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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - UERN

FACULDADE DE DIREITO – FAD CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO


ESTADO

Profª Ms. Veruska Sayonara de Góis

A CASA COMO ASILO INVIOLÁVEL (CF88, ART. 5º, XI) –


RELATÓRIO DE SEMINÁRIO.

Bonfim de Queiroz Rêgo


Cleciton George Moura da Silva
Luiz Eugenio Fernandes Neto
Paulo Glayson Lima Lopes

MOSSORÓ,
NOVEMBRO DE 2016
A casa como asilo inviolável (CF88, art. 5º, XI) – relatório de seminário.

Sejam físicas ou jurídicas, a todos os sujeitos de direito caberá como


mandamento a doutrina dos direitos fundamentais. O Estado, neste particular,
como instituidor das premissas fundamentais a serem observadas, deverá
também a elas submeter-se, dando efetividade à verticalidade destas mesmas
garantias, isto é, de cima a baixo, resguardando os indivíduos contra suas
próprias ingerências e as pretendidas por particulares.

A constitucionalização das garantias fundamentais, destaca Ingo


Wolfang Sarlet (2009, p. 29), é efeito do processo de reconhecimento, por um
ordenamento específico, do conjunto de direitos humanos já consagrados em
documentos internacionais.

Arrolada como direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, a


inviolabilidade do lar ou do centro de ocupação de um indivíduo, por mais
modestos que sejam, é instituída por todas as Cartas Constitucionais desde o
Império (GRANJA, 2012).

A Constituição de 1824, no que dizia respeito a este aspecto, dispusera:


CAPITULO III - Das Disposições Geraes, e Garantias dos
Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros.
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos
Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança
individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte.
VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De
noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento,
ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia só será
franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei
determinar. (Apud. GRANJA, op.Cit.)

A trajetória constitucional do país, entre saltos e sobressaltos, avanços e


recuos, ao longo da fase oligárquica da República, no correr do Estado Novo, e
mesmo durante a ditadura pós-1964, tratou de reiterar a inviolabilidade do lar,
salvo em casos excepcionalíssimos. Daí que a Carta de 1988 encarregue-se
de reafirmá-la:
CAPÍTULO I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial. (Constituição Federal de 1988)

Com a finalidade de efetivar a proteção jurídica de que trata o inciso em


tela, atribui-se ao conceito “casa” uma intepretação extensiva, suficientemente
abrangente para restringir o ingresso de agente público, sem ordem judicial
expressa, em aposento de habitação.

O Supremo Tribunal Federal órgão de cúpula do Poder Judiciário, que


tem o perfil institucional da guarda da Constituição, conforme definido no art.
102 da Lei Maior, tem dentre as mais variadas atribuições, julgar a ação direta
de inconstitucionalidade de lei em sentido amplo, bem como a ação
declaratória de constitucionalidade de lei, a arguição de descumprimento de
preceito fundamental decorrente da própria Constituição.

Em grau de recurso, julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus, o


mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em
única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, e, em
recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,
quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição.

Conforme art. 12, § 33º, IV, da CF/88, a suprema corte é composto por
onze Ministros, brasileiros natos, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e
menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art.
101 da CF/88), nomeados pelo Presidente da República, e aprovados pela
maioria absoluta do Senado Federal.

No cumprimento de seu dever institucional, a compreensão do Supremo


Tribunal Federal no ano de 2007, em Recurso Ordinário em Habeas Corpus
sob a relatoria do ministro Celso de Mello, ajuizara àquela altura:
Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI,
da Constituição da República, o conceito normativo de "casa"
revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de
habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II),
compreende, observada essa específica limitação espacial, os
quartos de hotel.
Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais
taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI),
nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de
direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado
judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena
de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão
reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude
originária. Doutrina. (RHC 90376/RJ)

O voto do ministro-relator avança em duas direções complementares: a)


não deixa dúvidas quanto à elasticidade garantista do conceito “casa”,
enquanto espaço habitado e; b) aponta o imperativo de estabelecer restrições à
ação persecutória do Estado, quando baseada em ilicitude processual. Dito de
outro modo, o STF, a um só tempo, alargava garantia individual fundamental e
restringia a intromissão do Estado e seus agentes.

Em julgamento de Recurso Extraordinário no ano corrente, entretanto, a


Corte reforma o juízo precedente, assentindo, desta feita, com a busca e
apreensão em domicílio sem mandado, quando, a seu critério, a autoridade
policial estiver “amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a
posteriori”, conforme voto do ministro-relator Gilmar Mendes (RE-603616,
2016).

