corpus dos escritos atribuidos a Aristétcles, do conceito de economia, que oscilaria entre arte da acumulagao das riquezas e bom governo da casa e dos que af vivem: isto decorre da inclusao no corpus do segundo livro dos Econémicos, que nem todos os comentadores de Aristételes estio de acordo em the atribuir, sobre v. infra, com um pouco mais de desenvolvimento; entretanto, veja-se C. NATALI, «L'economia antica: scienza o filosofia pratica?», em La dimensione dell’economico. Filosofi ed economisti a confronio, Padova 1979, pp. 333 ss.; ID., Aristotele l'origine della filosofia pratica, em Filosofia pratica e scienza politica, cit., pp. 99-122. ° LAMBERTINI, «Per una storia dell"‘oeconomica’», cit., p. 47. 1° Assim lhe chama no séc. XVI SILVANO RAZZI, Della economica cristiana e civile... Nei quali da una nobile brigata di donne e di uomini si ragiona della cura e governo familiare secondo la legge cristiana e civile, Firenze, 1568, p. 239. 49

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