Você está na página 1de 360

Carlos Eduardo Milito

PRÓLOGO

“Morada Via Láctea” – 13 de Março de 1.917 – Terça-Feira – 15:00h

Maria acabava de ser designada para uma missão onde em poucos dias ela
deveria comparecer no oeste da Península Ibérica com o intuito de mostrar um
caminho para que o equilíbrio do planeta fosse restabelecido.
A escolha do local não foi por acaso: Não muito distante dali, homens se
degladiavam em lutas por ideais opostos, pois uma guerra mundial assolava a
Europa Oriental e entristecia o mundo.
Ela logo iria tratar de comunicar a sua missão para todos os governantes de
todas as moradas vizinhas ao Planeta Terra para que seus habitantes de luz
pudessem se preparar e fazer um delicado trabalho de sustentação.
O fato seria histórico, e os conselhos de Maria seriam feitos em formas de
metáfora, para que o homem, no momento certo, soubesse interpretar e agir
corretamente. Suas revelações seriam desmistificadas no passar dos anos e
seguidas por toda a eternidade.

1
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 1

“Morada Universo Solar” – 13 de Março de 1.917 – Terça-Feira – 15:12h

O Governador do Palácio da Sustentação estava em seu amplo gabinete


quando recebeu a chamada de Maria pelo seu denominado “globovisor” que ficava
sob sua mesa. Esse periférico era uma espécie de bola de cristal com cinqüenta
centímetros de diâmetro que possuía a base achatada. Dentre várias funções,
possibilitava a comunicação de pessoas de diferentes moradas. Toda a vez que
alguém queria se comunicar com o Governador, o globovisor emanava uma luz
muito clara do seu interior. E assim foi desta vez, quando logo após a irradiação
de uma claridade magnífica a iluminar todo o seu gabinete, surgiu a imagem do
rosto de Maria de dentro daquele globo fazendo daquela cena um maravilhoso
espetáculo. Sua imagem era tão cristalina como se ela estivesse presente naquele
ambiente. Sua nitidez era incomparável, e a luz emanada por aquele objeto fazia
com que nada mais fosse percebido além dela. Sua beleza era rara. Sua pele
clara parecia porcelana e seus traços eram finos e delicados. Sua fisionomia
transmitia muita calma e o brilho dos seus olhos era a pura expressão do amor.
- Boa tarde, Jonas. Como vão as coisas por ai?
- Maria! – exclamou surpreso o Governador - A que devo tanta honra?
- Tenho uma missão importante no Planeta Terra. Preciso que você prepare
os seus súditos para me receberem daqui a duas semanas. Vou palestrar para
todos a respeito do trabalho que terei. Necessito do envolvimento daqueles que
possuem o equilíbrio necessário para este feito.
- Perfeitamente, minha querida Guardiã Mor. Na minha próxima palestra
semanal comentarei o assunto com todos.
- Ótimo. Estarei na vossa morada no dia vinte e seis pela manhã. Reservei
esta data para palestrar em várias moradas vizinhas à sua. Terei muito trabalho
nesse dia, pois além da Morada Universo Solar, terei outras tantas para percorrer.
Até breve!
- Estaremos prontos para recebê-la. Até breve, senhora.
Em seguida, Jonas pediu a presença dos amigos Antero e Madalena no seu
gabinete. O homem de barba e cabelos brancos com aparência de meia idade e
dono de uma fisionomia esplêndida comandava com muita competência os seus
súditos. Naquele momento tinha pouco tempo e precisava falar logo com os dois:
- Nossa Guardiã Mor virá nos visitar em breve e na minha próxima palestra
semanal comentarei isso com todos. Mas o assunto agora é outro: Chegou o
momento, meus queridos. Lucas está a caminho.

2
Carlos Eduardo Milito

- Estávamos aguardando suas instruções, Senhor Governador. É com muita


alegria que recebemos essa missão – ponderou Madalena.
- Sem cerimônias minha querida. Deixe o “Senhor Governador” de lado.
Queira me chamar apenas de Jonas, mas se não conseguir, me chame como a
maioria dos nossos amigos, apenas Mestre Jonas.
- Sim senhor, “Mestre Jonas”. Está bem agora?
- Poderia ficar melhor ainda se omitisse a palavra senhor. – sorriu
alegremente o governador mostrando ser alguém de uma simplicidade ímpar e
que desprezava cerimônias.
Mestre Jonas começou a explanar calmamente a missão que tinham pela
frente. Posicionou-se no meio de Antero e de Madalena, abraçando-os
carinhosamente. Com uma fala lenta e cativante disse:
- Iremos nós três. Faço questão de estar lá e acompanhar tudo de perto.
Vocês já sabem seus deveres, certo Antero?
- Sim Mestre Jonas. Já temos alguma vivência em trabalhos como esse.
Creio que não teremos surpresas. Minha surpresa está sendo agora por saber que
o senhor irá conosco em uma missão corriqueira.
- Dessa vez quero ir. É sempre bom ficarmos atentos. Em uma missão como
essa, saibam que iremos nos deparar com outras forças. Poderemos encontrar
mais dois companheiros recém chegados que estarão inertes a nós e sintonizados
em outras freqüências. Não poderemos fazer nada por eles no momento. Nossa
atenção será para Lucas. Estão prontos?
- Estamos preparados, Mestre Jonas. Todo nosso pensamento agora está
em Lucas. – interveio Madalena.
- Muito bem. Ótimo! O pensamento elevado será o nosso ponto de
sustentação. Temos que nos manter assim o tempo todo. Então vamos.
O Governador que tinha o seu tempo permanentemente preenchido iria
naquele momento participar de uma tarefa que qualquer um dos seus súditos
poderia perfeitamente realizar sem a sua presença. Com sua visão de que todo o
trabalho digno era também nobre fazia questão de ir.
Os três saíram do Gabinete do Governador e se dirigiram para fora do grande
prédio que abrigava aquela governadoria. Conforme caminhavam, eram notados
por todos os companheiros que percebiam o envolvimento do Mestre Jonas
naquela missão. Fazia muito tempo que ele não participava de algo similar. Todos
perceberam então a grande importância daquela tarefa. Em breve, chegaria
alguém muito especial naquele lugar.

3
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 2

Jundiaí – São Paulo – Brasil – 13 de Março de 1.917- 15:15h

Francisco ouviu um forte estrondo como nunca havia presenciado em sua vida.
O que seria? Um terremoto? Uma bomba? O final dos tempos? A Primeira Guerra
Mundial assolava a Europa, no entanto, o menino de nove anos nem fazia idéia
disso vivendo em um local tão longe do velho continente. Ele estava assustado
com o que acabava de escutar e foi correndo para dentro do casebre onde vivia.
Chegou lá ofegante, e logo perguntou para sua mãe que se entretinha nos
afazeres do lar:
- Você ouviu o barulho, mãe?
- Sim meu filho. Parece que foi uma explosão há alguns quilômetros daqui.
Depois saberemos melhor o que foi. Assim que seu pai voltar do cafezal, teremos
mais notícias. Não se preocupe com isso. Vá brincar lá fora, enquanto cuido da
casa.
O menino ainda preocupado com o que acabava de acontecer tentou
novamente se entreter com uma bola de futebol feita de panos coberta com uma
meia.
Francisco era o filho único de um casal de lavradores. Morava em um pequeno
sítio há pouco mais de cinqüenta quilômetros da Cidade de São Paulo. Sua mãe,
Dona Flora, cuidava da horta que lá possuíam além de cuidar dos afazeres do lar.
Seu Pai, Sr Pedro, era funcionário de uma fazenda que ficava há poucos
quilômetros dali. Suas atribuições eram inúmeras. Cuidava da plantação de café
da fazenda “São Paulo” além de todos os pormenores para o seu bom
funcionamento. Era o braço direito do proprietário, o Sr Joel, um homem austero
com cara amarrada que parecia sempre de mal com a vida.
Na Fazenda, o estrondo também tinha sido ouvido por todos que ali estavam.
Pedro estava no escritório do Sr Joel conversando assuntos diversos, quando o
barulho parecia estremecer o local. Pedro exclamou:
- Nossa! Seu Joel, que foi isso?
- Não sei, mas o barulho parece que veio de traz do morro.
- Eu nunca tinha ouvido um ruído desses.
- Com certeza. Devemos apurar se isso foi aqui dentro da fazenda. Chame
alguns homens da lavoura e tente descobrir. Quero sabe a razão disso.
- Sim senhor. Então, com licença.
Pedro saiu rapidamente da sala do Sr. Joel e chamou dois homens que
estavam trabalhando no cafezal para que fossem juntos em direção a Serra do

4
Carlos Eduardo Milito

Japí. A propriedade aonde trabalhava era grande e eles deveriam caminhar alguns
quilômetros para chegar ao local de onde o estrondo ocorreu.
- Venha Jorge, vamos procurar que barulho foi esse! Chame também o
Genésio para nos acompanhar.
- Sim senhor. O barulho veio da montanha. Isso eu sei.
- Vamos ter então que atravessar o cafezal, pois ele termina no pé da Serra.
- Olha lá na montanha Sr Pedro, Veja a fumaça!
- Não posso crer! Será um meteoro?
- Sei não. Vamos lá perto para ver.
Pedro, Genésio e Jorge iriam começar a caminhar pelo cafezal adentro quando
Sr. Joel interrompeu dizendo:
- Esperem. Vou acompanhá-los, pois estou vendo a fumaça. Tenho que me
certificar que isso tenha ocorrido longe do cafezal, pois assim não teremos risco
de incêndio na nossa plantação.
- Fique calmo – Interveio Pedro – Deve ter sido bem atrás da montanha e
nem sei se conseguiremos chegar por lá, pois tudo é mata fechada e as trilhas são
bem difíceis.
- Ora Pedro. Você um dia me contou que conhece tudo da Serra do Japí.
Você não saberia entrar mata adentro?
- Falei sim senhor, mas se a gente entrar muito para dentro da floresta temos
que nos preparar melhor, pois vai anoitecer. Teríamos que acampar por lá,
entendeu?
Joel entendeu o recado. Sabia que poderia atravessar todo o cafezal com seus
três homens, no entanto, aquilo seria somente para se certificar que, fosse lá o
que tivesse causado o ruído e estivesse em chamas na floresta, não tivesse a
possibilidade de atingir sua plantação. Sua preocupação era justa, uma vez que a
colheita de 1.916 havia sido abaixo do que ele esperava. Ele pretendia naquele
ano, bater o recorde de produção para ganhar renome na região.
Vivendo sempre na sombra de outro grande fazendeiro e empresário, o Dr
Marcos Albuquerque, o que Joel tinha mesmo era a ambição de crescer, tentando
superar a tudo e a todos, para alcançar o que desejava. Seria capaz inclusive de
atitudes escusas para subir na vida. Sua arrogância imperava. Sua família vivia
debaixo de suas ordens resignadamente. Sua mulher Inês pouco falava e
concordava com tudo que ele queria. Seu casal de filhos vivia a adolescência
morando na fazenda e indo estudar diariamente na cidade de Jundiaí. Júnior, o
filho mais velho tinha quinze anos de idade, enquanto Márcia tinha doze. Joel
queria preparar o filho para assumir todos os seus negócios. Pretendia que
estudasse Direito em São Paulo. Ter um advogado na família naquela época seria

5
As Moradas e os Segredos de Maria

algo de orgulho para ele. Vaidoso ao extremo, gostava de aparecer. Com seu
poder e seu dinheiro se aproximava de pessoas de gabarito como políticos e
outros empresários da região.
Era inimigo declarado de Dr Marcos Albuquerque. Sua rixa começou em 1.907
quando perdeu parte de suas terras para ele. Naquela época, Joel passava por
dificuldades financeiras, pois no ano anterior havia perdido toda sua produção
devido a uma forte geada. Teve então que levantar empréstimos para se reerguer.
Dr Marcos Albuquerque se prontificou a ajudá-lo, pois o conhecia desde quando
começaram a freqüentar os encontros sociais da cidade. Como garantia, por uma
quantia em dinheiro, queria metade das terras de Joel.
O dinheiro que Joel havia tomado emprestado foi todo aplicado na plantação
de um novo cafezal visando à colheita do ano seguinte. Só que para desespero do
Joel, a plantação fora consumida, só que desta vez por uma praga. Joel ficou
desesperado, pois além de precisar de mais dinheiro para novamente recomeçar,
deveria saldar com o Dr. Albuquerque sua dívida. Daí não teve acerto. Ele foi
obrigado a entregar metade de suas terras, para depois arrumar dinheiro. Desta
vez, ele recorreu a bancos e arriscou tudo. Deu como garantia tudo o que tinha
para recomeçar. Ano a ano foi crescendo até se tornar rico. Tentou novamente
em 1.915 a comprar as terras que o pertenciam, mas não obteve êxito. Foi assim
humilhado na última conversa que teve com Dr Albuquerque, pois qualquer que
fosse a oferta, nunca aceitaria vender:
- Por favor, Albuquerque, naquele ano eu precisava do dinheiro e você quem
se prontificou a ajudar. Lembra que eu já havia até procurado alguns bancos e na
última hora você me convenceu a tomar o seu empréstimo? Venda para mim
aquilo que me pertencia.
- Não vou fazer isso. Foi um negócio. Vai me dizer que os bancos não
queriam garantia?
- Sim, mas com eles, eu poderia até rolar a dívida no ano seguinte e não
precisaria entregar as terras de imediato. Poderia fazer novo empréstimo antes.
- Você sabia que além de fazendeiro, sou banqueiro, e mesmo assim
negociei com você como uma pessoa normal e com juros muito baixos. Você
consentiu com isso. Fez comigo por que quis.
- Mas você não quis conversa depois do primeiro ano quando eu precisava
de mais dinheiro. Jurei para você que eu reiniciaria novamente e lhe pagaria tudo.
- Foi um negócio Joel. Eu queria as terras para mim.
- Por favor Albuquerque, reconsidere.
- Não Joel, já te falei. Esquece esse assunto.
- Por favor, venda.

6
Carlos Eduardo Milito

- Olha, me deixa em paz. Não quero mais tratar desse assunto.


- Albuquerque, lembra que muito antes do empréstimo, você já havia tentado
comprar essas terras? Seu pai ainda era vivo e por incentivo dele você começou
a tomar gosto por esse assunto. Lembra-se?
- E daí? O que você quer dizer com isso?
- Essas terras pareciam obsessão para vocês. Daí eu fiquei numa pior, não
me dando conta do passado, e nem imaginando que eu pudesse perder toda a
colheita e então caí em suas mãos. Você emprestou o dinheiro de caso pensado e
apostando no meu fracasso.
Dr Albuquerque enrubesceu de raiva de começou a disparar aos gritos:
- Mal agradecido. Aquilo foi um negócio que você concordou. Você que foi
irresponsável em não cuidar bem de sua plantação. Perdeu tudo e quebrou. Você
fracassou. Foi incompetente. Você só se reergueu por que os banqueiros da
região tiveram pena de você e lhe emprestaram dinheiro como de pai para filho.
Se enxerga homem. Você não passa de um ser humano desprezível.
Aquelas palavras entraram nos ouvidos de Joel como uma lâmina. Ele
imediatamente se retirou do escritório do Dr Albuquerque mergulhado em
pensamentos confusos e sombrios. Como pudera ele realmente se descuidar
daquela colheita? Será que realmente ele poderia ter evitado a perda? E depois?
Os banqueiros haviam sido benevolentes com ele mesmo? O fato é que um dia
ele viria a desvendar toda essa estória. Um ex-funcionário de Dr.Albuquerque o
procurou arrependido confessando que a mando do chefe implantou as pragas
durante três madrugadas seguidas em todo o cafezal. Joel então tinha como
objetivo claro a vingança porém preferiu permanecer em silêncio desde que
desvendou a estória.
Joel atravessava o cafezal na presença de Pedro se aproximando da serra do
Japí. Pouco atrás dos dois, que caminhavam alguns metros a frente, Jorge falava
para Genésio:
- Estamos quase há uma hora andando e o cafezal ta acabando. Da pra vê
melhor que a fumaceira é bem de traz do morro. Vamos ter que pegar trilha.
- Tem que vê o que o chefe acha.
Joel mesmo antes de chegar ao final do cafezal acabava de se certificar que o
estrondo deveria ser uns mil e quinhentos metros mata adentro. Observou
também que parecia que a fumaça havia diminuído, o que o tranqüilizaria em
relação a possibilidade de haver um incêndio em seu cafezal. Prontamente disse a
todos:
- É o seguinte: São quatro horas da tarde, e não poderíamos entrar mata
adentro pelas trilhas agora, pois anoiteceria e não estamos preparados para isso.

7
As Moradas e os Segredos de Maria

Vamos retornar amanhã. Só que vou avisar a Polícia. Logo cedo quero que eles
iniciem a caminhada para desvendar o ocorrido. Além do mais é perigoso nos
perdermos.
- Acho que eu até conheço algumas trilhas, mas é melhor trazermos apoio
sim – Interveio Pedro.
- E você Pedro, acompanhará os homens da Polícia. Mesmo sendo em mata
fechada, é possível que tenha sido em minha propriedade. Quanto a você Jorge,
ficará na fazenda no posto de Pedro tomando conta de nossos homens, pois com
certeza irá demorar o dia inteiro. E você Genésio, fica no cafezal.
Os quatro então retornaram em direção à sede da fazenda atravessando
novamente todo o cafezal. Após quarenta minutos chegaram à sede. Pouco
depois, perto das cinco horas, terminava o expediente na fazenda e todos foram
dispensados. Tinham agora que controlar a ansiedade até o dia seguinte.

8
Carlos Eduardo Milito

CAPÍTULO 3

Dr Marcos Albuquerque morava também na região de Jundiaí. Sua fazenda


denominada “Terra Nova” equivalia em tamanho a três vezes a de Joel. Sua
atividade era o cultivo de uva além de uma pequena produção de leite. Além da
fazenda ele tinha outros negócios. Como se originou de uma família de posses,
herdou um grande banco que se localizava na cidade de São Paulo, e era dali de
onde provinha a maior parte de suas rendas.
Casado e pai de duas filhas, fazia questão de dar a elas uma boa formação.
Assim, tinha também uma residência em São Paulo, onde sua esposa Clarice,
junto com suas filhas Emília e Clara viviam a maior parte do tempo. Assim, desde
pequenas elas puderam cursar nos melhores colégios.
Dr Albuquerque era um homem atualizado com os acontecimentos do mundo.
Como filho de família rica, preferiu estudar na Europa no começo do século, e
assim, conheceu os primeiros automóveis da estória. Conheceu naquela época
em Paris a recém criada fábrica da Peugeot e pretendia, tão logo que voltasse a
terra natal, trazer para cá seu automóvel. De volta ao Brasil, foi um dos primeiros a
tirar sua habilitação logo em 1.907. Para isso, foi ao Rio de Janeiro, onde desde
1.906, os exames para habilitação se sucediam habitualmente duas vezes por
mês. Acompanhou também o início da história da aviação e era um admirador de
Alberto Santos Dumont, com quem teve a oportunidade de trocar algumas
palavras quando esteve em Paris.
Com o seu poder financeiro comprava tudo o que queria. Assim, em meados
do ano de 1.916 havia entrado em contato com a indústria norte americana
denominada “Curtis Aeroplane & Motor Company” encomendando um avião.
Sabia que aquela empresa era a maior do mundo naquele setor e por isso,
poderia confiar no seu produto. Sua grande produção em escala além de atender
as demandas da 1a Guerra, recebia também encomendas do Canadá, da Grã
Bretanha e do próprio Estados Unidos. Assim, fez questão de encomendar um
modelo especial que seria uma variação do modelo “Curtis JN-4” adaptado para a
aviação comercial que além de comportar três passageiros, fosse desprovido de
armamentos de guerra.
Após oito meses de espera, chegava ao Brasil o avião. Ordenou que seus
homens construíssem uma pista para pouso e decolagem em sua própria fazenda.
Foi buscar no Rio de Janeiro, o renomado piloto Paulo Ribeiro que além de ser um
dos pioneiros no Brasil, também possuía vastos conhecimentos na parte mecânica
e cuidaria de toda a manutenção da nave.

9
As Moradas e os Segredos de Maria

Com sua megalomania, sonhava em ter no futuro, uma indústria de aviões no


Brasil, importando toda a tecnologia necessária. Queria ser o pioneiro e entrar em
mais uma área. Sua ambição saudável se misturava com uma ganância perigosa
que às vezes fazia-o perder a ética.
O que mais marcou a sua vida foi a forma pela qual ele “recebeu” as terras de
Joel. Seu falecido pai, Dr Plínio teve a idéia de comprar aquelas terras quando
percebeu que além de vizinhas da fazenda, eram terras improdutivas, pois Joel
utilizava a outra parte da fazenda para sua produção. Albuquerque então queria
diversificar sua produção onde também plantaria café, e tentou comprar por mais
de uma vez de Joel. Doente e no final da vida e com uma certa debilidade, pediu
desculpas ao filho por não ter conseguido comprar aquelas terras:
- Estou no fim Marcos. Saiba que eu tentei fazer o melhor que eu podia para
criá-lo. Dei todo o meu afeto e carinho. Dediquei todos os dias da minha vida com
todo meu amor.
- Não fale assim pai. Daqui alguns dias você melhora.
- Não sei – murmurava Plínio com uma voz cansada – Eu gostaria só de me
retratar por um fato.
- Se retratar do que Pai? Eu reconheço que o senhor foi o melhor pai do
mundo. Criou-me perfeitamente bem desde que mamãe morreu no meu parto.
- Procurei ser o melhor. Mas fiquei te devendo algo, e tenho que te pedir
desculpas por não ter conseguido. Agora não vai mais dar tempo para que eu faça
isso.
- Desculpas do que pai? Do que o senhor está falando?
- Das terras de Joel que prometi te comprar. É um pedaço da região colado
na nossa fazenda e que seria uma passagem estratégica para a Serra do Japí. Eu
deveria ter comprado.
- Não se preocupe com isso pai. Você vai ficar bom e depois falamos sobre
isso.
- Não vai dar tempo filho. Estou fraco. Não sei se vou agüentar – Murmurava
Plínio com uma voz fraca
- Para de falar bobagem pai. Temos muito que fazer pelos nossos negócios.
Assim que você melhorar, falaremos com o Joel sobre essas terras. Tentaremos
novamente.
- Então faça isso sozinho meu filho. Eu ficaria feliz se você assim o fizesse.
Plínio faleceu naquela noite, e Albuquerque gravou as últimas palavras do seu
pai fazendo delas uma espécie de obsessão para conseguir aquelas terras, até
que no ano seguinte a forte geada havia devastado impiedosamente todo o cultivo
de Joel. Foi então que Albuquerque aproveitou-se da situação e planejou tudo: O

10
Carlos Eduardo Milito

empréstimo, a garantia especificando a faixa de terras, e por fim, a implantação da


praga, para que mais uma vez Joel quebrasse e ficasse sem saída.
Albuquerque tinha como homem de confiança para seus negócios, Dr Lucas
Silveira, um jovem advogado com menos de 30 anos. Homem inteligente e
perspicaz que cativou Dr. Albuquerque desde quando se conheceram em meados
de 1.912. Naquela época, Lucas estava terminando seu curso, e necessitava
trabalhar. Foi à procura de Marcos que o recebeu prontamente. Inicialmente,
começou trabalhando em São Paulo no Banco, no entanto, conforme foi ganhando
confiança de Albuquerque foi convidado a morar próximo dele e acompanhá-lo
sempre. Era sombra de Albuquerque, que por não ter tido filho homem depositava
toda suas esperanças no jovem Lucas. Tinha desejo de vê-lo casado com a filha
mais velha, Emília, apesar da diferença de mais de dez anos de idade entre os
dois.
Lucas Silveira era um homem de origem simples. Nasceu e cresceu na cidade
de São Paulo. Era o filho mais velho de um casal de classe média. Seu pai, Sr
Afonso, possuía um pequeno comércio de roupas que supria todas as despesas
da família. Sua mãe, dona Lourdes trabalhava em casa como costureira. O irmão
do meio, Laerte, trabalhava junto com o Sr Afonso enquanto o mais novo, Leandro
era avesso ao trabalho e aos estudos, vivendo à custa do pai.
Lucas sempre foi o orgulho da família e um exemplo a ser seguido. Desde
pequeno, gostava muito de ler. Naquela época sua avó, Dona Dora, mãe de Dona
Lourdes sempre dava bons conselhos ao neto. Ficavam horas conversando.
Apesar de não ter quase nenhuma instrução, Dona Dora se expressava muito bem
e ensinava os grandes valores da vida para Lucas. Ela se foi quando ele tinha
apenas sete anos de idade, enquanto seu irmão mais novo tinha dois, e o terceiro
ainda não havia nascido. Por várias vezes em seu dia a dia, se recordava das
palavras de sua avó, tentando aplicá-las nas situações em que se deparava.
Dr Albuquerque depositava total confiança em Lucas e partilhava a ele todos
os pormenores de seus negócios. Por perceber em Lucas um homem correto e de
uma lisura incontestável, sempre ocultou a forma pela qual conseguiu comprar as
terras de Joel. Nunca dera o braço a torcer pelo que fez com Joel. Sabia que se
comentasse a estória para Lucas sofreria tamanha repreensão e não teria mais
sossego. Sentia que Lucas chegaria a ponto de ameaçar largar o seu posto para
que ele voltasse atrás. Albuquerque tinha a convicção que se abrisse o jogo para
Lucas, ele chegaria a obrigá-lo a pedir publicamente desculpas. Pressentia que
ele defenderia aquela causa como uma ação judicial. Albuquerque jamais abriria
seu segredo com Lucas, pois o seu orgulho e as últimas palavras ouvidas do seu

11
As Moradas e os Segredos de Maria

pai eram mais forte do que tudo. Não queria perder a amizade e o vínculo com
Lucas. Manteria o segredo até o final de sua vida.

12
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 4

Fazenda “Terra Nova” - 13 de Março de 1.917- 14:20h

A chegada daquela aeronave contagiava Albuquerque de tal forma que ele não
tinha mais vista para outros trabalhos. Meses de espera após a encomenda, e
finalmente estava ali na sua frente o tão desejado avião. Após ser fabricado de
acordo com as especificações de Albuquerque, o avião foi encaminhado dos
Estados Unidos diretamente para o porto de Santos. Uma longa viagem de navio,
para depois, fazer o seu primeiro vôo sob a cidade de Santos. Foi batizado como
“Curtis –MA-4”, por ser um modelo variante do “Curtis-JN4” fabricado para Marcos
Albuquerque onde MA significava as suas iniciais.
O piloto Paulo Ribeiro havia trazido o avião da cidade de Santos na semana
anterior. A grande praia com areia batida próxima ao porto, que naquela época era
praticamente deserta, serviu como pista para decolagem. Paulo sobrevoou a
cidade de Santos e seguiu para Jundiaí. Aquele tinha sido um dos primeiros vôos
da história sob o estado de São Paulo.
Na companhia de Lucas e Paulo Ribeiro na sede da sua fazenda, Albuquerque
estava muito apreensivo para fazer o primeiro vôo. O avião já estava lá havia seis
dias e, por medidas de segurança, Paulo até então não havia concordado em
voar. Ele era a assumidade no Brasil em relação à recente história da aviação.
Albuquerque o trouxe do Rio de Janeiro a preço de ouro para ser seu piloto
particular. Com seus vastos conhecimentos na parte mecânica, poderia também
ficar com esse ofício se assim o desejasse. Albuquerque lhe deu carta branca
para fazer o que quisesse. Queria que ele fosse seu piloto e responsável pela
manutenção do avião. Se precisasse de alguém para ajudá-lo, ficaria a vontade
para contratar quem quisesse.
- Paulo. Então finalmente vamos estrear nossa aeronave? Tudo pronto? –
Indagou Albuquerque.
- Sim patrão. Desde que cheguei com o avião na quarta-feira passada, estou
cuidando de todos os pormenores para esse nosso vôo. E por sugestão sua,
contratei uma pessoa da região para me auxiliar na parte mecânica e na
manutenção da nave.
- Você fez muito bem de contratar o Ernesto. Acho que você vai precisar de
ajuda. Falei que você tem carta branca. Faça tudo como quiser. Cuide de tudo: do
avião, do hangar, da pista, e principalmente do combustível que ainda temos
dificuldades em encontrar aqui perto.

13
As Moradas e os Segredos de Maria

- Também pensei nisso e providenciei um estoque suficiente para as


próximas semanas.
- Ótimo Paulo. E então? Vamos voar?
- A hora que o senhor desejar. O avião está na pista.
- Excelente. Vamos lá então. Lucas venha conosco. Este avião comporta três
passageiros.
- Obrigado Albuquerque, mas prefiro assistir o espetáculo aqui de baixo. Não
sou amante de alturas. – disse Lucas determinado.
- O que é isso Lucas? É apenas um vôo de estréia. Sobrevoaremos a
fazenda e os arredores. Será coisa rápida. Não mais do que 30 minutos.
- Não faço questão mesmo. Muito obrigado. Vão vocês que presenciarei tudo
do hangar.
- Vamos lá Lucas! Temos que ter uma visão panorâmica da fazenda e dos
arredores. É importante você ir pois um dia você poderá herdar tudo isso,
casando-se com Emília.
- Marcos, não mude de assunto. Isso conversaremos depois! Vão voar vocês
dois.
Quando Lucas queria se impor para Albuquerque de forma mais incisiva,
chamava-o pelo seu primeiro nome, Marcos. Naquele momento ele pressentia
algo. Não queria sair com aquela aeronave. Ele sabia que Albuquerque sempre
foi uma pessoa a frente de seu tempo. Muito arrojado, aventureiro, gostando de
correr riscos. Seu poder financeiro era um facilitador para que todos os seus
desejos materiais se concretizassem. Albuquerque continuava a insistir:
- Vamos lá Lucas. Que tal ser um dos pioneiros a cruzar os céus de nossa
terra? Seus filhos ficarão orgulhosos de você no futuro.
- Não pretendo entrar para e história amigo. Podem ir vocês.
- Já sei Lucas. Você está com medo e não quer admitir.
- Também! É verdade. Mas mesmo que não tivesse medo, a aviação não é
algo que me atrai.
- Tudo bem. Você quem sabe. Mas pelo menos acompanhe a gente até o
avião.
- Lógico. Vamos lá.
Os três seguiram em direção a pista onde estava o belo avião. Naquela terça-
feira fazia um tempo ensolarado com poucas nuvens no céu. O dia estava propício
para o vôo inaugural. A pista estava localizada a uns mil metros da sede, do lado
oposto da parte produtiva da fazenda. Durante os quinze minutos de caminhada
até o avião, Albuquerque tentou a última cartada para convencer Lucas a
embarcar naquele vôo:

14
Carlos Eduardo Milito

- Lucas. Como você sabe, hoje É terça-feira, e minhas filhas estão em São
Paulo. Minha esposa Clarice também não se encontra. Como estamos no mês de
Março, as vindas delas para cá ficarão restritas por causa dos estudos. Sei que
você aprecia Emília, e quero te propor para que você fique três ou quatro dias por
semana em São Paulo cuidando dos meus negócios e assim você terá mais
facilidade em vê-la.
- O senhor é meu patrão e é quem dita as ordens. Comecei trabalhando no
banco e somente fixei residência aqui, morando sozinho, por vontade sua. Se for
necessário que eu fique mais tempo em São Paulo, será de bom gosto, afinal,
além de Emília, minha família também está lá.
Lucas realmente gostava da filha de Albuquerque. Conheceu-a em meados de
1.914 quando ele tinha 26 anos e ela 16. Inicialmente se encantou com sua
beleza. Mulher bem formada, de longos cabelos lisos e castanhos, pele dourada e
olhos verdes. Conforme ia freqüentando a casa de Albuquerque, ele percebia
atrás daquela beleza, uma pessoa inteligente, com boa conversa, e com alguns
ideais de vida. Doce e encantadora conquistou o coração de Lucas, o que fazia do
satisfeito Albuquerque vislumbrar o futuro dos dois jovens.
- E então Lucas? Vamos voar?
- Tudo bem. Você atingiu meu ponto fraco. Não tem como eu negar um
passeio aéreo mesmo a contragosto depois que você está dizendo que ficarei a
maior parte do tempo da semana junto com Emília. Parabéns Marcos. Você
realmente consegue tudo o que você quer. Vou com medo sim, mas vou
pensando em Emília.
- Assim é que eu gosto meu futuro genro. Entre no avião.
Lucas havia decido fazer aquele vôo por impulso pois sabia que Albuquerque
já pensava em facilitar sua vida para que seu relacionamento com Emília
prosperasse, no entanto, como aquelas palavras foram ditas naquele momento,
ele não queria contrariar Albuquerque, que sempre o elogiava e o idolatrava. O
que custaria para ele vencer o medo e dar uma voltinha de avião? Ele agradaria o
“chefe”, fazendo a boa política com ele, e de quebra, teria mais tempo para ficar
em São Paulo, junto de pessoas que amava.

/ / /

Apenas Ernesto presenciou a perfeita decolagem daquele avião. Estavam os


três a bordo: Paulo, Albuquerque e Lucas. O plano deles era um vôo de uns 30
minutos sobrevoando a fazenda e os arredores. Os demais funcionários da
fazenda “Terra Nova” estavam imersos no trabalho, e só notaram que o patrão

15
As Moradas e os Segredos de Maria

estava com o seu brinquedinho novo quando olharam para o céu e viram algo
nunca visto antes. Um objeto voador inventado pelo homem. Era uma cena
especial. O avião cruzava toda a fazenda de Albuquerque em direção a Serra do
Japí. Foi pouco notado pelas fazendas vizinhas, tão vasta era a propriedade de
Albuquerque.
Passados alguns minutos, o medo de Lucas se transformou em prazer por ver
algo totalmente novo e mágico. Como era linda aquela paisagem. A aproximação
da serra do Japí com sua mata fechada era um espetáculo a parte. Albuquerque
também se deliciava enquanto o piloto Paulo ficava atento as manobras. Mais
alguns minutos decorridos, e eles estavam sob a serra do Japí. O contraste verde
do chão com o azul do céu fez Lucas cair em pensamentos íntimos lembrando-se
de sua avó Dora e das coisas que ela falava sobre a natureza e da criação do
universo. O passeio prosseguia sob a imensa serra proporcionando agradáveis
momentos para os três. Lucas e Albuquerque ficariam por horas sobrevoando
aquela paisagem, dado a pintura artística que eles viam na sua frente. Parecia um
sonho pela época que eles viviam, mas tudo era realidade.

16
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 5

“Serra do Japí” – Jundiaí – 13 de Março de 1.917 – 15:15h

Totalmente extasiado com a paisagem, Lucas nem percebeu a forte explosão


que acometeu aquela aeronave. Por alguns instantes, perdeu a consciência. Foi
como uma sensação de um desmaio onde após alguns segundos, lentamente a
consciência foi retomada. Não compreendendo bem o que havia acontecido,
inicialmente, mergulhou em pensamentos íntimos onde um filme rodava em sua
mente. Um flash-back de toda a sua vida se passava naquele momento. Sua avó
Dora era a personagem principal de seu “filme” e seus diálogos eram nítidos,
como se acabassem de acontecer:
- Meu neto, você é muito jovem ainda, e nem sei se eu deveria estar te
falando estas coisas, mas nessa vida, a chave para você ser feliz, se resume na
palavra amor.
- Como assim vó? Tenho que arrumar uma namorada agora? Vou fazer sete
anos ainda.
- Não meu querido – Dona Dora ria alegremente – Não é disso que estou
falando. Você terá muito tempo para arrumar uma namorada. O amor que estou
falando, é aquele que você tem que ter pelo próximo. Por todos que cruzar o seu
caminho na sua vida.
- Acho que entendi. Tenho que ser obediente com todos né vó?
- Mais ou menos isso. Você tem que fazer por todos aquilo que você faria por
você mesmo. Praticar o bem. Isso é amor!
Outras cenas de sua vida surgiam em sua mente. Sua adolescência, seus
amigos, seus irmãos, seus colegas de estudo e os graciosos momentos ao lado
de Emília. A clareza de suas lembranças jamais tinha sido tão forte em toda a sua
vida. Ele notava que seu estado de consciência parecia mais sóbrio do que o
normal. Ele não conseguia mensurar o tempo em que ficou relembrando sua vida,
no entanto aquelas cenas se passaram em poucos instantes. Sua impressão é
que o seu “filme” demorou algumas horas, como um longa metragem.
Após alguns instantes, ele relembrou o último diálogo com Albuquerque e do
medo de voar que o acometeu no início da conversa. Percebeu que estava na
mata fechada da Serra do Japí e com o corpo intacto após a grande explosão.
Achou estranho por não estar mais dentro do avião. Ele não conseguia avistar
nem o avião, nem os companheiros. Estava no meio da mata e por entre as folhas
daquelas árvores altas e robustas que rodeavam o local notou frestas do céu azul.
Tentou caminhar um pouco e notou que a poucos metros dali parecia haver uma

17
As Moradas e os Segredos de Maria

trilha que poderia levá-lo a algum lugar. Enquanto caminhava, pensava no que
poderia ter ocorrido. Naquele horário o sol não estava exatamente em cima dele
como costuma acontecer ao meio dia nos meses de Dezembro e Janeiro naquela
região, no entanto, ele nem se deu conta disso, e seguindo aquela trilha por
alguns metros, notou uma fresta de luz logo a sua frente que vinha exatamente
como se fosse o sol do meio dia. Percebendo que poderia estar perto de uma
clareira, aproximou-se nem percebendo que aquela luz além de ser mais
ofuscante que o sol, emitia uma névoa esbranquiçada tal como gelo seco.
Conforme Lucas ia se aproximando da imaginada “clareira”, ele sentia um enorme
bem estar e uma paz de espírito que eliminaram qualquer tipo de pensamento de
preocupação pelo ocorrido.
Mestre Jonas, Madalena e Antero surgiram na frente de Lucas com um
semblante solícito e radiante de alegria no meio daquela claridade nevoenta.
- Que bom encontrar alguém aqui no meio desta floresta – disse Lucas.
- Fique tranqüilo meu jovem. Estávamos a sua espera – falou Mestre Jonas.
- O que aconteceu exatamente? E os meus companheiros? E a o avião?
- Calma Lucas – interveio Madalena – Explicaremos tudo no momento certo.
Gostaríamos apenas que você nos acompanhasse.
- Como sabe meu nome? Estou meio confuso. O que está se passando?
Tenho certeza que houve uma explosão há pouco.
- Você necessita de repouso – replicou Mestre Jonas. Fique calmo e não
entre em pensamentos que possam te perturbar. Nós já te conhecemos há muito
tempo e nossa missão por ora é te ajudar.
Imediatamente Mestre Jonas colocou a sua mão direita na testa de Lucas e ele
passou a se sentir como se estivesse com velhos amigos de longa data, o que lhe
ocasionou um grande bem estar. Apesar das dúvidas e dos questionamentos que
rondavam a sua mente, estava bem consigo mesmo e o que ele desejava naquele
momento era apenas repousar. Com voz embargada disse aos companheiros:
- Eu gostaria de descansar um pouco.
- Perfeitamente, companheiro Lucas – interveio Antero – Basta nos
acompanhar.
Calmamente Mestre Jonas, Antero, Madalena e Lucas foram caminhando
alguns metros por aquela paisagem alva e nevoenta até se depararem com um
objeto arredondado como se fosse uma esfera achatada, com aproximadamente
uns 3 metros de diâmetro, que poderia ser perfeitamente descrito como um disco
voador. Lucas seguiu naquela curta caminhada como se estivesse anestesiado e
não questionava mais nada. Seu semblante transmitia tranqüilidade. Madalena se

18
Carlos Eduardo Milito

prontificou a tomá-lo pelo braço o acompanhando a frente. Um pouco atrás, Antero


sussurrava em voz baixa com Mestre Jonas:
- Mas e os outros?
- É uma pena, mas Albuquerque foi capturado pelos Transeuntes das Trevas
e Paulo por Perambulantes Terrestres. Não podemos fazer nada. Mesmo que
temporariamente eles conseguissem se desvencilhar, eles não nos enxergariam,
pois como já disse, estamos em outra freqüência. Assim que retornarmos à
Morada Universo Solar poderemos acompanhar o caso deles e pensar em mandar
algumas missões de auxílio para tentar ajuda-los. Isso será um trabalho árduo e
demorado.
Ao chegar próximo da nave, automaticamente uma porta retangular com os
cantos arredondados se abre para dentro, como uma porta de elevador. Madalena
e Lucas estavam a frente e solicitamente ela disse:
- Venha Lucas. Pode entrar! Você pode confiar nos seus amigos de longa
data.
- Não sei se isso voa, mas desta vez, não sinto o medo que senti ao
embarcar no avião.
Madalena sorriu para Lucas para deixá-lo ainda mais à vontade. Ela preferia
falar pouco por instruções de Mestre Jonas, pois assim não precisaria dar-lhe
maiores explicações naquele momento. Assim que os quatro se acomodaram
dentro da nave a porta fechou-se e partiram rumo a Morada Universo Solar saindo
daquele cenário como um relâmpago.

19
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 6

“Fazenda São Paulo” – Jundiaí – 14 de Março de 1.917 – 7:15h

Pedro acabava de chegar a Fazenda São Paulo e logo foi procurar Joel na
sede para contar as novidades:
- Seu Joel, Não vamos mais precisar chamar a Polícia, pois ontem mesmo
aquele rapaz que já conhecíamos e que agora trabalha na fazenda do Dr
Albuquerque fez isso logo após a explosão.
- Que rapaz? O Ernesto?
- Ele mesmo, patrão. Parece que aconteceu uma tragédia. O avião que o
doutor trouxe do estrangeiro parece que explodiu em cima da mata. Ninguém fala
outra coisa nos arredores. Desde quando o sol nasceu vários homens já iniciaram
a busca.
- Nossa! Como pode? O que você está me contando!
- Eles foram em direção ao local do acidente pela fazenda de Albuquerque,
pois por lá parece que é mais perto de chegar.
- O que mais você ouviu sobre o caso?
- Estavam em três no avião, o piloto, o doutor, e aquele advogado amigo do
doutor.
- Realmente, parece que foi uma tragédia. Fique atento. Assim que você
souber, me conta mais notícias.
- Sim senhor.
Pedro se retirou da sala e Joel ficou só. Começou a mergulhar em
pensamentos íntimos. Ele precisava da confirmação, mas Albuquerque estaria
morto. Joel sentia-se vingado. Tudo saiu como planejado. Quando ele soube a
poucos meses que Albuquerque havia encomendado um avião, traçou seu plano
de vingança. Saberia que pela mania de grandeza do rival, ele iria contratar pelo
menos um piloto e mais alguém que fosse ajudar nas atividades do hangar. Há
alguns anos atrás conheceu Ernesto em uma negociação de café e percebeu
rapidamente sua má índole. Sabia que por dinheiro ele poderia ser capaz de matar
uma pessoa. Assim que soube dos planos de Albuquerque em construir a pista, o
hangar, e de trazer o avião, contatou Ernesto e propôs-lhe muito dinheiro para que
ele se infiltrasse naquele ambiente como funcionário e colocasse uma bomba
dentro da aeronave. De início ele havia titubeado, no entanto, após uma segunda
conversa, aceitou a proposta:
- E então Ernesto? Pelo que eu sei o tal do Paulo Ribeiro já está
providenciando tudo. A pista já está pronta, assim como o hangar. Parece que o

20
Carlos Eduardo Milito

avião vai chegar em breve. Aceite minha proposta e vá lá oferecer seus serviços
antes que ele vá a procura de alguém. Procure diretamente o Paulo; Você tem boa
conversa!
- Tudo bem Joel. Pelo dobro do que você havia me oferecido eu aceito!
- O dobro? Não tenho todo esse dinheiro. Posso aumentar em cinqüenta por
cento minha oferta inicial. É minha última proposta.
- Cinqüenta por cento a mais é pouco Joel, mas vou aceitar. Então vou
trabalhar para eles. Quero resolver logo esse assunto. Vou ver se no vôo
inaugural já resolvo isso de vez.
- Assim é que eu gosto, Ernesto. Você tem que fazer tudo sem deixar pistas
hein?
- Pode deixar. A aviação ainda está engatinhando no mundo, e a explosão
será uma fatalidade.
- Acho que você vai saber o que fazer, mas cuidado!
- O único problema Joel, é que o piloto também vai ter que pagar o pato.
- Não tem jeito. O pior é que o homem com sua megalomania mandou fazer
um avião especial de três lugares e de repente pode carregar mais algum outro
otário junto.
- Se for, vai pagar o pato também.
Por alguns instantes, Joel sentiu um mal estar por saber que foi a sua mente
que planejou toda aquela barbárie. Sentiu-se tonto, mas conteve-se. O que o
perturbava de fato, era o envolvimento de duas pessoas inocentes naquela
estória. Ele tentava se acalmar falando consigo mesmo:
- Tinha outro jeito? Não, não tinha! Pelo menos o piloto tinha que estar junto,
pois a explosão deveria ser no ar! Mas por que raios aquele advogadozinho tinha
que estar junto também? Droga! O piloto tudo bem, mas por que também ele?
Fica calmo Joel! Pelo menos Albuquerque foi exterminado! O prazer da minha
vingança é maior que o remorso pelos inocentes!

21
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 7

“Fazenda Terra Nova” 15 de Março de 1.917

A família de Marcos Albuquerque desde quando soube do ocorrido rumou para


a fazenda. Desde então, com muita emoção, Clarice tomou a frente da situação
aguardando notícias sobre o paradeiro do marido e dos demais. A busca era lenta,
pois naquela época, os recursos da polícia eram escassos. A conclusão inicial que
os técnicos chegaram foi de que a explosão ocorreu no ar. Havia destroços do
avião num raio de dois quilômetros pela mata da serra do Japí. Nenhum corpo
havia sido encontrado. Dois dias já haviam se passado, e por mais remota que
pudesse parecer, os familiares mantinham esperança de encontrar alguém vivo.
Emília estava desconsolada. Quando recebeu a notícia, sentiu-se inicialmente
anestesiada e depois caiu em prantos inconsoláveis. Como poderia suportar a
perda do pai além da perda do amor da sua vida? Sentia uma mistura de revolta
com tristeza. Dizia a mãe e a irmã Clara que havia sido abandonada por Deus.
Afrontava a sua mãe dizendo que Deus não existia e que ela abandonasse suas
crenças. Nada a consolava.
Clarice, apesar do momento em que vivia, tentava dar o conforto as duas filhas
e dizia que os negócios do pai não poderiam parar. Ela tinha que assumir tudo.
Era uma pessoa determinada. Católica fervorosa, buscava forças na sua igreja
para enfrentar tudo aquilo e reagir. Sabia que não podia contar com mais ninguém
além de Deus. Foi na sede da Fazenda que ela recebeu o Sr. Medeiros, chefe da
Polícia:
- Fique à vontade senhor. Tem alguma novidade?
- Sim senhora, mas infelizmente as notícias não são boas. Após dois dias de
busca, encontramos dois dos três corpos e já conseguimos identifica-los. Um
deles é do Sr Albuquerque e outro do piloto.
- Oh meu Deus, dai-me forças para suportar essa dor! – exclamou Clarice
com a voz embargada.
- Sinto muito senhora.
Mesmo vivendo aquele momento difícil, Clarice tomou todas as providências
necessárias para o funeral além de cuidar também do transporte do corpo do
piloto para sua cidade natal. Os jornais da época falavam da mulher de fibra que
não foi assim percebida por viver na sombra do seu poderoso marido. Arriscavam
dizer ainda que ela seria uma boa empresária e saberia cuidar muito bem do
patrimônio da sua família.

22
Carlos Eduardo Milito

Dona Lourdes também tinha suas crenças e rezava fervorosamente para que o
seu filho Lucas fosse encontrado vivo. Ela junto com os familiares estavam
hospedados em uma das casas da fazenda de Albuquerque por convite de
Clarice. Eles só sairiam de lá quando tivessem a notícia final do paradeiro de
Lucas. Por vezes seu marido Afonso não se continha com ela:
- Por que o nosso filho Lourdes? Por que? – chorava Afonso.
- Se realmente ele foi embora é por que Deus quis assim.
- Uma carreira brilhante. Um futuro brilhante. Não consigo me conformar.
Além do mais, ele estava com planos de casar.
- Mas ainda não o encontraram. Vamos ter esperanças!
- Se ele estivesse vivo, já teriam encontrado.
- Vamos rezar por ele, seja lá o que for que possa ter acontecido.
Os familiares de Lucas eram muito apegados a ele. Desde criança ele
demonstrou ser um menino dócil e puro. Sempre se preocupou com todos e de
alguma forma procurava sempre ajuda-los. Vivia dando conselhos especiais ao
irmão caçula, pois ele se mostrava avesso aos estudos e tinha uma certa
inclinação para os vícios. Queria que Leandro não se desvirtuasse e faria de tudo
para que isso não acontecesse. Sob suas rédias, o menino até que vinha se
comportando bem ultimamente. Uma possível perda de Lucas poderia causar
algumas complicações na família em relação a Leandro. O irmão do meio, Laerte,
prevendo isso, já pensava em assumir a situação e dialogava com o caçula:
- Leandro. Nós temos que ser realistas e contar com a hipótese do pior ter
acontecido.
- Sei disso! Só a mãe é que fica sonhando em achar ele vivo. Sem ele agora,
você é que vai ser o queridinho dos dois.
- Não diga isso Leandro. Lembra que você é que era o queridinho do Lucas.
- Ele queria é que eu fosse um estudioso igual ele. Pegava no meu pé por
que eu não trabalho com você e o papai. Queridinho coisa nenhuma!
- Ele gostava de você.
- Para com isso! Agora ele é santo para você? Gostava de mim? Gostava era
de pegar no meu pé! Não me deixava nem me divertir com amigos de vez em
quando nos jogos de pôquer.
- Ele sabia que isso podia virar um vício! Queria o seu bem.
- Você acha que eu iria me viciar naquilo? Imagina!
Laerte também era um rapaz de boa índole, e com a quase certeza de que
Lucas jamais voltaria, prometeu aos céus que faria de tudo para manter o irmão
Leandro na linha e se fosse preciso para isso, se espelharia fielmente em Lucas.

23
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 8

“Fazenda São Paulo” 16 de Março de 1.917

Pedro foi contar as últimas novidades a Joel. Os funerais de Dr. Marcos


Albuquerque seria naquela tarde em São Paulo para onde o corpo já havia sido
transportado. As buscas pela última vítima continuavam mata adentro com muita
dificuldade e até agora os homens da polícia não haviam encontrado nenhum
vestígio de Lucas.
- Patrão, o senhor pretende ir a São Paulo prestar as últimas homenagens ao
doutor?
- Pedro, todos na região sabiam que a gente nem se falava. Não pretendo ir.
- Por isso mesmo eu acho que o senhor deveria ir. Para mostrar para todos
que apesar de não se falarem, você superou a crise e nesse momento de dor
esteve presente.
Aquelas palavras de Pedro mexeram com Joel. Começou a pensar que toda a
alta sociedade estaria por lá, então seria bom mesmo ele também marcar sua
presença. Se fosse visto, todos iriam imaginar que eles até poderiam ter
diferenças, mas agora naquele momento, ele estava lá por um nobre ato.
Aparecer bem vestido, com cara de pesar para a nata paulistana e outras pessoas
importantes da região alimentaria o seu orgulho. Por outro lado, sentiria-se
incomodado durante a cerimônia, por ser o causador de tudo aquilo, mas
respondeu a Pedro:
- Acho que você tem razão. Vou me aprontar para ir. Minha esposa Inês irá
me acompanhar.
- Só dei minha opinião, patrão.
- Fez bem Pedro. Nem vou precisar ver a cara do infeliz, pois o caixão
deverá estar lacrado. É só para fazer a média com aquela corja toda.
No meio do cafezal durante o trabalho, Jorge e Genésio trocavam algumas
palavras:
- Já é sexta-feira e até agora nada do doutorzinho! – exclamou Jorge.
- O corpo ta lá no meio da mata. – respondeu Genésio.
- Será? Num boto muita fé não.
- É minha mãe que diz. Você sabe que ela entende dessas coisas que nem
eu sei direito. Lá em casa está sempre cheio de gente por isso. Ela fica benzendo
quem procura e ajuda muita gente. Receita umas plantas para as pessoas tomar
banho e outras coisas mais.

24
Carlos Eduardo Milito

- Se foi a Dona Benedita que disse, então acredito. Se sua mãe falou é
porque o doutorzinho ta lá mesmo.
- Nem gosto muito de comentar dessas coisas com ninguém. Me arrepio
todo.
- Que nada! Você tinha que aprender com sua mãe.
- Não quero não. Por enquanto está bom assim.
/ / /

Dona Lourdes continuava com aquela enorme ansiedade em encontrar seu


filho com vida. Todos na família sabiam que isso seria impossível. Afonso
desejava voltar para São Paulo com seu filho Laerte, pois o comércio que eles
tinham estava nas mãos de um funcionário desde terça-feira quando eles
chegaram na fazenda de Albuquerque. Ele não poderia ficar tanto tempo longe
dos seus negócios. Foram procurados naquela manhã por um funcionário da
fazenda com o nome de João:
- Prazer por conhecer a todos. Meu nome é João e trabalho aqui há mais de
dez anos. Eu sei o que vocês vêm passando e estou aqui para tentar ajudar.
- Obrigado pelo apoio – declarou Lourdes emocionada – É bom sabermos
que temos pessoas amigas nesses momentos
- Tenho uma tia que talvez pudesse dar-lhes informações novas. Ela é uma
pessoa que vê coisas e vive ajudando quem a procura. Ela já sabe do caso e me
disse que quer falar com vocês. O nome dela é Benedita.
- Iremos com certeza meu jovem. Se ela pudesse nos atender iríamos agora
mesmo. – falava Lourdes ansiosamente.
- Creio que pode. Ela é muito simples e uma pessoa sem cerimônias. As
pessoas vão lá dia e noite e ela sempre as recebem com presteza e carinho.
Dona Lourdes e Afonso pegaram a charrete que Clarice deixou a disposição
deles e foram juntamente com João para o centro da cidade de Jundiaí onde
morava aquela ilustre senhora. Chegaram lá e foram prontamente recebidos. Era
um casebre simples e pequeno. Dona Benedita era uma senhora de
aproximadamente uns cinqüenta anos de idade, e foi beneficiada no final do
século anterior pela lei Áurea, pois até então trabalhava forçosamente de escrava
em uma fazenda da região. O amor pelo qual foram recebidos por Dona Benedita
era contagiante. Ela tratava a todos como se conhecessem de longa data.
Demonstrava carinho e compreensão:
- Meus queridos, fiquem a vontade. Sinto muito pelo que aconteceu. Meu
filho Genésio trabalha na fazenda vizinha do Dr.Albuquerque. Ele foi um dos
primeiros que notou a explosão. Depois fiquei sabendo de tudo.

25
As Moradas e os Segredos de Maria

- Estamos desolados – desabafou Afonso – Nosso filho mais velho não está
mais conosco.
- O sofrimento que vocês estão passando é um aprendizado meus queridos.
Vocês têm que se conformarem que aquela explosão acabou com tudo.
- Não há esperanças? - murmurava Lourdes
- Não minha filha. O corpo do seu filho será encontrado em poucos dias. Está
em um local de difícil acesso e por isso ainda não foi encontrado.
Os dois choravam muito, pois apesar de saberem da remota possibilidade,
ainda tinham a esperança em encontrar Lucas com vida. Dona Benedita interveio:
- Vocês choram por que não enxergam as coisas como eu. Se tivessem os
meus olhos não chorariam!
- Como assim? – perguntou Lourdes.
- Quando fiquei sabendo de quem estava no avião, pressenti que havia
alguém muito especial dentre os três. Pressenti que nossos amigos invisíveis,
habitantes das moradas superiores, vieram buscá-lo. Isso não aconteceu com o
Doutor e com o piloto.
- Nossa! Você uma pessoa tão simples, falando assim tão difícil.
- A gente é intuída por amigos invisíveis o tempo todo. As minhas palavras
são inspiradas por eles. O que quero dizer é que Lucas está sendo muito bem
amparado. Vocês têm agora é que aceitar a separação.
- É muito difícil aceitar a perda de um filho, Dona Benedita. Gostaria de
pensar como a senhora e acreditar que a vida continua após a morte. Não
consigo! – Exclamou Afonso.
- Deus fez as coisas bem feitas. Todos nós estamos apenas de passagem
por aqui, e durante esse tempo, temos que dar o melhor de nós mesmos. Seu filho
fez a parte dele. Sempre foi um bom garoto. Preocupava-se com todos. Era
estudioso e esforçado. Cumpriu a sua missão com méritos.
- O que nos resta então Dona Benedita?
- Enquanto o corpo dele não for encontrado, vocês devem orar independente
da crença de vocês. Saibam que oração é uma forma de diálogo com as pessoas
que estão do lado de lá. Rezando vocês também se sentirão melhor.
Com muita tristeza, Lourdes e Afonso agradeceram as explicações de Dona
Benedita. Após deixar o casebre, Lourdes que estava mais esperançosa em
relação ao reencontro com filho chorava silenciosamente, pois acreditou nas
palavras daquela mulher. Comentava com o marido:
- Como posso deixar de acreditar nela? De uma origem tão simples, e
provavelmente sem instrução, falando aquelas palavras tão bonitas.

26
Carlos Eduardo Milito

- Eu disse que seria difícil encontrar nosso filho com vida. Só não consigo
engolir esse assunto de “pessoas que estão do lado de lá”. Para mim, tudo acaba
aqui.
- É um direito seu pensar assim. Prefiro pensar como ela e orar para nosso
filho.

27
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 9

Naquela tarde de sexta-feira, estavam presentes ao funeral de Dr. Marcos


Albuquerque inúmeras autoridades: empresários, políticos, jornalistas, parentes e
amigos. O acidente tinha sido destaque em vários jornais do país. Uma tragédia
na história da aviação. Ninguém poderia supor que tudo aquilo havia sido algo
friamente planejado e executado. Pelos recursos técnicos daquela época, pela
forma da explosão e pelo local, o plano havia sido perfeito. Foi uma fatalidade aos
olhos de todos.
Joel e sua esposa Inês também estavam presentes no cortejo. Ele fez questão
de ser um dos primeiros a dar as condolências para a família. No fundo ele sentia-
se radiante. Atingiu seu objetivo.
Ele logo percebeu a presença de Ernesto e perdeu a sua cor. Começou a
transpirar por debaixo de seu terno, pois a última vez que tinha falado com ele
tinha sido para acertar os detalhes finais de como tudo deveria ser feito. Quando
se influenciou por Pedro para estar lá nas homenagens fúnebres tinha se
esquecido que poderia se deparar com Ernesto. Joel respirou fundo e pensou:
- É claro que Ernesto iria vir, pois é apenas um funcionário do hangar. É
lógico que ele tem que estar aqui. Preciso me acalmar.
Sua esposa Inês percebendo que Joel estava fora do prumo indagou
solicitamente:
- O que foi amor? Parece que você não está bem.
- É que eu odeio usar esses trajes. Acho que é o calor.
- Por que não tira o paletó então?
- Não, obrigado. Tudo bem! Daqui a pouco passa – disse Joel, sabendo que
sua camisa por debaixo daquele paletó estava totalmente molhada, então preferiu
ficar daquela forma para não se comprometer ainda mais.
A família de Lucas também presente fez com que Inês comentasse com o
marido:
- Veja meu bem. Aqueles são os familiares do advogado que também estava
no avião. Coitados né? Nem pistas do corpo do moço!
- Tudo bem, mas eles estão feitos na vida, pois a viúva vai ampara-los, pois o
Dr gostava muito do advogadozinho. De repente tinham até um caso.
- Nossa Joel. Como você é maldoso. A filha de Albuquerque iria noivar com o
advogado. Veja como ela está inconsolável.
- Eu quero mais é que essa raça toda se exploda. Só estou aqui para
aparecer para os políticos e empresários.

28
Carlos Eduardo Milito

Inês nem ficava mais chocada com as declarações do marido, pois há muito
tempo já sabia que ele era pessoa que destilava maldade. Segurava o casamento,
por causa dos filhos e da sociedade. Tinha medo de represálias. Sabia do que o
marido era capaz quando tomado por momentos de fúria.
Nos momentos finais do enterro, quando o caixão de Albuquerque já estava
adentrando o túmulo, Joel vibrava intimamente, assim como um atleta ao vencer
uma prova. Era tomado de uma adrenalina intensa e pensava silenciosamente:
- Bem feito Albuquerque. Você pensou que havia vencido né? Tomou-me as
terras de uma maneira suja implantando aquelas pragas na minha plantação.
Agora teve o seu castigo! Fiquei quieto todos esses anos. A vingança é um prato
que se come frio. Eu fiz isso e faria tudo de novo se fosse preciso. Venci! E agora
você esta aí! No lugar que você merece! Morto! Morto!
Foi com muita emoção que a cerimônia terminava naquela sexta-feira nublada.
Apesar dos seus defeitos, Albuquerque tinha bons amigos. Sua esposa,
comovidamente, agradeceu a presença de todos. A partir de agora, teria que ser a
viúva “braço de ferro” para tocar todo aquele império.

29
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 10

“Universo Solar” – 17 de Março de 1.917

Lucas acordava vagarosamente. Sua sensação inicial foi de uma longa noite
bem dormida. Ele estava sonolento e percebeu que não estava no seu lugar
habitual. Estranhou as mobílias. Todas mais claras da cor marfim. A cama onde
dormiu era maior. O quarto era simetricamente quadrado, mais amplo, e com um
pé direito elevado. A cor das paredes era branca mais claro que gelo. Sentia-se
um doce aroma no ar. Havia uma grande janela defronte a cama que ficava
permanentemente aberta, onde apenas as enormes cortinas grossas é que
ditavam a luminosidade do quarto. Lucas caminhou em direção a elas e as abriu
cuidadosamente. Pôde perceber o dia claro com céu azul anil completando uma
paisagem deslumbrante. Ele visualizava uma pintura com cores mais vivas do que
as nossas. Um gramado verde, onde ao fundo notava-se diversas árvores
rodeadas de flores de inúmeras cores e outros tipos de vegetação. O som dos
pássaros cantando pareciam mais harmônicos que os nossos. Sentiu uma brisa
agradável adentrar aquele ambiente. Sentia-se tão bem que não lembrava ter
sentido algum dia em sua vida uma sensação tão boa.
Madalena entra no quarto com um semblante de alegria e o cumprimenta:
- Como vai Lucas. Descansou bastante?
- Olá Madalena. Dormi muito bem. Estou me sentindo ótimo, apesar de não
estar entendendo nada!
- Agora que você já repousou, irá retomar sua memória gradativamente e vai
começar a entender muitas coisas.
- Lembro-me que eu estava dentro do avião e de repente uma explosão
aconteceu. Mas não senti dor alguma. Perdi a consciência, depois eu estava na
mata e te encontrei junto com seus amigos. O que aconteceu?
- Você foi poupado da dor, no entanto sua missão terrestre chegou ao fim.
Agora, Lucas você está sem a sua roupagem carnal. Você está de volta!
- Como assim, sem minha roupagem carnal? Eu morri? É isso?
- Essa palavra é usada pelos habitantes do Planeta Terra. Para nós não tem
sentido falar sobre morte, pois a morte não existe. O que acontece com todos os
seres do universo é a permanente transformação. A perda da roupagem carnal é
apenas uma etapa do processo evolutivo. É chamada de morte sim, mas apenas
por pessoas do Globo Terrestre.
- Mas como? E meus pais? E meus irmãos? E Emília? Meu Deus! Todos vão
sofrer muito – preocupava-se Lucas com os olhos cheios de água - Eu ainda tinha

30
Carlos Eduardo Milito

tantos planos! Eu tinha uma vida pela frente! Eu não poderia ter deixado tudo
assim! Meu Deus! Oh Meu Deus! – murmurava Lucas quase aos prantos.
- Calma Lucas. Não entre nessa sintonia, pois eles captam e ficam tristes!
Você é quem tem que dar força para eles! Logo, logo, irá entender o porquê de
muitas coisas e assim não cairá em depressão. Mantenha-se equilibrado!
- E o Albuquerque, e o Paulo?
- Eles também perderam a roupagem carnal, no entanto estão em sintonias
diferentes. Vão precisar de auxílio.
- Eu não queria entrar naquele avião! Albuquerque insistiu.
- Não o culpe. Tinha que ser assim! Um dia você irá entender. Então por isso,
evite pensar negativamente. As coisas por aqui funcionam a base do magnetismo.
Se pensar com ressentimento em Albuquerque, você estará emanando energias
ruins para ele que já não está bem. Pense nas coisas boas que ele já te
proporcionou.
As palavras de Madalena davam equilíbrio a Lucas. Mesmo assim, muitas
dúvidas pairavam em sua mente. Sua sensação de vida era plena. Ele se tocava e
sentia seu corpo tal qual como outrora. Tudo ali era tão palpável, tão parecido com
os lugares por onde conhecera. Era difícil admitir que não era uma pessoa “viva”.
Quando criança, ele tinha a imagem do céu cheio de nuvens como algodão e
anjos tocando harpa. Por enquanto ele não tinha se deparado com nada daquilo.
Madalena o convidou a sair do quarto com rumo ao imenso jardim. A porta do
quarto dava defronte a uma enorme sala quadrada com mais duas portas
idênticas a ela e simetricamente distribuídas. Por fim, uma porta de correr toda de
vidro, que tinha o comprimento de quase toda a parede oposta, deixava a sala
bem clara, pois a luminosidade externa entrava por ali. A casa onde ele estava era
rodeava por um gramado verde acompanhado de um lindo jardim. Já lá fora,
percebendo o semblante de Lucas, Madalena interveio:
- Esta á a nossa casa, Lucas. Agora somos três os moradores. Eu, você e o
Antero. Por enquanto, só nós três é que habitaremos nesta casa.
Após uma breve pausa prosseguiu:
- Estamos em uma grande vila de casas do chamado “Palácio da
Sustentação” que é um dos órgãos da Morada Universo Solar. Assim como a
nossa, existem inúmeras moradas celestiais no universo. A Morada Universo Solar
é uma das primeiras do estágio evolutivo do homem. Está em sintonia permanente
com a Terra.
Lucas ouvia concentradamente com um ar de questionamento. Madalena
continuou:

31
As Moradas e os Segredos de Maria

- Assim como o Palácio da Sustentação o qual estamos, temos também o


Palácio da Cura, o Palácio da Educação, O Palácio da Comunicação, o Palácio da
Transformação e o Palácio Divino. Cada palácio tem o seu governador como o
responsável. Cada governador tem uma grande soma de assistentes. No nosso
caso, como súditos de Mestre Jonas, estamos em permanente contato com ele
como um de seus assistentes. Nossa estrutura hierárquica é simples. No topo da
nossa pirâmide está o Palácio Divino que abriga a todos os conhecedores da
verdade e que emanam o amor universal. É o mais próximo do criador. Na
seqüência temos o Palácio da Transformação, responsável por nossa roupagem
astral que seria o nosso físico propriamente dito. Em outras palavras a roupagem
astral é o corpo que possuímos agora, na freqüência que estamos. Ele é
imperceptível para nossos amigos da Terra. No estágio que vivemos temos ainda
uma camada bem tênue e quase material. Nosso núcleo é puramente o nosso Eu,
e ainda necessita dessa roupagem. Apenas nossa elevação é que nos desproverá
de qualquer tipo de roupagem. Veja você que viveu na Terra: Existe também um
processo evolutivo por lá. Há milhares de anos atrás os humanos eram homens
das cavernas e os animais eram mais robustos. A roupagem carnal desses seres
era ainda mais grosseira do que a roupagem atual. Assim como os seres da Terra
evoluíram e passaram a ter uma roupagem carnal menos densa, os seres de fora
dela, como nós, também teremos a nossa evolução e com o passar do tempo
necessitaremos de roupagens astrais cada vez mais leves até atingirmos a fase
puramente divina. Apenas o Mestre dos Mestres é que chegou nesse estágio.
- Muito interessante – Replicou Lucas – Compreendo então que da mesma
forma que na Terra, creio que necessitamos de trabalho para evoluirmos e nos
elevarmos.
- Exatamente. Essa é a lei universal que se aplica não só na nossa morada
“Universo Solar” como também em todas as moradas celestiais do universo.
- Estou chegando agora e me vejo longe dos meus entes terrestres, mas
creio que com algum trabalho eu poderei esquecer um pouco deles.
- É bom você pensar assim Lucas. Mestre Jonas vai querer que você ainda
descanse mais alguns dias. Fique tranqüilo que tudo tem seu tempo. Rapidamente
você irá superar essa dor da separação.
- Continue a me contar mais daqui Madalena. Você falou da hierarquia dos
nossos palácios. Este que nós estamos está aonde?
- O nosso, que é o Palácio da Sustentação juntamente com o Palácio da
Cura e mais o Palácio da Educação fazem um tripé de sustentação da pirâmide.
Os três estão no mesmo nível e cada um deles tem sua atribuição: O nosso é
responsável pelas expedições de auxílio ao Planeta Terra. Uma de nossas tarefas

32
Carlos Eduardo Milito

é o socorro aos aflitos que por prece entram em contato com o Palácio da
Comunicação pedindo ajuda e então somos designados para a missão. Outra
nobre tarefa é de acompanhar os nossos irmãos daqui a regressarem a Terra para
uma nova vida. Nesse caso o Palácio da Transformação é o responsável pela
miniaturização da nossa roupagem astral que geralmente tem a forma da última
vida na Terra. A tarefa de receber os recém chegados também é de nossa
incumbência. Assim como fizemos com você, fazemos com outras pessoas as
quais tem condições de entender o caminho da luz, da elevação e da verdade.
Lucas ouvia atentamente com sede de aprender e Madalena continuava:
- Já o Palácio da Cura é o responsável pelos tratamentos que vão desde os
doentes que chegam aqui com algum tipo de enfermidade até aqueles que
chegam praticamente mutilados.
- Como assim? Mas nossa roupagem astral não é imune a isso?
- De forma alguma. Tudo que o terrestre faz na sua roupagem carnal seu
reflexo é imediato na roupagem astral. Quem se droga está lesando também sua
roupagem astral e pode chegar aqui muito destruído na região da cabeça. Da
mesma forma que quem faz abusos com comidas e bebidas pode chegar aqui
com problemas abdominais, quem abusa no sexo pode chegar aqui com a região
genital totalmente destruída. Existem outros exemplos pesadíssimos que
envolvem o orgulho, a raiva, a inveja, e a vaidade que quando muito cultivados na
Terra afetam a roupagem astral de alguma forma. Tem irmãos que realmente
chegam por aqui em frangalhos. Daí a necessidade do Palácio da Cura. É como
se fosse um hospital se compararmos com a Terra. Nesse palácio ainda, existe a
ponte para as moradas inferiores que são as zonas de baixa freqüência. Por lá
temos irmãos extremamente perturbados que vivem longe da luz e da verdade. As
vezes eles nem têm a consciência que já não possuem mais a roupagem carnal e
ficam vagando sem direção. Outros ainda são influenciados por seres com índole
maléfica e ficam rodeando os terrestres tentando perturba-los a toda hora. O
Palácio da Cura sempre organiza missões para essas zonas de perturbação para
tentar trazer novos irmãos para o tratamento. O trabalho por lá é pesadíssimo,
mas de grande valia para a elevação de qualquer um.
Lucas estava fascinado com tudo que ouvia. Madalena continuava:
- O Palácio da Educação é o responsável pelo esclarecimento em busca da
verdade. É a nossa escola, onde temos diariamente as nossas aulas. Assim como
na Terra, onde qualquer criança necessita de escola desde pequena, nós também
a precisamos para a nossa elevação. Para o entendimento completo do Universo
e do Criador é necessário muito estudo. Aqui aprendemos a teoria, para na Terra
por em prática, mas poucos conseguem fazer isso. Ocorre que com a roupagem

33
As Moradas e os Segredos de Maria

carnal, todas as informações aqui aprendidas ficam no inconsciente e por vezes


não percebidas por muitos. Uma pena, pois o processo de elevação fica
estagnado. O Palácio da Educação ensina basicamente o que todas as religiões
do Planeta Terra tentam fazer cada uma do seu modo: Cultivar o amor e louvar o
criador. É muito difícil ainda para nós compreendermos completamente o criador.
Somente quem está próximo da fase puramente divina é que consegue essa
compreensão. Alguns dos nossos irmãos do Palácio Divino possuem esse
atributo.
Após uma ligeira pausa, Madalena continuava calmamente:
- É pelo Palácio da Comunicação que são feitos os contatos entre as
diversas moradas do Universo assim como a Terra. A forma que os terrestres têm
de se comunicar conosco é pela prece, onde eles têm que elevar seus
pensamentos para algo divino. Seria como algo que esteja acima deles. Logo
então, essas preces ou pensamentos são coletadas por esse Palácio,
selecionadas e distribuídas para grupos ou indivíduos. Sem a verdadeira fé, a
força da prece não atinge o Palácio da Comunicação, sendo então em vão. O
simples diálogo de um terrestre com o pensamento elevado clamando por alguém
em nível de elevação superior ao dele pode chegar ao Palácio. Com o tempo
Lucas, você vai compreender melhor tudo isso, pois irá recuperar sua memória
passada.
- Por que então perdi a memória?
- Todos aqueles que voltam a Terra com uma nova roupagem carnal, durante
a miniaturização têm sua memória preservada para essa nova missão. Ao retornar
à vida celestial a roupagem astral carrega de início as informações mais recentes,
ou seja, as da última experiência na Terra. Somente após algum tempo é que as
informações de vidas passadas e dos intervalos celestiais, tal qual estamos agora,
são resgatadas. Não tenha pressa então, pois o criador fez um sistema perfeito. O
esquecimento é uma bênção, pois se assim não fosse, não haveria sentido algum
estar na Terra sabendo dos erros anteriores.
- Então pelo que você me diz, além de eu ter tido várias vidas terrestre,
também tive vários intervalos celestiais como o de agora?
- Certamente Lucas. Em breve visitaremos o Palácio da Transformação,
onde existe o Setor de Arquivos. Lá você poderá resgatar suas formas físicas de
outras vidas, e se quiser, poderá moldar sua roupagem astral com a aparência de
uma delas. Isto é permitido para pessoas com um nível de elevação diferenciado.
Creio que você faz parte deste grupo.
- Estou surpreso com tudo que está acontecendo comigo.

34
Carlos Eduardo Milito

- Além de sua última missão terrestre bem sucedida, você já vem


acumulando créditos de outrora. Você está colhendo os frutos que vem plantando
há muito tempo.
- Muito bom Madalena. Apesar da dor da separação daqueles que ficaram na
Terra, estou aceitando esta minha volta ao mundo astral com resignação. Mas não
quero ficar parado. Quero trabalhar. Quero aprender!
- Devemos apenas controlar nossa ansiedade. As coisas por aqui acontecem
naturalmente. Eu e Antero iremos te acompanhar inicialmente, no entanto Mestre
Jonas reserva um belo trabalho para você. Tenha calma.
- Tudo bem Madalena. Posso fazer mais uma pergunta?
- Claro Lucas!
- Eu já estive nesta morada antes?
- Se você está se referindo ao Universo Solar, vou dizer que não. Você
acabou de atingir esse estágio recentemente. No último intervalo celestial você
esteve numa outra morada um pouco diferente desta, no entanto a sua essência
era a mesma. Posso dizer que você está agora um degrau acima da que esteve
antes.
- Certo Madalena. Tudo que está dizendo são muitas informações novas
para mim. É muito bom saber que tenho amigos por aqui!
- Com certeza. São laços de existências terrestres e de intervalos celestiais
que perdurarão pela eternidade.
Após aquela conversa defronte ao lindo jardim, Madalena convidou Lucas para
ouvir uma mensagem de meditação que seria proferida pelo Mestre Jonas. Para
isso, eles necessitariam caminhar até o auditório que ficava distante dali.
Madalena rapidamente explicou:
- Lucas, você está percebendo que este vasto gramado é habitado por
inúmeras casas, assim como a nossa. Conforme já lhe disse, isto aqui é uma vila
de casas que abriga a maioria dos habitantes deste Palácio. O auditório está bem
distante daqui então, vou chamar um veículo astral para nos levar até lá.
Imediatamente Madalena levou as duas mãos para a face, com os dedos na
testa e as palmas das mãos em cima dos olhos que se fecharam. Curvou a
cabeça levando o queixo em direção ao peito e ficou em silêncio por cinco
segundos. Antes que Lucas indagasse algo, surgiu como um relâmpago o tal
veículo astral que Madalena havia comentado.
- Pode entrar Lucas. Isto aqui já lhe é familiar pois fomos te buscar com um
veículo deste tipo lá na Terra. Lembra?
- Inacreditável. Esse é o meio de transporte de vocês?

35
As Moradas e os Segredos de Maria

- Também. Existem aqueles que não necessitam deste meio de locomoção,


pois adquiriram uma técnica própria para se locomover. No seu caso, que ainda
está com as faculdades um pouco ligadas a Terra, faz-se necessário este meio de
locomoção.
Lucas e Madalena entraram na nave. Ele pôde observar melhor seu interior,
pois da primeira vez não teve a mesma percepção. Toda arredondada, possuía
um grosso pilar de sustentação ao centro, que ia do chão até o teto, e ao seu
redor um confortável acento de 360º que poderia acomodar muito bem até seis
pessoas. Na extremidade oposta ao pilar uma fresta de vidro de uns 50
centímetros de altura com o comprimento que acompanhava quase toda a
circunferência da nave onde através dela dava para ver o lado de fora. Não havia
lugar algum onde pudesse ser o painel de controle da nave. Os dois se
acomodaram lado a lado no acento e novamente Madalena levou seus dedos na
testa e as palmas das mãos em cima dos olhos que se fecharam. Quando ela
curvou a cabeça e levou o queixo em direção ao peito, a porta da nave se fechou
e uma claridade muito intensa e quase ofuscante invadiu aquele ambiente interno
e seu movimento de locomoção foi imediatamente sentido. Cinco segundos se
passaram, o movimento da nave e a claridade cessaram-se e a porta se abriu.
- Chegamos – Interveio Madalena – Podemos descer.
- Que rapidez!
- Aqui, a velocidade é mensurada de outra forma. Na Terra, as pessoas têm
a limitação da matéria, o que não acontece nas moradas celestiais.
- Que bom que chegaram a tempo da mensagem de meditação da semana –
Interveio Antero que já os aguardava – Como tem passado Lucas?
- Muito bem. Acho que dormi a noite inteira.
- Um pouco mais que isso. Você repousou desde segunda-feira e hoje é
Sábado, mas não se preocupe com isso.
- Então perdi a noção do tempo! Como pude ficar tantas horas dormindo?
- Os conceitos por aqui são diferentes, Lucas. Você necessitava se refazer
pois a perda da sua roupagem carnal foi muito brusca. O sono daqui é tão
reparador quanto o da Terra. Isso foi preciso mesmo apesar do seu alto nível
evolutivo. Mantenha-se calmo agora.
Os três estavam defronte ao grande prédio que abrigava o gabinete do
governador. Havia um grande número de pessoas circulando por ali. As ruas nos
arredores que rumavam em direção àquele prédio eram graciosamente calçadas
com pedras esverdeadas que lembrava o tipo ardósia. Eram largas não havendo
calçadas, pois já eram do tipo de um calçadão somente para a circulação de
pessoas. A vegetação era deslumbrante. Havia árvores por todas as partes, e

36
Carlos Eduardo Milito

algumas daquelas ruas pareciam túneis cobertos por enormes espécies que se
entrelaçavam explendorosamente. Outros prédios vizinhos ao do gabinete
complementavam a paisagem. Tudo era harmônico, e o estilo das construções
lembrava a Europa do Século XIX.
Juntamente com outras pessoas que ali estavam, eles entraram naquele prédio
com um semblante de muita alegria. Lucas apreciava seu interior. Aquele lugar era
como se ele estivesse dentro de um castelo na França. O piso era todo trabalhado
com pedras coloridas. O pé direito era bem alto e as portas que já estavam
entreabertas eram de aproximadamente de uns dois metros de comprimento. No
saguão principal havia vários quadros que retratavam belezas naturais como
flores, paisagens e cidades enfeitadas. O auditório ficava logo a direita do saguão
principal. Uma simpática senhora que se chamava Luzia, recebia a todos na
entrada do auditório e indicava a melhor acomodação para cada um. Com muito
carinho ela fez questão que o recém chegado Lucas juntamente com Antero e
Madalena ficassem na primeira fileira para ouvir as palavras de Mestre Jonas.

37
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 11

Mestre Jonas entra no grande auditório do Palácio da Sustentação com o já


conhecido semblante de paz. Os companheiros ali presentes aguardavam com
muita alegria aquele momento. Todos os sábados eram os dias em que o
governador convocava os interessados para transmitir sua mensagem de
meditação:
- Bom dia meus amigos e amigas! Estou feliz em vê-los novamente. Como
têm passado? Felizes com o aprendizado? Nós nos sentimos muito feliz com cada
degrau que cada um de vocês galgam neste universo! O esclarecimento em busca
da verdade é o que nos faz ficar cada vez mais forte. Esse é o nosso exercício: “A
busca da verdade”. Neste estágio mais ou menos igual em que todos nós vivemos
nossa ginástica que nos fortalece internamente se resume somente nisso. E
vocês, caros aprendizes, vem tentando fazer isso da melhor forma possível.
Parabéns a todos. Sabemos valorizar cada degrau que cada um de vocês
consegue galgar. Temos acompanhado o trabalho de cada um.
Após uma ligeira pausa, Mestre Jonas prosseguiu:
- A mensagem de hoje para meditar: Ora a mensagem de hoje se resume
apenas na palavra fé. Apenas uma sílaba na língua de alguns humanos da Terra,
porém muito pouco usada pela maioria deles. Vejamos quantas religiões e
crenças têm por lá, e vemos muitas pessoas simpatizantes com essa ou com
aquela, e atraindo inclusive, uma legião de seguidores, no entanto, a maioria das
delas prefere ficar em cima do muro, podendo até dizer que acredita em Deus,
mas no fundo não possuem uma total convicção das coisas.
Em seguida, fez a já esperada revelação aos seus súditos:
- O Planeta Terra está precisando de uma prova de fé contundente. Estamos
em época de Guerra Mundial por lá! Vidas e vidas se escoando em vão! Orgulho,
vaidade, inveja e excessiva ambição por parte de muitos homens, estão levando o
mundo as Trevas. O Século será ainda muito penoso nesse mundo de expiação,
mas uma prova forte do nosso lado para que eles se apeguem fortemente em
alguma crença e comecem a crescer e evoluir será necessária agora. Passaram-
se quase dois mil anos depois da última grande prova. A percepção do mestre dos
mestres pelos humanos que lá viviam foi esse fato. A materialização da sua
roupagem astral abismou o mundo daquela época. Alguns valores começaram a
mudar para melhor desde então.
Após outra ligeira pausa, Mestre Jonas prosseguiu:
- E agora? Agora uma nova missão já foi delegada a querida Maria, nossa
Guardiã Mor, presidente da Morada Via Láctea. Mais alguns dias e todos nós

38
Carlos Eduardo Milito

teremos uma breve palestra com ela. Será uma grande oportunidade de
aprendizado. Fascinante!! Vocês não têm idéia do que está designado para a
Terra. Uniremos esforços com representantes de inúmeras moradas. Maria será a
pessoa mais habilitada para dar as devidas explicações de como será sua
intercessão na Terra.
Mestre Jonas fez uma longa pausa e prosseguiu:
- Vamos agora então relaxar e ligar nosso pensamento ao Mestre dos
Mestres em vibrações de paz. Isto que iremos fazer agora é chamado de prece
pelos nossos amigos da Terra.
Lucas sentia-se deslumbrado com tudo aquilo que estava acontecendo.
Sentado na primeira fileira e defronte ao mestre Jonas, sentia as lágrimas de
emoção saindo dos seus olhos. Isso era conseqüência natural de estar
presenciando uma cena tão bela, onde naquele auditório, mais de quinhentas
pessoas ouviam silenciosamente com muito interesse a mensagem do
Governador.
No seu íntimo, ele mesmo se surpreendia com si mesmo, pois teve uma
chegada muito rápida e se encontrava em perfeito equilíbrio. Não deixava os
sentimentos terrestres o afetar de maneira prejudicial ao trabalho que estaria por
vir, procurando não pensar nos seus entes da Terra. Procurava também controlar
a ansiedade e deixar as indagações de lado, pois no momento certo tudo teria a
sua devida resposta.
Nesse momento todos que estavam no auditório, a pedido do Governador,
fecharam os olhos e mentalizaram o Mestre dos Mestres.
- Meus, queridos, permaneçam de olhos fechados e construam a imagem
mental do Mestre dos Mestres todo de branco, de braços abertos e sorrindo para
vocês.
Mestre Jonas observando a fisionomia de todos que estavam ali presentes
continuou:
- E então? Tudo bem? Estão conseguindo?
Mestre Jonas continuava no auditório, e notou no semblante de cada um dos
seus súditos que o acompanhava, uma expressão de muita paz, gratidão e
alegria. Então, calmamente ele prosseguiu:
- Muito bem, meus queridos. Agora quero que todos vocês agradeçam a
oportunidade de aprendizado que terão com a visita de sua mãe Maria. Façam
isso com suas palavras de agradecimento.
Naquele momento aquele auditório ganhava uma nova aparência: O ambiente
parecia que estava sendo tomado por uma neblina em que a cada segundo ia
aumentando a densidade. Chegou o momento em que o Mestre Jonas que estava

39
As Moradas e os Segredos de Maria

de pé na frente do auditório ficou completamente encoberto por aquela névoa


esbranquiçada e todos que estavam sentados, também não conseguiam enxergar
uns aos outros.
Lucas continuava com seu pensamento no Mestre dos Mestres, pois sua
sensação de bem estar e prazer era algo que nunca havia sentido antes. A densa
névoa ganhava cada vez mais intensidade e agradável odor, como se uma luz
emanasse de seu interior e um aroma de flores silvestres invadisse o ambiente.
Aquilo que acontecia no auditório era uma forma de todos ali presentes saberem
que suas vibrações alcançavam o seu destino. Isso só acontecia porque todos ali
estavam em um nível evolutivo similar e a percepção de cada um é que ditava
aquelas sensações.
Quando Lucas estava na Terra, ouvia coisas bonitas de sua avó Dora e agora
ele estava lá: Do chamado outro lado da vida pelos habitantes terrestres. Estava
vivenciando as primeiras experiências após a passagem que teve no mundo físico.
Sentia agora uma espécie de emoção e ao mesmo tempo gratidão por estar
vivendo aquele momento. Permanecendo em vibração dizia em pensamentos:
- Obrigado meu pai, por eu me encontrar em equilíbrio e em paz. Obrigado
pelos amigos que estão me acompanhando desde minha chegada. Muito
obrigado!
Após alguns minutos de esplendoroso silencio daquele auditório, onde cada
um dos presentes sentia as prazerosas sensações do contato com o divino,
Mestre Jonas carinhosamente interveio:
- Meus queridos. Vamos agora calmamente voltarmos nossos pensamentos
para cá. Tenham calma. Façam isso bem vagarosamente!
Aos poucos, todos ali voltavam os olhares fixos ao Mestre Jonas. A sensação
de névoa e o odor se dissiparam vagarosamente. A fisionomia de todos era de
plena paz de espírito. Mestre Jonas continuou:
- Muito bem! No nosso próximo encontro faremos isso novamente, para depois
de dois dias, com a presença de Maria, termos outros tipos de sensações. E
estas, serão ainda mais intensas, pois estaremos juntos de uma divindade. Peço a
todos que controlem a ansiedade para isso, pois vocês sabem que uma das
nossas lições daqui é que tudo tem o seu momento certo. Uma ótima semana a
todos repleta de trabalho e de constante aprendizado. Até breve!!

40
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 12

“Fazenda Terra Nova” – 17 de Março de 1.917

Na manhã daquele Sábado, Sr. Medeiros, chefe da Polícia de Jundiaí foi à


procura de Dona Lourdes e Afonso na Fazenda Terra Nova em uma das casas
onde estavam hospedados.
- Sr Medeiros. Sente-se por favor – murmurou Lourdes
- Obrigado, mas serei breve. Tenho muitos afazeres e eu nem necessitaria
sentar. De qualquer forma, obrigado.
- E então? Tem novidades?
- Tenho e infelizmente, não são boas. Encontramos Lucas sem vida. Sinto
muito pelo que aconteceu. Sabíamos que seria difícil encontrá-lo vivo, porém
mantínhamos esperança; Estou informando primeiramente a vocês, mas logo que
eu sair daqui passarei na sede da fazenda onde está Dona Clarice que também
quer todas as informações.
A confirmação da morte de Lucas levou Lourdes e Afonso ao choro copioso.
Apesar das revelações prévias de Dona Benedita, tentando prepará-los e dá-los
conforto para o que iriam enfrentar, na hora da revelação o mundo desabou para
eles. Lucas era o filho mais velho. O mais inteligente. Preocupava-se
constantemente com toda a família. Seu cuidado em lidar com o seu irmão
Leandro era notável. Tinha palavras certas para os momentos difíceis. Seu
aprendizado durante sua infância com sua avó serviu de embasamento para os
anos seguintes de sua vida. Seu caráter e sua determinação moldaram sua
carreira. Mesmo de origem simples conseguiu ingressar na Faculdade de Direito
do Largo São Francisco e se formar com louvor como melhor aluno de sua turma.
Era uma pessoa com uma bondade ímpar e tratava desde o mais humilde ser até
o mais nobre da mesma maneira: com muita simplicidade e carinho.
- Desculpe Sr Medeiros. É muito doloroso – ponderou Lourdes tentando
conter o choro.
- Imagina. Entendo o momento difícil que vocês estão passando. Estou aqui
para ajudá-los no que for necessário. Sei que a Dona Clarice quer tomar todas as
providências para o funeral, assumindo todas as despesas e tudo mais. Deixe que
cuidamos disso. Tenho que informá-los ainda que teremos o caixão lacrado pois o
corpo foi encontrado em adiantado estado de deterioração.
Laerte e Leandro não estavam junto com os pais naquele momento. Eles
estavam em São Paulo cuidando dos negócios da Família. Assim que chegassem
na Fazenda saberiam de tudo. Enquanto isso Clarice estava na sua casa da

41
As Moradas e os Segredos de Maria

Fazenda junto com as filhas. Sr. Medeiros despediu-se de Dona Lourdes e Afonso
e em seguida foi ao encontro de Clarice. Ao ver sua mãe recebê-lo na sala de sala
de visitas, Emília já pressentiu o pior antes mesmo de Medeiros começar a falar.
- Olá Sr. Medeiros. Como têm passado? Vou ser sincero para você: Estou
sem coragem de ouvir o que o senhor tem para nos dizer agora. – Interveio Emília
mesmo antes de sua mãe ter trocado alguma palavra com o visitante.
- Minhas caras, tudo que têm acontecido nesta semana está sendo muito
difícil para mim também. Podem acreditar. O desastre. A perda de Albuquerque. A
imprensa comentando. Meus homens trabalhando na mata. Também estou
abalado com tudo isso. Mas tenho que fazer meu trabalho e aqui estou.
- Sente-se senhor Medeiros – ponderou Clarice
- Obrigado, mas não se preocupem. Não tenho muito tempo agora.
- E então?
O silêncio pairou no ar por longos segundos onde Medeiros só fez uma
pequena expressão com seu rosto, onde não era preciso dizer mais nada. Aquilo
denunciava tudo: Lucas não estaria mais entre eles. Os olhos de Emília
começaram a se encher de água, assim como os de Clarice e de Clara que
também estavam presentes. Quando elas souberam da perda de Albuquerque o
choque foi até maior, onde num primeiro momento, se desesperaram e choraram
muito. Desta vez sabiam que seria difícil encontrar Lucas com vida, no entanto
Emília apesar dos pressentimentos, ainda mantinha esperança.
- Por que, mãe? Por que? – falava Emília com emoção para Clarice.
- Calma minha filha. Deus quis assim e temos que aceitar. Sofro muito
também pois perdi um companheiro de muitos anos.
A Fazenda Terra Nova vivia mais um dia de muita comoção. Clarice pediu para
Medeiros cuidar de tudo junto com os familiares de Lucas para as providências em
relação ao funeral. Assim como foi feito com Paulo Ribeiro, o piloto, Sr Medeiros
tomou a rédia de tudo para que no dia seguinte o enterro de Lucas fosse
realizado.
/ / /

Enquanto isso, na Morada Universo Solar, todos os súditos do Mestre Jonas


acabavam de sair da palestra semanal e Lucas caminhava em companhia de
Antero e Madalena pelo vasto jardim que cercava o prédio onde ficava o auditório.
- Foi maravilhosa a palestra, enquanto estive minha sensação era de
tamanho bem estar que não consigo nem descrever, mas confesso que agora, ao
sair no jardim, me veio na mente a lembrança de Emília e sinto uma ponta de
tristeza. – explicou Lucas.