Ora, mudança paradigmática de tamanho alcance, ao que parece, e à


luz dos recentes episódios políticos do país, não figura como ato isolado no
universo jurídico brasileiro. É o que se observa, à guisa de exemplo, na
elaboração o Projeto de Lei 4.850/106 pelo Ministério Público Federal,
encarregado também da divulgação do PL. Recepcionado e promovido pelos
meios de comunicação com ares de triunfalismo moral, o projeto, batizado de
“Dez Medidas Contra a Corrupção”, não tardou a coletar o quantitativo de
assinaturas necessário à sua tramitação no Congresso.

Passando-se ao largo das análises que apontam nas medidas e em seu


apelo carismático mais uma demonstração de musculatura corporativa do que
um combate efetivo a ingerências administrativas, cabe pontuar a forma com
que lidam, levando em consideração a CF (art. 5º) e o CPP (arts. 157, 563, 564,
567 e 570 a 573), com as provas ilicitamente obtidas e as nulidades processuais
daí decorrentes.
Intitulada “Ajustes das Nulidades Penais Contra a Impunidade e a
Corrupção”, aludindo ao ordenamento norte-americano – sobretudo a decisões
da Supreme Court of the United States of America (SCOTUS) – a medida de
nº07 propõe:
Contudo, há diversas outras causas excludentes de ilicitude da
prova, já admitidas pela SCOTUS, que ainda não foram
positivadas no direito brasileiro, e que o projeto pretende corrigir.
São elas: 1) A exceção de boa-fé (good faith exception): em
Arizona vs. Evans, 514 U.S.1 (1995), Davis vs. U.S. 131 S.Ct.
2419 (2011) e Herring vs. U.S., 555 U.S. 135 (2009), a SCOTUS
decidiu que não se deve excluir a prova quando o policial a tiver
obtido de boa-fé ou por erro escusável, assim entendida a
existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a
crer que a diligência estava legalmente amparada, como, por
exemplo, quando o mandado contiver dados incorretos ou vier a
ser posteriormente anulado. Entendeu-se que, nessas
circunstâncias, a exclusão da prova não produziria o efeito
dissuasório desejado, de evitar que os policiais, no futuro,
voltassem a violar direitos constitucionais dos investigados. (PL
8.450/106)

Posicionando-se favoravelmente à obtenção de prova por meios hoje


vetados ao agente de Estado, procuradores do MPF, assentados no argumento
da “exceção de boa fé” ou do “erro escusável”, parecem integrar um esforço
contíguo ao juízo do STF que acena com o argumento das “fundadas razões”
do agente público desejoso de ingressar sem mandado em residências. Em
comum, ambas as iniciativas sinalizam na direção da celeridade de processos
que encontram nas garantias constitucionais os fundamentos a serem
relativizados.

Para além deste quadro, os valores em matéria de política criminal


expostos denotam um tal estado de coisas, situado entre um viés funcionalista
e uma regressão a fundamentos neokantistas (ARABI, 2016), que evidencia
certo voluntarismo ocupado não do efeito consequente dos atos persecutórios
mas das intenções que o orientam. Em outros termos, antecipação ou
solidificação de “um código de acusação” em que os fins justificam os meios,
ainda que os meios sejam ilícitos (SEMER apud. MENGARDO, 2016).
Bibliografia e Sites Consultados
ARABI, Abhner Youssif Mota. Execução provisória da pena: viés
funcionalista ou retorno ao neokantismo? In: Consultor Jurídico, São Paulo,
23 de outubro de 2016. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-out-23/execucao-provisoria-vies-funcionalista-
ou-retorno-neokantismo?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook Acesso
em novembro de 2016.
GRANJA, Cícero Alexandre. Casa, o asilo inviolável (.) (?) (!). In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XV, n. 102, julho de 2012. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id
=11976>. Acesso em novembro de 2016.
MELLO, Celso de. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 90376/RJ. Brasília,
abril de 2007. Disponível em:
http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14729128/recurso-em-habeas-corpus-
rhc-90376-rj Acesso em novembro de 2016
MENDES, Gilmar. Recurso Extraordinário 603616/RO. Brasília, maio de
2016. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=603
616&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M Acesso em
novembro de 2016.

MILÍCIO, Gláucia. Qualquer que seja o tipo de moradia, ela é inviolável. In:
Consultor Jurídico, São Paulo, 30 de abril de 2007. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2007-abr-
30/qualquer_seja_tipo_moradia_ela_inviolavel Acesso em novembro de 2016.
Projeto de Lei 4850/160. Disponível em:
http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas Acesso
em novembro de 2016

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed.


Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SEMER, Marcelo. In: Entrevista a Bárbara Mengado. Jota.Info, 27 de setembro


de 2016. Disponível em:
http://jota.info/dez-medidas-contra-corrupcao-sao-codigo-da-acusacao-diz-juiz-
marcelo-semer Acesso em novembro de 2016.

Supremo Tribunal Federal, Institucional. Disponível em:


http://www.stf.jus.br/portal/cms/vertexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfInstitu
cional Acesso em novembro de 2016

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