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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO


CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROFESSOR MARIANO DA SILVA
NETO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO MINISTRO PETRÔNIO PORTELLA - ININGA
CEP: 64.049-550 – TERESINA-PIAUÍ
TELEFONES: (86) 3215-5967 – e-mail: ppgcompi@edu.ufpi.br

DOMINGOS BEZERRA LIMA FILHO

SÍNTESE DAS AULAS E DO LIVRO ESTUDOS DO DISCURSO: PERSPECTIVAS


TEÓRICAS (ORGANIZAÇÃO: LUCIANO AMARAL OLIVEIRA. 1ª EDIÇÃO –
SÃO PAULO: PARÁBOLA EDITORIAL, 2013), PARA A DISCIPLINA TÓPICOS
ESPECIAIS EM PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO I DO MESTRADO EM
COMUNICAÇÃO
(PROFESSORA DOUTORA LÍVIA FERNANDA NERY DA SILVA)

Teresina
2019
INTRODUÇÃO

O mestre e doutor em Letras (UFBA) Luciano Amaral Oliveira reuniu vários


pesquisadores dos estudos do discurso para ampliar a ciência social brasileira no que diz
respeito aos conhecimentos em torno da análise do discurso. A ideia, segundo o
organizador, é oferecer ao leitor e à leitora “a oportunidade de conhecer um pouco”
sobre 12 “teóricos que se debruçaram sobre fenômenos do discurso” (Pág. 9). Ele
acrescenta que a “obra é única no mercado editorial brasileiro, pois o que vemos
geralmente são livros voltados apenas para a análise do discurso de linha francesa e, em
uma escala bem menor, livros voltados apenas para os estudos críticos do discurso”
(Pág. 9).
O livro reúne, como dito acima, 12 teóricos: Gramsci, Bakhtin, Althusser, Lacan,
Foucault, Bourdieu, Ducrot, Pêcheux, Charadeau, Maingueneau, Fairclough e van Dijk,
dos quais os sete primeiros só contribuíram indiretamente para os estudos do discurso
porque não são listados na história como estudiosos específicos do tema. Os cinco
restantes são estudiosos do discurso. Daí a necessidade de classificá-los, aqui, como
TEÓRICOS 1 e TEÓRICOS 2.

TEÓRICOS 1

1. GRAMSCI
O filósofo italiano é resenhado pelo organizador, que, logo no início, o qualifica como
inscrito na linha ideológica do materialismo histórico de Karl Marx, de quem herdou
forte influência na ação e nos estudos.
Para Gramsci, todos os homens são filósofos, e “a primeira evidência (...) é a língua,
que ‘é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não, simplesmente, de
palavras gramaticalmente vazias de conteúdo’” (Pág. 19). A segunda evidência “é a
existência do senso comum, a qual indica que nós realizamos atividades intelectuais
quando nos guiamos por esse tipo de conhecimento” (Pág. 19). Oliveira cita que “a
terceira evidência de que todos somos filósofos nos é dada pela religião popular, pois
‘todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se
manifestam naquilo que se conhece geralmente como ‘folclore’ implica uma atividade
intelectual” (Pág. 19).
O texto de Oliveira aborda os conceitos de hegemonia e de bloco histórico, integrantes
do que Gramsci define como filosofia da práxis (ou materialismo histórico), por meio
da qual as classes subalternas devem superar essa condição e galgar espaços de
dominação, tornando-se classe dirigente. Será pela repetição do discurso e pela criação
de elites intelectuais da massa que tal empresa será realizada.
Nota-se aí a proximidade de Gramsci com Marx, Lênin e Engels. Agentes da
transformação social, os trabalhadores, ou as classes subalternas, carecem do
consentimento de seu grupo (ou seus grupos) para chegar ao poder e deixar de sofrer as
injustiças sociais, políticas e econômicas sob cujo manto vivem.
A concepção de mundo que lhe incutiu a ideia da transformação social, portanto, se
insere na ideologia gramsciana como conceito fundamental para sua prática intelectual e
política, cujo discurso o levou à prisão por cerca de dez anos no governo ditatorial de
Benito Mussoline na primeira metade do século passado.
Ademais, a ideia de Gramsci abasteceu “abundantemente os proponentes da análise do
discurso, como Fairclough e van Dijk, a qual surge com a ambição de transformar a
sociedade, melhorando a situação dos membros das minorias discriminadas e
silenciadas, sem acesso ao discurso público” (Pág. 43).