42
Carlos Eduardo Milito

Antero prontamente respondeu com carinho e compreensão:


- Você acabou de entrar em mais um intervalo celestial. Isso é recente Lucas.
Faz apenas alguns dias que isso aconteceu. Você deixou laços no mundo material
que emanam energias ao se lembrarem de você. Enquanto você não estiver
fortalecido com essa sua nova roupagem, não será raro se isso ocorrer. É
provável que seus entes queridos estejam chorando sua perda.
- Mas meu Deus. Estou aqui! Me sinto tão bem. Eu não morri! Por que não
existe uma forma de mostrarmos a eles que tudo continua bem aqui deste lado.
Por que eu não posso vê-los?
- Não é bem assim Lucas. Tudo têm o seu tempo. Para irmos a Terra é
necessário um preparo e cada um dos recém chegados tem seu momento para
isso. O que você pode fazer agora é pensar neles com alegria lembrando sempre
dos bons momentos que tiveram na sua última experiência por lá. Com certeza
essa energia irá se propagar e irá atingi-los, fazendo com que se sintam melhor e
mais confortados. Lucas, você está em nível de evolução razoável e entenderá em
pouco tempo que as coisas na “vida plena” como nós chamamos funcionam à
base do magnetismo. O pensamento positivo deve ser sempre praticado. Entendo
perfeitamente seus sentimentos, mas você deve lembrar-se dos bons momentos
com todos e emanar essa energia em direção a eles. Com certeza em pouco
tempo, esse seu mal estar irá passar.
- Antero meu amigo, como eu queria entender tudo isso e pensar como você.
- Lucas, meu querido. Você entende sim. A sua mente está nebulosa pelas
circunstâncias atuais. Por essa razão é que ainda sente essas emoções quando
pensa na separação física. A cada dia as coisas irão clarear mais, e você
retomará a “consciência maior”. Eu e Madalena estaremos aqui para ajudá-lo
sempre.
- É bom tê-lo como amigo Antero. Só de ouvir suas palavras já me sinto
melhor.
- Que bom Lucas. Os seres com o nível evolutivo elevado conseguem
superar rapidamente o que chamamos de “retorno astral” e chamado de “morte”
pelos habitantes da Terra. Sábio são aqueles, que, mesmo vivendo com suas
roupagens carnais nas esferas terrestres sabem que tudo por lá é transitório e a
“vida maior” é bem longe dali. As roupagens carnais são instrumentos pelos quais
cada um dos seres criados pelo grande Arquiteto do Universo consiga galgar nas
escalas evolutivas.
- Muito bonito tudo isso, Antero. Mas sei que preciso estudar muito para
compreender tudo isso, pois a ponta de tristeza por estar longe de meus pais,
meus irmão e a querida Emília me atinge.

43
As Moradas e os Segredos de Maria

- É perfeitamente compreensível. O tempo meu querido amigo, é o remédio


não somente para os habitantes da Terra, como também para nós os habitantes
da Morada Universo Solar. O tempo é na verdade o remédio para todos os
habitantes de todas as Moradas de Luz existentes no universo. Além do mais, em
breve, você estará juntamente com outros companheiros estudando matérias
interessantes no “Palácio da Educação” e isso te ajudará ainda mais.
Lucas sentia-se admirado com os recentes ensinamentos de Antero e procurou
silenciosamente mergulhar em pensamentos de luz recordando bons momentos
ao lado de Emília. Orou silenciosamente uma ave Maria pedindo conforto para
Emília e para todos os seus familiares. Antero percebeu a ação de Lucas e ficou
silencioso, com uma tranqüila expressão de aprovação. Madalena chegou perto
dos dois e juntos retornaram para sua nova casa.

/ / /

“Jundiaí” – 18 de Março de 1.917

No Domingo pela manhã enquanto era realizado enterro de Lucas uma


expedição da Morada Universo Solar foi designada ao local para a formação de
uma barreira magnética. Cinco serventes do Palácio da Sustentação chegaram ao
cemitério e se posicionaram em forma geométrica. Quatro deles formaram um
grande quadrado simétrico e o quinto ficou flutuando em uma posição elevada
formando o desenho de uma pirâmide. A forte comoção que pairava durante o
enterro foi bloqueada pelos serventes não ultrapassando a linha da imaginária
pirâmide. A pirâmide e sua coloração não eram percebidas pelos seres humanos
comuns providos de roupagem carnal que estavam no cortejo. Essa percepção
era inerente apenas aos seres de luz desprovidos de roupagem carnal. Sua
coloração inicial era branca como gelo ,e posteriormente, durante os momentos de
mais forte emoção por parte de alguns amigos e familiares ganhava uma forte
coloração lilás. A barreira magnética tinha como objetivo proteger Lucas e seus
“irmãos astrais” desprovidos de “roupagem carnal” que viviam em diferentes
pontos do Universo, pois a energia emanada dali era nociva aos seres de luz.

44
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 13

“Vale das Trevas” – 18 de Março de 1.917

Albuquerque retomava a consciência naquele momento. Ele lembrava que


estava no avião e que algo havia saído errado, mas ele ainda não entendia direito
o que tinha acontecido. Ele se via com um aspecto sujo e sentia-se
desconfortável. A paisagem para ele era um tanto quanto obscura. Não era
exatamente noite, mas era como se o tempo estivesse bem nublado, prestes a
cair uma chuva. Não havia vegetações, bosques, lagos ou qualquer forma de
beleza natural. A sensação para Albuquerque era como se ele estivesse em um
outro país. A falta de luminosidade não deixava ele distinguir se ele estava
cercado de paredes os prédios germinados. O chão parecia ser de terra batida.
Ele sentia-se perdido e desamparado. Começou a gritar:
- Tem alguém aí? Alguém me ajuda, por favor?
Não demorou muito e Albuquerque começou a ouvir vozes e gargalhadas que
pareciam não estar distantes. Era como se tivesse duas pessoas conversando.
- Há há Há, Olha o todo poderoso Albuquerque em que se transformou: Um
simples esfarrapado!!
- Há Há, É mesmo! Olha só o coitado. Tanto poder pra nada – respondeu a
outra voz.
Albuquerque começou a se enfezar com o comentário dos dois e partiu para o
desafio:
- Quem está me desrespeitando? Está pensando que está falando com
quem? Apareçam aqui seus idiotas!! Não tenho medo de vocês.
Imediatamente, Albuquerque não conseguiu ver os dois homens, mas sentiu
uma rajada de vento no rosto onde sua sensação inicial era como se areia tivesse
entrado nos seus olhos. Ele levou a mão aos olhos e não conseguia mais abri-los,
pois ele sentia um forte ardor.
- Que truque baixo meus amigos. – exclamou Albuquerque
- E então, o todo poderoso? Você não disse que não tem medo de nós e
ainda nos acha idiotas? – respondeu o de voz mais grossa
- Pelo que me fizeram, vejo que não estou errado.
- Olha só o empresariosinho, que audacioso!!
- O que vocês me jogaram nos olhos? Areia? Enfrentem-me de modo limpo.
Não tenho medo. Tira de mim essa coisa dos olhos e vamos ver quem é o
esfarrapado.

45
As Moradas e os Segredos de Maria

Albuquerque sentiu novamente outra rajada de vento no rosto e a sensação da


areia mos olhos era ainda mais forte. O ardor agora era quase insuportável. Os
dois homens se afastaram dele e Albuquerque se contorcia no chão.
- Miseráveis. Voltem aqui. Ai que dor!!! Socorro, alguém me ajuda!!
O silêncio pairou no ar por alguns minutos enquanto Albuquerque deitado e
sem a visão restabelecida aguardava alguma espécie de ajuda. Gradativamente a
sensação de ardor nos olhos começou a diminuir e sua visão começou a voltar.
Antes de gritar por ajuda para alguém ele pensava intimamente:
- Não estou entendendo nada. Acho que me doparam. Onde está Lucas e
Paulo Ribeiro. Lembro o momento que eu voava e depois não lembro mais de
nada. Não estou gostando dessa brincadeira.
Em seguida, Albuquerque levantou-se do chão e gritou:
- Muito bem, podem parar com isso. Chega!! Chega de brincadeiras. Temos
muito trabalho a fazer e quero ir embora. De quem foi a idéia de me pregar uma
peça? Foi sua, Paulo? Onde você está Paulo? E você Lucas? Também está
nessa?
O silêncio pairava no ar. Albuquerque gritava ainda mais:
- Me tirem daqui!! Chega de brincadeiras! Me leve de volta para o avião! Me
levem para casa!
A sensação de Albuquerque agora era de frio. Ele sentiu uma brisa por todo o
seu corpo e conforme o vento soprava, ele ia ficando trêmulo, como quem bate o
queixo de tanto frio. Ele se jogou no chão e se encolheu todo e pensava:
- O que está acontecendo? Confesso que estou com medo agora! Acho que
estou tendo um pesadelo. Acho que adormeci no avião e daqui há pouco eu vou
acordar. Preciso acordar! Tenho que acordar!
A brisa que fazia Albuquerque sentir frio aumentava ainda mais e tornou-se um
forte vento. O frio era muito intenso. Percebia que os minutos passavam mais e
mais e ele não acordava do pesadelo. Daí tentou se beliscar e se estapear na
esperança de acordar. Sentia mais dor pela sua própria auto-agressão e
totalmente encolhido em posição fetal naquele chão de terra começou a chorar
como uma criança:
- Socorro! Estou com medo! Seja lá quem for que eu ofendi agora pouco,
peço desculpas. Ajuda-me, por favor!
- Ora ora, Agora o rei perdeu a pose. – responde o homem de voz grossa.
- Onde vocês estão? Quem são vocês? O que querem de mim?

46
Carlos Eduardo Milito

De repente, surgiram na frente de Albuquerque dois homens com aparência de


uns trinta anos cada. Um deles aparentava ser mais forte e o outro mais alto. Suas
roupas lembravam a dos funcionários da Fazenda Terra Nova, no entanto o
semblante de cada um dos dois não inspirava total confiança. O mais forte, que
tinha a voz mais grossa começou a dialogar com Albuquerque:
- Deu para você perceber então que aqui quem manda não é você?
- Eu já pedi desculpas. O que querem de mim?
- Agora estou gostando da prosa. Pode me chamar de Zé Trovão. E este
aqui ao meu lado é conhecido por Magrão. Se você colaborar conosco podemos
te ajudar.
- Vejam o que fizeram comigo. Estou em frangalhos. Parece que sai de uma
guerra. Quero me banhar e colocar uma roupa limpa.
- Há há há – Ouça isso, Magrão. Nosso amigo aqui está delirando. Acho que
ele não sabe como funcionam as coisas por aqui.
- Ele não sabe de nada ainda! Vamos levá-los conosco enquanto explicamos
tudo a ele e também as nossas regras – ponderou Magrão.
- Não vamos explicar nada ainda! He he. Quero me divertir um pouco. Adoro
quando chega alguma celebridade aqui achando que ainda pode mandar em tudo.
Albuquerque ouvia o diálogo dos dois e estava muito amedrontado. Não
passava pela sua cabeça que tinha “morrido” no mundo dos humanos. Continuava
a sentir coisas que tinha o significado de estar mais vivo do que nunca. Sentiu frio.
Sentiu dor. Sentiu medo. Sentiu vontade de banhar-se. A vida para ele pulsava
normalmente. Sentia também naquele momento que algo estava errado.
Intimamente pensava no diálogo que acabava de ouvir entre os dois e achou
melhor se aliar a eles para entender melhor o que se passava. Não entraria a
partir de agora nas ofensas que pudessem acontecer.
- Tudo bem. Tudo bem. Quero ser amigo de vocês! Poderei recompensa-los
muito bem depois que tudo isso acabar.
- Recompensar-nos? Ouça isso Magrão! – Divertia-se Zé Trovão olhando
para Magrão que respondia apenas com gargalhadas.
- Está bem. Eu farei aquilo que vocês quiserem. Já falei que quero ser amigo
de vocês.
- Vamos levá-lo para nossa sede. Se você quer mesmo ajuda terá que
obedecer as nossas regras.
- Aceito qualquer coisa. Aceito me unir a vocês.
- Vamos caminhando e até chegarmos lá explicarei algumas coisas. Tudo
bem?

47
As Moradas e os Segredos de Maria

- Lógico. Vamos andando então – falou Albuquerque pronto a caminhar com


os dois homens.
- É para esta direção que vamos. Iremos caminhar por aproximadamente
uma hora.
- Certo. Vou com vocês. – disse Albuquerque sabendo que não tinha
escolha. Ou ele se unia aos dois homens, ou ficaria perdido naquele lugar ermo.
- Marcos, tudo isso aqui é nosso território.
- Como sabe meu nome?
- Muita pergunta deixa a gente irritado sabia? Deixa a gente falar e depois
você tira suas conclusões, certo? Já falei que você terá que obedecer as nossas
regras.
- Tudo bem. – respondeu o amedrontado Albuquerque imaginando estar
sendo talvez seqüestrado pelos homens que acompanhava.
- Na verdade Sr Marcos, você agora pertence a nossa comunidade intitulada
“Transeuntes das Trevas”, que além de nós dois possui outros membros, que
inclusive ajudaram a traze-lo para cá no momento da explosão do seu avião.
- Como assim? Explosão?
- Ninguém escapou ao desastre! Você o piloto e o advogadozinho se
esfacelaram na mata. É muito divertido ver o sofrimento das pessoas de carne e
osso que choram a perda de vocês.
- Morte! Você falou morte! – disse Albuquerque de forma trêmula que
intimamente pensava estar vivendo um pesadelo. Ele não queria acreditar naquilo.
- Todas as pessoas que nossa comunidade resgata não aceitam isso.
Rebelam-se. Fogem para a Terra, revoltam-se, mas depois acabam voltando e se
unindo a nós. Será assim com você também.
- Posso acompanhá-los e até me unir a vocês, mas isso que você está
falando é um absurdo.
- Eta empresariozinho teimoso. Foi o fim da linha para você meu caro! Você
agora é um dos nossos. Toda sua fortuna, todo o seu poder, todo o seu prestígio
virou pó. Seus herdeiros cuidarão do seu dinheiro. Mas se você não quer
acreditar, o problema será seu.
A sensação de desespero tomava conta de Albuquerque naquele momento.
Ele relutava em acreditar naquela estória, mas e se fosse mesmo verdade? E se o
avião tivesse mesmo explodido e todos os ocupantes morrido? Ele teria muitos
planos para executar que acabaram sendo estancados em segundos. A mistura
do desespero era com medo e revolta. Não restava agora para ele mais nada que
não fosse se unir aos dois homens que acabou de conhecer em busca de mais
informações.

48
Carlos Eduardo Milito

/ / /

Paulo Ribeiro acordou de um sono profundo e se via em companhia de uma


senhora de meia idade em um local que parecia ser simples, no entanto
aconchegante. Era um simples casebre e ele se via no quarto pequeno deitado em
uma cama. Sentada em uma pequena poltrona grudada na cabeceira da cama
estava a tal senhora que começou a dialogar com Paulo
- Olá meu jovem. Meu nome é Odete! Tudo bem com você?
- Sim, tudo. Mas o que aconteceu comigo?
- Você não sabe? Ora. Eu pensei que pelo menos desconfiasse.
- Me lembro que eu estava com meus companheiros sobrevoando os
arredores da fazenda de Albuquerque. Lembro ainda que eu estava muito
concentrado em pilotar aquele avião. Depois não me lembro mais de nada.
- O avião caiu. – Disse secamente aquela senhora com ar de indiferença.
- Caiu? E você me salvou, né? Eu cai no seu colo então? – Ironizou Paulo,
duvidando totalmente no que acabava de ouvir.
- É mais ou menos isso sim!
- Então se for assim, quero ver Marcos e Lucas.
- Que eu saiba, seus outros companheiros tiveram destinos diferentes.
- O que aconteceu com eles? Me conte? – indagava Paulo ainda com ar de
dúvidas
- Quanto a Marcos, sei que foi capturado por uma comunidade não lá muito
do meu gosto. Agora do doutorzinho nem faço idéia.
- Que bom. Então eles também se salvaram! – Exclamou Paulo aliviado.
- O avião explodiu e nenhum de vocês resistiu a isso. O corpo físico de vocês
já era, Como se diz por lá: “Vocês morreram”. Você me entende?
O silêncio tomou conta daquele lugar. Paulo parecia acreditar no que acabava
de ouvir. Involuntariamente ele mergulhou em pensamentos íntimos e na sua
mente começou a passar o filme da sua vida naqueles minutos seguintes. Tudo
com as mesmas sensações de outrora: Sua infância, sua adolescência, seus bons
e maus momentos, seu interesse pela aviação, sua preparação para ser Piloto, e
outros fatos marcantes de sua vida. Aquele filme lhe dava prazer. Era como ele
estivesse vivendo novamente cada um daqueles momentos.
- E agora? – indagou Paulo.
- Agora você só se transformou um pouco, perdendo sua porção mais
grosseira. Só isso!
- Mas e meus amigos e meus parentes que moram no Rio de Janeiro?

49
As Moradas e os Segredos de Maria

- Calma Paulo. Podemos vê-los a hora que quisermos. O único problema é


que raramente eles percebem a gente.
- E onde estamos agora?
- Na fazenda Terra Nova. Estamos em um dos casebres de funcionários que
não vem sendo ocupado por ninguém. Se quiser, poderá ficar aqui. Assim como
eu, existem outros companheiros que após a “morte física” fica por aqui também.
Além deste casebre, há outros nessas condições para o abrigo desses amigos.
Nossa comunidade é conhecida por “Perambulantes Terrestres”.
Paulo Ribeiro iria aceitar o ingresso na tal comunidade, pois não tinha ainda a
visão suficiente para enxergar outras coisas mais belas e sublimes. Por ser um
tanto quanto apegado às coisas materiais, queria de fato estar perto delas. O fato
de estar na Fazenda Terra Nova e além disso poder vagar com seus novos
companheiros para lá e para cá visitando parentes e amigos, iria satisfazê-lo e
alimenta-lo por ora.

50
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 14

Após uma hora de caminhada pela paisagem obscura e tenebrosa,


Albuquerque juntamente com Zé Trovão e Magrão se deparam com uma enorme
casa em forma de castelo. Seu aspecto era sujo. Suas paredes lembravam uma
pintura envelhecida que começava a descascar. Janelas e portas quebradas. Total
ausência de vegetação. Faltava beleza em tudo aquilo. Faltava cor. Enquanto se
aproximavam da casa, Zé trovão começou a explicar:
- Aqui é a nossa sede, seu Marcos. Eu e Zé Trovão moramos aqui e você
ficará conosco também
- É aqui mesmo? – perguntou o amedrontado Albuquerque que estava meio
chocado com o aspecto da casa.
- É. E você está sob nossa responsabilidade agora. Nosso grupo possui
outros membros que sempre estão em serviço. Alguns outros moram aqui
também.
- Mas sou obrigado a ficar aqui?
- Lá vem você de novo com perguntas. Vai dizer que quer voltar para casa?
Já te falei que as coisas mudaram. Esta agora será a sua casa.
- Se for assim tudo bem, mas quero explicação de como e por que eu vim
parar aqui. E os outros? Onde estão os outros?
- Perguntas perguntas e mais perguntas! Ora bolas, os outros não nos
pertence. Não conseguiríamos envolvê-los nem que quiséssemos. É como colocar
um elefante dentro de um avião.
- Esta estória não me convence. Se eu morri mesmo, quero uma prova!
- Ora ora, seu empresariozinho medíocre! Você realmente é muito petulante!
Não basta o que fizemos você sentir assim que você despertou. Você sentiu frio,
sentiu areia nos olhos, sentiu dor, deixou de enxergar e quer mais provas? Está
bem. Você quem pediu!
Já do lado de dentro da casa, uma cena de horror começou a se desenhar na
frente de Albuquerque. Zé trovão e Magrão começaram a mudar de aparência. O
rosto dos dois começou a derreter, mudando de feição e em seguida, começou a
brotar pelos pretos por todo o corpo até que os dois ganharam feições
animalescas. Em seguida as mãos dos dois sofreu a mutação para patas felinas e
por fim os dois se transformaram por completo em lobo. Com essa nova
aparência, começaram a rodear Albuquerque que desesperadamente gritava em
vão. Após cercarem por aproximadamente um minuto, partiram para o ataque. As
unhas afiadas e os dentes ferozes dos dois lobos faziam Albuquerque sentir dores
horríveis e ter a nítida sensação de estar vivo mas em perigo de vida, pois além da

51
As Moradas e os Segredos de Maria

quase insuportável dor, sentia o sangue jorrar sem parar. Após aproximadamente
uns dois minutos de tortura, os “lobos” pararam de atacar e gradativamente
começaram a voltar à forma original enquanto Albuquerque estava esfacelado no
chão. Zé trovão disse:
- Levante-se homem. Ta vendo como você não morre duas vezes?
- Socorro! Meu Deus! Se eu morri mesmo estou no inferno. Ai Ai que dor –
gemia Albuquerque
- Vamos, pare de agonizar e levante-se!
- Não consigo . Estou sangrando e com muita dor!
- Foi sua mente que produziu o sangue por lembranças recentes da vida
material. Levante-se e imagine-se limpo sem o sangue.
- Mas e a dor? Como posso me levantar. Meu rosto foi arranhado. Meu peito
e meu braço parecem dilacerados.
- Tente se levantar agora, seu empresariozinho medíocre!
Albuquerque fez um esforço muito grande para sair do chão. Estava sujo com
a aparência péssima além de estar todo ensangüentado. Estava ainda
cambaleante e por alguns segundos, pensou intimamente que se estivesse
realmente “morto” estaria na mesma condição do seu pai. Albuquerque idolatrava
Plínio e fixou o pensamento nele pedindo ajuda. Rapidamente veio na mente de
Albuquerque um pressentimento de que Plínio não poderia estar ali com ele, mas
para que ele mantivesse o pensamento positivo, que ele conseguiria sair dessa
situação tendo inclusive força para superar seus dois companheiros. Usou todas
as suas forças para se manter de pé e começou repetir várias vezes em
pensamento a seguinte frase:
- Sou mais forte que vocês dois. Este sangue que não é real e quero que se
dissipe! Esta dor que não é real e quero que desapareça!
Aos poucos, Albuquerque foi se recuperando e em pouco tempo estava como
antes de ser atacado pelos dois. Começou então a ganhar confiança. Estava
consciente que seu estado não era mais de um humano comum. Sentiu que tinha
através dos pensamentos alguns poderes, e pretendia silenciosamente, tirar
proveito disso em breve. Resignadamente disse para os dois:
- Vocês não precisam me provar mais nada! Sei do que vocês são capazes.
- Muito bem, seu Marcos. É bom você saber que quem manda aqui não é
você.
- Sei disso. Então se estou sob a responsabilidade de vocês, quero saber o
que pretendem de mim?
- Vamos aguardar nosso mestre, para te passar nossas atividades.

52
Carlos Eduardo Milito

Em poucos instantes chegou uma pessoa de meia idade, de cabelos grandes


e grisalhos, pele bem clara e uma expressão bem carrancuda. Era conhecido
como Mestre Zuzo. Era o chefe dos Transeuntes das Trevas.
- Então você é Marcos, o empresário.
- Sou eu. De carne e osso!
- Está bem humorado, Sr. Marcos! De carne e osso não é mais possível!
Aqui tudo é diferente. Você já deve ter percebido.
- O que vocês pretendem de mim?
- Agora você é um dos nossos! Aos poucos você conhecerá as regrinhas
para vivermos aqui. Na Terra vocês se alimentam, tomam água. Nosso alimento é
buscado de outra forma.
- Se eu não tenho escolha, vamos lá. O que faremos então?
- Atualmente, temos um cenário perfeito na Terra para buscar nossos
alimentos: A grande Guerra na Europa é um local que nossos homens vão
constantemente recarregar as baterias. A névoa negra que encobre os campos de
batalha é um visual perfeito que deixa todos os membros da nossa comunidade
feliz.
Albuquerque empalideceu com o que acabava de ouvir. Notou que estava em uma
cilada. Percebeu que fora capturado por um grupo da pior espécie. Sabia que não
tinha saída. Usou então a sua perspicácia e rapidamente interveio.
- Guerra? Tudo bem, mas sabe Mestre Zuzo, sou recém chegado por aqui e
eu acharia melhor algo mais leve para começar. Que tal?
- Você é muito esperto mesmo e já quer mandar aqui também! Mas vou
considerar o que você disse, pois está chegando agora. Tudo bem. Amanhã você
irá a Terra com Zé Trovão e Magrão na cidade onde você viveu, para participar de
uma “tarefa simples”
- Posso saber o que?
- Sem perguntas, Marcos. Amanhã você saberá.
Magrão acompanhou Albuquerque a um aposento que ficava na parte de cima
daquela casa. Seu acesso era por uma longa e barulhenta escada de madeira. O
quarto possuía somente uma grande cama de casal e havia uma janela que dava
defronte a rua de terra.
- Veja lá fora. Já é noite. Descanse bem por que amanhã temos muito
trabalho. – disse Magrão.
- Tudo bem. Obrigado.
- Assim que amanhecer, te chamaremos.
- Tudo bem. Estarei aguardando.

53
As Moradas e os Segredos de Maria

Albuquerque fechou a porta do quarto e agora estava só. Ele se via vestido
exatamente com a mesma roupa que estava no momento do acidente. Ele notou
que o quarto que ele estava tinha uma cama com lençóis exatamente como era na
fazenda. Havia cômodas também ao lado da cama, assim como um guarda
roupas somente com cobertores dentro. Naquele momento, lhe veio a recente
lembrança do ataque dos “lobos” e seu pronto restabelecimento com o poder da
mente. Ele começou então a concluir e pensou silenciosamente:
- Se aqui as coisas funcionam com o poder da mente, vou tentar mudar essa
minha aparência suja, me imaginando barbeado, com uma roupa limpa para ver o
que acontece.
- Nem pense em fazer isso! – Gritou o Mestre Zuzo que entrou bruscamente
no quarto de Albuquerque – Aqui, eu que dito as regras.
- O que foi que eu fiz? – Perguntou Albuquerque assustado
- Você sabe do que estou falando. Nada de melhorar a aparência.
- Mas como diz isso?
- Diferentemente dos outros membros da nossa comunidade, tenho o atributo
de ler pensamentos. Então nem se atreva a tentar fazer isso. Deite-se que
amanhã te chamamos.
- Esta certo – concordou Albuquerque amedrontado, que resolveu deitar-se
imediatamente e fixar pensamentos coisas abstratas, pois sabia que poderia ser
vigiado.
/ / /

“Vale das Trevas” – 19 de Março de 1.917

No dia seguinte pela manhã Mestre Zuzo reuniu Zé Trovão, Magrão e


Albuquerque para delegar a tarefa que eles teriam pela frente:
- Muito bem. Vocês terão que ir do lado dos humanos. Irão ao centro da
Cidade de São Paulo. Hoje é segunda-feira. É dia normal de trabalho. Haverá dois
homens com intenção de assaltar uma loja na rua Sete de Abril. Quero que vocês
os encorajem a levarem o plano até o fim. Quero o assalto realizado. Certo?
- Pode deixar, mestre. Eu, Magrão, e Albuquerque cuidaremos disso.
Albuquerque já esperava por algo pesado. Não tinha escolha. Tinha que
acompanhá-los. Sua curiosidade agora, era saber onde estavam, e como
chegariam ao centro de São Paulo. Os três foram caminhando pelo mesmo local
onde estiveram no dia anterior. Eles estavam indo em direção ao local de onde
Albuquerque fora encontrado. Logo após saírem da casa, o visual era monótono:

54
Carlos Eduardo Milito

Uma rua de terra de aproximadamente uns cinco metros de largura que parecia
sem fim no seu comprimento e cercada por dois muros bem altos dos dois lados.
Depois de uma hora caminhando, a rua terminou em um espaço retangular do
tamanho aproximado de um campo de futebol. Os mesmos muros cercavam por
completo aquele espaço não tendo ali qualquer saída. Albuquerque imediatamente
reconheceu o local. Foi ali que ele despertou no dia anterior. Zé Trovão disse:
- Muito bem, chegamos! Agora vamos em frente em direção ao muro e
quando chegarmos defronte a ele, continuamos a caminhar como se ele não
existisse. Tudo bem, Marcos?
- Certo, Zé Trovão.
Os três foram então se aproximando e atravessaram o muro. O cenário mudou
completamente como num piscar de olhos. O dia antes parecia muito nublado e
escuro e agora o céu estava azul anil. A paisagem monótona deu lugar a um local
conhecido: O centro de São Paulo com suas construções da época, sua
vegetação e sua beleza encantadora. Pessoas caminhando pelas calçadas e
alguns automóveis andando pelas ruas. Albuquerque finalmente sorriu.
Reconheceu o velho centro de São Paulo. Sentia a vida pulsar normalmente.
Queria conversar com as pessoas. Enquanto caminhavam mais um pouco notou
que ninguém os observava. Pior que isso: Notou que por vezes as pessoas além
de não pedir licença, passavam através deles. Antes mesmo dele fazer algum
comentário com seus colegas, Zé Trovão falou:
- Você nem precisa se preocupar com nossa tarefinha, pois ninguém sabe
que existimos. É muito fácil. Somos invisíveis para esse bando de otários. Você
vai ver como é divertido tudo isso. A gente consegue influenciar as pessoas. Os
mais fracos fazem direitinho o que queremos. Se a gente pega uma pessoa mais
resistente, a gente pula fora. Sempre tem um mais fraco para atingirmos. Os dois
caras que pretendem roubar a loja estão por perto e tem a mente bem fácil de
influenciar. Você vai ver como tudo funciona.
- É bom saber disso! – disse Albuquerque fingindo estar interessado no que
eles iriam fazer
Albuquerque pretendia fugir. Sabia lidar com alguns atributos do seu novo
corpo e percebia também que os colegas não conseguiam ler seu pensamento.
Estava somente esperando o momento certo de dar o bote. Iria fixar o
pensamento na Fazenda Terra Nova dizendo sem parar:
- Que essa brisa desse dia lindo me leve para a fazenda!
E chegou o momento. Os seus dois colegas se distraíram um pouco quando
um comentou com o outro sobre os dois homens que vinham caminhando quando
Albuquerque colocou em prática o seu plano. Pensou firme que queria estar na

55
As Moradas e os Segredos de Maria

sua Fazenda. Pediu para que brisa o levasse de lá. Fez isso por umas sete vezes,
quando de repente foi tomado por uma sensação de queda livre e então ele se viu
jogado no meio de um cafezal. Prontamente Albuquerque reconheceu o local não
só pela paisagem, assim como pelos contornos das montanhas da Serra do Japí
que eram vistos no horizonte. Ele abriu então um enorme sorriso de felicidade por
se sentir livre e em um território que imaginava ser ainda seu.

56
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 15

“Jundiaí” – 19 de Março de 1.917

A tarde caia naquela segunda-feira, quando os familiares de Albuquerque bem


como os de Lucas estavam na Igreja Matriz para a celebração da missa de sétimo
dia das suas vítimas. Clarice no dia anterior, após os funerais de Lucas havia
providenciado tudo. Havia conversado com os familiares das duas outras vítimas
propondo que a missa fosse uma só para os três. Dona Lourdes e Afonso
concordaram prontamente e Alzira, uma tia de Paulo Ribeiro que morava no Rio
de Janeiro, também havia consentido, pois era a única parenta viva do piloto. No
entanto, ela não poderia estar presente pelas dificuldades de locomoção daquela
época. Faria uma outra missa na sua cidade.
A missa, marcada para as 18:00h estava repleta de gente. Políticos,
empresários, jornalistas e pessoas de prestígio na sociedade. Desta vez Joel
resolveu não ir, ao contrário de Ernesto que estava lá. Ele pretendia fazer ainda a
política da boa vizinhança com Clarice que educadamente após a morte do
marido, dispensou os seus serviços, pois não havia mais sentido, o hangar, a pista
de pousos e decolagens, e tudo mais.

/ / /

Durante a missa, Lucas estava lendo um livro de forma compenetrada, em sua


casa na Morada Universo Solar. Ele estava ao lado de Antero na espaçosa sala,
onde conseguia avistar o lindo jardim, pois a enorme porta de correr estava
aberta. Nesse momento sentiu um feixe de luz atingir sua testa de forma contínua
e teve uma sensação que era um misto de paz com tristeza. Ele não conseguiria
explicar para Antero, que prontamente falou:
- Seus amigos e parentes da Terra sintonizam em você nesse momento. O
feixe de luz é por que isso é feito por lá de forma coletiva. Alguns sofrem com sua
perda, e outros de te desejam paz ao lado de Deus. Por esse motivo sua
sensação agora é essa que você está sentindo.
- Espantoso. O que o poder da mente dos habitantes da Terra é capaz de
fazer? Isso é magnetismo puro. Quando estamos lá não damos conta disso.
- Exatamente. Imagina você Lucas, todas as sensações dos humanos
exteriorizadas para seu semelhante o que não faz. Pode ser nocivo, como pode
também ser benéfico. Por exemplo, o ódio que alguém cultiva de outra pessoa:
Isso é como se fosse veneno que é emanado pelo agressor, e o receptor tem que

57
As Moradas e os Segredos de Maria

estar muito bem protegido para não ser atingido. Da mesma forma, quando
alguém ama intensamente seu semelhante. É um balsamo que pode curar
algumas chagas. Assim como existem pessoas com pouca luz que são resistentes
a esse bálsamo, temos outras que recebem de portas abertas.

/ / /

Durante a missa, Albuquerque caminhava pelos cafezais e se via só. Parecia


que Zé Trovão e Magrão tinham desaparecido por completo. Ele se sentia aliviado
por isso. Ele estava sem a noção do tempo. Fazia horas que ele vagava pelos
seus cafezais. Como não havia a fadiga física, ele nem percebia que estava lá
desde as primeiras horas da manhã. Sua sensação era que estava começando a
anoitecer. De repente ele avistou um feixe de Luz vindo do horizonte que atingia
sua testa. Sua sensação inicial foi de medo, pois pensou que pudessem ser
alguma coisa dos “Transeuntes das Trevas”, mas alguns segundos depois, ele
começou a sentir um misto de ódio e revolta. Vieram as lembranças do Avião ,dos
seus planos, sua família, seu poder, seus bens materiais e tudo mais que havia
perdido. Ele falava sozinho:
- Por que tudo isso? O que aconteceu de errado? Eu não podia morrer! Eu
não queria morrer! Droga!! Eu tinha tantos planos ainda!! Mas não vai ficar assim!
Vou ficar por aqui para ver de perto meus negócios, minhas terras, e não deixar
ninguém se apoderar de tudo.
O feixe de luz rapidamente se dissipou com os pensamentos de ódio de
Albuquerque que ainda falou sozinho:
- Não sei o que foi isso, mas ainda bem que foi embora. Tomara que não
volte mais.
/ / /

Paulo Ribeiro estava nas cercanias no casebre enquanto a missa estava sendo
celebrada. O mesmo feixe de luz que atingia Lucas e Albuquerque também vinha
na direção da sua testa. Ele começou a chorar copiosamente por lembrar que não
estava mais dos lado dos “vivos”. Lembrou-se dos seus amigos no Rio de Janeiro,
de sua tia viúva que ajudou a criá-lo e dos prazeres que a vida lhe proporcionava.
- Quero voltar a ser como antes – chorava Paulo
- Calma Paulo. Esse feixe de luz está te deixando assim e daqui há pouco
passa. As pessoas de carne e osso, estão “encomendando” a sua alma. –
explicou Odete que também estava do lado de fora do casebre.
- Como assim? Estou vivo! Você não está vendo?

58
Carlos Eduardo Milito

- Eu estou vendo, mas eles não. Para muito dos nossos amigos de carne e
osso, quando morreu, acabou! Entendeu? A morte é como o fim de tudo! Daí
algumas religiões pregam que alguns vão para o céu ficar com Deus e outros para
o inferno. Existem pessoas chorando sua morte na celebração de uma missa em
homenagem aos mortos da tragédia do “avião de Albuquerque”. Veja então, que
não é bem assim, pois você está aqui.
- Missa? Por que isso? – indagou Paulo
- Você conhece isso. É um costume dos católicos! Por vezes esses rituais os
confortam bastante.
- Mas isso aqui também não é lá uma grande maravilha! – exclamou Paulo
que começou a sentir o feixe de luz dissipar-se.
- Pode não ser, mas ainda é cedo para conclusões. Você verá com o passar
do tempo que teremos atividades interessantes sim. É só esperar!
- Que atividades, Odete?. Você acabou de falar de Igreja e minha Tia Alzira
vivia falando em Deus, então, onde está Deus? Eu morri agora, não é isso? Então
me diga, onde está Deus?
- Paulo, meu jovem. Não sei te explicar isso! Sei que somos inúmeros seres
sem carne e osso vagando pelo mundo dos humanos e também não consigo
entender isso. Posso dizer que existem outras forças sim, mas nós não
conseguimos compreender tudo isso. As vezes, nos deparamos com outros seres,
como nós, também sem carne e osso, que tentam nos convencer a irmos embora
com eles e tal, mas acho tudo isso um conversa fiada. Eles vão querer é que a
gente trabalhe para eles.
- De repente, Odete, eles querem nos ajudar.
- Não diga isso Paulo. Você tem que ficar esperto, pois um dia eles podem
aparecer para você e na verdade o que eles irão querer é toma-lo como escravo,
entendeu?
- Nossa!! Escravo? Está bem Odete! – Concordou Paulo por temer ser
verdade o que Odete falava, pois tinha nela a única pessoa de confiança nessa
nova fase da sua vida.

/ / /

Logo após o término da missa e dos demorados cumprimentos de


condolências, as famílias de Albuquerque e de Lucas saiam juntamente daquele
local. Laerte caminhava mais atrás ao lado de Emília e comentou:
- Senhorita Emília. Quero que você agradeça a sua mãe por tudo que ela tem
feito por nós. Não sei o que seria sem ela.

59
As Moradas e os Segredos de Maria

- Imagina, Laerte. É mínimo que podemos fazer. Tudo isso está sendo muito
difícil para nós também. Nada irá traze-los de volta.
- É verdade. Mas não esqueça de agradece-la.
- Nem se preocupe com isso. Mas lembrarei de agradecer sim.
- O que ela fez por nós não tem preço. Deixou ficarmos na Fazenda todos
esses dias nos tratando muito bem. Não nos deixou gastarmos nada. Cuidou de
tudo sozinha.
- Até eu estou surpresa com esse lado da minha mãe. Ela vivia na sombra de
meu pai, então não dava para ninguém perceber que ela era uma mulher assim de
pulso. Melhor assim né?
- Isso para ela fará bem sim! E você Senhorita Emília? Vê se você se cuida
hein? Não caia em depressão. Procure preencher o seu tempo e fazer algo que
você gosta. Imagino que se o Lucas pudesse te dar um conselho agora faria isso:
Pediria para você levantar o seu astral e tocar sua vida.
Os olhos de Emília se encheram de água e ela carinhosamente abraçou
Laerte.
- Obrigado pelas suas palavras Laerte
- Fale também para sua irmã, a Senhorita Clara, que está ali na frente,
caminhando de braços dados com sua mãe, se cuidar também. Pense o seguinte:
Todos nós moramos em uma cidade grande como São Paulo. Há sempre coisas
interessantes para preenchermos nosso tempo por lá. A vida continua para nós.
Certo?
- Queria ter o seu astral para encarar tudo isso. Mas tudo bem. Posso
aprender com você, não é?
- Também tenho muito que aprender, mas conte comigo com o que precisar.
Ficarei feliz em poder ajuda-las.
- Obrigado Laerte. – Agradeceu Emilia comovidamente.
Por alguns instantes Emília sentia nas palavras de Laerte alguma semelhança
com seu irmão Lucas e isso a deixava feliz. Quando se despediram Emília fez
questão de comentar:
- Laerte. Quero que vocês venham nos visitar de vez em quando. Eu, minha
mãe e minha irmã estaremos sempre de portas abertas para recebe-los.
- Sim Senhorita Emilia. Será de bom gosto. Faremos o possível sim.
- Ótimo. Então até breve!

60
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 16

“Fazenda Terra Nova” – 20 de Março de 1.917

Albuquerque havia adormecido logo depois que o feixe de luz se dissipou no


dia anterior. Ele estava acordando no meio do cafezal da “Fazenda Terra Nova”.
Já era terça-feira. O dia estava apenas começando. Eram umas sete horas da
manhã. Sua sensação inicial era de alívio pois via-se livre dos “Transeuntes das
Trevas”. Achava que nunca mais seria importunado por eles. Sem muita noção do
tempo, resolveu agora vagar em direção à sede da Fazenda. Pensou intimamente.
- Acho que fiquei meio perturbado com aqueles dois elementos então, ao
chegar aqui, acabei vagando para lá e para cá, mas agora vou fazer alguma coisa
de útil. Vou até a sede da Fazenda ver o que acontece por lá.
Chegou lá e tamanho foi seu espanto ao ver Clarice, despachando ordens para
os funcionários, com tamanha desenvoltura. Albuquerque havia entrado na sede
pela porta frontal que encontrava semi-aberta, mas não era percebido por nenhum
das pessoas que estavam lá. Ele ficou estático junto à porta da sala principal
daquela sede onde ele costumava a despachar. Clarice havia chamado o
funcionário João e começou a dar suas instruções:
- João, estarei indo em definitivo para São Paulo, e a partir de agora preciso
de um responsável por toda a administração da fazenda. Tenho que ficar em São
Paulo, pois o principal negócio da nossa família é lá e quero ficar perto de tudo.
Além do mais, João, minha residência é lá, minhas filhas estudam lá, então não
tem por que eu ficar aqui. Sei que você é um funcionário que está aqui há alguns
anos e meu marido gostava muito de você. Quero que você me responda com
sinceridade: Você acha que consegue ser o responsável pela administração da
fazenda?
- Dona Clarice! Eu não esperava tanta responsabilidade, mas pela senhora e
pela memória do seu marido eu aceito o desafio. Conheço bem aqui e acho que
consigo administrar.
- Muito bem, João. Vou então te passar tudo.
Enquanto Clarice separava alguns papéis e dava algumas instruções para
João, Albuquerque permanecia inerte e pensativo em pé no canto da sala.
Imaginava em interferir na conversa dos dois mais sabia que seria em vão. Já
tinha notado que para João e Clarice, ele era um ser “invisível”. Antes dele mesmo
aprofundar seus pensamentos nas coisas materiais ou entrar em melancolia por
não estar ali presente em “carne e osso” alguém bate na porta a procura de
Clarice:

61
As Moradas e os Segredos de Maria

- Dona Clarice! Dona Clarice!


- Quem me procura?
- Sou eu Dona Clarice. Ernesto
- Pode entrar Ernesto. Foi bom você vir agora, pois já estou de partida para
São Paulo e ficamos mesmo de acertar as contas hoje.
- Por isso mesmo que eu vim. Em relação aos seus pedidos, tudo já foi
providenciado. Em alguns dias uma empresa de São Paulo desmanchará o
Hangar e ficará com tudo que tem lá, algumas ferramentas, combustível e outras
coisas mais. Depois, a empresa irá te procurar em S.Paulo para o acerto
financeiro.
- Ótimo Ernesto. Não quero mais nenhum vínculo com nada que me lembre o
acidente. Melhor assim. Em relação ao seu acerto, aqui está o seu cheque.
- Obrigado Dona Clarice. Precisando de alguma coisa, pode me procurar.
Albuquerque que ainda permanecia como espectador estranhou o fato que
perceber uma espécie de aura negra envolvendo Ernesto. Lembrou-se
prontamente dele, e que foi Paulo Ribeiro que o havia contratado. Assim que
Ernesto foi embora, resolveu acompanha-lo pois queria saber alguma informação
sobre o acidente;. Ernesto foi caminhando em direção a sua Charrete que estava
há uns cinqüenta metros da sede e Albuquerque percebeu que a aura negra
permanecia com ele. Achou estranho. Mas mesmo assim pretendia segui-lo pois
intimamente pensava:
- Esse Ernesto trabalhava para mim e talvez pudesse esclarecer alguma
coisa sobre o desastre. Afinal, Paulo o piloto cuidou de contratá-lo.
Desesperadamente, Albuquerque tentava chamar Ernesto:
- Ernesto. Me ouça Ernesto! Olha para mim! Você não me enxerga?
Tudo parecia igual. Ernesto não movia e ignorava completamente a presença
de Albuquerque. Só que Albuquerque começou a perceber outra característica do
seu novo físico: A telepatia. Ele percebeu na sua mente a voz de Ernesto.
Concluiu que pudesse estar captando pensamentos do Ernesto.
- Bem que se eu fosse uma pessoa mais respeitada, da alta sociedade eu
dava em cima dessa viúva. Eu poderia me apoderar de todo o império dessa
gente fácil fácil. Mas acho que ela é osso duro de roer. Não vai mais é ficar com
ninguém. Parece que leva jeito pro negócio.
Daí Albuquerque pensou com muito ódio:
- Que pilantra você! Se eu pudesse te dava uma surra!
Imediatamente, Ernesto sentiu uma pontada na cabeça, como se fosse
enxaqueca.

62
Carlos Eduardo Milito

- Nossa! De novo essa dor de um lado só. Que droga. Desde a semana
passada quando terminei o serviço pro idiota do Joel, essa dor insiste em
aparecer. – Pensou Ernesto
- Serviço para o Joel? Mas você trabalhava para mim! Trabalhava no Hangar
para o Paulo, o meu piloto. Que raio de serviço era esse que você fazia em
paralelo para o Joel. Me diga? Me diga – Gritava Albuquerque tentando induzir
Ernesto a comunicar-se com ele pelo pensamento
- Que dor!! Odeio enxaqueca!
Albuquerque percebeu que conforme o ódio era emanado para Ernesto, sua
queixa da enxaqueca aumentava. Então ele concluiu que além de conseguir ler o
pensamento de Ernesto, conseguia também exercer alguma influência sobre seus
sentidos. Desta forma então, pretendia saber que trabalho ele havia feito para seu
grande inimigo Joel.
- Vamos Ernesto! Diga o que fez para Joel. Diga! Diga! - gritava Albuquerque
com ódio mortal.
Ernesto permanecia em silêncio, mas com expressão de dor enquanto
Albuquerque obsediava-o incessantemente. Já com a charrete caminhando,
chegou um momento que Ernesto pensou:
- O dinheiro que consegui de Joel foi interessante, mas se um dia eu quiser
poderei conseguir muito mais. Muito mais. Posso ameaçá-lo. Se eu bem conheço,
ele vai tremer de medo.
Albuquerque permanecia ao seu lado e continuava gritando para que Ernesto
contasse agora qual seria a ameaça que ele poderia fazer. Ernesto prosseguiu em
pensamento:
- O único problema de ameaçar Joel, é como eu poderia fazer para livrar
minha cara. A idéia foi dele, mas eu que executei. Tenho que ver direitinho como
chantagear sem me comprometer. Tenho que pensar melhor. Mas que eu penso
em arrancar mais grana dele penso sim. Acho que pela perfeição do plano, eu
merecia muito mais do que recebi. Tudo saiu como planejado. Aquele piloto idiota
caiu direitinho na minha conversa quando falei que entendia de mecânica e
pretendia também ser piloto um dia. Isso foi fundamental na execução do plano.
Então eu acho que eu merecia mais. Muito mais! Muito mais!! O Joel está vingado,
ora bolas.
Albuquerque entrou em histeria e delirava. Tentava em vão chacoalhar Ernesto
e, em falso, chacoalhava o ar. Gritava estridentemente com Ernesto perguntando
qual era plano de Joel. Estava enfurecido. Não tinha ainda concatenado
completamente as idéias. Naquele momento, a névoa negra que cobria a aura de
Ernesto começou a envolver Albuquerque lentamente até que ele se deparou com

63
As Moradas e os Segredos de Maria

a total escuridão. Ele não conseguia então perceber mais nada: Nem a fazenda,
nem o cafezal, nem a casa que abrigava a sede. Sentia-se completamente cego!
Antes mesmo de tomar alguma decisão começou a ouvir sonoras gargalhadas que
se aproximavam mais e mais. Era a conhecida voz de Mestre Zuzo, que entre uma
e outra risada de deboche falava:
- Pensou que iria fugir para sempre? Você é nosso! Você consegue ludibriar
alguns dos meus fiéis, mas de mim não escapa.
- Mestre Zuzo. Eu precisava entender o que se passa por aqui!
- Você não tinha que fugir do seu trabalho. Primeiro se trabalha, para depois
querer alguma coisa. São as regras da nossa comunidade.
- Você tem que entender que eu não consigo me conformar com tudo que
aconteceu. Por isso fugi de vocês.
- É mentira! Você não gostou do nosso trabalho, mas vai ter que aceitar se
quiser um dia ter algum tempo livre para você.
- Confesso que fiquei chocado sim com o tipo de trabalho da sua
comunidade.
- Ora ora, Doutor, você tem potencial de até ficar no meu lugar como líder
com o passar do tempo. Eu notei o seu ódio com rapaz que acabou de partir. Isso
é uma fonte de energia que podemos usar muito bem para fazermos nosso
trabalho.
- Como queria que eu ficasse? Esse rapaz deve estar envolvido no que
aconteceu comigo pelo que percebi do seu pensamento.
- Ele foi apenas o executor do plano como você deve ter notado. Não preciso
dizer de quem foi a idéia, não é?
O ambiente completamente escuro onde os dois dialogavam foi tomado agora
pelo silêncio onde de um lado Albuquerque emanava um ódio letal por Joel e do
outro, Mestre Zuzo se deliciava com a energia que estava sendo emanada dele.
Mestre Zuzo tomou Albuquerque pelo braço, foram caminhando alguns metros no
breu, e de repente estavam no Vale das Trevas, no mesmo local de onde partiram
para a Terra. Iriam caminhar agora por mais uma hora em direção a sede.
Durante a caminhada, Albuquerque pôde comparar a paisagem atual, daquele
que ele via há alguns instantes atrás. Era uma paisagem sem vida, sem cor, fria e
triste. Isso tudo misturado com o sentimento de ódio e de revolta o deixou sem
palavras naquele momento. Pensava intimamente no que havia lhe acontecido e
chorou. Chorou copiosamente. Sua vida na Terra tinha sido tirada por vontade de
Joel. Mestre Zuzo interveio:
- Não adianta ficar assim!! Preocupe-se agora em trabalhar para nós e
depois você resolve esse caso.

64
Carlos Eduardo Milito

- Impossível! Quero vingança! Tenho que acabar com os dois!


- Esse seu ódio é muito bom. É assim que você tem que se comportar
perante os membros da nossa comunidade, mas você ainda tem muito que
aprender antes de pensar nisso.
- Aprender para me vingar? Não preciso!
- Você acha que não precisa, mas tudo tem detalhes. Você percebeu alguns
atributos de seu novo corpo só com poderes do pensamento não é? Então, tem
que saber usar isso de forma certa para não fazer as coisas erradas. Você tem
que ser um rapaz comportado, parar de querer tentar fugir, que nós então,
poderemos ajudá-lo com essa sua idéia de vingança.
- Então, agora mais do que nunca faço parte da vossa comunidade e aceito
qualquer trabalho.
- Vai ter que aceitar de qualquer jeito. Você agora é nosso!
Enquanto isso, na Fazenda Terra Nova, enquanto a charrete de Ernesto
prosseguia a viagem, ele se sentia aliviado com a sua enxaqueca.

65
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 17

“Morada Universo Solar” – 21 de Março de 1.917

Na manhã daquela quarta-feira, Lucas foi chamado no Gabinete do


Governador. O céu estava azul com poucas nuvens no céu. O sol que naquele
momento era percebido por todos os habitantes daquela morada, também era
percebido pelos habitantes do Planeta Terra. Apesar do pouco tempo, Lucas via
muita semelhança nas coisas do mundo material que ele acabava de deixar e do
mundo o qual ele vivia agora. Ele pensava intimamente que naquele lugar tudo
parecia ser uma versão muito mais colorida do que antes já era bonito. O
contraste verde das árvores com o azul do céu parecia uma pintura de extenuante
beleza. A variedade não só no tom verde das vegetações, bem como nas
diversidades dos seus tipos lhe proporcionavam um bem estar sem igual. Havia
flores que jamais tinham sido vistas anteriormente. Tudo ali era de uma grande
formosura e ao mesmo tempo de uma grande delicadeza. Ele sabia da certeza
absoluta de haver um autor para toda aquela obra. O grande Arquiteto, ou Criador,
assim chamado pelos companheiros daquela morada tinha que ser idolatrado por
tamanha magnitude de seu feito.
- Bom dia Lucas. Que bom vê-lo – disse Mestre Jonas com carinho.
- Também são essas minhas palavras – respondeu Lucas.
- Como tem passado?
- Tenho me sentido cada dia melhor, Mestre Jonas.
- Isso é muito bom, Lucas! Esses dias de repouso foram para você
restabelecer o equilíbrio de sua roupagem astral, visto que você, diferentemente
de muitos outros companheiros, não precisou ficar em tratamento no Palácio da
Cura.
- Até quando preciso descansar?
- Não fique ansioso, Lucas. O tempo é uma bênção para nós. O descanso é
necessário. A partir de agora, você irá freqüentar algumas aulas no Setor de
Aprimoramento do Palácio da Educação, e em breve estará em trabalho para o
nosso Palácio. Essas aulas, na verdade, servem de reciclagem para muitos de
nós.
- Muito obrigado Mestre Jonas, por permitir que eu possa participar dessas
aulas.
- Não precisa agradecer. No andamento natural das coisas isso já estaria
previsto. A reciclagem daquilo que é aprendido para o bem é um processo muito
importante para todos os seres do universo.

66
Carlos Eduardo Milito

- Você falou reciclagem. Então quer dizer que já tenho conhecimento de


algumas coisas?
- Logicamente que sim. Quando os habitantes da Terra chegam aqui nesse
nosso chamado “intervalo celestial” suas memórias se restringem à última
experiência que cada um deles teve no mundo físico. A memória dos intervalos
celestiais bem como das vidas anteriores à última é retomada com o passar o
tempo. E o aprendizado que se teve nessas épocas também. A reciclagem é como
o lubrificante para uma roldana que precisa funcionar bem.
- Mestre Jonas, tudo isso é muito bonito, e no fundo, eu poderia estar
fazendo mil indagações, e inclusive, estar perturbado por estar vivendo esta nova
fase, mas tem algo em mim que me tranqüiliza e me deixa em paz. Não sei muito
bem explicar essa sensação que estou sentindo.
- Isso natural pelo nível de evolução que você se encontra.
- Vou deixar meus questionamentos para os momentos mais oportunos.
Quem sabe durante minhas aulas, não é Mestre Jonas? Afinal, me sinto bem
apesar de tudo.
- Faça isso mesmo, Lucas. Com o tempo, todas as respostas aos seus
questionamentos surgirão naturalmente.
Nesse exato momento, Madalena surge no Gabinete do Governador com o
mesmo semblante feliz de sempre.
- Bom dia Mestre Jonas. Bom dia Lucas – falou Madalena.
- Olá Madalena. Já conversei com o Governador do Palácio da Educação e
pedi a ele para que Lucas participasse do treinamento que teremos no Setor de
Aprimoramento. O curso terá o nome de “Evolução Astral”. Acho de grande valia.
Serão só três dias de curso. Começará hoje mais precisamente as 10:00h da
manhã e terminará sexta-feira. Dependendo do discernimento e do
aproveitamento de Lucas, já na semana seguinte ele ficará com vocês nas
missões de auxílio. Por ora Madalena, peço a gentileza que você o acompanhe
até local do curso.
- Pode deixar que eu o acompanho, Mestre Jonas.
Lucas se despediu de Mestre Jonas com emoção. Ele não podia imaginar que
em pouco tempo teria a possibilidade de estar em trabalho ativo. Ele estava
disposto agora a agarrar com todas as forças a essa chance. Pretendia aproveitar
ao máximo o curso para isso.
Madalena tomou Lucas carinhosamente pelos braços e os dois saíram juntos
do prédio que abrigava aquela governadoria. Já no jardim defronte ao prédio, eles
avistaram o veículo astral para onde foram caminhando com tranqüilidade. Assim
que entraram, a nave fechou as portas e partiu. Em alguns segundos, eles já

67
As Moradas e os Segredos de Maria

estavam defronte a um enorme prédio de estilo europeu que lembrava uma


escola. Com aspecto retangular e dois andares aparentes, ficava cercado por um
jardim muito florido com um gramado verde. Possuía na sua entrada principal,
uma enorme porta dupla com uns dois metros e meio de altura, por uns quatro de
largura. A movimentação de pessoas era intensa por lá, fazendo Lucas se
recordar quando era estudante na cidade de São Paulo. As pessoas entrando e
saindo, trazia alegres recordações. A diferença é que todas essas pessoas tinham
um semblante muito feliz, e quase sempre, quando uma avistava outra, havia uma
saudação com o olhar ou um cumprimento mais formal.
- Esta aqui é uma das escolas do chamado “Palácio da Educação”. Nesta
governadoria ou “Palácio”, além dessa escola, temos mais seis, totalizando sete
no total. Cada uma delas têm a capacidade para mil alunos. O prédio da
Governadoria fica aqui perto. Assim como no Palácio da Sustentação temos aqui
uma vila de casas, que fica nos arredores dos edifícios principais. Essas casas
são habitadas pelos colaboradores do Palácio da Educação. São muito similares a
qual estamos morando. – Interveio Madalena
- Tudo aqui tem sua beleza infinitamente superior a da Terra. É espantoso.
- Vamos entrar Lucas, já são quase dez horas. A pontualidade em tudo é
uma regra básica. Temos ainda alguns minutos até chegarmos na sala onde você
assistirá à aula. Lembre-se bem: Você terá oito horas ininterruptas de aula por três
dias. Aqui não haverá necessidade de interrupções para descanso ou lanche, pois
o próprio aprendizado que terá já será o alimento. O único fluido que necessitará
será água, que todos os participantes terão à vontade ao lado de dos seus
lugares.
Faltavam três minutos para as dez horas e maioria dos cinqüenta lugares
disponíveis na sala já estavam ocupados. O instrutor, conhecido por Prof. Orlando
estava de pé junto à porta da sala quando Madalena e Lucas chegaram
- Seja Bem-Vindo, Lucas! Estávamos à sua espera. – saudou Prof. Orlando
com carinho – Pode ocupar aquele assento aqui na frente.
- Obrigado, Prof Orlando. Estou muito feliz com essa oportunidade de
aprendizado.
- Nós da mesma forma, também estamos. Ensinar e reciclar nos fortalece e
nos alimenta. É uma troca mútua onde os dois lados se beneficiam com isso. É
uma bênção do Criador.
- Me dê licença que vou sentar. – sorriu Lucas alegremente - Até breve
Madalena. Nos vemos ao anoitecer.
- Até breve. Bom curso para vocês – despediu-se Madalena.
- Até breve. – retribuiu Orlando à Madalena que se foi alegremente.

68
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 18

Os últimos assentos daquela sala de aula foram ocupados por pessoas que
acabavam de chegar. Faltava agora um minuto para as dez horas da manhã. Prof
Orlando fechou a porta da sala que dava para o corredor e se posicionou na sua
parte frontal. A sala era muito espaçosa. De formato retangular, tinha seu pé
direito bem elevado com aproximadamente uns quatro metros. Os cinqüenta
lugares eram dispostos em confortáveis poltronas alinhadas em cinco fileiras com
dez lugares cada. Na parte frontal da sala havia um tablado para que o instrutor
ficasse visível a todos, e no local onde em uma sala convencional ficasse o quadro
negro, ficava uma espécie de vidro espelhado de forma retangular, com as
mesmas proporções de um quadro negro que era chamado de “quadrovisor”. A
luminosidade da sala era provida por enormes janelas que ficavam ao lado oposto
da parede do corredor. As janelas começavam a exatamente um metro do chão e
tinham o comprimento exato da parede da sala e a altura que acompanhava o pé
direito. Enquanto externamente, essas janelas acompanhavam a construção do
prédio com seu acabamento de madeira e vidro, internamente, combinadas com
cortinas harmoniosas, ditavam a luminosidade daquela aconchegante sala que
estava situada no andar superior daquele prédio.
- Bom dia a todos. – falou Prof. Orlando sorridente para os alunos.
- Bom dia – responderam todos prontamente.
- Em primeiro lugar, é com satisfação que estou aqui novamente. Todos
vocês já me conhecem. Meu nome é Orlando. Nesses três dias teremos o curso
chamado “Evolução Astral”, que servirá de reciclagem para alguns e de
aprimoramento para outros. Espero que vocês aproveitem os ensinamentos.
Vamos então começar.
Orlando fez uma ligeira pausa e então prosseguiu
- Agora então, eu gostaria que todos vocês relaxassem e fixassem o
pensamento no grande Criador e agradecessem a oportunidade de estarem aqui.
Fechem os olhos e façam isso vagarosamente. Durante o agradecimento,
imaginem-se em um campo florido, na frente de um lago e rodeado por
cachoeiras. Sintam o barulho da natureza e calmamente, fixem o pensamento no
grande Criador. Agora vocês estão vendo de um lado, a obra e sentindo por todos
os poros o criador da obra. No estágio evolutivo, não conseguimos ainda enxergar
nosso grande pai, no entanto podemos senti-lo como todos nós estamos sentindo
agora. Então agradeçam. Agradeçam de coração.

69
As Moradas e os Segredos de Maria

Enquanto todos os alunos presentes fechavam os olhos, Orlando levou a


palma esquerda sobre a sua testa e também fechou os olhos. Estendeu o seu
braço direito encostando sua mão no quadrovisor que ganhou uma coloração
leitosa e começou a emitir um som de uma melodia celestial.
O cenário dos alunos de Orlando fazendo a vibração, combinado com a
melodia que tocava como clarins divinos, fez com que todos fossem tomados por
uma grande emoção de alegria onde lágrimas escorriam incontrolavelmente das
suas faces. Orlando prosseguiu:
- Sintam a música por mais alguns instantes e voltem vagarosamente o
pensamento aqui para a sala de aula. Lentamente, abram os olhos e retornem.
Decorridos alguns minutos, a música parou e todos estavam ali nas suas
confortáveis poltronas olhando Orlando com um semblante feliz.
- Então vou falar um pouco agora de nosso Pai, já que começamos nossa
aula com vibrações para ele. Assim como acontece com os humanos, nossa
percepção para o entendimento do grande Criador é limitada. Somente nossa
evolução é que clareará nossas mentes para o seu entendimento mais
aprofundado. Diferentemente dos humanos, nós conseguimos ter essas
sensações mais nobres, iguais a que tivemos agora pouco pela vibração coletiva e
elevação dos nossos pensamentos. E essas sensações nos dão uma noção de
sua grandeza. Na Terra, temos vários segmentos da sociedade que
saudavelmente cultuam o Criador. Chamado por Deus na maioria das religiões,
ele é certamente o sustentáculo do Planeta Terra. Na verdade, durante gerações e
gerações nossos companheiros das moradas celestiais sempre intuíram os
amigos da Terra a praticarem algum tipo de fé e saberem que existe um autor de
toda a obra do Universo.
Os olhos de toda a platéia brilhavam com as primeiras palavras de Orlando.
Ele então prosseguiu:
- Ainda falta muito para que todos os habitantes terrestres entendam
completamente a vontade do Criador. Se é difícil a todos a compreensão do
Criador, igualmente é difícil também a compreensão plena da sua vontade. Tanto
a mente humana, como a mente astral em fase de evolução têm dificuldades de
compreender o Criador. O conceito básico é que o grande autor da obra do
universo é eterno e infinito. Eterno por que sempre existiu. Não houve um começo
para ele. E infinito, pois ele ocupa tudo. Quando na Terra, ouvimos a palavra
eterno, achamos que é algo que tem um começo e não irá terminar. A visão astral
dessa palavra é diferente: O eterno para nós significa algo que é impossível
indicar seu começo, ou seja, sempre existiu. Ora, ora. Tudo isso é não cabe na

70
Carlos Eduardo Milito

mente humana. Assim como não cabe também a compreensão do Universo onde
estão todas as moradas astrais e terrestres.
A platéia observava atentamente sem piscar os olhos e então, Orlando com um
olhar de muita paz prosseguiu:
- Não cabe também nas mentes humanas a compreensão do Universo onde
estão todas as moradas astrais e terrestres. Temos o Sistema Solar do Planeta
Terra de onde estamos próximos. Assim como o Sistema Solar do Planeta Terra,
temos outros bilhões de Sistemas Solares na Via Láctea, com seus planetas, e
cada um desses Sistemas Solares possui ao menos um planeta em condições
climáticas e aparências idênticas a Terra. E cada um desses planetas tem os seus
habitantes de carne e osso assim como os terrestres. O que ocorre, no entanto, é
que temos inúmeros planetas mais evoluídos que a terra, assim como temos
inúmeros planetas menos evoluídos que a terra. Agora imaginem a Via Láctea que
abriga esses bilhões de Sistemas Solares, como apenas um ponto do Universo. E
caminhando-se no infinito Universo encontramos bilhões desses pontos. Se dá
para imaginar a grandeza dessa obra, quiçá do seu criador.
Lucas observava tudo de forma extenuada. Mais tarde perceberia que tudo que
estava ouvindo de Orlando já estava registrado eu sua mente. Apenas suas
lembranças anteriores à sua última existência terrestre é que não havia ainda
florescido. Aquela aula então era para ele uma reciclagem sem que ele ainda
soubesse.
Em seguida, Orlando ficou alguns segundos em silêncio, levou as suas duas
mãos até a testa, fechou os olhos e encostou o queixo no seu peito. Após alguns
instantes o “quadrovisor” localizado na frente da sala começou a ganhar um
aspecto turvo como leite até aparecer uma imagem da natureza dentro dele. Então
Orlando falou:
- Reparem uma pequenina parte da obra do criador. Vocês estão vendo no
quadro uma criação divina. Este belíssimo cenário com árvores, flores, riachos,
pássaros cantando, borboletas, o céu azul é encontrado tanto na Terra, como em
algumas moradas celestiais como a nossa. Muitos de vocês conhecem esse
cenário daqui mesmo no Vale das Flores, por exemplo.
Orlando fez uma pequena pausa e prosseguiu:
- O tema de hoje trata de “Evolução Astral” e quando falamos disso temos
que frisar que esse conceito é válido para qualquer ser vivo existente, desde a
mais simples bactéria terrestre até o mais nobre dos seres. O intervalo celestial o
qual todos nós aqui nesta sala vivenciamos agora, também é vivenciado por
outras espécies. Os mais primitivos seres não distinguem os intervalos celestiais
da vida na Terra. Este atributo é somente dos seres que já adquiram ao longo do

71
As Moradas e os Segredos de Maria

tempo o “princípio da racionalidade”. Daí vocês me perguntam: O que é o princípio


da racionalidade? Então eu respondo: É quando cada um dos seres adquire a
consciência de si mesmo. Todos nós aqui presentes já adquirimos há muitos anos
esse atributo. É como na Terra, comparar a inteligência de um homem com a de
um cachorro. Enquanto o primeiro é dotado do tal princípio, o segundo ainda não.
Orlando observou parte da platéia um pouco espantada e prosseguiu:
- Calma pessoal. O processo evolutivo é muito lento e contínuo. Alguns de
vocês conseguem inclusive se lembrar de existências anteriores, mas todos vocês
não possuem a memória de milhares de anos atrás. Reparem então que vocês
não têm a lembrança de quando não eram seres racionais. É como na Terra, pedir
para um adulto ter a lembrança de quando era um bebê de seis meses de idade.
Isso não é possível.
- O que vocês precisam se preocupar é daqui para frente. – continuou
Orlando – A evolução astral no estágio em que nos encontramos se dá
basicamente pelo nosso trabalho que é feito não só nas vidas que temos nos
mundos carnais como também pelo trabalho que fazemos por aqui. O trabalho é a
uma dádiva. É a mola propulsora do universo. Sem ele, nada haveria sentido.
Então, meus queridos, o que pretendo mostrar nesses dias é a forma de fazermos
esse trabalho corretamente e conseguirmos caminharmos para frente.
Lucas entendia tudo com clareza e tentava não se ater às dúvidas que
pairavam vez ou outra. Orlando prosseguia:
- Então basicamente nas aulas de hoje, amanhã e depois, vou falar da
premissa básica para que o trabalho seja feito com sucesso. Isso é resumido em
uma palavrinha: Amor! O trabalho para ser bem feito tem que ser feito com amor.
Lucas lembrou-se imediatamente das saudosas palavras de sua avó Dora, e
constatava a preciosidade daquilo que ouvia quando menino. Orlando prosseguia:
- Então durante a aula eu apontarei alguns exemplos de evolução do planeta
Terra, e principalmente, no campo da religião, onde por metáforas, alguns sábios
e outros profetas dotaram seus habitantes de manuscritos preciosos que tentam
ensinar como esse “amor” que estou falando tem que ser florescido no coração de
todos nós, filhos do grande criador.
- E o maior exemplo da prática do amor que tivemos na Terra – prosseguiu
Orlando – foi a jornada do Mestre dos Mestres que esteve lá há pouco mais de mil
e novecentos anos. Durante todo esse tempo surgiram religiões com o
embasamento no que ele pregava. A forma pela qual os manuscritos foram
deixados para nossos companheiros de carne e osso, tem todo um significado
especial. A pluralidade dos significados em vários trechos desses papeis fazem

72
Carlos Eduardo Milito

com que somente a verdadeira fé de cada um dos humanos é que delineará o real
sentido de tudo que foi escrito.
- Como muito de vocês já sabem – prosseguiu Orlando com o mesmo
semblante sorridente de sempre - os estudos do Palácio da Educação da Morada
Universo Solar, têm o foco voltado mais para o Planeta Terra, e todas as moradas
celestiais vizinhas a ela. Nosso âmbito é restrito ao espaço físico do Sistema Solar
do Planeta Terra, onde temos apenas a Terra como planeta com vida material
inteligente. Os outros bilhões e bilhões de Sistemas Solares possuem também
suas moradas celestiais tais como a nossa cuidando dos seus planetas habitáveis,
onde inclusive, podemos nos comunicar e transitar livremente em prol da
evolução. Recordem-se do que já falei: Cada Sistema Solar possui ao menos um
planeta em condições climáticas semelhante à Terra e , conseqüentemente, temos
a vida de seres de carne e osso nesses planetas. O que quero concluir aqui é que
o Mestre dos Mestres é a alma mais pura que habitou um corpo físico na Terra.
Tamanha é sua evolução e perfeição que ele está muito próximo do grande
criador. E esse raciocínio vale para todos esses planetas habitáveis do universo:
Para cada um deles, temos uma alma pura e iluminada que seria a espécie de um
patrono para eles.
- Então – prosseguiu Orlando - o que veremos nesses três dias é como
todos nós, seres com essência divina, podemos galgar degraus e mais degraus
em busca da perfeição. Se todos nós temos a mesma essência, então todos nós
temos condições de chegarmos muito próximos ao criador, tal como o Mestre dos
Mestres do Planeta Terra, bem como todas os “Cristos” do Universo.
Lucas novamente lembrou de sua avó Dora, e que mencionava as passagens
de Jesus Cristo. Agora ele sabia que o Mestre dos Mestres que todos os
habitantes da Morada Universo Solar se referiam só poderia ser ele. Então Lucas
emocionou-se ao saber que além de Jesus para a Terra havia outros tantos para
outras “Terras” espalhadas pelo infinito universo.
Os três dias de curso seguiram normalmente e Lucas sentia-se tão bem a
ponto de achar que vivia anos e anos junto aos companheiros da Morada Universo
Solar. Suas sensações de prazer e bem estar eram indescritíveis. Sua reciclagem
do que acabava de ouvir era como se ele tivesse acabado de aprender tudo aquilo
pela primeira vez. Em breve, ele iria readquirir suas memórias das outras vidas e
dos intervalos celestiais e ver que tudo presenciou nesses três últimos dias era
muito familiar.

73
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 19

“São Paulo” – 23 de Março de 1.917

A tarde caia naquela sexta-feira na cidade de São Paulo. A garoa fina banhava
a Av.Paulista onde a mansão de Clarice estava situada. A pedido de Emília,
Clarice organizou um jantar para a família de Lucas. As três mulheres daquela
casa viam com muitos bons olhos os familiares de Lucas. Além do que, Clarice
que estava tocando com braço de ferro todo o império deixado por Albuquerque,
pretendia arrumar alguém que pudesse dividir suas atribuições, e desde quando
conheceu Laerte sentiu que o rapaz tinha potencial para ajudá-la.
- Emília minha filha – indagou Clarice – Gosto muito de Laerte. É uma pena
que esse rapaz ainda não tenha o nível cultural de Lucas.
- Ora mãe. Foram apenas as circunstâncias da vida dele. Ele é muito
responsável e optou em ajudar seu pai com o trabalho. Acho que ele não teve
chances de terminar seus estudos por isso.
- Logicamente Emília. Acho-o inteligente e gostaria de prepará-lo para no
futuro, quem sabe, me ajudar.
- Acho uma boa idéia mamãe. Você sabe que o papai sempre desejou ter um
filho homem, e quando conheceu Lucas, viu nele o filho que não teve. Pode ser
que Laerte também tenha um perfil similar.
- Não quero intimidar o rapaz minha filha. Mas vejo nele sim um bom
potencial. Aos poucos acho que irei sondá-lo se quer trabalhar para nós.
- Fico feliz mamãe. – disse Emília com um brilho nos olhos – Afinal, eu que
tive a idéia de chamá-los para um jantar e a senhora que vem percebendo essas
qualidades neles sem mesmo eu falar nada.
- Desde o acidente, quando eles ficaram em uma das nossas casas na
fazenda pude perceber a simplicidade e a bondade dos pais, e a presteza e a
preocupação de Laerte com tudo. Leandro parece também ser um bom menino,
mas precisa amadurecer.
- Ótimo mamãe. Se ajuda-los irá me ajudar também a superar minha dor.
Tenho certeza que se Lucas estivesse vivo, faria de tudo por eles.
Clara ouvia silenciosamente a conversa da sua irmã com sua mãe e
concordava com o que elas diziam. Com apenas dezessete anos, possuía uma
maturidade avançada pela época em que vivia. Seu convívio social e sua
formação, talvez tenham influenciado para isso. Da mesma forma, Emília com
dezenove anos também era bem desenvolta e astuta. Quando namorava Lucas

74
Carlos Eduardo Milito

que tinha dez anos a mais do que ela, isso era irrelevante tamanho era o seu
amadurecimento.
Às oito horas da noite Afonso, Dona Lourdes, Laerte e Leandro chegaram a
Mansão dos Albuquerque. Ficaram encantados com tanta pompa e sofisticação
daquele lugar. Foram recebidos por Clarice com muito carinho. Inicialmente não
conseguiam esconder a intimidação.
- Fiquem à vontade. – disse Clarice com ar acolhedor – As meninas estão
terminando de se preparar e daqui há pouco já irão descer.
- Muito obrigado, Dona Clarice – respondeu Afonso.
- Sentem-se, por favor – interveio Clarice acomodando seus convidados na
imensa sala de visitas.
- Como têm passado?
- Estamos enfrentando a vida e tentando superar o momento difícil que nos
acomete – respondeu Dona Lourdes
- Imagino. Para mim também não está sendo fácil. Mas precisamos enfrentar
não é verdade? A vida continua. Não posso me entregar. Tenho os negócios, a
Fazenda e tudo mais para tomar conta. Venho buscando apoio na minha Igreja.
Costumo orar bastante e tenho ido ás missas todos os dias. Converso bastante
com o D. Miguel que tem me ajudado muito.
- Dona Clarice, eu gostaria de ser que nem a Senhora. Minha falecida mãe, a
Dona Dora era mais ligada em assuntos religiosos do que eu. Ela era uma pessoa
de muita fé.
- Eu sei disso Dona Lourdes. Seu filho Lucas comentava com orgulho da sua
mãe. Ele contava muitas estórias dela.
- Foi uma pena ela ter morrido quando ele tinha apenas sete anos. Os dois
se davam muito bem e ele sofreu bastante com isso. Mas depois, com o passar do
tempo superou. No entanto seus ensinamentos para ele valeram por toda a sua
vida.
- Um dia se você quiser te levo na minha Igreja. Temos encontros de
Senhoras por lá. Fazemos também outras atividades beneficentes para ajudar os
necessitados.
- Que beleza Dona Clarice. Acho que essas coisas nos ajudam nesses
momentos de dor.
- Sempre fui católica praticante. O que aconteceu para mim foi vontade de
Deus então, tenho que aceitar. Continuarei mais do que nunca trabalhando para
minha igreja.
Passados alguns minutos, Emília e Clara desceram elegantemente a escada
da mansão e em seguida cumprimentaram educadamente a todos ali presentes.

75
As Moradas e os Segredos de Maria

Aos poucos os familiares de Lucas se soltaram ainda mais e a conversa


prosseguia de forma agradável pela noite adentro. Após o jantar Laerte
conversava com Emília na varanda enquanto os demais continuavam dentro da
sala de visitas:
- Aos poucos Emília, estamos voltando à normalidade. Nossa loja de roupas
vem funcionando normalmente e o volume de negócios parece que está
aumentando. O trabalho em uma hora dessas é importante, pois quanto mais
coisas tivermos para fazer, mais facilmente encobrimos a tristeza.
- Que bom Laerte. Também procuro me ocupar constantemente o meu
tempo para isso.
- O problema é meu irmão Leandro que não quer nada com a vida. Não quer
nos ajudar no trabalho e não quer estudar. Agora, com a morte de Lucas parece
que ficou mais rebelde ainda.
- Acho que vocês não têm que desistir de convencê-lo a mudar. Tenham
paciência.
- É que nos resta. Paciência. Acho que cada um de nós tem uma época que
amadurecemos sim. Uns mais cedo, outros mais tarde.
A conversa entre Emília e Laerte prosseguia e gradativamente os dois iam
ganhando cada vez mais empatia um com outro. Em alguns momentos Laerte
tinha a sensação de conhecer Emília de muito tempo. O mesmo acontecia com
Emília que comentou:
- Nossa Laerte. Antes da tragédia, eu pouco conversava com você. Agora,
nós nos tornamos amigos e minha sensação é de que conheço você há muito
tempo. Me sinto muito bem estando com você.
- Emília. Posso dizer o mesmo. Sua presença me deixa feliz. Tem coisas que
não conseguimos explicar não é?
- Sim. Tem coisas que não tem explicação. O que importa mesmo é nossa
sensação de bem estar.
Alguns instantes depois os dois entraram e conversaram mais alguns minutos
com os demais presentes daquela sala. Em torno das onze horas da noite se
despediram e a família de Albuquerque agradeceu ao jantar. A garoa que antes
caia deu lugar a uma brisa fria na noite paulistana.

76
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 20

“Vale das Trevas” – 23 de Março de 1.917

Durante a noite daquela sexta-feira, estavam na sala da sede do Vale das


Trevas mais de vinte pessoas reunidas. Algumas delas sentadas no chão, outras
em bancos improvisados e outras ainda, em um precário sofá que havia por lá.
Mestre Zuzo estava de pé em frente a todos e começou a falar:
- Pessoal. Todos vocês já conhecem Marcos que chegou esta semana.
Nesses últimos três dias já participou inclusive de alguns trabalhos em campo.
Então Marcos, quero que você conte a todos, e principalmente para aqueles que
não puderam te acompanhar, como foram esses seus dias pela Terra.
- Sim senhor Mestre Zuzo – respondeu Albuquerque prontamente – Não
nego que foi difícil aceitar essa mudança na minha vida, mas a partir do momento
que vislumbrei uma razão para viver essa nova fase, então agarrei com unhas e
dentes o trabalho daqui. No primeiro dia, estive com Zé Trovão e Magrão na
cidade de Santos, onde ajudamos uma pessoa a assaltar um casal de idosos
dentro do Bondinho. Na seqüência, ficamos rodeando o casal de idosos, pois com
o assalto, a senhora dele passou mal e teve que ser socorrida em um hospital.
Tentamos entrar no hospital para ajudá-la a agonizar, mas fomos barrados por um
grupo que nem conseguíamos ver direito. Parecia que tinha uma barreira
magnética na entrada daquele lugar, então viemos embora.
Todos observavam atentamente as explicações de Albuquerque que continuou
contando suas recentes experiências:
- No segundo dia, fomos nas imediações do Mercado Central em São Paulo
rodear alguns mendigos que permaneciam por lá. Incentivamos eles a se
embriagarem com cachaça e essa foi uma tarefa aparentemente fácil, pois eles já
tem uma queda pelo alcoolismo. Só chegou uma hora que também fomos
impedidos a continua a fazer isso, pois eles estavam em dois, daí um deles
começou a se deprimir e rezar, daí apareceram algumas pessoas que também
não conseguimos ver direito e eles nos expulsaram de lá.
- No terceiro dia, que por sinal foi hoje – continuou Albuquerque – tomei
gosto pelo trabalho. Ficamos vagando pela Estação da Luz, que tinha muita gente
de carne e osso, e ficávamos tentando captar os pensamentos mais negativos e
afinados com os nossos. Dentre inúmeras pessoas, foi bem fácil encontrar
dezenas de pessoas assim. Então cada um de nós escolheu uma delas para
‘“brincar” e ficar durante todo o dia obsediando. Dessa vez ninguém nos

77
As Moradas e os Segredos de Maria

atrapalhou e até o cair da tarde continuamos a fazer isso para recarregar nossas
baterias.
- Para começar está bem – comentou Mestre Zuzo – Mas isso ainda é
aperitivo. Quero você, Marcos, participando de banquetes.
- Ora, ora Mestre Zuzo. Você sabe muito bem que tenho todos os
ingredientes para isso. Você já sabe a forma pela qual cheguei aqui não é? Você
também sabe o ódio que estou alimentando por Joel, e por aquele tal de Ernesto,
não sabe? Pude perceber quando fugi para a fazenda que Ernesto estava envolto
com uma espécie e aura negra. Seria fácil talvez envolve-lo, não acha? E por que
não tentar também com o Joel? Para mim, a destruição dos dois será muito mais
que um banquete.
- Joel não está nas nossas alçadas. Ele é um cara difícil de influenciar.
Quanto a Ernesto, acho poderíamos sim conseguir algo.
- Então, Mestre, Vamos trabalhar! Por que não bolar um plano para que
Ernesto leve Joel ao buraco. Sei lá! Qualquer tipo de coisa a gente tenta incutir na
cabeça dele.
- Pode ser – respondeu Mestre Zuzo não muito convicto – Mas não temos
uma forma eficaz para isso.
- Já sei. Tenho uma idéia. Pude perceber no meu encontro com Ernesto que
ele falou em chantagear Joel ameaçando em contar tudo para conseguir mais
dinheiro. Ele só não sabe como fazer isso sem se envolver. Por que não o
perturbamos a ponto dele contar tudo para a polícia sem pensar nas
conseqüências?
- Não adiantaria Marcos. Ele vai se preservar até o fim. E pode ter certeza
que ele não terá como chantagear Joel. Ele pensou aquilo, mas nunca terá uma
forma para ameaçar Joel.
- Mas quero vingança! Tenho que destruir os dois. Tem que haver um meio
de fazermos isso. Quero obsediar os dois. Eu grudo neles se você permitir,
mestre. No que depender de mim, ficarei a eternidade toda atormentando a eles.
- Perfeito, Marcos! Gosto de te ver assim. Está sendo um bom aluno. Vamos
então fazer o seguinte para começar: Já são mais de onze da noite e daqui há
pouco Ernesto irá dormir. Vamos monitorar o sono durante a noite e fazê-lo
sonhar.
- Como assim? Fazê-lo sonhar?
- Ora, Marcos, você tem muito que aprender mesmo. Todos as pessoas de
carne e osso quando dormem, saem de suas casas e vagam por tudo quanto é
lugar. O Ernesto está sempre vagando nas nossas imediações, e assim, sendo

78
Carlos Eduardo Milito

esse um local de acesso livre para nós, podemos moldar um cenário como uma
peça de teatro e fazê-lo sonhar o que bem entendermos.
Albuquerque olhava atentamente Mestre Zuzo sem saber direito onde ele
queria chegar.
- Poderíamos moldar um cenário da sala do Policial Medeiros e um de nós
representá-lo como se fosse ele propriamente dito. Daí poderíamos falar uns
absurdos para ele só para perturbá-lo. Isso não deixa de ser divertido. –
complementou Mestre Zuzo.
- Que coisa!. É lógico! Se o Magrão e o Zé Trovão conseguiram se
transformar em Lobo para mim, acho que muitos de nós temos atributos para
mudarmos de forma para Ernesto! – exclamou Albuquerque.
- Exatamente. Eu mesmo cuidarei disso. Você verá. Para o Ernesto que
estará sonhando eu serei o Policial Medeiros e então eu torturarei ele com
palavras.
Terminada a reunião entre os membros da comunidade “Transeuntes das
Trevas”, Mestre Zuzo pediu para Albuquerque para acompanhá-lo e ordenou Zé
Trovão e Magrão a irem para a residência de Ernesto enquanto isso. Já passava
da meia noite. Fora da sede o breu era total. Mestre Zuzo pegou uma tocha que
estava na casa e com uma piscada forte de olhos conseguiu acendê-la. Os dois
saíram pelo fundo daquela casa e caminharam uns cinqüenta metros. Aquele
imenso chão de terra batida era cercado por enormes muros dos quatro lados,
formando um retângulo, tal como no local de onde Albuquerque foi encontrado. A
única diferença é que bem ao centro desse enorme retângulo havia uma escadaria
com uns dois metros de largura que possuía uns duzentos degraus também de
terra batida. Essa escadaria subia e era cercada por altos muros. De onde eles
estavam não era possível ter a noção do seu tamanho por causa da baixa
luminosidade do local. Eles foram subindo lado a lado: Mestre Zuzo do lado
esquerdo e Albuquerque do lado direito. Após a longa subida, eles estavam
novamente em um local plano com terra batida. Pela falta de luminosidade, não
era possível saber o tamanho daquele local. Mestre Zuzo então falou:
- Estamos em uma zona vizinha a nossa morada. Aqui conseguimos
interceptar e atrair algumas pessoas de carne e osso lá da Terra. Vamos
monitorar agora o Ernesto. Olhe para minha tocha.
Os dois olharam fixamente para a tocha e a chama que estava na ponta
ganhou uma coloração branca e um aspecto retangular. Surgiu então no centro
desse “visor” a imagem de Ernesto dormindo no seu quarto. Em seguida, eles
puderam notar um desdobramento: O corpo dele permanecia dormindo, enquanto
um corpo idêntico a esse saía de dentro dele. Em seguida o corpo astral atravessa

79
As Moradas e os Segredos de Maria

as paredes do quarto e da casa e depois começa a flutuar sob a rua. Apesar de


estar de olhos abertos, o corpo astral de Ernesto parecia estar hipnotizado, pois
tinha o olhar perdido. De repente, surgem Zé Trovão e Magrão que tomam
Ernesto pelos braços sem que ele perceba. Os três foram caminhando pela rua
quando a imagem da tocha se dissipou e a chama voltou a ter o formato original.
- Muito bem, daqui a alguns instantes os três aparecerão aqui. Deixa-me
preparar o cenário.
Mestre Zuzo olhou fixamente para aquela chama na ponta da tocha e então,
dela começaram a sair várias faíscas que pouco a pouco foram formando o
cenário da sala da delegacia do Policial Medeiros. Tudo parecia real: os móveis,
as cadeiras, as mesas, as janelas e luminosidade que vinha delas simulando a luz
do dia. Em seguida chega Zé Trovão e Magrão com Ernesto tomado pelos braços
que ainda estava em estado hipnótico. Zé Trovão acomodou-o na cadeira do novo
“cenário”. Mestre Zuzo pediu então para que Zé Trovão segurasse a tocha, pois
em poucos segundos sua aparência começaria a mudar. Houve uma total
mutação da figura de Mestre Zuzo para a figura do Policial Medeiros que
caminhou calmamente para sua mesa. Daí começou o sonho de Ernesto:
- Ernesto, pedi para que você viesse aqui, pois me deve explicações.
- Sim senhor. O que deseja?
- É sobre o acidente. Nós descobrimos tudo Sr Ernesto.
- Descobriram o que?
- A sabotagem. Joel se entregou e nos contou todo o plano. Agora você está
enroscado, sabia?
- Joel contou o que? Do que você está falando?
- Não se faça de bobo, Ernesto. Você está totalmente comprometido.
Sabemos que foi você, a pedido de Joel, quem sabotou o avião.
- Isso é absurdo.
- Você está preso Ernesto.
O falso Medeiros pegou um par de algemas e se aproximou de Ernesto que
começou a entrar em desespero e gritar incontrolavelmente. O sonho dele parecia
muito real e enquanto o corpo físico suava frio e se debatia na cama, o corpo
astral presente no cenário magnético criado pelos “Transeuntes das Trevas” se
debelava e enfrentava o falso Medeiros. Passados alguns segundos, o corpo
astral de Ernesto sumiu daquele lugar como um estalo para se unir ao corpo físico.
Ernesto então acordou muito assustado e não conseguiu mais dormir.
Alguns segundos depois, a tocha segurada por Zé Trovão voltou a sua forma
original, com apenas a chama acesa em cima dela. Mestre Zuzo também

80
Carlos Eduardo Milito

readquiriu sua forma original, e o cenário se dissipou como uma luz que apaga. Os
quatro com um semblante feliz desceram a longa escadaria de volta para sede.
- Ta vendo Marcos – falava Mestre Zuzo – Você viu do que somos capazes?
- Estou abismado. Então ele sonhou tudo isso?
- Sim. Mas não são com todas as pessoas de carne e osso que conseguimos
fazer isso. O Ernesto é presa fácil para nós.
- E o Joel?
- Também seria sim, mas com a sua mulher, a tal da Dona Inês, fazendo o
que ela faz, fica difícil nos aproximarmos dele.
- Inês? O que ela faz?
- Ela não é lá muito religiosa sabe, mas na fazenda dela tem uma negra, uma
tal de Dona Benedita que fica se metendo em assuntos “nossos” e ela pois na
cabeça da Inês que ela tem que rezar e pedir proteção para seus familiares,
incluindo os filhos e também o Joel. Daí ela reza e ai atrapalha nossos planos.
- Como assim?
- Você pergunta muito, Marcos! O magnetismo da reza desses que tem fé
atrai gente de outros lugares que só nos atrapalham. Vamos dizer que Joel é
vedado pelas rezas da esposa.
- Entendo.
- Para nós, quanto mais cético melhor. Quanto mais a pessoa for baixo astral
melhor. Se a pessoa for deprimida e para baixo, melhor ainda. Temos sorte que
além do Ernesto ser cabeça fraca, ele não acredita em nada.
- Então ótimo. Vamos perturbá-lo bastante a ponto de ele encher a cabeça
de Joel e afetá-lo também.
- Isso mesmo. Você compreendeu onde podemos chegar. E ai você se
sentirá vingado.
- Só vou me considerar vingado a hora que eu vê-los aqui junto comigo.
- Calma Marcos, uma coisa por vez.
Em alguns minutos os quatro chegaram aos fundos da sede e entraram porta
adentro. Mestre Zuzo apagou a tocha com o seu fulminante olhar e em seguida
foram se acomodar em condições precárias cada um em um aposento daquela
tenebrosa casa.

