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FIS01020 - Termodinâmica - Aula 33

Jeferson J. Arenzon – 22 de junho de 2019

Fenômenos Crı́ticos
Em um ponto qualquer (T, P ), a energia livre de Gibbs pos-
P
sui pelo menos um mı́nimo, que corresponde ao estado de
equilı́brio do sistema. A existência de um segundo mı́nimo
ocorre nas proximidades de uma linha de transição de pri-
meira ordem. Sobre a linha, as duas fases coexistem e, por-
tanto, têm energias livres iguais. Em lados opostos da linha,
uma ou outra domina, um mı́nimo é global enquanto o outro
é local.
T

Passando o ponto crı́tico temos um único mı́nimo usual. Ou


P seja, no ponto crı́tico temos uma bifurcação deste mı́nimo, que
se divide em dois quanto a temperatura diminui.

P
T
Ao alterar os parâmetros ao longo da linha de coexistência,
à medida que a temperatura aumenta, diminui a distância en-
tre esses mı́nimos bem como a barreira de energia livre en-
tre eles. A diferença entre as duas fases fica cada vez me-
nor (mensurável, por exemplo, pelo salto na densidade) até T
que no ponto crı́tico, onde termina a linha de coexistência
(além deste ponto há um único mı́nimo), ela desaparece com- Como as duas primeiras derivadas da energia livre se anu-
pletamente. A transição é dita contı́nua ou de segunda lam no ponto crı́tico, o mecanismo restaurador (Le Chate-
ordem. Uma vez que podemos passar suavemente da fase lier), que impedia as flutuações de crescerem, é bastante re-
lı́quida para a gasosa sem uma transição de fase (contornando duzido. Isso faz com que as flutuações sejam muito impor-
o ponto crı́tico), a própria distinção entre esses estados não tantes (e grandes). Em particular, algumas propriedades di-
é clara. Por exemplo, na transição lı́quido-gás, o parâmetro retamente relacionadas à essas flutuações (as respostas termo-
de ordem182 , que descreve o quanto estamos próximos do dinâmicas183 ) podem divergir.
ponto crı́tico, é o tamanho do salto na densidade (ou no vo-
lume molar) quando cruzamos a linha de transição:
Exemplo 68: Encontre os valores crı́ticos das variáveis
∆ρ = ρl − ρg , de estado para um gás de van der Waals.

que vai a zero quando T → TC . O parâmetro de ordem se
anula quando atingimos o ponto crı́tico, e os dois mı́nimos No ponto de inflexão184,185 :
dão origem a um único mı́nimo com fundo plano (as duas pri-
meiras derivadas são nulas, ou seja, precisamos nos afastar ∂P ∂2P
mais do centro para começar a sentir a curvatura). = = 0.
∂v ∂v 2
182 A escolha do parâmetro de ordem é especı́fica para cada sistema, e vai depender das suas simetrias. Em um sistema ferromagnético, o parâmetro

conveniente é a magnetização, a qual é nula acima da temperatura de Curie. Em sistemas cuja transição é do tipo ordem-desordem, temos que
analisar as simetrias do estado fundamental e dividir o sistema, quando necessário, em sub-redes. E assim por diante.
183 Por exemplo, a compressibilidade está relacionada às flutuações de densidade. No ponto crı́tico temos flutuações em várias escalas, isto é,

temos regiões do sistema com densidades efetivas diferentes e, por consequência, ı́ndices de refração diferentes também (para um sistema transpa-
rente). Assim, um lı́quido normalmente transparente, fica opaco no ponto crı́tico devido ao enorme espalhamento da luz, fenômeno conhecido como
opalescência crı́tica.
184 Como é o sinal da derivada segunda que define a curvatura de uma função, uma mudança de curvatura, que define o ponto de inflexão, implica

que a derivada segunda é nula.


185 Neste exemplo, como os dois mı́nimos coalescem neste ponto, além da condição sobre a derivada segunda, a primeira derivada também é nula

(e fornece um polinômio de terceiro grau, com três soluçoes), ou seja, o ponto de inflexão é estacionário..
Então:
∂P −RT 2a
=0= + 3 → v 3 RT = 2a(v − b)2 No ponto crı́tico, o fator de compressibilidade é indepen-
∂v (v − b)2 v
2 dente de a e b, demonstrando que há algum comportamento
∂ P 2RT 6a
=0= − 4 → v 4 RT = 3a(v − b)3 . universal. De fato, usando as variáveis reduzidas (adimen-
∂v 2 (v − b)3 v sionais) P̃ = P/PC , T̃ = T /TC e ṽ = v/vC , obtemos que a
Note que quando a condição v 3 RT = 2a(v − b) equação de estado é a mesma para todos os gases:
é obedecida, localizando o ponto crı́tico, o co-
eficiente de expansão (α) e a compressibilidade 8T̃ 3
P̃ = −
isotérmica (κT ) divergem (ver exemplo 64). Di- 3ṽ − 1 ṽ 2
vidindo a segunda pela primeira, obtemos
pois não depende mais das constantes a e b, associadas aos
vC = 3b. (90) detalhes microscópicos da interação. Esta independência, co-
nhecida como a lei dos estados correspondentes, é obede-
Substituindo na primeira equação encontramos
cida também por outros fluidos embora, obviamente, a forma
8a da curva de coexistência possa diferir. Além disso, apesar da
RTC = (91)
27b concordância razoável na localização do ponto crı́tico, este mo-
e, finalmente, substituindo ambas na equação de delo não é capaz de descrever corretamente o comportamento
estado: de várias propriedades termodinâmicas na sua vizinhança186 .
a
PC = . (92)
27b2
Um exemplo é o argônio (Ar) com a = Exemplo 69: Para a compressibilidade isotérmica do
2
1.354 ℓ atm/mol e b = 0.0322 ℓ/mol (esses valores po- modelo de van der Waals, na vizinhança do ponto crı́tico, fi-
dem ser obtidos ajustando as isotermas): xando o volume v = vC e aproximando de TC :
teoria experimento  
∂P −RT 2a ∂P RT 2a
TC -119.7 ◦ C -122 ◦ C = 2
+ 3 → =− 2
+
∂v (v − b) v ∂v T,v=vC 4b 27b3
PC 48 atm 48 atm
vC
3
97 cm /mol
3
75 cm /mol R
=− (T − TC )
4b2
O chamado fator de compressibilidade (que
mede o desvio de comportamento em relação ao Logo:
gás ideal, para o qual vale 1) no ponto crı́tico (onde κT ∼ (T − TC )−1 ,
a diferença deve ser maior) é:
o que define o expoente crı́tico γ, κT ∼ |T − TC |−γ . Experi-
PC vC 3
= = 0.375. mentos mostram que este expoente, em sistemas reais, está na
RTC 8 faixa de 1.2 a 1.4. O valor do expoente, sendo independente
Para o Ar, experimentalmente, se obtém 0.292. das constantes, é universal, ao contrário do coeficiente (prefa-
Para a água, 0.23, e 0.31 para o 4 He, e a con- tor), que depende de b.
cordância é razoável.

186 Em particular, os valores dos expoentes crı́ticos, pois é equivalente a um modelo de campo médio.

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