2. BAKHTIN
Mikhail Bakhtin criou em torno de si grupos de intelectuais que recebeu o nome de
Círculo de Bakhtin (ou mesmo Círculos porque foram vários grupos em diferentes e
cidades). O Círculo era formado por estudiosos de questões filosóficas ligadas à língua,
literatura, cultura e arte, como acentua Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva, autora
do segundo texto do livro organizado por Luciano Amaral Oliveira.
Bakhtin deixou claro “que uma concepção dialógica da linguagem é imprescindível para
compreendermos os fenômenos discursivos”, atesta Oliveira ainda na Introdução (Pág.
11). A língua não pode, então, na sua capacidade dialógica, ser dissociada dos parceiros
sócio-histórico-ideológicos. Esta concepção da língua foi importante na virada história
da linguística no século XX que deu mais energia aos estudos do discurso.
Presentes na teoria da linguagem bakhtinian, os conceitos de enunciado concreto e
gêneros do discurso vão ocupar espaço significativo a tal ponto de inspirarem a criação
de conceitos de gêneros textuais, hoje estudados no ensino da leitura e da escrita.
Enunciado concreto, é pois, “a interação entre interlocutores” (Pág. 52), ainda que não
saibamos quem é o outro. Nele se encontra o princípio do dialogismo, de cuja ideia se
extrai o pensamento de que sempre retomamos o que os outros já disseram. Nessa
“conversa”, nesse diálogo permanente, segundo a teoria bakhtiniana, vamos identificar a
ideia dos gêneros do discurso, que são “tipos relativamente estáveis de enunciados”
(Pág. 58). Através dos gêneros discursivos, mantemos diálogos com nossos
interlocutores, sempre reconstruindo suas falas, seus discursos, na reconfiguração
histórica da sociedade. A definição dos conceitos dos ditos de Bakhtin está espalhada
em obras de vários autores, inclusive no Brasil,

3. ALTHUSSER
O fundador da Análise do Discurso Francesa, Pêcheux, bebeu na fonte de Althusser
conceitos que lhe permitiram tratar “da influência de fatores extralinguísticos na
formação dos sentidos dos enunciados, ou melhor, dos efeitos de sentido que a ideologia
exerce nos enunciados” (Pág. 71).
Segundo José Cláudio da Silva, que escreveu o texto sobre o filósofo francês, após ler
Marx, Althusser “construiu os conceitos de sobredeterminação, ideologia, interpelação
ideológica, entre outros”, chegando à conclusão “de que a ideologia tem o papel de
sobredeterminar o sentido da ação social, na medida em que ela interpela o indivíduo
como sujeito, ou seja, na medida em que o indivíduo se torna sujeito assujeitado pela
ideologia” (Pág. 72).
Pêcheux vê na obra de Althusser os instrumentos para a construção da sua teoria do
discurso. Antes, porém, Althusser edifica sua teoria sobre os aparelhos ideológicos e
repressivos de Estado, considerando que a ideologia age como o sujeito que age na
interpelação ideológica como sujeito que aciona os indivíduos para que sigam suas
orientações.

4. LACAN

Bethania Mariani e Belmira Magalhães se encarregam de dissecar a contribuição de


Jacques Lacan para os estudos do discurso.
Na página 106, escrevem lição de Lacan segundo a qual “é na linguagem que o
inconsciente se representa”, importando Freud para as análises lacanianas.
“Lacan defende a supremacia do significante frente aos significados e mostra,
analiticamente, que são os significantes que dirigem, governam o discurso do paciente”,
afirmam mais adiante (Pág. 103),
Em Lacan, o que deve ser ressaltado é a noção do sujeito dividido, do inconsciente, “do
sujeito dividido pelo seu próprio discurso, sujeito como efeito de linguagem” (Pág.
120). A partir da leitura que Lacan faz de Freud.

5. FOUCAULT
O artigo de Rosa Maria Bueno Fischer começa expondo a dificuldade de analisar a obra
de Foucault porque este autor trata o discurso de forma bem especial, como “um
conjunto de enunciados de determinado campo de saber; os enunciados de um discurso,
por sua vez, são tecidos de inúmeros elementos entre os quais as chamadas
representações” (Pág. 128). Os discursos são práticas “que formam sistematicamente os
objetos de que falam”. Os discursos são feitos de signos, mas há algo a mais que é
preciso descrever e que estão no interior dos discursos.
Os discursos supõem “lutas, vitórias, ferimentos, dominações, servidões”, diz Foucault
na aula A Ordem do Discurso. Então, analisar um discurso, é dar conta das relações
históricas entre os pronunciadores dos discursos, dar conta das práticas concretas que
ocorrem no campo social ou nos microcampos onde os discursos são oferecidos.