81
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 21

“Morada Universo Solar ” – 24 de Março de 1.917

Na manhã daquele sábado todos os membros da Morada Universo Solar


estavam atentos à mensagem do Mestre Jonas no auditório do Palácio da
Sustentação. Os governadores dos outros palácios também estavam presentes.
As outras inúmeras pessoas que viviam em trabalho em qualquer um dos palácios
e não poderiam estar no auditório ficariam conectadas à palestra pelo poder do
pensamento. Quando fosse pontualmente nove horas da manhã, todos iriam fazer
uma vibração para poder ouvir a mensagem de Mestre Jonas mesmo que a
distância.
Lucas estava ali presente juntamente com Antero e Madalena. Os três estavam
sentados na terceira fileira do majestoso auditório. Mestre Jonas chegou com o
mesmo semblante feliz de sempre:
- Bom dia meus queridos. Estou muito feliz em vê-los novamente. Como tem
passado? Felizes com o aprendizado? Hoje, nossa mensagem de meditação será
diferenciada. Estamos apenas a dois dias da chegada de Maria na nossa Morada
e o Palácio da Sustentação foi escolhido por ela para isso. Teremos mais uma
grande oportunidade de aprendizado com sua breve visita. Uma divindade como
ela entre nós só nos fará crescermos e aprendermos. O seu desejo na verdade,
será para que nós todos façamos o trabalho de sustentação enquanto ela irá a
Terra em importante missão. E isso, não deixa de ser uma forma de aprendizado.
Todo o trabalho é isso. Todo o trabalho faz com que nós, seres de essência
divina, aprendamos com ele.
Mestre Jonas fez uma pequena pausa e prosseguiu:
- Vamos então agradecer ao Mestre dos Mestres pela oportunidade de
trabalho e de aprendizado por estar atribuindo a sua mãe Maria a nobre tarefa de
intercessão no mundo dos humanos.
Mestre Jonas fez outra ligeira pausa e pediu para que todos ficassem em
absoluto silêncio por alguns instantes. Então prosseguiu:
- Meus queridos, permaneçam de olhos fechados e construam a imagem
mental do Mestre dos Mestres todo de branco, de braços abertos e sorrindo para
vocês.
Lucas se lembrou que Mestre Jonas repetia exatamente as mesmas palavras
da semana anterior. Saberia também das nobres sensações prazerosas que
estariam por vir em alguns instantes. Mestre Jonas pediu novamente a todos que
agradecessem ao Mestre dos Mestres por tudo e como na semana anterior, o

82
Carlos Eduardo Milito

auditório ganhava a aparência nevoenta de forte densidade e delicioso aroma.


Todos os presentes permaneciam vibrando para o Mestre dos Mestres e também
para Maria, quando uma melodia com sons divinos adentrava aquele ambiente.
Mestre Jonas então prosseguiu:
- Meus queridos continuem a vibração. Este som, assim como esta névoa
densa e esse aroma são um presente que essas entidades de moradas superiores
à nossa nos encaminham carinhosamente por estarmos sintonizados nas
divindades tal como Maria e o seu filho.
Todos que estavam presentes naquele auditório e até mesmo outras pessoas
que acompanhavam tudo aquilo à distância choraram de emoção. A combinação
das palavras de Mestre Jonas com a densa névoa, o aroma e por fim a música
clássica de notas harmônicas incomparáveis a qualquer melodia já ouvida na
Terra fez daquele ambiente algo de uma singular e comovente beleza.
Alguns minutos se passaram e a melodia permanecia esplendorosa. Cada um
dos presentes sentia as prazerosas sensações do contato com o divino, porém
mais intensamente do que na semana anterior, Mestre Jonas carinhosamente
interveio:
- Meus queridos. Vamos agora calmamente voltarmos nossos pensamentos
para cá. Dessa vez, pela proximidade pela chegada de Maria, tivemos uma
contemplação dos nossos irmãos de moradas mais elevadas com a música.
Voltem então o pensamento para cá e abram os olhos vagarosamente.
A música foi diminuindo de volume até desaparecer. A sensação de névoa e o
odor se dissiparam vagarosamente. O semblante de todos que estavam ali
presentes era sóbrio, de muita paz e alegria. Mestre Jonas continuou:
- Muito bem! Daqui há dois dias, a Morada Universo Solar terá o dia mais
importante desde a sua fundação. Todas as entidades aqui presentes se
agruparão no Vale das Flores para o recebimento de Maria. Somos
aproximadamente quinze mil pessoas, e o local lá é apropriado, pois o gramado é
imenso e poderá muito bem acomodar a todos nós. Peço novamente para que
vocês controlem a ansiedade. São só dois dias. Segunda-feira às dez horas da
manhã ela estará aqui conosco. Agradeço então a todos pela presença e fiquem
em paz. Até breve.

83
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 22

“Fazenda São Paulo ” – 24 de Março de 1.917

Ernesto havia passado uma noite muito difícil. Depois do terrível sonho que
teve não conseguiu mais dormir. Ficou na cama deitado esperando novamente
adormecer e entre um pensamento e outro chegava até a pensar na possibilidade
de Joel ter aberto a boca para a polícia. Mas se tivesse feito isso, se incriminaria
também. Ernesto estava confuso e perturbado. Às dez horas da manhã daquele
sábado, foi procurar Joel sede da sua fazenda.
- Joel preciso falar com você – disse Ernesto com ar preocupado.
- O que quer de mim Ernesto? Falei para você evitar de me procurar aqui na
sede da minha fazenda.
- Mas eu preciso falar com você Joel. O assunto é sério.
Joel averiguou se tinha alguém além dos dois no escritório da sede da sua
fazenda e constatando que só estavam os dois fechou a porta.
- Diga Ernesto – falou Joel assim que fechou a porta – Espero que seja sério
mesmo a sua vinda aqui.
- Joel, você por acaso foi procurado ou conversou espontaneamente com o
Policial Medeiros?
- Por que está perguntando isso Ernesto? Qual seria meu interesse em um
assunto desses?
- Não sei, mas é que tive um sonho onde Medeiros me disse que você
contou todo o plano e então eu estava preso.
- Para de bobagens Ernesto. Sonho? Que plano Ernesto? Acho que você
está enlouquecendo!
- Mas o sonho era muito real. Acordei assustado demais.
- Você anda perturbado. Isso é invenção da sua cabeça. Agora que você
está com um bom dinheiro, acho bom você sair de férias e ir passear. Vê se
desaparece do meu caminho.
- Fiquei realmente impressionado com sonho.
- Lembra do que combinamos? Esse assunto morreu. Não sei de nada. Você
também não sabe de nada. Por sinal Ernesto, acho que jamais você deveria ter
vindo aqui em um pleno Sábado na sede da minha fazenda. O que faria um
funcionário do Hangar de Albuquerque aqui?
- Ora Joel, para todos os efeitos estou procurando trabalho. Lembra que já te
ajudei com isso há alguns anos atrás?
- Sim, sim. Mas prefiro que você fique longe de mim. É melhor assim.

84
Carlos Eduardo Milito

- Certo Joel. Então este assunto morreu mesmo?


- Não sei do que você está falando. Melhor assim? Some daqui Ernesto.
Saiba que se um dia eu quiser te procurar, eu saberei onde encontrá-lo.
- Tudo bem Joel. Tudo bem.
Ernesto se despediu e foi rapidamente embora com sua charrete. Joel estava
enfurecido pela presença de Ernesto na sede da sua fazenda. Intimamente
pensava:
- Só me faltava essa. Tudo saiu perfeito e agora esse idiota vem aqui com
uma conversa dessas. Não sei o que ele quer com isso. Sonho com Medeiros?
Isso é um absurdo. De repente ele está inventando tudo isso para tentar me
desestabilizar. Mas aonde ele quer chegar com isso? Que cara estranho!
Ernesto, já em sua charrete caminhando em direção ao centro de Jundiaí
também intimamente pensava:
- Ele parece que falou a verdade. Se ele abrir o jogo ele também se lasca.
Não tem como a culpa recair somente em mim. Mas não estou sossegado não.
Esse Joel é capaz de tudo. Se ele arquitetou o plano todo e me convenceu para
isso, ele pode muito bem arquitetar outro plano para me envolver. Tenho que ficar
bem esperto.

/ / /

Mestre Zuzo comentava na sede dos Transeuntes das Trevas com


Albuquerque que sabia que Ernesto havia ficado bem perturbado:
- Minha idéia deu certo Marcos. O tal do ajudante do piloto está doidinho.
Estou sabendo por serventes nossos que ele foi até falar com Joel agora pouco.
- Sério mesmo? Mas o que adianta isso?
- Calma Marcos. Continuaremos a fazer isso a ponto de enlouquecê-lo. Acho
que temos as portas abertas para fazer isso. Dessa forma, por exemplo, com
Ernesto à beira da Loucura tudo é possível que aconteça. Podemos influenciá-lo a
pegar uma arma e atirar em Joel por fantasiar que ele quer entregá-lo à policia.
Tudo é questão de tempo.
- Você acha que nós conseguiríamos isso?
- Isso para nós é um banquete. Se por influências nossas conseguirmos tirar
a vida terrestre de alguém é o máximo. O problema é que sempre existem outras
forças para atrapalhar. Mas temos que tentar, ainda mais pela fraqueza dele!
Nosso trabalho é esse.
- Conte comigo Mestre Zuzo. Estou cada vez mais afinado com o trabalho
daqui. Estou tomando gosto por tudo. Quero ver Joel deste lado para poder

85
As Moradas e os Segredos de Maria

enfrentá-lo de igual para igual. Vou esperar a cada dia sendo um fiel servente de
sua comunidade.
- Muito bem, Marcos. Agora você já está falando a nossa língua. Muito bem.

/ / /

Paulo Ribeiro chegou para Odete nas cercanias do casebre onde habitavam e
falou:
- Odete, já estou há vários dias por aqui e até agora não saímos dessas
imediações. Você falou em percorrermos locais tais como cidades onde posso
encontrar amigos e outros lugares, mas até agora não saímos daqui.
- É que você ainda não tem o domínio sobre seu novo corpo. Eu te vejo
ainda meio debilitado para sairmos por aí.
- Mas alguns amigos seus já passaram por aqui te convidando para vagar e
então poderíamos ter ido. Eu acho que estou bem.
- Se nós fôssemos, você iria dar trabalho Paulo. Depois, você sabe que tem
que se tomar cuidado com aqueles que querem nos levar para outros lugares
como já te falei. Você não estando cem por cento fica mais suscetível a isso. Você
quer virar escravo?
- Não quero.
- Então Paulo. Vamos ficar aqui por enquanto que está tudo bem.
- Mas o tempo está passando.
- O tempo para nós não importa. Tanto faz um segundo como um século. O
que não podemos é cair nesse papo de “gente elevada” que quer levar-nos para
“locais maravilhosos”. Tudo isso é balela. No fundo todos querem que trabalhemos
para eles.
- Está certo Odete. Vou então me basear no que você diz.
Paulo achava que se sentia bem desde a sua chegada, no entanto sentia uma
espécie de tontura que aumentava gradativamente dia a dia, mas achava isso
normal pela sua nova situação. Odete percebia sua enfermidade, mas não
comentava nada. Não pretendia excursionar mundo afora enquanto ele estivesse
assim.

86
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 23

“Morada Universo Solar ” – 26 de Março de 1.917

Era perto das dez horas da manhã daquela segunda-feira. O céu azul anil com
algumas nuvens lembrava um quadro pintado à mão. Ouvia-se o canto dos
pássaros que voavam entre as robustas árvores a poucos metros dali. O riacho
azul que margeava aquele imenso gramado mostrava sua água descendo
imponente e emitindo agradável som. As flores que rodeavam o imenso gramado
pareciam naquele dia ainda mais formosas. Por de traz daquele verde gramado
que estava sendo ocupado por todos havia um imenso lago de onde partia o
riacho. Tudo era de uma beleza imensurável. Não havia sequer uma cor ausente
daquele cenário. O azul e branco do céu mais o verde das vegetações eram
completados pelas inúmeras espécies de flores e outros tipos de vegetação na
margem do riacho e espalhados em outros cantos daquele quadro real. Lucas não
conhecia ainda o Vale das Flores. Pode constatar a sua beleza e intimamente
pensava ser aquilo incomparável às belezas naturais da Terra. Não havia melhor
local para recepcionar uma divindade como Maria.
O chamado Vale das Flores estava repleto de gente. Habitantes de todos os
palácios da Morada Universo Solar estavam lá presentes. Desde as primeiras
horas da manhã as pessoas vinham chegando. Aqueles que estavam em
trabalhos essenciais ficariam conectados a palestra em forma de pensamento. O
semblante de todos que ali estavam era de imensa paz e alegria. Os
governadores dos seis Palácios estavam ali presentes bem de frente ao lago, e
atrás deles toda a multidão. A um minuto das dez horas o toque contínuo de um
clarim começava a anunciar o acontecimento. A multidão ajoelhou-se como forma
de reverência. De repente no meio do céu azul surgiu um enorme feixe de luz que
parecia vir do infinito e se projetava sob o lago bem em frente a todos que ali
estavam. O feixe de luz foi ganhando corpo e engrossando gradativamente e em
sua proximidade surgia uma névoa esbranquiçada. Aquela névoa era como se
estivesse brotando das águas daquele belo lago, fazendo da cena um espetáculo
todo especial.
Vagarosamente começou a surgir no meio daquela névoa esbranquiçada a
imagem de uma belíssima mulher de pele bem clara, coberta com um manto de
cor branca, que encobria seus cabelos escuros e acompanhava seu vestido
também branco. Havia detalhes dourados no vestido que pareciam filetes de ouro.
Seu rosto apresentava feição incomparavelmente superior a qualquer beleza

87
As Moradas e os Segredos de Maria

humana. Seus traços aparentavam serenidade e seu semblante era sério. Ao seu
redor era visível uma aura dourada que dava a sensação nítida de seu tamanho
aumentado. Feixes de luz eram irradiados daquele belo lago e sustentavam sua
figura no ar uns cinco metros acima de toda a platéia. Todos ali presentes
conseguiam ver a cena como se estivessem de frente ao belo cenário.
Incomparável era a alegria e gratidão de todos ali por estarem tendo uma
oportunidade de encontro com uma divindade. Maria então começou a falar:
- Meus irmãos. Sou grata ao grande Arquiteto do Universo por poder ser uma
mensageira do bem. Tive permissão de excursionar nas moradas do nosso
Sistema Solar para agregar esforços para o trabalho que será realizado na Terra.
O apoio de seres astrais será de grande valia para isso. Por isso estou levando
essa minha mensagem em vários cantos onde nosso Sol irradia-se.
Maria que acabava de olhar para o astro rei que iluminava a todos ali
presentes continuou:
- Vocês estão tendo a grande oportunidade de elevação e de aprendizado
com o trabalho que juntos teremos daqui para frente. Durante o ano de 1.917
estarei incumbida de dar algumas provas de nossa existência para nossos céticos
irmãos da Terra. É com muita tristeza que nós estamos acompanhando por anos
tanta desordem por lá. Entra século e sai século, os homens se degladiam em
guerras. A vaidade e o egoísmo imperam de forma veemente. O mal vem sendo
praticado em todas as camadas sociais. Os manuscritos deixados por discípulos
do meu filho há quase dois milênios não vêm sendo interpretados da forma
correta. Poucos sabem o seu real valor, ou ainda, equivocadas traduções e
metáforas seguidas ao pé da letra fizeram com que o verdadeiro sentido da fé se
distorcesse.
Maria serenamente continuou com sua fala firme:
- Chegou a hora de iniciarmos a mudança. Para isso, o meu filho com a
permissão do grande Arquiteto do Universo decidiu que uma prova convincente
será necessária. Irei então surgir para três pastorinhos no interior de Portugal no
próximo dia 13 de Maio e assim farei por cinco meses seguidos. Dentre conselhos
e provas, revelarei cinco segredos para nossos irmãos terrestres que vivem na
matéria.
Após ligeira pausa Maria continuou:
- O que muitos deles não entendem é que é necessário o sacrifício para
galgar degraus na escala evolutiva. Isso acontecerá com nossos irmãos que foram
designados para a missão de levar minha mensagem para toda a humanidade.
Isso acontecerá também com todos aqueles que no início defenderem minhas
palavras. Nos próximos cem anos os meus segredos estarão desmistificados por

88
Carlos Eduardo Milito

completo e a Terra estará salva. Mas para isso, precisaremos trabalhar desde a
minha primeira aparição e por todos os anos seguintes. É preciso pregar a fé. É
preciso que a humanidade terrestre se desarme. Para isso a Igreja Católica será
utilizada como veículo. Meu imaculado coração triunfará. Serei associada ao nome
da cidade na qual aparecerei.
Maria fez uma nova pausa e continuou:
- Mas para que tudo isso ocorra, necessito do apoio de vocês, meus queridos
companheiros. Hoje sou uma mensageira de Deus, que necessita da sustentação
de todos os entes de luz existentes nos arredores da Terra. Estarei em Fátima no
dia 13 de Maio, e uma gigantesca arquibancada astral estará lá para que façamos
o trabalho de sustentação e vibração. Saibam que depois da rematerialização de
meu filho há quase dois milênios, este será o fenômeno de união do mundo astral
como o mundo físico mais importante dos últimos tempos. Quero então todos
vocês sintonizados todo o dia treze a partir de Maio até Outubro.
Todos os seres ali presentes permaneciam de joelhos reverenciando a
divindade. Sua voz era de uma doçura encantadora. Seu semblante sério e belo
apresentava um certo ar de tristeza. Era notável a preocupação de Maria com o
Planeta Terra. O seu trabalho estava sendo divulgado por todas as Moradas do
Sistema Solar. Ela agora precisava partir para continuar seu trabalho e então se
despediu:
- Então digo “até breve” tanto aos companheiros de luz que puderem me
acompanhar durante este ano como também aos demais que estiverem em
missões e impossibilitados de estarem lá, pois estes segundos , com a elevação
dos seus pensamentos nas datas das minhas aparições , também estarão
presentes. Fiquem com Deus!
A visita de Maria na Morada Universo Solar foi breve, no entanto marcante.
Todos permaneceram no Vale das Flores ajoelhados por mais alguns instantes.
Aos poucos, a Multidão foi se levantando e quando estavam de pé Mestre Jonas
pediu a palavra e disse a todos:
- Teremos muito trabalho pela frente meus queridos! Peço que voltem a vida
normal e contenham a ansiedade. Tudo tem seu tempo e chegará a hora das
nossas missões. Quero agradecer a presença de todos e até breve!
Durante a dispersão do pessoal, Lucas mentalizou o Mestre do Mestres e
agradeceu a oportunidade que tinha pela frente. Naqueles últimos dias ele não
teve tempo de pensar nas coisas materiais que ficaram na Terra, pois desde a
semana anterior com o curso, a sua reciclagem foi como um bálsamo nas
recentes feridas. O que ele tinha ouvido agora foi a coroação dos recentes
aprendizados.

89
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 24

Os dias foram passando a vida dos familiares de Albuquerque aos poucos foi
voltando à normalidade. Emília fazia questão de pedir para sua mãe Clarice vez
ou outra a chamar os familiares de Lucas para uma visita. O que acontecia é que
moça começava a demonstrar interesse por Laerte. Numa noite de quinta-feira
conversavam no escritório da mansão.
- Tenho percebido que você está interessada em Laerte minha filha! O brilho
dos seus olhos muda quando você fala nele.
- Imagina mamãe, ele é só um bom amigo. Ainda não esqueci Lucas.
- Você sabe que eu gosto dele Clarice! Não vejo mal nenhum, apesar das
nossas diferenças sociais. Eu o acho um bom rapaz e com grande potencial.
- Por enquanto somos amigos, mamãe. Tudo ainda é muito recente nas
nossas cabeças para um novo envolvimento.
- É verdade filha. Deixe o tempo cuidar dos nossos sentimentos. O que tiver
que ser, será.
- Obrigado pela compreensão, Mamãe. E falando nisso, você os convidou
novamente para o jantar amanhã?
- Sim, lógico. Eles estarão aqui amanhã à noite.
- Que bom mamãe.
- E Domingo, vou levar Lourdes à missa da nossa igreja. Depois, vou
apresentá-la ao D.Miguel.
- Fico feliz pela senhora e por eles também.
Enquanto isso na residência de Laerte, todos estavam na sala durante o jantar
e eles também conversavam:
- Leandro meu filho. Quero que você trabalhe conosco. Nosso comércio está
necessitando de mais gente trabalhando. Eu e sua mãe achamos que está na
hora de você ter um ofício. Você já tem vinte e dois anos, não que estudar então
nada mais justo que o trabalho. – disse Afonso.
- Não quero trabalhar como vendedor de roupas. Não quero ficar atrás de um
balcão! – respondeu bruscamente Leandro.
- Mas você precisa fazer algo meu filho. Não podemos te sustentar a vida
inteira. Não é certo isso!
- O trabalho de vocês não é para mim!
- Não diga isso Leandro. Todo o trabalho é digno! Acho que você poderia
muito bem ajudar-nos por hora e enquanto você procura algum trabalho que te
agrade. Que tal? – interveio Laerte

90
Carlos Eduardo Milito

- Lá vem o bonzinho da família se meter onde não deve. Agora que morreu o
Lucas, vem você com todo esse papo furado. Por que você não fica quieto Laerte?
– gritava Leandro
- Calma Laerte. Não fica nervoso! Estamos conversando!
- Para de me pedir calma. Você está falando igual ao Lucas. O que você
quer? Tomar o lugar dele? Não se preocupe que agora você é o queridinho da
família. Não precisa imitar o Lucas!
- Não estou imitando ninguém. Pare de por o Lucas no meio dessa estória.
Deixe-o em paz. Eu só quero o teu bem. Será que você não percebe isso.
- Para de pegar no meu pé!
- Meninos, parem com essa discussão idiota! – gritou Afonso que saiu da
mesa de jantar onde estava sentados e sentou no sofá da sala dizendo que estava
com palpitações de ouvir a discussão e ia começar a passar mal.
- Ta vendo o que você faz com o Papai? – disse Laerte para o irmão – Não
dá para você conversar civilizadamente com a gente!
Leandro se enfureceu, saiu da sala sem dizer nada, foi correndo ao quarto e
bateu a porta bem forte. Laerte já estava indo atrás dele para tirar satisfações
quando Dona Lourdes interrompeu:
- Não meu filho. Não vá ao quarto. Deixe-o só.
- É sempre assim mãe. Toda a discussão vocês o deixam ele pintar e bordar.
Por isso que vocês não conseguem se impor.
- O tempo, meu filho, irá fazê-lo amadurecer! – disse Lourdes.
- É possível. Mas enquanto isso ele vai continuar vivendo as nossas custas?
Isso não é certo. Não concordam?
- Concordo sim – disse Afonso – Mas vou admitir que errei na criação dele.
Eu poderia ter sido mais rígido desde quando ele era criança, mas não fui. Ele foi
o filho caçula e imaginávamos que a forma pela qual educamos vocês dois, mais
velhos, era ideal também para criá-lo. Não foi bem assim. Ele tinha outro gênio e
quando demos conta, ele já estava grande. É como uma erva daninha que quando
pequena a gente pode até tirar do caminho, mas depois que cresce tudo fica mais
complicado.
- E então o que fazemos? Resignamos-nos?
- Não sei o que fazer. Vamos deixar o tempo nos responder isso.
- Então na verdade temos que nos resignar mesmo – disse Laerte
Leandro saiu do quarto novamente batendo a porta e disse para todos que
estavam na sala:

91
As Moradas e os Segredos de Maria

- Há tem uma coisa: Amanhã não quero saber de acompanhá-los em casa de


grã-fino. Eu não vou e ninguém vai me obrigar a ir. Já fui uma vez com vocês e me
comportei bem por lá. Agora não! Chega!
- Tudo bem Leandro. Você quem sabe. – disse Laerte
- Eu é que sei mesmo. Não quero saber dessa gente.
Leandro retornou ao seu quaro e bateu a porta mais uma vez. Laerte comentou
com os pais:
- Melhor assim. Vamos considerar que ele ainda está abalado com a morte
do Lucas e age assim.
- Muito bem Laerte. – disse Dona Lourdes – Vamos ter um pouco mais de
paciência. Minha mãe dizia que a resignação que você questionava há pouco é
um atributo divino. Pena eu não ter a cabeça que minha mãe tinha. Ela lidaria
muito bem com tudo isso. As vezes lembro dos ensinamentos dela apesar de eu
não praticar. Paciência então Laerte!
- Está certo, mamãe. – concordou Laerte que olhou também para Afonso que
deu uma piscada de aprovação para ele.
Laerte sorriu e perguntou para o pai:
- Sente-se melhor, papai?
- Sim meu filho. Passou meu mal estar. Estou bem agora.
- Ótimo. Então venha. Levante-se. Vamos terminar nosso jantar.
Laerte pegou carinhosamente o pai pelo braço, ajudando-o a levantar-se do
sofá e o acomodou na cabeceira da mesa da sala de jantar. Em seguida sentou-se
ao lado da sua mãe e juntos terminaram tranquilamente a refeição.

92
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 25

“Morada Universo Solar” – 30 de Março de 1.917

Aquela semana havia sido de reflexões após a mensagem de Maria. Todos os


habitantes daquela morada vez ou outra se deparavam em conversas e
indagações do que estaria por vir na Terra. A vontade dos mais elevados em
trabalhar junto com a divindade era predominante. Era percebido o semblante
solícito e satisfeito quando a assunto era esse. Primeiramente o milagre da
rematerialização do filho há quase dois mil anos atrás para em breve a aparição
da mãe sucessivas vezes.
A caminho do Gabinete do Governador do Palácio da Sustentação, Lucas
naquela manhã de sexta-feira em companhia de Madalena indagava:
- Madalena, quando foi dito por Maria a palavra rematerialização, o que ela
quis dizer exatamente?
- Esse assunto é um pouco complexo no âmbito dos amigos terrestres. Se eu
fosse explicar ao pé da letra eu poderia dizer que é a união da vida astral com a
vida física enquanto isso ocorre. O grande exemplo disso foi a rematerialização do
Mestre dos Mestres. Foi chamado pela Igreja de ressurreição. Na verdade isso
ocorre quando a nossa roupagem astral ganha um atributo só compreendido e
explicado por seres mais evoluídos. Com isso, aqueles que possuem a roupagem
carnal, ou seja, aqueles amigos que vivem na Terra enxergam o “ser invisível”
como se ele fosse visível.
- Interessante. Eu imaginei que fosse isso.
- O que aconteceu com o Mestre dos Mestres, foi que todos na Terra
puderam enxergar e constatar o “milagre”. Alguns fenômenos de rematerialização
podem ser percebidos por alguns e não por outros. No caso de Maria, por
exemplo, não sabemos ainda como se dará esse fenômeno. Ela falou que irá
aparecer para três pastorinhos. Somente saberemos os detalhes e a percepção de
cada um deles no dia que isso ocorrer.
- Está claro, Madalena. Como foi dito para mim, estou “me reciclando” a cada
dia, pois esses conhecimentos já estão embutidos na minha mente. Necessito
apenas despertar para tudo isso.
- Sim. Isso mesmo. O que importa nessa fase é você não ficar ansioso. Saiba
que tudo tem o seu tempo e as coisas irão florescer gradativamente.
- Perfeito Madalena. Então aproveitando a conversa, me ajuda a reciclar algo
que também é relacionado com isso. É o seguinte: Sei que durante o sonhos dos
nossos amigos da Terra, suas roupagens astrais se desprendes e eles podem

93
As Moradas e os Segredos de Maria

vagar. Sendo assim, eles têm o atributo de nos enxergar? Isso não representa
uma rematerialização?
- Sim, eles têm o atributo de nos enxergar, mas depende do nível de
consciência deles e até mesmo da evolução deles. Dependendo o quanto esses
seres já evoluíram, eles podem ou não enxergar os que estão desprovidos da
roupagem carnal, ou seja, pessoas como nós. Uma regra básica é que os mais
evoluídos conseguem perceber os menos evoluídos e o contrário não ocorre. O
sono dos nossos amigos da Terra é um bálsamo para o corpo físico e o enquanto
isso, a roupagem astral por muitas vezes se desprende e pode ter contato
conosco sim. Ao despertar do sono, dependo o caso, o contato que eles tiveram
conosco pode ser interpretado como sonho por eles. É como se para eles
tivéssemos nos rematerializado sim.
- Interessante. Lembro que eu sonhava com minha avó mesmo depois de
adulto e ela se foi quando eu tinha sete anos.
- Isso mesmo. Vocês na Terra chamam isso de sonho, mas na verdade, você
se encontrava com ela. Dona Dora sempre te acompanhou. Em breve vocês se
reencontrarão na nossa Morada.
- Reencontrar minha avó? – questionou Lucas com água nos olhos – Que
emoção! Deixa-me controlar minha ansiedade, Madalena. Se eu pensar nisso
agora nem conseguirei conversar direito com o Mestre Jonas daqui há pouco.
- Exatamente. Tudo tem seu tempo.
Os dois seguiram caminhando em direção ao Gabinete do Governador
apreciando a divina paisagem. Lucas estava aguardando sua permissão para
começar enfim a trabalhar pela sua comunidade. Ele imaginava ser esse o motivo
de sua chamada junto a ele. Chegaram e entraram na sala do Governador.
- Olá meu querido Lucas. Como tem passado? – indagou Mestre Jonas.
- Muito bem. Estou me esforçando bastante para melhorar sempre e
aprender.
- Isso é um ingrediente. Se esforçar para melhorar e aprender! Mas a lei
universal fala do trabalho, e como você já deve imaginar, vim falar sobre isso
agora.
- É com muita alegria que recebo esta notícia.
- Lucas. Seu trabalho agora será o de acompanhar Madalena nas missões
de auxílio. Sei que você está preparado para esse árduo trabalho. Essas missões
são expedições do nosso pessoal às regiões da Terra onde vivem os nossos
irmãos de carne e osso. E esses especificamente, vivem em sintonias com seres
astrais das regiões nevoentas e obscuras. Existem na esfera da Terra vários
grupos chamados de “seres sem luz”. Alguns deles se organizam em

94
Carlos Eduardo Milito

comunidades para obsediar pessoas da Terra, outros preferem perambular sem


propósitos, e outros ainda se alimentam de tragédias e atrocidades. Temos todas
as espécies desses “seres sem luz”. O árduo trabalho que Madalena vem
desenvolvendo consiste em tentar trazer alguns esses irmãos para o encontro da
verdade. Além de desobsediar os irmãos terrestres dessas ignorantes criaturas,
estamos dando uma oportunidade a elas de tratamento para se tornarem um dia
seres de luz.
- Espero poder ser útil com essa minha nova atribuição.
- Com certeza será, Lucas. No decorrer do trabalho, Madalena lhe ensinará
todos os pormenores e como você tem que agir com cada situação. O importante
é fazer com amor o trabalho. Esse é o ingrediente básico do sucesso.
- Perfeito Mestre Jonas.
- Então nos veremos em breve. Até mais.
Lucas estava feliz. Sabia das dificuldades que teria pela frente, mas queria
isso. Via que todos tinham um ofício naquela comunidade. Queria também ajudar.
Sua vontade superaria qualquer dificuldade que teria pela frente.

95
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 26

“São Paulo ” – 01 de Abril de 1.917

Clarice acordava na manhã de um domingo ensolarado. O mês havia mudado.


As esperanças agora eram de um tempo melhor. Março havia sido um mês de
muita tristeza para ela e seus familiares, e agora, pretendia ter vida nova. Emília
estava com ela no seu quarto e as duas começaram a conversar:
- Foi muito agradável o jantar da última sexta-feira com os familiares de
Lucas, não achou minha filha?
- Sim, claro. Mas mamãe, por que mencionar sempre Lucas, quando se fala
neles?
- Desculpe filha, é o hábito. Entenda então “os familiares de Laerte”. Melhor
assim?
- Vamos deixar Lucas em paz. O jantar foi ótimo sim, minha mãe. Pena que o
Leandro não pode vir.
- Pelo que Lourdes me contou enquanto você estava na varanda com Laerte,
parece que eles brigaram feio e o rapaz se rebelou e não quis vir.
- Imagino. O Laerte não quis entrar em detalhes. Mas me conte. O que
aconteceu?
- A briga foi por causa de trabalho. Eles começaram a discutir por que Afonso
cobrou uma posição dele em relação a isso. Depois veio Laerte opinar também e
Leandro se irritou de vez. Acho que ele anda abalado com o que aconteceu com o
irmão e também falta maturidade nele.
- Que coisa hein mãe?
- Não é fácil. Mas Lourdes é uma pessoa resignada. Ela me disse que tenta
seguir um pouco os conselhos que a mãe dava a ela.
- Melhor assim! E por falar nela, vocês combinaram de ir a Igreja?
- Sim lógico. Nosso motorista foi apanhá-la e nos levará ainda pela manhã na
missa da dez. Deixa eu me aprontar então.
- Faça isso mamãe.
Clarice como católica fervorosa estava muito feliz em levar Dona Lourdes na
sua igreja naquele dia primeiro de Abril. A data era especial para a Igreja Católica,
pois seria celebrada a Missa do Domingo de Ramos. Ela se orgulhava em mostrar
seus conhecimentos religiosos para suas filhas e enquanto se aprontava a espera
de Dona Lourdes comentava:
- E além do quê, Emilia, hoje é Domingo de Ramos.
- A sim, é verdade. É o Domingo que antecede o Domingo de Páscoa.

96
Carlos Eduardo Milito

- Mas o seu real significado minha filha, é celebração da entrada de Jesus


Cristo na cidade de Jerusalém, que foi para lá celebrar a Páscoa Judaica com os
seus amigos, que depois se tornaram seus discípulos. Dizem que ele entrou na
cidade sentado em um burro, e depois, o povo cobriu o caminho por onde ele
passou com folhas de palmeiras e ramos de árvores. Isto era uma forma de
reverência a ele. Na verdade, esta atitude serviu para despertar ainda mais a ira
nos sacerdotes e mestres daquela época que se viram ameaçados de perder o
poder, e então, começou a trama para a sua condenação à morte.
- Mamãe, a senhora conta esta estória para nós desde criança. – disse
Emília entre vários sorrisos - Nós já sabemos muitas coisas da Igreja Católica. Por
que a senhora não conta esta estória também para Dona Lourdes?
- Claro que irei contar a ela no caminho da Igreja.
Dona Lourdes chegava à mansão por volta das dez e vinte da manhã. Estava
elegantemente trajada com as roupas daquela época. O Motorista de Clarice havia
apanhado e educadamente a acompanhou até a sala de visita daquela mansão e
pediu para ela aguardar. Alguns minutos depois Clarice desce a escada em
companhia das suas filhas.
- Olá Lourdes. Que bom que você aceitou meu convite.
- Ah sim. Acho que isso nos irá fazer bem, não acha?
- Lógico. Vamos andando, pois a missa irá começar às onze horas
As duas senhoras entraram no Ford Touring Car Modelo 1.916 que
Albuquerque havia importado no final do ano anterior e se dirigiam em direção ao
mosteiro São Bento que ficava a pouco menos de três mil metros da onde elas
estavam. Elas iriam percorrer um pequeno trecho da Av.Paulista de depois descer
toda a rua da Consolação em direção ao centro.
A celebração da missa seria realizada na Básica de Nossa Senhora da
Assunção. Além da Basílica, havia naquele local junto ao Mosteiro uma faculdade
de Filosofia. Todo esse conjunto beneditino teve sua construção iniciada em 1.910
com influência européia nos seus traços arquitetônicos. A obra já estava concluída
fazia três anos. D.Miguel Kruse, o respeitado e venerado diretor daquele mosteiro
iria celebrar aquela missa, dada à importância daquela data.
Enquanto o automóvel estava a caminho Clarice comentava:
- D. Miguel que irá celebrar a missa fez história na administração do
mosteiro.
- É verdade Clarice, Já acompanho seu nome pelos jornais já faz algum
tempo.
- Desde o início do século, quando ele assumiu a direção, fez um trabalho
fascinante. Inicialmente preocupou-se em dotar o mosteiro de um bom colégio

97
As Moradas e os Segredos de Maria

secundário. Surgiu então o Colégio São Bento. Posteriormente, surgiu a


Faculdade de Filosofia.
- Realmente o mosteiro evoluiu muito desde sua chegada. Tomara que ele
continue com saúde por muitos e muitos anos para poder ainda trabalhar mais.
- Com certeza. Ele tem muito ainda a fazer.
As duas continuavam a conversa dentro do confortável Ford, e logicamente
Clarice fez o mesmo comentário sobre o significado do Domingo de Ramos.
Diferentemente de sua filha, Lourdes respondeu.
- Que coisa Clarice. Tenho muito a aprender mesmo. Eu não fazia idéia do
significado exato dos Ramos. Agora está claro.
- Sou católica praticante desde quando casei. Por isso me interesso por
todos os assuntos da Igreja e de suas estórias.
- Muito bom Clarice.
Assim que chegou a Basílica, Clarice cumprimentava com gestos várias
pessoas que a conheciam por sua posição social. Em seguida se acomodou
juntamente com Lordes na quinta fileira aguardando o início daquela celebração. A
missa transcorreu normalmente e foi com muito gosto e atenção que elas
acompanharam e participaram da sagrada celebração.

98
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 27

“Morada Universo Solar ” – 02 de Abril de 1.917

Na manhã daquela segunda-feira, Lucas acordou com um pouco apreensivo


pelo primeiro dia de trabalho que teria pela frente. Madalena, notando o seu
estado logo falou:
- Bom dia Lucas. Vejo que você está com um semblante um pouco sério, não
é verdade?
- Sim Madalena. Eu não nego que me dá um pequeno frio na barriga o fato
de eu estar sendo designado para tarefas tão importantes. Tenho receio de não
conseguir fazer as coisas direito.
- Não pense nisso Lucas. Na verdade se Mestre Jonas te incumbiu de me
acompanhar e sabe do que você realmente é capaz. Essa sua preocupação é
passageira e acontece com todos. Da mesma forma, quando um excelente orador
na Terra é designado para falar para um grande público, nos momentos que
antecede seu discurso, ele se sente da mesma forma que você está se sentindo
agora. Então o que eu tenho a te dizer é para você relaxar e manter o pensamento
elevado sintonizando o Mestre dos Mestres e Maria.
- É bom ouvir suas palavras Madalena. Isso me revigora. Seguirei seus
conselhos então – ponderou Lucas já com um semblante mais calmo.
- Então vamos caminhando. O veículo astral nos aguarda. Nosso destino
será a Terra nas proximidades de um hospital na Cidade de São Paulo. No
entanto nosso contato será com uma criatura que perdeu sua roupagem astral há
vários meses, e desde então, ela vem sendo aprisionada por um grupo de pouca
luz. Eles ficam vagando por lá se misturando a pessoas providas de roupagem
carnal e querem ter a mesma vida delas. Em alguns momentos, essa pessoa que
está aprisionada faz preces pedindo ajuda e desejando sair dessa vida. Nossa
missão é conseguir trazê-la e libertá-la desse grupo.
- Então vamos Madalena.
Lucas e Madalena se despediram de Antero que mais tarde teria outras
atribuições pela Terra. Eles saíram daquela casa, caminharam alguns metros e se
dirigiram para o veículo astral que estava sob o gramado. Em seguida entraram e
se acomodaram. Madalena levou as duas mãos para a face, com os dedos na
testa e as palmas das mãos em cima dos olhos que se fecharam. Curvou a
cabeça, levando o queixo em direção ao peito e ficou em silêncio por cinco
segundos. A porta do veículo astral se fechou e mal Lucas havia sentido o
movimento de locomoção, a porta se abriu e Madalena disse:

99
As Moradas e os Segredos de Maria

- Chegamos. Estamos nas imediações da Beneficência Portuguesa. Note


que a construção do hospital foi feita em um terreno montanhoso. Nesse aclive
pegado ao hospital é que o grupo ao qual me referi fica “hospedado”. Eles
cristalizaram com o poder da mente um “local” para viverem e então aprisionam
algumas criaturas que deixam a roupagem carnal. Eles se afinam com o tipo de
pessoas que estão agonizando com doenças terminais. O caso de nossa amiga
Estela é exatamente esse. Ela lutou contra uma pneumonia por alguns meses e
no final do ano passado não resistiu. Agora teremos esse trabalho pela frente.
- Estou reconhecendo esse local. Só que agora vejo mais coisas além das
construções materiais. Creio que nosso estado nos dota desse atributo. Estou
vendo esse grande casarão pegado ao hospital que eu não via antes. Percebo
também uma névoa acinzentada que esta envolvendo esse lugar – comentava
Lucas que junto com Madalena se aproximava do casarão.
- Isso mesmo Lucas. Esse casarão foi cristalizado por eles. Perceba também
o movimento das pessoas entrando e saindo dele.
- Sim. Estou conseguindo distinguir também os habitantes da terra das
pessoas desprovidas de roupagem carnal. Não sei explicar, mas acho que agora
isso está claro para mim. No casarão só vejo pessoas como nós entrando e
saindo dele.
- Só que tem uma diferença Lucas. Esses seres desprovidos da roupagem
carnal que entram e saem do casarão são seres de pouca luz. Dá para perceber
isso, pois há uma espécie de aura negra que envolve todos eles.
- Dá para notar isso em cada um deles sim, Madalena. Alguns com maior,
outros com menor intensidade, mas parece que todos possuem essa aura.
- Todos estão na mesma freqüência. São seres com total desconhecimento
da verdade. Agora entraremos no casarão e não seremos percebidos por eles.
Isso acontece, pois os seres menos evoluídos não conseguem perceber os mais
evoluídos. Se quiséssemos aparecer para eles, seria necessário então moldar
com o nosso poder da mente nossa roupagem astral para isso. Faremos isso
para que apenas Estela nos enxergue assim que estivermos com ela.
- Vamos entrar então. – disse Lucas que já estava próximo a porta do
casarão.
- Sim, vamos. Mentalize o Mestre dos Mestres e agradeça a ele a
oportunidade de mais uma missão de auxílio. Faremos isso com muito amor e
dedicação.
Lucas e Madalena entraram no casarão sem serem percebidos por ninguém.
Subiram uma escada de madeira que servia a vários aposentos. Chegaram na
frente da porta do quarto onde Estela estava e viram dois homens com aparência

100
Carlos Eduardo Milito

em torno dos cinqüenta anos e vestidos de branco como médicos. Com um


sotaque francês conversavam do lado de fora:
- Jaques, acho que vamos perder Estela hein?
- Não diga isso Pierre. Temos planos para ela.
- Ela vive pedindo ajuda, pois acha que ainda está no hospital. Isso nos
atrapalha.
- Por isso mesmo que temos que mostrar a ela que já está curada da
pneumonia e convencê-la a entrar para a nossa comunidade.
- Não estou otimista Jaques. Essas coisas já aconteceram antes. Vem gente
de outros grupos, que para nós são invisíveis e resgatam nossos pacientes.
- Temos que vigiá-la e tentar enfraquecer sua mente.
Lucas e Madalena se aproximaram de Estela que estava prostrada na cama.
Sua aparência era como se estivesse ainda com a enfermidade que lhe acometera
meses atrás. Sua cor era amarelada. Seus olhos fundos e um olhar perdido. Sua
aparência de uma mulher de trinta anos parecia mais envelhecida pelo sofrimento.
Naquele momento, os dois falsos médicos se distanciaram daquele cômodo e
Madalena carinhosamente colocou sua mão direita na testa de Estela e disse:
- Olá Estela. Meu nome é Madalena e este aqui ao meu lado é Lucas.
Viemos te ajudar. Você tem rogado ajudas aos céus. Sua fé nos trouxe até aqui.
- Estou muito doente. Faz muitos anos que não tenho ninguém neste mundo,
e agora até meus amigos me abandonaram. Ninguém mais vem me ver.
- Não pense nisso Estela – ponderou Madalena – As coisas não são bem
assim como você imagina. Tudo se transforma constantemente.
- Eu estou vivendo amargurada. Minha doença que não melhora, e meus
amigos se foram. Aqui estou com muitos estranhos cuidando de mim sem muita
presteza. Já não basta que ao nascer fui abandonada?
- Tudo terá uma explicação, minha querida Estela. Não se amargure. Você
precisa se fortalecer. Você costuma a ter lampejos de fé mas depois esmorece. É
preciso elevar mais os seus pensamentos.
- Eu era diferente sim. Mas desde quando Tia Marta que me criou se foi, eu
realmente fiquei um pouco cética. Quando nasci abandonada e fui criada por essa
senhora que era minha referência. Ela se foi faz uns dez anos, e desde então eu
vivo deprimida e periodicamente estou doente.
- Tia Marta sempre está com você. Ela ainda te ama muito. Você ainda não
conseguirá vê-la, mas depois que você fizer um tratamento conosco em nosso
local apropriado, poderá reencontrá-la.
Estela se emocionou. As lágrimas corriam no seu rosto. A presença dos dois
com suas auras claras e iluminadas juntamente com as palavras que ouvia lhe

101
As Moradas e os Segredos de Maria

dava uma sensação de paz e de tranqüilidade. Ela sentia muita ternura e carinho
por parte dos dois. Apesar disso, ela ainda não entendia direito o que havia lhe
acontecido. Estela questionou:
- Então ela virá me buscar? Estou deixando este mundo? Estou morrendo? É
isso? Vou morrer então? – questionava Estela com um ar de preocupação.
- A chamada “morte” é algo que não existe Estela. Essa palavra é usada aqui
neste mundo e encarada por muitos como o final de tudo. Isso na verdade nada
mais é do que uma etapa no processo evolutivo do ser humano. A palavra mais
apropriada seria transformação.
- Mas o que vai acontecer comigo?
- Acalme-se Estela. Viemos te ajudar. Tente manter-se equilibrada. Se você
entrar em desespero agora, irá ficar presa aqui junto a esses companheiros e não
conseguiremos te ajudar.
- Mas eu não quero morrer! Eu não quero morrer!
- Você não vai morrer Estela. Você precisa confiar nos seus amigos. Você
rezou para Deus pedindo ajuda quando estava sendo maltratada neste mesmo
quarto não foi mesmo? Tente então agora, fechar os seus olhos e elevar seu
pensamento e imaginando-se num local bem bonito, todo florido cheio de
vegetações coloridas e muita paz. Agradeça as forças superiores por você estar
melhorando da sua enfermidade – interveio Lucas, que foi intuído a dizer todas
essas palavras para Estela.
Estela seguiu o conselho de Lucas e fechou os olhos. Então elevou seu
pensamento. Sua sensação de mal estar diminuía à medida que permanecia com
o pensamento elevado. O aparente medo da morte cessou-se. Naquele exato
momento uma irradiação branca era emanada dos dois e envolvia Estela. Ela
sentiu uma sensação de carinho e sua impressão era de que conhecia os dois de
muito tempo. Surpreendentemente ela levantou-se da cama e deu dois passos em
direção a eles. Ela abraçou Lucas e depois Madalena. Chorou de emoção.
Madalena fez um gesto indicando o caminho que ela tinha que seguir e
calmamente tomou Estela pelo braço e começaram a caminhar. Imediatamente
surgiram Jaques e Pierre dentro do quarto. Eles viram somente Estela com uma
aparência muito calma que não demonstrou reação pela chegada dos dois. Eles
ficaram surpresos por vê-la de pé. Sem perceber a presença de Lucas e Madalena
Jaques logo questionou:
- Estela, você não devia ficar fora da sua cama. É melhor deitar-se
- Me sinto melhor, Dr.Jaques Quando mentalizo as forças superiores me
refaço.

102
Carlos Eduardo Milito

- Não faça isso Estela. Você ainda tem que repousar o máximo, e
principalmente a sua mente.
- Eu não acho. Veja só como são bons os efeitos – falou Estela para os dois
falsos médicos e em seguida fechou os olhos e pensou em Deus agradecendo
sua melhora.
- Não! Não! Pare com isso!!
Estela ao agir com o seu poder da mente foi imunizada com uma aura
cristalina que envolvia todo o contorno do seu corpo. Jaques e Pierre tentaram
tocá-la e não conseguiam. Ela possuía uma espécie de barreira magnética e não
poderia ser impedida de passar por aquela porta. Lucas logo interveio:
- Muito bem Estela. Continue com seus pensamentos e nos acompanhe.
Vamos sair do quarto. Não se perturbe com as interferências deles o de outros
que eventualmente se depararem com você no caminho.
- Certo Lucas. Vou continuar orando e acompanhando vocês.
- Ótimo, Estela! Continue fazendo isso.
Lucas e Madalena ampararam Estela e a colocaram no meio dos dois. A aura
cristalina começou a aumentar de tamanho envolvendo os três. Em seguida
Madalena pediu para Estela dar sua mão direita a ela e a sua mão esquerda ao
Lucas. Jaques e Pierre só conseguiam ver Estela que com um semblante calmo e
feliz que começava a caminhar para fora do quarto. Jaques logo falou para Pierre
- Pierre, você tinha razão. Estamos perdendo Estela. Não podemos fazer
mais nada. Vieram buscá-la. Agora ela não nos pertence mais.
- Eu te avisei Jaques! Malditas preces! Maldita fé! Isso nos derrota!
Os três desceram a escada tranquilamente, ultrapassaram a porta de entrada e
caminharam mais alguns metros em direção ao veículo astral. Entraram
tranquilamente no seu interior e em poucos segundos a nave fechou sua porta e
rasgou o céu.

/ / /

O veículo astral chegou a um local onde Lucas ainda não conhecia. O Palácio
da Cura. Sua beleza natural era encantadora assim como toda a Morada Universo
Solar. Havia vastas vegetações, cores por toda a parte e o som dos pássaros
cantarolando. Assim como no Palácio da Sustentação, ali eram encontradas
diversas casas situadas ao longo dos gramados. Havia naquelas cercanias uma
alameda principal com uns cinco metros de largura, toda decorada no seu solo
com paralelepípedos. Aquela vasta e formosa via, toda cercada por longas e
robustas palmeiras, era o caminho que levava a um edifício de estilo europeu que

103
As Moradas e os Segredos de Maria

lembrava um pouco as escolas do Palácio da Educação. No entanto, aquele


prédio abrigava o chamado “Centro de Recuperação”, o que equivalia à um
hospital da Terra.
O destino de Estela por ora seria aquele. Ela necessitava maiores cuidados.
Estava com o seu corpo astral lesado desde antes da sua morte física. A região
dos pulmões necessitava um tratamento apropriado. Ela iria receber ali todo o
carinho e apoio de pessoas designadas para isso. E com o passar do tempo,
estes serventes iram elucidar gradativamente o que ocorreu de fato com ela.
Madalena e Lucas acompanharam Estela até um aconchegante quarto e fizeram-
na repousar em uma confortável cama. Dentro do quarto estava um homem todo
de branco com uma fisionomia alegre, que os recebeu sorrindo. Tinha uma
aparência de uns trinta anos. Assim que Estela deitou-se ele logo falou:
- Olá Estela, o meu nome é Fabrício. Eu serei a pessoa responsável pelo
seu tratamento. Quero agora que você descanse. Depois que você estiver um
pouco mais refeita, eu estarei sempre aqui para ajudá-la a elucidar suas dúvidas.
Nossos amigos Lucas e Madalena terão que ir agora, mas eles voltarão para vê-la
em breve.
- Eu sei que posso confiar em vocês. Desde quando me deparei com Lucas e
Madalena eu senti boas intenções neles.
- Isso mesmo. Nós queremos o seu bem
- Mas onde estou? O que aconteceu comigo?
- Já que você confia em nós, pedimos para que primeiro descanse bastante,
e depois nós esclareceremos tudo para você. Tudo bem?
- Está certo. Então até mais Lucas. Obrigado. Até mais Madalena! Foi muito
bom conhecê-los.
- Até breve Estela – disseram Lucas e Madalena quase que
simultaneamente.
Os dois se despediram de Estela e Fabrício e seguiram para a Morada
Universo Solar. Lucas estava feliz pelo seu primeiro dia de trabalho. Madalena
olhava para ele sem dizer nada, mas com um olhar de aprovação pelas suas
intercessões no trabalho. Começava uma nova era para Lucas.

104
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 28

“Fazenda São Paulo ” – 04 de Abril de 1.917

Era uma quarta-feira comum na fazenda São Paulo. Tudo parecia calmo. Joel
acabava de despachar com Pedro que ao sair da sala se deparou com Ernesto
que acabava de chegar.
- Pois não. O senhor é o seu Ernesto, não é mesmo? – perguntou Pedro.
- Sim. Sou eu mesmo. Eu gostaria de falar com o Sr. Joel. Ele se encontra?
- Sim, deixa eu avisá-lo. Um momento só por favor.
Enquanto Ernesto aguardava do lado de fora em um sofá na sala de espera,
Pedro entrou, fechou a porta, e comunicou seu patrão:
- Seu Joel, você lembra-se daquele funcionário que trabalhou no Hangar
para o Albuquerque?
- Ah sim. O Ernesto? O que tem ele?
- Ele está aqui fora e quer falar com você. Pedi para ele aguardar.
Joel enrubesceu de raiva e intimamente pensava o que ele queria desta vez.
Pedro percebeu o desagrado de Joel pela presença de Ernesto e mesmo sem
entender nada falou:
- Acho que ele está em busca de trabalho. Depois da tragédia ele acertou as
contas com a viúva e agora deve estar procurando algo para fazer.
- Deve ser. Deve ser. Mande-o entrar e me deixe a sós com ele. Quero ver o
que ele quer.
- Perfeito patrão. Vou pedir para ele entrar.
Ernesto entrou no escritório da sede e Joel pediu licença a Pedro após ter-lhe
passando algumas atribuições e em seguida trancou a porta. Pedro não se
conteve. Por ter percebido a reação do seu patrão quando soube da presença de
Ernesto queria entender o motivo. Deu então a volta por de traz da sede, e se
posicionou em um local estratégico, perto da janela daquele escritório sem que
ninguém o percebesse. Dali ele conseguiria ouvir a conversa dos dois.
- O que você quer agora Ernesto? Já não falei para você não me procurar
aqui? Você quer me comprometer? Me deixa em paz.
- Ando muito perturbado. Meus pesadelos se repetem e neles o Medeiros diz
saber de tudo. Será que não há riscos mesmo dele descobrir alguma coisa?
- Isso é um absurdo. Lá vem você com essa estória de novo. Desaparece da
minha vida!
- É por isso que estou aqui Joel. Quero ir embora do Brasil. Quero de fato
desaparecer.

105
As Moradas e os Segredos de Maria

- Então some. É um favor que você faz.


- Vou sumir sim Joel, mas para isso preciso de dinheiro.
- Mais dinheiro? Não te devo nada!
- Você pensa que é fácil começar uma vida fora? Preciso de mais dinheiro.
- Mas você já ganhou muito. Tive que me desfazer de grandes posições para
fazer o meu acerto com você. Você foi muito bem pago pelo serviço.
- O que eu tenho não dá para começar uma vida fora.
- Então se vira, Ernesto. Some daqui. Não aparece mais na minha fazenda. É
uma ordem!
- Quem é você para me dar ordens Joel. Sou um homem livre e virei aqui
quantas vezes eu achar que for preciso.
- Cuidado, rapaz! Estou te avisando.
- Está me ameaçando? Cuidado você Joel. Estamos no mesmo barco. Vai
fazer o que? Contar para o Medeiros?
- Posso fazê-lo sumir para sempre, se continuar me aborrecendo.
- Há há há. Veja só o que estou ouvindo. Eu sei do que você é capaz Joel. É
bom saber que para você eu também sou mais uma pedra no seu caminho. Mas
saiba que além de eu não ter medo de ameaças, também sou perigoso.
- Vai embora daqui Ernesto. Nunca mais apareça. Esqueça esse assunto de
dinheiro. Desaparece!!
- Não quer mais visitas minhas? Vou considerar que você está ficando louco
para não entrar em guerra contigo. Estou indo.
- Louco está ficando você com essa estória de sonhos. Para de arrumar
pretexto para tentar arrancar mais dinheiro meu. Some. É para o seu bem.
- Vou embora sim, mas volto quando quiser e ninguém vai me impedir de vir
aqui. Entendeu? Passar bem Joel.
Ernesto sai batendo a porta do escritório e logo pegou sua charrete em direção
ao centro de Jundiaí. Joel estava furioso. Naqueles segundos foi tomado por uma
ira incontrolável. Se pudesse daria fim no Ernesto. Seu corpo ficou encoberto por
um contorno de cor cinza de uma espessura de dez centímetros. Aquela névoa
escura atraia muitos seres desprovidos de roupagem carnal que vagavam a ermo
pelos cantos da Terra. Alguns deles zombavam de Joel, outros sussurravam ao pé
do ouvindo instigando ainda mais o seu ódio. Outros ainda se deliciavam com seu
alterado estado de humor. Alguns serventes dos “Transeuntes das Trevas” que
estavam a serviço na Terra também se aproximaram de Joel e depois contariam o
fato presenciado para os amigos Mestre Zuzo e Albuquerque.

/ / /

106
Carlos Eduardo Milito

Naquele fim de tarde, Pedro ao chegar em casa comentava com a esposa


sobre a conversa o que escutou entre Joel e Ernesto.
- Flora minha querida, estou assustado com Joel.
- Que foi Pedro, você está pálido.
- Depois que ouvi uma conversa do patrão com uma pessoa, não consegui
ainda associar as idéias e fiquei meio perdido no período da tarde.
- Mas o que aconteceu?
- Ele pagou muita quantia em dinheiro para um tal de Ernesto fazer alguma
coisa para ele.
- Como assim? Quem é o Ernesto?
- O Ernesto é ex-funcionário do Hangar de Albuquerque. É aquele rapaz que
ajudava o piloto. É dele que estou falando.
- Você comentou dele comigo. Sei quem é. O Joel devia algum dinheiro a
ele?
- Não é isso Flora. Joel o procurou para fazer alguma coisa e pagou muito
bem para isso. E sei que é algo ilegal, pois eles comentaram sobre o Pocilial
Medeiros, que nunca pode saber disso.
- Você tem certeza disso?
- Sim. Ouvi muito bem a conversa dos dois. Por isso estou assustado.
- Não se mete nisso Pedro. Faz de conta que você não sabe de nada. Pode
sobrar para você.
- Não vou me meter, mas queria saber o que negociação é essa do Joel com
o tal do Ernesto.
- Esquece esse assunto, Pedro. Por Deus.
- Acho que foi esse tal de esse Ernesto ajudou Joel há alguns anos atrás
numa intermediação de café. Não tenho certeza se foi ou não ele. Se for, acho
muito curioso o fato de ele ter conseguido o trabalho como mecânico do Hangar
de Albuquerque. Não tem nada a ver com o que ele faz.
- Para de mexer nisso Pedro. Se tiver alguém errado nessa estória, um dia a
justiça de Deus se fará presente.
- Flora minha querida, acho bom você ser católica praticante, mas não é por
isso que devemos ficar inertes e deixar as coisas acontecerem por si só. Eu só
acho que se Ernesto é um falso mecânico, ele está envolvido no desastre de
Albuquerque. E Joel também!
- Meu Deus. Isso é muito grave! Que Albuquerque e Joel não se bicavam nós
até sabemos, mas para chegar nesse ponto o ódio dele devia ser muito maior do
que podemos imaginar. É difícil de acreditar em um plano desses.

107
As Moradas e os Segredos de Maria

- Vou ficar calado, Flora. Mesmo por que eu não tenho provas. E mesmo que
eu tivesse, não poderia fazer nada, pois eu conheço a índole de Joel e sei que ele
capaz de tudo. E tem também o fato de eu ser o funcionário de confiança dele e
assim tenho que mostrar a ele uma certa cumplicidade nas “atrocidades” que ele
faz. Infelizmente tenho que fingir isso para manter o emprego. Então você tem
razão Flora. É melhor eu não me meter nisso.
- Que bom que você tem boa cabeça, querido! Você ainda terá recompensa
por ser assim.
- Como você disse, é melhor eu ficar quieto mesmo desconfiando de tudo
isso.
Pedro era o braço direito de Joel que depositava toda a sua confiança nele.
Trabalhando na Fazenda São Paulo há mais de dez anos, conhecia muito bem
todo o seu funcionamento, e assim pretendia no futuro comprar algumas terras
para tornar-se também fazendeiro. Ele achava que com e seu conhecimento que
estava adquirindo ao logo desses anos, ele poderia um dia prosperar. Esse era
mais um motivo para ele se manter em silêncio.

108
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 29

“Fazenda Terra Nova ” – 13 de Abril de 1.917

Nas primeiras horas da manhã daquela sexta-feira Paulo Ribeiro estava


prostrado na cama daquele casebre. Odete sempre tentava com palavras consolá-
lo dizendo que ele vivia agora uma nova fase e se restabeleceria em breve. Fazia
um mês que ele havia perdido a roupagem carnal e ele só piorava. Sentia
tonturas. Sua sensação de enjôo e mal estar eram freqüentes e ele mal conseguia
sair da cama. Vários seres que perambulavam naquele local vez ou outra
passavam por lá visitando Odete e até tentavam anima-lo. No entanto, tudo era
em vão. Ele aceitaria qualquer tipo de ajuda. Com a voz fraca e cansada falava
com Odete.
- Eu não ando bem Odete. Estou piorando.
- Por isso mesmo que venho te acompanhando todo esse tempo. Você tem
que ter paciência que uma hora melhora.
- Como melhora Odete? Qual é remédio para isso?
- O remédio é esperar!
- Preciso de ajuda Odete. Estou sofrendo. Deve ter alguém como nós que
pode me ajudar. Chame alguém Odete. Por favor!
- Não vou chamar ninguém. Já te falei que você corre risco de ter que
trabalhar para essas pessoas.
- Não importa. Eu prefiro ser escravizado e me sentir melhor do que levar
essa vida aqui.
- Não diga isso Paulo. Você não sabe o que está falando.
Paulo sofria muito. Após ouvir essas palavras de Odete, sentiu uma intensa dor
abdominal e começou a chorar por isso. Enquanto Odete o observava com um
olhar de indiferença, Paulo em prantos fechou os olhos e começou a orar. Sem
que Odete soubesse, rezou com muita fé pedindo a Jesus que fosse ajudado.
Durante sua vida na Terra Paulo nunca foi católico praticante, no entanto,
acreditava que algo superior regesse o mundo. Após rezar um Pai Nosso de olhos
fechados, gemendo de dor e em prantos, pensava:
- Rogo aos céus ajuda! Peço perdão por todos os meus pecados. Quero ser
acolhido. Meu Jesus, me ajude!
Naquele momento, uma grande claridade entrou pela janela daquele casebre
ofuscando a visão de Paulo. O ambiente começou a ganhar uma névoa
esbranquiçada. Paulo continuava suas preces e seus pedidos de ajuda. Odete
ficou inerte sem saber o que fazer. Imaginou que Paulo estava rogando ajudas e

109
As Moradas e os Segredos de Maria

não tinha forças para impedir suas ações. Pretendia esperar alguns momentos
para tentar tomar alguma providência.
/ / /

Enquanto isso, no Palácio da Sustentação da Morada Universo Solar,


amanhecia o dia na vila onde se situava a casa que abrigava Lucas, Madalena e
Antero. Os três já estavam na espaçosa e aconchegante sala se preparando para
mais um dia de trabalho quando receberam uma chamada pelo globovisor que
havia ali em uma mesa de centro bem defronte aos sofás. Era o amigo Felipe do
Palácio da Comunicação:
- Bom dia amigos! Recebemos um chamado da Terra. Nosso governador
sugeriu que vocês atendam, pois Lucas, além de conhecer a pessoa que roga
ajuda, já vem a alguns dias atuando com presteza e eficiência em chamados
desse tipo.
- É com muita alegria que recebemos esse trabalho de hoje. Estou pronto –
respondeu Lucas.
- Ótimo meu rapaz. Madalena e Antero irão te acompanhar. Vocês tentarão
trazer uma mais uma pessoa para nossa morada. Trata-se de Paulo Ribeiro. Ele
precisa ser encaminhado ao Palácio da Cura.
Lucas sentia-se equilibrado para tarefas desse tipo. Já fazia uma semana que
ele em companhia de Antero e Madalena, atuando por vezes em grupo de dois e
por vezes em grupo de três, estava indo a Terra em missões de resgate. Desta
vez, no entanto, seria diferente, pois conheceu o piloto Paulo Ribeiro por lá. Seria
a primeira vez nesse intervalo celestial que ele iria se deparar com alguém que
havia conhecido na Terra. Além do mais, se encontraria com alguém que estava
com ele no momento do desastre. Alguém que pilotava aquele avião. Tão grande
era o equilíbrio de Lucas que ele nem pensou nisso. Ele queria executar a tarefa
com eficiência. Ele queria de fato acolher o amigo como estava fazendo com
todos: Com muito amor.
Os três pegaram o veículo astral e se dirigiram para o casebre onde estava
Paulo e Odete. Ao chegar às cercanias do casebre notaram que um feixe de luz
vindo do céu penetrava pela janela. Antero falou para os dois:
- Paulo está fazendo preces e esse feixe vem do Palácio da Comunicação.
Isso facilita ainda mais o nosso trabalho. A névoa esbranquiçada que está dentro
da casa também é conseqüência disso. Vamos entrar.
Os três entraram no casebre e Odete permanecia inerte e sem forças de falar.
Além disso, ela não percebeu a presença de mais ninguém além de Paulo por lá.

110
Carlos Eduardo Milito

Assim que se aproximaram da cama, Paulo ainda com muita dor e rezando notou
a presença dos três em forma de vultos não reconhecendo inclusive Lucas.
- Levem-me daqui. Eu preciso de ajuda. Por Deus!
- Acalme-se Paulo. Viemos te ajudar – interveio Madalena
- Os anjos ouviram minhas preces. Graças a Deus!
- Continue orando Paulo, que em breve você adormecerá e sua dor cessará.
Confia nos amigos.
Lucas e Madalena esticaram o braço direito sobre a testa de Paulo que
adormeceu. Enquanto isso, Antero se aproximou de Odete e se concentrou
fechando os olhos por cinco segundos. Odete avistou Antero na sua frente que
para ela surgiu como um relâmpago. Carinhosamente, ele a convidou para se
retirar do casebre e começando a dialogar:
- Odete minha querida, Paulo estava sofrendo e rogou nossa ajuda. Viemos
buscá-lo.
- Eu logo imaginei. Ele não devia ter feito isso.
- Paulo não está bem. Sua roupagem astral necessita de cuidados na região
do abdômen. Não são só os seres providos de roupagem carnal que carecem de
tratamentos médicos. Isso acontece também conosco.
- Isso é tudo conversa mole. O que iria acontecer com ele? Ia morrer duas
vezes?
- Lógico que não. Mas ai recuperação da roupagem astral é mais demorada,
e então a pessoa sofre muito como se de fato estivesse na Terra com toda a dor
física. Assim, ela também fica impossibilitada de evoluir e crescer.
- Lá vem vocês de novo com essa conversa de evoluir.
- Odete, por que você também não nos acompanha? Creio que você também
necessita de cuidados na região da cabeça.
- Deixe-me aqui. Não quero saber de vocês.
- O que nós queremos é mostrá-la o caminho da verdade. É só isso. Você
não é uma pessoa de índole má. Falta a você apenas esclarecimento. Venha
conosco.
- Não quero ir. Sinto-me bem aqui.
- Fique à vontade então. Mas se um dia quiser buscar o verdadeiro sentido
da vida maior, pode nos chamar. Certamente você saberá como fazer isso.
Madalena e Lucas acompanhavam Paulo em direção ao veículo astral. Ele
ainda não conseguia distinguir Lucas entre eles. Enquanto isso, Antero se
despedia de Odete. Agora eles partiriam em direção ao Palácio da Cura para
encaminhar o paciente para um intenso tratamento.

111
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 30

“São Paulo” – 20 de Abril de 1.917

Era uma noite de sexta-feira quando pela primeira vez Emilia pediu para Laerte
vir só em sua mansão na Av. Paulista. Desde o acidente eles vinham se
encontrando com certa freqüência. As famílias estavam tentando se aproximar. No
primeiro Domingo do mês Clarice e Lourdes haviam ido juntos a uma missa, e no
final de semana seguinte se encontraram novamente para celebrar a Páscoa. Na
última semana, por duas vezes tomaram um chá juntas durante algumas tardes
paulistanas. A presença de Laerte na sua casa deixava Clarice muito feliz. Ela
fazia questão de deixá-los a vontade na sala de visitas conversando.
- Emilia. Ainda me preocupo muito com meu irmão Leandro. – dizia Laerte –
desculpe te cansar novamente com esse assunto, mas às vezes preciso
desabafar.
- Estou aqui para isso Laerte. Você pode se abrir comigo quantas vezes
quiser. Sei que a situação que vocês vivem requer paciência e resignação.
- Você acredita que ele tem pegado com alguma freqüência algum dinheiro
da nossa loja sem falar nada para nós. Isso é apropriação indébita.
- Isso é grave. Vocês conversaram com ele?
- Meu pai não fez isso por que não sabe. Eu que controlo toda a parte
financeira do comércio de roupas. Então ontem à noite eu estava a sós com
Leandro e abordei esse assunto com todo o tato e ainda tive que ouvir para
segurar as pontas, pois ele irá devolver tudo e muito mais.
- Que coisa hein? Por que você não põe o seu pai a par de tudo para
pressioná-lo ainda mais?
- Quero poupar a saúde de meu pai. Vai que dá alguma coisa por isso, então
eu ficaria com remorso. Eu que tenho que resolver sozinho isso. O pior, Emilia, é
que eu já sei qual o destino desse dinheiro.
- Você sabe?
- Sim. Isso é jogo. Tem uma roda de amigos que se encontra com freqüência
e eu sei que eles fazem isso sempre. Leandro está ficando viciado.
- Você tem que tomar alguma atitude Laerte. Isso é uma bola de neve. Se
você não abrir os olhos ele pode levá-los a ruína.
- Sei disso Emilia. Ele está mergulhando nesse mundo e eu não sei mais o
que fazer.
- Conte para sua mãe. Sei que ela vem se encontrando com minha mãe e já
foram até a igreja juntas.

112
Carlos Eduardo Milito

- Eu sei disso Emilia, mas não quero passar problemas para minha mãe. Eu
tinha que ter alguma solução.
- Se você acha melhor assim, vamos pensar outro jeito de ajudar seu irmão.
– disse Emília que ficou por três segundos parada para depois dizer – Espere ai
Laerte! Tive uma idéia!
- O que foi Emilia?
- Dona Benedita. Sim! Por que não pedir ajuda a Dona Benedita? O sobrinho
dela, o João é que toma conta da nossa fazenda. É só falar com ele para irmos lá.
Inclusive, o filho dela, o Genésio trabalha na fazenda vizinha. Eles moram no
centro de Jundiaí. Não foi o João que procurou vocês oferecendo a ajuda dela?
- Sim é verdade! Inclusive mamãe ficou impressionada com a sabedoria dela!
Pode ser uma idéia boa, mas teríamos que nos deslocar até lá.
- Podemos ir de automóvel e amanhã é sábado. É só eu falar com o
motorista. Ela irá nos atender com certeza. Ela poderá nos dar bons conselhos de
como lidarmos com o seu problema. Você não acha uma boa idéia?
- Lógico. E amanhã após o meio dia, estarei livre.
- Ótimo. Combinaremos de ir lá após o almoço. Almoçamos juntos aqui em
casa eu e você e depois vamos. Combinado?
- Nossa Emilia. Gosto da sua determinação. Você é tão nova, mas com uma
maturidade muito mais avançada para os seus dezenove anos.
- Obrigado Laerte. Gentileza sua. Eu só quero ajudá-los.

/ / /

No dia seguinte, Laerte estava novamente com Emilia em sua casa e o


motorista já estava à espera deles. Clara, a irmã de Emília também queria ir para
conhecer a Dona Benedita. Um pouco após o meio dia eles saíram e no meio da
tarde chegaram ao casebre de Dona Benedita. Foram recebidos com muita
atenção por Genésio que ali estava:
- Como vão vocês? Tudo bem? Sejam bem vindos. Prazer, eu sou o
Genésio. Fiquem a vontade que minha mãe já vem.
- Obrigado – disse Laerte – Desculpa chegar assim meio de surpresa.
- Imagina – disse Genésio sorrindo – Hoje é o dia que minha mãe mais
atende as pessoas. Sentem-se e não reparem o sofá meio rasgado. A casa é de
pobre, mas no coração da gente sempre cabe mais um.
Aquelas palavras de Genésio tocaram profundamente Clara que se emocionou
e tentou segurar o choro. Ela disfarçadamente sorriu com os olhos brilhantes de
água ao ouvir aquilo. Dois anos mais nova que Emilia e com alguma semelhança

113
As Moradas e os Segredos de Maria

física com sua irmã, possuía longos cabelos escuros e cacheados contrastavam
com sua cor de pele que combinava com o seu nome. As duas irmãs realmente
eram cheias de beleza, cada uma com o seu estilo. Genésio continuou sorrindo
para os três que estavam presentes lá na sala enquanto a Dona Benedita não
aparecia. E continuou dizendo:
- Sou filho único da Dona Benedita e se Deus quiser quero herdar esse dom
de ajudar as pessoas. Acho muito bonito tudo que ela faz.
- Não tenha dúvida, Genésio. – disse Laerte – E além do mais você como
único filho tem que ajudar mesmo a sua mãe.
- Nem penso nisso de ser filho único. Minha mãe ao dar a luz quase perdeu a
vida e depois não pôde ter mais filhos, mas não é por isso que quero ser como
ela. Quero ajudar pessoas por que gosto.
- Isso é muito lindo Genésio – exclamou Clara – Isso tudo mostra o quanto
você e sua mãe são bons.
Dona Benedita chega alegremente na sala e cumprimenta todos com alegria:
- Boa tarde. Quanta gente bonita eu vejo aqui. Sejam todos bem vindos
- Boa tarde Dona Benedita – disse Laerte – Tudo bem com a Senhora?
- Tudo graças a Deus.
- Desde quando a senhora acolheu nossa família não esquecemos mais
daquelas suas palavras. E ontem, conversando com Emília, ela repentinamente
teve a idéia de vir até aqui.
- É sempre um prazer poder ajudar os amigos. Vocês querem água ou café?
- Não se preocupe Dona Benedita. Estamos bem. – interveio Emilia.
- Está bem. Mas não façam cerimônia. Mas o que os traz aqui?
- É por causa do meu irmão Leandro, Dona Benedita. Queremos alguns
conselhos seus. – disse Laerte.
- É seu irmão mais novo não é isso? Entendo. Deixa eu me concentrar um
pouco.
Dona Benedita fechou os olhos, juntou as palmas da mão e encostou os dois
dedos indicadores na testa. Ficou assim por uns trinta segundos e depois abriu os
olhos.
- Meus queridos, Laerte não é um mau menino. O problema dele são as
amizades que ele fez que estão desvirtuando o caráter dele. E quando ele está em
companhia dessas pessoas sempre tem forças ocultas a ele agindo nos
bastidores e instigando ainda mais o rapaz. É mais ou menos o seguinte: Ele é
uma pessoa influenciável, e isso é um prato cheio para os seres do outro mundo
pintar e bordar. Esses nossos irmãos invisíveis aos nossos olhos são irmãos de
pouca luz e agem de forma ignorante.

114
Carlos Eduardo Milito

- Nossa Dona Benedita, como a senhora fala bonito. – disse Laerte – Então
nem preciso entrar em maiores detalhes sobre os problemas de Leandro?
- O motivo principal eu já sei Laerte – disse Dona Benedita sorrindo - mas
pode abrir seu coração. Conte o que você quiser.
Laerte ficou vários minutos contando tudo que Leandro vinha fazendo nos
últimos meses, seu desinteresse pelo trabalho, sua agressividade em casa, sua
inclinação para os vícios e até a recente estória onde ele pegou algum dinheiro do
comércio de roupas sem o consentimento do seu pai. Dona Benedita em seguida
falou:
- Eu acho que vocês estão agindo certo não partindo para a agressão física.
O diálogo é sempre a melhor forma para enfrentar essas situações. O que está
faltando é a ajuda do lado de lá. Você comentou comigo que sua mãe vem
freqüentando a Igreja Católica. Isso é ótimo. Agora vocês têm que colocar em
prática tudo isso. Vocês têm que pedir ajuda para o mundo invisível. Rezem!
Rezem todos vocês com muita fé. Não é para rezar mecanicamente um texto
decorado e vagar o pensamento em outras coisas enquanto se reza! Mais vale um
diálogo franco com essas entidades do que uma reza mecânica. Experimentem
todos vocês fazer isso e pedir ajuda para Leandro. Eu posso também ajudá-los a
fazer isso, mas quanto mais sinceras forem as rogativas que chegarem por lá
maior é o efeito.
Todos ficaram estáticos com o que acabaram de ouvir. Como era possível uma
senhora que nasceu escrava e praticamente sem instrução alguma saber tantas
coisas e falar tão bonito. Sua origem simples. Sua cor e sua posição social eram
tudo simples detalhes quando ela falava. Emília pensava intimamente que por
muitas vezes se deparou com senhoras da alta sociedade que freqüentava a sua
mansão na Av.Paulista que só falavam assuntos supérfluos e vazios. Sem que ela
soubesse, ela estava tendo aula sobre a vida plena e maior. Dona Benedita então
continuou:
- O que vocês precisam, meus jovens, é praticar a fé. A oração tem um poder
mágico. Se pedirmos proteção aos céus e for do nosso merecimento, teremos um
grupo de apoio a nos ajudar. Nós não vemos, mas com certeza sentimos as
melhoras. Isso é muito comum acontecer. O que muitas pessoas esquecem
depois das melhoras alcançadas é de agradecer. Façam isso então: Orem todas
as noites ao dormir, e se quiser deixar um copo de água ao lado da cama é bom.
Peçam aos anjos depositarem bons fluidos na água, e ao acordar tomem e rezem
novamente. Façam isso por Leandro e por todos que necessitam de ajuda.
Depois dos conselhos de Benedita a conversa continuou por mais uma meia
hora de uma forma alegre e descontraída. Somente depois de muita insistência

115
As Moradas e os Segredos de Maria

dos anfitriões é que os visitantes tomaram apenas água. Depois, Genésio fez
questão de mostrar para os três a horta que cultivava. Clara olhava Genésio com
admiração. O filho único de Dona Benedita, com apenas vinte e um anos de idade,
era o orgulho da mãe. Trabalhador assíduo dos cafezais de Joel tinha a ambição
de continuar estudando e ser alguém na vida, pois mal sabia ler e escrever. Era
um rapaz inteligente. Seu contagiante sorriso branco contrastava com a cor da sua
pele.
Em seguida, Dona Benedita disse que a sua casa sempre estaria de portas
abertas para recebê-los. Complementou ainda, que aos Sábados à tarde poderiam
vir sempre, pois pela necessidade de ir e vir para São Paulo, seria uma dia melhor
para todos. Antes do cair da tarde todos se despediram e retornaram para casa.

116
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 31

“Morada Universo Solar” – 27 de Abril de 1.917

Os dias estavam sendo de intenso trabalho para Lucas. As vezes


acompanhado por Madalena e as vezes por Antero, estava indo diariamente à
Terra em diversas cidades do Brasil em missões de auxílio. Apesar do fardo do
trabalho aquilo tudo era aprendizado. A tarde caia no Palácio da Sustentação
onde estava situada a residência que vinha sendo ocupada pelos três. Enquanto
eles estavam acomodados aconchegadamente na sala Antero falou:
- Lucas, você está se saindo muito bem. Mestre Jonas tem te elogiado muito.
- Imagina. Tento me esforçar nessas missões de auxílio. Venho praticando o
pouco que venho aprendendo neste meu retorno a vida celestial.
- Você está fazendo o essencial que deve ser feito em qualquer trabalho:
Você está fazendo com amor.
- Devo estar fazendo sim, mas quando você falou desta forma, me trouxe
recordações da minha infância.
- Deixe me ver – pausou Antero por alguns segundos - Inclusive imagino de
quem você está se recordando.
- Pois é – falou Lucas com água nos olhos – sei do atributo que nós temos
que é de ler o pensamento do próximo quando é conveniente.
- É verdade – falou Antero sorrindo – Desculpe invadir a sua privacidade,
mas fiz isso propositalmente.
- Fique a vontade. Eu acho que quando fazemos essas coisas para o bem e
pelo bem esse atributo pode ser utilizado, não é isso?
- Creio que pode seu usado sim. Mas o que eu fiz agora foi por um motivo
especial.
- Motivo especial?
- Sim, Lucas. Temos uma surpresa para você.
- Surpresa? – indagou Lucas com a mesma sensação que tinha na Terra do
coração disparando – Que surpresa?
- Temos uma visita para você.
Naquele momento surgiu na frente de Lucas uma mulher com aparência em
torno dos sessenta anos, com altura mediana, de físico encorpado, cabelos curtos
e loiros, e com um sorriso no rosto. Ela estava elegante com um vestido bege
claro e sapatos da cor do vestido. Era sua avó, Dona Dora, exatamente igual
como ela era há muitos anos atrás. Ela abriu os braços e disse:
- Luquinhas meu amor!!!

117
As Moradas e os Segredos de Maria

Lucas não se conteve. Tentou segurar a emoção com todas as suas forças,
mas as lágrimas escorriam teimosamente pelo seu rosto. Fez força para não
chorar e mostrar-se forte, mas foi vencido. Não conseguiu se controlar. Então
deixou a emoção extravasar e chorou. Chorou bastante de alegria. O passado
agora estava presente: O presente precioso! A presença da sua avó era um
presente de Deus. Como Deus poderia estar sendo tão bom e permitindo esse
reencontro? Sua querida Avó a Dona Dora, estava ali, viva como ele. Ele
abraçou-a com todas as suas forças e teve a mesma sensação de quando
menino. Sentia seu corpo. Seu perfume. Podia tocá-la e senti-la. Percebeu nela a
mesma emoção. Ficaram alguns instantes abraçados enquanto Antero e
Madalena os observavam também com um brilho nos olhos. Passados alguns
minutos Lucas falou:
- Minha querida avó! Como Deus está sendo bom permitindo nosso
reencontro! Não pude conter a emoção vozinha querida.
- É natural Luquinhas. A emoção também é um atributo divino e não
podemos nos culpar por isso.
- E como tem passado? O que tem feito?
- Trabalhando muito meu querido. Estamos na mesma morada, porém estou
no Palácio da Transformação. Eu soube da sua chegada logo depois do acidente,
porém meu governador achou por bem preservar suas emoções adiando o nosso
reencontro. Durante a palestra de Maria não estive no Vale das Flores, pois eu
estava em missão, e foi até melhor pois evitou nosso prematuro reencontro.
- Tudo que a senhora me ensinou serviu lá na Terra e agora está sendo de
grande valia aqui também.
- Nossas ações na Terra são bagagens acumuladas ao longo da vida plena e
dos intervalos celestiais. Eu conseguia transmitir isso a você.
- Vó querida! Que alegria eu sinto! Como é bom poder vê-la novamente!
- Você foi contemplado pelo seu extraordinário crescimento neste seu novo
intervalo celestial. Logicamente ainda existem algumas seqüelas pelo seu curto
tempo ainda aqui. Mas no seu nível evolutivo tudo é muito rápido! Em breve
retomará a memória de outras vidas e outros intervalos. Você poderá inclusive
participar de missões de auxílio com seus familiares que deixou recentemente por
lá.
- Nossa Vó. Não tenho palavras para dizer agora. Sou muito grato aos céus
por poder voltar a ver meus entes queridos
- Luquinhas, meu querido. Quando chegar a hora, você terá que se manter
equilibrado e continuar agindo assim como vem fazendo: Tudo com muito amor.
Isso com qualquer que seja a pessoa lá Terra: Um ente querido como pai, mãe e

118
Carlos Eduardo Milito

irmão ou até mesmo um estranho aos nossos olhos. Essas suas missões de
auxílio continuarão e poderão ser feitas também aos nossos entes. O que não
pode é deixar a ansiedade tomar conta da gente. É preciso esperar o momento
certo.
- Certo vozinha. Estarei pronto para qualquer missão.
- Muito bem. E também em breve você deverá conhecer o local onde eu
trabalho que é o Palácio da Transformação. Daí então, entrarei em detalhes com
você sobre como são as atividades por lá.
- Ótimo vovó! Mas sem ansiedade né? – riu Lucas para Dona Dora
- Exatamente. E com uma pitada desse saudável humor tudo fica melhor
ainda, não acha. Seja sempre assim Luquinhas!
O seu jeito de falar, suas expressões e a carinhosa forma de chamar o neto de
Luquinhas era tudo tal como no passado. Ela então, ficou lá por mais algum tempo
conversando com os três sobre a palestra de Maria e do trabalho que eles teriam
pela frente. Passados mais alguns minutos pediu licença, passou pela porta e logo
partiu em direção a sua casa.

119
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 32

“Morada Universo Solar” – 30 de Abril de 1.917

Aquela segunda-feira começava movimentada no Palácio da Cura. Estela que


havia sido trazida por Lucas e Madalena estava sentindo-se melhor a cada dia que
passava. Ela estava acomodada em um confortável quarto simetricamente
quadrado com um pé direito elevado de aproximadamente uns quatro metros e
uma vasta janela retangular. Fabrício entra no quarto acompanhado por uma
elegante senhora com aparência jovial, e assim como ele, também usando trajes
brancos.
- Bom dia Estela, como tem passado? – indagou Fabrício.
- Acho que estou melhorando. Sou realmente grata por tudo que vocês têm
feito. Somente há poucos dias é que eu tomei consciência do que realmente
aconteceu comigo.
- Muito bom Estela. Fico feliz com isso. Deixa eu te apresentar mais uma
colaboradora da nossa casa. Esta aqui é Olga que também nos ajuda no Palácio
da Cura.
- Tudo bem Estela? – perguntou Olga – você ficará aqui conosco mais algum
tempo, e depois terá uma moradia similar às nossas aqui na redondeza. Por sinal,
mais alguns dias e você poderá circular com o Fabrício e conhecer tudo aqui no
Palácio da Cura.
- Perfeitamente, Olga. Mas se estou agora vivendo deste outro lado da vida,
onde está a Tia Marta? Foi me dito por Madalena que mesmo eu não sabendo ela
sempre me acompanhou. Onde está minha tia?
- Sua Tia te ama muito, Estela. De fato ela sempre te acompanhou. Ela
também vive aqui na nossa Morada, no entanto ela está em outro Palácio. Ela
está em missão no Palácio da Sustentação, Estela. Um dia com certeza você
poderá reencontrá-la.
- Mas por que não posso vê-la agora?
- Querida, tudo tem seu devido tempo. A paciência é um atributo divino.
Quando cheguei aqui há exatos quarenta e cinco anos tive que saber esperar. Eu
era jovem, com muito dinheiro e com uma vida pela frente. Estava casada havia
dois anos e esperava meu primeiro filho Marcos. No dia do meu parto após eu dar
a luz, fui acometida por uma hemorragia incontrolável e não resisti. No início fiquei
revoltada e fui envolvida por um grupo de seres perturbados e de pouca luz
ficando completamente alheia à minha família. Após alguns anos fui acolhida por
serventes desta iluminada e abençoada morada onde pude galgar degraus e me

120
Carlos Eduardo Milito

aperfeiçoar. Somente após atingir um equilíbrio necessário, é que pude por vezes
visitar o meu querido filho e meu marido Plínio. Porém, por eu estar em diferente
estado corpóreo, eles não me notavam. Mas eu ficava feliz com a permissão de
poder vê-los, e acompanhar o crescimento do menino. Então, você terá a chance
de encontrar sua Tia Marta no mesmo estado que ela. E assim além de você
poder conversar com ela, poderá senti-la, tocá-la, sentir seu perfume e tudo mais.
É só aguardar, minha querida!
- Que estória a sua, Olga! Você morreu no parto?
- Na última experiência que tive na Terra sim. Eu tinha que passar por isso,
mas não preciso entrar nesse mérito agora.
- Mas me conte mais da sua família. E como eles estão agora? – perguntava
Estela com muita curiosidade.
- Quando meu marido perdeu sua roupagem carnal há onze anos ele
também foi envolvido por seres desvirtuados. Somente agora, é que parece que
ele está acordando para a vida maior. Tentei fazer algumas intercessões por ele
nesse período, mas foi tudo em vão. Pelo seu nível de elevação e pelo seu
estado, ele ainda não me percebe. Mas com a graça divina, em um futuro próximo
ele será acolhido.
- E o seu filho? Deve ser um homem feito de quarenta e cinco anos, não é
mesmo?
- Minha querida Estela. É preciso muita resignação e renúncia para ver
nossos entes queridos pagarem o que devem. Meu filho Marcos perdeu sua
roupagem carnal há menos de dois meses. O ódio em seu coração o cega de tal
maneira que ele não tem olhos para mais nada. Qualquer intercessão que possa
partir de algum ser de luz não será por ora suficiente para tirá-lo dessa situação.
Há uma comunidade que se auto entitulou “Transeuntes das Trevas” que o
acolheu desde sua chegada. Esses pobres irmãos são seres ignorantes e
sofredores que se alimentam da desgraça humana. Como o tempo por aqui tem
outra importância dada a eternidade da vida, por vezes essas pessoas ficam
nessas freqüências por décadas se formos comparar ao tempo da Terra.
- Que coisa Olga! Mas você não pode ajudá-los com a força da oração?
- Logicamente que sim. Mas é necessário haver a contrapartida deles. De
nada adiantam as preces se eles as repulsam. Você não acha que nesses onze
anos não venho tentando libertar Plínio? Lógico que sim. E por isso, juntamente
com a colaboração de outras pessoas como eu é que estamos a um passo de
trazê-lo para cá. Já em relação ao meu filho Marcos, não sei precisar o tempo que
isso irá levar. Tudo é relativo. A primeira coisa que ele precisa é tirar o seu ódio
do coração. O perdão também é um atributo divino, minha querida Estela.

121
As Moradas e os Segredos de Maria

- Poxa vida Olga. Eu apenas fiz uma queixa de não poder reencontrar minha
Tia Marta tão já, e nessas suas palavras você me deu uma aula. Confesso que
fico até um pouco constrangida em querer algo que dá para esperar. Você, no
caso do seu filho, nem sabe ainda quanto tempo vai ter que aguardar.
- Querida Estela, após o nosso aprendizado nós conseguimos nos resignar.
Aqui tudo nós aprendemos e reaprendemos nos reciclando quando voltamos de
uma vida. Você terá a oportunidade de evoluir, estudando e trabalhando. E assim
você conseguirá ver as coisas como eu. É natural os seus sentimentos e reações.
Fabrício acompanhou o diálogo das duas com uma calma fisionomia de paz.
Em seguida falou:
- Olga, tenho que percorrer outros quartos e verificar outras pessoas que
estão em tratamento. Você fica a vontade com a nossa amiga Estela que devo
retornar em breve.
- Fique você à vontade Fabrício. A conversa está boa, mas também tenho
que voltar logo ao meu setor.
- Com licença, eu já volto. – disse Fabrício com um sorriso e saiu deixando
as duas sozinhas no quarto.
Enquanto Fabrício andava no corredor em direção aos outros aposentos, ele
intimamente se sentia muito feliz. Estela melhorava e ele era o responsável pelo
seu tratamento. A pneumonia havia lesado a sua roupagem astral exatamente na
região dos pulmões. Agora ela se sentia melhor. Em poucos instantes Fabrício
estaria no quarto onde Paulo Ribeiro estava acomodado. Ele também vinha se
recuperando bem e apresentando boas melhoras. Fabrício logo chegou e disse:
- Olá Paulo. Como você está?
- Olá Fabrício. Creio que estou melhorando. Não vejo a hora de poder sair
deste quarto e caminhar pelos arredores. Tenho observado olhando pela janela
como tudo aqui é muito bonito.
- Tenha paciência Paulo. Mais alguns dias eu te libero para poder caminhar
fora deste prédio. Lembre-se que até a alguns dias atrás você mal saia da cama.
Suas seqüelas na região do abdômen atingiram a sua roupagem astral.
- Mas eu me admiro sobre isso Fabrício. Por que fiquei assim?
- De fato, isso não tem nenhuma relação com o acidente. Antes dele, mesmo
sem você saber, já vinha desenvolvendo uma grave doença nessa região, mas
sua manifestação por dores ainda era quase imperceptível quando você estava
vivendo na Terra.
- Incrível! Então eu chegaria aqui de uma ou de outra forma – sorriu Paulo
para Fabrício – Se a doença era grave e eu não sabia, é isso mesmo, verto? Eu
tinha mesmo que vir, não é?

122
Carlos Eduardo Milito

Fabrício deu um pequeno sorriso e retrucou:


- A dor física não estava predestinada para ser duradoura para você. Duraria
poucas semanas e então você partiria para cá. Então pelas circunstâncias em que
chegou, você acabou sentindo a falsa evolução da doença durante o período que
esteve no casebre com Odete, e com os mesmos sintomas como se você
estivesse ainda na Terra. Então seu sofrimento foi o mesmo.
- Isso mesmo. Eu realmente estava me sentindo cada vez pior.
- E agora Paulo, você está em processo de recuperação. Todos que aqui
estão junto conosco são pessoas dispostas a aprender o caminho da verdade e
entender a vida maior. Logicamente temos aqueles mais evoluídos além daqueles
menos evoluídos, mas a sede de aprender e de evoluir é intrínseco a todos nós.
- Isso que você me diz é muito bonito. Pena que a Odete não acreditava
nisso.
- Tudo tem seu tempo, Paulo. Algumas pessoas demoram um pouco mais,
outras um pouco menos, mas um dia acabam encontrando o verdadeiro sentido
da vida.
Paulo agradeceu pelo modo que vinha sendo tratado e pela forma carinhosa
de todos que o ajudavam o seu restabelecimento no Palácio da Cura. Sentia
realmente sua evolução no dia a dia. Pairavam ainda muitas dúvidas na sua
mente, no entanto ele saberia aguardar o momento certo para futuros
questionamentos.

123
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 33

“São Paulo” – 04 de Maio de 1.917

Era noite naquela sexta-feira em São Paulo. Passava das vinte horas quando
Emilia e Clara conversavam alegremente na parte de cima da mansão.
- Amanhã então iremos visitar Dona Benedita de novo? – Questionava Clara
- Sim. O Laerte já está sabendo. Sairemos com o motorista após o almoço,
assim como já fizemos também nos dois últimos sábados – respondeu Emília.
- Ir para lá é um bonito passeio, não é mesmo Emilia? E além de tudo Dona
Benedita e o seu filho são pessoas incríveis.
- Diga-me uma coisa Clara. Seja sincera comigo. Eu tenho notado que você
olha para o Genésio de um jeito diferente. Estou enganada?
Clara enrubesceu e inicialmente ficou sem fala. Depois se abriu com a irmã.
- Não sei te explicar Emília, mas desde o primeiro sábado que estivemos lá,
o meu coração dispara quando me aproximo dele. Não sei o que é isso. Sabe
Emilia: Sou jovem ainda, tenho apenas dezessete anos, e até hoje nunca tive um
namorado. Não sei o que é isso que sinto, mas posso imaginar. Vou ser sincera:
Acho que me apaixonei por ele.
- Assim? Tão de repente?
- Não consigo explicar. Desde quando eu ouvi as primeiras palavras dele, me
encantei. Seu lindo sorriso contrastando com sua cor de pele. Sua alma boa no
meio de tanta simplicidade. Creio que me apaixonei sim.
- Incrível! Acho que eu consigo te entender, mas receio que teremos
problemas, minha querida irmã.
- Você acha que eu já não pensei nisso? Eu nem tenho dormido direito por
causa desse assunto. Eu precisava me abrir com você, mas eu estava sem
coragem. Agora tirei um peso das minhas costas. O problema será a Mamãe, não
é isso?
- Se você vai levar realmente isso adiante, acho que sim. Será um choque
para ela. A diferença social é enorme. São mundos diferentes, Clara.
- E você minha irmã? O que pensa a respeito disso?
- É Lógico que fiquei um pouco surpresa com seus sentimentos, mas estou
ao seu lado Clara.
- Você pode me apoiar, mas conheço a mamãe, Emilia. A diferença social
existe sim, mas o maior problema será o preconceito. Minha mãe não iria aceitar
sua filha casada com alguém como Genésio. Mamãe iria dizer assim para mim:

124
Carlos Eduardo Milito

Imagina minha filha casada com um negro? Desista dessa idéia!! – murmurou
Clara – Por isso tenho perdido o sono.
- Acho você nova, mas também acho você madura Clara. Creio que você
saberá lidar com isso no momento certo. O preconceito racial poderá existir num
primeiro momento, mas um dia ela terá que se acostumar com isso.
- Tomara, Emília. Vou pensar que João que é primo de Genésio que toma
conta da nossa Fazenda é mulato e mamãe gosta muito dele. De repente por isso,
ela abra o coração para o Genésio.
- Nossa Clara, você fala assim, mas vocês nem namoram ainda. E que eu
saiba o Genésio nem imagina suas pretensões.
- É, mas ele percebeu no último sábado a forma que eu olhava para ele.
Acho que ele finge que não é com ele por que sabe que eu sou a filha do
Albuquerque. Acho que é só por isso.
- Você acha isso, Clara?
- Tenho certeza. E estou radiante que amanhã estarei com ele de novo. É
difícil eu disfarçar meus sentimentos.
- Calma Clara. Não seja impulsiva. Vá devagar! Você tem sua vida aqui em
São Paulo. Você está estudando e ele trabalha na fazenda do Joel. Como vocês
fariam então?
- Não sei Emilia. Se a mamãe concordasse tudo ficaria mais fácil. Ela poderia
arrumar algum trabalho para ele aqui em São Paulo. Agora, se ela se opor a isso
não quero pensar. De qualquer forma, vou deixar as coisas andarem
naturalmente. Pretendo continuar as visitas semanais à Dona Benedita e esperar
as coisas acontecerem.
- Poderemos continuar indo lá sim – concordou prontamente Emilia – Veja
que as preces que temos feito por sugestão de Dona Benedita estão surtindo
efeito. Parece que Leandro não tem mais procurado seus amigos para jogar.
- Muito bom Clara. Agora eu que pergunto. E os seus sentimentos com o
Laerte?
- Estou confusa Emilia. Não quero misturar as coisas, mas vejo no Laerte
muitas características do Lucas. Mas acho que gosto dele somente como amigo.
- Será Emilia? Acho que não. Você não pode ofuscar seus sentimentos. Eu
acho que você gosta dele sim. E gosta dele mais do que um amigo comum. E ele
com certeza também deve gostar de você. Dá para notar isso nas vezes que
vocês se encontram. Talvez ele esteja ainda reticente por causa do irmão.
- Pode ser Clara, mas prefiro esperar. Eu não quero misturar meus
sentimentos. O que eu não quero Clara, é ficar com ele pensando nas qualidades

125
As Moradas e os Segredos de Maria

do Lucas. Se é para termos algum envolvimento, o sentimento tem que ser puro
pelo aquilo que cada um de nós somos.
Depois que foram para seus quartos na hora de dormir, cada uma delas
meditava sobre sua vida sentimental. Clara estava deslumbrada. Estaria disposta
a tudo para investir nesse amor. Queria ter Genésio para ela. Lutaria contra
qualquer preconceito de cor ou condição social. Saberia o fardo que teria pela
frente, mas não se importava. Enquanto isso Emilia pensava com muito carinho
em Laerte e não queria admitir que começava também a gostar dele.

/ / /

No dia seguinte, todos foram à Jundiaí em agradável passeio levados de carro


com o motorista da mansão. Foram prontamente atendidos por Dona Benedita
que ficou muito feliz em vê-los pelo terceiro Sábado consecutivo. Disse a eles que
ela também estava ajudando nas orações por Leandro e disse ainda para que eles
continuassem a visitá-la para sempre saber notícias. Como das últimas vezes a
conversa entre os quatro foi muito agradável e eles passavam uma ótima tarde.
Genésio e Clara em um determinado momento estavam sozinhos no fundo do
casebre onde havia um grande terreno e lá possuía uma horta que ele cuidava.
Então ele se dirigia a Clara:
- Veja tudo isso Clara. Desde a semana passada algumas mudas já brotaram
e outras cresceram – falou Genésio com entusiasmo – Tem que cuidar com
carinho
- Já notei Genésio. Você realmente sabe cuidar muito bem dessa horta. Você
está de parabéns.
- Gosto do que faço, Clara. Por isso acho que faço bem feito. Tanto aqui
como na fazenda do Seu Joel procuro cuidar muito bem das plantações. Lá é mais
difícil porque o cafezal é grande.
- Você gosta do campo né Genésio?
- Nasci quase como escravo, Clara, pois minha mãe me deu a luz quando a
Princesa Isabel havia proclamado a Lei Áurea somente a sete anos. E ela
continuou trabalhando na mesma fazenda onde era escrava. Então eu cresci
trabalhando. Por isso gosto do campo. Não tive chances de conhecer outras
coisas na vida para saber se tem algo melhor. – concluiu Genésio com um sorriso
sincero.
Clara se emocionou e Genésio percebendo a sua emoção continuou falando:

126
Carlos Eduardo Milito

- Mas eu tenho planos Clara. No futuro pretendo ter as minhas terras e até
continuar os meus estudos. Graças a Deus eu acho que herdei da minha mãe um
pouco da sua inteligência, então vou aproveitar né?
Clara estava encantada. Toda vez que conversava com Genésio tinha a
sensação de que o seu coração iria sair pela boca. Estava sozinha com ele e
então resolveu sinceramente abrir o seu coração.
- Genésio! Preciso me abrir com você. Estou sufocada.
Por instinto o coração de Genésio também disparou. Desde quando conheceu
Clara percebeu que ela olhava para ele com um brilho diferente nos olhos. Desde
o segundo sábado, as coisas se repetiram e ele começou a admirar ainda mais a
jovem Clara. Procurou com seu trabalho no dia a dia esquecer esse assunto.
Reservou-se. Não comentou com sua sábia mãe, pois achava que isso seria uma
idéia absurda, e ele não queria se machucar com isso. Em seguida ele segurou as
duas mãos de Clara e disse:
- Consigo perceber seus sentimentos, pois são idênticos aos meus, mas
nossos mundos são diferentes, Clara. Não podemos nos machucar ainda mais.
- Eu não me importo Genésio. – disse Clara que aproximou o seu rosto de
Genésio, olhando fixamente nos olhos dele esperando alguma reação dele.
Os dois se olharam por alguns segundos enquanto, lá dentro no casebre, sua
irmã Emilia juntamente com Laerte e Dona Benedita trocavam idéias e davam
gostosas gargalhadas por assuntos descontraídos. Genésio então não resistiu e
deu um longo beijo na jovem Clara. Em seguida falou:
- Eu não pude resistir Clara. Você também me encantou.
- Genésio. Temos que nos abrir para sua mãe e pedir conselhos a ela. Sei
que devo ter problemas com minha mãe por isso. Nada melhor do que ela para
nos orientar.
- Você está determinada mesmo a levar isso adiante? Você sabe que sou
pobre e trabalhador. Sou negro. Não acha que vai enfrentar muito preconceito?
- Genésio. Você tem o sorriso mais lindo do mundo. Ele é o espelho da sua
alma. Nossa essência é a mesma. Gostei de você assim como você é. Claro que
estou disposta a levar isso adiante. Posso ser nova, mas sou determinada. Vamos
entrar e falar com sua mãe.
- Mas e Emília? E Laerte?
- Emília já sabe e me apóia. Laerte eu não sei, mas pelo que conheço dele,
acho que também ficará do nosso lado. Vamos. Vamos entrar.
- Calma Clara. Você não acha melhor deixar um pouco o tempo passar para
depois fazermos isso?

127
As Moradas e os Segredos de Maria

- Não Genésio. A hora é agora. Só se você tiver dúvidas sobre o que você
quer – sorriu Clara – Você tem dúvidas?
- Lógico que não, mas nem quero pensar o que os outros vão achar.
- Esqueça isso, Genésio. Vamos entrar de uma vez e contar tudo para eles.
- Está bem.
Os dois entraram casebre adentro com um semblante de tal felicidade que
mesmo antes de contarem algo para os três Emília já deduzia o que acabava de
acontecer. Clara tomou a iniciativa de contar tudo para o três e calmamente expôs
com toda a sua sinceridade os sentimentos que lhe acometera. Contou seu
encanto desde o primeiro sábado até o momento atual e Dona Benedita ouvia
toda a explicação com uma fisionomia tranqüila esperando Clara acabar de falar.
Laerte inicialmente não conseguiu esconder o espanto, mas depois se envolveu
nas explicações de Clara mostrando um brilho nos olhos. Emília admirava a
coragem e determinação da sua irmã. Após ela contar tudo Dona Benedita disse:
- Minha filha, você é uma menina determinada e deve saber que terá uma
dura missão se quiser ficar junto com meu filho. A estória de vocês não começou
agora. Seus laços se formaram em outras vidas e por isso o motivo do encanto
recíproco. Só que nesta vida, minha filha, você nasceu muito rica. Tem tudo o que
quer. Tem muita beleza. Você pôde estudar nas melhores escolas e sua mãe quer
vê-la com um futuro brilhante, casada com alguém da sociedade. Em
compensação, Genésio nasceu pobre. Tem uma vida dura. É muito inteligente
mas nunca estudou. O pouco que aprendeu a ler e a escrever foi por que o
funcionário Jorge da fazenda onde trabalha o ensinou. Ele é negro por que meu
falecido marido José também era negro e por isso vocês vão enfrentar muito
preconceito. Vocês têm mundos completamente diferentes. Vocês moram na bela
cidade de São Paulo enquanto nós vivemos aqui no centro de Jundiaí. Serão
muitos os empecilhos que vocês terão que enfrentar para viverem juntos.
- Sei o quero Dona Benedita, e também sei das dificuldades. Como já falei
para Genésio, estou disposta a tudo.
- Tudo bem Clara. Mas não conte ainda hoje para sua mãe. Espere um
pouco. Tente falar para ela no melhor momento possível. Você enfrentará
problemas sim. Infelizmente a maiorias das pessoas aqui da Terra não enxergam
as coisas como elas realmente são. Mas os percalços que vocês irão enfrentar
juntos serão um aprendizado. Vocês irão crescer e amadurecer com isso. O que
vocês pretendem fazer agora?
- Não sei Dona Benedita. Nossas vidas são em cidades diferentes.
Inicialmente continuarei vindo aqui todos os sábados enquanto minha mãe não
souber das coisas. Depois, dependendo da reação dela, eu vejo.

128
Carlos Eduardo Milito

- Está bem minha jovem. Faça como achar melhor. Saiba, no entanto que
sempre estarei aqui apoiando e pronta a dar conselhos.
- Será um grande prêmio tê-la como sogra – disse Clara com um enorme
sorriso no rosto.
A conversa depois continuou normalmente. Eles ficaram conversando mais uns
quarenta minutos juntos e na hora de ir embora Clara tomou a iniciativa de ficar a
sós com Genésio no fundo do casebre onde estava a horta e disse para ele:
- Hoje é o dia mais feliz da minha vida, Genésio.
- Pra mim também. Eu não tenho palavras para dizer o que eu sinto.
- Assim que der, eu falo com a mamãe. Ou ela arruma alguma coisa para
você trabalhar lá, ou eu venho morar aqui na fazenda.
- Mas e seus estudos? Tem o ano pela frente ainda não é?
- Sim mas, não me preocupo com isso. Por ser uma mulher até que já fiz
muito. Ela tem que consentir que a vida é minha e não dela.
- Vá com calma Clara. Nós somos jovens ainda e podemos esperar.
- Tudo bem, mas não quero esperar muito não.
Os dois se despediram com alguns longos beijos apaixonados. Em seguida
Dona Benedita cumprimentou a todos agradecendo a visita e Genésio com uma
fisionomia de pura felicidade também agradeceu a presença de todos. O motorista
que estava no carro lendo jornal, abriu elegantemente as portas para os três que
seguiram de volta para casa.

129
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 34

“São Paulo” – 11 de Maio de 1.917

Quase uma semana havia se passado e Clara ainda não tinha encontrado o
melhor momento para conversar com sua mãe sobre o seu novo amor. Ela trocava
palavras com sua irmã.
- E então Clara? Mamãe mal parou em casa nesta semana, né?
- É. E além disso, eu levo muito em conta as palavras da Dona Benedita.
Posso ser uma pessoa determinada, mas confesso que estou com receio de
contar para ela a verdade.
- Eu sei disso Clara. Já no meu caso a situação é outra. Mamãe gosta do
Laerte e quer que eu me case mesmo sabendo das condição sociais da família
dele.
- É diferente Emilia. Eles são família de classe média. Todos têm uma ótima
aparência e além de tudo têm um bom comércio com chance de prosperar. É
outra situação. E por falar no Laerte, vocês se encontraram por três vezes nesta
semana. E então?
- Já te falei Clara. Somos bons amigos.
- Será que ele também pensa assim?
- Não sei Clara, mas ele me trata muito bem. É um rapaz educado, bonito e
inteligente também. Gosto muito da sua companhia.
- Não sei, mas sinto que vocês dois estão cada vez mais apaixonados e não
se deram conta disso.
- Deixa o tempo dizer isso Clara.
- Está bem. E aproveitando o assunto do Laerte, me diga o que ele achou da
minha estória com Genésio. O que vocês comentam quando estão a sós?
- Nossa Clara. É impressionante! Ele parece a Dona Benedita falando. Nesta
semana, as três vezes que estivemos juntos, ele mostrou-se muito preocupado e
sempre me perguntou se você já havia conversado com a mamãe.
- Que bom que vocês me apóiam. Amanhã iremos para lá não é mesmo?
- Sim claro! Além de tudo precisamos contar para a Dona Benedita que o
motivo inicial da nossa primeira ida lá parece perto de uma solução. Leandro está
cada vez melhor e já está pensando em trabalhar com a família.
- Que boa notícia Emilia.
Passados alguns minutos o jantar já estava sendo servido. As duas irmãs se
dirigiam tranqüilamente para lá. Clarice já estava sentada a mesa. Clara e Emília
sentaram-se e Clarice começou a falar:

130
Carlos Eduardo Milito

- Minhas filhas que semana difícil. Tocar esse império que o pai de vocês
deixou não é fácil. Ainda bem que acho que estou conseguindo fazer isso.
- Realmente mamãe – comentou Emília – Até a imprensa tem te elogiado.
- Sim, mas confesso que estou cansada. Eu gostaria de ter mais pessoas
chaves para me ajudar.
- Calma mamãe. Nada como um dia após o outro. Uma hora aparece
alguém. Tenho certeza que a senhora pode identificar funcionários e ter suas
peças importantes para te ajudar.
- Isso eu sei que encontro Emília. O meu desejo é ver vocês duas bem
casadas para eu poder delegar aos meus genros parte dessa responsabilidade.
- Tudo tem seu tempo mamãe.
- E o Laerte? Vocês têm se falado?
- Sim mamãe. Inclusive amanhã iremos novamente até Jundiaí fazer um
passeio e visitar a Dona Benedita.
- De novo? O que tem lá de tão especial?
- Laerte gosta muito dela, mamãe. A senhora sabia que quando eles estavam
hospedados na fazenda, o nosso funcionário João os procurou apresentando a
sua tia Benedita para dar um conforto a todos enquanto Lucas não era
encontrado?
- Conheço essa estória. João já me disse. Mas é necessário ir sempre lá
agora?
- Creio que sim mamãe. A senhora sabe também que Leandro requer
cuidados e por isso temos ido todos os sábados. Ele vem melhorando graças aos
conselhos de Dona Benedita.
- Que bom. Acho tudo isso bonito, mas eu preferia que vocês me
acompanhassem nas missas do Mosteiro São Bento. Eu tenho levado sempre a
Dona Lourdes lá e ela tem rezado muito também. Vocês bem que poderiam ir
comigo um dia desses não é mesmo?
- Está bem mamãe, por mim Domingo agora iremos sim – interveio Clara – O
que você acha disso Emília?
- Lógico. Falarei com o Laerte também. É uma boa idéia já a mãe dele
também tem ido, não é verdade mamãe?
- Nossa! O que deu em vocês duas? Depois que cresceram nunca mais
mostraram interesse em freqüentar as missas? Por que isso agora?
- Acho que são as influências de Dona Benedita mamãe – falou sorrindo
Clara – Acho que é isso.
- Se for isso, continuem indo lá sempre que puderem.

131
As Moradas e os Segredos de Maria

Clara foi perspicaz ao fazer essa colocação e Emília aproveitou e logo


concordou, pois estava ao seu lado de sua irmã. Elas iriam acompanhar a mãe no
próximo domingo na missa que seria realizada no belo Mosteiro São Bento.
Clarice iria convidar também Dona Lourdes e Afonso para estarem lá.

132
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 35

“São Paulo” – 13 de Maio de 1.917

Na manhã daquele domingo as famílias de Laerte e de Emília estariam juntas


no Mosteiro São Bento para ouvir a celebração da Santa Missa. Era por volta das
sete horas da manhã enquanto Clarice acordava. O dia estava ensolarado apesar
do pouco frio que fazia. Ela despertava radiante de alegria por ter conseguido unir
tantas pessoas para assistir à Missa. Nem no Domingo de Páscoa há exatas cinco
semanas atrás ela havia conseguido convencer as filhas. Somente estava com ela
naquela ocasião Dona Lourdes. Agora estariam lá os dois filhos de Dona Lourdes,
seu marido Afonso e suas filhas Clara e Emília.

/ / /

Enquanto isso, Lucas acabava de chegar juntamente com Antero e Madalena


nas proximidades da cidade de Fátima em Portugal. Havia uma espécie de
arquibancada astral, e até poderíamos compará-la a um grande estádio de futebol.
Só que diferentemente do prisma terrestre, essa espécie de arquibancada era
multidimensional. Os assentos estavam dispostos paralelamente onde a visão
mais aproximada da realidade terrestre que pudesse descrever a tal disposição
fosse como se elas estivessem alocadas tal como pétalas de rosas, onde
graciosamente os desenhos de todas aquelas arquibancadas formassem uma
gigante flor e o seu centro seria a chamada Cova de Iria, o conhecido palco do
espetáculo que estaria por vir.
Multidões estavam lá desde as primeiras horas da manhã. Em Portugal já era
em torno do meio dia e o número de representantes das diversas moradas
iluminadas pelo nosso Sol poderia ser estimado na casa de milhões. Todos
estavam perfeitamente bem acomodados, e a visão do centro do palco, de onde
Maria iria aparecer era perfeita para todos que ali estavam. Por ser uma platéia
apenas de seres providos de roupagem astral, as arquibancadas da frente não
eram empecilho para os espectadores das arquibancadas de trás. Elas foram
cristalizadas magneticamente com o atributo da “tenuidade astral” o que
possibilitava para aqueles seres enxergar através dela. Vários serventes das
diversas moradas de onde Maria palestrou estiveram engajados nesse trabalho.
Prepararam com muito afinco o palco da primeira aparição de Maria, e assim
fariam por mais cinco vezes naquele ano.

133
As Moradas e os Segredos de Maria

Havia três crianças caminhando por lá. A menina mais velha tinha em torno
dos dez anos de idade. Estavam lá também um menino de nove anos e uma
menina mais nova de aproximadamente uns sete anos. Naquele instante surgiu do
céu uma claridade diferente daquilo que aquelas crianças estavam acostumadas a
ver. Em um primeiro momento, aquilo parecia que iria ofuscar suas vistas. No
meio daquela névoa começou a se formar a imagem de Maria. Como da vez que
ela surgiu para os habitantes da Morada Universo Solar, lá estava ela toda
esplendorosa. Sua aparência era jovial e sua beleza permanecia sublime. A
mesma figura da belíssima mulher de pele clara estava lá. Desta vez o seu vestido
tinha uma cor ainda mais alva do que outrora. Ela possuía um manto orlado de
ouro que cobria desde a sua cabeça até o restante do seu corpo. Seu olhar
parecia um pouco triste, no entanto mesmo assim ele transmitia a pura expressão
do amor. Feixes de luz eram emanados a partir da sua imagem, atingindo
explendorosamente o campo ao redor daquele cenário onde ela mantinha-se
flutuando pouco acima de uma pequena azinheira.
A primeira reação daquelas crianças foi de querer fugir, no entanto a voz doce
e encantadora de Maria falou para eles não terem medo, que ela não iria fazê-los
mal. Seu objetivo naquele primeiro diálogo era de prepará-los para as futuras
aparições que se dariam ao longo daquele ano. A menina mais velha que se
chamava Lucia questionava Maria, perguntando de onde ela era e o que ela
queria. Maria respondia que não fazia parte do mundo terrestre e pedia para as
três crianças voltarem naquele mesmo local todos os dias treze a contar daquele
mês. Lucia como uma criança inocente questionou Maria sobre o destino de cada
um dos três ali presentes após a perda da roupagem carnal, bem como o destino
de duas amigas que já estavam desprovidas dessa roupagem. Maria respondia
em uma linguagem simples para que Lucia entendesse, dizendo quem iria ou já
estava no Céu ou Purgatório. Ela classificava como Céu alguma morada de luz tal
como a Universo Solar e Purgatório alguma coisa similar ao Vales das Trevas ou
algo ainda pior.
Maria mencionava o sacrifício que aqueles três pequeninos teriam pela frente,
pois levariam adiante uma estória que poucas pessoas acreditariam. Dizia para
eles que esse esforço seria feito por Deus, em ato de reparação pelos pecados
com que ele vinha sendo ofendido. Ela pregava ainda que o sofrimento que
aquelas crianças teriam seria compensado pelo conforto que Deus lhes enviaria.
Por fim, Maria pediu às crianças que rezassem o Terço diariamente, pois assim
poderiam alcançar a paz e o mundo sem guerras. Em outras palavras, o que
acontecia ali com toda a sustentação do mundo astral que assistia de camarote o
espetáculo, era um pedido de Maria para que aquelas crianças fizessem um

134
Carlos Eduardo Milito

chamado “sacrifício voluntário”, e isso, é inclusive mostrado em escrituras


sagradas em várias passagens com a denominação de Penitência. O que Maria
pretendia mostrar às crianças e ao mundo terrestre era o caminho a ser seguido
pelos seres providos de roupagem carnal para conseguir a evolução. A prática de
algum benefício em favor do próximo com total doação e empenho era classificada
nas palavras de Maria como sacrifício. Seu primeiro recado estava dado e, na
visão das crianças, nenhum segredo ainda tinha sido revelado.
Aquela primeira aparição deixou todos os espectadores ali presentes repletos
de esperança que o mundo terrestre realmente começasse a melhorar. As
crianças foram escolhidas para essa nobre missão. Enfrentariam percalços e
sofreriam por Maria. No futuro o planeta seria contemplado pelo ato delas. Maria
então se despediu e começou a se elevar flutuando cada vez mais até
desaparecer no horizonte.

/ / /

Naquele domingo a sensação de todos que estiveram na Missa do Mosteiro


São Bento foi de intensa paz. Clarice fez questão de convidar todos os familiares
de Laerte para o almoço na casa dela. Passaram uma agradável tarde com
conversas informais e descontraídas. Emília sentia-se cada vez mais envolvida
por Laerte e sua mãe, como não poderia deixar de ser, torcia para que isso
acontecesse e desse certo.

135
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 36

Na tarde daquele domingo, dia treze maio, após o almoço servido por Clarice
na sua casa, os familiares de Laerte despediram-se e agradeceram por tudo. O
final do dia já prenunciava um anoitecer um pouco frio e enquanto isso, na sala, as
três mulheres da família conversavam:
- A família Silveira é muito agradável. Eles não são exatamente do nosso
nível social, mas não vejo problemas em mantermos o contato – ponderou Clarice
– Me dou muito bem com a Dona Lourdes.
- Problemas mãe? O que poderia ser problema? – questionou Clara – O nível
econômico deles ser diferente do nosso?
- Sabe como é, né filha? Nós temos que manter as aparências. Nossa
posição social exige isso. Como os “Silveira” são educados, apresentam bons
traços, se vestem razoavelmente bem, então não nos comprometemos.
- A forma que a senhora pensa é um absurdo, mamãe. Eu não concordo com
nada disso. – retrucou Clara.
- É mamãe – interveio Emilia – não quero tomar partido de Clara, mas acho
que a senhora está exagerando com isso. Não é bem assim né mãe? Pensa só:
Hoje sou muito amiga do Laerte e a senhora até torce para que um dia nós não
casemos não é verdade? Não sei se isso vai acontecer, mas me responda com
sinceridade: E se o Laerte fosse paupérrimo? Como a senhora se comportaria?
- O que está havendo com vocês duas? Fizeram um complô contra mim?
Tenho que deixar claro que criei vocês duas para um bom casamento. Se o seu
pai estivesse aqui, agiria como eu. O Laerte apesar de não ser do nosso nível
social me agrada sim. É claro que seria melhor se eles fossem do nosso nível
social.
- Então a resposta para o que Emília questionou agora seria a sua negação
ao namoro? – perguntou Clara.
- Eu não sei por que vocês duas estão com essas perguntas, mas eu já falei
o que eu penso.
- É lamentável mamãe. A senhora que se diz tão católica e freqüenta
assiduamente as missas do Mosteiro São Bento deveria pensar diferente. Todos
nós somos iguais perante Deus não é? – disse Clara.
- Você pode me dizer o que está havendo Emília? Aonde vocês duas querem
chegar? Que conversa é essa minhas filhas?
- Pois bem mamãe, tenho que abrir o jogo – disse Clara – Eu estou
apaixonada por um rapaz com condições ainda inferiores ao do Laerte. É isso!

136
Carlos Eduardo Milito

Naquele momento Emilia gelou. A descarga de adrenalina foi grande, pois ela
sabia que Clara era determinada e prática. Tentaria defender sua irmã.
- Como assim? Você estuda em uma escola é só de meninas. Depois que
seu pai faleceu, nós mal temos freqüentado os encontros da sociedade. Que eu
saiba você não sai de casa. Conheceu como?
- Mamãe, conheci há pouco tempo. Mais precisamente conheci depois que
papai faleceu.
Clarice foi tomada por uma dúvida muito grande. Inicialmente pensou que
fosse Leandro o irmão mais novo de Laerte. Ele também era jovem e tinha vinte e
dois anos, três a menos que Laerte. Mas como poderia ser Laerte, se Clara
acabava de dizer que as condições sociais do rapaz eram pior que a de Laerte?
Além do que, no almoço que eles tiveram durante aquela tarde eles não pareciam
se tratar como que tivesse interessado em algo mais. Ela quis logo acabar com a
dúvida:
- Não é Leandro então?
- Mamãe, eu já falei que ele é bem mais simples que a gente.
- Olha, Clara. Acabe logo com essa estória que já estou ficando nervosa.
Quem é o rapaz? Como você conheceu?
- Ele é primo do seu funcionário que toma conta da fazenda lá de Jundiaí. O
nome dele é Genésio. Ele é filho da Dona Benedita mamãe.
- O que é isso Clara? Você está brincando comigo não é? Você está falando
sério?
- Nunca estive tão séria e determinada
- Isso não é verdade. Você enlouqueceu?
- Sim mamãe. Enlouqueci de paixão! Genésio é minha alma gêmea.
- Além de serem paupérrimos eles são negros. Não posso admitir um
absurdo desses.
- Absurdo é o modo da senhora pensar mamãe. De nada adianta pregar
Deus e ser preconceituosa. Eles são dignos e trabalhadores. Além de tudo tem um
bom coração.
- Não quero você envolvida com ele. Entendeu? Emília o que você me diz
sobre isso?
- Olha mamãe – ponderou Emília – Acho que vocês duas tem que esfriar a
cabeça e conversar esse assunto depois. Isso é muito delicado.
- Já sei. Vocês duas estão de conchavo contra mim. Não posso admitir isso.
Tenho que preservá-las para a sociedade. O Laerte tudo bem. Eu aceitaria se
você, Emília ,quisesse se envolver com ele. Mas o Genésio? Um serviçal negro.

137
As Moradas e os Segredos de Maria

Só não nasceu escravo por que teve a sorte de após a Lei Áurea. Não dá para
admitir isso.
- Mas mamãe. Ele é inteligente. Se ele estudasse poderia ter um bom futuro.
– disse Clara para a mãe que olhava com olhos de ódio. – A senhora poderia
aceitar nosso romance e ainda ajudá-lo trazendo-o para cá perto de mim a
arrumando um trabalho para ele.
- Chega de bobagens! Chega!! Chega – gritava Clarice que estava à beira da
histeria – Não quero saber mais disso. E tem mais: A partir de agora este assunto
está encerrado entendeu? Você tem dezessete anos apenas. Está sob minha
tutela. Aqui quem manda sou eu. Vou proibir nosso motorista a sair de São Paulo
a partir de agora. Não quero você encontrando essa gente. Se um dia você quiser
se envolver com gente dessa espécie, você terá que se sustentar e ganhar seu
dinheiro. Não conte comigo para nada! Está entendido?
Clara saiu daquela sala de visita bruscamente e subiu as escadas correndo.
Entrou rapidamente no seu quarto e se pôs a chorar sozinha. Emilia,
desconcertada pensou em ir atrás da irmã quando Clarice falou:
- E você mocinha, agora vai escolher: Ou vai me apoiar a acabar com esse
absurdo, ou vou dificultar as coisas para você também.
- Nossa mãe. Deixa-me ir lá acalmá-la. Ela saiu daqui chorando.
- Não vá! Isso passa. É um absurdo essa estória! Por isso que vocês
estavam indo lá todos os sábados. Vocês todos já sabiam não é? Agora eu
entendi o porquê de vocês duas terem ido a missa comigo. Tudo é puro interesse!
Uma vergonha.
- Mamãe. Eles são muito bons. Você deveria pensar diferente, como católica.
- Escuta aqui mocinha. Você quer que eu perca o controle com você
também? Isso eu não vou aceitar nunca. Se sua irmã continuar com essa idéia
absurda vou deserdá-la. Diga isso a ela. Não quero mais essa conversa.
Clarice dirigiu-se para o seu quarto. Estava totalmente transtornada. Sentia
uma mistura de ódio e revolta por sua filha ter se apaixonado por Genésio. Ela mal
os conhecia. O pouco que ela sabia sobre eles era devido às informações sobre o
seu funcionário João que era sobrinho de Dona Benedita e contava suas estórias.
Por isso então, ela chegou a pensar que a tal senhora negra estava mal
intencionada sabendo da condição de Clara e fazendo “rezas” e “simpatia” para
unir seu filho a ela.
Emília tentava consolar a irmã, dizendo para ela ter paciência e buscar forças
para enfrentar aquele momento. Clara estava arrasada. Ela disse a Emília que
ouviu sua mãe gritando sabendo que poderia ser deserdada.

138
Carlos Eduardo Milito

- Calma Clara. Isso passa. Como é que você queria que fosse sua primeira
conversa em relação a esse assunto? Nós já esperávamos por isso, não é?
- Ela vai dificultar ao máximo nossos encontros Emilia – chorava Clara.
- Tenha forças, Clara. Nada como um dia após o outro.
- Mas não vou poder vê-lo mais.
- Tenha paciência Clara. Faça o seguinte: Escreva uma carta a ele e explique
tudo. Diga que você ficará ausente por algum tempo. Ele certamente irá entender.
- É verdade. Acho que ele vai conseguir ler minha carta sim. Ele pode não
saber ler direito, mas é bem inteligente. Vou escrever agora.
- Faça isso Clara. E vamos ter fé que as coisas vão melhorar para você.
As duas continuaram a conversas por mais uma meia hora e Emília conseguiu
até arrancar alguns tímidos sorrisos amarelos de Clara durante a conversa. A
partir de agora ela iria precisar muito do apoio da irmã e de Laerte para poder
enfrentar sua mãe. Pelo menos pelas próximas semanas, elas decidiram não ir
para Jundiaí para as coisas acalmarem na mansão. Clara escreveria a carta para
Genésio explicando tudo.

139
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 37

“Morada Universo Solar” – 30 de Maio de 1.917

Na manhã daquela quarta-feira, mestre Jonas havia se entendido com o


governador do Palácio da Cura para envolver uma de suas súditas em uma
missão de auxílio que eles teriam nesse dia. Tratava-se de Olga, que atuava no
“Centro de Recuperação” daquele Palácio. Seu ofício era de tratar as pessoas que
chegavam da Terra com alguma enfermidade na roupagem astral, no entanto ela
desta vez, ela seria envolvida em uma tarefa diferente: Trazer uma pessoa para a
Morada Universo Solar. Tratava-se de alguém que ela já conhecia há muitos anos
atrás.
- Bom Dia Olga – disse Mestre Jonas com o seu semblante de paz de
sempre.
- Bom dia Mestre Jonas. A que devo tanta honra?
- Ora Olga. Sem cerimônias! Eu te chamei aqui porque temos uma tarefa de
resgate,e acho que você gostaria de participar. Como você sabe, essas tarefas
são atribuições do Palácio da Sustentação.
- Sei disso, Mestre Jonas. É com muita alegria que estou aqui. Saiba que
podem contar comigo quando desejarem.
- Muito bem Olga. Você já conhece Madalena que está aqui. Ela irá te
acompanhar, pois vocês irão a Terra, mas especificamente nas cercanias da
fazenda “Terra Nova” onde Plínio está vagando com os Perambulantes Terrestres.
Vocês irão trazê-lo para o Centro de Recuperação do Palácio da Cura.
Após uma ligeira pausa Mestre Jonas prosseguiu:
- Graça as suas intercessões seu marido foi libertado de uma comunidade
ainda pior. Agora será mais fácil resgatá-lo. Ficou muito tempo preso a esse antigo
grupo. Não conseguia antes perceber alguém como ele com maior nível de
esclarecimento. Agora é chegada a hora.
- Mestre Jonas. Quanto que eu aguardei esse momento! Obrigado por me
conceder essa missão. – falava Olga com emoção.
- Plínio por muitos anos ficou cego sobre o caminho da verdade. As vezes
que você foi ao seu encontro, ele não te percebia. Agora será diferente.
- Não sei como agradecer Mestre Jonas.
- Agradeça ao Mestre dos Mestres em pensamento.
Madalena e Olga entraram no veículo astral que estava a sua espera e se
dirigiram para a Fazenda Terra Nova. Chegando lá, elas se depararam com um
grande casarão que foi cristalizado por Plínio e seus companheiros. Seu aspecto

140
Carlos Eduardo Milito

era muito similar ao grande casarão que acomodava todos os seus familiares
quando estavam por lá. No entanto, ele era percebido apenas por seres
desprovidos de roupagem carnal. Estava localizado na parte nova daquela
fazenda, ou seja, nas terras que o seu filho Marcos Albuquerque havia comprado
de Joel. O motivo da cristalização daquele casarão por Plínio é explicado pelo
grande apego que ele tinha nos seus bens materiais. Depois de nove anos de
sofrimento em regiões nevoentas ele havia se libertado, no entanto, refugiou-se na
sua antiga morada terrestre, perambulando por lá sem direção. Acabou se
envolvendo com seres da mesma freqüência onde juntos fizeram aquele trabalho
de cristalização. Sua ignorância sobre os caminhos da luz e da verdade deixava-o
completamente alheio à vida maior.
Plínio estava nas cercanias daquele grande casarão quando avistou no céu um
grosso feixe de luz que surgia do infinito e terminava alguns metros a sua frente. O
feixe acompanhado de uma névoa esbranquiçada foi ganhando corpo e de
repente surgiu o veículo astral nunca visto por ele. Seu primeiro pensamento foi de
que alguém queria novamente tentar convencê-lo a partir daquele lugar. Todas as
vezes que algum outro ser com maior esclarecimento tentava fazer isso, sua
aparição era quase que instantânea e nunca acompanhada por um veículo
daquele tipo. Agora era diferente: Aquilo era algo nunca visto por ele. Isso
intimamente lhe trazia uma sensação de paz e tranqüilidade. De repente surgiam
duas jovens mulheres saindo pela porta do veículo astral no meio daquela neblina.
Olga e Madalena estavam com longos vestidos, sapatos de cor clara e com uma
fisionomia de muita paz. Inicialmente Plínio não reconheceu Olga, pois sentia sua
visão ofuscada pela neblina. Aquela cena lhe dava a sensação de uma claridade
aumentada. Ele percebia duas belas mulheres com cabelos longos. Madalena
então começou a falar:
- Como tem passado, Plínio?
- Quem são vocês? Como sabem o meu nome?
- Você em seus momentos de fé pediu ajuda aos céus, e agora fomos
enviadas para ajudá-lo. – respondeu Madalena.
- De fato eu passei muito tempo na escuridão, mas agora eu me sinto bem.
Creio que já fui ajudado. Vejam só: Construí a minha própria casa. Reencontrei
meu filho e minhas netas. Estou bem, apesar deles não me perceberem. Inclusive
acho que meu filho tirou longas férias, pois faz algum tempo que eu não o vejo.
- Que bom que você se sente bem agora, Plínio, mas na nossa Morada as
coisas são ainda melhores. Você poderia vir conosco.
- Estou bem agora, Senhoras. Por outras vezes outras pessoas tentaram me
convencer a partir, mas não quero deixar essas terras, este cafezal e as demais

141
As Moradas e os Segredos de Maria

culturas daqui. Por isso que eu construí esta casa. E além de tudo tem meus
familiares todos aqui.
- Entendo seu ponto vista querido Plínio – interveio Olga – Mas temos muitas
coisas interessantes na nossa morada. Eu e Madalena poderemos cuidar muito
bem de você por lá, e então num futuro próximo você poderá visitar seus parentes
por aqui.
Naquele momento a névoa já estava diminuindo sua densidade e Plínio
percebeu na voz de Olga algo muito familiar. Ele ficou estático por vários
segundos olhando fixamente para as duas mulheres a sua frente. Ele ainda não
conseguia distinguir suas fisionomias. Então antes de dizer qualquer palavra,
resolveu esperar a nevoa se dissipar completamente. Estava então na sua frente
a imagem viva de sua querida esposa Olga. Toda bela, radiante, exuberante e
com a mesma aparência jovial que tinha pouco antes de partir. Plínio chorou de
emoção. Não acreditava na cena que assistia. Entre lágrimas e soluços soltou
algumas palavras:
- Olga meu amor. Você voltou!
- Quanto que eu esperei por esse momento, querido – Disse Olga com
emoção que se dirigiu ao encontro de Plínio para depois abraçá-lo com muito
carinho.
- Por que tanto tempo aqui estou sem poder vê-la meu Deus?
- Não pense no passado, Querido! Vamos viver agora uma nova vida. Tentei
por esses anos todos desde sua chegada interceder por você. Conseguimos tirar
você do convívio de irmãos desvirtuados do caminho da verdade. Você agora
precisa galgar mais alguns passos na escala evolutiva.
- Querida, você continua linda. Você está muito mais nova que eu
- Então meu amor. Você terá muito que aprender e reaprender nos seios na
nossa morada. Trabalhando, estudando e nos ouvindo poderá moldar sua
roupagem astral com a aparência da sua plena juventude. Peço que venha
comigo.
- Mas e tudo isso aqui?
- São coisas matérias, meu querido. Você terá que entender que na vida
física tudo é transitório e mutável. O apego que tens por tudo isso terá que ser
superado para reencontrar a felicidade plena.
- E você estará comigo na sua morada?
- Eu nunca te abandonei. Eu sempre estive contigo. Se nos acompanhar terei
a dádiva de te cuidar, pois o meu ofício por lá é bem esse. Faça então uma troca:
Deixe tudo o que está aqui de coração aberto sabendo que reencontrou o seu
grande amor da sua última vida na Terra. Que tal?

142
Carlos Eduardo Milito

Plínio chorava copiosamente. Estava feliz. Não tinha palavras para responder
os últimos argumentos de Olga. Quando viveram na Terra, eles foram tomados
por uma grande paixão quando se conheceram. Eram muito jovens no início do
namoro e só se casaram em torno dos vinte e cinco anos. Depois que Marcos
Albuquerque nasceu e Olga veio a falecer no parto, Plínio se apegou ao trabalho
de uma forma veemente para suprir sua dor. Talvez por esse motivo, com uma
grande determinação, ele conseguiu construir um verdadeiro império. Assim, ele
nunca mais havia se interessado por mulher alguma. Acreditava que Olga era sua
alma gêmea. Agora estava ele frente a frente com o grande amor de sua vida.
- Olga meu amor. Eu vou com você para qualquer canto do universo, minha
querida.
- Que bom Plínio. Nossos companheiros de lá estão à sua espera. Você já
sofreu muito por todos esses anos, meu querido. É então chegada a hora da
nossa partida. Você iniciará um tratamento por lá.
- Como você quiser, meu amor.
Olga tomou Plínio pelo braço. Os dois começaram a caminhar lentamente em
direção ao veículo astral e foram os primeiros a entrar. Em seguida, Madalena
também entrou na nave que em poucos segundos rasgou o céu azul como um
cometa em direção ao Palácio da Cura.

143
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 38

“Vale das Trevas” – 1 de Junho de 1.917

Era noite no Vale das Trevas. Naquela sexta-feira, após uma habitual reunião
de todos os membros da comunidade no casarão que abrigava a sede,
Albuquerque foi chamado em particular pelo Mestre Zuzo.
- Você tem trabalhado bem, Marcos. Nem parece mais aquela pessoa
revoltada quando capturamos você.
- Mestre Zuzo, você sabe que agarrei com unhas e dentes essa oportunidade
para que vocês também me ajudem.
- Eu sei que você trabalha por interesse, mas tudo bem. Afinal, não
esquecemos o seu plano de vingança.
- Por isso que estou sendo um membro exemplar de sua comunidade,
Mestre Zuzo. Faço tudo o que vocês me pedem. No começo eu não me sentia
bem fazendo o tipo de trabalho que vocês fazem, mas agora já me acostumei.
- Isso mesmo, Marcos. Agora você já se acostumou e quando você gostar de
fazer esse tipo de trabalho terá potencial para liderar os meus súditos.
- Por que diz isso Mestre Zuzo? Pretende nos deixar?
- Ainda não, mas um dia quem sabe. Pretendo expandir nossa comunidade e
abranger outras “regiões negras”.
- Outras regiões? Como assim?
- A nossa comunidade atua em um dos primeiros setores dessas regiões
negras. Existem vários outros, onde, por exemplo, se formos usar palavras da
Terra para comparar, podemos dizer que são regiões similar ao inferno. O que
acontece é que por lá seus líderes são pessoas de difícil acesso. Vez ou outra eu
tento manter algum diálogo, mas até agora não tive êxito.
- Interessante. O que eu puder ajudar, estou a disposição, Mestre.
- Sempre prestativo né Marcos? Sabe que como recompensa pelo seu
esforço, vamos envolver Ernesto novamente em sonho esta noite. Que tal?
- Ótimo Mestre. Mas vocês já fizeram isso por quatro vezes até agora e ele
continua lá no seu canto e Joel também.
- Sim, sim. Mas ele está cada vez mais perturbado. Pode acreditar.
- Acredito, mas minha ansiedade por vingança é muito grande.
- Controle-se Marcos. Ernesto é totalmente influenciável. Como ele, há outros
tantos assim na Terra e por vezes a medicina de lá trata isso como esquizofrenia.
Esses tipos são um prato cheio para nós. Ernesto poderá enlouquecer a ponto de
querer matar Joel.

144
Carlos Eduardo Milito

- Mas é isso que eu quero, Mestre. Quero Joel deste lado e de preferência
esse tal de Ernesto também.
- Vamos ver o que nós faremos. Vamos esperar Ernesto adormecer por lá
para agirmos.
- Obrigado pela ajuda Mestre Zuzo. Estarei como expectador da cena que
vocês irão montar.
- Não precisa agradecer. Isso para nós não deixa de ser um divertido
trabalho.
Naquela noite os Cavaleiros das Trevas iriam até Ernesto e o fariam sonhar
durante a noite conforme já haviam feito por outras vezes. Era ainda em torno de
oito horas da noite e eles aguardariam mais algum tempo para colocar o plano em
ação.

/ / /

Enquanto isso na mansão dos Albuquerque as duas moças conversavam no


quarto de Emília:
- Emília, amanhã é Sábado de novo e será o terceiro final de semana que
vou ficar sem ver Genésio. Você sabe o que é isso? São mais de vinte dias sem
vê-lo. – Disse Clara.
- É preciso paciência Clara. Nós já sabíamos que a mamãe seria irredutível.
- Mas ela não me olha mais na cara desde nossa conversa. Está certo que
trabalha muito e mal para em casa, mas isso não justifica. Veja que com você é só
bajulação. Vive de conversas.
- Calma Clara, o tempo te ajudará.
- O tempo está passando Emília, e estou angustiada. Por sorte nosso
motorista recebeu o recado do João lá da fazenda quando levou mamãe lá, bem
no começo da semana. O Genésio mandou dizer para eu ficar tranqüila, pois leu
minha carta. A Dona Benedita disse para eu enfrentar com coragem esta fase.
- Então Clara. Faça isso. Se a Dona Benedita te mandou esse recado,
espere mais um pouco. Além do mais Genésio também compreende o que está
acontecendo.
- Vou esperar mais alguns dias sim, querida irmã, e depois terei uma
conversa definitiva com a mamãe.
Emilia não se surpreendia com a determinação de Clara. Sabia que ela
acabava de falar sério. Preferiu então encerrar aquele assunto e papear algumas
outras conversas noite adentro.

145
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 39

“Portugal” – 13 de Junho de 1.917

Uma expedição da Morada Universo Solar acabava de chegar nas


proximidades da cidade de Fátima em Portugal. Desta vez Dona Dora
acompanhava Lucas. Estavam lá também Antero e Madalena, além de outros
ilustres seres como os Governadores de todos os Palácios lá existentes. A mesma
arquibancada astral em forma de flor estava lá cristalizada para a segunda
aparição de Maria. A Cova de Iria era o centro do já conhecido palco. Desde as
primeiras horas da manhã, vários seres desprovidos da roupagem carnal estavam
lá presentes. Era em torno do meio dia daquela quarta-feira.
Havia também por lá em torno de cinqüenta pessoas providas de roupagem
carnal, pois a menina de sete anos com o nome de Jacinta não havia conseguido
guardar segredo desde a primeira aparição. As três crianças aguardavam juntas a
chegada de Maria quando surgiu do céu a mesma claridade ofuscante de outrora.
A mesma névoa vista no mês anterior acompanhava o feixe de luz. Isso tudo era
percebido pelas crianças e talvez por um ou outro adulto que estava por lá. Então
surgiu Maria com a mesma beleza e os mesmos vestimentos da primeira aparição.
Após o questionamento inicial da menina Lúcia, A voz doce e encantadora de
Maria frisava a necessidade das crianças rezarem o Terço para que a paz fosse
alcançada na Terra. Ela pedia ainda que a menina mais velha aprendesse a Ler.
Disse também, após indagação de Lucia sobre um doente, que se convertido na fé
de Deus conseguiria alcançar a cura naquele ano. As crianças, encantadas com
aquilo que presenciavam pediram inocentemente que Maria as levasse para o céu
e ela bondosamente respondeu que levaria as crianças mais novas em breve, e
que, no entanto Lúcia, a mais velha, ficaria mais tempo na Terra para ajudá-la a
cumprir uma grande missão. Somente muitos anos depois é que aquelas palavras
foram realmente compreendidas pela humanidade.
O que Maria acabava de dizer para Lúcia em uma linguagem que pudesse ser
entendida pelas crianças, foi que por vontade do seu filho, ela iria estabelecer no
mundo a devoção ao seu imaculado coração prometendo a salvação para quem a
abraçasse. Dizendo aquilo, Maria estava semeando um grande ícone de fé como
referência para a humanidade terrestre. Ela estava preparando as crianças para a
serem mensageiras da fé. Uma nova devoção começava a surgir dali. Um novo
recado então estava sendo dado para as crianças, mas no entendimento das
crianças nenhum segredo ainda tinha sido revelado.

146
Carlos Eduardo Milito

Aquela nova aparição comoveu Dona Dora que não teve a oportunidade de
estar ali presente no mês anterior. Os outros expectadores ficaram muito felizes e
com muita esperança em ver o Planeta Terra melhorar. A Guerra ainda assolava a
Europa e a toda aquela energia da aparição real de um ser divino provido somente
de roupagem astral para os humanos providos de roupagem carnal dava a
esperança para o seu término. Era preciso, no entanto uma maior aproximação
dos humanos da Terra em alguma crença divina. Em outras palavras, Maria pedia
isso nesta aparição. Como no mês anterior Maria então se despediu e começou a
elevar-se flutuando cada vez mais até desaparecer no horizonte.

147
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 40

Na noite daquela quarta-feira na Mansão da Av.Paulista, Clarice conversava


com a filha Emília na sala de visitas. O assunto era a família Silveira.
- Emília minha filha, estou organizando junto com a Lourdes um bazar
beneficente para a nossa igreja. Ela está cada vez mais entusiasmada, pois irá se
sentir útil nesses trabalhos.
- Que bom Mamãe. É sempre bom poder praticar o bem de alguma forma.
Isso indiretamente estará sendo revertido para pessoas carentes, não é mesmo?
- Sim, lógico. E a própria Lourdes faz alguns trabalhos de crochê muito
bonitos que serão colocados no bazar. Ela consegue intercalar isso durante seu
trabalho habitual de costureira.
- Interessante mamãe. Fico contente com a iniciativa de vocês..
Nesse exato momento, Clara desce a escada e ouviu o final da conversa das
duas. Desde a sua revelação para a mãe a exatos trinta e um dias, mal trocavam
palavras, pois Clarice com a desculpa do trabalho mal parava em casa. Quando
estava lá, vivia envolvida com papéis de trabalho. Ela iria aproveitar aquela
conversa entre as duas para tentar resolver sua situação.
- Que coisa bonita isso mamãe. Organizar esse bazar e reverter a renda para
a igreja não deixa de ser caridade – disse Clara para a mãe.
- Não sei por que esse espanto, Clara. Faço isso há anos.
- Sei disso mamãe, mas caridade a senhora tinha que começar a fazer aqui
em casa.
- O que você está dizendo Clara? Aonde você quer chegar? Perguntou
Clarice com um tom de irritação.
- Você sabe mamãe. Estou sendo tolhida das minhas vontades e desejos.
Você está sendo inflexível. Nem conversar comigo como Mãe e Filha você quer.
Desde aquela nossa conversa sobre o Genésio, você só trocou poucas palavras
como bom dia, boa tarde e boa noite. Você vem agindo secamente comigo.
- Você ainda está pensando naquela gente? Pensei que você havia
esquecido. Isso que passa pela sua cabeça é pura bobagem. Você é adolescente
e está deslumbrada. Você tem que esquecer isso Clara.
- A senhora não entende nada dos meus sentimentos. Acha que por que
tenho somente dezessete anos estou encantada ou hipnotizada. Não é nada disso
mamãe. Eu sei o que eu quero. Estou sofrendo muito. Não posso ver mais
Genésio. Por morar longe me sinto aprisionada.

148
Carlos Eduardo Milito

- Ainda bem. Nem pense em encontrar esse negro sujo. Nunca deixaria uma
filha minha se envolver com um plantador de café. Sagrada distância entre São
Paulo e Jundiaí.
Clara com água nos olhos e segurando o choro respondeu com um tom de voz
alta, quase aos gritos.
- A sua crença Mamãe, é uma farsa! A senhora freqüenta a Igreja para
aparecer para a sociedade. Esse bazar que a senhora está organizando também é
uma farsa. Não adianta Mamãe, a senhora freqüentar uma Igreja assiduamente e
ter esses pensamentos preconceituosos. Não adianta mamãe, a senhora fazer
generosas doações ao Mosteiro São Bento e distinguir classe social ou raça.
Somos todos filhos de Deus ou não? Eu vou ficar com o Genésio sim. Nem que
para isso eu tenha que ir embora daqui.
- Experimente fazer isso para ver o que acontece – respondeu Clarice aos
gritos
- Você esta me ameaçando mamãe? – gritava Clara.
Naquele momento Emilia interveio tentando acalmar as duas. Clara chorava e
Clarice a olhava com um ar de afronto. Emília falou:
- Não dá para vocês duas conversarem civilizadamente?
- É impossível conversar com a mamãe – disse Clara entre soluços – A filha
Clara vai viver com o “negro sujo” e “plantador de café”, mas vai ser feliz.
- Eu vou te deserdar se você fizer isso. – disse Clarice – Já não bastam
meus problemas do dia a dia que tenho que enfrentar e tenho que passar por essa
ladainha em casa? Pensa que é fácil tocar o império que o seu pai deixou?
- Insensível – gritava Clara para a mãe – .Insensível, Insensível.
Clara subiu a escada correndo e bateu a porta do seu quarto deixando Emília e
Clarice na sala. Elas estavam sozinhas novamente. Emília tentava contemporizar.
- Calma mamãe. Tenha paciência com Clara.
- Isso tudo é um absurdo. Não vou tolerar sua irmã com essa idéia. Nem que
eu arrume uma viagem para ela. Isso mesmo Emilia. Vou mandá-la para Paris por
pelo menos um ano.
- Acho que a senhora não deveria fazer isso, mamãe. Dê tempo ao tempo.
- Para de proteger sua irmã. Você não ser contra esse absurdo tudo bem,
mas protegê-la não. Por favor, Emília. Paris é uma boa idéia sim. Seu pai gostava
muito de lá.
- Mesmo assim acho que a senhora deveria esperar
- Esperar o que Emilia? Você sabe como Clara é teimosa. Quando ela quer
alguma coisa, ela faz de tudo para conseguir. Deixei o tempo passar para ver se

149
As Moradas e os Segredos de Maria

ela esquecia tudo isso e não adiantou. Você viu. Vou providenciar tudo amanhã
mesmo.
Se Clara era determinada, sua mãe Clarice não ficava nada atrás. A viúva
braço de ferro também era prática e objetiva. Não era por acaso que ela estava
conseguindo administrar com louvor os negócios deixados pelo marido. Teria
como meta agora preparar uma longa viagem para sua filha.

/ / /

Na manhã seguinte, Clara foi a primeira a despertar naquela mansão. Após a


discussão com a sua mãe tinha silenciosamente preparado uma mala com suas
roupas mais habituais e todos os seus pertences íntimos. Estava decidida: Iria
embora. Tinha algum dinheiro guardado que seria suficiente para se manter por
vários dias. Dessa forma partiu. Deixou um breve bilhete para Emília, dizendo que
a amava muito e que foi procurar o seu lugar ao sol. Consegui pegar uma charrete
que fazia o serviço de Táxi naquela região da Av.Paulista. Chegou na estação da
Luz e iria embarcar em sentido a Jundiaí pela ferrovia São Paulo Railway. Apesar
de ter apenas dezessete anos, Clara tinha um porte de mulher feita e poderia
passar como uma mulher de mais idade.
Durante o café da manhã Clarice e Emília estavam sentadas a mesa, e
notaram a demora de Clara para descer e tomar o café. Emília questionou sua
mãe:
- Mamãe. Não é melhor eu chamar Clara? Nós sempre tomamos o café
juntas.
- Deixe-a. Isso é birra de adolescente. Ela vai ver só o que a espera.
- Mas mamãe. Nada como uma boa conversa. Deixa-me tentar ir lá.
- Para que? Para ela descer e brigarmos de novo. Deixe-a. Tenho muito que
fazer para me aborrecer logo cedo.
- Isso não pode continuar assim, mamãe! Vocês têm que se entender.
- Pode deixar Emília. Os ares de Paris irão fazer bem para Clara.
Clarice não deixou Emília chamar a irmã e continuaram tomando café juntas.
Em seguida Clarice se despediu e foi para o seu trabalho no Banco que ficava no
centro da cidade. Emília subiu no quarto para falar com Clara e teve um choque
ao ver a cama vazia e um bilhete para ela. Depois do choque inicial, Emília
pensou em não avisar a mãe naquele horário para que o plano de fuga não fosse
interceptado, pois ela sempre apoiou a irmã. Durante o dia, ela procuraria Laerte
para contar tudo e somente no início da noite eles comunicariam a o fato ocorrido
para Clarice.

150
Carlos Eduardo Milito

No final daquela tarde Clara estava na frente do casebre de Dona Benedita e


Genésio. Ela mostrava uma exaustão natural e uma fisionomia cansada, porém
sentia-se radiante de felicidade. Suas bagagens pesadas eram vencidas pelo seu
entusiasmo em reencontrar Genésio. Após perceber os latidos do cachorro vira
lata por ver Clara na frente do casebre, Dona Benedita veio ver quem era.
- Minha filha. Que bom te ver! Que saudades – falou Dona Benedita com
uma fisionomia alegre que logo pediu para Clara entrar e a acomodou na sua sala.
- Dona Benedita. Eu não suportava mais tantas restrições da minha mãe.
Fugi de casa. Se a senhora conseguir arrumar um lugar para eu ficar bem aqui
perto do seu filho, e um trabalho para mim, serei muito grata. Sei cozinhar e posso
cuidar de um lar.
- Minha filha. Você fugiu de casa? Por que fez isso?
- O que eu deveria fazer? Contei tudo para minha mãe e ela se mostrou
irredutível. Ela é preconceituosa. Ela só se preocupa em aparecer para a alta
sociedade paulistana. Eu sei o que eu quero para minha vida. Eu amo o seu filho.
Desde o primeiro momento que eu o conheci senti isso. Estou disposta a abrir
mão de toda minha riqueza por ele. Mamãe falou que vai me deserdar.
- Querida Clara. Sua mãe não enxerga as coisas como você e um dia você
terá que perdoa-la por tudo que ela faz e ainda poderá fazer. Você tem certeza
dessa sua decisão minha filha?
- Sim Dona Benedita. Tenho.
- A Renúncia é um nobre ato para a evolução dos seres do Universo. Você
nasceu em uma família muito rica Clara, conhece todos os confortos materiais que
a vida pode dar. É uma menina estudada, viajada, dotada de muita beleza e sabe
que se sua mãe realmente levar adiante essa idéia, você ficará como a gente:
Com uma vida muito simples.
- Estou renunciando a tudo por amor. Vou aprender a ser pobre se for o
caso. Terei dignidade para arrumar algum trabalho. Mas eu sei que serei muito
feliz ao lado seu filho. E ele como está?
- Está no Cafezal trabalhando. Desde quando leu sua carta, não vem se
alimentando muito bem e sei que silenciosamente sofre com o que vem
acontecendo.
- Então Dona Benedita. Há um cocheiro aqui perto que me trouxe da estação
de trem até aqui e vou pedir para ele me leva-lo para a Fazenda de mamãe
somente por essa noite.
- Clara, já está começando a anoitecer. Nós te acomodaremos aqui nesta
noite.

151
As Moradas e os Segredos de Maria

- Não quero incomodar. O cocheiro está acostumado a essa região e a


fazenda não é muito distante daqui.
- Nada disso. Se você não se incomodar de dormir na sala irá ficar conosco
sim. Além do mais, Genésio nem chegou ainda, e se você partisse agora não iria
vê-lo.
- Está bem, você me convenceu.
Clarice no final daquele dia tomou ciência da fuga de sua filha e só não se
descontrolou completamente, pois Laerte estava junto com Emília na hora da
notícia.
- Filha ingrata. Tantos mimos, tantos cuidados. Demos de tudo para ela e
veja só. Foi embora.
- Mamãe, eu sempre falei para a senhora procurar dialogar com Clara. –
interveio Emilia
- Não dava para dialogar com ela. Tudo tinha que ser do jeito dela. Ela nunca
me ouvia. Desde criança. Você não. Você tinha um gênio melhor.
- Mas mamãe. Nós sabemos onde ela está. Ela deve estar em Jundiaí. Ou
deve estar na nossa fazenda, ou até mesmo na casa de Genésio.
- Ela escolheu esse caminho então vou cumprir minha palavra: Primeiro vou
esperar alguns dias para ver se ela se arrepende e volta. E depois, se for o caso,
tentarei ainda arranca-la daquela gente, mas se ela não voltar, então sim mudarei
todo o meu testamento.
- Eu acho que vocês têm que conversar primeiro, mamãe.
- Não terá diálogo. Sua irmã precisa de uma boa surra e ficar sem sair de
casa por longos meses. Só ir a escola e voltar.
- Ela não é mais uma criança, mamãe.
- É menor de dezoito anos, apesar de ter porte de moça.
- Ela tem muita maturidade e determinação. Age como uma pessoa adulta.
- Ela tem é a cabeça no mundo da lua. Uma sonhadora. Como posso meu
Deus aceitar isso? O que todos vão dizer? – murmurava Clara – Bem, para todas
as minhas amigas e a quem mais interessar vou falar sempre que Clara está em
tratamento médico e irá ficar algum tempo na nossa fazenda. Será melhor assim.
- Nossa mamãe, a senhora se preocupa muito no que os outros pensam.
Não liga para isso não.
- Perdi meu marido há menos de três meses e agora perdi uma filha.
- Dona Clarice – interveio Laerte – Entendo sua dor, pois me coloco na sua
posição, mas não dá para comparar a perda de alguém que vive aqui neste
mundo com o que está acontecendo com Clara. A senhora acabou de tomar uma
boa decisão: Deixe um pouco o tempo passar, para quem sabe as coisas se

152
Carlos Eduardo Milito

assentarem por si só. De repente tudo volta ao normal. Não diga que perdeu uma
filha! Clara está mais viva do que nunca. Não vamos questionar o ato dela, mas de
repente por ter um ideal amoroso, ela está mais viva do que muitos daqueles que
vivem, mas deixam a vida passar sem ter um sonho, ou ainda, sem lutar por ele.
- Laerte. Sua palavras me fazem bem. Não sei se é sua entonação de voz ou
algo do tipo, mas vou deixar o tempo se encarregar de resolver essa situação para
nós.
Nada era percebido pelos três que estavam lá, mas no momento em que
Laerte falava aquelas palavras, sua avó, Dona Dora estava ali presente
silenciosamente assistindo a cena. O seu braço direito estava estendido de forma
que a palma da sua mão estivesse sobre a cabeça de Laerte.
Enquanto isso no casebre de Genésio tudo era motivo de alegria. Genésio
havia chegado do trabalho e disse que ganhou o maior presente da sua vida ao
rever Clara. Eles ficaram conversando por horas e colocaram os assuntos em dia.
Genésio tinha muito da sua mãe na forma de pensar, e por isso fez os mesmos
questionamentos a Clara sobre sua decisão. Por fim, Genésio após ter que insistir
muito, insistência cederia seu humilde quarto para Clara ficar e dormiria na sala.
Isso se repetiria pelos próximos dias.

153
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 41

“Morada Universo Solar” – 15 de Junho de 1.917

Passavam mais de três meses da chegada de Lucas na Morada Universo


Solar e ele estava se saindo cada vez melhor no seu trabalho. Executava com
perfeição suas Missões de Auxílio, e agora, não necessitava mais ser liderado por
Antero ou Madalena nesses serviços. Ele é que liderava grupos de novatos para
esse tipo de trabalho.
Sua avó Dora, assídua servente do Palácio da Transformação, sempre que
podia, passava na sua casa para lhe ver. Por sua iniciativa, trazia vez ou outra,
notícias da sua família na Terra. E foi assim naquela sexta-feira pela tarde:
- Luquinhas, o seu equilíbrio emocional está sendo elogiado até pelo
governador do meu Palácio. O seu semblante permanece sempre calmo se trago
uma notícia ou outra lá da Terra.
- Não sei dizer vó, mas os dias estão passando e desde a minha chegada,
cada dia me sinto diferente. Lógico que amo todos eles, mas algo me diz que essa
separação prematura já estava traçada, então não me comovo mais. Não sinto
mais aquela angústia profunda. Os meus sentimentos mudaram. Lógico que quero
vê-los, no entanto sei que tem seu tempo.
- Isso mostra sua evolução meu neto, e por falar nisso é chegado o momento
de novas revelações para você meu querido.
- Mais novidades? Esse mundo daqui é muito dinâmico – disse Lucas
sorrindo para sua avó.
- Tudo é dinâmico para quem trabalha. Quem vive na ociosidade vive em
outra realidade. Mas o assunto de agora, você conversará com o nosso Mestre
Jonas que te aguarda no seu gabinete.
- Vou para lá agora, então.
- Irei com você meu querido, pois ele pediu que eu estivesse junto.
Chegando lá, os dois foram recebidos com muito carinho. Mestre Jonas saldou
Dona Dora e a cumprimentou pelos seus trabalhos no Palácio da Transformação.
- A família da Terra trabalhando no Plano Astral. Muito bonito!. Isso não é
privilégio de todos – sorriu Mestre Jonas para Dora e Lucas – Isso é privilégio de
quem trabalha e tem o justo merecimento. E por falar em trabalho, eu os chamei
aqui para dar a você Lucas alguma recompensa por ele. Antes de qualquer coisa,
você ficará alguns dias com Dora que irá te mostrar todo o Palácio da

154
Carlos Eduardo Milito

Transformação e seus pormenores. Depois disso, ela poderá te acompanhar nas


visitas aos seus entes terrestres se assim desejar. Que tal?
- Mestre Jonas, é com muita alegria que recebo essa notícia.
- Nossa Morada aplica as regras da justiça, meu filho. Aqui, diferentemente
da Terra, não há moeda de troca como o dinheiro deles. Há então a consciência
de cada um que sabe que é pelo trabalho calcado no amor que se sobe mais
alguns degraus na escala evolutiva. E você, Lucas, tem feito isso corretamente. O
quanto cada um trabalha e se doa em favor do próximo, fica registrado na própria
roupagem astral de cada um, onde apenas alguns seres habitantes do Palácio
Divino é que conseguem ler essa informação. Recebi então um recado do
Governador desse Palácio para fazer essa concessão para você.
- Estou muito agradecido Mestre Jonas.
- Não precisa agradecer. Continue trabalhando dessa forma que sempre irá
obter benefícios.
Lucas estava feliz, mas estava aprendendo a lidar com suas emoções. Sabia
que o tinha conseguido foi fruto de muito esforço pessoal. Estava então seguindo
as lições que aprendeu por lá: Controlando a ansiedade. Ele e Dora saíram do
Gabinete do Governador e tomaram o veículo astral em direção ao Palácio da
Transformação. Assim que chegaram Dona Dora disse:
- Luquinhas, tudo isso que você vê agora: As casas, as vegetações, as
largas alamedas, as árvores, os riachos, os pássaros e tudo mais é o chamado
Palácio da Transformação.
- Tudo é muito lindo, vó. Lembra o Palácio da Sustentação, no entanto há
algo que não sei explicar. Aqui ainda tudo parece mais belo.
- Não existem grandes diferenças meu neto. As paisagens e construções são
similares nos seis palácios da Morada Universo Solar, no entanto o que pode dar
a sensação de parecer mais belo seria o quão próximo o palácio está do topo.
Aqui também há uma hierarquia, e como você já sabe, o Palácio da Sustentação é
o primeiro de baixo para cima. Depois na ordem temos o Palácio da Cura, o
Palácio da Educação, o Palácio da Comunicação, este aqui chamado Palácio da
Transformação e o Palácio Divino.
- Mas é sutil a diferença da paisagem, mas eu percebi algo sim.
- Essa percepção é diferenciada de pessoa para pessoa, dependendo o nível
evolutivo. Bom sinal, Luquinhas.
Os dois entraram em um Prédio com o mesmo estilo Europeu de outras
construções existentes naquela Morada. Por dentro, o pé direito bem alto e um
amplo saguão principal com vários sofás e mesas de centro, formando vários
ambientes. Pessoas transitavam livremente entrando e saindo daquele prédio.

155
As Moradas e os Segredos de Maria

- Este prédio é denominado “Centro de Transformação”. Este é o meu local


de trabalho.
- Aqui me lembra o prédio de uma das sete Escolas do Palácio da Educação,
vó.
- Exatamente. Lembra também o Centro de Recuperação do Palácio da
Cura, lembra também os prédios que abrigam as governadorias de todos os
Palácios e outros mais pela nossa Morada. Tudo tem o estilo similar.
- Impressionante a beleza desses prédios.
- Venhas Luquinhas. Vou te mostrar o que temos aqui. Veja só – dizia Dora
que já estava além do saguão principal andando pelos corredores – Nesse
primeiro andar temos doze salas que compõe o chamado Setor de Arquivos. Em
cada uma dessas salas temos, como em uma escola, cinqüenta mesas pequenas
acompanhadas de cadeira. Temos ainda em cima de cada uma dessas mesas um
globovisor que é por onde as pessoas irão rever trechos de vidas passadas para
reconhecimento de erros.
Lucas não respondeu, mas sua expressão de deslumbramento dizia tudo.
- Neste segundo andar temos o Setor de Moldagem Astral. Temos aqui
também doze salas exatamente nas posições das salas abaixo, e em cada uma
delas temos dez leitos. Uma das finalidades deste Setor é a dar a aparência astral
a cada um dos seres desta morada. Por exemplo, eu Dora, quis manter a minha
aparência da Terra da última vida quando eu tinha em torno de sessenta anos de
idade. Se eu quisesse, poderia me moldar na plena juventude, ou ainda me
moldar em uma aparência de outra vida passada onde eu era dotada de muita
beleza. Só que quando atingimos um estágio de evolução o qual estamos,
percebemos que a vaidade não passa de uma fraqueza dos seres terrestres.
Então o importante aqui, é nos moldarmos com um visual que nos dê uma
identificação digna. Uma outra finalidade deste setor é dar o tratamento final
daqueles seres que tiveram uma perda muito sofrida da roupagem carnal e
mesmo depois de pesados tratamentos no Palácio da Cura, necessitam dos
nossos serviços, como se fosse o “acabamento” da roupagem astral.
Os dois pegaram as escadarias e subiram para o terceiro andar.
- Neste terceiro andar temos o Setor de Miniaturização. São também doze
salas com dez leitos cada. É neste setor que eu trabalho. Aqui fazemos todo o
preparo da roupagem astral para voltar a habitar uma roupagem carnal. O intenso
preparo para uma nova vida na Terra não começa aqui. Em primeiro lugar é
necessário a conscientização e vontade plena de voltar a Terra para que nosso
trabalho seja bem sucedido. Por vezes acontecem abortos espontâneos por lá por
problemas não deles e sim nossos. Se algum ser não quiser partir de coração

156
Carlos Eduardo Milito

aberto para reiniciar uma nova jornada isso pode acontecer. Todo o trabalho deste
setor além de abranger o momento da preparação de cada um de nós, prontos
para entrarmos em um útero materno, também abrange os casos não bem
sucedidos tão como abortos espontâneos, abortos voluntários e mortes
prematuras de recém nascidos. Nesses casos a roupagem astral tem que voltar a
forma do último intervalo celestial, ou seja, a forma de antes da miniaturização.
Daí nosso trabalho intenso desfazer a miniaturização.
- Que bela atividade que a senhora faz. Estou impressionado.
- Um dia que Mestre Jonas permitir em concordância com o meu Governador
você poderá acompanhar por completo a miniaturização de algum de nossos
irmãos.
- Saberei aguardar o momento para ver esse fascinante trabalho, vó.
- Agora vem a melhor parte, meu neto. Vamos voltar ao primeiro andar e
você com o meu auxílio irá retomar sua memória celestial dos últimos duzentos
anos. Você entenderá alguns laços existenciais da nossa família. Vamos lá.
Os dois desceram dois andares e entraram em uma das doze salas que estava
desocupada. Carinhosamente, Dona Dora acomodou Lucas sentado em uma
cadeira em frente à pequena mesa com o globovisor a sua frente. Ela levou a
palma da sua mão direita sob a cabeça de Lucas e a palma da sua mão esquerda
sob o globovisor. Fechou os olhos por dez segundos e Lucas começava a voltar
no tempo. As imagens iam surgindo no globovisor e ele começava a se lembrar de
tudo. Ele se via em um cenário europeu. Estava na Itália no começo do século
XVIII. Mais precisamente, na cidade de Florença. Ele se viu como um menino bem
pequeno e logo reconheceu que a sua mãe daquela época era a Dona Dora que
ali estava. Percebeu também que havia outra criança brincando com ele e tratava-
se de sua irmã com dois anos a menos que ele. Prontamente ele a identificou
sendo a Emília.
O filme da sua existência anterior passava no globovisor e Lucas ia
vivenciando novamente cada passo que dera naquela época. Sua vida foi de total
renúncia em favor dos necessitados. Se inspirando nos dons de sua mãe que
fazia trabalhos voluntários como enfermeira, seguiu a carreira de médico, com a
maior presteza e dedicação possível, tratando do mais nobre ser até o mais
humilde da mesma forma: com muito carinho. Relembrou também do grande amor
que tinha daquela época que era uma bela jovem com o nome de Antonieta. Em
seguida, se viu no último intervalo celestial, vivendo em Morada muito similar a
que ele vivia agora, atuando em função parecida a que Dora fazia no Palácio da
Transformação. Passados alguns minutos, Dona Dora voltou as suas mãos na
posição normal e vagarosamente, as imagens do aparelho foram de dissipando.

157
As Moradas e os Segredos de Maria

- E então meu filho? – questionava Dora com um sorriso.


- Que sensação maravilhosa. Acabei de me lembrar da minha vida na Itália
em torno do ano de 1750. A senhora era minha mãe. Emília minha irmã. Por isso
os laços se repetiram na minha última vida na Terra.
- Exatamente. Aquela sua vida foi de total renúncia em favor do próximo.
Você acumulou muitos créditos, pois além de cuidar de doentes fez muitos
sacrifícios por eles. Deixou de se casar com o seu grande amor daquela época
para abraçar a causa social.
- Louvado seja o grande criador do universo que permitiu reencontrar nessa
vida pessoas tão queridas de outras existências. Se eu continuasse na Terra,
Emília poderia ser esposa nessa minha última vida, mas sinto que Antonieta era
algo diferente.
- Sua ligação com Emília é muito bonita e vocês são almas irmãs. Antonieta
é diferente, pois vocês já formaram casais por outras vidas.
- E onde ela esta vó?
- Não se preocupe com isso, Luquinhas meu amor. Não precisa ter
ansiedade. Vocês tem a eternidade para se reencontrar. Aqui não há problemas
em relação ao tempo.
- Tudo bem querida vó, ou se preferir, mamãe, mas o meu amor por ela
naquela vida era muito intenso. Eu só gostaria de revê-la.
- Se você for recordando outras vidas, se lembrará de outras pessoas
marcantes, mas posso te afirmar que Antonieta foi a que mais tocou seu coração
nos últimos duzentos anos. Vocês fizeram a opção de não se encontrar na última
existência. Ela continuou por aqui trabalhando e agora vive lá em uma família de
classe média no Rio de Janeiro. Ela tem dez anos de idade. O reencontro pleno
de vocês está previsto para daqui uns sessenta anos.
- Realmente é um longo recesso. É muito tempo né?
- Ela que provocou isso, e você tem sua parcela de culpa. Lembra-se?
Naquela sua existência na Itália, você teve que abandoná-la para poder viver para
os doentes. Ela acabou fugindo e entrou em depressão até morrer. Você demorou
mais uns trinta anos para partir da Terra. Quando vocês se reencontraram naquele
intervalo celestial, ela tinha que voltar antes, pois havia débitos por ela ter
precipitado a sua morte, então ela voltou em torno do ano 1850 para viver como
Iracema mais quarenta anos, ou seja, o tempo que lhe restava como Antonieta, se
ela não tivesse se entregue a depressão e morrido.
- Exatamente vó. E como eu nasci em 1888 nessa última existência, ela
ainda estava lá na Terra. Quando ela voltou para cá em 1890 eu tinha dois anos
de idade.

158
Carlos Eduardo Milito

- Isso mesmo. E agora que você voltou para o intervalo celestial, ela tem dez
anos lá na Terra. Mas não se preocupe, pois a eternidade vos aguarda.
Os dois continuavam a prosa, e como ele se lembrou que havia alguém que
lhe mexia o coração mais do que Emília, então questionou Dora de como ela
estava, pois ela tinha planos de casar com ele e tudo mais.
- Iremos a Terra em breve visitar seus amigos e parentes, mas garanto que
Emília está bem. Seu irmão Laerte está sendo muito importante para isso.
- O Laerte? Que bom vó. O que ele tem feito?
- Todos superaram o desastre. Nosso apoio deste lado foi importante. Por
vezes, alguns servidores do Palácio da Comunicação faziam visitas periódicas
para restabelecer o equilíbrio nos lares dos seus familiares e no de Marcos, mas
agora eles estão melhores sim. O tempo também é um santo remédio. O Laerte
ajudou Emília a superar sua perda.
- Fico contente. Então o Laerte e a Emília fortaleceram o laço de amizade?
- Bastante. E sua partida foi culminante para isso.
- Eu ficaria feliz de coração se eles tivessem um envolvimento amoroso.
- Que bom que você é desprendido assim, Lucas. Eles ficam se segurando
em respeito a você.
- Mas eu morri – falou Lucas com gargalhadas – Quer dizer: para eles eu
morri, apesar de eu me sentir agora mais vivo do que antes – continuou Lucas a
gargalhar.
- Se você quiser podemos fazer o seguinte: Quando formos lá, você mesmo
tenta dar um empurrãozinho nesse romance. Que tal?
- Boa idéia vó. Faremos isso quando formos. E os outros, como estão?
- Todos bem. Minha filha Lourdes está um pouco mais religiosa o que ajuda
muito. Laerte deu um pouco de trabalho no começo mas agora com ajuda de
Laerte, Emília, Dona Benedita, além dos amigos daqui, melhorou bastante, e seu
pai, apesar de ser um pouco cético também se apega ao trabalho e vai vivendo.
- Que bom vó. Até a Dona Benedita, a tia do João lá da fazenda do
Albuquerque ajudou minha família?
- Muito. Ela resolveu nascer bem humilde nessa vida, mas é uma pessoa
muito elevada e com muito esclarecimento. E o seu filho Genésio, que também
optou por nascer humilde e negro, como não podia deixar de ser, reencontrou
Clara e agora vivem um grande romance.
- Clara e Genésio juntos? Assim tão rapidamente? Eles nem se conheciam.
- A estória deles começou no início do século XIX, pois em torno do ano de
1800 Genésio era um fazendeiro muito rico, descendente de Portugueses e sua
primeira esposa o deixou viúvo mesmo antes de ter filhos. Sua segunda esposa

159
As Moradas e os Segredos de Maria

era uma escrava da fazenda que ele se apaixonou. Hoje, essa que era escrava
nasceu e vive como Clara. Genésio era muito bom na vida que teve como
fazendeiro e, mesmo antes dos intentos da Princesa Isabel, resolveu abolir seus
escravos, criando um serviço remunerado. Agora Clara e Genésio inverteram suas
raças e condições sociais.
- Somente a pluralidade das existências para nos fazer entender a grandeza
do universo e a constante presença do seu criador. Tudo se explica.
- Sim meu querido, mas essa visão é limitada a poucas pessoas. Na Terra a
realidade é completamente outra. A grande maioria das pessoas vive como se
fosse tudo uma única vez, cultivando então o ódio, a inveja, o egoísmo, a vaidade,
a avareza e a falta de amor ao próximo. Por isso que nossa querida Guardiã Mor
irá dar uma prova aos irmãos terrestres mostrando lugares de mais baixa
freqüência do nosso universo.
Dora e Lucas depois de agradável conversa saíram do prédio denominado
“Centro de Transformação” e ainda caminharam por alguns minutos nas suas
cercanias apreciando a bonita paisagem. Em seguida se despediram e cada um
tomou o seu rumo.

160
Carlos Eduardo Milito

CAPÍTULO 42

“Jundiaí” – 20 de Junho de 1.917

Uma semana havia passado desde a chegada de Clara ao casebre de


Genésio. Ela se sentia muito feliz. Ficou nessa primeira semana acomodada no
quarto de Genésio enquanto ele dormia na sala. Não sabia o que fazer para
agradar Dona Benedita. Procurava cuidar de todas as roupas, da comida, da horta
de Genésio. Ele acordava muito cedo e Clara fazia questão de acordar junto para
desejar-lhe bom dia. Ela mantinha-se extremamente discreta e somente namorava
Genésio quando Dona Benedita pegava no sono. Ela estava muito feliz. Naquela
manhã fria Clara conversava com Dona Benedita.
- Eu gostaria de arrumar algum trabalho Dona Benedita. Fazer as coisas aqui
é muito bom, mas me sinto que estou invadindo seu espaço.
- De forma alguma minha filha. Estamos muito felizes com você aqui
conosco. Não fique ansiosa em querer trabalhar.
- É verdade. Mas gosto de me sentir útil. Posso até ficar em casa, mas gosto
de ter o tempo preenchido.
- Minha filha, Hoje ainda a maioria das mulheres cuidam dos lares, dos
maridos e dos filhos. Você que vem de família com outros costumes deve saber
bem disso.
- Exatamente. E por isso mesmo quero arrumar trabalho por que não
pertenço mais a aquela classe social.
- Você tem certeza mesmo que vai abrir mão de tudo por Genésio?
- Não só tenho certeza como quero me casar logo com ele. Quero tê-lo como
marido. Ele também concorda.
- Vocês estão assim decididos?
- Sim Dona Benedita. A gente conversa bastante sobre isso. E também
chegamos ao consenso que a senhora pode morar conosco. Eu gosto muito da
senhora e faço questão disso.
- Obrigado pelos elogios minha filha, mas acho que vocês têm que ter o seu
canto. Acho que vou atrapalhar.
- Não atrapalha de forma alguma. O Genésio até titubeou um pouco, mas eu
é que faço questão.
- Pois é Clara, o Genésio te ama e não quer te contrariar, mas acho que
vocês poderiam ter um canto de vocês.