6. BOURDIEU

Pierre Bourdieu evitou o estruturalismo – onde os agentes sociais são meros indivíduos
– e a fenomenologia – que dá ampla liberdade aos agentes sociais na determinação do
sentido de suas ações (Pág. 154), para assumir uma posição intermediária, a de que os
indivíduos não são completamente livres nem rigidamente presos às estruturas sociais,
políticas, econômicas ou culturais. Os indivíduos são relativamente livres, por isso,
neste caso, sofrem influência das estruturas em que vivem, mas também agem por conta
própria conforme o habitus do seu campo.
Em Bourdieu, o campo é o lugar onde se dão as lutas pelo poder simbólico e,
consequentemente, pelo poder público ou político. Neste caso, os ortodoxos – os
dominadores ou dominantes - lutam pela preservação das estruturas e a conservação do
mundo social, enquanto os heterodoxos – os dominados - pelejam pela transformação.
As ações ligadas ao habitus influenciam as ações dos agentes sociais, dentro dos
campos sociais ou microcampos, usando o mercado linguístico na luta pelas estruturas
sociais, políticas, econômicas, históricas etc. Cada ação individual, entretanto, leva
consigo a subjetividade do indivíduo.

7. DUCROT
Ducrot estuda os fenômenos da língua, levantando as possibilidades que ela oferece
para os usos e as limitações que impõe a esses usos, assinala Ana Lucia Tinoco Cabral.
Dissecou as palavras, as expressões, visando sua orientação argumentativa que as
palavras oferecem ao discurso. A teoria de Ducrot surgiu das palavras vazias, ou seja, os
conectores, que servem de ligação e de orientação, ou seja, articulam as informações e
os argumentos de um enunciado. Concluiu que uma frase pode produzir diferentes
enunciados, conforme os objetivos do locutor.
Internamente as frases guardam o posto, o subentendido e o pressuposto. Os implícitos
aí estão presentes e nunca dizemos tudo aquilo que queremos dizer em um determinado
lugar e num mesmo tempo.
Com Ducrot discute-se o conceito de polifonia pelo qual o pensamento do outro é
constituído do meu e é impossível separá-los radicalmente, encontrando-se aí o sujeito
empírico, o locutor e o enunciador, onde todos se comunicam por intermédio do uso dos
discursos, ou das falas, dos outros, antes ditos.

TEÓRICOS 2

8. PÊCHEUX
Fundador da Escola Francesa da Análise do Discurso, Pêcheux entende que a linguagem
é materializada na ideologia, ideologia que se manifesta na linguagem.
Para ele, segundo Sonia Sueli Berti Santos, o discurso é resultado de sentidos na relação
entre a ideologia e a linguagem.
A análise do discurso “concebe o texto com projeção extralinguístico, sem
preocupações referentes às articulações linguísticas e textuais, muito em voga na área
das ciências humanas, trabalhando com a ideia de o discurso ser entendido como seu
objeto próprio” (Pág. 210).
Aqui também o materialismo histórico de Marx, como teoria das formações e
transformações sociais, deixa sua marca, numa relação coma linguística e a teoria do
discurso. Esta a articulação da Análise do Discurso deixada por Pêcheux.
O estudioso francês do discurso traça reconfigurações durante seu percurso intelectual e
histórico a partir dos anos 1980, e clarifica a AD como teoria aberta, interpretativa “em
constante processo de desconstrução” (Pág.233).