161
As Moradas e os Segredos de Maria

- Eu sei Dona Benedita. O que podemos fazer então é construirmos uma


casinha nos fundos desta. Ficaríamos em casas separadas, porém muito
próximas.
- Vejam direito o que vão fazer. Tudo custa dinheiro.
- Eu trouxe algum dinheiro e todas as minhas jóias para recomeçar minha
vida Dona Benedita. Eu já imaginava isso.
- Filha. Você é muito determinada hein?
- Acho que sim, O seu filho até comentou comigo sobre o visinho aqui do
lado que parece que quer vender a casa.
- É verdade, parece que ele vai mudar-se para São Paulo.
- Então Dona Benedita. É outra possibilidade. A casa dele também é
pequena e talvez se eu vendesse todas as minhas jóias eu conseguisse comprar a
casa. Quando fiz quinze anos meu pai havia me dado um anel de diamantes que
pode valer muito.
- Pense bem minha filha. Converse bastante com o Genésio. Vocês que tem
que ver o que é o melhor para vocês.
- Se formos construir uma pequena casa no fundo, perderíamos parte da
horta e levaríamos algum tempo para deixar essa nova casa pronta. Neste final de
semana, vamos então conversar com o vizinho e fazermos uma proposta. Se der
certo a gente não vai morar junto mas conversará pelos quintais que se
encontram.
Alguns minutos depois surgiu naquela rua o Ford Touring Car Modelo 1.916.
No seu interior estava Clarice além do motorista. Ele educadamente desce e abriu
a porta para Clarice. Ela estava deslumbrante. Tentou se vestir da melhor maneira
para tentar reencontrar sua filha. O cachorro vira lata latiu anunciando a visita.
Clara percebeu pela janela entre aberta que se tratava da sua mãe. Dona
Benedita a recebeu com muito carinho e convidou para entrar. A fisionomia de
Clarice era de uma mistura de ódio com desprezo. Dona Benedita tentava
melhorar os ânimos daquele semblante começando o diálogo.
- Dona Clarice, muito prazer em conhecê-la. Recebemos sua filha com muita
alegria nesta humilde casa. Ela é uma criatura doce e encantadora.
- A senhora sabe que ela fugiu de casa?
- Sim, Dona Clarice. Nós alertamos que não deveria ter sido dessa forma.
- Vocês alertaram ou incentivaram essa idéia absurda dela?
Naquele momento, Clara fez uma expressão de quem iria partir para cima da
sua mãe, e Dona Benedita, não dizendo nada mas apenas com um profundo olhar
para Clara como quem diz para não fazer nada, fez com que Clara ficasse inerte.
Passados aqueles tensos segundos Dona Benedita disse:

162
Carlos Eduardo Milito

- Entendo o motivo da sua fúria. Por isso a senhora está nos acusando. A
senhora está agindo pela emoção e não pela razão. A vontade de vir aqui foi da
sua filha Clara. Somente dela.
- Vocês não deveriam ter concedido que ela ficasse aqui. Como pode? Este
lugar mal acomoda vocês. Isto aqui é muito precário para quem vivia no nosso
mundo. A senhora me entende?
- Sim, entendo. Mas não podíamos fazer nada. A senhora deve conhecer
bem a sua filha. Sabe que ela é determinada. Ela esta aqui conosco ciente da
nossa condição social e como a senhora disse, da condição precária da nossa
moradia.
- O que você tem a me dizer sobre isso Clara? – questionou Clarice já com
uma entonação de voz alterada.
- Tenho a dizer mamãe, que encontrei o meu lugar ao Sol. Estou muito feliz
agora. – respondeu Clara com um sorriso sincero.
- Vamos embora daqui. Pegue suas coisas e acabe logo com isso.
- Imagina mamãe. Não vou abandonar o Genésio. Por sinal a senhora nem o
conheceu, pois ele está trabalhando. Ele estará aqui no final do dia.
- Nem quero conhecer o Genésio. Acabe logo com isso e vamos embora.
- Claro que não mamãe. Não vou embora.
- Você não vê que está deslumbrada. Você está vivendo em um mundo
irreal. Acho bonito um sentimento desses, mas isso é coisa de adolescente. Acabe
com isso, filha e vamos embora daqui.
- Eu já falei mamãe. Encontrei minha felicidade aqui. Não vou. Eu só iria se a
senhora arrumasse um trabalho para o Genésio, e nos deixasse viver juntos lá.
- Já estou ficando nervosa com essa estória. Você é nova e tem que estudar
e não quero você casada agora.
- Você não quer eu casada com o Genésio né mamãe? Veja a Emília por
exemplo, que tem só dois anos a mais do que eu. Você está doida para que ela se
case com Laerte. O que a senhora quer no futuro, é arrumar um marido para mim
não é?
- Pode ser filha, mas isso não vem ao caso. Quero você de volta agora.
- Não vou mamãe.
Naquele momento Clarice perdeu as estribeiras. Estava próxima de um ataque
histérico. Começou a falar em tom mais elevado e quase gritando
- Veja bem o que você está fazendo em Clara. Estou te dando a última
chance. Não vim antes para você refletir por todos esses dias. Vamos embora
agora. Vamos acabar com essa pouca vergonha.

163
As Moradas e os Segredos de Maria

- Não fale assim mamãe. Onde está a pouca vergonha. Eu amo o Genésio,
mas me dou o justo respeito. Até agora só trocamos alguns beijos. Por sinal
mamãe, quero casar o mais rápido possível, quer a senhora queira ou não.
- Ingrata – gritava Clarice – Filha ingrata! Veja bem o que você está fazendo.
- Calma Dona Clarice. É melhor dialogar de forma equilibrada com sua filha.
- Calma que nada – respondeu Clarice rispidamente – E nada garante que a
senhora não esteja envolvida nisso com suas rezas e simpatias. De repente você
fez alguma coisa para minha filha se encantar pelo seu filho. Quem garante? Mas
se queria dar o golpe do Baú vai se dar mal pois Clara será deserdada. Esta foi a
última chance dela.
- Se acalme Dona Clarice. A senhora nesse estado alimenta nossos irmãos
invisíveis e sofredores que se deliciam com uma cena desse tipo. Entendo sua
fúria, mas mesmo que eu tivesse poderes, eu nunca manipularia o sentimento de
amor das pessoas. Nasci pobre e vou morrer pobre. Somos muito humildes Dona
Clarice. Sei que a senhora é Católica não é? Tem uma passagem muito bonita no
Sermão da Montanha que diz o seguinte: Bem aventurado os humildes, pois a
eles pertence o Reino de Deus.
Clarice após uma breve pausa de poucos segundos continuou:
- Não adianta mesmo eu ficar aqui né Clara. Você já se decidiu então?
- Sim mamãe. E vou falar mais: Vou me casar muito em breve. Sei que sou
menor e senhora vai impedir, mas me unirei a Genésio até completar os dezoito
anos e um dia eu regularizo minha situação. O que importa é que viverei com ele
como esposa.
- Casar? Você está louca – gritava Clarice – Vai abrir mão de tudo então?
Pois vou mudar o testamento chegando em São Paulo. Vou deixar de reconhecê-
la como filha. Você não terá mais nada a partir de agora.
- Sim mamãe. Vou me casar.. Quer a senhora queira ou não.
- Então vou embora. Nunca mais me procure. Esqueça que um dia você teve
uma mãe. Você escolheu esse ai para ser seu marido, então agora assuma.
Adeus!
- Adeus mamãe!
Clarice elegantemente entrou no Ford Touring Car Modelo 1.916 e foi embora.
Clara chorava bastante na sala após a partida da mãe. Dona Benedita chegou
perto dela e acariciava seus longos cabelos pretos. Após ter passado o momento
inicial do choro, Clara falou para Dona Benedita:
- Isso passa Dona Benedita. Eu escolhi esse caminho e há percalços pela
frente. Apesar de tudo ela minha mãe né? Fiquei sentida sim. Mas isso passa.

164
Carlos Eduardo Milito

- O tempo minha filha, é o santo remédio para muitas coisas. Você vai
superar sua dor em relação a isso também.
- Tenho certeza disso Dona Benedita.
Nos momentos de fúria de Clarice, dois integrantes dos Transeuntes das
Trevas estavam nas proximidades da cidade de Jundiaí e perceberam a energia
emanada daquele casebre. Então eles se aproximaram e se deliciaram com
aquele espetáculo. Nos momentos de maior ímpeto da conversa, os dois se
aproximaram de Clarice e a envolveram com uma névoa negra que os
acompanhava. Depois que Clarice partiu eles também foram embora vagando
sem direção.

165
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPÍTULO 43

“Vale das Trevas” – 2 de Julho de 1.917

Mestre Zuzo havia chamado Albuquerque naquela noite de segunda-feira para


uma conversa:
- Nesta noite vamos obsediar Ernesto novamente. Só que desta vez você irá
aparecer no sonho dele como o próprio Albuquerque. Que tal?
- Excelente! Mas por que você não havia pensado nisso antes? Há meses
que vocês estão agindo e ele vem tendo sonhos, e só agora você teve essa idéia?
- Você sempre com muitas perguntas né Marcos? Você está achando que
sou algum idiota? Lógico que eu havia pensado nisso sim. É lógico. O que fizemos
foi uma preparação de terreno para no momento certo, você entrasse no sonho de
Ernesto. Ele está bem perturbado e está sendo cogitado por médicos da Terra
dele ser internado em um hospício. O momento propício é agora.
- Perfeito Mestre Zuzo. Estou a disposição. O que devo que fazer então?
- Quando ele adormecer, entraremos em cena como das últimas vezes. Você
irá fazer exatamente como mandam os seus sentimentos. Coloque todo o seu ódio
para fora. Pergunte por que ele te matou. Torture-o como se fosse dar-lhe uma
surra. Faça isso sem pressa. Quando você surgir no sonho dele, terá para ele a
pior aparência possível. Aparência de mendigo será pouco. Por fim, você terá que
dizer que só ficará livre desses sonhos se Joel for morto.
Albuquerque começou a dar risadas de felicidade. Não conseguiu se controlar..
Mestre Zuzo também acompanhou as gargalhadas de Albuquerque. Estavam lá
presentes Magrão e Zé Trovão que também se deleitaram em sonoras
gargalhadas. Todos riram bastante para em seguida preparar o palco do novo
sonho de Ernesto.
Após aquela noite ter terminado tudo havia saído conforme planejado. Ernesto
foi retirado da sua casa, levado até palco e teve o terrível pesadelo com a
presença de Albuquerque. Durante o sonho, ficou inerte no auge da discussão.
Albuquerque o pegou pelo colarinho e chacoalhava-o sem parar gritando:
- Seu monstro calculista! Ajudante de piloto de araque! Mentiroso!
Assassino! Nós nunca vamos te deixar em paz! Você só ficará livre se matar Joel!
Faça isso e então te deixamos em paz!
Após o terrível pesadelo Ernesto acordava todo molhado de suor. Não
conseguia mais dormir. Ficou deitado na cama, mergulhado em um emaranhado
de pensamentos íntimos. Ele estava muito perturbado. Parecia perdido com suas
idéias. Sentia-se a beira da loucura. As horas foram passando e ele não pegava

166
Carlos Eduardo Milito

mais no sono. Somente quando o sol mostrava seus primeiros raios é que Ernesto
conseguiu adormecer.

/ / /

Na noite anterior, Genésio havia chegado em casa após um longo dia de


trabalho. Mas lá tudo era motivo de comemoração, pois eles conseguiram comprar
o casebre vizinho. Um avaliador de jóias da região ajudou na negociação de
Genésio diretamente com o dono do casebre. O dinheiro da venda das jóias de
Clara foi suficiente para comprar o imóvel e ainda sobrou uma pequena quantia.
Isso junto com as economias de Clara daria para eles ainda comprar alguma
mobília para a nova casa. Em pouco tempo já estariam morando juntos.
- E então amor? Como foi seu dia? – perguntava Clara que ainda estava
acordada, pois naquele dia Genésio havia chegado tarde
- Trabalhei muito, mas só de chegar aqui e te ver tão feliz esqueço que o dia
foi duro. E você? Tudo bem?
- Sim querido. Agora ainda melhor por te ver.
- Eu também. E a Mamãe? Já dormiu né?
- Falei para ela descansar e não se preocupar, pois eu te esperava a hora
que fosse. Meu amor, eu não vejo a hora de montarmos nosso canto.
- Confesso que também estou ansioso e nem durmo direito pensando nisso.
- Meu bem acho que você não dorme direito porque está muito mal
acomodado nesta sala – disse Clara – Dorme de qualquer jeito. Dorme torto.
- Meu amor, por você faço qualquer sacrifício. Já me acostumei a dormir
aqui improvisado neste sofá . – dizia Genésio sorrindo – Além do que será por
pouco tempo.
- Acho que em uma semana nós conseguimos providenciar pelo menos uma
cama para dormirmos na nossa nova casa ai do lado. Assim o seu sacrifício vai
terminar. Mas sinceramente, por mim você dormiria todas as noites na cama que é
sua.
- Imagina. Continue dormindo você lá.
- Você não entendeu meu amor, Eu dormiria lá também!
- Vamos dormir juntos lá? – pergunto Genésio assustado – Agora? Você está
falando sério?
- Sim, mas desculpa meu bem. Estou sendo impulsiva demais. É que sua
mãe já está dormindo e poderíamos ficar mais a vontade lá apesar da cama ser
pequena.

167
As Moradas e os Segredos de Maria

- Mas assim a gente não dorme – falou Genésio rindo – Mas gostei da idéia.
Mas será que minha mãe não irá acordar?
- Não se preocupe. Claro que não. Ela não vai acordar. Além do que prometo
me comportar – falava Clara com um sorriso malicioso.
- É verdade. E nem preciso ficar a noite inteira lá. Fico até você dormir e volto
para meu canto improvisado aqui na sala.
- Mas quem falou que vou dormir?
- Seja como for, não poderei ficar lá até o amanhecer. Eu voltarei para cá
antes do sol nascer.
Aquela havia sido a primeira noite de amor de Clara e Genésio. Os dois
estavam apaixonados e, sem saber, estavam fisicamente confirmando um amor
de começava em outras vidas. O laço entre os dois estava finalmente reatado. A
discrepância social, a diferença de raças, de costumes, e todas as diferenças dos
mundos de Clara e Genésio se igualavam naquela cena que se repetia no mundo
físico após mais de um século.
Os primeiros raios de sol se mostravam no horizonte enquanto Clara e
Genésio dormiam abraçados naquela pequena cama. Genésio então acordou
assustado pela claridade que se anunciava, deu um beijo na face de Clara que
dormia e se preparou para mais um dia de trabalho.

/ / /

Na manhã daquela terça-feira, dia três de julho, Ernesto, com aparência


desfigurada, pegou sua charrete e foi ao encontro de Joel. Chegou à sede da sua
fazenda e foi recebido por Pedro.
- Pois não, Sr.Ernesto. O senhor deseja conversar com Joel, sim?
- Exatamente. Ele pode me atender?
- Vou anunciar sua presença. Aguarde um minuto, por gentileza.
Pedro explicava para Joel que Ernesto estava na ante-sala da sede daquela
fazenda e ele quase perdeu o controle na frente de Pedro.
- Não vou atendê-lo. Ele veio sem me avisar previamente. Tenho muito que
fazer Pedro. Avise para ele ir embora e voltar outro dia.
- Não sei se será fácil, Sr. Joel. Ele está com uma cara péssima e parece
determinado.
- Tudo bem. Deixa-me ver o que esse infeliz quer. Faça o seguinte Pedro:
Fique nas proximidades daqui. Dê uma volta no cafezal como quem está dando
uma supervisionada no Genésio e no Pedro, e me deixe a sós com ele.
- Sim senhor, Seu Joel.

168
Carlos Eduardo Milito

Pedro deixou o chefe sozinho com Ernesto com um ar de desconfiança, pois já


sabia o que os dois haviam tramado. Desta vez ele titubeou em ficar atrás da
janela ouvindo a conversa, pois como daquela sala era visível parte do cafezal por
ser uma construção um pouco elevada, ele achava que Joel pudesse perceber
que ele não tivesse lá no cafezal conforme sua ordem. O que acontecia de fato, é
que depois que Pedro tomou ciência da atrocidade que eles cometeram, ele ficou
com medo até de tentar bisbilhotar algo a mais.
Antes que Ernesto entrasse na sua sala, Joel pegou uma arma, que estava na
última gaveta da sua mesa e cuidadosamente colocou as balas deixando a arma
em cima da mesa disfarçadamente embaixo de alguns papéis. Joel levantou e
abriu a porta cumprimentando educadamente Ernesto. Pediu para ele entrar e
sentar-se. Em seguida fechou a porta, verificando se realmente ele estava a sós
com ele e de cara falou:
- De novo aqui Ernesto? Você realmente quer problemas não é? Falei para
você sumir. Não te devo mais nada. O que foi desta vez?
- Vim me libertar, Joel. Vim me libertar.
- O que você está falando? Enlouqueceu? Vai embora Ernesto e não me
complica mais. Ainda bem que o Pedro é meu homem de confiança. Ele te achou
com uma cara transtornada e daqui a pouco vai começar a fazer perguntas. Por
favor, Ernesto, some daqui.
- Pedro não irá mais fazer perguntas Joel. Vim me libertar. A hora que eu sair
daqui vou desaparecer. Vou sair do Brasil.
- Ótimo Ernesto. Sábia decisão. Nada como outros ares de outros países.
Ernesto abriu uma pasta que carregava, tirou uma arma de dentro dela, e
apontou para Joel. Ele ficou branco e disse.
- O que é isso Ernesto. Guarde essa arma!
- Vim me libertar, Joel.
- Guarde essa arma – falou Joel preocupado que via nos olhos de Ernesto
uma expressão transfigurada parecendo outra pessoa.
- Vim me libertar Joel – gritou Ernesto que deu o primeiro disparo no
abdômen de Joel que ainda consegui pegar sua arma que estava debaixo dos
papéis espalhados pela mesa e rapidamente deu dois disparos contra o peito de
Ernesto.
Joel ferido no abdômen sentou-se na sua cadeira e Ernesto caiu no chão. Um
dos tiros que ele havia recebido acertou o coração e provocou sua morte quase
que instantaneamente. Enquanto isso Pedro que havia saído de lá há pouco
tempo, voltou correndo para a sede por ter ouvido três disparos de arma. Ele
entrou no escritório e viu a cena de horror. De um lado Ernesto, caído morto no

169
As Moradas e os Segredos de Maria

chão e de outro Joel sentado na cadeira quase perdendo os sentidos e sangrando


muito. Pedro foi imediatamente tentar socorrer seu patrão que não tinha forças
para falar. Naquela altura ele jorrava sangue pela boca e acabava de perder os
sentidos de vez. Sem que Pedro tivesse tempo de tomar alguma providência, Joel
fechou os olhos e perdeu a pulsação. Ele também havia acabado de morrer.
A fazenda São Paulo parou naquele dia. Pedro cuidou de tudo. Tratou de
chamar o policial Medeiros para tomar ciência daquela tragédia. Tratou de contar
para Inês e os seus filhos tudo que aconteceu. Todos os funcionários de Joel
lamentaram profundamente o ocorrido. Muitas dúvidas pairavam no ar. Ninguém
entendia o motivo do duplo assassinato. Pedro que tinha quase certeza do
envolvimento dos dois na tragédia do Avião de Albuquerque, manteria-se em
silêncio, pois na visão dele de nada adiantaria contar aquela estória para alguém,
visto que os personagens não estavam mais vivos.

/ / /

No momento que Ernesto entrava na sala enfurecido, estavam na sua


companhia Mestre Zuzo, Magrão, Zé Trovão e Albuquerque. Aquele ambiente
estava carregado. Ernesto estava com uma aura negra que alimentava os
companheiros desprovidos de roupagem carnal que estavam lá. Conforme
Ernesto falava que veio se libertar, Mestre Zuzo encostava suas duas mãos na
sua cabeça e dizia para ele continuar. Albuquerque se deliciou com toda a cena
que viu. O seu êxtase foi ver que Joel estava morto. A única coisa que os
Transeuntes das Trevas não esperavam foi que alguns segundos após a morte
dos dois, aquele ambiente foi ganhando uma névoa cada vez mais negra e um
odor quase que insuportável onde chegaram quatro seres que entraram voando
pela janela. Inicialmente eles tinham forma de corvo e depois que pousaram,
ganharam uma forma meia humana e meia animalesca. Eram medonhos com
seus vestimentos na cor preta. Enquanto os dois homens estavam falecidos no
chão, os homens corvos se aproximaram deles dois a dois. Chegaram perto dos
corpos e puxaram deles a roupagem astral que se desdobrou da roupagem carnal
instantaneamente. Dava para perceber que tanto Ernesto como Joel na forma
astral mostravam um olhar perdido como se estivessem hipnotizado. Mestre Zuzo
comentou com os três companheiros:
- Os dois não nos pertencem. Irão paras as profundezas do Vale do Horror.
O lugar lá é medonho, e o acesso para nós sempre é dificultado.
- Não vou poder falar com Joel? – perguntava Albuquerque.

170
Carlos Eduardo Milito

- Para irmos lá temos que ter algumas precauções. Os responsáveis por


esses setores são pessoas de difícil diálogo.
- Agora que estamos nas mesmas condições é que de fato começa o meu
plano de vingança. Joel foi assassinado. Quero atordoá-lo pela eternidade.
- Calma Marcos. Precisamos negociar nossas idas e vindas para lá. Não é
assim tão fácil. Lá é um dos piores lugares do Universo. Se formos comparar o
lugar onde vivemos com esse, podemos dizer que estamos no paraíso.
Albuquerque começou a dar sonoras e contínuas gargalhadas como há muito
tempo ele não fazia. Mestre Zuzo, Zé Trovão e Magrão também acompanharam e
compartilharam da alegria de Albuquerque. Eles ficaram lá na cena do crime
observando a movimentação de gente entrando e saindo daquele local, os corpos
no chão, marcas de sangue por alguns lugares e a presença da polícia que havia
chegado. Os Transeuntes das Trevas somente foram embora no final do dia
quando toda a cena estava desfeita e os corpos encaminhados para o
sepultamento.

171
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPÍTULO 44

“Jundiaí” – 11 de Julho de 1.917

Pouco mais de uma semana havia se passado após a Morte de Joel e Ernesto.
Não se falava outra coisa na cidade de Jundiaí. A polícia trabalhava nas
investigações, mas pouco conseguia concluir. Pedro não queria se envolver em
depoimentos sem provas suficientes daquilo que desconfiava.
Logo após a morte de Joel, sua esposa, Inês e os filhos ficaram em choque,
então Pedro gentilmente se propôs a fazer tudo para que o funcionamento da
fazenda não fosse interrompido. Assim, aqueles primeiros dias se passaram. Os
funerais haviam sido realizados logo após os assassinatos e os negócios de Joel
ficaram sob a responsabilidade de Pedro. Na manhã daquela quarta-feira, Inês
chamou Pedro na sua bela casa que ficava na Fazenda.
- Bom dia Pedro. Pode sentar-se – falava Inês.
- Bom dia Senhora. Como tem passado?
- Enfrentando tudo com dificuldade. Agora tenho que ser pai e mãe para o
Junior e a Márcia. O menino eu não me preocupo muito, pois tem quinze anos,
mas a menina só tem doze e está sofrendo mais.
- Entendo, senhora.
- Pedro. Te chamei aqui porque eu quero te dar carta branca para tudo o que
você quiser fazer nos negócios que meu marido deixou. Você sabe que eu não
entendo muitas coisas, então a partir de agora você é quem irá tomar as decisões.
Apenas me notifique dos passos que for tomar.
- No que eu puder ajudar, farei da melhor maneira possível.
- Tenho certeza quanto a isso, Pedro. Você já está há dez anos por aqui e eu
sei que meu marido confiava em você.
- Estou sempre à disposição. O que eu puder fazer por vocês, farei com o
maior prazer.

/ / /

Genésio e Clara já tinham algumas mobílias no casebre que haviam adquirido


e a partir daquele dia finalmente morariam lá. Desde a morte do seu patrão,
Genésio havia ficado desnorteado, sem saber inclusive, os rumos dos negócios da
fazenda que garantiram até aquela data o seu sustento. Após a conversa de
Pedro com Inês, Genésio foi procurado por Pedro e tranqüilizado, pois por vontade

172
Carlos Eduardo Milito

da viúva, todas as atividades da fazenda continuariam iguais. Durante aquela


noite, já na nova casa, Genésio conversava com Clara:
- Meu amor, o Pedro me tranqüilizou hoje. Vou continuar trabalhando na
Fazenda Terra Nova. Mesmo com a morte de Joel tudo continuará igual.
- Que bom, Genésio. Fico feliz por você que gosta tanto de trabalhar e por
mim também. Infelizmente nós sabemos que se você perdesse esse emprego,
dificilmente teria ajuda da minha mãe que tem a sua fazenda vizinha.
- Eu sei disso. Sua mãe fechou mesmo o cerco para nós. Meu primo João
me contou que ela proibiu a sua entrada lá e também a minha sem mesmo me
conhecer. E ela só mantém o meu primo como funcionário por que precisa dele e
não tem ninguém para substituí-lo. João me contou que ela tem ódio de toda
minha família.
- Não sei o que dizer Genésio. Peço desculpas por ela. Nasci do ventre dela
e as vezes não entendo como posso ser tão diferente. Minha escolha meu amor,
foi ficar com você e não com ela.
- Clara, não tenho palavras para expressar minha gratidão. Eu sou o homem
mais feliz do mundo e o que eu puder fazer nessa vida por você eu faço. Eu te
amo Clara.
- Eu é que sou a mulher mais feliz do mundo.
O casal namorava noite adentro comemorando o novo lar. Dona Benedita no
casebre ao lado se sentia feliz por ver seu filho bem e também por estar perto
deles. Ela gostava muito de Clara e tinha certeza que eles viveriam juntos para
sempre.

/ / /

Na noite daquela quarta-feira na mansão da Av.Paulista Clarice conversava


com Emília na grande sala de visitas.
- Emilia, vamos comemorar. O escritório de advocacia que eu contratei já
excluiu sua irmã do testamento. Todos os bens ficarão para você e o seu futuro
marido. Sua irmã não terá mais nada.
- Por que fez isso mamãe? Gosto de Clara e do Genésio também. Ela deve
estar muito feliz vivendo com ele.
- Eu gostaria que você não dissesse mais o nome dela na minha presença. A
partir de hoje para mim, ela morreu. Tudo que era dela eu já me desfiz. Quero
esquecer que eu dei a luz a essa ingrata.

173
As Moradas e os Segredos de Maria

- Mamãe. A senhora falando assim me deixa angustiada. Eu não posso ficar


tanto tempo sem ver minha irmã. Eu gosto muito dela. Por sinal mamãe, estou
morrendo de saudades. Faz quase um mês que ela se foi.
- Saudades não mata ninguém. O tempo vai fazer você esquecê-la. É bom
saber que enquanto você continuar vivendo aqui nesta casa, está proibida de ir
visitá-la, entendeu? Nosso motorista, que até foi generoso por alguns sábados
levando vocês junto naquele covil, já está sabendo disso. Nem tente pensar em
visitá-la.
- Mamãe como você é cruel! O que tem se eu quiser vê-la?
- O dia que você tiver o seu marido, você se reportará a ele e se ele permitir
você fica à vontade. Enquanto morar aqui comigo, nada feito.
Emília sentia o ódio da sua mãe e preferiu manter-se em silêncio. Sabia que
ela falava a verdade, e por outro lado, achava que seu relacionamento com Laerte
poderia prosperar. Assim, mesmo antes de um envolvimento com ele, como
namorada, noiva ou esposa, sabia que podia contar com o grande amigo para
tudo. Dessa forma, contaria para ele a proibição da sua mãe e os dois juntos
visitariam Clara no próximo final de semana sem que Clarice soubesse.

174
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 45

“Portugal” – 13 de Julho de 1.917

Como no mês anterior, uma expedição da Morada Universo Solar acabava de


chegar às proximidades da cidade de Fátima em Portugal. Era um dia muito
quente por lá. Alto verão europeu. Não havia nenhuma nuvem no céu. Naquela
sexta-feira estavam lá Lucas, Antero, Madalena, Dona Dora, além de outros
ilustres seres como os Governadores de todos os Palácios lá existentes. A
arquibancada astral estava pronta e acomodava um imenso número de seres
providos apenas de roupagem astral.
O número de pessoas providas de roupagem carnal aumentou muito desde o
último mês, pois um contava para o outro o que estava acontecendo, e então a
notícia se espalhou rapidamente. Esse assunto já mexia inclusive com algumas
autoridades da Igreja. As três crianças aguardavam juntas a chegada de Maria.
Os seres providos de roupagem carnal que ali estavam percebiam durante
aqueles momentos, o surgimento de uma pequena nuvenzinha de cor acinzentada
pairando sobre as crianças. Perceberam também que o sol diminuía um pouco
sua intensidade e uma brisa soprava aliviando o calor daquele dia escaldante.
Surgiu do céu a mesma claridade ofuscante de outrora. A mesma névoa vista
no mês anterior acompanhava o feixe de luz. Isso tudo era percebido pelas
crianças e talvez por uma ou outras das mais de duas mil pessoas que estavam
por lá. Então surgiu Maria com o mesmo semblante da última aparição.
Exatamente igual ao mês anterior, após o questionamento inicial da menina
Lúcia, A voz doce e encantadora de Maria frisava a necessidade das crianças
continuarem a rezar o Terço para que a paz fosse alcançada na Terra. Ela disse
também para que as crianças continuassem a voltar lá todos os dias treze até o
mês de Outubro. A menina Lúcia pediu a Maria dizer quem era ela, pois até
aquele momento as crianças não sabiam de quem se tratava. Pediu ainda para
que fizesse algum milagre para que toda aquela multidão de seres providos de
roupagem carnal tivesse uma prova do que as crianças contavam. Maria
docemente respondia que no mês de Outubro diria quem era e faria um milagre
para que todos acreditassem.
Lucia, a mais velha das crianças, sempre como interlocutora, fez alguns
pedidos de graças e curas para pessoas conhecidas e Maria respondia para que
essas pessoas praticassem a fé rezando o terço. Mencionou, como da primeira
vez que apareceu para as crianças, a necessidade do sacrifício ou penitência, ou

175
As Moradas e os Segredos de Maria

seja, a prática de algum benefício com algum empenho em favor do próximo, para
que então, o caminho da evolução fosse retomado.
Sua linguagem era um tanto quanto requintada de metáforas, o que depois de
transcrito, poderia dar margens a algumas interpretações. E através dessa
linguagem Maria começou a mostrar para as crianças a primeira parte do seu
segredo, ou então, o seu primeiro segredo. Enquanto ela falava, eram formadas
imagens na mente de cada uma das crianças que ali estavam. Ela começou a
descrever o chamado “Inferno”, o que aterrorizou as crianças. O que Maria fazia
naquele momento, era simplesmente descrever os setores mais obscuros do Vale
do Horror, com todos os pormenores dos sofredores que ali habitavam na
completa ignorância. Eram descritas por Maria a presença de fogo, seres
horrendos, gemidos por todos os lados, desespero que horrorizava a qualquer um,
e total pavor que pairava naquele ambiente.
A segunda parte do seu segredo mostrava como um ser que teve o destino do
chamado “Inferno” deveria fazer para conseguir sua libertação, ou seja, como um
ser desprovido do caminho da luz e da verdade deveria fazer para conseguir se
libertar dos piores setores do Vale das Trevas ou Vale do Horror. Maria citava a
devoção ao seu imaculado coração. A semente que ela plantava ali era para que
os habitantes da Terra praticassem a fé. Por vontade do Mestre dos Mestres,
Maria foi designada para dar uma prova ao mundo material onde fosse mostrado o
caminho da “salvação”. Começava a nascer a partir dali uma nova crença e uma
nova imagem de devoção por parte dos homens da Terra.
Maria ainda falava que a Guerra que assolava a Europa iria terminar, mas que
se os homens continuassem agindo da mesma forma, outra guerra pior haveria
nos próximos anos. Falava ainda de uma noite iluminada por uma luz
desconhecida que significava os efeitos dos artefatos dessa nova guerra. Isso
seria na verdade os efeitos da ação do próprio homem na Terra por todos os seus
atos errôneos. Entre uma palavra e outra, citou que Rússia deveria se converter
na fé, pois era lá o centro da guerra. Ao pedir a consagração da Rússia ao seu
imaculado coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados de cada mês,
Maria incumbia as crianças de passar ao mundo católico uma nova crença para
que o planeta Terra melhorasse como um todo. Somente após décadas é que o
efeito daquele contato do mundo astral com o mundo físico seria compreendido
pela humanidade.
A terceira parte daquele segredo, ou o terceiro segredo começou a ser
mostrado por Maria, quando surgiu na frente daquelas crianças, uma imagem em
três dimensões como se fosse um cenário montado para aquele fim. Os
espectadores astrais nas arquibancadas tinham a mesma visão das crianças. A

176
Carlos Eduardo Milito

primeira imagem que surgiu foi a de um anjo ao lado esquerdo de Maria com uma
espada em forma de fogo. Ele apontava essa espada para a Terra mostrando que
poderia incendiar tudo o que estivesse na sua frente. Só que da mão direita de
Maria saia um brilho que apagava essa chama. Esse mesmo anjo apontando sua
mão direita para a Terra clamava por três vezes a palavra “penitência”. Aquela
primeira cena transmitia a mensagem que os seres da Terra poderiam alcançar a
eliminação ou a minimização de uma possível tragédia pela destruição do mundo
através de sacrifícios voluntários pelo próximo.
Em seguida, as crianças assistiram como em um filme, uma cena onde um
homem vestido de branco parecendo um bispo, juntamente com outros com que
se apresentavam com trajes de religiosos, subirem uma montanha em direção ao
seu topo. Lá estava uma grande cruz de troncos grossos. Durante essa
caminhada, o homem vestido de branco se deparava com cadáveres nessa cidade
em ruínas. Ao chegar ao topo, aquele homem, prostrado de joelhos foi morto por
soldados. Isso aconteceu também para os outros que o acompanhavam bem
como para as outras pessoas de várias classes e posições ali estavam.
Por fim as crianças assistiram a representação de dois anjos com um regador
de cristal nas mãos recolhendo o sangue dos mártires para em seguida regar com
ele as almas que se aproximavam de Deus.
O que as crianças acabavam de ver, era uma representação figurada de uma
possível grande tragédia que poderia assolar o mundo se o tal pedido inicial do
anjo não fosse atendido pelos seres terrestres. Em resumo, o que era clamado ali
era a prática do bem incondicionalmente. O ódio deveria ser extirpado dos
corações humanos dando lugar ao amor universal. Para isso então, os seres
humanos não deveriam mensurar qualquer sacrifício ao próximo.
Aquela nova aparição foi sentida, ouvida e compreendida plenamente por
Lúcia, a menina mais velha. As outras duas crianças não tiveram a mesma
compreensão dela, apesar de presenciarem Maria. Lucia no passar dos anos
transcreveria essas três partes dos segredos em papel, e somente depois de vinte
anos revelaria aos católicos suas primeiras e segundas partes, preservando a
terceira parte por muitos anos deixando a cargo da Igreja Católica sua revelação.
Os segredos estavam revelados as crianças, mas somente no decorrer dos
anos é que eles seriam corretamente interpretados e seguidos. Mas o grande
segredo que aquelas crianças ainda não sabiam era sobre a identidade da ilustre
senhora das aparições. Maria ainda não tinha dito quem era, pois só faria isso em
outubro. Como da vez anterior, ela então se despediu e começou a elevar-se
flutuando cada vez mais até desaparecer no horizonte.

177
As Moradas e os Segredos de Maria

Os expectadores astrais que estavam lá apreciaram o espetáculo com uma


certa tristeza e preocupação. Aquele século seria de muita preocupação para o
Planeta Terra. O semblante de tristeza que Maria mostrava quando aparecia tinha
um porquê. Dona Dora conversava com Lucas.
- O Mestre dos Mestres seja louvado por permitir esse contato do mundo
astral com o mundo físico meu querido.
- É verdade. Essas crianças sofrerão muito para levar a mensagem de Maria
adiante.
- Sim, Sim. Na verdade o ser humano, ou melhor, aquele dotado de
roupagem carnal necessita sempre de uma prova física para colocar a crença em
prática. De todos os humanos que estão aqui presentes, creio que poucos
sentiram algo. Isto foi um atributo apenas das crianças. Assim, eu lhe digo que
somente com o milagre que Maria prometeu para a última aparição é que o mundo
voltará os olhos para cá. Enquanto isso as crianças sofrerão bastante. Mas farão
isso por nobre causa. Então, futuramente a cidade de Fátima será um celeiro de
fé.
- Que assim seja vó! Que assim seja!

178
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 46

“Vale do Horror”

Na tarde daquela sexta-feira Joel acordava de um sono profundo. Via-se em


um ambiente muito escuro e com um odor muito desagradável. Sua sensação era
de calafrios intensos e um grande mal estar. Percebia outros seres esparramados
por aquele chão de pedregulhos tal como mendigos. Cada uma daquelas pessoas
tinha uma expressão diferente e pareciam estar mergulhadas em mundos
distintos. Algumas delas com expressão de dor, outras com expressão de medo, e
outras ainda com expressão de agonia.
Joel percebia ainda outros seres se rastejando na sua frente com feições
animalescas e vozes horripilantes. Havia gemidos vindos de todas as partes. Vez
ou outra eram percebidas também sádicas gargalhadas. Aquilo tudo era um
cenário de terror. Um pesadelo que parecia sem fim.
Mal ele conseguia caminhar entre os seres que ali se encontravam. Tal era o
seu desespero que ele não conseguia gritar por socorro. Sua voz parecia não
querer sair da sua boca. Naquele cenário frio e asqueroso, Joel percebia dejetos
naquele chão imundo entre outras sujeiras.
Joel caminhava para um lado e para outro e o cenário permanecia o mesmo. O
desespero tomava conta dele, mas de nada adiantava. Naqueles instantes ele
estava incomunicável. A agonia de tentar se dirigir até alguém e não conseguir era
grande. Então ele parou e sentou-se no chão, pois se cansou. Imaginou que após
algum tempo conseguiria se comunicar com alguém. Ele acabava de retomar a
consciência e não tinha a noção exata do que havia ocorrido.

/ / /

Ernesto retomou a consciência e se viu deitado de barriga para cima em local


fechado. Notou que estava bem arrumado, com um belo terno, no entanto sentia
um formigamento por todo o seu corpo. Sentia um cheiro quase que insuportável.
Percebeu que seus dedos entrelaçados estavam inchados e com aspectos de
mutilação. Entrou em desespero por perceber que estava dentro de um caixão.
Associou que o formigamento era o efeito da decomposição do seu corpo físico.
Sem muita consciência do que estava acontecendo, se mexeu para um lado e
para outro com movimentos estridentes. Sentia-se preso naquele ambiente. A falta
de ar lhe dava a sensação de sufocamento. Começou a sentir também um forte
enjôo. O tempo ia passando e as sensações eram cada vez mais fortes.

179
As Moradas e os Segredos de Maria

Aquilo que ele vivenciava ocorreu durante horas, mas era a nítida impressão
de semanas. De repente, Ernesto se viu em um ambiente diferente. Sem tempo de
sentir algum alívio, ele começou a se ver torturado por um grupo de cinco homens
com aparência medonha iguais a verdadeiros monstros que pareciam seres
criados por laboratório. Com a face e o corpo negro, estes seres estavam cobertos
de pelos por todo o corpo e envoltos em chamas ardentes. Estavam também
rodeados por uma densa fumaça negra. Sonoras vozes estridentes e gemidos de
dor eram ouvidos incessantemente e pareciam vir de toda a parte.
Ernesto tentando desesperadamente se defender percebeu que estava sem a
perna esquerda. No seu pesadelo sem fim ele percebia que cada uma das
criaturas monstruosas possuía uma lança de fogo nas mãos e partiram para o
ataque. Estremecido de pavor, ele foi atacado pelos vorazes senhores na região
abdominal e sentiu dores insuportáveis. Caiu ao chão e meio cambaleante
engatinhou alguns passos como criança e naquele chão imundo se deparou com
uma pequena poça de água que refletiu a imagem do seu rosto. Ele se viu então
completamente deformado, tal como os companheiros que acabavam de lhe
atacar.

/ / /

O primeiro segredo de Maria onde foi revelada a visão do inferno estava sendo
vivenciado por Ernesto e Joel. Cada um deles teve seu destino traçado pelos seus
atos e suas condutas na recente vida que acabavam de abandonar. O sofrimento
deles nesse intervalo celestial seria penoso e duradouro. Diferentemente da
interpretação de algumas crenças terrestres, nada ali era irreversível. Não haveria
justiça do grande Arquiteto do Universo se os erros de uma só existência terrestre
fossem julgados pela eternidade.
Os dois sofredores só teriam novas chances de retomar o caminho da verdade
se seguissem o segundo segredo de Maria. Para isso, deveriam voltar a Terra
com uma nova roupagem carnal seguindo os ensinamentos do Mestre dos
Mestres na prática incondicional do bem. Em outras palavras, de acordo com a
visão ortodoxa das sagradas escrituras “O tal sacrifício voluntário ou penitência
seria o remédio para a remissão dos pecados”.

180
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 47

“Jundiaí” – 14 de Julho de 1.917

Emília conseguiu convencer Laerte a ir a Estação da Luz para uma viagem de


trem até Jundiaí na manhã daquele sábado. Ela estava com muitas saudades da
irmã que havia abandonado a casa no mês anterior. Durante a viagem de trem os
dois conversavam:
- Que bom que você concordou em fazermos esse passeio Laerte.
- Imagina! Tento fazer tudo para te agradar. Além do mais, gosto muito de
Clara e Genésio. Tenho certeza que eles irão ser felizes.
- Pena que mamãe foi tão inflexível.
- Não sei o que dizer Emília. Mas não se preocupe com isso. Poderemos vê-
la sempre que quiser.
- Obrigado pelo apoio Laerte. Eu não sei como eu faria sem a sua amizade.
Laerte já estava gostando de Emília, mas em respeito à memória do seu irmão,
preferia conter-se. Emília por outro lado, também pensava da mesma forma.
Assim, eles continuavam, cada vez mais, bons e confidentes amigos. Chegaram
enfim a rua onde ficavam os dois casebres. O da Dona Benedita e do novo casal.
Ao pararem em frente ao casebre de Dona Benedita o cachorro anunciava a
chegada dos visitantes. Então surgiu Clara do casebre vizinho para surpresa dos
dois. Eles foram recebidos com muita festa. As duas irmãs se abraçaram
fortemente por longos segundos e com água nos olhos trocaram as primeiras
palavras.
- Quanta saudade minha irmã! – disse Clara emocionada.
- Nós também! Não pudemos vir antes, pois esperamos a ira da mamãe
diminuir. Mesmo assim ela nem faz idéia que estamos aqui.
- Eu sei Emília. Eu sei do que ela é capaz.
- Vamos esquecer isso Clara.. E vocês? Como estão?
- Muito bem, Emília. Venha ver nossa nova casa. Comprei com o dinheiro
das minhas jóias.
- Eu logo vi que você veio de dentro dela. Que bom que é pegado a da Dona
Benedita.
- Isso é ótimo! Entrem e venham ver.
Laerte e Emília entraram e Genésio tentou ser o mais solícito possível.
Conversaram bastante e mostraram o quanto estavam felizes vivendo juntos como
marido e mulher apesar de não terem casado de fato. Clara questionava sobre a
mãe e teve como resposta que ela realmente estava cuidando de toda a papelada

181
As Moradas e os Segredos de Maria

para o processo de deserção. Com muita tristeza Clara diz ter optado por ficar
com seu amor. Emilia contava ainda que Clarice comentava para a sociedade
paulistana que a filha resolveu morar em Paris definitivamente.
- É minha querida irmã. Eu sei que para mamãe eu morri. – comentou Clara.
- Já te falei Clara. Esquece isso e viva sua vida.
- Nós nunca vamos nos entender mesmo. Até na fazenda que era do papai
estamos proibidos de entrar. Não há problemas minha querida irmã. Estamos tão
felizes que até um filho a gente já pensa em ter.
- Mas já? Não é cedo? – questionou Emília
- Claro que não. Você sabe que eu sempre gostei muito de crianças. Além do
mais, eu gosto de ser ativa e não ficar parada. Eu pensava até em arrumar algum
trabalho pela vizinhança, mas Genésio acha que se é para eu trabalhar para
outras pessoas em serviços domésticos eu posso ficar muito bem em casa e
então, eu penso que uma criança seria ótimo para eu cuidar.
- Estou espantada com a mudança radical que sua vida está tomando Clara.
Não sei o que falar. O que dona Benedita acha disso?
- Converso bastante com ela. Ela também acha cedo, mas diz que quando
chegar a hora, teremos muita alegria com essa criança. Diz que será uma alma de
muita luz.
- Que bom, Clara. Fico contente que vocês estão felizes.
A agradável conversa seguiu entre os quatro que ali estavam quando Dona
Benedita chegou e saudou a todos. Depois dos cumprimentos ela alegremente fez
uma brincadeira:
- Quando vocês vierem aqui, apareçam também na minha casa, afinal não é
tão longe daqui.
- Perfeitamente Dona Benedita – falou Laerte com enorme sorriso – Lógico
que nós iríamos passar lá antes de irmos embora.
- Acho bom mesmo. Vocês sabem que moram no meu coração. E o Leandro,
meu filho? Como ele está?
- Melhorou bastante, Dona Benedita. Continuamos seguindo seus conselhos.
- Muito bem. Isso é ótimo. Na verdade vocês nunca podem deixar de praticar
a fé de alguma forma. Já que começaram por uma necessidade, continuem agora
por amor ao próximo. Continuem fazendo isso incondicionalmente.
- Faremos nossas rezas sim, Dona Benedita.
A agradável conversa seguia tarde adentro. Ao cair da tarde um cocheiro da
região levou Laerte e Emília a estação de trem da cidade. Eles prometeram visitá-
los mais vezes sem que Clarice soubesse. Chegariam a São Paulo no final da
noite.

182
Carlos Eduardo Milito

/ / /

Naquele mesmo sábado, no Palácio da Sustentação da Morada Universo


Solar, estavam reunidos em casa Madalena, Lucas, e Antero que começavam a
conversar:
- Lucas, você esteve recentemente no Setor de Arquivos do Palácio da
Transformação. Gostou da experiência? – perguntava Antero.
- Foi ótimo. Retomei as lembranças dos últimos cento e cinqüenta anos
aproximadamente. As coisas começam a ficar mais claras para mim. Só tenho a
agradecer ao grande criador da obra por tudo.
- O sistema é perfeito, e só nós que somos providos de roupagem astral é
que começamos a ter consciência disso. Vou até aproveitar a presença de vocês
aqui para comunicar que nos próximos dias estarei partindo para a Terra para uma
nova jornada. Chegou a minha vez, amigos.
- Que boa surpresa Antero! – exclamou Madalena – Eu imaginava que sua
hora estaria por vir. Estamos a tantos anos juntos por aqui que nem percebi o
tempo passar.
- O tempo é relativo quando não temos a matéria física. Teremos a chance
de perpetuarmos pela eternidade e galgarmos mais degraus a caminho da
evolução. Para isso nos é dado uma nova roupagem carnal e as nossas
lembranças preservadas para os momentos vindouros.
- Então ficaremos só nós dois nesta casa? – perguntou Lucas a Madalena.
- Não, Lucas. Depois que Antero partir, Mestre Jonas se incumbirá de
preencher este nosso lar.
- Sentiremos saudades Antero, mas usando as suas palavras onde “o tempo
é relativo quando não temos a matéria física”, saberemos aguardar seu retorno.
Além disso, sabemos o quanto é importante o recomeço com uma nova roupagem
carnal.
- Isso mesmo, meus queridos. Então vamos aproveitar os últimos dias juntos.
Dona Dora será responsável pela minha miniaturização e ficarei feliz se vocês
acompanharem minha partida. Além do mais Lucas, você poderá acompanhar de
perto o trabalho da sua avó.
- Iremos sim, Antero. Você é um irmão para nós – disse Madalena.
Os dois ainda questionaram para Antero aonde ele iria viver essa nova
existência carnal e ele brincando disse para os dois controlarem a ansiedade que
em muito breve saberiam.

183
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 48

“Morada Universo Solar” – 25 de Julho de 1.917

Na noite daquela quarta-feira estavam reunidos na sala Antero, Madalena e


Lucas quando eles receberam uma chamada pelo globovisor.
- Antero meu querido. Tudo bem?
- Dona Dora! Que agradável surpresa. Há alguns dias atrás comentei com os
meus amigos daqui sobre minha nova missão.
- Chegou a hora, meu querido. E então? Está pronto para partir?
- Lógico que sim!
- Venha para cá calmamente e traga Lucas e Madalena, se assim eles
quiserem.
- Perfeitamente, Dona Dora. Logicamente que eles irão sim.
Os três pegaram o veículo astral e chegaram rapidamente no Centro de
Transformação do referente Palácio. Logo na sua entrada, para a surpresa dos
três, estava lá Mestre Jonas, com o seu mesmo semblante calmo de sempre.
- Boa noite a todos. Vocês acharam que eu não viria? – Perguntou Mestre
Jonas com um enorme sorriso.
- Que agradável surpresa! – respondeu Antero – Fico muito feliz em vê-lo
antes da minha partida.
- A partir de agora, Antero, você esta tendo uma grande oportunidade de se
aprimorar ainda mais. Diferentemente da sua última existência, você nascerá
mulato e terá que lidar nessa vida com o preconceito. Seus pais são pessoas
muito boas, porém você terá uma vida muito difícil. Você terá que lutar muito para
conseguir suas conquistas, mas saiba que uma missão dessas é de muito mais
valia do que outra com facilidades abundantes e extremos confortos materiais.
- Obrigado, Mestre Jonas pelas suas palavras. Quero aproveitar e agradecer
a todos vocês, meus amigos, por todos os momentos vividos nesse meu intervalo
celestial. Quero agradecer também ao Mestre dos Mestres por estar permitindo
este meu retorno ao mundo carnal. Não gosto muito de despedidas, então prefiro
dizer até logo a todos. Até a eternidade!
Antero foi conduzido por Dona Dora a uma das salas no terceiro andar. Mestre
Jonas havia se despedido e Madalena preferiu voltar para sua casa. Lucas estava
junto e iria acompanhar o trabalho. Dona Dora pediu para que Antero deitasse em
uma das doze camas que lá estava e falou:
- Fique tranqüilo agora. Fique de barriga para cima que vou cobri-lo com um
este lençol branco até a altura do pescoço.

184
Carlos Eduardo Milito

Antero observava que Dona Dora juntou as mãos e os dedos e sem seguida
levou os indicadores a testa para depois fechar os olhos. Ele notava que por
debaixo daquele lençol ele estava completamente nu, diferentemente de quando
havia chegado e se deitado no local. Dona Dora continuava de olhos fechados e
conforme os minutos iam passando, o ambiente começava a ganhar um agradável
odor de rosas e uma densa névoa da cor branca. Lucas que mantinha-se quieto
observando a cena, percebeu que Antero adormecia. Dona Dora, voltou as suas
mãos na posição inicial e disse para Lucas:
- Houve vezes que fizemos esse trabalho com a sala lotada, e quando isso
ocorre, seriam necessárias mais pessoas para me ajudar. Como só temos o
Antero aqui, farei o trabalho sozinha enquanto você me observa. Agora, nesse
sono inicial de Antero, farei o trabalho de preservação da suas memórias de vidas
passadas e dos intervalos celestiais. Veja só.
Dona Dora, como acabava de fazer, juntou novamente as mãos e os dedos e
sem seguida levou os indicadores a testa para depois fechar os olhos. Surgiu
então, um feixe de luz branco que vinha além do teto daquela sala, e ia em
direção a testa de Antero. Aquilo durou por vários minutos enquanto Antero
dormia. Novamente Dona Dora voltou suas mãos na posição inicial para explicar a
Lucas:
- Nesse momento a memória de Antero fica no nível do inconsciente. Todas
as suas aptidões, suas características, sua índole, sua personalidade ficam
preservados, mas nesse novo corpo, é como tudo se começasse de novo. Ele terá
que aprender a falar, a andar, ler, escrever e todas as coisas inerentes aos seres
carnais. Sei que você já sabe tudo isso, mas aqui vivemos sempre nos reciclando.
Por fim Dona Dora, voltou as mãos na posição de concentração, para que a
última parte da miniaturização fosse feita. Outro feixe de luz surgiu como se fosse
do teto, só que dessa vez da cor prata e com o triplo da largura do anterior. Aquela
cena durava bem mais que a anterior. Dona Dora permanecia concentrada de
olhos fechados, e em posição de como se estivesse fazendo uma prece. Somente
após uns quinze minutos é que o cenário mudou. O corpo astral de Antero
desapareceu debaixo daquele lençol e o que restou lá foi apenas um ponto de luz
que tinha um intenso brilho como se fosse uma estrela que estivesse na frente dos
dois que ali estavam. Dona Dora voltou a sua posição original e continuou suas
explicações:
- Estamos prontos para partirmos. Vamos nós dois mais o Antero para o
veículo astral que nos aguarda na frente deste prédio. Houve vezes que nossas
expedições saiam daqui cercadas por vários pontos luminosos, fazendo disso um
lindo espetáculo. Hoje nosso trabalho é individual, pois há apenas o ponto

185
As Moradas e os Segredos de Maria

luminoso do Antero que irá nos acompanhar nessa viagem. Mas o espetáculo não
deixa de ser maravilhoso, pois a intensidade do brilho desse ponto luminoso
contagia qualquer um de nós.
Enquanto Dora e Lucas caminhavam em direção ao veículo astral, o ponto
luminoso do Antero acompanhava Dona Dora, tal como uma estrela cadente. Por
fim, os três entraram na nave e partiram em direção a Terra.

/ / /

Clara e Genésio completavam duas semanas vivendo na nova casa. O casal


vivia apaixonadamente em lua de mel e assim aproveitavam todos os momentos
que pudessem ter para eles para namorar. Enquanto eles dormiam abraçados,
chegava lá nas cercanias daquela casa o veículo astral com Lucas e Dona Dora
juntamente com Antero que estava no formato diferenciado. Dona Dora falou para
Lucas:
- Chegamos. Esta é casa que vive o casal que irá receber Antero. Aqui mora
Clara e Genésio. Vamos entrar, para que Antero possa ser implantado no útero de
Clara no momento da fecundação. O casal vem mantendo relações sexuais com
freqüência e o momento da fecundação será nos próximos minutos.
- Magnífico! Antero será filho de Clara e Genésio. Quando Mestre Jonas há
pouco falava que Antero seria mulato, nem associei os fatos. – pensou Lucas.
Os três atravessaram a parede que dividia o quarto do quintal da casa e Dona
Dora ajoelhou, aos pés da cama do casal, em posição de como se fosse rezar.
Lucas também acompanhou o seu movimento e elevou seu pensamento em Deus.
Dona Dora então, pediu para que Lucas continuasse com seus pensamentos
elevados que em breve a fecundação se consumaria. Os dois continuavam de
joelhos enquanto o ponto luminoso de Antero brilhava a um metro do chão. De
repente aquele ponto luminoso começou a ganhar volume até ficar do tamanho de
uma maçã. Vagarosamente, ele foi flutuando em direção ao casal e entrou no
ventre de Clara dando a impressão de ter desaparecido daquele ambiente. O que
acabava de acontecer era nada menos do que um milagre do grande Arquiteto do
Universo. O milagre de uma nova vida.
Emocionados, Lucas e Dona Dora partiram daquele cenário de volta à Morada
Universo Solar. A missão dos dois estava cumprida e Clara estava grávida de um
menino.

186
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 49

“Morada Universo Solar” – 04 de Agosto de 1.917

Depois da missão esplendorosa de Dora no preparo para a volta de Antero,


Lucas continuou pelos dias subseqüentes com o seu trabalho normal, e na tarde
daquele sábado, Dona Dora veio a sua procura:
- Olá Luquinhas. Como tem passado?
- Olá Vó. Muito bem. Desde o dia da volta de Antero não nos vimos mais,
pois continuo trabalhando bastante. E vale lembrar que em breve, nossa querida
amiga Estela estará também nesta casa no lugar que era dele, para depois
trabalhar comigo nas missões de auxílio.
- Estou ciente meu querido. Eu soube também que ela reencontrou a sua tia
Marta há alguns dias e ficou muito feliz. Mas o que me trouxe aqui é outro
assunto: Irei a Terra visitar nossos parentes e conforme Mestre Jonas havia lhe
prometido, você poderá irá comigo. Deseja ir?
- Lógico que sim vó. Sinto-me em perfeito equilíbrio para ter contato com
seres providos de roupagem carnal. Além do que, eu esperava esse precioso
momento.
- Mas saiba Luquinhas, que é sempre bom nos precavermos. As energias
emanadas por alguns dos terrestres podem ser nocivas se não soubermos repelir.
Tudo é um treino. Sempre quando formos a Terra somente com o intuito de visitar,
temos que revestir nossa roupagem astral de uma proteção, que seria uma
espécie de vacina astral.
- Eu Imagino vó. Seguirei todos os seus conselhos assim que quiser ir.
Após o devido preparo, os dois partiram juntos para a cidade de Jundiaí onde
moravam Clara e Genésio. Estavam presentes ali também Laerte e Emília que
foram visitá-los além de Dona Benedita. A idéia de Dora era primeiro ir ao casebre
deles para depois ir a São Paulo na casa de Dona Lourdes, sua filha.
Os dois entraram no casebre através da parede e ficaram de pé ao lado
esquerdo da sala. Os cinco terrestres estavam sentados e nada perceberam sobre
os visitantes astrais. Cada um estava acomodado do seu modo e Clara comentava
com todos:
- Venho me sentindo um pouco enjoada nesses últimos dias. Não sei, mas
acho que posso estar grávida.
- Imagina Clara! – disse Emília – Acho isso tudo meio psicológico Está certo
que você é determinada, mas eu acho que não é bem assim que as coisas
funcionam.

187
As Moradas e os Segredos de Maria

- Sinto-me diferente Emília. O que a senhora acha Dona Benedita?


Naquele momento, Dona Dora se aproximou de Dona Benedita e colocou a
mão direita sem cima da sua cabeça. Dona Benedita abriu um sorriso e disse:
- Vocês estão desejando essa criança e o mundo astral atendeu o vosso
pedido. Você está grávida sim! Vocês dois terão muita felicidade com esta nova
criança. Trata-se de alguém de muita luz. Nós todos fomos contemplados com
uma criatura como essa.
Após aquelas palavras de Dona Benedita, um silêncio com muita emoção
pairou naquele ambiente. Em seguida Clara falou:
- Eu sabia! Eu sabia! Está vendo Emília! Está vendo amor! Eu estava certa!
Mas por que a senhora não me falou antes, Dona Benedita?
- Nossas intuições são involuntárias e esporádicas, e talvez fosse destino eu
ser intuída com a presença de todos você aqui.
- Hoje é o dia mais feliz da minha vida, Emília – dizia Clara que estava
radiante.
A conversa prosseguia com todos que ali estavam e Dona Dora e Lucas
observavam atentamente um a um. Lucas permanecia em total equilíbrio em ver o
seu irmão e Emília ali presentes. Clara e Genésio recebiam os cumprimentos
deles com muita emoção e felicidade. Passados aqueles momentos de muita
alegria Emília comentou com sua irmã.
- E mamãe? Como será que ela ficará quando souber?
- Não Emília. Eu preferia que você não comentasse esse assunto com ela. É
melhor não aborrecê-la você não acha? Além do mais, senti na última vez que
conversamos que ela está realmente com muito ódio de tudo e talvez não queira
mais saber de mim. Deixa-me ter minha vida com Genésio, Emília. Ela até me
deserdou não é verdade? Também prefiro esquecer mamãe.
- Querida. Você deveria tirar qualquer mágoa do seu coração – interveio
Dona Benedita – Perceba minha filha, que você está tendo uma grande
oportunidade de praticar um ato divino perdoando a sua mãe. Se você prefere
levar sua gravidez sem o conhecimento dela é uma opção sua, mas acho que
você deve limpar o seu coração e se um dia reencontrá-la, demonstrar a filha dócil
e amável que você sempre foi. Deveria tratá-la bem, e tentar se entender.
- É difícil dialogar com mamãe – disse Clara – Ainda mais agora! Será
impossível.
- Deixe então o tempo cuidar disso tudo minha querida. Eu só peço que o
quando houver um reencontro, seja como eu falei. Não cultive de forma alguma
essa mágoa. Pense que ela pode ter errado com algumas atitudes, mas você

188
Carlos Eduardo Milito

também foi impulsiva. Mesmo que ela venha a te agredir com palavras ou atitudes,
perdoe-a. Esta é a oportunidade que você terá nessa vida, minha filha.
Todos prestaram muita atenção nas palavras de Dona Benedita. Aquilo tudo
não deixava de ser um aprendizado para todos que ali estavam. Dona Dora ficou o
tempo todo com suas mãos na cabeça de Dona Benedita enquanto as palavras
fluíam com aquela facilidade. Aquela tarde seguiu muito agradável com a
conversa dos cinco.
Na volta para São Paulo, dentro do Trem que trafegava na ferrovia São Paulo
Railway de Jundiaí para São Paulo, Emília conversava com Laerte.
- Fico impressionada com as atitudes de Clara, Laerte. Ela tem uma
personalidade forte.
- É uma característica dela sim. Mas pense que por outro lado, uma criança
fará sua irmã amadurecer ainda mais. A maternidade faz bens às mulheres.
- Também acho. Mas por outro lado eu nunca imaginei que Clara casasse
antes de mim. Ainda mais ficar grávida.
Lucas e Dona Dora acompanhavam os dois dentro do trem. Naquele momento
Lucas colocou as duas mãos sobre a cabeça do seu irmão que nada percebia.
- Para casar você precisa namorar primeiro, Clara – disse Laerte entre
discretas gargalhadas – E com certeza deve ter alguém interessado em você.
- Imagina Laerte. Mesmo que eu tivesse alguém não sei se eu teria cabeça
para essas coisas. Tudo o que aconteceu ainda é muito recente. E tem mais:
Depois que Lucas se foi, nunca mais tive uma vida social. Não conheci mais
ninguém. Só tenho você como amigo homem e confidente.
- Você sabe Emilia que pode contar comigo sempre que precisar.
- Realmente Laerte, eu me sinto muito bom com você. Mas como você pode
ter certeza que há alguém interessado em mim?
O silêncio pairou por alguns instantes e o olhar de Laerte dizia tudo. Lucas no
mundo astral estava querendo essa aproximação. Então ele colocou sua mão
direita sobre a cabeça de Emília que disse:
- Não precisa dizer nada Laerte. Você acha que eu não me sinto incomodada
com essa situação? Eu ia me casar com Lucas. De repente tudo mudou. Você foi
entrando na minha vida e estou realmente embaraçada.
- Não podemos viver em função do passado Emília. Tenho certeza que onde
Lucas possa estar, ele nos entenderá. A vida aqui continua para nós. Se há algo
mais do que amizade, acho que temos que seguir nossos rumos. Não é verdade?
- Não sei Laerte. Mas dessa forma que você fala, com esses seus gestos e
entonação de voz está me fazendo enxergar coisas que eu ainda não havia
percebido. Que culpa temos, se esta brotando um sentimento novo para nós?

189
As Moradas e os Segredos de Maria

Tenho que admitir sim Laerte, que gosto de você muito mais do que para ser um
amigo.
- Faço minhas as suas palavras, Emília.
Laerte e Dona Dora estavam felizes com o começo do entendimento dos dois
que começavam a namorar naquele dia. Clarice ficaria radiante ao saber a notícia
no final daquele sábado. Lucas e Dora abandonaram o trem e seguiram para a
casa de Dona Lourdes e Afonso. Sem ser percebido, Lucas chegou
carinhosamente perto dos seus pais e procurou não entrar nas emoções que
pudessem atrapalhar aquela missão. Ouviu um ou outro diálogo entre os dois e
também viu seu irmão Leandro que parecia definitivamente ter entrado nos eixos.
Depois partiram felizes de volta à Morada Universo Solar.

190
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 50

“Portugal” – 13 de Agosto de 1.917

Na manhã daquela segunda-feira, Mestre Jonas foi avisado que Maria não
estaria na Cova da Iria conforme havia sido previsto. Alguns dos habitantes do
mundo astral já sabiam dos intentos do administrador de Ourém, que planejava o
seqüestro das três crianças por temer que elas guardassem algum segredo de um
possível acontecimento político para aquela época. Momentos antes daquela que
seria a quarta aparição, o prezado sujeito prendeu as crianças e as manteve sob
sua custódia, sem comida, e com criminosos comuns. Tentou exercer forte
pressão para conseguir alguma informação. Como eles nada revelaram, o sujeito
acabou por desistir da idéia e devolveu as crianças para suas famílias. Só que
então já passava da hora combinada.
Maria então estaria presente após dois dias só que em outro local. Sua
aparição seria em Valinhos, por onde as crianças estariam na quarta-feira. Todo o
preparo para a cena vindoura começava a ser feito pelos serventes da Morada
Universo Solar em função dessa nova data. Como nos meses anteriores a
arquibancada em forma de flores, além de todos os outros cuidados para sua
recepção estavam sendo providenciados. Os espectadores da Terra não estariam
presentes, no entanto a platéia astral estaria repleta e magnífica.
Na quarta-feira dia quinze de Agosto, surgiu no céu de Valinhos uma claridade
que ofuscou a vista das três crianças que por lá estavam. A névoa branca surgiu
no meio da claridade e era acompanhada por um feixe de luz. Em seguida, surgiu
Maria com o mesmo semblante da última aparição.
Como da última vez, após o questionamento inicial da menina Lúcia, A voz
doce e encantadora de Maria frisava a necessidade das crianças continuarem a
rezar o Terço para que a paz fosse alcançada na Terra. Ela disse também para
que as crianças continuassem a voltar a Cova de Iria todos os dias treze até o
mês de Outubro. Frisou sobre o milagre que faria em Outubro para que todos
acreditassem nela.
A menina Lúcia questionava o que fazer com o dinheiro que muitas pessoas
deixavam na Cova de Iria e teve como resposta para que eles fizessem dois
andores onde cada um deles fosse levado para a festa da Nossa Senhora do
Rosário por quatro crianças cada. Um deles pelas duas meninas que ali estavam e
mais duas outras meninas e o outro andor pelo menino Francisco e mais três
outros meninos. Maria falava que com o dinheiro restante as crianças deveriam
ajudar na construção de uma capela naquele lugar.

191
As Moradas e os Segredos de Maria

Lucia como das vezes anteriores fazia o papel de interlocutora. Fez então
alguns pedidos de curas para pessoas conhecidas e Maria respondia que algumas
delas seriam curadas se praticassem a fé rezando o terço. Mencionou novamente
a necessidade do Sacrifício ou Penitência, ou seja, a prática de algum benefício
com algum empenho em favor do próximo, para que então, o caminho da
evolução fosse retomado. Dessa vez Maria ao falar do sacrifício mencionou o
inferno, que era para onde seriam levados os pecadores se não houvesse quem
se sacrificasse por eles. O sentido figurado de suas palavras dava margens a
interpretações extremas onde eram vislumbrados um céu e um inferno como
opções definitivas do destino dos homens da Terra.
Como da vez anterior Maria então se despediu e começou a elevar-se,
flutuando cada vez mais até desaparecer no horizonte.

192
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 51

“São Paulo” – 15 de Agosto de 1.917

Na noite daquela quarta-feira, na mansão da Av.Paulista, Clarice conversava


com a Emília:
- Teremos uma recepção no sábado somente para os amigos íntimos para
oficializarmos o seu noivado com Laerte. Já está tudo providenciado.
- Mamãe, a senhora sabe que se fosse por nossa vontade nem faríamos
isso. O noivado é mais um capricho seu do que nosso. Eu e Laerte até estamos
pensando em nos casarmos logo, no entanto esse assunto de noivado não me
agrada.
- Imagina Emília. Quero mostrar para minhas amigas que minha filha está se
encaminhando bem. Isso é importante.
- Mamãe, é uma pena que a senhora vive de aparências. Eu juro que eu não
ligo para nada disso.
- Só tenho você agora. Primeiro perdi meu marido e depois perdi minha outra
filha. Vocês serão minha família a partir de agora. Todo esse império será seu e
do Laerte.
- Eu te falei que não concordo com isso mamãe. Eu ainda tenho uma irmã
sim. E gosto dela.
- O nome dela você está proibida de pronunciar. E está proibida também de
mover uma palha para ajudá-la enquanto eu for viva. Ela escolheu o caminho dela,
então assim será.
- Vou então esquecer esse assunto para não me desentender com a
senhora.
- Mas voltando ao seu assunto, e o casamento? Quando vocês pretendem
marcar?
- Eu e Laerte conversamos bastante sobre isso e achamos deverá ser ainda
neste ano. Mas mamãe, nós queremos alguma coisa simples e sem muita pompa.
- Como você pensa pequeno. O casamento tem que ser o acontecimento
marcante do ano na cidade de São Paulo.
- É difícil não discutir com a senhora, mamãe. Eu e Laerte gostaríamos de
tudo com máxima simplicidade e discrição. Não queríamos noivado, queríamos
um casamento simples. Só isso mamãe.
- Você é minha filha e enquanto você estiver aqui em casa, tudo será do meu
modo sim. Tratem então de marcar a data para que eu providencie tudo.

193
As Moradas e os Segredos de Maria

/ / /

Enquanto isso no Vale das Trevas, Mestre Zuzo chegou para Albuquerque e
disse:
- Você vem trabalhando para a nossa comunidade com afinco mesmo depois
que Joel foi morto na Terra. Você anda bem obediente né Marcos?
- Você sabe Mestre Zuzo, que estou aguardando a oportunidade de me ver
frente a frente com Joel. Por isso prefiro ser um rapaz cordato com vocês e os
serviços que vocês fazem.
- E depois que ver Joel? E depois que ver Ernesto?
- Continuarei aqui com vocês. Pretendo segui-los pela eternidade. E para
poder ter esse direito estarei aqui com vocês. E por falar nisso, já faz um mês que
eles estão do lado de cá e até agora nada de vê-los.
- Tanto Joel como Ernesto estão como vermes rastejantes em um lugar
imundo e asqueroso e medonho. Consegui conversar hoje com o Mestre Lúcifer
que é responsável pelo Vale do Horror, que é onde eles estão, e ele permite sim a
sua visita lá, mas para isso ele quer algo em troca.
- O que ele quer exatamente?
- Ele deixa você obsediar a vontade tanto Joel como Ernesto, mas depois
quer que você fique lá por seis dias tal como os dois.
- Mas por que isso?
- Da mesma forma que nós, eles se alimentam vendo seres de outras
freqüências sofrendo com ataques de forças mais baixas. Se você permitir isso
por um curto período de tempo eles estarão se deliciando com isso. O problema é
que você enfraquecerá e sofrerá os mesmos efeitos que seus dois companheiros
estão sofrendo.
- Não tem outra forma de eu visitar Joel?
- Creio que não.
- Serão só seis dias né? Mas toda a vez que eu quiser perturbá-lo será essa
a troca?
- Pelo que eu entendi, sempre.
- Então o que adianta eu continuar aqui com vocês?
- Ora ora, Marcos. Você continua petulante como sempre. Tente o seguinte:
Faça um teste! Fique a vontade para obsediar Joel e Ernesto como bem entender
e pague com os seus seis dias lá. Depois me diga. Eu sei de pessoas minhas que
fizeram isso e demoraram muito para se recuperar. Voltaram totalmente inertes e
sem forças para nada. Eu tive pessoas ainda que não conseguiram voltar por que
ficaram aprisionadas pelos homens de Mestre Lúcifer.

194
Carlos Eduardo Milito

- Desculpe Mestre Zuzo. Mas tenho que tentar. Fico seis dias lá mas não vou
perder a oportunidade de ficar frente a frente com Joel e aquele falso ajudante de
piloto.
- Você quem sabe, Marcos! Você já está avisado!

/ / /

No dia seguinte pela manhã, Albuquerque foi levado por Magrão e Zé Trovão
ao temido Vale do Horror. A mesma escadaria usada outrora ao fundo da sede era
o caminho que levaria Albuquerque até lá. Nos primeiros dez minutos, os três
subiram juntos os duzentos degraus de terra batida até o local plano que já era
conhecido por todos. Albuquerque conseguiu perceber que lá era muito similar ao
local que foi encontrado quando chegou ao Vale das Trevas. A única diferença é
que ao lado oposto de onde ele estava, havia uma única saída que era uma
espécie trilha cercada por vegetações secas e cipós secos e com um aspecto
tenebroso. Zé Trovão falou para Albuquerque:
- Agora é por sua conta. Nós vamos voltar. Você deverá seguir essa trilha
caminhando por um bom tempo até sentir a paisagem mudar completamente.
Você saberá a hora que chegou ao seu destino. Boa sorte!
- Até breve, pessoal. Deixa comigo então!
- Se você conseguir voltar, até breve – falava Zé Trovão que olhava para
Magrão que dava gargalhadas – Ou até nunca mais!
- Não tenho medo! Para me ver frente a frente com Joel eu encaro qualquer
desafio. Até breve, rapazes.
Agora Albuquerque estava só. Ele começava então a caminhar naquele lugar
ermo e com a mesma falta de luminosidade intrínseca daquela região. Nos
primeiros minutos tudo parecia muito monótono, mas por vez ou outra ele sentia
uma espécie de rápido calafrio. Era como se passasse um morcego rapidamente
de um lado para outro em frente a ele. Depois de aproximadamente uns quarenta
minutos o cenário já estava bem parecido com aquele que Joel vivenciou no seu
primeiro minuto de consciência após deixar a Terra. Via-se em um ambiente muito
escuro e com um odor muito desagradável. Percebia seres esparramados como
indigentes por aquele chão imundo. As expressões de cada um deles eram as
piores possíveis. Um ou outro se rastejava a sua frente com gemidos de dor e
grito de horror.
De repente Albuquerque se deparou com Joel, jogado no chão, com roupas
imundas, barbas compridas e uma aparência péssima. Ele era a fiel representação
de um mendigo. A reação inicial de Albuquerque foi com uma sarcástica

195
As Moradas e os Segredos de Maria

gargalhada que pareceu não ter fim. Joel observava inerte com o olhar perdido a
presença do seu inimigo. Após se deleitar de prazer Albuquerque fechou seu
semblante e entoou uma voz brava:
- Está contente com sua nova casa Joel?
O silêncio pairou no ar. Joel não respondia. Desde sua chegada ele vinha
sofrendo bastante e não conseguia se comunicar com mais ninguém por ali.
- Não quer conversar comigo então?. Tudo bem. Vou falar assim mesmo pois
terá que me ouvir. Você planejou o meu fim e fui lá te buscar desgraçado. E agora,
veja só onde você veio parar: Nas profundezas do inferno! Não pensa que você
vai ficar impune. Agora vou te atordoar pela eternidade! E o ajudante de piloto de
araque que você contratou? Cadê ele? Saibam que vocês não terão mais sossego
por aqui! Sempre que eu puder estarei aqui para atordoá-los.
Joel não respondia, mas olhava o seu inimigo com um ar de indiferença. Aquilo
enfurecia ainda mais Albuquerque que falava em um tom ainda mais ríspido:
- Assassino! Assassino! Você planejou tudo Joel. Tirou minha vida! Tirou
minha família de mim! Tirou meu poder! Tirou meus bens! Eu jamais te perdoarei!
E o pior seu desgraçado, foi que você envolveu mais duas pessoas nesse seu
plano absurdo. Assassino! Assassino!
Joel continuava calado e mostrava agora um semblante triste para
Albuquerque que continuava com suas palavras:
- Bem-vindo ao pior setor do Universo! O local que estou também é péssimo,
mas este aqui tenho que admitir que é muito pior. Por tudo que você foi, você
merece, Joel.
Albuquerque ficava atordoando Joel que por vezes até tentava falar alguma
palavra, mas não conseguia. As horas foram passando e em um determinado
momento Albuquerque foi tomado bruscamente pelos braços e arrastado dali por
dois sujeitos que aparentavam ser homens da caverna. Quando ele se refez do
susto surgiu na sua frente um homem tenebroso, com o rosto desfigurado, roupa
toda preta, e uma voz horripilante. Esta figura estava toda envolta em chamas
que, como se saísse do próprio corpo, era acompanhada por uma fumaça preta.
- Eu sou o Mestre Lúcifer. Você que é o homem de Mestre Zuzo?
- Sim senhor! Sou eu mesmo!
- Por que veio no meu território?
- Fui assassinado por uma pessoa que está aqui e eu precisava vê-la.
- Você podia deixar que nós cuidássemos disso. Eu odeio visitas de pessoas
de outras freqüências por aqui. Mestre Zuzo sabe disso, mas ele insistiu.
- Desculpe Mestre Lúcifer. Então eu me vou agora e está tudo certo. Não te
aborreço mais. – falava Albuquerque amedrontado com a figura de Mestre Lúcifer.

196
Carlos Eduardo Milito

- Mas quem falou que você vai embora agora? – disse Mestre Lúcifer em
meio a uma tenebrosa gargalhada – Você quis vir, então ficará como meu
prisioneiro por uns dias. Eu avisei Mestre Zuzo.
- Eu sei. Eu concordei. Ficarei a sua disposição! Afinal serão só seis dias
mesmo não é?
- Isso é o que eu falei para ele – disse Mestre Lúcifer novamente em meio a
uma tenebrosas gargalhadas – Por mim, ficaria meu para sempre. Mas como a
sua freqüência é um pouco melhor do que a dos meus outros escravos, quem
sabe você não consegue se libertar?
Albuquerque entrou em pânico. Aquele lugar era medonho. O Mestre que
estava na frente dele era difícil de olhar. As criaturas eram uma mistura de
humanos com pedaços de animais. Havia desde sofrimento de alguns, percebidos
por entre gemidos, até sarcasmo de outros. O preço por ver Joel estava sendo
caro demais. Por fim, Mestre Lúcifer falou:
- Marcos, você ainda está melhor do muitos aqui. O tal do Joel chegou sem
voz, e o tal ajudante de Piloto sem uma das pernas. Você pelo menos está inteiro
– falava Mestre Lúcifer com a mesma gargalhada.
Albuquerque resolveu acatar as ordens, pois não teve saída. Não bastou muito
tempo para ele ter as mesmas sensações vivenciadas por Joel e Ernesto. Seu
desespero aumentava. A sensação de enjôo era constante. Ele então ficou jogado
no chão tal como os outros, e recebia desagradáveis visitas de tudo quanto era
espécie de criatura. Diferentemente de Joel e Ernesto que já estavam lá havia um
mês, o pesadelo para ele só começava.

197
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 52

“Morada Universo Solar” – 17 de Agosto de 1.917

Olga estava no seu local de trabalho, no Centro de Recuperação do Palácio da


Cura e começava a conversar com o seu amigo Fabrício:
- Fabrício. É com muita alegria que liberei mais dois companheiros do nosso
Centro de Recuperação nesta semana.
- Também tenho esse mesmo sentimento por cada ser que libero. Não dá
para explicar a sensação.
- Paulo Ribeiro foi liberado no começo desta semana e agora pouco,
acabamos de liberar Estela. Assim como Paulo, ela ficará no Palácio da
Sustentação. Fiquei muito feliz com o êxito no tratamento dos dois.
- Que bom, Olga. E como está o seu paciente especial?
- O Plínio? Ele está cada vez melhor, meu amigo. Que privilégio o meu em
poder cuidar de quem eu considero como alma gêmea. Sou grata ao grande
Arquiteto do Universo por isso.
- O caso de vocês é realmente especial não é Olga? Eu estou de prova do
quanto você interveio por ele esses anos todos.
- Consegui algumas concessões sim, Fabrício. O que estou fazendo agora
na verdade é preparando Plínio para uma nova e sublime missão que teremos na
Terra. Devido ao seu atual estado, ele ainda nem sabe disso, mas tanto eu como
ele estamos muito próximos do retorno a vida carnal. Primeiro irá ele em um futuro
próximo para depois de alguns anos eu partir também. Plínio será
aproximadamente uns seis anos mais velho do que eu e viveremos um casal, tal
como na nossa última existência.
- Que estória bonita Olga. Mas esse intervalo celestial de Plínio foi curto
demais! A quase totalidade do tempo ele viveu em regiões de baixa freqüência e
logo agora que ele foi acolhido na nossa Morada logo irá partir.
- Amigo Fabrício, isso não importa. Estaremos de volta a Morada Universo
Solar no final do século, e então sim, teremos um intervalo celestial para
trabalharmos juntos em função dos necessitados. O que importa é que agora
nossa missão é toda especial. Plínio será o filho de Laerte e Emília que casarão
em poucos meses. No começo de 1.918 ela engravidará e Plínio será seu filho.
Daqui há uns seis anos eu nascerei como filha de Márcia que é a filha de Inês e
Joel. Um pouco antes da metade deste século eu e Plínio nos casaremos e
constituiremos uma família.

198
Carlos Eduardo Milito

- Acho que posso entender a grandeza da missão que vocês terão pela
frente.
- Temo que você não compreenda completamente meu querido. Plínio irá
antes e eu continuarei meu trabalho aqui por mais algum tempo. Nesses anos
vindouros tentarei interceder por Marcos, assim como fiz por Plínio. É necessário
extirpar o ódio do coração do meu filho. Ele está em uma zona de baixa freqüência
e nesses últimos dias tem estado em um lugar pior ainda. Vou tentar fazê-lo
enxergar o caminho da luz e da verdade. A idéia é que ele tenha um retorno à vida
carnal como filho meu e de Plínio novamente. Então o quanto mais ele despertar
nesse intervalo celestial, mais preparado ele estará para enfrentar os percalços da
missão que virá.
- Que coisa Olga. Estou comovido com essa estória. Você será mãe dele
novamente na sua próxima vida na Terra.
- E o que você não sabe ainda meu querido Fabrício, é que há mais dois
seres nessas zonas de baixa freqüência que inclusive foram responsáveis pela
prematura partida de Marcos para o mundo astral, e eu, tenho rogado ao meu
Governador que eles venham a nascer na minha família como irmãos de Marcos.
Assim eles também seriam meus filhos e teriam uma grande oportunidade de se
perdoar entre si e galgarem seus degraus na escala evolutiva.
- Louvado seja o grande Arquiteto do Universo por permitir a pluralidade das
existências e a chance do recomeço minha querida Olga. Os laços eternos são
uma dádiva de Deus.
- Louvado seja ele por permitir também para mim e para o Plínio uma tarefa
dessa grandeza. Será uma missão de muitos percalços e sofrimentos, no entanto
de grande valia para vida maior.

/ / /

Naquele manhã Madalena chega a sua casa sabendo que Lucas estaria por lá.
Ela estava acompanhada de Estela que havia acabado de deixar o Centro de
Recuperação do Palácio da Cura.
- Lucas, conforme já te falei aqui está Estela. Ela agora irá ficar aqui
conosco. Irá ocupar o lugar deixado por Antero.
- É com muita alegria que nós vos recebemos Estela – disse Lucas
sorridente – Seja bem-vinda.
- Vocês todos são ótimos. Sou muito grata por tudo. Desde que vocês dois
foram me buscar não tenho palavras para agradecer. E no Palácio da Cura, me
deparei com pessoas sensacionais como Olga e Fabrício. Obrigado a todos.

199
As Moradas e os Segredos de Maria

- Sem cerimônias Estela. Todos nós aqui fazemos nosso trabalho com amor.
Não tem nada que agradecer – disse Lucas sorrindo.
- Quero retribuir de alguma forma tudo o que vocês estão fazendo por mim.
- Tudo tem o seu tempo Estela – disse Madalena – Em breve você irá nos
ajudar nas nossas missões de auxílio pela Terra. Chegará o momento adequado
para isso.
- Já estou ciente que aqui tudo tem que esperar. Há poucos dias minha Tia
Marta foi dar o ar da graça no Centro de Recuperação do Palácio da Cura. Foi o
dia mais feliz desta minha nova vida.
- Fico feliz Estela. Soubemos da sua ansiedade em querer ver sua tia, pois
Olga nos contou. Você notou então que tudo aqui tem o seu tempo, não é verdade
Estela?
- Certamente Madalena. Certamente.
Depois daquela agradável conversa, Lucas soube por Madalena que Paulo
Ribeiro estava alojado em uma das casas não muito distante dali. Paulo também
aguardava um trabalho, pois havia tido uma boa recuperação e desde o começo
da semana quando foi dado por encerrado o seu tratamento, sentia-se preparado
para ser útil em algum ofício. Ele estava agora em uma casa idêntica a de Lucas
em companhia de um moço e outra moça. Desde sua chegada a Morada Universo
Solar, ele ainda não havia tido a oportunidade de reencontrar Lucas que até
participou da missão de sua busca, mas as circunstâncias impediram o contato
frente a frente. Lucas então foi fazer uma surpresa para e encontrar o amigo.
- Olá Paulo. Como tem passado?
- Lucas! Que bom vê-lo. – falava Paulo com água nos olhos – Quando eu
estive em tratamento, Fabrício me disse que você trabalhava nesta morada e
inclusive me acompanhou quando cheguei. Naquela ocasião não pude percebê-lo.
- Logicamente, Paulo. As coisas não acontecem por acaso. Você necessitava
de um maior equilíbrio para poder reencontrar aqui na vida astral alguém que você
teve um recente contato na vida carnal.
- Acho que você tem razão Lucas. E você? Como está?
- Muito feliz com trabalho daqui. A cada dia que passa, entendo um pouco
mais os pormenores da vida maior. Em um primeiro momento, podemos ficar
confusos e até relutarmos sobre os porquês das coisas, mas a sabedoria nos vem
em mente com o passar do tempo, e tudo é superado.
- Espero chegar nesse nível, meu amigo Lucas. Assim como você, eu era
bem jovem na Terra, e por vezes não consigo aceitar ainda o que aconteceu
comigo. Por que nosso avião explodiu?

200
Carlos Eduardo Milito

- É natural ter essas sensações de angústia, meu querido amigo. Não se


preocupe em entender um fato isolado. Quando você recuperar uma memória
mais abrangente dos últimos séculos, talvez você encontre algumas respostas. O
que eu sei é que na minha última vida eu era um médico muito dedicado as
causas sociais e vivia na Europa há quase duzentos anos atrás. Um dos casos
que eu consegui salvar foi de um jovem que ficou muito agradecido. Só que isso
havia acontecido no final da minha vida, e esse jovem não teve como retribuir, Ele
então voltou a renascer como Marcos Albuquerque e vamos dizer que “fez o seu
agradecimento” nessa última vida me abrindo portas profissionais e me projetando
como um Advogado.
- Que interessante! Mas isso não explica o acidente.
- Não procure explicações exatas para os fatos das vidas terrestres. Nossas
missões nessa última vida tinham que terminar ali, Paulo. Talvez, fomos vítimas
de outras variáveis que estão por de traz disso, e nada como uma vida após a
outra, e um intervalo celestial após o outro para que as coisas se ajustem ao longo
da eternidade. A pluralidade de existências é que dá a chance de nos perdoarmos
e evoluirmos em busca de perfeição.
- É bom ouvi-lo e tê-lo como amigo Lucas, mas por algumas vezes esse
passado recente me vem em mente e me perturba.
- Quando chegar o momento adequado, meu querido Paulo, você poderá
retomar sua lembranças e perceber que tudo o que eu digo tem fundamento.
Existe o chamado Setor de Arquivos do Palácio da Transformação que é o local
que nos dota desse atributo. É preciso controlar a ansiedade e saber aguardar.
Além do mais, o aprendizado e a reciclagem que temos por aqui também nos
ajuda bastante.
Lucas se despediu de Paulo e se colocou à disposição para aquilo que ele
precisasse. Disse ainda que chegaria o momento em que ele iria visitar sua Tia
Alzira no Rio de Janeiro. Era necessário aguardar o trabalho e se dedicar a ele
com muito amor.

201
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 53

“São Paulo” – 18 de Agosto de 1.917

Na noite daquele sábado, Clarice fez questão de fazer uma festa de noivado
além daquilo que Laerte e Emília desejaram. Ela chamou amigos da alta
sociedade, pessoas influentes da época e outros figurões. Aproveitou a cerimônia
para mostrar a todos que havia superado a morte do marido e de quebra, sua filha
mais velha estaria bem encaminhada com uma família tradicional dona de um
próspero comércio de roupas.
Quando uma amiga ou outra perguntava sobre Clara, Clarice dizia que sua
filha estaria em Paris e ficaria lá por alguns anos. Dona Lourdes, a pedido de
Laerte, nem tocava no assunto Clara para Clarice. Desde quando Clara decidiu
partir, Laerte instrui sua mãe para que ignorasse completamente o assunto para
poupá-las de discussões e até por em risco a amizade das duas senhoras.
Tudo transcorreu normalmente e os jovens se presentearam com as alianças e
já comunicaram que a data do casamento seria vinte de outubro daquele ano. O
acontecimento seria aguardado com muita expectativa por todos.

/ / /

Enquanto isso, no Vale do Horror, Albuquerque vivia o seu quarto dia de


“inferno”. Ele estava prostrado no chão e havia se arrependido de ter aceitado o
que estava passando em troca de ficar frente a frente com Joel. Naqueles
instantes, enquanto sua filha mais velha comemorava um momento de alegria em
estar oficializando uma data para seu casamento, lhe veio na sua mente, muitas
lembranças de sua vida na Terra e dos planos que ele tinha para que ela se
casasse com Lucas. Sentiu saudades das três mulheres da sua família e chorou
silenciosamente no meio daquele cenário asqueroso e medonho. Até nessas
horas íntimas foi perturbado por zombeteiros que por ali passavam:
- Chora Marquinhos! Olha o Marquinhos chorando! – Falavam entre
gargalhadas as vozes de pessoas não identificadas que pareciam ecoar naquele
cenário – chora Marquinhos!
Enquanto Albuquerque ficava com aqueles pensamentos, os zombeteiros
ficavam repetindo incansavelmente a frase entre gargalhadas para tentar
desestabilizá-lo. De repente, Albuquerque desafia esses zombeteiros sem medo:
- Apareçam aqui, ó bando de infelizes! Vamos nos enfrentar de igual para
igual.

202
Carlos Eduardo Milito

Ninguém assumia a autoria daquelas vozes e Albuquerque continuou sendo


perturbado por longo tempo. Totalmente cansado e extenuado conseguiu
descansar em rápido sono, mas ao acordar o pensamento prosseguia. O que lhe
dava forças para se manter por ali é que imaginava que em seis dias estaria livre.

/ / /

No dia seguinte pela manhã, Clarice acordava na mansão com a filha, muito
satisfeita com a festa de noivado da noite anterior. Tudo havia saído conforme
planejado. Muita pompa, muito brilho, e muita pose por parte dela, apesar da
família Silveira não ter o poder financeiro que ela gostaria que tivessem.
Laerte logo foi ao encontro de Emília e os dois conversavam:
- Como passou de ontem para hoje meu amor? – perguntou Laerte
- Passei bem. Minha única tristeza é a ausência de Clara – respondeu Emília
- Temos que aprender a conviver com isso, querida. Nós temos ido todos os
sábados para lá sem sua mãe saber. Só não pudemos ir ontem por causa do
nosso noivado.
- Eu sei da sua boa vontade Laerte, mas fico triste com essa estória. De nada
adianta mamãe freqüentar assiduamente a sua igreja.
- A situação entre ela e Clara é difícil sim, e ainda mais agora com sua irmã
grávida! Não vejo como as duas poderiam se reaproximar.
- Esquece isso Laerte! Você reparou que Clara está bem resolvida com esse
assunto. O convívio dela com Dona Benedita esta lhe fazendo bem. Ela parece
estar conformada com isso, e se mamãe souber ou não que ela espera um filho,
isso para ela não importa.
- Melhor assim, Emília. Mas no que depender de mim para ajudar, farei com
o maior prazer.
- Obrigado pela suas palavras, querido Laerte.

203
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 54

“Vale do Horror” – 31 de Agosto de 1.917

Albuquerque já tinha perdido a noção dos dias que estava sob o comando de
Mestre Lúcifer. Já passavam dezessete dias desde sua chegada e ele ainda não
havia conseguido se desvencilhar daquele lugar. O pesadelo era constante. Não
havia uma luminosidade que pudesse distinguir o dia da noite. Tudo parecia ser
muito sombrio e sofrimento de Albuquerque tirava qualquer força para que ele
pudesse reagir.
Na manhã daquela sexta-feira, Olga recebeu a permissão do Governador do
Palácio da Cura para poder interceder pelo seu filho Marcos Albuquerque. Ela,
juntamente com mais três serventes daquele Palácio, estariam em uma expedição
para tentar dar alguma sustentação ao ser sofredor. Chegaram lá com um veículo
astral e não eram percebidos por ninguém. Conforme eles caminhavam por aquela
paisagem tétrica, uma névoa branca os acompanhava. Aquilo, não deixava de ser
uma proteção que eles tinham por estar em um local de muito mais baixa
freqüência do que eles estavam acostumados. Chegaram enfim perto de Marcos
que nada percebeu e continuava jogado no chão como um indigente. Olga então
estendeu sua mão direita e colocou sob a cabeça de seu filho:
- Querido Marcos. Não poderei te levar para minha morada mas é preciso
que você reaja! Você tem condições de sair daqui sim meu filho. Pelo menos por
ora você poderá voltar do local de onde você partiu. Reaja com o poder da mente
e diga que quer sair. Use todas as suas forças meu querido. Que pena que você
sempre desprezou os poderes do nosso criador vivendo no ceticismo. Mas use ao
menos o poder da mente que não deixa de ser uma essência divina. Reaja
Marcos! Nós da Morada Universo Solar viemos em Missão de Auxílio. De todos os
seres que habitam hoje esse setor, somente você é que tem atributos de poder
sair daqui. Reaja, meu querido, Reaja!
Após aquelas palavras, Olga permaneceu com as duas mãos juntas na altura
da face e com os olhos fechados por pelo menos uns dez minutos. A névoa
branca que rondava o grupo de Olga começou a ganhar maior densidade. Uma
claridade parecia tomar conta daquele ambiente. Até o odor desagradável que era
intrínseco de lá pareceu dar lugar a suaves aromas silvestres. Passados alguns
minutos, a expedição da Morada Universo Solar foi embora de lá.
Albuquerque percebeu uma sensação um pouco diferente. Parecia se sentir
mais forte. Não se afligia e nem se amedrontava com as coisas feias que via por
lá. Agora um pouco mais refeito ele se lembrou de quando usou seus poderes

204
Carlos Eduardo Milito

mentais para se refazer do “ataque dos lobos” propiciados por Zé Trovão e


Magrão logo na sua recepção. Lembrou-se também quando usou esse mesmo
poder para se desvencilhar dos dois e fugiu para a fazenda. Então ele começou a
pensar com todas as suas forças que queria sair dali. Mestre Lúcifer surgiu na sua
frente
- Ora meu rapaz! Você pensa que vai fugir assim fácil?
- O acordo não foi esse, Mestre. Estou aqui há mais de duas semanas. Já
sofri bastante. Agora chega!
- O senhor é muito petulante, Marcos! Como meu prisioneiro terá que me
enfrentar se quiser ir embora.
- Mestre Lúcifer, você tem muito poder e realmente respeito isso, mas eu ir
embora daqui. Não posso mais ficar!
- Por que ir embora Sr.Marcos?
- Não estou agüentando mais conviver com vocês que são uma espécie de
“Canibais Astrais” Vocês se alimentam de tragédia e de dor de forma muito mais
intensa do que a comunidade a qual eu habito.
- Basta você querer ficar, que pegará gosto por tudo isso.
- Obrigado, Mestre. Não quero.
- Vai ficar sim por bem ou por mal – disse Mestre Lúcifer aos gritos.
- Não vou ficar – respondeu Albuquerque com um tom de voz firme, em
seguida fechou os olhos e depois e começou a mentalizar a mesma brisa que o
levou para a fazenda quando fez isso na presença de Zé Trovão e Magrão.
De repente aquela névoa branca que já estava quase dissipada começou a
ganhar volume e consistência novamente. Albuquerque percebeu que estava
fazendo a coisa certa e então continuou ainda mais firme naqueles pensamentos.
Mestre Lúcifer notou que Albuquerque era difícil de dominar então ficou estático
esperando que ele se desconcentrasse para tentar prendê-lo. Os minutos foram
passando e Albuquerque continuou firme até que de repente ele foi levado por
uma sensação de queda livre e sentiu a sensação de um desmaio. Quando abriu
seus olhos se viu jogado no fundo da sede dos Transeuntes das Trevas.
Albuquerque então sorriu. Comparando com o lugar que ele ficou aprisionado por
dezessete dias, aquilo era bem melhor.

/ / /

De volta ao Palácio da Cura, Olga foi visitar o seu paciente especial. Plínio
apresentava uma excelente recuperação. Já tinha consciência de muitas coisas,
pois havia passado quase três meses desde a sua chegada. Em breve seu

205
As Moradas e os Segredos de Maria

tratamento estaria encerrado. Ele já sabia que o seu filho Marcos Albuquerque se
encontrava no plano astral e viva em regiões de baixa freqüência. Sabia também
que Olga estava tentando ajudá-lo na medida do possível. Os dois então
conversavam:
- Novidades do nosso filho?
- Querido Plínio, não se exalte. Tudo caminha conforme as vontades do
grande Arquiteto do Universo. No que eu puder interceder por ele, saiba que eu
faço. Você não pode ficar apreensivo com esse assunto.
- Eu sei Olga. Mas você sabe que é difícil eu me controlar. Sei que só vou
poder vê-lo quando eu tiver em perfeito equilíbrio. Estou ciente de como tudo
funciona por aqui, mas você tem que entender que gosto de saber as notícias
sobre ele. Só isso. Mesmo que as notícias não sejam boas.
- O meu querido. Só estamos querendo te poupar para que você fique bom o
quanto antes. Estas possíveis desavenças só atrapalham o seu progresso.
- Não há problemas meu amor. Já percebi que a dor também é um
aprendizado. Estou preparado. Me diga. Como ele está?
- Pois bem Plínio. Você tem que saber mesmo. Eu havia te falado que ele
está em regiões de baixa freqüência assim como você ficou por muitos anos. É
isso que vem acontecendo com ele sim, só que ele se aventurou em zonas mais
sombrias ainda por cultivar muito ódio e então tentamos intervir para que ao
menos ele retornasse a região original. E isso nós conseguimos.
- Como somos cegos Olga! Só de pensar que eu vivia assim até há pouco
tempo atrás...
- Você vivia em regiões de baixa freqüência mais por ignorância do que por
ódio. Assim como fiz por Marcos há pouco, eu tentava fazer por você sem que
você me visse.
- Eu sei disso Olga. Eu sou muito grato, meu amor!
- Eu fazia minhas preces e vibrações por anos e você parecia uma muralha.
Eu conseguia algum sucesso quando você por vês ou outra, em momentos de
maior fraqueza, se arrependia por atitudes terrenas e até mentalizava algo
superior.
- Assim como nosso filho, eu fui muito cético na Terra. Depois que te perdi,
definitivamente, eu não acreditava em mais nada, e me apeguei ao trabalho.
Marcos cresceu e eu passei muito dessa minha descrença para ele. Olga! Eu fui
culpado pela educação religiosa dele. Sinto-me arrependido! O quão ignorante eu
fui! Imagino que se ele está assim agora, em parte foi por culpa minha. Preciso
que você me perdoe por isso.

206
Carlos Eduardo Milito

- Não se amargure Plínio. A pluralidade das existências nos dará uma nova
chance se assim desejarmos.
- O que você quer dizer com isso, Olga?
- Poderemos em uma nova vida compensar nossos erros. Poderemos nos
redimir. O sistema é perfeito Plínio. Estamos vivendo um intervalo celestial. Até
chegarmos à plenitude como alma, ou seja, até atingirmos o nível próximo do
Mestre dos Mestres, teremos que repetir inúmeras existências terrestres pela
eternidade. É como uma pedra bruta de diamante que precisa ser lapidado. Todos
nós, filhos do grande Arquiteto do Universo somos assim: Temos a essência
divina. Precisamos no entanto nos lapidarmos! Os intervalos celestiais tal como
vivemos agora têm a sua importância, mas somente a experiência dotada de
roupagem carnal é que nos faz galgar degraus na escalada evolutiva.
- Você quer dizer que poderíamos voltar a Terra juntamente com Marcos?
- Sim. Exatamente. Você não gostaria de tê-lo como filho novamente? Você
não o ama o suficiente para isso, meu amor?
- Lógico que eu amo Marcos. Mas como seria isso?
- Pode ser confuso para você entender agora, mas teríamos que renascer
primeiro. Você iria na frente, depois de alguns anos eu. Mais para frente nós nos
conheceríamos de novo, teríamos nossa estória de amor e constituiríamos uma
família sendo ele nosso primeiro filho. Até lá ele estaria com o seu ódio no coração
um pouco mais arrefecido e então, provavelmente liberto da comunidade a qual
ele hoje está.
- Olga meu amor! Tê-la como esposa novamente é uma dádiva! Ter Marcos
como filho novamente é uma dádiva! O pouco tempo que estou aqui notei o quão
bela é esta morada e tudo que a cerca. Estaria disposto a ficar aqui muito tempo
estudando, trabalhando e evoluindo, mas voltar a Terra com essa missão é algo
tão especial que aceito de coração aberto. Terei a oportunidade de reparar meus
erros incutindo novos conceitos na educação de Marcos, pois rogarei em preces
para que isso aconteça.
- O grande Arquiteto do Universo seja louvado por você aceitar isso Plínio.
Você sabe que nossas memórias serão preservadas, mas mesmo assim as
nossas essências permanecerão nos nossos inconscientes, e então será possível
transmitirmos nossos conhecimentos aos nossos filhos vindouros.
- Teremos mais filhos além de Marcos?
- Tenho conversado bastante com o Governador do Palácio da Cura e
pedindo conselhos sobre a nossa volta a Terra e ele diz que há, como se diz por
alguns seres de lá, uma “ligação cármica” entre Marcos e Joel e isso precisaria
ser dissipado com uma nova existência carnal dos dois na mesma família. Por

207
As Moradas e os Segredos de Maria

outro lado há também outra “ligação cármica” entre Joel e Ernesto, até mais forte
do que a de Marcos. Se os três forem nossos filhos vindouros teríamos a chance
extirpar todo esse veneno a ainda nós como pais teríamos uma missão de
expiação e sofrimento por eles.
- Seria uma existência de muitas dificuldades, Olga, mas teríamos uma boa
oportunidade de galgarmos vários degraus.
- Exatamente Plínio. Como é bom que você já esteja retomando suas
faculdades da “vida plena”. Joel e Ernesto hoje encontram em zonas
completamente obscuras e sombrias e se você realmente concordar com esse
“sacrifício voluntário” que estou propondo a nos submetermos, nós estaremos na
verdade, seguindo a cartilha da nossa Guardiã Mor, a querida Maria, que nas suas
recentes materializações prega com suas palavras a chamada Penitência.
- Querida Olga. O amor que sinto por você é a mola propulsora para que eu
aceite qualquer sacrifício. Não importa qual que seja a palavra usada como
simbologia pela nossa querida Maria para isso. O que importa é que o significado
disso resulte em um benefício para alguém, não é verdade?
- Isso mesmo Plínio. Se você concorda mesmo, teremos uma bela missão
pela frente. Creio que hoje mesmo nosso Governador irá lhe falar que a partir da
próxima semana você deixará este Centro de Recuperação e irá morar em uma
das vilas do Palácio da Educação. Nesses próximos meses você fará várias
reciclagens nesse Palácio enquanto aguardará sua partida. Assim que você
estiver ainda mais forte poderemos visitar nossos entes queridos e tentar ainda
interceder para o bem de Marcos. Controle sua ansiedade e estude bastante
nesses meses.
- É com muita alegria que recebo todas essas notícias, meu amor. Deus seja
louvado por todas essas transformações e pelo progresso da vida.

208
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 55

“Portugal” – 13 de Setembro de 1.917

Uma grande multidão de mais de quinze mil pessoas foram às proximidades da


cidade de Fátima em Portugal aonde Maria iria se pronunciar para as crianças
pela quinta vez. O fato das crianças terem sido aprisionadas no mês anterior
aguçou ainda mais a curiosidade de muitos que fizeram questão de estarem lá
presentes.
Era uma quinta-feira. Muitos habitantes da Morada Universo Solar estavam lá
presentes acomodados na arquibancada astral em forma de flor. Somados com
outros habitantes de outras Moradas, este número atingia a casa de milhões. Tal
era a repercussão das aparições de Maria na Terra que além de termos um
aumento de seres providos de roupagem carnal de um mês para o outro, isso
também aconteceu com os seres providos somente de roupagem astral. Assim, a
belíssima arquibancada em forma de flor estava neste mês ainda maior e mais
imponente que das outras vezes.
Em torno do meio dia surgiu do céu o feixe de luz que cristalizava a imagem de
Maria envolta em uma esplendorosa claridade ofuscante e nevoenta. As três
crianças aguardando o precioso momento observaram a cena com gratidão. Maria
começou a falar para que as crianças continuassem a rezar o terço pois assim a
Terra alcançaria o final da guerra.
Maria fez questão de anunciar de forma categórica que no mês seguinte
realizaria um milagre para que todos ali presentes pudessem acreditar. Daquelas
milhares de pessoas que ali estavam, a quase totalidade nada viu e somente a
verdadeira fé é que poderia fazê-las voltar para constatar o já anunciado milagre.
Ela disse ainda que viria em companhia de seu filho na forma de menino para que
o mundo fosse abençoado.
Nesta rápida aparição, Maria ainda respondeu o questionamento de Lúcia
sobre algumas pessoas enfermas onde ela respondeu que algumas delas
conseguiriam alcançar a cura e outras não.
Desde a primeira aparição as crianças vinham fazendo sacrifícios voluntários
para mostrar a Maria e a Deus que estavam engajadas na fé, e também
cumprindo as exigências conforme pedido a elas. No entendimento delas este
sacrifício compreendia em um tipo de auto flagelamento, onde eles até usavam
uma corda cingida nos rins para provocar algum tipo de sofrimento. Maria então
disse a eles para não dormirem mais com essa corda, pois não havia necessidade
para isso.

209
As Moradas e os Segredos de Maria

O que acontecia ali é que quando foi clamado a elas a penitência, o


entendimento figurado sugeria uma autoflagelação. Não era aquilo que os mais
nobres seres astrais desejavam. O real significado da palavra penitência já estava
sendo cumprido pelo fato daquelas crianças estarem se sacrificando por uma
grande parte de pessoas que os tachavam como mentirosos. As crianças eram
torturadas fisicamente e psicologicamente por estranhos e até por familiares.
Quando Maria então deu o recado que “Deus está contente com os vossos
sacrifícios” ela queria dizer que o fato daquelas crianças estarem sofrendo
grandes repreensões por estarem divulgando uma mensagem histórica, estava na
verdade deixando toda a cúpula astral muito feliz.
Todos os seres providos de roupagem astral tiveram a convicção que a guerra
logo chegaria ao fim. Enquanto Maria esteve por lá, todos eles firmaram o
pensamento no Mestre dos Mestres e agradeceram a oportunidade. Como da
última vez, Maria então se despediu e começou a se elevar flutuando cada vez
mais até desaparecer no horizonte.

210
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 56

“Fazenda São Paulo” – 24 de Setembro de 1.917

Na manhã daquela segunda-feira Inês chamou Pedro para prestar contas do


andamento da sua fazenda. Ela vinha se sentindo muito satisfeita, e pretendia
cada vez mais deixá-lo como seu homem de negócios, pois além dele ser um bom
administrador para o negócio rural, mostrava que tinha jeito para outros negócios.
- Já faz quase três meses que estou viúva e acho que você está indo muito
bem Pedro. – falou Inês sorrindo – Você sabe que meu filho mais velho só tem
quinze anos e nem que eu quisesse, ele saberia tocar todos os negócios. A outra
menina só tem doze anos. Ainda bem que você sempre foi o homem de confiança
do meu ex-marido.
- Dona Inês, eu faço tudo isso por que gosto do que faço e tenho muita
consideração pela senhora – disse Pedro
- Nunca dei para esses negócios do meu marido, Pedro. Não sei de
absolutamente nada. Sempre fui muito ausente de tudo.
- Fique tranqüila Dona Inês que eu já estou a par de tudo e consigo
administrar todos os negócios do Sr.Joel.
- Ótimo Pedro. Agora que as coisas se assentaram você será sempre o meu
braço direito. Eu não agüentava mais tantas investigações.
- Ainda bem que tudo terminou. O policial Medeiros encerrou a investigação
e concluiu que Joel e Ernesto se desentenderam por alguma briga financeira. Ele
conseguiu apurar que há alguns anos atrás Ernesto foi corretor em uma grande
venda de café para Joel e isso deve ter acontecido novamente, porém de forma
verbal, pois não havia documentos. Houve algum desentendimento por tudo isso,
mas agora já é passado.
- Tudo acabou e só restaram as feridas da perda de Joel. Tomara que tenha
sido isso mesmo que o Medeiros concluiu com suas investigações. Eu não deveria
estar falando isso para você Pedro, mas eu não confiava no meu marido.
- Esqueça isso Inês. Agora tudo já é passado. O que importa se aconteceu
de um jeito ou de outro? Agora já foi. Você não acha?
- Pode ser. Mas nada me tira da cabeça que Medeiros não foi pelo caminho
certo nas investigações.
- Esqueça isso Inês. Não mexa em feridas que já estão cicatrizando. Para
que remoer essa estória?
- É verdade Pedro. Vou colocar um ponto final nesse assunto e parar de
pensar nisso. Se Joel e Ernesto estavam errados não é mais problema nosso.

211
As Moradas e os Segredos de Maria

- Será melhor assim, Inês.


No íntimo Inês sentia que Pedro deveria saber de algo, mas ele preferia
preservá-la e omitir qualquer informação para assim respeitar a memória do seu
marido. Ela então deixaria esse assunto de lado, e Pedro desconfiando de toda a
verdade, mas sem prova alguma guardaria o segredo apenas com sua esposa.

/ / /

Clara, grávida de dois meses nem sentia o efeito da gravidez. Não tinha
engordado e ainda não mostrava a barriga. Ela sentia-se muito feliz e conversava
com Dona Benedita na sua casa:
- Eu estaria completamente feliz se eu pudesse ir ao casamento da minha
irmã Emilia no mês que vem. Sei que se eu aparecer por lá poderei ser enxotada
como um cachorro.
- Não se amargure Clara. O que importa nesse dia é você fazer vibrações
positivas para o casal e pedir a Deus toda a alegria do mundo para eles. Na hora
que a cerimônia estiver acontecendo faça isso Clara.
- Mas eu queria estar lá!
- Minha querida, você sabe que escolheu outro caminho a trilhar. Pode ter
certeza que você irá encontrar muita felicidade nesse caminho. Você não vai ao
casamento, mas se quiser, estará lá presente com suas vibrações. Saiba que essa
pompa toda que está sendo preparada não é de plena vontade do casal. Eles
consentiram para agradar a sua mãe. Esse casamento é uma vitrine para toda a
sociedade paulistana. A real felicidade se dá não com a cerimônia que encanta e
emociona a todos. A real felicidade se dá dia após dia na vida conjugal do casal. E
isso é para poucos. É algo que se consegue por merecimento. Veja só você minha
jovem: Você se uniu a Genésio contra a vontade de sua mãe, fugiu de casa para
isso, e aqui está em plena harmonia. Eu vejo que trilhará o caminho da felicidade
ao lado do meu filho. E nem casada no papel você está! Por outro lado, existem
casamentos acontecendo todos os dias pelo mundo, e a maioria deles após algum
tempo trilha um caminho de incertezas e até mesmo de trevas. A vida maior
explica isso como ligações de resgate, onde essas almas são obrigadas a ficar
juntas por débitos do casal contraído em outras vidas. Pense que você não vai ao
casamento da sua irmã, mas isso é só uma data. O “casamento” dela se dará
todos os dias depois que ela efetivamente se casar, e você poderá desejar-lhe
felicidades sempre que vê-la.
- Dona Benedita, como a senhora é sábia! Suas palavras são um bálsamo
para mim. Eu juro que não vou ficar triste por não ir ao casamento.

212
Carlos Eduardo Milito

- Ótimo minha querida. Espero que você esteja falando isso com o coração e
não com somente com a boca. Alguns atos da sua mãe são por total ignorância e
você tem conhecimento disso. Saiba que o dia que você perdoar sua mãe você
terá a oportunidade de galgar alguns degraus aqui nesta vida.
- Dona Benedita, eu não sei como agradecer tantas palavras e conselhos
seus. Posso ter perdido minha mãe, mas agora ganhei a senhora como minha
mãe e isso foi um presente de Deus.
- Oh minha filha, não fala assim que você me mata de emoção. Eu é que
ganhei uma nora de ouro.
As duas se abraçaram comovidamente com água nos olhos. Estavam felizes
por tudo de bom que acontecia nas suas vidas. Elas sempre seriam companheiras
e aliadas.

/ / /

Naquela noite Dona Lourdes juntamente com Afonso, conversavam com


Leandro na sala de visitas:
- Leandro meu filho. Foi muito bom você se interessar pelos nossos
negócios. Você sabe que em breve não poderemos contar com Laerte que irá
trabalhar para a família Albuquerque.
- Estou tomando gosto por tudo pai. Venho me dando bem com a parte
comercial, mas também gosto da parte financeira.
- Fico feliz, Leandro. Seria interessante inclusive você retomar seus estudos.
- Agora não pai. Acho melhor eu ficar bem seguro com os negócios da
família para depois quem sabe voltar a estudar.
- Se você acha melhor, tudo bem.
- Farei assim meu pai. Acho que em primeiro lugar quero fazer de tudo para
não decepcioná-lo. Depois pensarei em ter algum diploma.
Dona Lourdes apoiava seu filho Leandro nessa decisão. Eles já haviam
conseguido muito ao fazê-lo se interessar pelo comércio de roupas e deixar de
lado a vida noturna. Achava sim que ele deveria voltar a estudar, mas só o fato de
já estar engajado no trabalho já era um avanço. E ele, surpreendentemente estava
cada vez melhor. Interessava-se pelo trabalho e fazia questão de mostrar ao pai
que poderia substituir muito bem o seu irmão Laerte.
Desde quando Leandro soube da notícia de que Clarice desejava que seu
futuro genro fosse trabalhar nos negócios da família, ele encarou aquilo como a
oportunidade da sua vida. Aquilo veio a calhar e ele estava dia a dia se esforçando
mais e melhorando.

213
As Moradas e os Segredos de Maria

/ / /

Enquanto Leandro conversava com os pais, Dona Dora juntamente com Lucas
estavam ali presentes emanando radiações positivas e bons fluídos para ele.
Logicamente nenhum dos três percebeu a presença deles, mas a sensação de
bem estar e serenidade era sentida por todos. Lucas ficou feliz por eles não se
recordarem dele com tristeza. O tempo passava e as feridas começavam a
cicatrizar. Havia novas perspectivas de vida para todos que ali estavam. Assim, a
tristeza que por ventura poderia pairar no ar, dava lugar às expectativas pelas
coisas diferentes que estariam por vir.

214
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 57

“Morada Universo Solar” – 05 de Outubro de 1.917

Na noite daquela sexta-feira Olga foi visitar Plínio que estava em uma das
belas casas na imensa vila do Palácio da Educação acomodado juntamente com
mais dois simpáticos senhores.
- Olga meu amor! Que bom te ver!
- Vim saber como você está. Como estão as aulas?
- Estou ótimo e as aulas são de grande valia para qualquer ser habitante de
nossa morada.
- Que bom Plínio. O Governador do Palácio da Educação tem conversado
com o Governador do Palácio da Cura, onde estou, sobre você. Eles têm elogiado
muito o seu esforço, Plínio.
- Na verdade minha querida, você foi o grande incentivo que eu tive nessa
vida astral por tudo o que está acontecendo de bom comigo. Reencontrá-la após
quarenta e cinco anos foi algo revigorante. Isso tudo somado com as reciclagens
e lembranças de outras vidas resultou nessa nova pessoa que vocês me vêem
agora.
- Suas atitudes são dignas de elogio, Plínio. Continue com esse empenho e
essa energia, preparando-se para o seu breve retorno.
- Com certeza, meu amor. Estou ciente que estarei por mais alguns meses
apenas nesse intervalo celestial e quero aproveitar ao máximo todos os
ensinamentos que a mim couber.
- Isso mesmo. E antes de você partir, poderemos, se você achar que deve,
visitar Marcos nas zonas obscuras para ao menos você dizer um até logo a ele.
Saiba que ele não nos perceberá, pois sua freqüência é outra. Mas serão
importantes tanto as nossas presenças como as nossas vibrações para ele.
- Logicamente querida. Irei sim. Estou totalmente a par do sofrimento que ele
vem passando. Também tenho rogado aos céus para que ele se liberte disso.
- Não cabe a nós meu amor, podermos tirá-lo de lá. Mas cabe a nós a função
de mostramos o caminho da verdade através de vibrações, tanto aqui à distância,
como lá, frente a frente.
- Então Olga, quando chegar o momento de irmos visitá-lo, me avisa. Estarei
a espera.
- Será daqui a algumas semanas. Esperemos então sem ansiedade!

/ / /

215
As Moradas e os Segredos de Maria

Naquela mesma noite, Dona Dora conversava com Lucas sobre as visitas que
fizeram recentemente para seus familiares.
- Estou feliz por Leandro, Luquinhas! – exclamava Olga – Desde que todos
os amigos da Terra começaram a orar por ele, rapidamente o Palácio da
Comunicação se manifestou e mandava expedições de ajuda para ampará-lo. Ele
melhorou bem e é outra pessoa.
- Temos que continuar esse trabalho de sustentação. Nossas visitas por lá
tem sido importantes nesse processo.
- Isso também, com certeza. Mas nossos entes lá da Terra têm que continuar
apegados a fé para que continue havendo toda essa sinergia.
- Agora mais do que nunca, com essas lições de Maria é que nós vemos a
importância da prece – concluía Lucas – Ela insiste para aquelas crianças que o
terço tem que ser rezado. Isso é simples de entender: A prece é a melhor forma
de diálogo dos terrestres conosco. Há todo um ritual para isso. Há todo um
respeito, pois para quem vive com roupagem carnal não faz idéia do lado de cá.
Então, a fé de cada um tem que ser estimulada.
- E agora meu neto, em mais alguns dias nossa querida Guardiã Mor irá dar
uma prova convincente de tudo que ela prega. Será o acontecimento deste século!
Tudo que ela falou até hoje nas suas aparições será estudado, interpretado e
seguido. Os efeitos não serão imediatos, mas conforme o tempo passar, suas
palavras ganharão força e credibilidade.
- Nobre missão a dos pastorinhos então minha vó! Eles é que serão seus
mensageiros.
- A princípio sim, mas na sua primeira aparição a nobre senhora deu a
entender que apenas a interlocutora ficaria na Terra por mais tempo. Vamos
aguardar.
- O que importa minha vó, é a grandeza desse momento. O planeta Terra
terá a grande oportunidade de redenção. Seus habitantes poderão entender a
grandeza do que existe além da vida por lá. Abençoados são aqueles que
vivenciam esses dias por lá.
- É uma tentativa louvável da nossa cúpula divina, no entanto as almas
desvirtuadas estão por toda parte. Estão por aqui, em setores de baixa freqüência,
estão também vagando na Terra em regiões nevoentas, e principalmente
habitando algum corpo físico com diferentes tipos de roupagem. Assim é
necessário o envolvimento de um grande contingente de pessoas para que estas
pobres almas sejam atingidas e sensibilizadas. Isso é um trabalho de décadas por
lá. Tudo está começando agora, mas não deverá terminar jamais. É preciso que
isso fique marcado.

216
Carlos Eduardo Milito

- Então pelo que entendo, o nosso trabalho de Sustentação não fica restrita
as arquibancadas em forma de flor. O trabalho continua, não é mesmo?
- Isso mesmo. Diremos que o trabalho do Mundo Astral começa agora: Os
Segredos de Maria foram revelados a apenas uma interlocutora que irá demorar
para mostrá-los por completo para a humanidade terrestre. Ai entrará a nossa
ajuda com vibrações para tentar intuí-la no que melhor fazer e quando fazer.
- Louvado seja o Mestre dos Mestres por consentir esse presente ao Planeta
Terra.
- Louvado seja. Isso era necessário Lucas. Em breve teremos a prova física
que os habitantes terrestres precisam para que esse trabalho comece a ser
divulgado. Faltam poucos dias para isso. Esperemos então sem ansiedade –
concluía Dona Dora sorrindo por falar uma frase muito habitual na Morada
Universo Solar.

217
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 58

“Portugal” – 13 de Outubro de 1.917

Ainda era madrugada. Nas primeiras horas daquela manhã chuvosa, uma
grande multidão chegava às proximidades da Cova de Iria. As pessoas
continuavam chegando e a chuva insistia em cair. E assim foi durante toda aquela
manhã, onde mais e mais fiéis chegavam e preenchiam todos os espaços daquele
terreno plano. Perto do meio dia, os expectadores passavam de sessenta mil
pessoas.
As condições para todos que ali estavam não eram as mais adequadas. O
sábado era frio e toda aquela chuva havia transformado o solo em um verdadeiro
lamaçal. Todos estavam ensopados e mesmo assim aguardavam rezando a
chegada de Maria. Apesar de todas as controvérsias, a notícia das aparições
anteriores fez com que o número de simpatizantes se multiplicasse.
Paralelamente a tudo isso, o ambiente astral também estava ali montado. A
arquibancada em forma de flor parecia ainda maior e mais bela. Seus assentos
em forma de pétalas eram como uma rosa gigante desabrochada onde seu centro
era o palco de onde Maria apareceria. Os governadores de todos os Palácios da
Morada Universo Solar estavam ali presentes bem como de outros habitantes de
lá. Representantes de todas as moradas de luz também ali se encontravam e se
confraternizavam. Para todos os serem providos apenas de roupagem astral
aquela seria uma oportunidade de verem o Mestre dos Mestres na forma de
menino. O momento seria sublime.
Na visão das três crianças que ali estavam surgiu em meio a uma névoa
esbranquiçada a figura da belíssima mulher que ainda não havia se identificado
para eles. Acompanhada por uma claridade onde feixes de luz eram emanados a
partir de sua imagem, ela mostrava a mesma fisionomia um pouco triste de
sempre. Mesmo assim, ela conseguia transmitir uma tranqüila expressão de amor.
Seus cabelos escuros estavam cobertos por um manto orlado de ouro que
também cobria a maior parte do seu corpo. Seus traços de beleza celestial
complementavam aquele maravilhoso cenário.
As primeiras palavras de Maria faziam um pedido que naquele local fosse
construída uma capela em sua homenagem. Foi pedido também que as crianças
continuassem a rezar o terço diariamente assim como das outras vezes. Ela ainda
respondeu o já conhecido questionamento de Lúcia sobre algumas pessoas
enfermas onde a resposta era que algumas delas conseguiriam alcançar a cura e
outras não.

218
Carlos Eduardo Milito

Naquele momento as três crianças viram Maria realizar um espetáculo todo


especial. Ele abriu as mãos e começou a se elevar. Virou as palmas das mãos
para cima em direção ao sol. Ela permanecia levitando lentamente e foi percebido
então, somente pelos pastorinhos, o reflexo dos feixes de luz que vinham de Maria
se projetar naquele sol que surgia esplendorosamente no meio das nuvens. Após
alguns segundos ela estava toda exuberante ao lado do astro rei, que
curiosamente, não ofuscava a visão das crianças. Ao lado de Maria surgiu então,
a imagem do seu filho quando menino e de seu companheiro daquela jornada.
Maria então mostrava o seu filho no colo que traçou com sua pequenina mão um
singelo gesto em forma de cruz, para abençoar o mundo. O mesmo gesto foi
repetido por Maria e seu companheiro José. Aquela cena emocionou as crianças
que presenciavam o espetáculo. O quarto segredo de Maria estava revelado.
Tratava-se da revelação da sua identidade. Ela era a mãe Jesus, ou ainda, a mãe
do Mestre dos Mestres, como ele era conhecido pelos habitantes das Moradas
Celestiais.
Maria continuava lá e assim ficou por uns dez minutos aproximadamente. Sua
expressão mostrava serenidade com um aspecto glorioso e divino. As crianças, de
joelho, presenciavam aquela cena e saberiam que daquele momento em diante
continuariam a fazer qualquer sacrifício por aquela causa.
As outras milhares de pessoas ali presentes viram outra cena acontecer
paralelamente a cena vista pelas crianças. Para elas, no momento em que Maria
começava a se levitar, o Sol apareceu por entre as nuvens, como um grande disco
prateado, com um brilho nunca visto antes por ninguém. Da mesma forma que
ocorreu com as crianças o Sol não ofuscava a vista de ninguém. Após alguns
instantes ele começou a girar rapidamente, de modo vertiginoso. Em seguida ele
ganhou um aspecto similar ao de uma imensa bola de fogo começando a girar
velozmente sobre si mesmo. Com o seu tamanho aparentemente aumentado, sua
parte mais externa mostrava-se avermelhada. Então ele começou a se
movimentar bruscamente espalhando chamas de fogo pelo céu. A luz um pouco
avermelhada se refletia em tudo que ali estava: Nas pessoas, nas árvores, no
campo, nos objetos. Aquela cena fazia com que as cores de tudo ficassem um
pouco mais vivas, dando a impressão inclusive de que em meio a tudo aquilo,
surgissem cores novas nos objetos que ali estavam. Por fim, o astro-rei começava
a fazer um movimento de ziguezague incessantemente por mais alguns minutos e
todas as pessoas se amedrontaram com aquela cena. Ficaram aterrorizadas e
pediam a Deus perdão por seus pecados e misericórdia.
Depois de alguns minutos de tudo terminado, as pessoas totalmente
estarrecidas com o que acabavam de ver, notaram que ao olhar suas próprias

219
As Moradas e os Segredos de Maria

roupas antes encharcadas, constataram que agora estavam secas. A prova do


Mundo Astral para o Mundo da Terra havia sido consumada. Maria cumpriu o que
prometeu. Outros habitantes da Terra a até quarenta quilômetros dali perceberam
a chamada dança do Sol.
Os espectadores astrais vivenciaram as duas cenas simultaneamente. No
momento em que Maria, seu companheiro e seu filho abençoavam o mundo
terrestre com o conhecido gesto, o astro-rei ganhava a aparência de uma bola de
fogo irradiando aquela iluminação a tudo que ali estava. Todos os seres astrais
presentes na arquibancada em forma de flor ajoelharam-se no momento daquela
bênção como forma de reverenciar a presença dos personagens divinos.
Depois que Maria se despediu e desapareceu no horizonte, pouco a pouco, as
milhões de pessoas que estavam acomodadas nas arquibancadas astrais foram
se dispersando e começaram lentamente a voltar para suas origens. Da mesma
forma que estes, os habitantes terrestres que ali estavam, voltavam também para
suas casas com a esperança de dias melhores.

220
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 59

“São Paulo” – 20 de Outubro de 1.917

Era o primeiro Sábado após a última aparição da mãe do Mestre dos Mestres
na Terra e era o dia da palestra semanal de Mestre Jonas. Os habitantes da
Morada Universo Solar aguardavam com muita alegria aquele momento. O
Governador chega ao grande auditório do Palácio da Sustentação com o já
conhecido semblante de paz para transmitir sua mensagem de meditação:
- Bom dia meus amigos e amigas! Estou feliz em vê-los novamente. Como
têm passado? Gostaram das aulas que tiveram com nossa Guardiã Mor? Tivemos
momentos ímpares de aprendizado, meus queridos. O Planeta Terra acabou de
ter uma prova concreta da vida que existe do lado de cá. O momento crucial foi a
imagem de Maria juntamente com José e seu filho quando menino na Terra.
Aquela linda imagem foi vista por nós além das três crianças que ali estavam. Os
demais seres terrestres viram a chamada dança do sol.
Após uma ligeira pausa, Mestre Jonas prosseguiu:
- O Planeta Terra é o chamado mundo de expiação. Mas não por isso é que
a fé tem que deixar de ser praticada por lá. Muito pelo contrário. Agora com esta
prova contundente, mais do que nunca! Eu me lembro que a palestra semanal a
qual eu dei o primeiro recado sobre a vinda de Maria eu falava para vocês
meditarem sobre a palavrinha fé. Os terrestres então têm a grande oportunidade
de começarem um novo ciclo a partir das revelações de Maria.
Mestre Jonas, que gostava sempre de parar um pouco de falar para ver a
expressão de cada um ali presente, fez uma ligeira pausa e prosseguiu:
- Vamos tentar entender as partes dos segredos de Maria. É muito simples.
Foi falado na primeira parte a visão do inferno ou purgatório. Para nós a
explicação se resume nas moradas de baixíssima freqüência que temos pelo
universo. Por lá vivem seres astrais sofredores e perturbados que estão muito
distantes do caminho de luz e da verdade. A conotação que essa revelação terá
na Terra poderá dar a entender a sensação de que isso seja definitivo para aquele
que for merecedor disso pela sua conduta de vida quando na roupagem carnal.
Após uma ligeira pausa, Mestre Jonas prosseguiu:
- Não é bem isso que acontece. A única coisa que temos de definitivo é a
nossa vida. Muitos de nós aqui, em outras oportunidades também estávamos
vivendo em regiões nevoentas e obscuras. Muitos vivem na Terra achando que se
nasce apenas uma vez por lá, se cresce e se morre, havendo talvez um senhor
barbudo do lado de cá para julgar se chegando aqui a pessoa vai para céu ou

221
As Moradas e os Segredos de Maria

para o inferno até o dia do juízo final. Por isso volto a falar novamente na
palavrinha fé. Não importa se o ser da Terra pensa assim e acredita ou não nisso.
O que importa é que ele siga os ensinamentos do Mestre dos Mestres, praticando
a caridade, a benevolência e amor ao próximo. Se houver erros, e por ventura
este ser terrestre se desvirtuar e tiver como destino uma “região nevoenta”, ou o
“Inferno” como é entendido por lá, há logicamente como se remediar desta
situação. O tão por lá falado juízo final está na consciência de cada um de nós.
Conforme evoluímos e galgamos degraus na escala evolutiva, nos tornamos
críticos e fazemos diariamente esse “juízo final”.
Mestre Jonas parou um pouco de falar, observava a todos e depois
prosseguiu:
- A segunda parte do segredo de Maria, justamente mostra o caminho de
como se evitar essas regiões de baixa freqüência, ou ainda, o que tem que ser
feito para se remediar para quem hoje está vivendo perturbado nessas regiões. A
devoção ao Imaculado Coração de Maria mencionada pela nossa Guardiã Mor, é
uma simbologia como forma de despertar essa palavrinha fé que venho
mencionando. A cura, ou “salvação”, para os irmãos desprovidos de roupagem
carnal se resume no que falei agora pouco: A prática dos ensinamentos do Mestre
dos Mestres.
Após nova pausa Mestre Jonas prosseguiu:
- A terceira parte do segredo de Maria é a que mais tem que nos preocupar.
Trata-se da possibilidade de uma guerra ainda pior do que a atual. Os homens da
Terra estão aprimorando cada vez mais os armamentos e chegará o momento que
poderá haver um simples artefato de destruição de grandes massas. O nosso
trabalho do lado de cá se resumirá nos próximos anos de influenciar os
governantes das principais nações a preservarem a paz. Toda a simbologia usada
por Maria ao revelar a terceira parte do seu segredo mostra como os seres da
Terra poderão sofrer se não mudarem o seu modo de agir.
Todos os presentes no auditório ficaram com uma fisionomia preocupada.
Mestre Jonas prosseguiu:
- Vejam só então a grande responsabilidade destas três crianças, ou melhor,
da interlocutora que viverá mais do que as outras. Apesar do milagre do sol, elas
continuarão sofrendo bastante, pois nem todas as milhares de pessoas que ali
estavam presentes viram o espetáculo. Quando Maria na sua primeira aparição
perguntou a elas se estariam dispostas a sofrer por esta causa foi justamente por
isso: A Igreja Católica será o veículo dessas revelações, no entanto isso não será
de imediato. Até que consigam ganhar credibilidade perante os homens elas
continuarão sofrendo pressão e isso levará tempo. Além do que, a terceira parte

222
Carlos Eduardo Milito

do segredo dará margens a várias interpretações. Talvez por esse motivo ele
demore a ser divulgado.
Mestre Jonas novamente fez uma ligeira pausa para depois prosseguir:
- O mais importante, contudo é que aquele local das aparições será sagrado
para o mundo. Primeiramente será construída uma capela que no futuro dará lugar
a uma imponente basílica com nome de Nossa Senhora de Fátima. O que talvez
nem todos os humanos irão concordar no futuro é que essa santa mulher trata-se
da mãe do Mestre dos Mestres, para eles conhecido como Jesus Cristo. Isso na
verdade para nós é o quarto segredo de Maria, que foi revelado na sua última
aparição.
O semblante de todos que estavam ali presentes ganhou um brilho todo
especial após Mestre Jonas ter confirmado os quatro segredos de Maria. Uma
semente estava plantada. Um ícone de fé estava sendo criado. Por fim Mestre
Jonas concluiu:
- Vamos agora meus queridos, fechar os olhos e elevar nossos pensamentos
ao Mestre dos Mestres e agradecer a ele por isso que estamos vivenciando agora.
Construam então a sua imagem mental todo de branco, de braços abertos e
sorrindo para vocês. Agradeçam a oportunidade de aprendizado que tiveram com
a visita de sua mãe Maria.
A mesma sensação do ambiente parecer estar sendo tomado por uma neblina
com cada vez maior densidade era por todos sentida. O agradável aroma de flores
silvestres tomou conta do auditório. Mestre Jonas pediu para que todos
permanecessem assim por alguns minutos. A sensação coletiva de prazer e bem
estar era evidente. Passados alguns minutos todos começaram a voltar
vagarosamente seus pensamentos para lá conforme ordenado pelo Governador.
Em seguida ele fez as saudações de despedida e agradeceu a presença de todos.

223
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 60

A tarde daquele sábado estava repleta de gente no Mosteiro São Bento para a
celebração do já anunciado casamento de Emília e Laerte. Tudo havia saído
conforme Clarice queria. Tudo com muita pompa e muito luxo. A decoração da
igreja estava impecável e havia muitos convidados importantes. O jovem casal,
para não contrariar Clarice, fez tudo que ela desejou. E ela providenciou tudo nos
mínimos detalhes, desde as músicas que tocavam na igreja até os pormenores da
recepção onde os convidados eram aguardados para um fino jantar. Até mesmo a
ausência de Clara era algo que ela saberia explicar respondendo com ar soberano
sobre as falsas andanças de sua filha em Paris.
Alguns habitantes da Morada Universo Solar estavam lá para abençoar aquele
casamento que eram Lucas, Dona Dora, Olga e Plínio além de outros
companheiros. Durante a cerimônia, esses seres ficaram todos no altar, flutuando
uns cinqüenta centímetros do chão. Na hora que os noivos ficaram de joelhos na
frente do padre, todos eles também abençoaram com o mesmo gesto feito por ele.
Além de assistirem à belíssima cerimônia, os seres desprovidos de roupagem
carnal tiveram a chance de reencontrar mais uma vez os seus entes queridos.
Olga e Plínio viram sua neta, Lucas reencontrou seus irmãos, seus pais e Emília,
e Dona Dora pôde rever sua filha e seus netos.
Após o casamento, as famílias Silveira e Albuquerque se cumprimentavam
com emoção. Aquele havia sido um ano de muita dificuldade para as elas e aquele
era um momento de muita felicidade que fazia com que todos ali esquecessem os
feridas passadas. Era o começo de uma nova era.

/ / /

No momento do casamento, Clara conversava com Genésio:


- Minha querida irmã Emília deve estar se casando – Disse Clara com água
no olhos – Eu queria muito estar lá para poder desejar-lhes boa sorte.
- Não fique assim meu amor. Temos visto eles sempre que possível. Eles só
não estiveram aqui no último sábado por causa dos preparativos do casamento,
mas têm vindo frequentemente.
- Sei disso meu amor, e até sua mãe vive me falando para eu não ficar
assim, pois mostra que o casamento em si não é só no altar. Fico triste sim por
não poder estar lá, mas isso passa. Vou superar esse momento.
- Tente superar sim Clara, pois você ficando bem, nosso filho que esta ai
dentro também fica bem.

224
Carlos Eduardo Milito

- É verdade! Melhor então eu não me aborrecer. Estou com quase três


meses de gravidez e barriga vai começar a aparecer.
Não fosse o fato de Clara poder estar junto com sua irmã Emília, ela se sentia
a mulher mais feliz do mundo. Todas as mudanças que ocorreram na sua vida
faziam-na amadurecer mais. Estava feliz ao lado do seu grande amor. A
responsabilidade por carregar no ventre uma nova vida deixava ela se sentir
melhor ainda. Sua vida agora tinha sentido. Tinha brilho. Tinha verdadeiros ideais
nunca vistos por ela. Anteriormente, num contexto completamente diferente, Clara
vivia no mundo que sua mãe ditava para que ela vivesse. Poderia seu culta,
estudada e rica, mas sentia-se sufocada. Agora tudo já havia mudado muito e
mudaria muito mais em um futuro não muito distante.

225
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 61

“Morada Universo Solar” - 20 de Dezembro de 1.917

Faltavam duas semanas para o retorno de Plínio ao Planeta Terra. Conforme


prometido anteriormente, na manhã daquela quinta-feira Olga foi procurá-lo no
Palácio da Educação para eles irem visitar Albuquerque no Vale das Trevas. Ele
vinha se reciclando nos cursos ministrados no seu Palácio, e a cada dia se
mostrava mais equilibrado e em total sintonia com os propósitos da vida maior. Ao
caminhar em direção ao veículo astral que os levaria ao destino os dois
conversavam:
- Sinto-me muito bem para partir para essa nova missão, meu amor – dizia
Plínio com um sorriso sincero.
- Estou feliz por você meu querido. Nossa neta Emília da última vez que
estivemos na Terra será muito feliz em tê-lo como filho agora. São os abençoados
dogmas da evolução que permitem isso.
- O recomeço é de fato uma bênção, meu amor. Sinto apenas que nem todos
os seres astrais compreendam plenamente isso.
- Cada um de nós, Plínio, temos um nível de compreensão. Por vezes, até
aqueles mais elevados têm dificuldades em compreender esse passo natural que
todos nós, mais cedo ou mais tarde, damos rumo à plenitude.
- Serei filho de Emília e Laerte que já estão casados há dois meses e estão
muito felizes. Tenho que agradecer aos céus essa oportunidade.
- Com certeza. Sua família será estruturada. Todos terão muito amor por
você. Além do mais você não terá irmãos, pois depois de você, Emília não poderá
ter mais filhos. Você será filho único.
- Não poderei decepcionar então – sorriu Plínio – Tentarei dar o melhor de
mim.
Chegando nas cercanias da sede do Vale das Trevas, Olga e Plínio não
conseguiam ser observados por ninguém que ali transitava. Eles pousaram o
veículo astral bem próximo àquela precária casa que servia como sede e foram
caminhando até a sala onde Albuquerque juntamente com Mestre Zuzo
conversavam sobre Joel.
- Já te falei, Marcos! Joel e Ernesto estão praticamente na mesma situação.
Você pôde constatar quando esteve lá! Eles estão como vermes rastejantes.
Pouco evoluíram nesses mais de cinco meses. Ficarão assim ainda por muito
tempo.

226
Carlos Eduardo Milito

- Eu pude sentir na pele por aquelas duas semanas a sensação deles. É


muito gratificante ver Joel assim.
- Exatamente Marcos. Então pare com essa idéia de querer torturá-lo ainda
mais. Você pagou o preço muito caro para isso. Será que você não se lembra?
- Eu sei, eu sei. Mas nem falar ele pôde. Acho que eu faria tudo de novo só
para vê-lo se desta vez ele falava algo.
- E ai ficar prisioneiro do Mestre Lúcifer de novo por sei lá quanto tempo?
Pense no seu trabalho daqui! Além do mais o Joel vai demorar uns bons anos até
conseguir expressar alguma coisa. Ele está sendo vítima de suas próprias
palavras arrogantes. Ele não consegue se expressar por que não conhece seus
atributos do corpo astral.
Plínio observava tudo aquilo com água nos olhos. Olga também estava
comovida com as atitudes de Marcos, mas não demonstrava emoção. Os dois
então chegaram perto dele e estenderam juntos a mão direita na direção de sua
cabeça e fecharam os olhos. Naquele momento, Marcos então ficou pensativo por
alguns segundos e respondeu para Mestre Zuzo.
- Pensando bem é verdade. Por que torturá-lo ainda mais? Ele já está em um
lugar medonho não é verdade?
- Você só tem que pensar que o preço para irmos ao chamado Vale do
Horror é muito alto. Eles nos prendem lá e nossas sensações são as mesmas
deles. Acho que não vale a pena.
- Então qual o sentido de eu continuar aqui com vocês?
- Marcos você já está aqui conosco há nove meses e é um servente
exemplar. Não quero perdê-lo. Alem do que temos muito trabalho.
- Tudo que eu fiz por esse tempo todo foi para me vingar de Joel. Você sabe
Mestre Zuzo que também foi uma troca.
- Continue conosco Marcos, que você terá suas regalias. Diferentemente de
antes, eu deixo você ir a Terra sempre que desejar. Afinal, a única vez que você
foi lá por conta própria foi quando resolveu fugir logo que chegou aqui.
- O tempo me calejou, Mestre Zuzo. Minha prioridade sempre foi Joel e
nesse tempo eu nem parei para ficar pensando nos meus familiares ou em tudo
que é meu e por lá ficou.
- Mais um motivo para você continuar aqui Marcos. Nós continuamos de olho
no Joel e você terá liberdade para fazer o que você quer nas horas vagas. Além
do mais, sem a gente você faria o que? Certamente ficaria vagando sem direção.
- Está bem. Se Joel continuar naquele lugar eu continuo aqui com vocês.
Plínio e Olga acompanharam Marcos Albuquerque por mais alguns minutos
fazendo muitas vibrações por ele. O ódio dele ainda era intenso, e ele

227
As Moradas e os Segredos de Maria

permaneceria então naquela comunidade ainda por muito tempo. Apesar do


esforço dos pais, ele mostrava-se praticamente impenetrável. O único progresso
dos dois nessa visita foi fazê-lo mudar de idéia nos planos de visitar Joel. A
caminho da Morada Universo Solar os dois conversavam:
- Minha querida Olga! Quanto ódio há no coração de nosso filho!
- Tente se manter equilibrado, Plínio. Você logo irá partir e tem que estar
bem. Fique tranqüilo, pois estarei intervindo por ele sempre que possível. Eu fiz
isso por muitos anos por você também.
- Eu sei Olga! Eu não te percebia assim como Marcos não nos percebeu,
mas eu sei que você tentava me ajudar.
- Vou tentar ajudá-lo também! Eu vou mais adiante: Na nossa futura vida
iremos receber Joel e Ernesto. Tentarei interceder por eles também.
- Mas a situação deles é ainda pior, Olga! Como fará isso?
- O tempo meu querido. O tempo que para os nossos amigos da Terra passa
tão depressa, para nós é um sopro na eternidade. Assim, um pouco antes de eu
partir, daqui a aproximadamente uns cinco anos, tentarei intervir por eles, pois até
lá quem sabe, o intenso ódio que eles cultivam talvez tenha esfriado. De agora
nada adianta eu tentar algo.
- É uma importante incumbência. É uma nobre missão, minha querida.
- Quando isso acontecer, você já estará habitando o corpo de uma criança de
cinco anos, na sua nova existência terrestre. Então, um pouco antes de eu partir,
você poderá ser envolvido durante o sono físico por nossos companheiros, e
juntos faremos vibrações para Marcos, Ernesto e Joel, e envolvê-los e prepará-los
para que no futuro venham a ser nossos filhos.
- Isso é magnífico. Quer dizer que mesmo já tendo voltado a renascer na
Terra, eu poderei vê-la antes mesmo de você voltar para lá?
- Logicamente que sim, mas isso ficará registrado apenas no seu consciente.
Você como criança acordará no dia seguinte e de nada se lembrará. Isso fica
gravado apenas na nossa lembrança da vida maior.
- Que maravilha!
- E digo mais, meu querido Plínio. Depois que eu renascer, alguém aqui da
Morada Universo Solar ficará incumbido de intervir pelos três. É possível que
sejamos envolvidos em sonhos durante algumas vezes nessas intervenções.
- Realmente, esses pormenores da Vida Maior são pedras preciosas que eu
não tenho palavras para definir.
- Alguns dos nossos companheiros da Terra dizem que por aqui o sistema é
perfeito. Somente nós que estamos do lado cá, galgando degraus e degraus em
busca da evolução, é que sentimos isso.

228
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 62

“Morada Universo Solar” - 25 de Dezembro de 1.918

Passaram-se doze meses. Antero renasceu como filho de Clara e Genésio


com o nome de Augusto em meados de Abril daquele ano. Plínio renasceu como
filho de Laerte e Emília com nome de Julio no início de Novembro. Era então noite
de Natal na Mansão da Avenida Paulista. As famílias Silveira e Albuquerque
comemoravam juntas aquela sagrada data. Decorridos alguns minutos após a
meia noite, e as famílias se cumprimentavam. Com a exceção de Clara, todos ali
estavam presentes. Muita emoção nos cumprimentos, pois agora havia uma
criança nova para alegria daquela família. Todos estavam felizes. Passado algum
tempo, Emília conversava com seu marido a sós em um canto da casa:
- É o segundo Natal que passo longe da minha irmã Clara.
- Eu sei minha querida – disse Laerte – Mas este ano, assim como você, ela
está bem, pois também tem uma nova vida pulsando por lá.
- Ainda bem né, Laerte? A felicidade dos dois com a chegada de Augusto é
nítida.
- Com certeza. As vezes que fomos visitá-los, dava para perceber que eles
estão muito bem, apesar de levarem uma vida simples.
- Que Deus os ajude, pois mamãe nunca mais quis saber de Clara. Talvez
nem saiba que Clara é mãe de um garoto lindo.
- Deixa o tempo cuidar disso, Emília. Talvez ela já saiba sim, pois João que
administra a fazenda talvez dê alguma notícia a ela.
- Não sei, Laerte. Disso nós nunca iremos saber. Ela nunca mais pronunciou
o nome da minha irmã e me proibiu de falar qualquer coisa sobre ela.
Desde o enlace matrimonial, o jovem casal por insistência de Clara morava na
mansão da Av.Paulista. Ela fazia questão de deixá-los à vontade e, desde quando
soube que Emília estava grávida, fez questão de ajudá-la a decorar o quarto da
melhor maneira possível. Tentava não interferir na vida do jovem casal, mas tudo
que era em relação ao neto gostava de dar muitos palpites. Os dois encaravam
com naturalidade e até gostavam de seus conselhos. Viviam harmonicamente
bem.

/ / /

229
As Moradas e os Segredos de Maria

Enquanto isso no casebre de Clara e Genésio os dois juntamente com o filho


Augusto e Dona Benedita comemoravam o Natal. Apesar de estarem muito felizes
Dona Benedita falou:
- Entre momentos de risos, percebo sua fisionomia um pouco triste minha
filha.
- Não nego, Dona Benedita, que me vem em mente as lembranças de outros
Natais que passei com meus familiares e até amigos. É lógico que estou feliz aqui
com vocês, mas teve momentos que eu era querida pela minha mãe. Tinha meu
pai vivo e minha irmã por perto. Agora tudo mudou e minha mãe nunca mais
apareceu desde aquele dia que esteve aqui.
- Minha querida. Nossas vidas estão em constante transformação. É preciso
saber lidar com isso. O que você vem passando agora são percalços que ajudam
você a se aprimorar como pessoa e evoluir. Esse sofrimento traz a você muito
amadurecimento. Se for necessário, ore para se sentir melhor. É sempre bom o
diálogo com nossos amigos invisíveis.
Clara derramou algumas lágrimas ao ouvir as palavras de Dona Benedita que
continuou a falar:
- Chegará o dia minha querida, que você ficará frente a frente com a sua
mãe, e então você terá a grande oportunidade de perdoá-la por ela ter te
desprezado. Se você fizer isso, economizará tempo na escala evolutiva. De nada
adiante cultivar o ódio mútuo. Isso só atrasa nossa caminhada. Bem aventurados
são aqueles que perdoam seus semelhantes. Tente se lembrar dessas minhas
palavras quando isso acontecer. Lembre-se ainda que a vida apresenta situações
para que coloquemos em prática os ensinamentos de Jesus.
Clara prosseguia com as faces molhadas pelas lágrimas que escorriam e Dona
Benedita continuava a falar.
- E falando em Jesus, aqui estamos para celebrar o seu nascimento. O
Planeta Terra está em festa, mas será que o verdadeiro sentido do Natal é
percebido por essa gente toda? Apenas alguns é que têm essa percepção. Este é
um momento de gratidão a Deus por ter nos enviado o menino Jesus

/ / /

Como era feito todos os anos na Morada Universo Solar, uma grande multidão
estava no Vales das Flores sendo liderada por Mestre Zeus, o Governador do
Palácio Divino. Ele iria fazer uma pequena palestra e por fim iria transmitir
vibrações ao Mestre dos Mestres pela data especial. Representantes de todos os
Palácios por lá estavam.

230
Carlos Eduardo Milito

- Meus queridos companheiros. É com muita alegria que estamos aqui mais
um ano para celebrarmos a data de Natal. A missão terrestre do nosso Guardião
Mor, o venerado Mestre dos Mestres, que ocorreu há quase dois mil anos é
comemorada em todo o Planeta Terra e também nas moradas celestiais que
circundam o sol que nos ilumina. Este precioso momento de amor ao próximo é
vivido por vários dos nossos amigos terrestres, no entanto, isso deveria prosseguir
por todos os dias do ano. Nessa época estamos em festa por que eles praticam
pensamentos mais afinados com os nossos. Ocorre que, passando essa data, a
vida cotidiana de todos volta ao normal e assim cada um deles volta seus
pensamentos nos seus universos particulares.
Mestre Zeus sempre com sua fisionomia alegre fez uma pequena pausa e
prosseguiu:
- Aproveitemos esse momento então, para vibrarmos para que essa atitude
dos seres terrestres perdure por todo o ano, pois as orações por lá são intensas
assim como os pensamentos emanados por milhares de criaturas providas de
roupagem carnal. Nesse dia é percebida uma ponte luminosa entre o nosso
Palácio da Comunicação e o Planeta Terra, que é justamente o resultado dessas
preces e vibrações. É como um arco-íris com cores mais vivas e um brilho
prateado. As escrituras da Terra mostram que o nosso Guardião Mor nos ensinou
o real significado da fé quando revelou como falar com o Criador através da
oração. Nosso Palácio da Comunicação faz essa coleta de preces e rogativas e
então distribui aos seres mais elevados de todo o universo.
Mestre Zeus fez outra pausa e depois prosseguiu:
- É necessário então que esse amor emanado pelos terrestres nessa data
tão especial perdure sempre. É necessário que eles mantenham o chamado
“diálogo” com as criaturas elevadas do universo. É necessário que a fé seja
cultivada continuamente. É necessário que os homens cheguem à plenitude da
vida trilhando o caminho da luz e da verdade conforme ensinou o Mestre dos
Mestres quando habitou o corpo de Jesus na Terra.
Em seguida, Mestre Zeus pediu para que todos fechassem os olhos e
imaginassem o Guardião Mor todo de branco e com os braços abertos. Aquele
ambiente foi tomado por uma densa e perfumada névoa branca e um som de uma
melodia celestial de indescritível beleza. Aquele cenário de vibrações combinado
com a música celestial emocionou profundamente todos que ali estavam.
Lágrimas escorriam teimosamente da face de muitos dos presentes. Por fim
Mestre Zeus encerrou:
- O Mestre dos Mestres nos agradece pelas vibrações e pede para que todos
os seres providos ou não de roupagem carnal sigam os seus ensinamentos.

231
As Moradas e os Segredos de Maria

Esses são os princípios básicos de todas as religiões cristãs do Planeta Terra.


Vamos aproveitar agora que o mundo carnal retomou seu caminho de paz para
mantermos nossos pensamentos elevados. Bendita foi a hora do término da
grande Guerra. Por anos a Europa viveu um grande pesadelo e agora, desde o
acordo de cessar fogo entre Áustria e Hungria ocorrido no mês passado e o
arrefecimento do ânimo de outras nações as coisas se normalizaram. Tenham
todos um Feliz Natal.

232
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 63

Após mais de um ano e meio da sua chegada ao mundo astral Albuquerque


conseguia as devidas permissões para fazer o que bem entendesse sempre que
queria. Só que diferentemente dos habitantes de freqüências melhores, como os
habitantes da Morada Universo Solar, seu meio de locomoção se dava com certa
dificuldade, pois eles eram obrigados a caminhar bastante pelo Vale das Trevas e
então transpor uma grande muralha para chegar a um ou outro lugar desejado.
Dessa forma, ele apareceu nas imediações da Av.Paulista, mais precisamente na
Mansão onde viveu por vários anos. Ao chegar lá logo se deparou com seus
familiares que estavam reunidos. Pôde então perceber uma família feliz. Notou
Clarice ainda mais bonita e remoçada. Notou Emília com uma fisionomia mais
responsável e madura. Estranhou a presença da família Silveira já que Lucas não
estava lá. Notou um pequeno bebê com pouco tempo de vida. Ficou então estático
observando tudo, pois sabia que ninguém o notava. Somente com os diálogos das
pessoas é que pôde notar que Emília havia se casado com Laerte e o pequeno
menino era o seu filho. Os minutos iam passando e as conversas prosseguindo e
ele então pôde perceber que sua ausência por lá não era mais sentida.
Depois de passada mais de uma hora naquela madrugada adentro,
Albuquerque pôde constatar a ausência de Clara. Ninguém mencionava o seu
nome. Já eram quase duas horas da manhã. Inicialmente ele imaginou que ela
pudesse estar em outro cômodo ou em outra parte daquela casa. Saiu então a sua
procura. Vasculhou toda aquela casa. Atravessou todas as paredes. Percorreu
todos os espaços possíveis. Andou pelo jardim e pelas cercanias da casa. E
finalmente percorreu também os cômodos dos empregados. Nada de encontrar
sua filha Clara. Voltou então na sala onde todos estavam reunidos e ficou lá
estático com ar de indagação. Pensava intimamente:
- Onde será que está minha filha Clara? O que será que aconteceu? Preciso
saber, mas ninguém por aqui me percebe para poder me explicar.
Albuquerque ficou por vários minutos com essas indagações quando de
repente surgiu a sua frente Mestre Zuzo e falou:
- Marcos, sua filha Clara não mora mais aqui.
- Como sabe disso Mestre Zuzo? Por que nunca me contou nada?
- Lá vem você com perguntas de novo Marcos. Em primeiro lugar você já
está conosco há quase dois anos e nunca se interessou por nada da sua família.
Depois só fiquei sabendo disso porque logo quando sua filha Clara resolveu fugir
de casa para viver com outro homem, teve um dia que sua esposa foi tentar

233
As Moradas e os Segredos de Maria

buscá-la de volta para cá e havia dois homens meus presenciando a discussão


dela com sua filha.
- Está vendo Mestre Zuzo? Faço muita falta nessa casa. Se eu estivesse
aqui nada disso teria acontecido. Tudo aconteceu por culpa do Joel e daquele
Ernesto. Como posso ficar em paz? Tenho que ficar perseguindo os dois pela
eternidade. Veja agora minha família! Está toda desarranjada. Emília se casou
com o primeiro que viu pela frente depois que Lucas se foi. Clara então desafiou a
própria mãe e fugiu.
- Deixe Joel e Ernesto. Eles continuam presos lá no Vale do Horror e não
devem se libertar tão cedo.
- É bom mesmo. Vou continuar atento. – disse Albuquerque, que depois
continuou a observar o ambiente lá na sala.
Mestre Zuzo notou que Albuquerque olhava tudo por muito tempo e percebia
nos mínimos detalhes cada uma das pessoas que ali estavam. Então ele interveio:
- Marcos. Você nunca se preocupou com nada disso desde que você chegou
a nossa comunidade. Por que isso agora?
- Não sei Mestre Zuzo. O tempo está me fazendo mudar. Eu acho que estava
com saudades de tudo e não me dava conta disso. E agora que você me deu mais
liberdade, fomentou ainda mais esses sentimentos.
- Cuidado somente para que tudo isso não atrapalhe nosso dia-a-dia. Saiba
que esses sentimentos são nocivos para nossa comunidade. Essa liberdade que
dei a você foi por exceção, pois o seu destaque nesses vinte meses foi notável.
- Eu seu disso, Mestre Zuzo. Prometo me cuidar. A única coisa que eu
desejo, já que estou na Terra, é de ver Clara.
- Façamos o seguinte então, Albuquerque. Vamos embora agora e você volta
amanhã em torno das dez horas da manhã para visitar Clara.. Creio que por lá
eles já estejam dormindo.
- Acho que o senhor tem razão. Farei isso então.
Na manhã daquele dia vinte e cinco em torno das onze horas da manhã, a
família de Genésio comemorava o Natal. Estavam lá a sua mãe, a Dona Benedita,
Clara e o menino Augusto que tinha nove meses de vida. Albuquerque chegou lá e
sua primeira impressão foi de espanto pelo casebre. Logo ao entrar se deparou
com Genésio que circulava pela casa. Em seguida viu Dona Benedita com alguns
afazeres pela cozinha e por fim percebeu a intensa felicidade de sua filha que
estava com Augusto no colo. Albuquerque então ficou estático. Seus pensamentos
embaçaram. Foi tomado por uma mistura de sentimentos. Sentiu ódio por não
estar presente como pai e então as coisas terem tomado o rumo que tomaram.
Sentiu vergonha do Mestre Zuzo por ter uma filha que largou toda aquela vida

234
Carlos Eduardo Milito

luxuosa para estar naquelas condições. Sentiu pena daquele menino que viva em
condições muito piores que o outro que ele tinha visto nas primeiras horas daquele
dia. Sentiu-se indiferente pela raça de Genésio e Dona Benedita, pois seu espanto
maior foi pela simplicidade do casebre e da condição deles. Sentiu-se envaidecido
por ser avô de dois netos com traços bonitos. Mestre Zuzo surgiu na sua frente.
- E então? Gostou do que viu?
- Não sei o que dizer. Tudo isso aqui é muito precário, mas nunca vi tamanha
felicidade da minha filha Clara.
- Pois é Marcos. Seus descendentes continuam suas vidas
independentemente de você. Vamos embora então. Esses ambientes tranqüilos
não nos servem para nada.
- Mas são meus familiares, Mestre Zuzo. O senhor até me concedeu essas
saídas minhas. Deixa eu viver esse meu momento!
- Tudo bem Marcos. Estou só querendo te mostrar o que é útil. Além do mais,
se eu te deixar muito tempo sozinho vagando pela Terra há sempre outros grupos
que podem te influenciar e te levar para outro canto desse nosso universo.
- Eu imagino Mestre, mas pode ficar tranqüilo que eu volto para a sede assim
que eu sair daqui.
- Está bem Marcos. Mas se você não se opuser, eu te espero e então
voltarei com você.
- Certo. Ficarei só mais um pouco por aqui.
Passados mais alguns minutos Albuquerque e Mestre Zuzo foram embora.
Dona Benedita disse para seu filho e sua nora que estava com um pouco de mal
estar até há pouco tempo atrás e agora havia melhorado. Questionada pelo seu
filho qual o motivo disso ela respondeu que não era nada. Aquilo era apenas uma
indisposição passageira. No seu íntimo ela sentiu a presença do pai de Clara
juntamente com outra pessoa ali. Preferiu ficar quieta por se tratar de uma data
tão especial. Não queria impressionar.

235
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 64

“São Paulo” - 01 de Janeiro de 1.923

Cinco anos se passaram desde aquele primeiro Natal perto do nascimento do


menino Júlio, filho de Laerte e Emília. Após o menino nascer, ela nunca mais
conseguiu engravidar novamente. A vontade deles era de ter mais filhos, porém as
coisas aconteceram de uma forma diferente. Ela teve alguns problemas médicos
nas regiões genitais e não poderia ter mais filhos. Já Clara e Genésio tinham
agora um casal. Além do menino Augusto de cinco anos, eles também tinham
menina Ângela de três anos.
Clarice continuava a “viúva de ferro” e tocava todo aquele império com a ajuda
do seu genro Laerte. Nunca mais havia falado com sua filha Clara. Descobriu por
intermédio do seu funcionário João que ela já tinha dois filhos, e apesar de viver
na extrema simplicidade estava feliz. Clarice jamais sentia remorso por isso.
Sentia ódio de sua filha e revelava ser uma pessoa insensível. Continuava a sua
vida sendo “Católica Fervorosa”, mas na verdade fazia isso por aparência, pois
não praticava os dogmas ensinados pela sua igreja. Um dia em diálogo com sua
amiga Lourdes conversava:
- Clarice, desculpa tocar nesse assunto, mas somos amigas há tantos anos e
nunca tive coragem em falar isso com você.
- Diga Lourdes! O que te aflige?
- É sobre a sua outra filha. Por vezes me vejo pensando nela.
- Lourdes. Eu só tenho Emília como filha. Não sei do que você está falando.
- Clarice. Você sabe sim. Por mais ódio que você possa ter, você tem que
admitir que tem uma filha que saiu de casa há muito tempo atrás
- Essa conversa me faz mal Lourdes. Nunca vi tanta ingratidão. Eu prefiro
apagar isso da minha memória.
- Não sei Clarice. Estou freqüentando a igreja há tanto tempo por sua
influência e pelo que entendo sua atitude vai contra o que nos é pregado.
- Lourdes, eu gosto muito de você e não quero que me aborreça com esse
assunto. Não coloque nossa amizade em risco. Essa que fugiu é que deveria ter
me procurado há muito tempo atrás. Agora está lá com sua família. Se fez voto de
pobreza eu não tenho nada a ver com isso. Se ela quer viver praticamente como
indigente o problema é dela.
- Esta bem Clarice. Por sua amizade eu prefiro ficar quieta, mas eu não
concordo com sua forma de agir.

236
Carlos Eduardo Milito

- Se você estivesse na minha pele talvez pensasse diferente. Mas não vamos
mais discutir esse assunto.
Lourdes dali para frente evitaria qualquer conversa relacionada com a filha de
Clarice. Todas as notícias que ela saberia da menina seriam trazidas por Laerte e
Emília que costumavam visitá-los de vez em quando.

/ / /

Junior e Márcia, filhos de Joel, já haviam crescido bastante, O rapaz já tinha


vinte e um anos e ajudava Pedro na administração da fazenda. Era uma pessoa
interessada pelos negócios da família. Sua irmã mais nova de dezoito anos estava
noiva de um rapaz de classe média alta de Jundiaí que se chamava Lúcio e então
iria se casar em pouco tempo. Márcia o conheceu por intermédio da amizade da
sua mãe Inês com Eulália a mãe do jovem rapaz. Ele era quase dez anos mais
velho do que Márcia, já tinha uma vida profissional sólida e atuava como
advogado naquela região. Por vezes Inês utilizava de seus préstimos para algum
serviço na fazenda. Na noite daquela segunda-feira Márcia e Lúcio conversavam
com Inês.
- Mamãe, dia vinte de Janeiro está chegando. Eu e Lúcio não vemos a hora
de casarmos.
- O que era minha incumbência meus queridos, eu já providenciei tudo.
Vocês sabem que o que depender de mim e de Eulália nós estaremos prontas
para ajudar.
- Sério mesmo mamãe? Olha que a gente arruma um bebê logo após o
casamento hein? – falou Márcia sorrindo – Daí, quero ver se vocês estarão
prontas a ajudar mesmo.
- Márcia minha querida! Santo Deus. Você sabe que tanto o meu sonho
como de Eulália é de termos uma criança nova na família. Você também
compartilha dessa idéia de arrumar bebê assim que casarem Lúcio?
- Já conversamos bastante Dona Inês, e realmente gostamos de crianças.
No que depender de nós, tentaremos aumentar a família o quanto antes.
Inês ficou feliz com a informação que recebia do seu futuro genro. Ela já
desconfiava que eles fossem logo querer ter seus filhos por que gostavam muito
de crianças. Agora ela só obteve a confirmação.

/ / /

237
As Moradas e os Segredos de Maria

Enquanto isso no Palácio da Cura da Morada Universo Solar Olga conversava


alegremente com Fabrício:
- Está quase na hora de eu partir para a Terra em uma nova missão.
- Estou imaginando a sua alegria, Olga – disse Fabrício – O renascimento é
uma bênção.
- Tudo já está previamente traçado. Plínio que hoje se chama Júlio tem cinco
anos. Nossos destinos se cruzarão novamente.
- Estou ciente. Realmente o caso de vocês é uma linda estória de amor que
perdura por existências e intervalos celestiais.
- Sim, sim, mas nossa missão será de muita resignação. Iremos nos deparar
com muitas adversidades.
- Essa é lei da vida, minha querida Olga. Estamos galgando degraus no
caminho da evolução.
- Antes de partir quero falar com Dora para saber da possibilidade de durante
o sono físico de Plínio tentar uma comunicação com ele.
- Creio que não haverá problemas. O ofício dela é esse mesmo no Palácio da
Transformação. É só envolver o pequeno Júlio durante o sono e usar o globovisor
do setor de arquivos e vocês conseguem se comunicar sim.
- Eu sei Fabrício. O trabalho que é feito no Palácio da Transformação é
notável. Na verdade aquele primeiro andar do Centro de Transformações que é
denominado Setor de Arquivos também tem como finalidade estabelecer a
comunicação com alguém que já voltou em missão terrestre. É o caso do meu
querido Plínio. O menino Júlio de cinco anos não tem a memória de seu último
intervalo celestial e nem da sua última vida. Somente com a intervenção do
Palácio da Transformação isso se torna possível.
- E o que você vai querer de Plínio?
- Quero dizer que estarei partindo deste intervalo celestial e tentei por várias
vezes interceder por nosso filho sem grandes evoluções, mas deixarei outros
nobres irmãos com essa incumbência.
- Mas Joel e Ernesto estão ainda em situação pior e também serão vossos
filhos.
- Logicamente tentei interceder por eles também, meu querido Fabrício. É
mais difícil ainda. Se raramente somos percebidos por irmãos de freqüências mais
baixas que dirá dessas freqüências ainda piores. Da mesma forma, haverá alguém
incumbido de tentar interceder por eles.
- Isso é louvável Olga. É louvável.

238
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 65

“Morada Universo Solar” - 10 de Janeiro de 1.923

Na noite daquela quarta-feira Lucas encontrou Paulo Ribeiro que acabava de


chegar de uma missão de auxílio há pouco tempo
- Olá Lucas. Como tem passado?
- Muito bem Paulo. É dignificante quando temos trabalhos como os nossos
não acha?
- Perfeitamente Lucas. Quando cheguei aqui neste intervalo celestial,
demorei um pouco para despertar, mas logo entrei em sintonia com os preceitos
da vida maior. Naqueles anos de guerra pedi para socorrer nossos irmãos que
perdiam a roupagem carnal em duros combates. E pela minha afinidade com a
aviação, pude socorrer os aflitos que morriam em bombardeios aéreos e
chegavam do lado de cá extremamente perturbados.
- Nobre missão Paulo. Mesmo nos intervalos celestiais somos dotados de
preciosas tarefas.
- Estou afinado com este tipo de trabalho Lucas. Os desastres aéreos que
resultam em perda da roupagem carnal muito bruscamente requerem um trabalho
por vezes pesadíssimo, pois dependendo da forma que isso acontece, até mesmo
a roupagem astral é lesada. Por isso minha constante sintonia com o Palácio da
Cura.
- Tenho conversado com Mestre Jonas e pedido a ele missões ainda mais
nobres para a nossa evolução. Poderíamos quem sabe no futuro trabalharmos
juntos.
- Eu ficaria feliz Lucas. Nesses anos todos, sabemos que você sempre foi
elogiado muito por Mestre Jonas, pois vem fazendo um trabalho exemplar. Seria
uma honra termos você conosco.
- Imagina Paulo. Tenho apenas me esforçado o máximo que posso. O fato de
poder auxiliá-lo nessas missões de pesado fardo, só me dará mais alegria.
- Como for melhor Lucas. Lembremos da frase que todo o trabalho é digno e
então deixemos as circunstâncias ditarem o que é melhor para cada um de nós.
- Exatamente Paulo. Exatamente!

/ / /

Dona Dora foi procurada por Olga naquela noite. A idéia era trazer o menino
Júlio para o Palácio da Transformação e através do instrumental existente no

239
As Moradas e os Segredos de Maria

Setor de Arquivos. Elas então esperaram o menino adormecer para depois


começar o trabalho. Assim que ele dormia profundamente na Mansão da Av.
Paulista, dois ajudantes de Olga iriam amparar o desdobramento da roupagem
astral a partir do sono profundo do corpo físico de Júlio. Ele então foi levado
cuidadosamente para o Centro de Transformação, mais especificamente para o
Setor de Arquivos do Palácio da Transformação. Naquela sala, além das mesas
com as cadeiras e globovisores, havia um diferencial que era uma cabine
retangular toda de vidro que ficava na sua parte frontal. Dona Dora começava
então a explicar para Olga.
- Júlio chegará aqui em estado latente. É como se a roupagem astral dele
também estivesse dormindo. Então ele será colocado nesta cabine para depois
estabelecermos a comunicação entre a cabine a alguns dos globovisores desta
sala. Você vai poder observar que quando ele chegar aqui, terá a aparência de um
menino de cinco anos.
- Incrível, Dona Dora.
Por fim as duas observavam a chegada de Júlio, como se estivesse
hipnotizado, pois ele apresentava um olhar perdido. Ele então foi colocado
cuidadosamente na cabine e lá permaneceu de pé. Dona Dora começou a se
concentrar, fechando os olhos, juntando as palmas das mãos e levando os
indicadores na direção da sua testa. Ela ficou em silêncio por aproximadamente
um minuto e então a cabine de vidro começou a ganhar um aspecto turvo até ficar
completamente branca e impedindo a visão do seu interior. De todas as mesas
com cadeiras daquela sala, apenas quatro seriam ocupadas. Uma por Olga, outra
por Dora e as outras duas para os ajudantes que trouxeram Júlio do seu corpo
físico.
Em seguida um feixe de luz de muita intensidade partia daquela cabine e ia em
direção aos quatro globovisores que seriam vistos por todos que ali estavam
presentes. A cabine começou a ganhar uma coloração lilás e cada um dos
globovisores começou a ganhar um brilho diferente. Com o brilho prateado e uma
irradiação em forma de luz que transcendia aquele ambiente, começava então a
se formar a serena e lúcida imagem de Plínio dentro do globovisor para a emoção
de todos que ali estavam.
- É com muita alegria que venho visitar-lhes – começava a falar Plínio –
Minha missão terrestre está só começando e hoje estou tendo a oportunidade de
me comunicar com vocês. Querida Olga! Amor das minhas vidas, como é bom tê-
la por perto agora e saber que a terei em futuro próximo. Ao seu lado me
encorajarei para enfrentar os percalços que essa nossa nova vida nos apresentará

240
Carlos Eduardo Milito

pelo caminho. Juntos e com a ajuda do grande Arquiteto do Universo, poderemos


vencer todas as dificuldades e nos aprimorar.
- Querido Plínio – falava Olga. Tenho intercedido por Marcos e os outros
futuros filhos, mas não venho tendo êxito. Pouco progresso foi notado nesses
quase seis anos. Eles estão praticamente estagnados.
- Querida Olga – falava Plínio pelo globovisor – Sabemos que por vezes as
pessoas ficam anos e anos nos intervalos celestiais e permanecem nesse tempo
todo em completa ignorância dos preceitos da vida maior. Nesses casos somente
a experiência carnal é que ajudará esses pobres seres a retomarem o caminho da
luz. É possível que principalmente Ernesto e Joel estejam nessa situação,
cabendo apenas a eles uma nova existência terrestre, para então sim, no próximo
intervalo celestial eles definitivamente acordarem.
- Mas após minha partida daqui a alguns dias, vou incumbir nobres colegas
daqui a continuar esse trabalho.
- Faça isso sim meu amor. Qualquer progresso é notável para o grande
Arquiteto do Universo. Apesar de sabermos da dificuldade de mostrarmos esses
caminhos para os dois, é preciso insistir e não desistir nunca. Quanto melhor a
freqüência que eles estiverem antes de retornarem para a Terra, menos
traumático será o retorno deles.
- Isso mesmo Plínio. Eu agradeço aos céus por você ter conseguido enxergar
o verdadeiro caminho a tempo, para então regressar a Terra.
- Você Olga, foi a grande responsável e me fez enxergar tantas coisas belas.
Mostrou-me o verdadeiro caminho da luz.
- O seu esforço também tem que ser considerado meu amor. Digamos então
que foi um trabalho em conjunto.
- Isso meu amor! Continuemos com essa sintonia para daqui a alguns anos
cumprirmos nossa nobre missão. Agora vou ter que partir. Quero agradecer a
todos que aqui estão e possibilitaram nosso reencontro. Fiquem com Deus.
Lentamente aquele cenário foi se desfazendo. Os globovisores daquela sala
foram voltando a sua aparência normal. Por fim, os dois ajudantes abriram a
cabine de vidro e retiraram o menino Júlio lá de dentro que parecia hipnotizado
com aquele olhar perdido. Em seguida o levaram de volta para sua casa. O
pequeno Júlio adormecia no seu quarto quando os dois amigos astrais ajudaram a
unir a roupagem astral com a roupagem carnal que ali dormia tranquilamente.
Então o pequeno menino se mexeu para o lado, puxou a coberta e continuou no
seu sono tranqüilo.

241
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 66

“Vale das Trevas – setor 7” - 10 de Janeiro de 1.923

Joel vivia como um verme rastejante. Estava há mais de cinco anos


presenciando no dia a dia o mesmo cenário. Por vezes algumas coisas pareciam
diferentes, pois havia momentos que outros seres perturbados davam alguma
trégua. No passar daqueles anos ele pôde perceber que diferentemente de
quando chegou, conseguia se comunicar com outros habitantes de lá, pois havia
gradativamente recuperado o atributo de falar. Nesse período todo, ele nunca
havia se deparado com Ernesto, tamanha era a imensidão do lugar e das pessoas
sofredoras que ali habitavam. Além do mais era muito difícil de reconhecer alguém
que havia vivido na Terra e agora estava lá, pois a transformação da maioria deles
era enorme, sendo impossível qualquer distinção. Assim, era possível talvez que
Ernesto e Joel tivessem até se cruzado, no entanto, um para outro não deixava de
ser um completo estranho.
Ernesto que até há pouco tempo atrás também se via sem uma das suas
pernas estava agora com seus membros inferiores completos. O único detalhe é
que quando ele permanecia de pé para tentar se locomover ele mancava um
pouco. Na maioria das vezes então, ele também se rastejava tal como um animal.
Seu rosto permanecia deformado o que o tornava irreconhecível para qualquer
outra pessoa.
Caminhando naquele cenário tétrico, Ernesto viu um homem de barbas
compridas com aparência de mendigo jogado no chão. Achou o rosto conhecido e
começou a dialogar.
- Ô Homem de Barba!. Você me parece familiar! – disse Ernesto
- Me deixa em paz. Estou cansado de ser importunado por criaturas
medonhas como você.
- Não pretendo te torturar. Apenas te achei conhecido. Não sei, mas por de
traz da sua barba, poderia dizer que te conhecia em outras épocas.
- Outras épocas! Outras épocas! – disse o homem de barbas – Nem me
lembre isso! Vim parar aqui por que fui assassinado estupidamente. Apesar disso,
também dei dois tiros naquele infeliz e até hoje não sei se também ele resistiu ou
não. Mas foi ele quem deu o primeiro tiro.
O silêncio pairou no ar por alguns instantes. O homem de barbas ficou
esperando Ernesto falar alguma coisa que completamente surpreso disse:
- É você Joel. É você! – mergulhou Ernesto em sonoras gargalhadas.

242
Carlos Eduardo Milito

- Deixa-me em paz, criatura medonha! Não sei quem é você e o que você
quer.
- Não sabe quem eu sou? Eu sou o Ernesto!
- Você? Assim? Com essa aparência medonha? Está irreconhecível! Você
que nos trouxe para cá seu maldito! Eu não vou te perdoar nunca! Por que você
fez isso? Você queria se libertar ao me matar? Veja o que você fez. Estamos nas
profundezas do inferno!
- Você mereceu Joel! Você nunca foi flor que se cheire. Vivia me expulsando
da sua fazenda. Não aceitava minhas argumentações.
- Isso não justifica Ernesto. Você acabou com a minha vida. Eu te odeio!
Você com esse rosto medonho e deformado está tendo o que merece.
Ernesto respondeu com uma sonora gargalhada e depois falou:
- Você acha que estou preocupado com a minha aparência Joel? Eu quero
mais é ficar assim mesmo. Assim posso te aterrorizar sempre que eu passar por
aqui. Vou me unir então a outras criaturas medonhas como eu e ficar te
torturando.
- Eu te odeio Ernesto. Pode ter certeza que irei me vingar de você assim que
eu tiver alguma chance.
- Estou morrendo de medo Joel. Não tente medir forças comigo que você
perde.
Joel e Ernesto continuaram se atacando por muito tempo com discussões
improdutivas. Conforme iam discutindo a platéia ia aumentando onde todos os
seres de baixa freqüência que ali habitavam se aglutinavam e se deliciavam com
aquilo. Uma densa névoa preta com um odor quase que insuportável rodeava
aquele ambiente e alimentava todos os seres ali presentes. Passado muito tempo
é que cada um deles resolveu tomar seu rumo.

243
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 67

“Jundiaí” - 20 de Janeiro de 1.923

A tarde daquele sábado recebeu vários convidados na Igreja Matriz de Jundiaí


para a celebração do casamento da filha de Joel. A jovem de dezoito anos estava
encantadora. Dona de uma beleza rara, com sua pele dourada, olhos e cabelos da
cor de mel estava deslumbrante em um vestido da cor champagne. Márcia
realmente estava encantada com o jovem Lúcio, dez anos mais velho que ela.
Logicamente a influência da sua mãe contribuiu para a realização desse
casamento. Inês juntamente com Eulália, mãe de Lúcio, fizeram de tudo para que
esse tão sonhado dia chegasse.
Enquanto a cerimônia era realizada, uma simpática senhora desprovida de
roupagem carnal com o nome de Angelina, juntamente com outros seres nas
mesmas condições que ela, chegavam em frente àquela igreja com um veículo
astral. Estavam em quatro pessoas. Calmamente desceram do veículo e
caminharam em direção ao altar da Igreja onde a celebração estava sendo
realizada. Dona Angelina chegou perto do casal, levantou sua mão direita
apontando para o casal que naquele momento estavam ajoelhados em frente ao
Padre e intimamente pensou:
- Querida neta. Meu desejo é que você galgue muitos degraus na agora
escola do casamento. Que o Mestre dos Mestres lhe dê luz para você seguir seu
rumo adiante e então poder trilhar o caminho da evolução suportando todos os
percalços com muita renúncia e resignação.
Naquele momento uma lágrima descia teimosamente do rosto de Márcia que
também estava contagiada pelo ambiente e pelas músicas de fundo. O momento
que o casal vivia era de plena felicidade.
Angelina e os seus três acompanhantes ficaram lá por mais alguns instantes e
continuaram a fazer vibrações para o casal. Uma imensa aura dourada cercava
seus contornos e expandia-se por todos os familiares dos noivos que estavam no
altar. Por fim os quatro saíram daquele ambiente e retornaram para o veículo
astral. Angelina então começou a falar com seus companheiros:
- Meus queridos. Como é sublime a dádiva do trabalho. É por ele que
ganhamos atributos de livre acesso às zonas carnais. Assim, conseguimos por
vezes, assistir algum ente querido de existências anteriores como agora.
Um dos acompanhantes do Angelina chamado Sílvio respondeu:
- Sua neta terá uma proveitosa missão Angelina. Ela está em um caminho de
luz e jamais se desvirtuará.

244
Carlos Eduardo Milito

- Que assim seja Silvio. Já basta o meu filho Joel que ainda sofre muito em
regiões nevoentas. Os meus netos precisam ter melhor esclarecimento para que
não cometam os mesmos erros de Joel.
- Creio que tudo está encaminhado Angelina. Márcia é uma criatura doce e
meiga e Júnior também é um bom garoto.
- Eu sinto por Joel. Ele está completamente cego e surdo para tudo que há
de belo no universo. O ódio dele o mantém nas trevas.
- É preciso esperar – disse Sílvio – Tudo tem o seu momento certo. Chegará
o dia em que Joel despertará assim como seu marido também despertou.
- Meu marido ficou por mais de quinze anos com os perambulantes terrestres
para depois de uma passagem no Palácio da Cura retornar para a Terra. Hoje ele
é um garoto de dez anos e mora no Recife.
- Então Angelina. Veja que ao longo da eternidade as coisas se acomodam.
Cabe a cada um de nós abreviarmos ou não o sofrimento e nem todos tem a
consciência necessária para isso.
Os quatro adentraram o veículo astral que saiu rasgando o céu de Jundiaí. O
belíssimo casamento prosseguiu com toda a pompa e depois todos os convidados
foram recebidos em um salão próximo da igreja para uma festa que se estendeu
noite adentro.

245
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 68

“Morada Universo Solar” - 22 de Janeiro de 1.923

Olga já sabia que naquela semana iria partir. Na noite daquela segunda-feira
recebeu duas amigas em sua casa no Palácio da Cura por pedido de seu
governador:
- Prazer, Olga! Meu nome é Angelina e esta aqui é Adelaide. O Governador
do seu Palácio pediu para que viéssemos aqui conversar com você.
- Muito prazer. Sejam bem-vindas a esta casa. Eu já aguardava esse
momento. Vocês habitavam a Morada Caminho da Terra, não é isso?
- Sim exatamente – disse Adelaide sorrindo – Fomos transferidas
temporariamente para cá. Atuaremos no Palácio da Cura nos próximos anos. E
paralelamente a isso, faremos as intervenções por Marcos, Joel e Ernesto.
- Nobre incumbência minhas amigas. Os três necessitam de muitas
intervenções. Desde quando Marcos chegou, venho tentando interceder por ele. E
quando foi traçada minha nova missão terrestre comecei a interceder por Joel e
Ernesto também.
- Da mesma forma que você, Olga, eu e Adelaide também temos laços
existenciais com essas criaturas sofredoras – disse Angelina com um semblante
triste – Fomos mães deles na nossa última experiência terrestre. Joel era meu
filho e Ernesto filho de Adelaide. Por isso que fomos designadas para continuar
intervindo por eles.
- Que maravilhoso. Esses acontecimentos da vida celestial me enchem de
emoção. Vocês podem ficar tranqüilas, pois no que depender de mim serei uma
mãe muito dedicada lá na Terra – falou Olga sorrindo.
- Sabemos disso Olga. O governador de seu Palácio conversou conosco e
falou muito bem de você.
- Eu e Plínio que agora se chama Júlio teremos uma belíssima missão. É
preciso que o ódio cultivado entre os três seja totalmente desfeito.
- Estamos aqui Olga para dizer que você pode partir em paz que faremos
várias intercessões e vibrações para que os corações dos nossos filhos possam
ficar um pouco mais próximos da luz. O mínimo que conseguirmos que isso
aconteça já será gratificante.
- É exatamente o que eu penso. Sempre atuei desta forma nesses anos.
Consegui um progresso com Plínio e para isso levei onze anos. Esse é um
processo gradativo. A soma de mínimos esforços acabará sensibilizando os
corações sofredores dos três.