9. CHARAUDEAU
José Otacílio da Silva lembra que Charaudeau é o fundador do Centro de Análise do
Discurso, em Paris, ao percorrer a contribuição do analista para a ciência do discurso.
Ele fala do contrato de comunicação, de estratégias discursivas, de instância política e
instância cidadã, de Ethos, pathos e logos.
Para Charaudeau e Maingueneau, o discurso é o texto em seu contexto. A teoria do
discurso de Charaudeau entende que o discurso é ato de linguagem, fenômeno
condicionado por elementos linguísticos e fatores extralinguísticos, ou seja, é fenômeno
social e historicamente condicionado (Pág. 239-240).
Nessa teoria, vinga o contrato de comunicação, “o conjunto de condições nas quais se
realiza qualquer ato de comunicação”, diz Charaudeau (Pág. 240).
Na instância política são resolvidos os problemas políticos, são criadas e anunciadas as
normas, as regradas etc. Já na instância cidadã, os cidadãos, os eleitores desprovidos de
capital político ocupam o espaço social.
Em todos essas instâncias ou campos, a lembrar Bourdieu, o ethus, o pathos e o logos
são referenciais na construção da imagem, da produção de emoções e argumentação, de
forma a convencer a quem de direito das ideias, das proposições, das certezas, dos
discursos emitidos no contexto social ou nos campos em que os cidadãos e os poderosos
se instalam e lutam por seus interesses.

10. MAINGUENEAU
Maingueneau é estudado em conjunto por Alexandre Ferrari Soares, Aparecida Feola
Sella e Terezinha Costa Hübes, os quais assinalam que o intelectual em tela, ao
apresentar noções e exemplos, os vincula à noção de campo discursivo. De início a
relação com Foucault, com a ideia de formação discursiva etc, e Bakhtin, para quem
toda palavra comporta duas faces, procedência e encaminhamento, e interação do
locutor com o ouvinte.
A palavra se torna texto quando, em contexto, carrega um discurso, direcionado a
possíveis interlocutores. Um discurso é sempre atravessado por outros discursos
enunciados por outros interlocutores.
Aqui também as condições de produção faladas antes marcam sua força porque tudo o
que se diz depende de quem fala, onde fala, como fala, para quem fala, bem como das
condições que o incitaram a falar.

11. FAIRCLOUGH
O organizador do livro, Luciano Amaral Oliveira, e Marco Antonio Batista Carvalho,
traçam o perfil de Fairclough destacando as relações dialéticas entre discurso e práticas
sociais; o grau de conscientização que as pessoas têm (ou não têm) acerca dessas
relações; e o papel essencial do discurso nas mudanças sociais, fatores caros ao
intelectual.
Fairclough declara que “a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre
jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social firmemente enraizada
em estruturas sociais materiais concretas, orientando-se para elas” (Pág. 283).
Ao reconhecer o poder da língua, Fairclough diz que são inegáveis as relações entre
língua e sociedade. Nele também se vê presente a influência do materialismo histórico
de Marx, que cuida das formações e das transformações sociais.
Em vista da relação estreita entre sociedade e língua, diz que “o discurso constitui a
sociedade que, por sua vez, constitui o discurso” (Pág. 284). Sua ideia de prática social
não pode ficar dissociada, por isso fala que a prática social é qualquer atividade social
estabilizada, como uma aula, uma notícia na TV etc, asseverando que os discursos
configuram as práticas sociais e que estas não existem sem o discurso.
A Análise Crítica do Discurso de Fairclough não deixou de receber críticas que apontam
“buracos” na exposição da teoria, mas o que ficou patente, com este pensador, é que os
analistas críticos do discurso não devem se distanciar das questões sociais, mas, pelo
contrário, devem discutir o que a sociedade discute, porque “a língua não é neutra, ela
veicula sentidos carregado de valores” (Pag. 307).

12. VAN DIJK


O último analista do discurso objeto de estudo da mencionada obra é van Dijk, perfilado
por Luciano Amaral Oliveira, o organizador, que expõe a existência de diversas
tendências teóricas nos estudos da linguagem, lembrando, inclusive o sucesso do
estruturalismo.
Para van Dijk são caras as estruturas discursivas e as estruturas sociais, bem como a
ponte cognitiva, ou seja, o contexto sóciocognitivo, fator importante na construção de
sentidos do discurso. Este o tripé em que se apoia a teoria de van Dijk.
Antes de usar a língua, o enunciador do discurso deve observar o contexto, analisar o
contexto, o que diz o contexto, para que expresse seu discurso.
De novo, Marx, com seu materialismo histórico, mas também Saussure, com sua
linguística e os valores que de que a língua se veste, mostram-se influentes na
configuração do pensamento de um analista de discurso.
Com van Dijk, ressurge a ideia de que o intelectual deve dar vazão às lutas sociais, ou
seja, emitir discursos para ajudar na redução “da injustiça e das desigualdades sociais
legitimadas por meio do discurso” (Pág. 322).
A exemplo de outros analistas do discurso estudados acima.

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