246
Carlos Eduardo Milito

- Isso mesmo Olga. Fique então tranqüila e siga em paz sua missão.
- Que o Mestre dos Mestres seja louvado por permitir que vocês estejam
sempre atentas. Desejo a vocês muito progresso na nossa Morada.
- Que assim seja Olga.

/ / /

Passados alguns dias e Olga foi chamada para sua missão. Era uma sexta-
feira, dia vinte e seis de janeiro. Já era noite. Durante aquela tarde ela havia se
despedido de Fabrício e de todos os amigos mais íntimos. Naquela conversa da
tarde com Fabrício comentou da sua alegria.
- Chegou minha hora Fabrício. Estou galgando mais um degrau na infinita
escadaria da vida maior. Nem gosto muito de despedidas. Gosto de dizer até
breve, pois nos encontraremos na eternidade.
- Exatamente Olga. O que são cem ou duzentos anos no prisma da vida
celestial? Esse número pode ser assustador para algum amigo nosso provido de
roupagem carnal. Isso realmente é um sopro na eternidade.
- Por isso mesmo, querido Fabrício que digo “até breve”. Ficaremos “algum
tempo” sem nos vermos – sorriu Olga.
- Mas não nego que nesse período sentiremos sua falta sim, Olga. Além de
você ser uma pessoa maravilhosa, seus préstimos foram sempre apreciados nesta
casa.
- Sim, mas Adelaide e Angelina darão conta do recado. Chegaram há poucos
dias e trabalharão aqui por muito tempo.
- É verdade Olga. Uma das leis no universo é a lei da transformação. Nada é
definitivo. É errado cultivarmos por aqui em um mundo astral esse sentimento de
saudosismo, pois involuntariamente podemos prejudicar alguém que já partiu.
Temos sabedoria suficiente para saber que nos reencontraremos pela eternidade
na grande caminhada em rumo à divindade.
- Isso mesmo Fabrício. Continuem trabalhando com afinco para o progresso
do nosso Palácio e na nossa Morada. Até breve então – sorriu Olga e deu um
grande abraço no seu amigo Fabrício.
Naquela noite então, Dona Dora juntamente com outros serventes do Palácio
da Transformação cuidaram de todos os pormenores para a volta de Olga na sua
nova missão terrestre. Enquanto isso na Terra, Márcia e Lúcio que haviam se
casado no último final de semana, vinham namorando por todas aquelas noites e
o momento da fecundação então estava próximo. Márcia ficaria grávida de uma
linda menina que se chamaria Beatriz.

247
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 69

17 de Outubro de 1.930

Mais de sete anos se passaram desde o nascimento da menina Beatriz, filha


de Márcia e Lúcio. Eles também tinham mais duas meninas. Bianca de cinco anos
e Bárbara de três anos. Joel continuava vivendo em zonas sombrias se atracando
constantemente com Ernesto e nem fazia idéia das lindas netas que possuía. Seu
filho mais velho, Júnior, agora com vinte e oito anos ainda não pensava em se
casar, pois estava totalmente envolvido nos negócios da família. Tinha, assim
como foi com seu pai, Pedro como seu funcionário de confiança. Naquele dia, na
sede da fazenda ele tocou em um assunto do passado deixando seu funcionário
surpreso:
- Pedro, eu nunca conversei isso com você, mas eu gostaria de saber a
respeito do dia fatídico da morte do meu pai. Você estava por perto. Por que será
que os dois duelaram daquela forma?
- Júnior, isso tudo faz mais de treze anos. Eu nem me lembro direito.
- Eu era bem menino e nunca ninguém me convenceu com aquela estória.
As coisas não ficaram tão esclarecidas.
- Esquece isso júnior. O que adianta remexer o passado?
- É só curiosidade. Eu sei que meu pai tinha inimigos. Eu sei que ele tinha
condutas condenáveis, mas infelizmente não sobrou ninguém para contar o que
ocorreu de fato. Tentei vasculhar o passado dele com Ernesto e a única coisa que
descobri foi que muito antes daquela tragédia eles haviam negociado café.
- Deixa isso pra lá Júnior. Vai ver que eles se desentenderam por alguma
negociação verbal mal feita por eles.
- Pode ser. Mas sempre vou ficar com dúvidas. Sinto que teve alguma coisa
errada nisso. Sei lá
- Mas por que você está levantando isso depois de tantos anos?
- Por nada. É que faz algumas semanas tive um pesadelo com meu pai e me
impressionei muito com ele. Eu sonhei que ele se atraca com outro homem que
não dava para ver direito. Eu nem conheci o Ernesto e não dava para concluir se
no sonho era ou não ele.
- Esqueça isso e reze então pelo seu pai. Vou te dar uma idéia melhor ainda:
Vá procurar a mãe de Genésio no centro de Jundiaí para ela te aconselhar.
- Dona Benedita? É uma boa idéia, mas parece que ela anda um pouco
adoentada.

248
Carlos Eduardo Milito

- Talvez esteja um pouco doente sim, Junior. Mas isso não impede que ela te
dê alguns conselhos. Vá lá sim, e conte isso a ela. Talvez ela possa te ajudar.
- Acho que vou fazer isso mesmo. E ainda hoje.
Naquele mesmo dia, Júnior foi encontrar Dona Benedita na sua casa. Clara o
recebeu, pois apesar de serem vizinhas, ultimamente ela sempre estava presente
para poder dar cuidados especiais para sua sogra. Júnior então foi recebido por
toda a presteza naquele dia.
- Olá Seu Júnior. Tudo bem com o senhor? – questionou Clara
- Tudo bem Clara. Desculpa o incômodo, mas eu gostaria de falar com Dona
Benedita. Ela pode me atender?
- Não é incômodo nenhum. Ela está deitada descansando um pouco e logo
poderá vir.
- Tem certeza que não incomodo? Eu posso voltar outra hora. O que tenho a
tratar não é um assunto urgente.
- Imagina, Júnior. Sente-se que vou chamá-la. Com licença.
Após alguns minutos, Dona Benedita entrou na sala com um semblante
cansado, porém muito solícita em ajudar o rapaz.
- Olá Júnior – disse Dona Benedita – Que bom ver o patrãozinho do meu filho
cada vez mais bonito. Como você vai?
- Estou bem Dona Benedita. Estou te incomodando. Não é verdade?
- Não se preocupe. Andei muito resfriada a ainda sinto falta de ar. Sabe
como é? Já estou com sessenta e quatro anos e sabemos que minha caminhada
nesta vida está mais para o fim do que para o começo. Mas diga, meu filho. O que
te traz aqui?
- É que eu tive um pesadelo com meu pai há algumas semanas atrás e não
consigo tirar isso da minha cabeça.
- Chegue mais perto de mim, meu filho.
Dona Benedita levantou-se com alguma dificuldade, e já de pé levou suas duas
mãos na direção da cabeça de Júnior e fechou os olhos. Mostrando uma
expressão de tristeza enquanto seus olhos estavam fechados, continuou suas
vibrações para depois de aproximadamente um minuto dizer.
- Seu pai precisa de ajuda no plano onde vive. Ele realmente não está bem.
O que cabe a nós aqui na Terra é rezarmos, meu querido Júnior. É importante a
prática da fé, e por isso que oração tem um poder muito grande, apesar do
ceticismo de muitos. Ore bastante por ele, meu filho.
- Fiquei muito impressionado com aquele sonho, Dona Benedita. Parece que
havia alguém se atracando com ele, como dois animais selvagens.

249
As Moradas e os Segredos de Maria

- Ore pelo seu pai e também por Ernesto que foi o causador de toda essa
tragédia.
- Como posso fazer isso Dona Benedita? Vou orar para aquele que tirou a
vida do meu Pai? Isso é loucura.
- Isso parece loucura por que você não consegue enxergar as coisas além
dessa vida. Na verdade o sonho que você teve foi um retrato do que vem
acontecendo com seu pai e o seu agressor no plano que eles vivem. É preciso
que o ódio no coração deles seja vencido. As orações são um poderoso
instrumento, pois são como ondas magnéticas. Elas juntamente com o empenho
de nossos irmãos invisíveis dotados de luz é que poderão convertê-los para a
trilha do bem. É importante então que as preces sejam para os dois.
- Confesso que é difícil para mim, aceitar isso, Dona Benedita.
- Entendo sua dificuldade. Para quem vive aqui na Terra a compreensão
disso tudo depende da fé de cada um e isso muda de pessoa para pessoa.
Perceba então meu filho, que se você orar pelos dois, de coração, mesmo que
não concorde com o que eu digo, você terá a grande chance de galgar alguns
degraus na escala evolutiva. Isso irá contar muitos pontos para você. Além do
mais, se todo esse magnetismo esfriar esse ódio mútuo deles, seja lá onde eles
estiverem, isso poderá evitar novos pesadelos seus não é verdade? Se somente
Joel fosse beneficiado por preces ou intervenções de irmãos invisíveis e Ernesto
ficasse desamparado, ele iria continuar irradiando coisas ruins para o seu pai. É
preciso que ação seja conjunta.
- Acredito nisso. Mas por que Ernesto fez isso com meu pai? Sabemos que o
ele que tomou iniciativa do primeiro disparo.
- Não fique voltando ao passado com esses assuntos. Para que procurar
razão pelo que aconteceu? O que adianta isso? Pense no que tem que ser feito
daqui para frente. O tempo passou e vocês cresceram. Sua irmã casou e vocês
seguiram a vida de vocês adiante. Se preocupe com o futuro.
- É que tudo isso me incomoda, e com esse pesadelo que tive, eu quis de
fato compreender o porquê de tudo isso.
- Não tem necessidade. Para que mexer em feridas já passadas? Isso não é
útil. É melhor assim meu querido.
- Eu até acho que a senhora tem razão, mês senti que esse assunto
incomoda também o Pedro pela suas expressões.
- Já falei meu querido. Deixe essas feridas de lado. Pedro já trabalha lá
praticamente desde moço. Ele acompanhava cada passo do seu pai e morreria
com qualquer que fosse o segredo que prejudicasse ainda mais a sua imagem.

250
Carlos Eduardo Milito

- É o que eu desconfio. Talvez Pedro nunca se abra se souber de mais


coisas.
- Eu ainda vou te dar um conselho. Faça o que eu te sugeri e não fique mais
investigando esse assunto. Às vezes nós não temos condições de suportar,
enquanto seres terrestres, tamanhas feridas. É melhor não mexer nas cicatrizes
para não abri-las novamente.
- Está certo Dona Benedita. Obrigado por suas palavras. Eu garanto ao
menos tentarei seguir os seus conselhos.
- Ótimo meu rapaz. A sua intenção já conta muito. Existem pessoas do lado
de lá que ficam felizes só com isso. Então faça assim.
Júnior se despediu de Dona Benedita e agradeceu muito. Aproveitou e fez
elogios ao seu filho Genésio que se mostrava um bom funcionário. Clara
acompanhou Júnior até a porta e ele partiu no final daquela agradável segunda-
feira.

/ / /

Enquanto Dona Benedita aconselhava Júnior esteve presente naquela sala a


Dona Angelina, avó de Júnior. A mãe de Joel surgiu por lá assim que Dona
Benedita se levantou e fechou os olhos rogando aos céus alguma intuição em
relação ao rapaz que ali estava. Todas as palavras de Dona Benedita então, foram
intuídas por Angelina.

251
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 70

“Morada Universo Solar”

Lucas conversava com Madalena na noite daquela segunda-feira após mais


um dia repleto de trabalho:
- Hoje é um dia de muita alegria para nós todos. Treze anos após a “dança
do sol” e a última aparição de Maria, tivemos a notícia que lá em Portugal o Bispo
de Leiria declarou dignas de crédito as visões das crianças da Cova de Iria. A
partir de agora, será permitido então, o culto em homenagem a ela.
- Isso é notável. Nossa querida Guardiã Mor ficou conhecida como Nossa
Senhora de Fátima, e a cada dia vem ganhando mais fiéis pela Terra. Mas meu
querido Lucas, acho até que às vezes as coisas demoram a acontecer por lá.
- Querida Madalena, Tantas coisas você já me ensinou por aqui, e agora, eu
é que te falo que por vezes comparamos o tempo da Terra com o nosso daqui do
mundo celestial. Passaram-se treze anos por lá, e para nós isso representou muito
mais pela quantidade de trabalhos que fizemos. Essa demora então é relativa.
- É verdade, Lucas. Só fiz esse comentário porque o Planeta Terra ainda tem
problemas, e todo aquele espetáculo ocorrido em 1917, poderia ter tido seus
efeitos mais imediatos. Veja você: Somente agora é que a Igreja Católica se
manifestou. Mas é isso mesmo. Nossa consciência nos diz que tudo tem o seu
tempo e as revelações de Maria serão mostradas aos terrestres no momento
certo.
- E vou complementar o que você disse, querida Madalena: Lúcia terá uma
nobre missão para isso, pois durante os próximos anos será somente dela a
responsabilidade. Com a partida do menino Francisco em 1919 e da menina
Jacinta em 1920, só restou ela por lá. Já sabemos que os dois tiveram uma curta
missão e retornaram a Morada Brilho Celestial de onde eles vieram. Creio então
que o retorno de Lúcia para o mundo astral deverá demorar muito.
- Concordo com você, Lucas. Lúcia irá viver na Terra até que o último
segredo de Maria seja revelado.
- Continuemos então nossas vibrações e nosso trabalho pelo bem do Planeta
Terra.

/ / /

Naquela noite Angelina estava feliz, pois durante o dia havia acompanhado os
seus netos e suas bisnetas. Percebeu Júnior mais maduro ao ouvir atentamente

252
Carlos Eduardo Milito

as explicações de Dona Benedita. Em visita à casa de Márcia pôde notar uma


mãe dedicada às suas três meninas. Notou ainda a beleza de cada uma daquelas
três crianças, pois sabia as origens de cada uma delas. A mais velha, com o nome
de Beatriz era nada menos do que Olga que agora tinha sete anos e já estava pré
destinado que ela seria mãe de Joel, Ernesto e Albuquerque. A filha do meio,
Bianca, havia sido avó de Lúcio, o marido de Márcia. Já a mais nova estava tendo
o seu primeiro laço nesta família por afinidade com as pessoas providas de
roupagem carnal.
Naquele momento, Angelina agradecia aos céus por tamanha perfeição dos
pormenores da vida eterna. Ali estava ela partilhando toda aquela alegria, já
sabendo que Joel seria acolhido como filho da mais velha das suas netas. Durante
todos aqueles anos, desde quando Olga voltou em sua missão terrestre, Angelina
juntamente com Adelaide tentavam por várias vezes interceder por Joel e por
Ernesto além de Albuquerque. O progresso era muito gradativo o que realmente
era esperado por elas, mas o mais importante é que apesar disso, o progresso era
contínuo.

/ / /

Clarice viva amargurada. Desde a constatação da impossibilidade de sua filha


Emília ter mais filhos ela se refugiava no trabalho para espantar a depressão. Sua
vontade de fato, seria ter a casa cheia de netos e uma família grande. Nesses
treze anos nunca mais viu Clara. Até sabia que ela tinha um casal de filhos, mas
nem de longe, pensava em se aproximar. Levaria até a morte sua decisão de ter
rompido os laços com sua filha mais nova. Seus netos por parte de Clara já
haviam crescido bastante. Augusto estava com treze anos e Ângela com dez.
Apesar de terem uma origem muito simples tinham uma índole invejável. Augusto
havia sido Antero antes de voltar a Terra, e era um ser de muita luz. Ele estava
desenvolvendo as mesmas habilidades de sua avó, Dona Benedita e pretendia
construir uma escola para crianças carentes quando ficasse maior. Sua irmã
Ângela também vinha de um lugar iluminado e também aprendia muito com os
ensinamentos da sua avó. Por influência do irmão, também pretendia fazer
caridades quando ficasse maior.

/ / /

Leandro transformou-se em um adulto maduro. Aos trinta e cinco anos, não


pretendia casar-se, pois só tinha o pensamento de cuidar de seus pais que já

253
As Moradas e os Segredos de Maria

requeriam alguns cuidados. Afonso já estava com sessenta e um anos e sua


saúde não era a mesma de anos atrás. Dona Lourdes por sua vez, também
passava dos sessenta anos e vez ou outra carecia de maiores atenções com sua
saúde. Laerte depois que se casou, dificilmente podia dar a devida atenção aos
seus pais, pois suas preocupações eram outras. Leandro então assumia todas as
responsabilidades da família.
Lucas e Dona Dora sabiam que a seqüência daqueles acontecimentos foi de
fato para o amadurecimento de Leandro. O rapaz, que na sua mocidade se
influenciava por más companhias e quase se desvirtuou, estava lá agora:
totalmente mudado e aceitando os pequenos percalços com resignação. Desde
quando Lucas retornou ao mundo astral, ele juntamente com Dona Dora, fizeram
muitas intervenções por Leandro. As recentes atitudes do ente querido na Terra
eram para os dois como um bálsamo encantado, não havendo maior recompensa
para eles.

254
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 71

24 de Outubro de 1.930

Mestre Jonas pediu a presença dos amigos Lucas e Madalena no seu


Gabinete. Com o seu semblante calmo e encantador de sempre, se posicionou no
meio dos dois abraçando-os carinhosamente e falou:
- Meus queridos. Chegou o momento. Dona Benedita está a caminho.
- Já sabíamos que o momento estaria próximo Mestre Jonas. Estamos felizes
por poder receber uma criatura tão encantadora na nossa morada – disse
Madalena.
- Será uma tarefa relativamente fácil. Não teremos interferências de amigos
de freqüências inferiores. Vocês já sabem como se comportar. Vamos nós três.
Faz tempo que eu não participo de uma nobre tarefa dessas. Também irei com
vocês.
Madalena e Lucas ficaram felizes com presença do Governador naquela
missão. Por algumas vezes Mestre Jonas gostava de participar em diversas
tarefas da sua Governadoria. Os três então saíram daquele imponente prédio e
caminharam em direção ao veículo astral.

/ / /

Dona Benedita desde o último final de semana não estava se sentindo bem.
Por insistência de seu filho Genésio e de sua nora Clara, ela havia ido ao hospital
de Jundiaí. Os médicos então haviam diagnosticado que a sua gripe havia
evoluído para uma pneumonia, e por bem, resolveram interná-la no último sábado.
Ela ficou estável no final de semana, porém na segunda-feira piorou muito para
surpresa de todos. Naquele dia então, permaneceu muito sonolenta e
praticamente o tempo todo de olhos fechados.
Clara e Genésio estavam lá desde o final de semana e acompanhavam a
evolução do seu quadro. Augusto e Ângela resolveram encontrar seus pais e sua
avó naquela manhã, e no caminho, o menino conversava com sua irmã.
- Temos que estar preparados para tudo, Ângela.
- Por que você fala assim? – disse Ângela – Deixa de pensar coisas ruins.
- Você é nova e só tem dez anos, Ângela, mas a vovó te ensinou muitas
coisas. Você não tem que achar que morrer é uma coisa ruim.
- Você acha que a vovó está assim tão mal?

255
As Moradas e os Segredos de Maria

- Eu não acho nada – disse Augusto – Eu só acho que pelo que nós
aprendemos com ela, temos sim que estar preparados para tudo.
- Mas Augusto! A vovó não pode nos deixar.
- Isso não somos nós que decidimos. É claro que nós queremos que ela não
vá, mas não cabe a nós essa decisão. O que podemos fazer agora, é rezarmos
por ela.

/ / /

Após descerem do Veículo Astral, Lucas, Madalena e Mestre Jonas entraram


calmamente por aquele hospital e chegaram ao lado do leito de Dona Benedita.
Os amigos terrestres que cercavam a ilustre senhora, não perceberam a presença
de nenhum deles. Naquele momento, estavam Genésio, Clara, seus filhos
Augusto e Ângela ao redor do leito esperando alguma expressão ou ao menos
uma fala de Dona Benedita.
Tudo permanecia como antes quando uma enfermeira entrou no quarto para
monitorar sua paciente. Naquele instante, a fisionomia de Dona Benedita ganhou
uma serenidade nunca antes vista por ninguém. Seu semblante transmitia muita
paz e mesmo com os olhos fechados, sua face mostrava um ar de alegria e
gratidão. Seu coração parou de bater e a enfermeira sem fazer muito alarde pediu
para todos saírem de perto do leito, pois Dona Benedita necessitava ser assistida
por outros médicos.
Com os parentes afastados, os médicos fizeram de tudo para tentar reanimá-
la. Tudo em vão. Dona Benedita não estava mais viva. Os parentes foram então
chamados e avisados. Ninguém conseguiu conter as lágrimas em cima daquele
leito. Apesar da fé de todos eles e da convicção de que o lado oculto da vida
pulsava normalmente, a perda física era sentida na pele por todos eles.
Mestre Jonas fechou os olhos enquanto Lucas e Madalena, cada um de um
lado do corpo de Dona Benedita, seguravam a mão dela com suas duas mãos.
Lucas fazia isso tomando sua mão direita e Madalena tomando a sua mão
esquerda. Enquanto Mestre Jonas ficava com olhos fechados, sua aura dourada
começava a aumentar de tamanho e envolver todos os familiares da Dona
Benedita que calmamente paravam de chorar. Lucas e Madalena continuavam
segurando as mãos de Dona Benedita e lentamente começavam a afastar,
puxando então seu corpo astral para fora do corpo físico. A roupagem astral de
Dona Benedita estava um tanto quanto adormecida, e ela ainda não percebia
claramente toda aquela cena.

256
Carlos Eduardo Milito

Os fluídos emanados por Mestre Jonas continuavam a dar o equilíbrio para os


seus familiares que ali estavam. Enquanto isso, a roupagem astral de Dona
Benedita era levada para o Veículo Astral. Em seguida, Mestre Jonas saiu daquele
ambiente e deixando invisíveis rastros de névoas astrais. Ele também se dirigiu
para a nave e, juntamente com seus súditos e Dona Benedita, partiram para a
Morada Universo Solar.

/ / /

Francisco, o filho de Pedro e Dona Flora que vivia no sítio a poucos


quilômetros da fazenda São Paulo estava agora com vinte e dois anos. Ele estava
nas imediações de sua casa quando olhou para o céu e viu algo arredondado
rasgando aquele céu em alta velocidade. Na visão dele, aquilo era uma nave
branca, parecendo uma bola de futebol e levemente achatada nas suas
extremidades. Sua convicção é que aquilo se tratava de um disco voador.
Novamente depois de treze anos, Francisco, agora já adulto presenciava algo
marcante para sua vida. Quando menino, ele tinha presenciado o barulho da
explosão da aeronave de Albuquerque e agora acabava de ver um objeto voador
não identificado. Os dois eventos nunca mais seriam esquecidos pelo jovem
rapaz.
O que ele acabava de ver na verdade era o Veículo Astral usado pelos
habitantes da Morada Universo Solar quando ele retornava a sua origem. Quando
Mestre Jonas emanou os fluídos astrais para dar equilíbrio aos familiares de Dona
Benedita, ocorreu uma espécie de materialização daquele veículo para alguns
olhos humanos, dotando então Francisco desse atributo. O fato é que ele nunca
saberia os motivos por trás da sua visão daquele objeto voador. Aquele fato seria
compartilhado com outras pessoas que interpretariam de diversas formas, mas
talvez não da forma correta.

/ / /

Dona Benedita repousava em companhia de duas senhoras em uma das casas


do Palácio da Educação. Ela ainda dormia e quando acordasse, em poucos dias
tomaria a consciência de todos os pormenores do funcionamento da Morada e
tudo mais. Ela havia sido designada a ficar naquele Palácio pois teria a nobre
missão de educar e ajudar vários habitantes que por ali estudavam e se
reciclavam.

257
As Moradas e os Segredos de Maria

- Madalena, acho nessa missão não tivemos muitas dificuldades conforme


falou Mestre Jonas – disse Lucas.
- Exatamente. Quando resgatamos algum ser com muita luz como Dona
Benedita nosso trabalho é facilitado.
- Sábias palavras do nosso Governador. E a presença dele foi importante,
pois com seus fluídos, ele deu o devido equilíbrio aos familiares dela.
- Os Governadores dos seis Palácios que temos são criaturas das mais
elevadas que existem. Logicamente a caminhada na escala evolutiva para eles
também continua, no entanto, hoje já estão alguns degraus a frente dos demais.
Veja o caso do Governador do Palácio da Educação por exemplo. Há mais de dois
mil anos atrás no Planeta Terra, teve uma existência marcante e é estudado até
hoje por lá.
- Mestre Sócrates? Sim, é verdade. Realmente ele deixou vários manuscritos
importantes que foram passando de geração para geração. Sócrates assim como
outros filósofos que passaram por lá marcaram época.
- E veja só você Lucas. Não por isso é que eles deixaram de voltar a terra em
novas experiências carnais para se aprimorarem ainda mais. A totalidade desses
filósofos tem voltado a terra em novas missões carnais e depois voltam para o
intervalo celestial.
- Então nossos Governadores irão mudar com o passar dos anos?
- Essa é uma lei universal, Lucas. Qualquer ser dotado de vida nesse imenso
universo tem que evoluir. As experiências carnais podem ficar mais espaçadas
umas das outras, no entanto o retorno uma hora virá para todos nós. Somente os
seres puramente divinos, tal como Mestre dos Mestres é que estão desobrigados
a isso.
- Entendendo perfeitamente, Madalena.
Alguns dias depois Dona Benedita despertava completamente consciente do
que havia acontecido e muito grata a todos que ali estavam. Em um primeiro
momento sentiu por ter deixado filho, nora e netos, mas sabia que tudo que
vivenciava fazia parte do contexto da vida maior. Sua missão no Planeta Terra
havia sido cumprida com louvor. Sua roupagem carnal que ela acabava de deixar
poderia até tê-la feito viver sob preconceito por muitos, mas ali estava ela,
totalmente equilibrada e feliz. Sua origem humilde e sua pobreza poderia até ter
sido motivo de desprezo por alguns, no entanto ali estava ela imune e sem rancor
pelo que havia passado pela terra. Esta sabia mulher seria uma notável figura da
Morada Universo Solar.

258
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 72

“Morada Universo Solar” - 12 de Setembro de 1.935

Quase cinco anos se passaram desde a chegada de Dona Benedita. Por ser
uma criatura de muita luz, ela desde o início trabalhava com muita resignação e
muito amor. Conseguiu rapidamente recuperar a memória de outros intervalos
celestiais e de vidas anteriores. Sempre em suas vidas terrestres ela se
preocupava com causas sociais e trabalhava em prol do próximo. Talvez por esse
motivo, Mestre Sócrates havia requisitado sua presença para trabalhar em seu
Palácio nesse intervalo celestial.
Dona Benedita então, era uma educadora muito bem conceituada daquele
palácio. Desde a volta de Orlando para a Terra há pouco mais de três anos, ela
assumiu todas as suas funções, fazendo palestras, dando cursos e reciclagens
para todos aqueles que eram designados para isso. Suas aulas eram
maravilhosas e encantavam desde o mais simples até o mais elevado dos seres.
Por vez ou outra ela ainda fazia questão de visitar seus entes na Terra. Seu
filho Genésio já estava com quase quarenta anos e ainda levava uma vida simples
apesar de ter conseguido comprar algumas terras na região. Sua esposa Clara
continuava sempre com seu semblante feliz e apaixonada por Genésio. Augusto e
Ângela já estavam dois adolescentes. O menino de dezoito anos seguiu
literalmente os passos da avó e ainda foi mais adiante, fazendo muitas caridades,
atendendo doentes, receitando ervas e aconselhando rezas para todos. Dona
Benedita sempre o intuía. Quando ela não podia ir pessoalmente, se conectava a
ele por pensamento influenciando positivamente o rapaz para que ele continuasse
sempre a fazer aquilo. E a menina Ângela de quinze anos também seguia os
passos do irmão. Eram todos uma família feliz e equilibrada.

/ / /

Naquele mesmo dia, Adelaide e Angelina conversavam sobre suas visitas nas
zonas de baixa freqüência:
- Adelaide, minha querida. Somente agora após doze anos de nossos
préstimos é que parece que Marcos está aceitando nossas intervenções.
- Louvado seja o grande Criador do Universo. – disse Adelaide - Nossos
filhos ainda estão sob as influências dos sofredores, mas Marcos, diferentemente
deles está há um passo de despertar.

259
As Moradas e os Segredos de Maria

- Chegará o tempo deles também. – disse Angelina – Não podemos


esmorecer. Nossas idas ao Vale do Horror são muito penosas. Mas conforme já
nos ensinaram por aqui, esse sofrimento por estarmos indo lá e vermos nossos
entes queridos em constante sofrimento, é também uma forma de galgarmos
alguns degraus na escada evolutiva.
- Isso mesmo Angelina. E por esse motivo é que eu não esmoreço. É muito
difícil ver meu filho Ernesto há dezoito anos completamente desprovido de luz e
habitando um lugar daquele. O seu ódio o cegou por todos esses anos. Mas
vamos continuar nosso trabalho para que ao menos todo esse ódio diminua.
- Meu filho Joel também está assim. – disse Angelina – Mas nada como a
eternidade para que as coisas se assentem ao longo dos anos. Nossa parte nós
estamos fazendo que é isso mesmo: Tentar fazê-los enxergar o quanto antes o
caminho da luz e da verdade.
- Continuemos então nossas visitas aos três. Veja você: Olga que agora é
Beatriz está hoje com doze anos e provavelmente em menos de dez anos já
estará recebendo os três como mãe em uma nova vida. Temos vários anos para
continuar o trabalho.

/ / /

Por vez ou outra Lucas acompanhava seus entes lá na Terra, conforme


conseguia tempo entre seus afazeres. Seus pais passavam dos sessenta e cinco
anos de idade, e requeriam muitos cuidados. Seu Afonso já tinha saúde muito
debilitada e se não fosse os préstimos do filho Leandro que revogou a várias
namoradas para ficar com os pais, ele ficaria em situação difícil. O que acontecia
de fato é que Lucas intuía Leandro a ficar em vigília pelos pais. Dona Lourdes
também requeria algum cuidado, mas estava em melhor situação do que seu
marido.
Laerte por sua vez havia ganhado a presidência do Banco da família
Albuquerque. Ele e Emília também viviam felizes e tinham como maior razão de
vida a criação do filho Júlio que agora estava com quase dezessete anos. Clarice
que já estava com sessenta anos havia diminuído seu ritmo de trabalho apesar de
ainda participar das decisões do grupo. Seu rompimento com sua filha Clara tinha
praticamente o mesmo tempo da idade de Júlio. Por conseqüência disso, ela nem
fazia idéia de como eram seus outros netos.

/ / /

260
Carlos Eduardo Milito

Naquela noite, Adelaide e Angelina foram novamente ao do Vale das Trevas


tentar intervir por Marcos. Chegaram lá perto da sede onde Marcos conversava
com Mestre Zuzo e, como de costume, não foram notadas por ninguém.
- Marcos. Você não quer mesmo assumir meu posto? – perguntou Mestre
Zuzo – Você já está aqui há dezoito anos e agora quero fundar uma comunidade
similar a nossa em outros cantos do universo.
- Não senhor! Eu também tenho pensado muito na vida nos últimos tempos
e realmente não tem mais sentido eu continuar nesta comunidade. Creio que Joel
já pagou pelo que fez. Não vou ficar mais em vigília em relação a ele e ao
ajudante do piloto. Por mim, quero que eles façam o que quiserem da vida. Se
continuarem lá, tudo bem. Se conseguirem sair, também tanto faz.
- Mas você não pode nos deixar?
- Mestre Zuzo. Fiquei aqui muito tempo! Estive sempre trabalhando para
vocês. Você sabe muito bem que todo esse tempo que passei aqui foi para poder
garantir que Joel ficasse sendo torturado ainda mais do que eu. E isso aconteceu
por todos esses anos. Agora, chega.
- Você ficaria líder de tudo isso aqui. Todos te obedeceriam. Você teria
novamente poder assim como tinha na Terra quando estava por lá.
- Não Mestre Zuzo. Deixe Zé Trovão no seu lugar. Não quero esse posto.
Pretendo partir assim que você for embora e fundar sua comunidade.
- Pense bem Marcos. Fora daqui tudo é desconhecido. Existem outras forças
que podem te influenciar e te capturar.
- Não tenho medo, Mestre Zuzo. Enfrentarei novos desafios.
- Não vou deixar você partir. Nossa comunidade precisa de você. Se você
não quer ser o líder tudo bem, mas irá ficar. Seus préstimos são muito importantes
para nós.
- Você não pode me impedir, Mestre Zuzo. Vou embora sim. Vou ser sincero
com você: As vezes tem me dado remorso de todas as coisas que venho fazendo
por sua comunidade. Eu sinto que há algo maior do que tudo isso que tem aqui.
Cansei, Mestre Zuzo. Tenho até mentalizado outras pessoas que também partiram
da Terra para ver onde elas estão para quando eu sair daqui encontrá-las.
- Droga! Droga! Você está sendo capturado, Marcos. Para de amolecer seu
coração, se não eu não vou poder fazer mais nada por você.
Naquele momento Adelaide e Angelina estenderam os dois braços em direção
a cabeça de Marcos Albuquerque e um feixe de luz saiu da palma das mãos
daquelas senhoras para penetrar dentro da cabeça dele. Marcos então começou a
chorar como criança. Desde quando ele havia partido da Terra, ele não havia

261
As Moradas e os Segredos de Maria

derramado uma só lágrima. O momento que ele vivia ele recordava de tudo que
havia feito como membro da comunidade de Mestre Zuzo. O choro era de
arrependimento. Aquilo era misturado ainda com o sentimento por ter abandonado
completamente seus familiares, pois por nenhuma das vezes que foi a Terra, foi
para fazer algo produtivo por seus familiares. Tudo foi visto com muita indiferença
e com a total ausência de amor.
Mestre Zuzo ficou estático, pois sabia que havia estranhos invisíveis por lá. Ele
estava com um grande ódio e começava a gritar incessantemente para que
Marcos parasse de chorar e não amolecesse seu coração. As duas senhores
então ficaram esplendorosamente visíveis para os dois e em meio a uma névoa
esbranquiçada e acompanhada de uma alva e ofuscante luz, tomaram Marcos
pelos braços, uma de cada lado. Em seguida, começaram lentamente a se elevar,
até que os três foram subindo e subindo tanto que desapareceram dos olhos de
Mestre Zuzo. Marcos havia deixado a comunidade Transeuntes das Trevas.

/ / /

No dia seguinte pela manhã, a menina Beatriz de doze anos acordava muito
feliz e tomava café junto com sua mãe, Márcia, seu pai Lúcio e suas duas irmãs
mais novas. Ela contava sobre um sonho lindo que havia tido:
- Sonhei que estava brincando com duas amigas e que no sonho a gente até
voava mamãe. Ela falavam assim para mim: Nós conseguimos! Nós conseguimos!
Então eu tentei fazer igual e também consegui voar.
- Que sonho interessante minha filha – disse Márcia – Mas você sabe que
nós não conseguimos voar, não é mesmo?
- Sim mamãe. Só achei o sonho bonito. Só isso.
- E suas amigas? Alguém que conheço da escola?
- Não lembro mamãe. Acho que não eram da escola. Mas no sonho eu sei
que eu as conhecia.
- Muito bem. Sonhos são sonhos e a realidade é que vocês têm que tomar
logo esse café para não perderem o horário da escola. Certo meninas? – interveio
Lúcio com o ar brincalhão de sempre.
- Certo papai! Já estamos terminando.
A menina Beatriz durante aquela noite havia captado formas pensamento de
suas duas amigas Adelaide e Angelina que haviam conseguido tirar Marcos
Albuquerque da comunidade e por isso é que acordava feliz e que teve o sonho.
Olga, agora Beatriz, teve então seu pedido atendido. Marcos estava livre da
comunidade Transeuntes das Trevas.

262
Carlos Eduardo Milito

Albuquerque havia adormecido e sua última lembrança foi de se sentir tomado


pelos braços pelas duas ilustres senhoras. Em mais alguns dias ele acordaria no
Palácio da Cura onde ficaria muitos meses recuperando sua roupagem astral
pelos danos causados por anos obscuros vividos nas regiões sombrias.

/ / /

Naquele mesmo dia, o Governador do Palácio Divino chamou em seu gabinete


os outros cinco Governadores dos outros Palácios da Morada Universo Solar.
- Meus Queridos. É com muita alegria que vos chamo aqui para vos dar uma
notícia – falava Mestre Zeus com um semblante de felicidade – Aos poucos os
eventos ocorridos há dezoito anos em Portugal estão ganhando notoriedade no
mundo dos terrestres. Hoje tivemos o translado dos restos mortais da menina
Jacinta Marmo falecida em 1919 para o cemitério paroquial de Fátima.
Logicamente para nós aqui do mundo astral, o corpo utilizado na Terra após a
morte física não tem valor nenhum, mas a simbologia desse transporte representa
a dimensão extraordinária que as Mensagens de Maria estão ganhando por lá.
Mestre Zeus fez uma pequena pausa e prosseguiu:
- A Igreja Católica está sendo utilizada como um veículo para a divulgação
desta fé pregada pela mãe do Mestre dos Mestres. Por enquanto o que os
terrestres sabem é sobre a visão das crianças e do aparecimento da santa mulher.
O milagre da dança do sol visto por grande parte dos expectadores que ali
estavam também tem que ser citado. O que os terrestres ainda não sabem é que
os segredos de Maria ainda não foram revelados. Isto meus queridos, irá demorar
mais alguns anos para acontecer.
Mestre Zeus observou o olhar atento dos cinco Governadores, sorriu e
continuou a falar:
- O Palácio Divino da nossa Morada tem como uma das suas atividades, as
missões sagradas de intuição para a nossa querida irmã Lucia que está na Terra.
Quando chegar o momento propício ela irá transcrever os segredos entregar isso
às autoridades sagradas do seu meio, ou seja, a Igreja Católica. A importância do
nosso trabalho então, é continuarmos vibrando em energias positivas para o
equilíbrio do Planeta Terra.

263
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 73

“Morada Universo Solar” – 3 de Fevereiro de 1.936

Após cinco meses de intenso tratamento no Palácio da Cura, Albuquerque já


tinha permissões de sair do seu quarto e caminhar pelas redondezas do prédio do
Centro de Recuperação sempre na companhia de Fabrício. Naquela manhã de
segunda-feira ele recebeu dois ilustres visitantes. Lucas e Paulo Ribeiro ali
chegaram com semblante de muita paz e um sorriso no rosto. Após quase
dezenove anos do acidente, ali estavam os três personagens daquele avião juntos
novamente. Albuquerque ao ver seus amigos encheu seus olhos de água:
- Como vai você, Albuquerque? – indagou Lucas.
- Lucas! Quanto tempo! Paulo! Você também está por aqui? Que bom rever
alguém conhecido. Quanto tempo, meu Deus!
- Fique calmo Albuquerque – falou Lucas – Controle suas emoções! Você
está vendo que estamos bem, não é verdade? Você também está sendo
preparado para atingir uma serenidade igual a nossa. Você precisa aguardar tudo
com tranqüilidade.
- Meus amigos. Eu perdi muito tempo. Só agora é que estou me sentindo um
pouco melhor. Fiquei anos preso a uma comunidade de baixa freqüência.
- Que bom que você já esta conseguindo discernir as coisas Albuquerque.
Você está se saindo bem nesse começo de vida nova aqui na nossa casa.
- Tenho que agradecer a muitas pessoas. Existem duas senhoras que me
ajudaram muito desde quando eu estava no Vale das Trevas.
- Sim, Albuquerque. Nós sabemos de tudo isso. Com o tempo você irá
montando todas as peças desse nosso “quebra cabeça astral”, e assim conseguirá
entender o porquê de muitas coisas. O que você não pode agora, é tentar se
questionar muito. Tudo isso é prejudicial a sua recuperação. Uma das regrinhas
básicas aqui é que tudo tem o seu momento certo.
- Estou aprendendo isso Lucas. Acho que tive alguma evolução nesses
primeiros meses. No começo eu não aceitava de ter minha vida interrompida da
forma que foi, mas agora com todo o sofrimento que tive na comunidade a qual eu
pertencia acabei me calejando.
- Ótimo Albuquerque. Ficamos felizes com isso. Sabemos que ainda nesta
semana você estará assistindo algumas aulas de Dona Benedita, e isso também
irá te ajudar. O importante é você ter disciplina e sempre fazer sua parte.
- Com certeza. E você Paulo? Como tem passado?

264
Carlos Eduardo Milito

- Eu e Lucas estamos muito bem. Estamos a mais de dezoito anos servindo


nossa Morada em missões de auxílio pela Terra.
- Magnífico. Mas meu Deus! Perdi totalmente a noção do tempo. Eu até sabia
que havia passado alguns anos. Mas dezoito. É muito tempo.
- Temos que saber outra regrinha básica por aqui. Diferentemente da Terra,
o tempo daqui é mensurado de outra forma. Pense o seguinte, Marcos. Como a
vida é eterna, tanto faz, dez, vinte ou cinqüenta anos.
- Mas se todo esse tempo passou, tudo lá na Terra está diferente! Não é
verdade? Tudo mudou. Minhas filhas cresceram e os netos também.
- Isso é verdade Marcos. – responde Paulo – Você até esteve lá por algumas
vezes nesses anos, lembra-se? Você tem que se ater a vida maior agora. Você
não deve se preocupar com eles por enquanto. Todos estão bem. Você esteve lá
há uns oito anos. O que você tem que fazer agora, é estudar e atuar em nobres
tarefas que poderá te dotar de bons fluídos para você continuar trilhando os
caminhos da vida maior.
- Estou me esforçando bastante para ao menos tentar seguir os conselhos de
vocês. Logicamente que é difícil, mas vou tentar sim.
- O primeiro passo já foi dado, Albuquerque – falou Lucas – Você já abriu seu
coração para nossa comunidade. De agora em diante, tudo dependerá de seu
esforço.
Os três continuaram a dialogar sobre as coisas da Morada Universo Solar.
Lucas falou sobre sua experiência desde quando chegou lá. Contou também
sobre a missão de Maria e sua vivência em outras tarefas. Em seguida, Lucas e
Paulo se despediram e deixaram Albuquerque sob cuidados de Fabrício.

/ / /

Clarice não vinha se sentindo bem. Nas últimas semanas ela vinha sentindo
muito cansaço e falta de ar e por isso havia se afastado completamente do seu
trabalho. Ficava na sua casa. Seu genro Laerte assumia por completo todas
funções dos negócios da família Albuquerque. Após muita insistência da sua filha
Emília, ela foi procurar um médico. Foi diagnosticado um problema coronário que
iria requerer cuidados dali para frente. Ela decidiu então que Laerte seria o homem
forte dos negócios, pois ela compareceria por lá eventualmente.
- Mamãe. Daqui para frente vê se a senhora sossega né? – falava Emília
para sua mãe Clarice.
- Você sabe que desde quando perdemos o seu pai o trabalho para mim era
uma terapia. Agora estou sendo obrigada a diminuir o ritmo.

265
As Moradas e os Segredos de Maria

- Ainda bem mãe! Você sabe que Laerte é um executivo exemplar. Pode ficar
tranqüila com ele no comando dos negócios.
- Eu sei disso Emília. Mas eu sempre gostei de estar presente.
- Mamãe. A senhora continuará como membro do Conselho. Quando houver
a necessidade de uma decisão importante, logicamente a senhora irá opinar. O
dia a dia dos negócios o Laerte toca.
- Ainda bem que ele incorporou e espírito empresarial.
- Lógico, mamãe. Este tino para negócios é de família. Veja o pai dele, que
também fez o comércio de roupas crescer muito nos últimos anos. E o Leandro
também segue os passos do pai.
- É verdade. E por falar nele, parece que o Leandro nem quer saber de
casar, não é mesmo filha?
- Parece que não. Ele já está com quarenta anos, teve várias namoradas,
mas não quer deixar os pais. Os dois têm saúde frágil e ele quer se manter
sempre prestativo.
- Tenho conversado sempre com Lourdes e ela esta bem.
- Mas Afonso requer maiores cuidados. Leandro é muito preocupado com os
dois, e então, na minha opinião ele nunca sairá de casa.
- Que coisa hein filha? Minha amiga Lourdes também acha isso.
As duas continuavam conversando e falaram sobre o orgulho da família que
era o único filho de Emília. Naquele ano, Júlio iria completar dezoito anos e Emília
e Laerte pretendiam prepará-lo para que um dia ele assumisse os negócios da
família. Ele era um bom rapaz, muito estudioso, inteligente e tratava
carinhosamente todos os seus familiares. Agora então como Júlio, Plínio que na
existência anterior construiu todo aquele império, votaria a ter de volta por herança
no futuro tudo aquilo que deixou na sua vida anterior.

266
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 74

“Morada Universo Solar” – 7 de Fevereiro de 1.936

Na tarde daquela sexta-feira Albuquerque estava saindo de uma das sete


Escolas do Palácio da Educação em companhia de Dona Benedita. Aquela
semana havia sido intensa, pois ela ministrou aulas para pessoas que haviam
sofrido muito em zonas de baixa freqüência tal como Albuquerque. Os dois
conversavam descontraidamente nos arredores daquele imponente prédio.
- E então Albuquerque? Como foi seu aproveitamento?
- Foi ótimo Dona Benedita. Só tenho que agradecer a vocês por tudo que
está acontecendo comigo nessa nova fase.
- Ficamos felizes com isso, Albuquerque. No que depender de nós, sempre
estaremos prontos para ajudá-lo.
- Agradeço Dona Benedita. Pelo que eu sei agora, continuarei ainda em
tratamento no Centro de Recuperação do Palácio da Cura, pois de acordo com
Fabrício ainda tenho muitas lesões na roupagem astral.
- Entendo. Enfrente isso com resignação, Marcos. Você já passou por
momentos mais difíceis do qual vive agora neste intervalo celestial.
- Nem me fale, Dona Benedita. Quando cheguei às zonas de baixa
freqüência eu me perguntava constantemente o porquê de tudo. Eu estava muito
revoltado. Com o treinamento que tive nessa semana, as coisas ficaram mais
claras para mim. Os papéis das diversas moradas celestiais são de extrema
importância para o equilíbrio do universo.
- Isso mesmo, Albuquerque. A Morada Universo Solar além de outras
banhadas pela luz do conhecido astro rei são responsáveis pelo equilíbrio do
Planeta Terra. Isso se estende proporcionalmente aos outros sistemas solares,
onde temos inúmeras moradas circundando planetas similares a Terra com o
mesmo papel.
- E como a senhora falou no treinamento, temos planetas mais avançados e
menos avançados do que a Terra.
- Sim, exatamente. Apesar de todos os planetas evoluírem com o passar do
tempo, hoje cada um deles encontra-se em um determinado nível. Podemos dizer
que hoje o Planeta Terra está melhor do que há cinco mil anos atrás, pois os
povos estão mais corteses e civilizados. Vale ressaltar por exemplo, a Revolução
Industrial na virada do século que foi um fator de progresso natural do mundo
carnal. Mas é importante mencionar que este Planeta na classificação astral é
ainda um chamado mundo de expiações. Os seres desprovidos de roupagem

267
As Moradas e os Segredos de Maria

carnal renascem na Terra para enfrentar percalços pesadíssimos por reparação


de erros anteriores. Veja só você, Albuquerque: Você teve nesta semana a
oportunidade de estar aqui conosco no Palácio da Educação para o
esclarecimento de muitas coisas, mas há muitos irmãos que ainda não tiveram
essa oportunidade neste intervalo celestial. Eles ficam vagando em diversas
moradas desprovidas de luz, as chamadas zonas cinzentas e de baixa freqüência.
O que quero dizer, é que mesmo com todos os erros anteriores que as pessoas
cometem o grande Arquiteto do Universo sempre dá uma chance de redenção.
- Isso me fez lembrar Ernesto e Albuquerque que estiveram em lugares ainda
mais obscuros daquele que eu estive. Eles não encontrarão um caminho menos
tortuoso?
- O caso de Joel e Ernesto, por exemplo, não começou agora. Eles de fato
estão pagando por erros de outras vidas. Nessa última existência tiveram até
chance de trilhar um caminho de luz, no entanto, os dois cometeram um grave
pecado. Cometeram crime. Joel planejou a sua morte e Ernesto executou. Os dois
tiveram a responsabilidade por isso. Além do mais, eles se mataram um ao outro e
isso também conta.
Dona Benedita fez uma pequena pausa e prosseguiu:
- Tanto Ernesto como Joel na vida anterior a última eram Senhores Feudais e
donos de grandes terras. Eles haviam se cruzado naquela vida. Os dois possuíam
muitos escravos. Vale ressaltar que o sistema de escravidão também é
condenável perante as leis do Universo, mas eles não eram diretamente culpados
por isso. Eram culpados sim, pela forma que tratavam seus escravos. Tiveram
então, na última vida uma chance de se tornarem pessoas mais amáveis onde foi
traçado para eles vidas sem muitas expiações. Então nessa última vida, eles se
desvirtuaram completamente e hoje ainda estão sofrendo por isso.
- Meu Deus. O lugar que eles estão é terrível. É medonho.
- Muitos dos terrestres criticam a Lei criada pelos homens que por vezes é
falha e não pune adequadamente seus criminosos. Mas lei da consciência, esta
sim é infalível. Alguém pode matar lá na Terra, fugir e nunca ser pego por homens
de carne e osso. Mas chegando aqui deste lado da vida tudo é diferente. A justiça
astral é perfeita. O pagamento se dá no intervalo celestial subseqüente e
possivelmente pelas vidas futuras. De certa forma foi isso que nossa Guardiã Mor
tentou dizer a mais de dezoito anos atrás. Na segunda parte das suas revelações
mostrou a visão do inferno, que seria exatamente isso que nossos dois pobres
irmãos vêm passando por todos esses anos.
- E por quanto tempo ainda eles viverão assim?

268
Carlos Eduardo Milito

- Isso nós não sabemos. Aquelas duas ilustres senhoras que te ajudaram a
trazê-lo para cá estão trabalhando por eles. Angelina foi a mãe de Joel, assim
como Adelaide foi a mãe de Ernesto.
Albuquerque encheu os olhos de água ao saber que as duas eram mães dos
dois que por tantos anos ele odiava. Ele pensava intimamente em como poderia
duas senhoras tão bondosas terem filhos com índoles tão diferentes delas. Mas
instantes depois, ele recordava alguns ensinamentos que já havia tido por ali onde
as características de personalidade tem essência na alma não havendo influência
genética para isso.
Dona Benedita se despediu e a alguns metros à frente, Fabrício aguardava
Albuquerque para que eles retornassem ao Centro de Recuperação do Palácio da
Cura. Os dois seguiram juntos enquanto Dona Benedita tomou o seu rumo.
Albuquerque ainda não sabia dos planos traçados para ele, pois ainda não
entenderia a grandeza da missão envolvendo todos os personagens.

269
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 75

“Morada Universo Solar” – 10 de Fevereiro de 1.936

Lucas foi avisado por Dona Dora que seu pai chegaria ao mundo astral
naquele dia. Era segunda-feira e ele já vinha apresentando problemas de saúde, e
então, sofreria um derrame cerebral fulminante naquela manhã. Diferentemente de
outras criaturas que chegavam ao mundo astral diariamente, Afonso despertaria
junto aos perambulantes terrestres. Desta forma ninguém da Morada Universo
Solar poderia estar naquela missão de resgate.
- É uma pena que o papai tenha tido uma vida tão cética lá na Terra. Ele
acompanhava minha mãe em missas, mas sua crença era nula.
- É mais fácil lidarmos com seres dessa região do que outros de regiões de
baixa freqüência. Poderemos trazê-lo para cá em um futuro não muito distante.
- É verdade vó. Mas o que eu acho mais importante, é dar uma sustentação
para meus familiares que irão chorar a perda dele.
- Intimamente eles já estão preparados para isso, Luquinhas. E há também
um ingrediente que existe para qualquer ser humano que deixa sua roupagem
carnal: É o chamado ingrediente do tempo. Esse precioso instrumento faz com
que as pessoas aceitem e assimilem qualquer perda. É como um cicatrizante para
uma ferida.
- Sim, mas não custa ficarmos atento a eles, nem que for em pensamento.
- Lógico, Lucas. Esse é o nosso papel.

/ / /

A notícia do falecimento de Afonso entristeceu toda a família Silveira bem


como a família Albuquerque, O filho Leandro foi o que mais sentiu, pois estava
sempre presente no dia a dia dos negócios e se via sempre em contato constante
com seu pai. Laerte também ficou muito sentido, pois mesmo vivendo em outro
lar, preocupava-se demais com ele.
Na noite daquela segunda-feira estavam presentes os familiares, alguns
amigos e funcionários do comércio de Pedro. Clara soube da notícia do
falecimento do sogro de sua irmã naquela mesma noite, mas preferiu não ir, para
não fomentar qualquer atrito com sua mãe. O rompimento das duas já passava de
dezoito anos.

270
Carlos Eduardo Milito

Foi com muita tristeza que o enterro de Afonso foi realizado no dia seguinte
pela manhã. Ele iria completar sessenta e sete anos em poucos meses se não
tivesse partido do Planeta Terra.

/ / /

Nos dias subseqüentes ao falecimento de Afonso, Leandro se desdobrava


ainda mais para administrar o comércio de roupas e cuidar da sua mãe. Por
constantes influências de Lucas ele havia se revelado uma criatura muito
importante no caminho dos seus pais, e agora principalmente com sua mãe.
Seu irmão Laerte comentava com sua esposa Emília a respeito da ausência de
Clara e seus familiares no enterro do pai.
- Sua irmã mandou um telegrama e não veio.
- Era de se esperar, não é verdade Laerte? Se eu bem a conheço ela queria
evitar qualquer constrangimento pela presença de mamãe.
- Eu imaginei isso meu amor. É uma pena que as duas não se entendem
mais.
- Você quer dizer que é uma pena minha mãe não ceder, não é mesmo
Laerte? Por Clara, tudo já estaria resolvido. Pode acreditar.
- Eu sei disso. Sua irmã renunciou a tudo para viver seu grande amor e nós
sabemos que ela está feliz.
- E o que mais me impressiona Laerte, é que por todos esses anos ela não
aceitou nenhuma ajuda nossa. Fez questão de viver dignamente na simplicidade,
criando seus filhos e fazendo caridades.
- Tudo influência da Dona Benedita! – exclamou Laerte.
- É uma santa mulher. E veja só meu querido. Os meus sobrinhos estão cada
vez mais seguindo os passos dela. Augusto é um rapaz incrível. Uma bondade
ímpar e uma alma iluminada. Fundou uma comunidade, e juntos construíram uma
escola para crianças carentes.
- Tomara que eles continuem assim. Tomara!

271
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 76

“Morada Universo Solar” – 1 de Setembro de 1.939

Foi com muita tristeza que todos os habitantes da Morada Universo Solar
receberam a notícia do início da segunda guerra mundial naquela sexta-feira. A
invasão da Polônia pela Alemanha Nazista foi um marco de um evento que se
entenderia por exatos seis anos.
Mestre Jonas convocou todos os seus súditos para uma breve conversa no
Vale das Flores. Ele tinha em mente formar equipes de auxílio para expedições
periódicas nas terras européias. Em constantes conversas com todos os
Governadores da Morada Universo Solar bem como outros líderes de outras
Moradas Celestiais, eles chegaram a conclusão que seria necessário um grande
contingente de seres de luz para amparar todos aqueles que estariam envolvidos
em futuras tragédias. Independentemente das decisões dos homens providos de
roupagem carnal que colocou o Planeta Terra novamente em mais uma Guerra,
era necessário um plano de ação efetivo por seres astrais.
Depois de explicar sobre a Guerra que iniciava e alguns outros pormenores,
Mestre Jonas assim falava nos seus dizeres finais:
- Meus queridos irmãos. A Guerra é um fardo pesadíssimo. Não é hora, no
entanto, de lamentarmos. Precisamos agir em trabalhos de auxílio, juntamente
com seres de outras moradas vizinhas a nossa. Em breve, vou designar vários
líderes para esse trabalho. É sempre importante frisar que em um campo de
guerra nossos grupos irão se deparar com energias de baixa freqüência, pois
sempre há aqueles seres perturbados e desprovidos de luz que se alimentam de
tragédias e desgraças humanas. É preciso então, muita coragem e equilíbrio para
essas árduas missões.
Mestre Jonas fez uma ligeira pausa e depois continuou:
- Para encerrar, vou apenas mencionar a vocês o porquê os segredos de
Maria ainda não foram revelados aos nossos amigos terrestres. O grande
Arquiteto do Universo sabe o que faz. Há vinte e dois anos atrás as aparições de
Maria cultivaram uma semente de esperança na Europa, e nessa época havia
uma guerra por lá. O que aconteceu até agora, foi que a Igreja Católica já
reconhece como dignas de crédito as aparições da nossa Guardiã Mor e um ícone
de fé foi instaurado. Imaginem vocês, meus queridos se a terceira parte do
segredo fosse revelada aos homens, tal como vimos Maria dizer aos pastorinhos?
Mestre Jonas observou o semblante de todos ali presentes e continuou:

272
Carlos Eduardo Milito

- Reparem que a Terra teve uma grande evolução em seus armamentos e


esta Guerra será muito mais penosa que aquela de vinte anos atrás. Assim, com a
terceira parte revelada agora, teríamos provavelmente o pânico instalado na
mente de muitos terrestres. Na verdade, alguns amigos do Palácio Divino
acompanham a querida Irmã Lucia e dizem que ela já está escrevendo algumas
memórias dos fatos ocorridos em 1917. Provavelmente, as duas primeiras partes
em um breve futuro serão encaminhadas a Igreja Católica. A terceira parte ainda
dependerá do desfecho desta Guerra.
Após outra ligeira pausa, Mestre Jonas encerrou:
- Então vejam vocês a importância de nossa atuação. Para aqueles que
forem participar dos grupos de auxílio, é preciso saber que será necessário alguns
anos de renúncia a qualquer outro tipo de atividade. A dedicação deverá ser
integral. Volto a dizer que será um fardo pesadíssimo, mas de grande valia para
nossa caminhada rumo à divindade.

/ / /

Albuquerque que havia chegado na Morada Universo Solar a quase quatro


anos trabalhava como servente no Palácio da Cura. Seu ofício era da maior
importância, pois ele ficava em um setor denominado Centro de Regeneração.
Este setor cuidava dos casos extremos que diariamente chegavam da Terra. As
pessoas com gravíssimas lesões na roupagem astral chegavam muitas vezes
completamente ignorantes sobre do que estava acontecendo. Os excessos
cometidos na vida terrestre como fumo, bebida e drogas levavam estes seres ao
Centro de Regeneração após a perda da roupagem carnal.
Apesar de todo o bom tratamento que eles recebiam por lá, eram duramente
repreendidos pelas suas condutas terrestres. Eles eram classificados também
como suicidas, só que com um nível diferenciado de consciência, pois quando
habitavam suas roupagens carnais, não tinham a intenção de tirarem suas
próprias vidas. Já os suicidas conscientes antes de chegarem ao Centro de
Regeneração na maioria das vezes, vagavam em setores obscuros do universo.
A diferença desse setor do Palácio da Cura para o Centro de Recuperação
onde Fabrício trabalhava, era como comparar um hospital de doentes terminais de
câncer com uma clínica dermatológica.
Albuquerque então estava com um grande fardo nesse intervalo celestial. Ele
já sabia do destino dos seus Pais e que em poucos anos iria retornar a Terra. O
que ele não saberia nesse intervalo celestial é que ele teria Joel e Ernesto como
irmãos na sua nova missão terrestre.

273
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 77

“São Paulo” – 2 de Setembro de 1.939

Na manhã daquele sábado Clarice foi internada na Santa Casa de Misericórdia


em São Paulo. Nos últimos quatro anos ela havia adoecido e pouco a pouco foi
ficando mais debilitada devido aos seus problemas cardíacos. Sua filha Emília
apesar de se mostrar muito prestativa durante todo esse período, contratou uma
enfermeira que ficava vinte e quatro horas dentro da Mansão. Muito debilitada e
com sua fala fraca ela conversava com sua filha no leito do hospital.
- Acho que estou morrendo minha filha.
- Não mamãe. A senhora ficará boa em breve. A senhora só chegou nesse
estado por que não quis se internar antes.
- Eu sinto que estou no fim, Emília. Sofri muito nesses últimos anos, e me
sinto cada vez mais cansada.
- Reaja mamãe. Por favor, não se entregue.
- Você está encaminhada. Seu marido vale ouro. Ele administra com muita
competência todos os negócios da família.
- Pare de falar besteiras mamãe.
Clarice começou a chorar copiosamente. Emília tentou arrancar algumas
palavras da sua mãe e entender o motivo dela ter desabado, mas antes que ela
falasse algo, sua mãe entre soluços e a voz bem fraca disse:
- Emília, peça para Clara vir aqui.
- Eu não entendi mamãe. Fale mais alto.
- Clara. Eu quero falar com Clara.
Emília se emocionou. Agora ela que não conseguia conter suas lágrimas. Uma
separação de mais de vinte e dois anos poderia chegar ao fim. Apesar de pairar
várias dúvidas na sua cabeça, Emília evitou qualquer questionamento. Ela então
providenciou para que sua irmã estivesse lá no final daquela tarde.
Assim que Clara recebeu a notícia sobre a situação da sua mãe e o desejo de
revê-la, ela imediatamente lembrou-se das palavras de Dona Benedita que dizia
que chegaria o momento onde ela teria que perdoar a mãe por tudo. Sua única
tristeza era sobre o estado de Clarice. Seu maior desejo era que ela tivesse a
grande chance de perdoá-la de uma forma diferente.
Emília então saiu do quarto e deixou a sua mãe sozinha enquanto Clara
aguardava ao lado de fora. Ela abriu vagarosamente aquela porta e viu sua mãe
prostrada na cama, porém de olhos abertos e expressão singela no aguardo da
sua filha. Naqueles momentos iniciais não ouve troca de palavras. Somente troca

274
Carlos Eduardo Milito

de olhares emocionados e lágrimas por parte das duas. Clarice arrumou forças
sobre humanas e mesmo com o soro no braço esquerdo sentou-se na cama para
dar um abraço em Clara.
- Por que Clara? Por que você nos abandonou? – indagou Clarice
- Mamãe. Por quantos anos eu esperava esse momento. Sempre estive de
coração aberto para recebê-la.
- Foram mais de vinte anos, Clara! Uma vida! Por quê?
- Mamãe, a senhora fechou as portas para mim, mas isso já é passado. Hoje
tenho uma família linda. Tenho filhos grandes e somos muito felizes.
- Sempre quis o teu bem, minha filha! Quis o melhor para você.
- Por formas tortuosas mamãe, descobri meu caminho. Criei meus filhos com
extrema simplicidade. Submeti-me a todas as suas repreensões aceitando tudo
resignadamente.
- Como você queria que eu reagisse? Eu fiz o eu achava certo.
- Lógico mamãe. Tudo isso já é passado e maior parte da minha vida, estou
vivendo como uma pessoa pobre, mas confesso que durante todo esse tempo vivi
muito feliz.
- Mas por que Clara? Por que fez isso?
Clara chegou lá imaginando que o discurso da sua mãe seria diferente, onde
ela até pudesse pedir perdão pelo que fez. Não era isso que estava acontecendo.
As poucas palavras que trocaram até aquele momento fez Clara perceber que sua
mãe, mesmo que inconscientemente ainda condenava seus atos de vinte e dois
anos atrás. Então naquele momento Clara novamente lembrou-se de Dona
Benedita e falou:
- Fui impulsiva sim mamãe e peço o seu perdão por isso. É difícil tentar te
explicar o amor que sinto por Genésio, meu marido. É algo que transcende nosso
corpo, nossas aparências, nossas vaidades e nossas riquezas. Há algo mais
nessa ligação minha e de Genésio que foi base para a construção de uma família
linda e equilibrada. Dessa forma, por de traz das nossas raças opostas há uma
mesma essência divina e bela. Como seria bom, mamãe, se a senhora pudesse
enxergar da forma que eu enxergo as coisas hoje. Creio que a vida difícil
juntamente com a fé que aprendi a cultivar nesse meu lar me fez entender muitas
coisas da vida maior. Tudo isso aqui é uma passagem. De nada adianta
guardarmos ressentimentos e levarmos tudo isso conosco quando partirmos
daqui. Eu sei que também errei e peço sinceramente desculpas pelos meus erros.
Se a senhora não me perdoar entenderei a aceitarei isso resignadamente, por que
entendo o lado da senhora como mãe.

275
As Moradas e os Segredos de Maria

Clara observou sua mãe deitada com água nos olhos e continuou calmamente
a falar:
- Da mesma forma, mamãe, se a senhora pedisse perdão para mim eu
também te perdoaria por ter fechado as portas da sua casa. Tenho certeza que
todo esse meu sofrimento por ter me afastado da senhora foi um aprendizado para
mim. Veja só as minhas rugas mamãe: Eu ainda não completei quarenta anos,
mas sou uma mulher sofrida e sei que aparento mais idade, mas não me importo
com isso. O que dou importância nessa vida, mamãe, é do aprendizado que nós
daqui levamos. Vamos nos perdoar então mamãe. É um ato nobre que fará bem
as nossas almas.
Naquele momento Clarice foi tomada por uma emoção tão profunda que teve
seu estado agravado. Não conseguia falar nenhuma palavra sequer. Clara
prontamente chamou uma enfermeira que logo fez uma primeira análise e disse
que Clarice teria que descansar e não poderia mais passar por fortes emoções.
Clarice adormeceu sendo observada por suas duas filhas.
Do lado de fora do quarto estavam lá Augusto e Ângela, aguardando a sua
mãe Clara acabar de ter a conversa com sua avó. Augusto tinha muita esperança
em conhecê-la. Tanto ele como Ângela logo de criança souberam de toda a
verdade, mas sua mãe sempre preservou Clarice, procurando nunca condená-la
pela decisão de anos atrás. Naquela época, Dona Benedita também endossava as
palavras da sua nora.
Clara abriu a porta e pediu para os filhos entrarem. Clarice dormia a base de
sedativos e os netos rejeitados puderam conhecê-la. Mesmo sendo assim nessas
circunstâncias, eles ficaram felizes em pelo menos poder estar lá presentes.
Augusto ainda chegou bem junto de sua avó e fez uma prece para que ela fosse
amparada e não sofresse. Após alguns poucos minutos, os três se despediram de
Emília e seguiram o seu rumo.

/ / /

Durante os minutos de conversa de Clara e Clarice, Dona Benedita e Lucas


estavam dentro daquele quarto com pensamentos elevados tentando intuir Clara a
falar as palavras corretas. No momento que Augusto e Ângela entraram lá eles
também influenciaram os dois a orar. Apesar de toda a cena comovente, Lucas
ficou feliz em ver o seu amigo Antero, agora como Augusto a ter tanto carinho por
uma pessoa que desprezava tanto sua família. Clarice faleceu na manhã de
domingo para a tristeza de todos os familiares.

276
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 78

“São Paulo” – 2 de Setembro de 1.939

Na semana posterior ao falecimento de Clarice, sua filha Emília foi à procura


de Clara oferecer ajuda. Ela não achava justo ser a única herdeira de um
patrimônio daquele tamanho. As duas conversavam:
- Clara minha irmã. Mamãe te deserdou, mas nem eu, nem o Laerte nunca
concordamos com isso. Venham morar em São Paulo. Nós podemos comprar
uma boa casa e arrumamos um bom trabalho para Genésio.
- Muitos anos se passaram Emília. Quando eu mais precisei da ajuda de
mamãe com os meninos pequenos, não consegui. Não será agora que
mudaremos de vida. Augusto e Ângela praticamente são adultos e mais alguns
anos tomarão o seu rumo. Eu agradeço de coração, mas continuaremos vivendo
como sempre vivemos.
- Pense bem Clara. Seus filhos podem trabalhar aqui em São Paulo em
alguma atividade nas empresas.
- Augusto trabalha com o pai no cafezal e o Júnior que é o dono da fazenda
gosta muito dele. Ângela faz serviços domésticos para uma família lá da região e
também está feliz. O nosso mundo é lá.
- Deixe ao menos eu conversar com eles Clara.
- Você pode ficar a vontade em procurá-los, mas creio que eles pensam igual
a mim. Desde quando Dona Benedita era viva, nós os educamos mostrando que a
maior riqueza que podemos ter aqui na Terra é a dignidade. Eles aprenderam que
o trabalho acima de tudo tem que ser valorizado e que grandes fortunas não
devem ser cobiçadas. É importante sim ter uma quantia que nos proporcione
conforto, mas os excessos podem ser evitados.
- Minha irmã. Você está muito radical. Não tiro suas razões e respeito seu
ponto de vista, mas estou falando de um assunto que se chama justiça. Não foi
justo mamãe deixar tudo em meu nome. Não será justo o meu filho Júlio herdar
tudo sozinho e os primos terem uma vida tão diferente.
- São desígnios de Deus minha irmã. Renunciei a tudo e criei meus filhos
com toda simplicidade. Por alguma razão que desconhecemos, seu filho Júlio será
o único herdeiro de todo um patrimônio enquanto os meus filhos herdarão apenas
nossos ensinamentos. Isso não impede, no entanto que vocês os procurem e
ofereçam ajuda.

277
As Moradas e os Segredos de Maria

- Clara minha irmã. Por quantas vezes nesses anos eu pensava em ajudá-los
e mamãe sempre atenta aos mínimos centavos dos nossos negócios. Ela se quer
por uma só vez mencionou o nome de algum de vocês.
- Não posso julgá-la, mas creio que ela estava completamente cega para
isso. Se é que eu tive toda a culpa nessa estória, eu tive a chance de pedir perdão
a ela nos seus últimos minutos de sua consciência.
- Que coisa né Clara? Eu acho que ela que deveria pedir perdão a você.
- Não sei. Ela tinha as razões dela. E essa minha dúvida se ela me perdoou
ou não eu não vou poder saber enquanto eu viver. Confesso a você que isso me
entristeceu um pouco sim, mas tenho que enfrentar. Por outro lado, deixei claro
que da minha parte de coração aberto ela estaria perdoada por qualquer coisa.
- Clara, eu me orgulho de tê-la como irmã. Aquela menina determinada de
anos atrás está agora uma mulher madura e de uma índole muito boa.
- Emília, somos que nem uma árvore que durante a vida aqui na Terra vamos
crescendo e podemos nos tornar mais belas ou menos belas dependendo do local
onde crescemos. Sempre estive cercada de pessoas maravilhosas que me
ajudaram a ser o que sou hoje.
- Que bom Clara que você pensa assim.

/ / /

Naquele mesmo dia Adelaide e Angelina conversavam alegremente após


terem voltado do Vale do Horror.
- Querida Angelina, depois de mais de vinte e dois anos conseguimos intervir
para que Joel e Ernesto abandonassem definitivamente o Vale do Horror.
- Graças a Deus Adelaide. O tempo foi longo, mas agora eles não estão mais
naquele lugar pesadíssimo.
- Mas ales ainda sofrem – disse Adelaide. Não gosto do lugar que eles estão
agora. Eles ainda vão ficar sendo perturbados – disse Adelaide.
- Marcos ficou lá por dezoito anos. Mas o Vale das Trevas agora está
diferente. O líder dessa comunidade não é mais Mestre Zuzo, então eles não vem
praticando tudo o que desejam.
- Mesmo assim aquele local é muito distante da verdade.
- Isso você tem razão minha amiga, mas vamos pensar que já passou o pior,
e então, a partir de agora, é só continuarmos nossos trabalhos que eles consigam
nos enxergar de vez.
- É verdade. Não podemos esmorecer jamais. Vamos nos motivar pelo que
aconteceu com eles.

278
Carlos Eduardo Milito

/ / /

Afonso havia sido resgatado naquele mesmo ano e agora era um servente do
Palácio da Sustentação, juntamente com Estela e sua Tia Marta. Após ter ficado
quase três anos junto com os Perambulantes Terrestres, ele foi trazido para a
Morada Universo Solar por seu filho Lucas e Dona Dora. Sua felicidade por ter
Lucas e Dona Dora como referências para o aprendizado era tamanha, que ele
procurava ser um bom seguidor de todos os conselhos que eram dados. Após
chegar ali, compreendeu muitas coisas e costumava aceitar todas as explicações.
Intimamente pensava que quando viveu na Terra era completamente cético e até
se envergonhava com isso. Lucas em visita ao pai percebeu seus sentimentos:
- Pai, pare de se fixar no passado. Você tem que viver seu futuro para
reparar suas falhas. Muitos dos terrestres são totalmente céticos e querem uma
prova física do nosso lado. Não se envergonhe por ter sido assim também.
- Lucas meu filho. Perdoe-me por tudo. Durante anos eu tive o exemplo em
casa com a sua avó presente, mas eu não dava ouvidos a ela. Eu perdi a chance
de me conscientizar nas belezas da fé.
- Não se culpe pai. O que importa é que mesmo não acreditando em nada do
que há deste lado, o senhor foi uma pessoa que praticava o bem. Foi um bom pai,
criou seus filhos muito bem, foi um homem de família exemplar e no seu trabalho,
além de ter tratado bem seus funcionários, procurava ajudá-los sempre que
possível. Isso conta muito.
- Como foi bom poder reencontrá-lo meu filho.
- Assim são os caminhos da vida eterna. As perdas temporárias da vida
carnal são sofrimentos obrigatórios que durante a eternidade são compensadas
pelos sucessivos reencontros.
- E por que ninguém pode saber de tudo isso Lucas? As coisas não seriam
melhores lá na Terra se tivéssemos a certeza absoluta da vida que existe desse
lado?
- Querido Pai. Isso vai contra a lei universal.. Se todos os terrestres vivessem
lá sabendo da continuidade que existe por aqui, suas missões carnais perderiam o
sentido você não acha? A fé de cada um é que abre a mente das pessoas.
Poucos têm uma visão além dos olhos humanos e essas criaturas sofrem muito
por ver coisas que nem sempre gostariam de ver. Com o passar do tempo você
vai entender que o sistema é perfeito meu pai. Você resgatará sua memória de
outras vidas e outros intervalos celestiais tal como este. Então você poderá tirar
novas conclusões de muitas coisas. Tente não cair muito em indagações. É

279
As Moradas e os Segredos de Maria

normal você querer saber de tudo, mas aqui temos que saber sempre esperar o
momento certo para tudo.
- Às vezes me pairam muitas dúvidas na cabeça meu filho.
- Isso é normal meu pai. Você acabou de sair do Palácio da Cura faz só
alguns dias. Tudo será esclarecido no seu devido tempo.
- Está certo Lucas. Saberei aguardar o momento de tudo.
- Ótimo pai.
Depois de alguns instantes, Lucas se despediu, pois tinha outras tarefas a
executar. Ele prometeu que voltaria em breve para visitar seu pai.

/ / /

Júnior, o filho mais velho de Joel já estava com trinta e sete anos. Ele havia se
casado dois anos atrás com uma moça da região de Jundiaí que se chamava
Selma. Desde então não conseguiam ter filhos. Após muita insistência de sua
esposa, Júnior foi investigar e descobriu que era estéril. Talvez por esse motivo,
continuavam então a morar na fazenda. Talvez no futuro, se eles amadurecessem
a já cogitada idéia de adoção, poderiam residir na cidade.
Já Márcia sua irmã mudou-se para a cidade de São Paulo, pois os negócios
advocatícios do marido prosperavam e a maioria dos seus clientes encontrava-se
na capital paulista. Sua filha mais velha, Beatriz já estava com dezesseis anos e
pretendia continuar estudando em São Paulo. Bianca de catorze anos e Bárbara
de doze também apreciaram a idéia.

/ / /

Após o falecimento de Clarice, Laerte também passou a administrar a fazenda


Terra Nova, tendo seu funcionário João se reportando a ele. Conforme Clarice
fazia, ele continuou administrando aquelas terras da mesma forma. Já nos
negócios bancários desde quando sua sogra adoeceu, Laerte tinha plenos
poderes e conseguia administrar com méritos todo aquele império. Seu filho Júlio
que agora tinha vinte e um anos começava a se inteirar de tudo e tinha muito
interesse em um dia ficar a frente de tudo.

280
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 79

“Vale das Senzalas” – 21 de Setembro de 1.939

Clarice despertava de um longo sono. Sua sensação inicial era de ter dormido
muito. Sua última lembrança foi a conversa que havia tido com sua filha Clara.
Depois adormeceu e não lembrava mais de nada. Seu desejo era continuar
conversando com sua filha, mas isso não foi possível.
Após despertar, Clarice se via em uma senzala. Os raios de sol entravam por
entre aquela janela. A aparência daquele local a fazia se lembrar de sua infância
tal como eram as fazendas na virada do século. Naquela época, a abolição da
escravatura era recente e nas fazendas existentes havia senzalas como aquela.
Clarice então levantou da cama onde estava e se viu sozinha naquele
ambiente. Resolveu sair caminhando pelos arredores, abrindo a porta e saindo de
lá. Tal foi o seu espanto que notou um grande número de senzalas igual aquela de
onde acabava de sair. Nem em uma grande fazenda ela se lembrava de ter visto
tamanha quantidade de casas.
O local parecia agradável. O dia estava bonito. Havia uma boa quantidade de
vegetações, árvores, riachos e sons de pássaros cantando por ali. De repente ela
começou a perceber homens e mulheres caminhando nas cercanias daquele local.
Todos com a aparência de escravos tanto pelos traços físicos como pelos
vestuários. Lá estavam homens, mulheres e crianças. A diferença é que todos
mostravam um semblante feliz, diferentemente da época da escravidão no Brasil.
Para Clarice, o dia agradável pareceu ter mudado completamente. Ela não
compreendia o que estava acontecendo. Ela nunca admitiu para ninguém, mas na
sua última vida na Terra tinha uma grande repulsa por pessoas da raça negra.
Agora ela estava vendo uma cena que mexia com seu íntimo. Sua aflição é que
talvez fosse obrigada a ter que abordar alguém dali para tentar conseguir alguma
explicação. Sua situação era embaraçosa. Teria que enfrentar o preconceito.
Um simpático senhor negro e com barba branca que aparentava ter uns
sessenta anos de idade surgiu na frente dela e se apresentou:
- Prazer minha senhora. Meu nome é Alceu. Sou o responsável por esta
comunidade que é chamada Morada Zumbi dos Palmares.
- Por que me trouxeram aqui? Eu estava bem no hospital. Eu nem consegui
conversar direito com minha filha Clara.
- Fique calma, Senhora. Chegará o momento adequado que você poderá
rever sua filha. É preciso saber esperar.
- Mas onde estou? Que lugar é esse?

281
As Moradas e os Segredos de Maria

- Você está em um lugar vizinho de onde morava. O líder daqui recebeu um


pedido para que a recebêssemos.
- Me receber? Não era necessário. Quero voltar para minha casa agora.
Estou vendo que não estou sentindo mais aquela falta de ar. Quero sair daqui.
- Creio que não será possível, Dona Clarice.
- Como sabe o meu nome? Quem planejou essa brincadeira de mau gosto
comigo?
- Acalme-se. De nada adianta você debelar-se conosco. O seu convívio por
aqui se fará necessário por algum tempo.
- Eu não estou entendendo! Isto aqui para mim é tortura. Eu não suporto
vocês. Estou sendo castigada. Não bastou aquela minha filha ingrata ter casado
com aquele homem e ter feito uma família daquelas e agora, veja só: Estou
cercada por todos os lados por pessoas como eles.
- Nada é por acaso, Senhora. Se foi trazida aqui, é justamente para ver toda
a beleza que existe por trás dessas nossas aparências. Você terá que aprender
nessa nova fase da sua vida que por de trás de uma simples raça nós somos
todos iguais.
- Nova fase? Não quero saber disso, Senhor. Quero voltar para minha casa.
Não vou aceitar nada disso.
- Não tem como você deixar de viver essa nova fase. O seu corpo físico
deixou de funcionar e ficou lá na Terra. Agora você é uma criatura provida apenas
de roupagem astral. Assim, você deverá agora entrar em uma fase de
aprendizado. Você logo entenderá as minhas palavras, pois a sua igreja te
ensinava essas coisas. Infelizmente, Clarice, você não praticava aqueles nobres
ensinamentos. Por exemplo, esse preconceito que te acometeu durante quase
toda a sua existência foi nociva a você. Sua índole foi boa e você até fazia coisas
proveitosas na Terra, no entanto essa ferida você não conseguiu estancar.
Clarice ficou muda no primeiro momento, e com a aparência totalmente
espantada continuou olhando Alceu:
- E devido a isso, o seu relacionamento com sua filha Clara tem que ser
mencionado. Você foi muito rica e vivia de aparências. Queria sempre se mostrar
para todos com muito orgulho e muita vaidade. Quando sua filha reencontrou seu
amor de vidas passadas você não consentiu e fechou as portas da sua casa para
ela. Você teria aproveitado melhor a sua missão lá na Terra se tivesse perdoado a
sua filha e se arrependido ainda na roupagem carnal. É uma pena que os seus
olhos eram apenas para as coisas terrenas. Você se apegava ao trabalho para
multiplicar sua fortuna e deixava o lado espiritual de lado.

282
Carlos Eduardo Milito

Alceu parou de falar por alguns instantes, com suas duas mãos tomou
carinhosamente as mãos de Clarice para dizer:
- Mais vale alguém que tem pensamentos elevados, faz caridades, se
preocupa com o próximo, tem amor no coração, e principalmente sabe perdoar, do
que aquelas assíduas pessoas que freqüentam suas igrejas, rezando e se
comungando, mas, no entanto, não seguem os ensinamentos do Mestre dos
Mestres. O perdão minha Senhora, é um dos mais louváveis atos que existe.
Temos que começar a praticá-los dentro da nossa própria casa como exercício
para ocasiões ainda mais difíceis. Sua filha Clara viverá seus últimos anos lá na
Terra sem saber se foi perdoada por você. Somente no momento que reencontrá-
la na eternidade da vida é vocês poderão resolver essa rusga entre vocês duas.
Posso afirmar que desde muito tempo atrás ela estava esperando por isso.
Clarice caiu em lágrimas. Chorou de arrependimento por sua filha. Seus
sentimentos estavam embaraçados. Acabava de tomar ciência que não vivia mais
na Terra, e se via presente em uma comunidade que não era do seu agrado. Por
outro lado não teria mais ninguém a recorrer por lá. As palavras de Alceu
entravam profundamente em seu interior. Naquela última conversa que teve com
sua filha ela até pensava em reatar contatos, mas não estaria disposta a conhecer
sua família. Ela percebeu então que se levasse aquela idéia adiante não estaria
exercendo um ato de perdão por completo. Por isso continuava a chorar.
Alceu deixou ela extravasar bastante sua tristeza para depois continuar a falar:
- O convício que você terá na nossa aconchegante Morada irá te ajudar a
cicatrizar as suas feridas. Nossa comunidade é pequena, mas estamos em
constante sintonia com outras moradas celestiais que trilham o caminho da luz.
Digamos que na escala hierárquica nós somos uma das mais próximas à Terra.
Você ficará ainda nessa casa onde você despertou, e assim que estiver mais
fortalecida irá fazer nobres trabalhos de auxílios.
Alceu se despediu e a deixou a vontade. Após ouvir todas aquelas palavras,
Clarice preferiu manter-se em silêncio, voltou para sua senzala e deitou-se na
cama de onde despertava. Mergulhada em pensamentos confusos em um misto
de tristeza e remorso, adormeceu.

283
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 80

“Morada Universo Solar” – 31 de Agosto de 1.941

Aquele domingo amanhecia como um motivo de um alento na Morada


Universo Solar, pois já era de conhecimento dos Governadores dos Palácios a
notícia de que a irmã Lúcia, transcrevia lá em Portugal a primeira e a segunda
parte dos segredos de Maria.
Em um encontro dos seis Governadores no Gabinete do Mestre Zeus, ele
assim dava a notícia aos demais:
- Meus amigos. Nossos serventes do Palácio Divino têm acompanhado a
Irmã Lúcia e finalmente hoje ela resolveu transcrever as revelações do dia 13 de
Julho de 1.917. É com muita alegria que lhes dou a notícia. Somente agora, mais
de vinte e quatro anos depois, é que chegou esse momento.
- E a terceira parte, Mestre Zeus? Por que ela ainda não foi transcrita? –
perguntava Mestre Sócrates.
- Nossos humildes serventes me informaram que a Guerra é o motivo do seu
receio em escrever. A Terra evoluiu muito em seus armamentos nos últimos
cinqüenta anos fazendo desta Guerra algo nunca antes visto pelos nossos irmãos.
Imaginem vocês o quanto a aviação vem facilitando as batalhas. O terceiro
segredo então, que foi mostrado para aquelas crianças em forma de metáfora,
deixaria em pânico todos os seguidores da nossa Guardiã Mor se revelado agora.
- Isso é válido, Mestre Zeus – concordava Mestre Sócrates – Podemos
inclusive observar que em quase vinte e cinco anos, um ícone de fé foi instaurado
em Portugal só por conta as aparições, independentemente dos segredos.
- Exatamente, Mestre Sócrates. E em relação ao terceiro segredo, posso
afirmar que ainda está aberto o que vai de fato acontecer com o Planeta Terra. As
condutas dos homens é que ditarão esse destino. Uma grande tragédia ainda não
está descartada. Existem bombas que foram inventadas pelos homens que são de
destruição em massa. O que foi clamado por nossa Guardiã Mor foi a prática do
bem incondicionalmente. Com esta guerra percebemos que o ódio ainda está
presente nos corações humanos.
- E a única forma de mudarmos o destino desse pobre Planeta Terra é
extirpando o ódio desses corações e implantando o amor universal –
complementou Mestre Jonas – Eis a importância do trabalho celestial. Os
ensinamentos da nossa Guardiã Mor nos falam que não podemos mensurar
qualquer sacrifício ao próximo. A prática do bem tem que ser incondicional.

284
Carlos Eduardo Milito

- Isso mesmo, Mestre Jonas. Então vejam nossa missão: Temos que fazer o
mundo sair desse cenário de Guerra para depois cultivarmos todos esses
conceitos de fraternidade para os terrestres. E voltando a falar do terceiro
segredo, podemos ainda com nossas intervenções influenciar o homem para que
Planeta Terra não sofra graves conseqüências pela ignorância de uma minoria.
- Continuemos a trabalhar então, Mestre Zeus – disse Mestre Jonas – Nós e
todos os nossos súditos para o bem do Planeta Terra.
Os Governadores continuavam a dialogar e comentavam as próximas ações
em missões de auxílio dos campos europeus em função da guerra. Haveria ainda
muito trabalho pela frente.

285
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 81

“Polônia” – 7 de Dezembro de 1.941

A guerra que assolava a Europa já havia completado dois anos e durante todo
esse período, as expedições das moradas celestiais eram freqüentes nas frentes
de batalha. Lucas era o líder de um dos grupos de Mestre Jonas e juntamente
com Paulo Ribeiro, estavam sempre em trabalho ativo.
Na manhã daquele domingo, a missão era a oitenta quilômetros na cidade
polonesa de Lodz. O local era conhecido como Chelmno, uma região muito bonita
cercada por florestas e rios. Ali seria utilizado como um dos campos de
concentração para o extermínio sistemático de pessoas.
Ao chegar aos arredores daquele lugar, Lucas explicou aos seus comandados:
- Meus queridos. É com muita tristeza que venho comunicar que a partir de
hoje temos uma das mais árduas missões nessa guerra. Durante décadas
algumas mentes humanas residentes aqui na Europa vêm cultivando o Anti-
Semitismo. Os líderes desta guerra estão decidindo exterminar todos os Judeus
que residem neste continente.
Lucas, que estava comandando um grupo de dez pessoas, observou a
fisionomia de todos para depois prosseguir.
- Nosso objetivo então será dar todo o apoio as pessoas que perderem a
roupagem carnal tão logo isso ocorra. Observem estas centenas de seres
terrestres. Este grupo já foi dividido daqueles que serão utilizados como escravos
em fabricas e empresas industriais nas proximidades daqui. Vejam que aqui estão
os considerados mais fracos incluindo mulheres e crianças. Daqui há alguns
instantes eles serão levados para a câmara de gás.
Todos os comandados de Lucas mostraram uma expressão de muita tristeza
ao ouvir aquelas palavras, porém continuaram atentamente a ouvir o líder daquele
trabalho.
- Vejam vocês que há centenas de grupos astrais como os nossos aqui
presentes. São grupos de diversas moradas celestiais que darão toda a
sustentação a este lamentável episódio da história. Estes grupos de luz agirão
como nós, fazendo o trabalho de recepção destes nossos irmãos sofredores. Mas
observem também que aqui há grupos de regiões cinzentas do universo que se
alimentam dessas tragédias da guerra. Estes irmãos sofredores não conseguem
nos enxergar e terão como cenário apenas as coisas materiais encontradas por
aqui e tudo que daqui restar tal como os corpos sem vida que forem deixados por
este campo de concentração.

286
Carlos Eduardo Milito

Enquanto isso não muito distante dali estava um grupo dos Transeuntes das
Trevas comandado por Zé Trovão. Um dos seus integrantes era Ernesto que ouvia
as explicações de seu líder.
- Como vocês já sabem este aqui é o cenário ideal para buscarmos os
nossos alimentos. Vejam vocês que estes dois anos foram magníficos aqui na
Europa. Esta guerra não terminará tão cedo, então teremos algum tempo ainda
para nos deliciarmos.
Apesar de Joel pertencer a essa mesma comunidade, ele estava em outro
grupo que era liderado por Magrão, pois ele evitava trocar palavras com Ernesto.
Magrão por sua vez explicou ao seu grupo:
- Prontos para se divertir? Daqui a pouco começará o espetáculo. Aproveitem
bastante, que onde há extermino em massa é de onde tiramos maior quantidade
de alimentos para nós. Isto aqui é como um banquete.
Adelaide e Angelina que acompanhavam seus filhos encaravam aquilo com
muita tristeza. Os dois ainda viviam em zonas de baixa freqüência e com aquela
guerra, todas essas regiões obscuras pareciam que ganhavam mais força. Aquilo
tudo que acontecia na Europa era como um combustível para esses grupos.
Angelina observava o seu filho Joel no grupo liderado por Zé Trovão e notava
que o seu semblante não era de alguém que estava completamente feliz com
aquilo tudo. Ela então chegou próximo a ele encostando as suas duas mãos sob a
sua cabeça e disse:
- Joel meu filho. Como eu gostaria que você me percebesse. Estou há muitos
anos de tempo em tempo intervindo por você. Arranque esse ódio do seu coração
e siga um caminho de luz. Você já saiu de freqüências ainda piores quando viveu
por anos naquele mar de fogo. Para que se alimentar de desgraças humanas?
Para que?
Conforme a cena do extermínio ia avançando onde pessoas inocentes eram
levadas nuas para as câmaras de gás e sendo cruelmente executadas Joel
começou a chorar. Foi tomado por um desespero nunca sentido desde quando
chegou ao mundo astral. Entre muitas lágrimas e soluções ele rezava:
- Isto tudo não é possível. Eu não agüento mais ver tanto sofrimento assim.
Meu Deus vem me ajudar. Tem que existir alguma força superior neste Universo.
Estou sofrendo muito meu Deus! Por que ainda tenho que sofrer? Já vivi anos no
inferno e agora ainda continuo sofrendo. Mãe! Eu quero ajuda mãe! Venha me
buscar!
Angelina se emocionou. Em todos aqueles anos Joel nunca havia mencionado
o seu nome ou de outra pessoa que ele tinha vivido na Terra. Ele estava
sensibilizado por tudo aquilo e parecia que abria seu coração. De repente Joel

287
As Moradas e os Segredos de Maria

começou a ver na sua frente uma névoa branca que pouco a pouco foi ganhando
densidade até surgir a imagem de Angelina na sua frente. Joel caiu em prantos e
abraçou forte a sua mãe. Entre soluços e lágrimas falou:
- Mãe. A senhora me ouviu?
- Eu nunca te abandonei Joel. Eu sempre estive do seu lado tentando te
fazer despertar. Chegou o momento de você me perceber.
- Perdi a noção do tempo. Posso dizer que tenho sofrido muito por todos
esses anos. Sinto-me cansado minha mãe.
- Joel venha comigo. Eu te levarei para um lugar onde você possa se
recuperar. Você tem muitas lesões na sua roupagem astral. É chegada a hora de
você conhecer os caminhos da luz.
- Então existe mesmo Deus, minha mãe?
- Lógico que sim. Mas para compreendê-lo é necessário muito trabalho para
que então atinjamos um nível de evolução que permita esse atributo a nossa
mente. Se vier comigo poderei te ajudar muito meu querido.
- Mas e meu grupo? Irei sem avisar Magrão? E os outros?
- Cada um tem o seu momento de despertar. Essa comunidade de baixas
freqüências te prendeu a ela por laços invisíveis que acabaram de se desfazer.
Você estava preso a eles assim como esteve preso ao Mestre Lúcifer há alguns
anos atrás. Preocupe-se agora em ir embora que eles não conseguem nem nos
enxergar como comunidade astral. Por exemplo, você consegue me ver agora,
pois acabou de entrar na minha sintonia de pensamentos. Eles diferentemente
nem percebem minha presença e assim que eu te envolver para te levar daqui não
perceberão a sua presença também.
Joel ficou pensativo observando sua mãe quando ela disse.
- Venha meu querido. Vamos sair deste lugar com energias tão pesadas. Há
grupos de diversas moradas de luz trabalhando por aqui. Infelizmente não
podemos fazer nada pela comunidade a qual você pertencia. Todos terão o seu
momento certo para o despertar. Não se apegue mais a eles. Saia dessa sintonia
meu querido.
- Está bem, minha mãe. Rogo para que me leve embora.
Ao final daquele dia de extermínio, todos os grupos das moradas de luz que
deram sustentação àquele trabalho levaram as criaturas que acabaram de perder
sua roupagem carnal em diversos setores em moradas circundadas pelo Sol que
ilumina a Terra.
Naquela noite, já na Morada Universo Solar, Angelina e Adelaide conversavam
nos arredores do Centro de Recuperação do Palácio da Cura.

288
Carlos Eduardo Milito

- Minha querida Adelaide, conseguimos avançar mais um degrau não é


mesmo? Joel está sob cuidados no Centro de Recuperação
- Louvado seja o grande Criador do Universo.
- Agora resta o Ernesto não é mesmo?
- Meu filho ficou por último, mas nada é por acaso nesta vida. Ernesto
necessita um pouco mais desse sofrimento todo apesar das nossas intervenções.
Creio que ele precisa ainda passar por essas provações.
- Continuaremos nossas intercessões por ele não é mesmo?
- Logicamente que sim. Assim como amolecemos o coração de Marcos e
agora o de Joel, conseguiremos também fazer isso ele. É questão de pouco tempo
agora.
- Que assim seja Adelaide. Que assim seja!
Lucas havia agradecido a todos os seus comandados pelo trabalho realizado
naquele dia. Assim que eles tinham saído daquele campo de concentração na
Polônia de volta a Morada Universo Solar eles trouxeram dois novos seres
desprovidos de roupagem carnal que habitariam aquele lugar. Cada grupo astral
de cada Morada identificava as criaturas que perdiam a roupagem carnal de
acordo com sua freqüência, fazendo todo um trabalho inicial para o recebimento
destes seres, tal como primeiros socorros. Assim estes seres eram encaminhados
para diferentes Moradas Celestiais.

289
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 82

“Vale das Senzalas” – 8 de Dezembro de 1.941

Clarice despertava na manhã daquela segunda-feira imaginando que teria pela


frente mais um dia de trabalho. Passava de dois anos que ela havia chegado
naquele lugar. O tempo foi fazendo vencê-la o preconceito que cultivou por quase
durante uma vida na sua última existência terrestre. Por esses mais de vinte e
cinco meses ela fez vários trabalhados em cidades da África com seres providos
de roupagem carnal que necessitavam todo o tipo de apoio astral. Ela havia se
deparado com a fome e com a miséria. Acompanhou casos terminais de
subnutrição de mulheres e crianças e pode perceber que por de traz uma simples
roupagem carnal havia uma essência tal como a sua. Carregava no seu íntimo o
remorso por ter rejeitado sua filha.
Naquele instante entraram no seu quarto o seu mestre, o Sr. Alceu
acompanhado por Dona Benedita:
- Bom dia Clarice. Tem uma pessoa que veio te visitar e tem novidades para
você.
- Bom dia Mestre Alceu – respondeu Clarice com um ar surpreso.
- Você deve se lembrar desta ilustre senhora. Esta aqui é a Dona Benedita
que você pôde conhecer na Terra.
- Lógico que lembro, sim. Meu Deus. Não tenho nem palavras!
- Como vai Clarice? – disse Dona Benedita.
- Estou bem. Olhando para senhora agora me vem em mente nosso último
encontro quando vivíamos na Terra.
- Eu seu Clarice, e não estou aqui para reavivar suas antigas feridas. Vim
para tentar te ajudar ainda mais. Tente agora esquecer aquela conversa e
entender a grandeza deste momento. Você está há dois anos vivendo nesta
pequena Morada de Luz que atua em nobres missões no continente africano e a
partir de agora viverá uma nova fase da sua vida Celestial.
- Perdoe-me por tudo Dona Benedita. Não posso fazer o mesmo com minha
filha Clara, pois ela vive na Terra e ainda não consigo me comunicar com ela.
- Não precisa pedir perdão para mim. Você não tinha como saber a grandeza
da vida maior quando ficou enfurecida naquele dia. Estou aqui minha querida,
para lhe comunicar que nossa Morada convida você para ser uma das nossas
aprendizes. Atuo em um segmento denominado Palácio da Educação da minha
morada que tem por objetivo reciclar e ensinar as pessoas no caminho do
aprendizado divino.

290
Carlos Eduardo Milito

- Meu Deus. Será que sou digna disso?


- Logicamente que sim. Saiba que Mestre Alceu a elogiou muito para meu
Governador. Nesses mais de dois anos você trabalhou com presteza e
reaprendeu o significado da palavra amor. Você renunciou a muitas coisas em
favor de outros irmãos.
- Estou comovida com suas palavras, Dona Benedita. Obrigado.
- Não agradeça. Isso que você terá pela frente agora será o primeiro passo
para você voltar a Terra em uma nova missão carnal. O seu intervalo celestial será
pequeno. Você terá a grande chance de redenção renascendo como neta de sua
filha Clara, pois assim dará muita alegria a ela. Veja só Clarice: Hoje Clara está
com quarenta e um anos e possui dois filhos adultos. Augusto está com vinte e
quatro anos e Ângela com vinte e um. Em breve Augusto se casará e você terá ele
como pai. Você renascerá em uma família equilibrada que vem praticando
caridades. Felizmente a semente que deixei na Terra foi cultivada por todos eles.
Diferentemente da sua última existência, você terá uma vida sem riquezas
materiais. Sua filha Clara renunciou a qualquer ajuda de Emília e continua vivendo
em condições bem simples. Do ponto de vista astral isto é um motivo a mais para
você buscar sua evolução. Se você aceitar isso de coração aberto estará dando
largos passos nessa caminhada rumo à divindade.
- Estou surpresa com tanta informações Dona Benedita, mas pela alegria que
Clara terá por ter-me novamente na sua família estou disposta a isso.
- Muito bem, Clarice. Estou vendo que esses dois anos de renúncia a fez
mudar bastante.
- Sim Dona Benedita. E o meu arrependimento por ter deserdado Clara do
testamento é imensurável. No meu íntimo eu sei que tenho que pagar por isso. Eu
não me importo em nascer pobre.
- Suas dificuldades matérias serão superadas assim como foram superadas
as dificuldades dos seus netos que hoje já são adultos.
- E como eles estão? Eu nem os conheço.
- Eles estão muito bem. São seres de muita luz. Seu neto mais velho antes
de regressar a essa vida era um ilustre ser da morada onde vivo e sua neta
Ângela também vivia em zona de nobres freqüências.
- Quanto remorso meu Deus! Quantas coisas eu fiz de errado na minha vida
terrestre.
- Não se torture. Nada como a eternidade da vida e pluralidade das
existências para desfazer qualquer erro passado.

291
As Moradas e os Segredos de Maria

- Estou aprendendo muitas coisas Dona Benedita. Eu era freqüentadora


assídua da minha igreja e na verdade não entendia muitas coisas. Agora estou
começando a ter outra visão de tudo.
- Ótimo, Clarice. Durante os próximos meses você irá lapidar ainda mais sua
visão sobre as coisas. Terá o preparo adequado para retornar ao mundo carnal e
terá uma missão de resgate. Tenho que lhe dizer que você sofrerá quando tiver lá
todo o preconceito que você cultivou. Seus netos são mulatos mas os dois se
casarão com pessoas da raça negra então você nascerá praticamente negra.
- Quando comecei a tomar consciência dos meus erros passados eu imaginei
que isso pudesse acontecer. Sinceramente eu não me importo.
- É bom que você esteja aceitando tudo isso de coração aberto, Clarice.
Vamos então partir ainda hoje para minha morada, onde você viverá em uma linda
vila muito próxima a uma das escolas onde diariamente você juntamente com
outros seres em condições similares a sua terão valiosas aulas.
Naquele mesmo dia Clarice se despediu de todos os seus amigos do Vale das
Senzalas prometendo voltar a visitá-los pela eternidade. Dona Benedita então deu
um forte abraço em Alceu e partiu com Clarice para a Morada Universo Solar.

292
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 83

“São Paulo” – 13 de Dezembro de 1.941

Laerte havia conhecido Lúcio por indicação dos diretores do Banco quando
decidiu contratar um escritório de advocacia somente para tratar de assuntos
trabalhistas. Em pouco tempo tornaram-se amigos até que naquele Sábado Laerte
fez questão de convidá-lo juntamente com toda sua família para um jantar na
mansão da Av.Paulista.
Assim que se conheceram Júlio e Beatriz ficaram deslumbrados um com o
outro. Ele agora tinha vinte e três anos e era o braço direito do seu pai nos
negócios da família. Já Beatriz era a filha mais velha de Lúcio e havia completado
dezoito anos em meados daquele ano. Todas as filhas de Lúcio e Márcia tinham
uma beleza toda especial, mas Beatriz era a que chamava mais a atenção. Dona
de um olhar meigo e de traços bem definidos conquistou o coração de Júlio.
Durante aquela agradável noite, Júlio apesar de ter se encantado mais com
Beatriz, tratou também as outras duas bonitas moças da mesma forma: Com
muita educação e com muito carinho tentando não demonstrar sua preferência por
Beatriz. As pessoas mais velhas que ali estavam, tal como Lúcio, Márcia, Laerte e
Emília conversavam alegremente na sala de visitas enquanto Júlio mostrava para
as belas moças suas coleções de livros na Biblioteca.
O que acabava de acontecer agora sem que ninguém soubesse era o
reencontro de Plínio e Olga. Plínio agora vivendo como Júlio havia se encantado
com Olga, agora como Beatriz. Aquilo seria somente o começo de uma linda
estória de amor.

/ / /

Se Emília parecia que já estava encaminhando o seu filho Júlio para um futuro
matrimônio, o mesmo ocorria com sua irmã Clara onde seus dois filhos também
namoravam sério. Augusto namorava Soraya que era menina de origem bem
humilde e trabalhava na cidade de Jundiaí enquanto Ângela namorava com
Jurandir que trabalhava na fazenda de Júnior. Da mesma forma que o primo
abastado, o casal de irmãos também já estava na idade adulta e desejava que a
família aumentasse.

/ / /

293
As Moradas e os Segredos de Maria

Leandro morava sozinho com sua mãe que já passava dos setenta anos de
idade e sempre requeria maiores cuidados. Dona Lourdes depois que ficou viúva
via sua saúde ainda mais debilitada. A presteza do seu filho caçula dava a ela um
conforto que a motivava a viver.
Lucas por vez ou outra, sempre acompanhado por Dona Dora fazia visitas ao
seu irmão e sua mãe. Quando isso acontecia Lourdes e Leandro
inconscientemente sentiam um grande bem estar.

/ / /

Naquela noite após o jantar na casa de Emília e Laerte seu filho Júlio
conversava com o pai.
- Pai, eu não poderia imaginar que Dr.Lúcio que presta serviços para nós
tinha filhas tão bonitas.
- É verdade Júlio. Mas pelo que notei,você se encantou mesmo foi por
Beatriz, não é verdade?
- Não nego pai que ela balançou meu coração. Apesar de ter somente
dezoito anos mostrou-se com muita maturidade. Conversamos vários assuntos. As
três moças foram muito cordatas e de boa conversa.
- Fico feliz meu filho. Você está com vinte e três anos, já tem muitas
responsabilidades e o dia em que pretender se casar conseguirá manter sua
família.
- Vamos deixar o tempo dizer isso meu Pai.

/ / /

Da mesma forma, ao chegarem em casa as três irmãs conversavam sobre o


rapaz abastado:
- Bianca. Eu achei o Júlio uma graça – murmurou Beatriz para sua irmã.
- É um rapaz muito educado e bonito também. Ele tratou nós três muito bem,
mas deu para perceber que com você parece que havia um brilho especial nos
olhos dele.
- Também achei isso. Mas acho que também não consegui esconder minha
admiração por ele e com certeza ele deve ter notado isso.
- Acho que isso vai terminar em casamento – disse Bárbara
espontaneamente.

294
Carlos Eduardo Milito

- Calma, minhas irmãs – disse Beatriz – Júlio é muito inteligente, bonito,


atencioso e parece que demonstrou sim algum interesse por mim, mas ainda é
cedo para vocês pensarem nisso.
- Que nada Beatriz – disse Bianca – Se eu fosse você já me abria com a
mamãe e contava a ela que você tem interesse no rapaz. Claro que ela não iria se
opor a isso.
- Vou contar para mamãe amanhã mesmo, mas quero ir devagar com esse
assunto. Acho que as famílias já se conhecem então isso já é uma facilidade.
No dia seguinte pela manhã estavam na mesa do café da manhã as três irmãs
além de Lúcio e Márcia. Beatriz logo se abriu dizendo que todos na família de Júlio
eram ótimos e o rapaz a encantou. A reação dos pais dela foi positiva e Lúcio
aproveitou o momento para fazer uma brincadeira:
- Olha lá hein minha filha. Sou muito amigo do Laerte e veja lá o que você vai
fazer com o filho dele. Não iluda o rapaz hein?
- Imagina papai! Gostei dele sim. O que eu lhe peço é que retribua o jantar
de ontem convidando a todos para vir aqui.
- Lógico que sim! Eu já havia pensado nisso mesmo antes de eu saber dos
seus intentos.
Após algumas semanas, após as festas de final de ano Lúcio e Márcia
retribuíram gentilmente o jantar. Não demorava mais do que dois meses para Júlio
e Beatriz começassem a namorar. As famílias aprovavam o relacionamento em
pouco tempo eles noivaram e marcaram o casamento para Maio de 1.942. Os
laços de Plínio e Olga estavam só recomeçando nessa nova vida.

295
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 84

“Morada Universo Solar” – 14 de Março de 1.942

Na manhã daquele sábado após a palestra semanal de Mestre Jonas


Albuquerque foi encontrar Clarice, a sua esposa da sua última existência na Terra:
- Olá Clarice. Fiquei sabendo que você chegou na nossa morada há três
meses e está aqui como aprendiz do Palácio da Educação.
- Marcos! Quanto tempo! Eu já havia perguntado de você para Dona
Benedita e ela havia me dito que você tem trabalhado muito no Palácio da Cura.
Quantas saudades meu querido.
- Eu também! Tive notícias suas quando você deixou sua roupagem carnal
há pouco mais de dois anos.
- Eu imagino. Estou me reciclando agora. Ainda não resgatei minhas
memórias além deste intervalo celestial e da minha última vida na Terra, mas pude
compreender que nossa ligação era mais como irmãos do que marido e mulher.
- Isso mesmo, Clarice. Fomos marido e mulher nessa última existência
diferentemente de outras onde vivemos como irmãos.
- Quantas coisas que nós aprendemos depois da nossa vida na Terra. Ainda
somos uma gotinha d`água no perto do oceano da divindade.
- Com certeza minha querida. Você já sabe que em breve votarei a Terra?
- Estou sabendo sim. Eu também. Acho que voltaremos na mesma época.
- É bem provável. Seremos primos dessa vez, pois nascerei como filho de
Júlio e Beatriz que na verdade foram Olga e Plínio no passado.
- Meu Deus, Eu não sabia disso! Como as coisas são bem feitas na vida
celestial, não é mesmo?
- É verdade! Desta vez creio que minha mãe sobreviverá ao parto – disse
Albuquerque sorrindo – Então eu a conhecerei na Terra.
- Então nos veremos mais algumas vezes por aqui até nos despedirmos, não
é mesmo Marcos.
- Sim, e quando chegar o momento, falaremos como nossos amigos que
daqui partem: Até a eternidade!

/ / /

Joel havia sido resgatado há mais de três meses e ainda estava em estado
latente. Ele dormia do Centro de Recuperação do Palácio da Cura e estava sob
cuidados de Fabrício. Albuquerque que se encontrava equilibrado e estava prestes

296
Carlos Eduardo Milito

a voltar para Terra havia sido poupado dessa notícia. Para ele, Joel ainda estaria
sob influência dos Transeuntes das Trevas. Por vez ou outra Joel acordava, sentia
algum mal estar e voltava a adormecer. Todos os anos de estadia no Vale do
Horror bem como outros tantos anos de convivência no Vale das Trevas o deixou
com várias lesões na sua roupagem astral. Angelina conversava com Fabrício.
- E o meu filho. Como vai a recuperação dele?
- É preciso ter paciência Angelina. Creio que mais alguns meses ele poderá
caminhar pelas cercanias do nosso Centro de Recuperação e aos poucos ficará
bom.
- Que intervalo celestial penoso, não é Fabrício.
- Minha querida, sabemos que ele é que provocou tudo isso. Poderia ainda
ser pior. Veja só você os nossos irmãos que lutam no Centro de Regeneração que
é ainda mais penoso do que este.
- É verdade! Vamos vibrar para que Joel melhore o quanto antes.
- Sim, com certeza. Além de tudo ele terá que voltar a Terra no final do ano
que vem.
- Eu sei. Minha amiga Olga, hoje como Beatriz o receberá como segundo
filho já que Marcos irá partir em dois meses.
- Que missão bonita que nossa amiga Olga terá. Tenho boas recordações
dela quando esteve aqui conosco.
- Teremos ainda a eternidade pela frente para reencontrá-la pelos intervalos
celestiais.
- Isso mesmo Angelina. Que assim seja.

297
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 85

“Morada Universo Solar” – 15 de Março de 1.942

A pedido de Mestre Jonas, Lucas, Dona Dora e Afonso tinham uma missão
especial naquele dia. Eles iriam receber Dona Lourdes que seria a próxima
habitante daquela Morada. Ela ira então naquele Domingo deixar sua roupagem
carnal. Nos últimos meses ela já vinha com a saúde muito debilitada e seu filho
Leandro ficava muito atento a tudo. Chegava então o momento dela partir.
Logo pela manhã, ela foi levada pelo filho na Santa Casa de Misericórdia, pois
estava se sentindo fraca e com falta de ar. Ela então foi internada para exames de
rotina e na própria enfermaria do hospital veio a falecer. Leandro chorava muito,
no entanto arrumou forças para avisar a todos os familiares sobre o ocorrido.
Enquanto isso, os seres astrais ali presentes agiam. Lucas retirou a roupagem
astral que estava junto ao já falecido corpo de Lourdes. Ele a tomou
carinhosamente puxando-a com suas duas mãos. Dona Dora e Afonso apenas
observavam a cena. Lourdes mostrava sua roupagem astral com um olhar perdido
como se estivesse hipnotizada. Os quatro então saíram daquele cenário e
seguiram para a Morada Universo Solar. Lourdes ficaria descansando alguns dias
em uma das vilas do Palácio da Sustentação.
Após acomodarem Lourdes em seu leito em uma das casas da mesma vila
onde Afonso vivia, Lucas conversava com seu Pai:
- Agora mamãe deverá dormir alguns dias para depois despertar.
- Que bom meu filho que ela teve melhor destino que o meu. Para chegar
aqui fiquei vagando junto aos perambulantes terrestres por algum tempo.
- Cada um dos seres terrestres que por aqui chegam, tem um destino
diferente meu pai. Para alguns há percalços maiores e para outros nem tanto.
Com algumas exceções, tudo é fruto do que foi cultivado na última existência na
Terra. Creio que mamãe apesar de não ter seguido fielmente os conselhos de
vovó, teve uma missão terrestre exemplar nos criando com muito amor e sempre
pregando a fraternidade. Dessa forma foi reservado para ela um caminho de luz
nesse início de intervalo celestial. Mais alguns dias ela despertará, e então
Madalena será designada a dar ela as primeiras palavras, assim como fez comigo
há muitos anos atrás quando aqui cheguei.
- Muito interessante, meu filho. E por que não um de nós para a recebermos?
- É mais adequado no caso dela manter a sua roupagem astral em perfeito
equilíbrio e parar isso, é importante evitar fortes emoções ligadas a última vida
dela lá na Terra. Veja você que nossa recepção já foi feita, porém ela não nos

298
Carlos Eduardo Milito

percebeu, pois estava em estado latente, como alguém que está hipnotizado. Ela
não nos viu, porém sentiu nosso carinho, mesmo nesse estado.
- E você meu filho? Como foi sua chegada aqui?
- Como eu já disse, não há uma regra para a chegada do mundo carnal. No
meu caso, pela forma brusca de como eu perdi a roupagem carnal eu continuava
consciente como se nada tivesse acontecido e assim eu nem percebia a transição.
Logicamente então, não havia nenhum familiar que eu já soubesse que não vivia
mais na Terra para não mexer com minhas emoções de imediato. Fui recebido por
Madalena, Mestre Jonas e Antero que hoje vive como Augusto, filho de Clara e
Genésio. Depois que cheguei aqui, adormeci por alguns dias para depois tomar
conhecimento das coisas.
- Interessante meu filho. Então esperemos que sua mãe tenha um bom
despertar por aqui.
- Isso com certeza acontecerá, meu Pai.

/ / /

Foi com muita tristeza que os familiares e amigos de Dona Lourdes


acompanharam os funerais da manhã da segunda-feira. Após aquela cerimônia
Beatriz consolava o seu noivo Júlio, neto de Dona Lourdes.
- Sua avó despertará em um mundo melhor do que o nosso Júlio. Não fique
triste. Ela parou de sofrer.
- Beatriz minha querida. Que bom que você tem esses pensamentos
espiritualistas. Também acho que há algo mais além de tudo que vemos por aqui.
- Nossa fé nos conforta Júlio. E o tempo ajuda a cicatrizar as feridas da
perda.
- Sim, o tempo é o melhor remédio – disse Júlio com um leve sorriso – O que
me preocupa é o Tio Leandro que deu sua juventude pelos meus avôs. Meu pai
não quer que ele fique sozinho. Vai insistir para que ele more conosco.
- Que bom, Júlio. Tomara que ele aceite isso.
- Se depender da nossa vontade, ele virá morar conosco com todo o prazer,
afinal aquele casarão que moro acomoda muitas pessoas.
- E por falar nisso Júlio, você acha que não deveríamos pensar em ter nosso
canto após nosso casamento para não incomodar seus pais.
- Só se você fizer questão meu amor. Por eles moraríamos lá com certeza.
Minha mãe e meu pai acham essa idéia muito boa. Você sabia que quando eles
se casaram minha avó Clarice era dona daquela casa e ela também fez questão
que meus pais morassem lá?

299
As Moradas e os Segredos de Maria

- Você já me falou isso Júlio. Mas sinceramente, fico meio preocupada em


melindrar as pessoas. Cada um tem seus hábitos e então não sei.
- Fique tranqüila, Beatriz. Temos muitos empregados, e vários cômodos. O
que será nosso é bem espaçoso e você decide como melhor decorá-lo. Ainda
temos tempo para isso.
- Está bem Júlio. Vou tirar essas bobagens da cabeça e aceitar de coração
aberto o fato de morar lá. Afinal, seus pais são ótimos, parece que Dona Emília
me adora e temos tudo para sermos felizes, meu amor.
- É assim que se fala querida! Além do mais temos também a fazenda em
Jundiaí com toda a estrutura que podemos ir e vir quando desejarmos.
- Júlio meu amor! Você é maravilhoso. Por vezes eu tenho a sensação de
que te conheço há tantos anos.
- Interessante, Beatriz! Eu poderia dizer o mesmo. Nós nos conhecemos há
três meses, nos apaixonamos, noivamos e vamos casar em breve, mas meu
sentimento é que tudo que estou vivendo é muito mais duradouro.
No final daquele dia todos tomaram o seu rumo e Laerte fez questão que seu
irmão Leandro não ficasse sozinho na sua casa. Insistiu muito para que ele ficasse
na sua casa na Av.Paulista, mas ele negou. Em um futuro próximo, no entanto, ele
moraria com o irmão e o restante da família.

300
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 86

“São Paulo” – 09 de Maio de 1.942

A tarde daquele sábado foi marcante para as pessoas da alta sociedade da


capital paulistana. Júlio Albuquerque Silveira, o todo poderoso herdeiro dos
negócios da família estaria casando-se naquele dia com a jovem Beatriz, O
casamento com muita pompa seria realizado às dezenove horas e depois haveria
um jantar em alto estilo para todas as pessoas importantes que ali estavam.
Mesmo com muita insistência de Emília, os familiares de Clara decidiram não
comparecer a cerimônia por desconfiarem que enfrentariam muito preconceito por
parte de algumas das pessoas. Todos eles decidiram, no entanto, fazerem uma
prece na hora da cerimônia religiosa pedindo aos céus a bênção pelo matrimônio.
A cerimônia religiosa estava belíssima com todos os detalhes de músicas,
decoração e os demais pormenores daquela igreja em total contraste. Márcia, a
mãe da noiva havia juntamente com sua filha, cuidado de tudo com todo o carinho.
Da mesma forma que a Igreja, o bom gosto também na escolha de tudo também
foi em relação ao Buffet que recebia naquela noite mais de trezentos convidados
para um finíssimo jantar. Tudo havia transcorrido muito bem naquela noite
soberba, e enfim Júlio e Beatriz estavam casados.

/ / /

O astral estava em festa, pois duas almas gêmeas haviam se unido novamente
em um mundo carnal. Na hora da bênção do Padre no altar, havia um grande
número de habitantes da Morada Universo Solar. As amigas de Olga, agora
Beatriz estavam lá presentes: Angelina e Adelaide com um semblante de muita
felicidade. Também estavam presentes, Afonso, Dona Dora e Lucas que faziam
parte da família de Laerte, pai do noivo. Já da família de Emília, mãe do noivo
estava lá presente somente Albuquerque que teve permissão especial para esse
evento, pois ele regressaria em breve para a Terra justamente como filho daquele
casal que ali estava. Por determinação do Mestre Sócrates, seu governador,
Clarice ainda não poderia passar por tais emoções então não foi a terra. Já da
família de Márcia, mãe da noiva, Joel ainda continuava em estado semi latente no
Palácio da Cura e então desconhecia tudo que ocorria na terra com seus
descendentes.
Dona Lourdes que também fazia parte dos ascendentes de Júlio ainda não
podia excursionar por muito longe de onde ela estava, pois ainda não havia

301
As Moradas e os Segredos de Maria

alcançado o equilíbrio necessário para isso. Sua chegada ao astral era muito
recente.
O motivo de alegria dos ascendentes dos noivos era por que aquele
casamento se tratava da união de duas almas que já haviam ficado juntas por
outras vezes durante a eternidade e isso não era sempre que acontecia com
descentes diretos.
Marcos Albuquerque aproveitou ainda aqueles momentos para ver e rever
seus pais. O que iria acontecer com ele era algo especial. Ele seria filho dos
mesmos pais que lhe conceberam no século anterior. Só que agora ele iria viver
uma nova vida. Depois de muito sofrimento nesse intervalo celestial, ele enfim
parecia haver encontrado o caminho de luz e a coroação daquela nova fase que
ele estava vivendo foi vislumbrar seus pais casando nessa nova vida. Ele se
emocionou ao ver a troca das alianças e observava os gestos de Júlio, seu olhar,
seus sorrisos e por de traz de tudo aquilo, ele concluía que semelhança era
notável. Plínio o seu pai estava ali diante dele e aquilo o sensibilizava ainda mais e
dava a certeza a ele o grande Arquiteto do Universo era bom por dar a eles uma
nova chance de reencontro.

/ / /

Os filhos de Clara também tinham planos de se casar. Augusto casaria ainda


em meados daquele mesmo ano com Soraya, e sua irmã Ângela casaria em no
máximo um ano com Jurandir. Só que diferentemente do primo abastado, os dois
irmãos planejavam tudo com muita simplicidade. Augusto que seria o primeiro a se
casar iria morar na casa que era de sua avó Benedita e ficava ao lado da casa dos
seus pais, e Ângela moraria na fazenda onde seu noivo já trabalhava, pois o
patrão de seu futuro marido tinha planos para que ela trabalhasse em sua casa
assim que casasse.

302
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 87

“São Paulo” – 10 de Julho de 1.942

Marcos Albuquerque foi chamado diretamente por Mestre Klaus, o governador


do Palácio da Transformação, para ser avisado que naquela noite partiria de volta
a Terra em uma nova missão carnal.
- É chegada a hora, Marcos. Vim te buscar para começarmos o processo de
miniaturização. Hoje você volta a Terra. Vou te encaminhar a Dona Dora no
Centro de Transformação. Está preparado então?
- Depois de tanto sofrer nesse intervalo celestial, creio que estou pronto,
Mestre Klaus.
- Que interessante! As pessoas aceitam e se mostram todas sorridentes para
mim, mas a impressão que eu tenho é de que nunca estão prontas de fato. O ato
do renascimento é um tanto quanto penoso. A memória é preservada, as pessoas
começam tudo de novo da estaca zero, e somente com o passar dos anos
acostumam. Você por acaso viu algum recém nascido rindo ao invés de chorar? –
brincou o espirituoso Mestre Klaus.
- É verdade – falou Albuquerque entre gargalhadas – Mas estou pronto, sim.
O fato de eu ter sofrido tanto nas mãos daquela comunidade de baixas
freqüências me faz ver que esse momento agora é grandioso.
- É grandioso e você tem que aproveitar essa oportunidade. Sua memória
será temporariamente apagada, no entanto, sua índole, sua bagagem de vida,
suas aptidões, e suas habilidades permanecem. E você poderá usufruir disso
tudo. Assim, você terá que praticar o bem, ser um bom filho para seus pais, e um
bom menino para seus futuros irmãos que virão no futuro. Não leve para lá suas
magoas do passado.
- Garanto Mestre Klaus, que não há mais mágoas. Há indiferença pela forma
que cheguei aqui. Creio que consegui tirar todo o ódio por aqueles que
ocasionaram minha volta prematura a este mundo.
- Tomara que você esteja falando isso de coração, meu filho, pois caso
contrário, estaria enganando a si próprio. Mas esta missão carnal irá purificar
ainda mais a sua alma. Aproveite então esse momento e seja bem-vindo
novamente à família Albuquerque, de onde você veio.
- Isso é maravilhoso Mestre Klaus. Pude perceber no casamento dos meus
pais a alegria deles. Acho que estou sendo abençoado.

303
As Moradas e os Segredos de Maria

- Está sim, e será cobrado por isso no seu próximo intervalo celestial. Por
isso, aceite todos os percalços que virão na sua nova vida. Pratique o bem
incondicionalmente, e ame a todos como se fossem seus filhos.
- Com certeza, Mestre Klaus. O sentimento que me acomete nesse instante é
muito difícil de eu explicar. Quando estamos na Terra amamos os filhos acima de
tudo e agora, deste lado da vida, pude observar que por um lado todos os meus
descendentes estão se encaminhando e vivendo felizes, e por outro lado eu serei
um motivo da felicidade deles, onde vejo uma das minhas próprias filhas além de
meu neto desejando que a família crença.
- São os laços eternos como bênção do nosso grande Arquiteto.
Mestre Klaus encaminhou Albuquerque aos cuidados de Dona Dora para que
começasse o trabalho de miniaturização. Ele teve naquele mesmo dia a
oportunidade de se despedir dos amigos e de Clarice para depois partir. Como a
maioria das pessoas falava quando voltava a Terra em novas missões carnais ele
também disse a famosa frase “Até a eternidade” para todos de quem havia se
despedido. Naquela madruga então, Júlio e Beatriz receberiam Albuquerque como
filho. Em poucos dias o casal saberia que teria o seu primeiro filho.

304
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 88

“Jundiaí” – 11 de Julho de 1.942

Foi com muita simplicidade que acontecia na tarde daquele sábado o


matrimônio de Augusto e Soraya. O rapaz de vinte e quatro anos era muito
perspicaz e trabalhava naquela região ajudando a comercializar todo o café que
era produzido nas imediações. Além disso, cuidava das pequenas terras que seu
pai Genésio havia comprado alguns anos atrás e também atuava como voluntário
em uma creche que ajudou a construir para crianças carentes.. Já Soraya era
ajudante de limpeza em uma indústria que acabava de ser inaugurada naquelas
imediações e se sentia muito orgulhosa com aquele trabalho.
Alguns espectadores astrais estavam na Igreja no momento da bênção do
Padre tal como Dona Benedita, Lucas e Dona Dora que ficaram muito felizes com
a união do casal. A surpresa por ali era a presença de Clarice, que obteve uma
permissão especial para estar ali entre os seres invisíveis. Ela foi acompanhada
por Dona Benedita que a amparou naquela missão especial. Muito emocionada
com toda aquela cena ela não se conteve e comentava com Dona Benedita:
- Meu Deus. Cultivei tanto preconceito e agora vejo os meus futuros pais
providos de roupagem carnal de uma raça diferente daquela que tive em minha
última experiência terrestre.
- Sua futura mãe é negra e seu futuro pai é mulato. Então você será
praticamente negra na sua próxima vida.
- Eu sei disso e tento ver com bons olhos, mas eu trabalhei dois anos com
muito afinco no intervalo celestial na Morada Zumbi dos Palmares com pessoas
assim, e achei que pudesse me redimir por tudo o que fiz.
- Eu sei minha querida, mas isso não foi suficiente! É somente pela
experiência carnal é que você conseguirá a total redenção.
- Agora eu sei o quanto eu errei. Meus sentimentos estão divididos porque
ainda não venci totalmente meus preconceitos, mas por outro lado, meu coração
pulsa de alegria em saber que darei a Clara minha filha a alegria de ter uma
primeira neta.
- Então procure fixar pensamento nas coisas boas. E entenda o principal que
é o seguinte: A roupagem astral também é provisória, pois a nossa essência é
divina. Olhe para mim agora. Eu estou mantendo para você a minha aparência da
minha última existência na Terra, onde eu era negra, pois então minha roupagem
astral é tal como era minha roupagem carnal. Eu poderia muito bem vestir outra
roupagem astral de uma existência ainda anterior onde minha raça foi igual a sua,

305
As Moradas e os Segredos de Maria

no entanto, prefiro manter-me assim. O que importa minha querida, é a essência.


Essa sim tem que ser mostrada. E isso se faz com atitude, com palavras e com
ação. Esqueça isso de raças. Tire o preconceito de você.
- Dona Benedita, como a senhora é sábia. Eu gostaria de ter sua visão do
mundo.
- Assim como eu, você tem condições de pensar assim. Aceite sua missão
carnal de coração aberto que tudo fluirá bem para você.
- Vou me esforçar para isso Dona Benedita. Eu prometo.
- Ótimo, minha filha. Você só tende a galgar bons degraus com isso.
Os espectadores astrais ainda continuaram naquele local por mais algum
tempo e depois calmamente retornariam às suas origens revestidos de muita
alegria e esperança.

306
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 89

“Jundiaí” – 13 de Outubro de 1.942

Naquele mesmo dia o mundo celestial comemorava os vinte e cinco anos da


última aparição de Maria. A dança do sol era lembrada pelos seres da Morada
Universo Solar. Lucas comentava com seus pais:
- Queridos pais. Eu presenciei aqui do mundo celestial a “dança do sol”
ocorrida em Portugal no ano de 1.917 e aquele evento foi o marco inicial para as
mudanças deste século.
- Nós não estávamos aqui – disse Lourdes – Ainda vivíamos lá na Terra, mas
me lembro que as notícias tardaram, mas chegaram ao Brasil.
- O assunto vai ganhando cada vez mais notoriedade por lá. Veja vocês que
faz seis meses, e houve uma grande peregrinação lá em Portugal para assinalar o
vigésimo quinto aniversário das aparições de Maria.
- Meu filho, uma coisa que eu não entendo é por que toda vez que vocês se
referem a Nossa Senhora de Fátima, vocês falam o nome de Maria? – perguntava
Afonso.
- Porque é a mesma pessoa meu pai. Creio que nem todos os nossos
amigos terrestres chegaram a essa conclusão. Talvez alguns a vejam como outra
pessoa, mas ela é a divina mulher que foi a mãe do Mestre dos Mestres na sua
última passagem pela Terra.
- Eu imaginava isso Lucas. Então Maria não retornou em missão carnal.
- Não meu pai. Ela já atingiu o nível mais próximo da divindade que
conseguimos enxergar, e sendo assim, suas missões não requerem mais a
necessidade de um corpo físico.
- O que você quer dizer exatamente com isso Lucas?
- Quero dizer meu pai, que Maria já atingiu um nível de evolução tão elevado
que é muito difícil nós compreendermos sua pureza. É como enxergar ou
compreender Deus. Não cabe ainda na nossa mente tal compreensão. Talvez
somente Mestre Zeus consiga ter uma idéia do que seja isso. Por isso é
necessário nos preocuparmos apenas em como evoluirmos por aqui.
- Então há vinte e cinco anos atrás nosso mundo que é invisível aos
humanos deu uma prova física para seres da Terra, não foi isso?
- Exatamente pai, e apesar disso, ironicamente os homens estão novamente
em guerra por lá. E ainda de uma forma mais cruel e com armamentos ainda mais
sofisticados. Nossa Guardiã Mor vem sofrendo bastante com tudo isso.

307
As Moradas e os Segredos de Maria

- Que coisa não hein meu filho? O que será que falta para esses
governantes?
- Falta muito meu pai. O Planeta Terra é um mundo de expiações e irá
demorar a evoluir. Independentemente disso, nosso trabalho por aqui continua.
Tenho ido diariamente aos campos de batalhas da guerra em duras missões. Eu
juntamente com Paulo lideramos equipes de socorro aos aflitos.
- Nobre tarefa, meu filho! – Disse Lourdes. Continue essa criatura linda que
você é.
- Pare de me ver com esse ar materno, Dona Lourdes – brincou Lucas –
Vocês também tem nobres tarefas por aqui. Todo bom trabalho é digno minha
mãe.
- É verdade meu filho. É verdade!

/ / /

Enquanto isso, Beatriz se sentia a mulher mais feliz do mundo por razão da
gravidez. Antes mesmo dele nascer já estava destinado que ela seria mãe de três
filhos e por esse motivo sua felicidade era ainda maior por viver aquele momento.
Seu inconsciente talvez registrasse essas informações. O destino já traçado no
intervalo celestial começava a se desenhar. Os seus três meses de gravidez eram
vividos intensamente por ela.

/ / /

Augusto e Soraya viviam muito bem no casebre que era de Dona Benedita e
que ficava ao lado de onde viviam seus pais Genésio e Clara. Já havia passado
mais de três meses da data do casamento e o jovem casal comentava inclusive a
respeito de tentarem um primeiro filho
- Soraya meu amor, controle sua ansiedade. Estamos só há três meses
casados e logo chegará o momento de você ficar grávida.
- Eu sei meu bem, mas é que eu adoro crianças e não vejo a hora de
também termos o nosso filho . Até seu primo Júlio será pai.
- Eu acho que você não deveria pensar nos outros casais, meu bem. Cada
um tem o seu tempo. Eu acho que eu nem deveria ter te contado que a esposa do
meu primo Júlio está grávida. Acabei sabendo das coisas por que tenho o
ajudado a vender a produção da fazenda.
- Está certo, meu amor. Chegará a nossa vez sim.

308
Carlos Eduardo Milito

/ / /

Naquela madrugada enquanto Augusto e Soraya dormiam abraçados chegava


uma expedição da Morada Universo Solar com mais uma alma miniaturizada em
busca do seu destino. Naquele belíssimo espetáculo do início de uma nova vida
carnal, o ponto luminoso de Clarice após as devidas intervenções de Dona Dora
adentrava o útero Soraya. O jovem casal apaixonado acabava de ter seus desejos
realizados. Teriam em breve uma linda filha.

309
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 90

24 de Outubro de 1.943

As novas gerações chegavam a Terra trazendo aos familiares muitas alegrias.


Naquele ano de 1943 apesar da guerra que ainda acontecia na Europa, as
famílias dos casais Beatriz e Júlio e Augusto e Soraya comemoravam a chegada
dos seus bebês. Primeiramente havia nascido Marcelo Albuquerque Silveira em
abril daquele ano. E no meio do ano o casal menos abastado recebia como filha a
menina Joana. Sem que os seres terrestres soubessem, ali estavam Marcos
Albuquerque como Marcelo e Clarice agora como Joana. Os laços da vida eterna
estavam caprichosamente se entrelaçando.
Pela situação mais abastada e pela vontade do casal, Júlio e Beatriz já
pensavam novamente em ter mais filhos. O pequeno Marcelo estava somente com
seis meses de idade, mas por consenso do casal, eles achavam que deveriam
logo ter mais filhos. Todas as facilidades materiais estavam ao alcance deles.
Além de morarem em uma grande casa, tinham vários empregados a disposição
para isso.
Já em relação ao casal Augusto e Soraya, eles pretendiam esperar mais um
pouco para pensar em ter mais filhos. Suas vidas eram levadas com muita
dificuldade e talvez por isso, achavam melhor viver em função da pequena Joana.
Ângela a irmã de Augusto por sua vez que havia se casado no final do ano
anterior também decidiu por ora não ter filhos.

/ / /

Enquanto isso na Morada Universo Solar, Joel estava parcialmente recuperado


e ainda vivia sob cuidados no Palácio da Cura. Angelina sua mãe conversava
com ele:
- Olá meu filho. O Governador da sua morada lhe mandou boas notícias.
- Vou enfim sair deste Centro de Recuperação, minha mãe?
- Exatamente. Você já está há dois anos aqui e suas lesões na roupagem
astral melhoraram bastante, mas a partir de agora, somente uma nova experiência
carnal é que irá te purificar ainda mais.
- Mas minha mãe. Mal me acomodei neste lugar maravilhoso e já sairei
daqui?

310
Carlos Eduardo Milito

- É preciso que seja assim meu filho. Somente no próximo intervalo celestial
é que você poderá estar se reciclando nessa nossa Morada. Você precisa ainda
extirpar todo o ódio que ainda há no seu coração.
- Minha mãe. Desde quando eu cheguei aqui eu procurei não pensar
naqueles que eu não me dava bem na Terra. Eu afirmo que estou indiferente por
tudo o que aconteceu.
- Você está apenas encobrindo uma ferida que ainda está aberta, meu filho.
Somente uma missão carnal irá cicatrizar essa ferida.
- Eu não desejo mais o mal a ninguém, minha mãe. Eu sofri muito por todos
esses anos. O mar de fogo que me queimava e os seres horrendos que gemiam
por toda a parte me fizeram mudar. Então eu gostaria de ter mais tempo aqui para
poder usufruir de toda a beleza deste lugar.
- Chegará o momento do seu merecimento para isso, Joel. Conseguimos
trazê-lo para cá depois de muitos anos. O que você tem que entender agora, é
que se faz necessário uma nova missão na Terra.
- Mas agora que eu estava retomando minha consciência. – falava Joel com
a voz embargada – Me arrependo de tudo que eu fiz. Agora que eu acordei do
pesadelo e estou em tratamento tenho logo que partir? Meu Deus. Agora tenho
consciência que deixei meus filhos jovens e minha esposa Inês terei que voltar
novamente a carne? Eu queria mais algum tempo!
- O alcance da beleza celestial é para todas as criaturas do universo. Desde
aquela mais elementar até a mais nobre. Chegará seu tempo do justo convívio
nesta morada e até em outras moradas ainda mais elevadas do que a nossa. O
fato é que nesse instante será de muita valia você voltar a Terra em uma nova
missão. Pense o seguinte meu filho: Você agora tem mudado sua forma de pensar
e sente remorso por seus entes que deixou na Terra, não é isso? Tem pensado na
sua esposa e nos seus filhos que você deixou por lá, não tem? Pois então Joel.
Você terá com sua volta a carne a grande chance de redenção. Voltando, poderá
dar muita alegria a esta mesma família que deixou.
- Como isso seria possível, meu Deus?
- Vamos fazer o seguinte Joel. Vamos fazer uma visita a todos os seus entes
que depois te explico melhor.
- Visita? Agora? Vou rever minha esposa e meus filhos?
- Sim. Eu já havia comentado essa possibilidade com o nosso Governador, o
Mestre Artur, e ele mesmo foi quem achou válida essa idéia.
- É tudo o que eu quero agora mãe. Quero ver como estão os meus meninos
e minha esposa.

311
As Moradas e os Segredos de Maria

- Você irá comigo e estará envolto a uma camada magnética de proteção,


pois sua roupagem astral ainda não está totalmente recuperada. Esta camada te
protegerá de fortes emoções e outros pormenores da nossa visita. É preciso saber
Joel, que lá na Terra se passaram mais de vinte e cinco anos desde sua partida.
Os seus meninos já estão bem maduros e hoje são adultos. Seu filho mais velho
se casou, mas não teve filhos, em compensação sua filha Márcia se casou com
Advogado da região e tiveram três filhas: Beatriz, Bianca e Bárbara. Sua neta mais
velha Beatriz casou-se no ano passado e já tem um filho de seis meses.
- Meus Deus! Como pude ficar distante disso tudo. Que pecado! – falava Joel
com emoção – Minha família cresceu e eu vivia em um mundo de sombras.
- Não se amargure com isso Joel. Iremos visitá-los e como eu disse você terá
a oportunidade de corrigir seus erros do passado.
Naquele mesmo Domingo em torno da hora do almoço, Angelina e Joel
chegaram, na bela casa onde Márcia e Lúcio moravam. Estava lá reunida toda a
família. Alem do casal anfitrião, estava lá a matriarca Inês com seu outro filho
Júnior acompanhado de sua esposa Selma. As belas filhas de Márcia e Lúcio
completavam o ambiente sendo que Beatriz ainda estava com seu marido e seu
pequeno filho. Havia então quatro gerações da mesma família naquela casa.
Angelina e Joel logicamente não eram notados e ela explicava calmamente
para o seu filho sobre os novos personagens que até então não eram do
conhecimento dele. Sua sensação era uma mistura de emoção, alegria e
arrependimento. Intimamente ele pensava em como foi tão cego por tantos anos
deixando de viver mais conectado com seus entes terrestres. Por outro lado
também veio em mente sua partida prematura por culpa de outra pessoa. Antes
que Joel começasse a mergulhar profundamente em pensamentos que pudessem
fazê-lo mal Angelina logo disse:
- Você viu como todos estão felizes? É uma família linda você não acha?
- Estão todos diferentes, minha mãe. Inês está envelhecida e os meninos
nem parecem os mesmos daquela época.
- Vinte e cinco anos para as pessoas da Terra é muito tempo Joel. Para nós
é um sopro na eternidade. Imagine você meu querido que por de trás de todos
eles há uma essência, há uma alma tal como a nossa.
- É verdade minha mãe. Logicamente o envelhecimento do corpo físico é só
um detalhe. Percebo sim que são os meus entes que estão nessa reunião familiar.
- Está vendo Joel? Após a sua partida a vida continuou para eles. Sua
esposa apesar de não ser muito idosa já tem o primeiro bisneto.
- Creio que Inês tem em torno de setenta anos. Vejo que minha filha Márcia
casou-se cedo, bem como sua filha mais velha Beatriz.

312
Carlos Eduardo Milito

- Isso mesmo Joel. Veja então que belo menino que é o Marcelo, seu
bisneto.
- Com certeza. A família apresenta traços bonitos. – disse Joel com um
semblante de tristeza, que depois continuou a falar – Meu Deus! Estou muito
arrependido pelo que fiz. Eu poderia estar ai com eles, não acha?
- Já te falei meu filho, não se amargure.
- Eu sei disso mãe. É difícil me controlar. Havia um véu me escondendo a
verdade da vida maior. Parece que agora começo a ter noção das coisas.
- Muito bem Joel. Vou te falar uma coisa meu filho. Sua neta Beatriz pretende
ter mais filhos. O seu marido é um sujeito de posses e eles desejam ter uma
família grande. Se você voltasse como filho deles poderia reparar seus erros
anteriores. Imagine a alegria que você poderia dar a seus entes com sua
chegada? Pare para pensar nisso Joel.
- Filho de Beatriz? Eu? Preciso refletir sobre isso, minha mãe.
- Então reflita com carinho, Joel. Vamos voltar agora para nossa Morada,
pois você está protegido por essa camada magnética que se desgasta com as
emoções. É de bom tom retornarmos.
- Está certo minha mãe. Fiquei feliz com a visita.
Joel e Angelina voltaram para sua Morada e todos aqueles acontecimentos
mexeram com o íntimo dele. A possibilidade de voltar na sua própria família o
deixava feliz, mas por outro lado ele ainda não queria partir. Por decisão dos seus
superiores, Joel não saberia naquele final de intervalo celestial que Marcos
Albuquerque, já nascido como Marcelo, e Ernesto seriam seus irmãos.

/ / /

Durante aquela semana, Joel ainda recebeu todo o amparo de Angelina e de


outros amigos da Morada Universo Solar, e enfim na sexta-feira, dia vinte e sete
daquele mês de Outubro chegava o momento de sua partida. Tudo foi preparado
com muito carinho para a sua volta a Terra. Após muita conversa Joel aceitou
parcialmente aquela decisão. Ele não tinha vontades plenas de retornar a uma
nova missão carnal, no entanto, o fato de fazer sua querida filha feliz por ter mais
um neto o confortava. Beatriz e Júlio o receberiam em nove meses como segundo
filho. Naquela noite então, Beatriz ficava grávida de um menino, seu segundo filho.

313
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 91

Hiroshima - 6 de Agosto de 1.945

Adelaide e Angelina foram designadas para acompanhar Ernesto que liderava


um grupo de fiéis dos Transeuntes das Trevas em pesados trabalhos de absorção
de todas as energias baixas emanadas pelos conflitos da guerra. Nos últimos três
anos, Ernesto havia conseguido tornar-se líder daquele grupo e com muita tristeza
as duas senhoras conversavam:
- Vamos ter que atuar de forma diferenciada, Angelina. Acho que teremos
que capturar Ernesto à força, minha amiga.
- É realmente uma pena chegarmos nesses extremos. Nós conseguimos
libertá-lo de um grupo ainda pior, mas infelizmente seu filho foi tomando gosto
pelo trabalho desta comunidade.
- É muito triste de fato. Todos obedecem a ele e não enxergam mais nada.
Vamos ter então um trabalho muito difícil.
- Vamos pensar pelo lado positivo, Adelaide. Se conseguirmos levá-lo
conosco essa comunidade será desmantelada. Os Transeuntes das Trevas
ficarão desnorteados sem a presença de “Mestre Ernesto”.
- Vamos emanar nossas energias para ele assim que a bomba detonar, e
então, tentar envolvê-lo.
Nos minutos seguintes a conhecida cena de horror aconteceu: A primeira
bomba atômica da estória acabava de ser detonada. Enquanto a nuvem em forma
de gogumelo era desenhada no céu, Adelaide e Angelina começavam a pedir ao
Mestre dos Mestres que Ernesto fosse sensibilizado de alguma forma.
Enquanto vidas eram destruídas na cena de horror que seguia, todos os
súditos de Mestre Ernesto mostravam um semblante de satisfação.
Diferentemente deles, Ernesto começava a ver um filme projetado em sua mente
onde muitas crianças inocentes eram mortas. Aquilo se misturava com outras
cenas já conhecidas por ele quando esteve presente em execuções de mais
pessoas nos campos de concentração da Polônia. Pela primeira vez então desde
quando Ernesto perdeu sua roupagem carnal ele encheu os olhos de água.
Permaneceu no entanto, completamente estático, sem dizer uma sequer palavra
aos seus súditos. Adelaide chegou perto dele e falava:
- Isso mesmo Ernesto. Derrame as lágrimas do remorso. Amoleça esse seu
coração para que possamos envolvê-lo no amor de Deus.

314
Carlos Eduardo Milito

Aquilo fez com que Ernesto aumentasse ainda mais sua comoção por estar
assistindo tanta atrocidade. Ele não queria se mostrar esmorecido para seus
liderados, no entanto as duas bondosas senhoras ainda insistiam:
- Amoleça seu coração, meu filho. Abra sua mente para coisas mais sublimes
deste universo!
Zé Trovão percebia que algo estava errado com seu Mestre e logo interveio:
- Mestre Ernesto. O que está havendo? Estou sentindo você diferente.
- Não sei Zé Trovão. Acho que este novo artefato produzido pelo homem da
Terra está me deixando assim. Não me sinto bem!
- Como isso é possível Mestre? Não somos humanos.
- Não sei Zé Trovão. Mas vai passar.
- Mestre, isso tudo é alimento para nós! Anime-se. Veja que banquete – disse
Magrão com um semblante feliz.
- São as malditas energias de seres invisíveis a nós que estão tentando me
amolestar. Vou tentar afastar isso.
- Cuidado Mestre Ernesto. Lembre-se que desde a época de Mestre Zuzo,
por vezes nós acabávamos perdendo alguém para outros grupos. Não deixe isso
acontecer. Precisamos de você, Mestre Ernesto.
- Não vai acontecer nada. Eu já falei que isso passa.
Naquele instante acabava de chegar naquele local uma grande expedição da
Morada Universo Solar, liderada por Lucas. Surpresas, as duas senhoras
perguntaram assim que eles chegaram:
- Olá Lucas! Você por aqui?
- Olá minhas queridas. Esse fato que acaba de acontecer na Terra é de
profundo lamento. Eu vim por que há vários grupos nesta região em trabalho de
auxílio e estou aqui para tentar ajudar no que for preciso.
- Que bom Lucas. Estamos por aqui também e o que precisarem de nós,
estamos a disposição.
- Agradeço. Eu sei que vocês estão aqui por causa de Ernesto não é
mesmo?
- Sim Lucas. É também um trabalho difícil desaprisioná-lo desse grupo. Note
só ali adiante como eles estão alheios a nós e a tantas coisas bonitas.
- Continuem a vibrar exatamente como vocês fizeram antes de chegarmos.
Faça ele se emocionar bastante e então peço para Madalena e Paulo que vieram
comigo envolvê-lo em uma barreira magnética que irá hipnotizá-lo. Então ele
poderá ser levado ao Palácio da Cura em profundo sono.
Adelaide e Angelina continuavam vibrando e rezando por Ernesto. Elas faziam
aquilo com toda a força até que Ernesto chegou para os súditos e falou:

315
As Moradas e os Segredos de Maria

- Vou me retirar daqui. Vocês continuam sob o comando de Zé Trovão. Não


estou me sentindo bem, e não quero atrapalhar o trabalho de vocês.
- Mas Mestre? Por que vai agora? Estamos no melhor da festa.
- Sem perguntas Zé Trovão. Vou me retirar e nos encontraremos na sede.
Combinado?
- O senhor é quem manda.
Ernesto começou a se afastar de todos os seus liderados daquela comunidade,
e profundamente comovido com toda aquela cena e sem que ninguém o
reparasse, começou a chorar. Então ele se lembrou da infância, da adolescência e
de momentos bons que tinha passado com sua mãe. Entre soluços e lágrimas ele
pensava:
- Não quero mais essa vida. Se depois da morte o que me resta é isso, eu
preferia que a morte fosse o fim de tudo. Eu preferia que fosse o sono eterno.
Quanta desgraça! Quanto sofrimento! Eu não suporto ver mais tantas lágrimas!
Naquele momento Adelaide abraçava seu filho sem que ele a notasse. Ela
também se sentia muito comovida com o sofrimento dele. Lucas então se
aproximou com Paulo e eles juntamente com as duas senhoras que ali estavam
fecharam os olhos e estenderem as duas mãos em direção a cabeça de Ernesto
que em poucos instantes adormeceu. Lucas então falou para os demais:
- Ele agora está envolto em uma camada magnética e então, poderemos
levá-lo diretamente ao Centro de Regeneração do Palácio da Cura. Ele terá um
intenso tratamento, onde lá serão tiradas algumas dessas lesões na roupagem
astral, para que ele tenha então condições mínimas de voltar em missão carnal.
- Mas não será pouco tempo Lucas? – indagou Adelaide.
- Tudo é relativo, minha querida. Beatriz que foi no passado a nossa amiga
Olga, hoje já tem dois filhos. Marcelo que foi Marcos Albuquerque e que tem dois
anos e meio, e José que foi Joel e completou um ano quase agora. Ela receberá
Ernesto e deverá ficar grávida em poucos meses. Vocês que atuam no Palácio da
Cura sabem muito bem disso: Haverá um tratamento intensivo com Ernesto e
mesmo que ele não recupere a consciência e as lesões por sua roupagem astral,
voltará em missão carnal, pois isso foi consentido pelos nossos Governadores.
- Mesmo que esse tratamento se prolongue por vários meses, creio é pouco
tempo Lucas.
- Adelaide, você sabe muito bem que existem casos onde o intervalo celestial
é praticamente inexistente, e pessoa volta em nova missão sem se dar conta
disso. Veja que os três irmãos desta nova família tiveram a oportunidade de
redenção por mais de vinte e cinco anos depois que deixaram a roupagem carnal.
Por terem vivido em zonas sombrias, estão arcando com as conseqüências. Os

316
Carlos Eduardo Milito

três terão agora uma belíssima missão de resgate. Não pense então no tempo que
Ernesto ficará ainda entre nós. Pense na eternidade da vida e que com absoluta
certeza nos próximos intervalos celestiais o reencontro será mais duradouro e
feliz. Entendo perfeitamente sua posição de mãe, mas é necessário resignação
minha cara Adelaide.
- Você tem razão Lucas. Trazemos da terra esses sentimentos em relação ao
tempo e quando paramos para pensar, isso é uma pura bobagem, pois o tempo
aqui tem outra característica. Irei então ampará-lo nesses meses vindouros
mostrando a ele os caminhos da vida maior.
Naquele dia, Ernesto havia sido encaminhado para o Centro de Regeneração,
onde ficaria em sono profundo por algumas semanas e em pesados tratamento da
sua roupagem astral.

317
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 92

Morada Universo Solar - 9 de Agosto de 1.945

Naquela quinta-feira os seis Governadores da Morada Universo Solar se


reuniam no Gabinete de Mestre Zeus para comentar sobre as conseqüências da
guerra ocorrida na Terra.
- A Guerra na Terra terminou. Mas é com muito pesar que divulgo o número
de baixas que ocorreu por lá – disse Mestre Zeus com um semblante triste –
Nesses seis anos tivemos quase sessenta milhões de seres terrestres que
perderam a vida. O lado positivo foi que durante esse período de Guerra tivemos
inúmeras missões de auxílio da nossa e de outras tantas moradas do Sistema
Solar. Sem esse apoio, esses quase sessenta milhões de seres ficariam na sua
maioria mais vulneráveis às zonas de baixa freqüências que tanto circundaram o
ambiente europeu.
- Mestre Zeus. Por vários anos o Planeta Terra foi cercado de conflitos pela
supremacia de territórios e de poder. O que aconteceu agora foi que, com a
evolução tecnológica, o poder de destruição também aumentou – disse Mestre
Sócrates.
- Por isso que volto a falar das aparições da nossa Guardiã Mor no começo
deste século. Sua preocupação era clara. Seu terceiro segredo em forma de
metáforas seria para alertar aos humanos do perigo de uma Guerra Nuclear.
Vejam vocês o que acaba de acontecer com Hiroshima e Nagazaki: A bomba
atômica tem a possibilidade de destruir continentes por inteiro. Sendo assim, a
raça humana poderia ser extinta.
- Agora o homem já conhece o poder de destruição desse artefato. A
população mundial está chocada com esse desfecho da guerra. Creio que o
trabalho celestial foi de grande valia para que as tragédias parassem por ai.
- Foi importante sim, Mestre Sócrates. As conseqüências poderiam ter sido
ainda piores. E quero ressaltar ainda que lá na Terra nossa irmã Lúcia transcreveu
o terceiro segredo para o papel, e ficará a cargo da Igreja Católica sua revelação
para os humanos. O importante é que nos próximos anos os governantes das
principais potências serão procurados pelas autoridades das Igreja para que
novos confrontos de grandes proporções sejam evitados.
- Continuaremos nosso trabalho de sustentação, Mestre Zeus – disse Mestre
Sócrates com a fisionomia de esperança – Acho que se continuarmos
incessantemente nosso trabalho, os seres terrestres só tendem a ganhar.

318
Carlos Eduardo Milito

- Exatamente. – concluiu Mestre Zeus - Temos que passar isso aos nossos
súditos que vêm trilhando o caminho da luz. É preciso nos desdobrarmos sempre
influenciando os governadores para que paz prevaleça. Apesar do Planeta Terra
ser um mundo de expiação, cabe a nós esse árduo trabalho. Temos que entender
que na escala evolutiva, a Terra como planeta também estará no futuro em
condições ainda melhor. A lei da evolução serve para tudo: Para os seres
desprovidos de roupagem carnal, para os seres terrestres e também para os
planetas.

319
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 93

Morada Universo Solar - 20 de Novembro de 1.945

Ernesto despertava de um longo sono no Centro de Regeneração na


companhia de sua mãe Adelaide. Ele permanecia deitado como quem havia
estado doente por muito tempo. Sua aparência era de fraqueza. Seus olhos se
apresentavam fundos e seu olhar perdido. Mesmo assim emocionou-se ao
reencontrar sua mãe assim que abriu seus olhos.
- Minha mãe. Quanto tempo! – falava Ernesto com a voz chorosa – Eu pensei
que ficaria no inferno para sempre.
- Meu filho. Nada é definitivo nesta vida. É muito bom vê-lo longe dos lugares
sombrios do universo. Agora finalmente você está tendo uma nova chance.
- Ainda me sinto fraco mãe. Não consigo me levantar daqui.
- Permaneça assim. Sua recuperação completa dependerá de outros
esforços. Fique deitado e não tente se levantar.
- A senhora acha que vou melhorar, minha mãe?
- Lógico que sim. Mas para isso deverá renascer na Terra. Suas lesões na
roupagem astral serão curadas quando você tiver uma nova roupagem carnal.
- Vou voltar a renascer, minha mãe?
- Essa é uma lei universal. Você já esta há vinte e oito anos desprovido da
roupagem carnal e é chegado o momento.
- Mas por quê? Não posso continuar em recuperação por aqui?
- Cada um de nós tem um destino diferente, meu filho. Por muitos anos
venho tentando intervir por você para que tivesse uma preparação mais apurada
para retornar, no entanto, você estava cego a tudo e por isso necessita de um
imediato retorno a terra.
- Mas estou mudado, minha mãe. O sofrimento me calejou.
- Comparando com a linguagem dos nossos amigos terrestres, diríamos que
demos um analgésico para você, no entanto a causa da doença ainda não foi
sanada. Assim, meu querido, é necessário você voltar a renascer e viver no
aconchego de uma família que deseja muito ter mais um filho e te receberá com
todo o carinho.
- Não quero voltar, minha mãe. Faço o que for preciso para poder ficar por
aqui.
- Entenda meu filho. As coisas não funcionam bem assim na vida maior. Se
não partir, poderá ficar por anos nessa situação que está agora e ficará estagnado
na escala evolutiva. Existem muitos seres desprovidos de roupagem carnal

320
Carlos Eduardo Milito

aguardando uma oportunidade igual a sua. Aceite de coração aberto. No próximo


intervalo celestial você estará mais maduro para daí sim poder usufruir dos
benefícios da Nossa Morada.
- Acabei de despertar minha mãe. Nem conheci ainda este local que me
acolheu.
- Pode ter certeza que na eternidade da vida você galgará degraus para
atingir requisitos para viver em moradas ainda melhores. É preciso que você abra
seu coração agora meu filho. E aceite sua partida.
- Por que, mãe? Por que? – perguntava Ernesto praticamente chorando – A
senhora está me castigando.
- Não diga isto Ernesto. Essas designações são divinas e aqui não há
castigos como por muitas vezes ocorre na Terra. Você neste intervalo celestial
não terá a oportunidade de se reciclar e de aprender coisas novas pelas
circunstâncias que você mesmo ocasionou. Mas para isso existe a bênção do
retorno carnal. Uma linda família te aguarda. Você será amado muito assim como
foi por mim na sua última existência.
Ernesto nem teve tempo de voltar a relutar, pois logo adormeceu novamente.
Em seguida entrava naquele quarto, Dona Dora com a presença de dois amigos.
Calmamente ela começou a falar:
- Adelaide minha querida, teremos que prepará-lo para o regresso que será
nesta noite. Iremos levá-lo agora e ele permanecerá dormindo por todo o tempo.
- Eu preferia que fosse de outra forma, Dora. Mas o que importa é que ele
estará novamente trilhando um caminho de luz.
- Venho trabalhando há mais de trinta anos com miniaturização e pude
deparar por esse tempo com várias situações. Nos casos mais extremos de
rebeldia por parte dos nossos irmãos que partem, pude constatar que a gravidez
acabou não se consumando.
- Seriam os casos de aborto espontâneo, minha amiga?
- Exatamente. E então nosso trabalho é redobrado onde temos que reverter o
processo de miniaturização deixando a roupagem astral da mesma forma de
antes.
- Curioso. Rezemos então para que o retorno de Ernesto seja bem sucedido.
- Será com certeza. Assim como seu filho, muitas criaturas não querem
retornar. Podemos comparar assim: Isso é a mesma coisa que acontece com
nossos irmãos da Terra quando estão próximos da morte física. Da mesma forma,
eles também não querem deixar a roupagem carnal.
- Entendo. E as lesões que ele ainda tem na roupagem astral?

321
As Moradas e os Segredos de Maria

- Algumas serão dissipadas no passar dos anos. Outras poderão acarretar


doenças na futura vida terrestre que ele terá.
- Que missão de expiação! Dora. O que vai acontecer com o meu filho na
Terra?
- Não cabe a nós esta resposta. O grande Arquiteto do Universo é quem
saberia responder isto. Da mesma forma que Ernesto, Joel também retornou com
algumas dessas lesões e veja só: Hoje ele é um menino perfeito. O pequeno José
que tem um pouco mais de um ano de vida, esbanja saúde.
- Eu sei disso, Dora. Mas e no futuro? Sabemos que por vezes essas lesões
podem ocasionar grandes chagas.
- Não se preocupe com o futuro, Adelaide. Eles terão uma missão de
expiação com certeza, mas eu te asseguro que eles voltarão para cá em
condições bem melhores do que partiram.

/ / /

No final daquele dia todo o trabalho de Dona Dora foi acompanhado por
Adelaide e por alguns amigos do Palácio da Transformação. Durante a noite um
espetáculo todo especial acontecia naquele Palácio. Vários seres miniaturizados
assim como Ernesto partiam dali enfeitando a noite estrelada. Todos partiram
juntos como pontos luminosos, no entanto, cada um tinha um destino diferente.
Eles chegariam em diferentes cidades e até em diferentes países.
Na mansão da Av. Paulista, Beatriz e Júlio dormiam abraçados após mais uma
noite de amor. Seus filhos menores repousavam em quartos vizinhos sob a
vigilância de babás. Os demais moradores daquela casa também descansavam:
Laerte e Emília em outro quarto e Leandro que também vivia ali. Logicamente
ninguém percebeu a chegada de Dona Dora com o mais novo integrante daquela
família. Beatriz então ficaria grávida do seu terceiro filho.

322
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 94

10 de Julho de 1.947

Em uma noite de quarta-feira Lucas conversava com Dona Dora a respeito dos
acontecimentos dos últimos anos com todos os seus entes lá da Terra:
- O filho mais novo de Beatriz está para completar um ano. É agora uma
criança muito feliz e nem parece que quando esteve no intervalo celestial ficou
rodeado por seres tão perturbados.
- O renascimento é uma dádiva, Luquinhas. Creio que Edgar que antes era o
Ernesto começou muito bem sua jornada na Terra. Mas é cedo ainda para que os
traços da sua já conhecida personalidade floresçam.
- Sim vó. Mas sabemos que Angelina e Adelaide ficarão sempre em estado
de vigília pelos três. Para nós, isso é habitual e no mundo deles isso por vezes é
classificado como a presença de um “anjo da guarda”.
- Isso mesmo Luquinhas. E nós, ao contrário dos três irmãos que tiveram um
intervalo celestial de algumas décadas, devemos apenas retornar a Terra no
próximo século. Temos ainda muitas missões por aqui, e assim, cabe a nós
também ajudá-los quando necessário.
- O importante é estarmos sempre nos reciclando e trabalhando em função
do próximo. É uma pena, minha vó, que lá na Terra os humanos ainda não se dão
conta de tudo isso. A prática da caridade é um ato nobre que raramente é seguido
por eles.
- É exatamente por isso que muitos seres terrestres ficam estagnados. Eles
jogam fora a oportunidade da nova vida que foi a eles concedida. São tristes estes
números meu neto, mas são reais. A grande maioria da humanidade fica
praticamente inerte. É como uma pirâmide. Poucos evoluem bastante e grande
base permanece praticamente parada.
- E os nossos entes que ainda estão lá? Será que estão aproveitando a
oportunidade?
- Vamos por partes então, meu neto. Veja só: Seu irmão Leandro enquanto
seus pais estiveram por lá fez a lição de casa. Dedicou-se ao extremo a eles. Não
casou por esse motivo. Vale lembrar que no começo da sua existência ele tinha
propensões aos vícios. Desde quando ele era adolescente eu intervinha por ele,
pois ele havia trazido pequenas lesões na sua roupagem astral, que não foram
totalmente sanadas e então era necessário um acompanhamento de nossa parte.
Digamos que ele se purificou nos anos dedicados aos seus pais.
Dona Dora fez uma pequena pausa e prosseguiu:

323
As Moradas e os Segredos de Maria

- Seu irmão Laerte também tem uma índole boa, no entanto não conseguiu
galgar tanto espaço assim como Leandro. Quando mais moço ele teve os
conselhos de Dona Benedita, porém depois que se casou, preocupou-se muito em
trabalhar para tocar o império da família, e deixou a parte fraternal de lado. Lógico
que ele foi um bom pai, uma pessoa trabalhadora, honesta e com muitas
qualidades, mas o que eu exponho aqui é o quanto cada um aproveitou até o
momento a existência terrestre.
- Isso reforça a tese da doação total em função de nosso semelhante.
- Assim deveria ser meu neto. E as dificuldades são colocadas nas vidas de
todos os humanos justamente por isso. A necessidade inicial é da sobrevivência.
Então a grande maioria das pessoas se atira ao trabalho. É preciso saber
administrar o tempo para que ao menos um pequeno gesto de benevolência em
favor do próximo seja realizado todos os dias. Nós daqui observamos que na
Terra o espírito fraternal aumenta bastante em época natalina. Isso deveria ser de
forma continuada.
- É verdade minha vó. E os outros que ainda estão por lá? Será que estão
aproveitando a chance?
- Todos evoluem lentamente. Alguns mais e outros menos. Veja você meu
neto a estória das filhas de Albuquerque. Emília que casou com seu irmão
conseguiu galgar alguns degraus até o momento, pois é uma mãe dedicada, uma
avó exemplar e sempre na medida do possível tentou ajudar ao próximo. Já Clara
que abriu mão de toda a sua riqueza, conseguiu galgar ainda mais espaço, pois o
ato de renúncia tem que ser considerado. Por ter conseguido criar seus filhos na
mais extrema simplicidade e sempre mostrando o caminho do bem, ela teve uma
missão carnal de grande valia. O mesmo ocorreu com Genésio. Posso dizer ainda
que seus filho Augusto e Ângela estão no mesmo caminho.
- E a sua neta Joana provavelmente também está, não é minha vó?
- Essa menina que agora tem quatro anos também terá uma grande chance
de evoluir mais do que outros seres. Veja você que quando Clarice viveu como a
toda poderosa da família Albuquerque, se mostrava religiosa, no entanto não
praticava corretamente os ensinamentos do Mestre dos Mestres. Por isso sua
existência ficou praticamente estagnada no âmbito evolutivo. Agora como Joana,
tudo será diferente. Ela será criada e educada para que venha praticando
caridade.
- Interessante, minha vó. Veja a senhora que a semente que Dona Benedita
deixou naquela família perdura até hoje com todos os descendentes.
- Daí a importância da difusão dessas boas maneiras indistintamente para
todos os povos, todas as raças e todas as camadas sociais. Essa é uma das

324
Carlos Eduardo Milito

formas de fazermos com que o planeta Terra um dia deixe de ser o conhecido
mundo de expiações.
- E em relação aos filhos de Joel? Como eles estão aproveitando essa
missão carnal?
- O filho mais velho, o Júnior está hoje com quarenta e cinco anos e a grande
frustração que ele carrega nesta vida terrestre é de não poder ter tido filhos.
Novamente eu volto a falar em lesões que permaneceram de outra vida terrestre.
Tudo foi provocado por ele mesmo, onde os abusos sexuais lesaram a região
genital da sua roupagem astral. Mesmo com todo o tratamento que ele teve no
último intervalo celestial, as seqüelas ainda sobreviveram e permanecem até hoje.
Diríamos que sua missão é de resgate. Dai então a explicação da sua grande
paixão pelas três sobrinhas, filhas de sua irmã Márcia.
- Minha avó. Márcia também vive uma missão de total dedicação para as
filhas. Ela e Lúcio sempre estiveram bem engajados nos propósitos familiares.
- Isso mesmo. Em resumo meu neto. Todos galgam. Cada um em um ritmo,
em busca da evolução. Márcia e Lúcio preservam a união familiar e se doam
inteiramente para os descendentes. Eles têm uma família grande, hoje com três
filhas e três netos e no futuro a família continuará a crescer. Veja só que
interessante então a sina do irmão Júnior que é sozinho com a esposa. Em
compensação sua irmã encabeça uma bela árvore genealógica. Estes contrastes
não são por acaso. Tudo se explica. Os atos de Júnior em vida anterior
provocaram isso.
- Por isso que nós que estamos deste lado vemos o sistema como perfeito
minha avó. Pudera o homem da Terra algum dia usufruir de tais atributos e torná-
lo um pouco melhor. Temos então que continuar vibrando muito para esse mundo,
minha avó! Temos que fazer todos os humanos seguirem os conselhos da nossa
Guardiã Mor, Maria, para que ele se regenere.
- Sim meu neto. Continuemos a trabalhar então fortemente. Nossa missões
celestiais é que faz o equilíbrio do Universo. As aparições de Maria no começo de
século foram ganhando pouco a pouco credibilidade e no futuro arrastarão
multidões de seres humanos em correntes de fé. Quem sabe não será uma
esperança de melhorarmos um pouco este pobre planeta? Aguardemos!

325
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 95

12 de Setembro de 1.947

Angelina conversava com sua amiga Adelaide após mais um intenso dia de
trabalha no Palácio da Cura.
- Então a esposa de Joel está entre nós agora? – perguntava Adelaide com
uma expressão de alegria.
- Sim chegou faz uma semana. O mundo astral a recebeu mais uma ilustre
personagem. Inês, que foi minha nora, foi também uma fiel esposa para o meu
filho Joel. Já estava com setenta e sete anos. Apesar de sua idade elevada, ela
não apresentava problemas de saúde e faleceu de repente com um aneurisma
cerebral.
- Melhor para ela, mas não para os entes que ela deixou por lá.
- Isso mesmo. Sabemos que existem pessoas que ficam agonizando por
anos e então a família vai se preparando para a partida, no entanto há casos
repentinos como o de Inês. Mas o fato amenizador é que ela já tinha uma certa
idade.
- De fato existem rompimentos mais chocantes pela Terra. Por exemplo,
quando um pai ou uma mãe perde um filho de repente. Mas sabemos que quando
isso acontece, há alguma razão muito forte por de traz de tudo isso. Há alguma
pendência de outras vidas que são carregadas. Isso geralmente é uma expiação
mais para os parentes que ficam do que para a pessoa que retorna para cá. Mas
e os descendentes de Inês? Como estão passando?
- Creio que assimilaram bem a perda. Os filhos foram os que mais sentiram a
partida dela, no entanto as netas já sofreram menos. Beatriz tem sua família, e
suas duas irmãs estão mais ligadas nos seus respectivos romances do que na
avó.
- E os “nossos” meninos, ou ainda, e os bisnetos de Inês? Como vão?
- Eles são muito pequenos ainda para entender tudo que se passa, mas
posso te assegurar que estão bem. Marcelo o mais velho que agora tem quatro
anos soube que a sua vovó era idosa e agora virou “estrelinha”. A mesma estória
foi contada para José que tem três anos. Parece que assimilaram bem. O mais
novinho, o Edgar, ficou alheio a isso.
- É interessante Angelina! Estamos falando agora dos meninos pelos quais
tanto lutamos para tirar das regiões obscuras. Agora estão juntos em uma nova
família. E sabemos que durante o intervalo celestial eles mal se falaram. Agora
convivem juntos. São os desígnios da vida eterna.

326
Carlos Eduardo Milito

- Isso é maravilhoso. É uma chance de redenção que eles estão tendo agora.
Tomara que eles aproveitem.
- Irão aproveitar, minha amiga. Temos só que ajudá-los durante os próximos
anos, e estar preparadas para tudo, pois “nossos filhos” da última vida não
conseguiram retornar para lá com a roupagem astral totalmente curada.
- Estou ciente, Adelaide. Esperemos o momento e aceitemos com resignação
o que for de destino dos dois. Talvez apenas Marcelo tenha melhor sorte nessa
vida.
- Desde o último intervalo celestial, Marcos Albuquerque foi mais receptivo às
nossas intercessões. Por esse motivo, teve maior tempo de preparo e pôde ainda
trabalhar para uma boa causa em sua estada no Palácio da Cura.
- Não pensemos então o que será deles nessa vida carnal. Pensemos em
continuar atuando e vigiando para que eles sejam sempre intuídos para o bem.
- Isso mesmo Angelina. E como eu já disse: Temos que ajudá-los nos anos
vindouros para que enfrentem qualquer dificuldade.

327
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 96

01 de Março de 1.950

Os descendentes de Dona Benedita se multiplicaram. Seu filho Augusto havia


tido o segundo filho que agora tinha um ano. O menino Juarez era uma criança
alegre e teve suas origens em regiões muito iluminadas, conforme seu pai pedia
em preces. Agora sua irmã Joana com sete anos tinha um pequeno irmão para se
divertir. Ângela, a irmã de Augusto, também tinha um casal: Vitor com dois anos e
Paula com um. Apesar de todas as dificuldades financeiras que as famílias
enfrentaram, conseguiam criar seus filhos com competência. Clara e Genésio
eram avós exemplares e sempre auxiliavam os filhos na criação dos netos.

/ / /

Os filhos do casal Júlio e Beatriz até aquele momento pareciam ser crianças
normais, até que algumas semanas antes àquele dia o filho mais novo, Edgar, que
agora tinha quatro anos amanheceu com uma febre muito alta. No início ele foi
tratado como se estivesse com uma gripe, no entanto após uma nova internação
foi diagnosticado uma doença que naquela época ainda não havia vacina para sua
prevenção. Era a conhecida Poliomielite, ou paralisia infantil.
Aquele pequeno menino de quatro anos ficou com uma grave seqüela da
doença o que resultou na paralisia da perna esquerda. Ele havia então, perdido
seus principais movimentos e viveria assim por toda a sua vida.

/ / /

Adelaide comentava com Angelina sobre a paralisia de Edgar.


- As seqüelas que havia na roupagem astral de Ernesto se manifestaram,
minha amiga Angelina.
- Sim. É preciso resignação da nossa parte para enfrentarmos isso. Mas o
importante é que ele está em uma família que é muito amado.
- Era esperado que alguma chaga o acometesse. Temos que dar todo o
sustento a eles para que enfrentem com coragem esse momento.
- Faremos isso com certeza, minha amiga. Veja você que nesses primeiros
anos de vida deles sempre estivemos presentes.

328
Carlos Eduardo Milito

- É verdade Angelina. Pudemos inclusive reparar nesses anos que o menino


Marcelo, que é o mais velho, sempre foi o apaziguador dos três. Os dois menores
se pegam muito a ponto de enlouquecer os pais.
- Pobre Olga – falou Angelina em meio a algumas risadas – Quer dizer,
Pobre Beatriz que tem que lidar com isso.
- Isso ainda não é nada. Com a doença do filho, agora é que as coisas irão
se dificultar ainda mais. Pode ter certeza que Júlio irá viajar o mundo em busca de
alguma solução. Tudo será em vão, minha querida.
- Sim é verdade. Mas o tempo os fará aceitar a deficiência física de Edgar e
essa provação será mais dele do que dos familiares.
- Concordo. Lá na Terra o tempo é sempre um santo remédio.

/ / /

Naquela altura, Laerte estava com cinqüenta e nove anos e já havia delegado
todo o poder das empresas em nome de seu filho Júlio. Agora, ele apenas faria
parte do conselho de Administração do grupo. Sua esposa Emília o apoiava sobre
a decisão. Eles pretendiam se dedicar mais para os netos, e agora, com a notícia
do problema de Edgar eles ficaram tão sensibilizados a ponto de desejarem estar
sempre presentes com o neto.

329
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 97

Fátima - 13 de Maio de 1.967

O mundo comemorava cinqüenta anos das aparições de Maria. A Igreja


Católica representada pelo Papa Paulo VI fez um trabalho de peregrinação até a
cidade de Fátima e, segundo as palavras do próprio chefe da igreja, aquela visita
seria “para rezar, mais uma vez, e com maior humildade e devoção, pela paz”. O
que aconteceu de fato ali, foi que aquele momento especial nada mais era do que
o coroamento das palavras ditas por ele anos antes, mais precisamente em
21/11/1964, onde ele declarava ser a “Nossa Senhora” a mãe da Igreja.
O mundo astral também estava repleto de felicidade com o cinqüentenário. A
Guardiã Mor das Moradas Celestiais circundadas pelo sol que ilumina a Terra
ganhava a cada dia mais notoriedade e inúmeros devotos espalhados pelo
mundo. Era preciso no entanto, que a sociedade humana vivesse em uma
perspectiva de um futuro de paz, e tirasse da mente qualquer perspectiva
angustiante de nova conflagração mundial.

/ / /

Júlio Albuquerque Silveira era o executivo responsável pelos negócios da


família. Com seus quarenta e nove anos de idade tocava com maestria todos
aqueles negócios. Seu pai Laerte com setenta e cinco anos de idade não mais
atuava, porém dava precisas opiniões quando consultado. Júlio apesar de sempre
estar envolvido nos negócios, era o tipo de pai durão e disciplinador com seus três
filhos. Sua esposa Beatriz também tentava impor muita disciplina para os meninos
desde quando pequenos.
O que acontecia de fato ali, era a presença dos mesmos personagens com
outro cenário. No século anterior tivemos o romance de Plínio e Olga e o fruto
daquele amor gerava como filho Marcos Albuquerque. Agora, eles viviam
respectivamente como Júlio e Beatriz e o fruto desse mesmo amor gerou como
filho Marcelo Albuquerque, além dos mais novos José e Edgar.
O filho mais velho Marcelo que estava agora com vinte e quatro anos era o
único que se interessava pelos negócios da família e seu pai o preparava para
assumir tudo. O filho José, um ano mais novo que Marcelo, era mais boêmio e
namorador e não se ligava muito nas empresas. Já o caçula Edgar, dois anos
mais novo que José, mesmo com a suas dificuldades de locomoção onde
caminhava com auxílio de uma bengala, também pensava só em se divertir.

330
Carlos Eduardo Milito

Naquela tarde de domingo, Beatriz havia recebido suas irmãs Bianca e


Bárbara na sua casa.
- Beatriz minha irmã – dizia Bárbara – Não sei se eu teria a sua coragem
para criar três filhos como você fez durante todos esses anos.
- Imagina Bárbara. Fiz tudo por amor a eles e a Júlio.
- Desde quando Edgar era pequeno com sua doença eu vejo o sofrimento de
vocês. Você realmente é muito forte, Beatriz.
- Imagina Bárbara. Você também passou dificuldades. Casou-se faz quinze
anos e logo ficou viúva. Nem quis mais casar-se de novo.
- Acho que não era destino meu ser mãe de família, Beatriz. Aceitei isso.
- E você Bianca? Também namorou bastante e resolveu não casar. Eu até
dou um conselho para vocês duas – falou Beatriz sorrindo – Procurem constituir
suas famílias. Vocês duas ainda não são velhas. Vocês têm em torno de quarenta
anos.
- Não Beatriz. – Disse Bianca com um semblante triste – nossa época já
passou. Não éramos para ser mães nessa vida. Você sim teve esse atributo
maravilhoso. Como disse Bárbara a pouco, você é uma mulher muito forte. Além
do problema de Edgar, seus filhos sempre deram muito trabalho. Agrediam-se
muito, tinham ciúmes um do outro, aprontavam várias peripécias na escola, e até
arrumavam confusões com colegas. Lembra aquele ano que você teve que mudar
José da Escola, pois ele foi expulso?
- É verdade Bianca. Mas se enfrentei bem tudo isso, devo ao meu marido
Júlio que sempre esteve ao meu lado e também tem a personalidade muito forte.
Não nego que por vezes ele teve que dar algumas boas palmadas nos meninos,
porém foi tudo por uma boa causa.
- E agora seus meninos já são adultos, não é mesmo Beatriz?
- Sim mas não é por isso que dão menos trabalho. O tempo passa, mas as
preocupações mudam minhas irmãs. Vejam vocês que com o Marcelo eu nem me
preocupo, pois é estudioso, se formou como Advogado e está na cola do pai. Os
outros dois é que me tiram o sono. Brigam muito entre eles e os motivos são
sempre os mesmos: Mulheres.
- Oh minha irmã – disse Bianca entre gargalhadas – Se as brigas são por
causa das mulheres, você não deve se preocupar.
- Também é por causa das mulheres. Eu acho os dois muito materialistas. Eu
e Júlio ainda nem chegamos aos cinqüenta anos de idade e já ouvi por de traz da
porta eles dois falando sobre herança. É muito cedo vocês não acham?
- Nossa minha irmã! Eles não precisam se preocupar com isso! – disse
Bárbara – os três terão uma fortuna imensa para dividir. Toda a herança por parte

331
As Moradas e os Segredos de Maria

do pai do seu marido ficará para vocês e conseqüentemente para eles. Laerte o
pai de Júlio tem apenas o irmão Leandro que ficou solteiro e assim como Laerte já
está ficando velho. E se eu e Bianca não casarmos, por parte da nossa família,
todos os bens de mamãe ficarão para seus filhos. E o nosso tio Júnior também
não terá filhos.
- Era exatamente isso que José falava para Edgar. Falava que tudo ficaria
para os três, inclusive as Terras de Jundiaí que pertenciam ao nosso avô Joel que
nem conhecemos. Diziam ainda que essas terras são vizinhas as terras da minha
sogra, que por sua vez herdou dos seus pais. Essas terras na verdade eram do
avô do meu marido. Eram de Marcos Albuquerque.
- Deixa pra lá, Beatriz. Coisas de jovens.
- Tudo bem Bárbara, mas ao que me assusta é a imaginação desses dois.
Eles não pensam em trabalho, em estudo, mas pensam em tirar partido dessas
facilidades proporcionadas pelos dividendos desses bens materiais. Realmente eu
e o Júlio temos que ter muito pulso firme para domar esses meninos.
- Fique calma Beatriz, e como você mesma nos diz sempre. Peça proteção a
Deus para que tudo corra bem.
- É verdade! Vocês têm razão. Sempre peço ajuda nas minhas orações, e
continuarei fazendo isso.

/ / /

Joana, a filha de mais velha de Augusto estava com vinte e quatro anos de
idade. Desde pequena, ela não se aceitava por ter nascido pertencente a raça
negra. Apesar de toda a educação calcada nos ensinamentos cristãos que seus
pais puderam proporcionar, ela por vezes se rebelava e ainda sentia na pele o
preconceito por ser diferente de muitas amigas. Seu irmão mais novo Juarez
sempre conversava com ela e tentava fazê-la esquecer dessas coisas.
- Joana, você tem que mudar esse seu modo de pensar – disse Juarez.
- Como posso mudar se às vezes percebo que algumas pessoas me olham
com desprezo só por causa da minha cor.
- Talvez isso seja algo da sua cabeça minha irmã. E mesmo que aconteça,
você tem que aprender a conviver com isso.
- Lá vem você falando que nem o papai. Sr.Augusto é todo cheio de
resignação. Ele é o Sr. Caridade. O Sr.Deixa pra lá. Não venha com o discurso
dele.

332
Carlos Eduardo Milito

- Quer saber minha irmã? Ele está certo. Ele me conta que aprendeu muito
com sua avó quando era menino. Dona Benedita, a mãe do Vô Genésio era uma
santa mulher.
- Tudo bem, Juarez, mas isso não faz mudar minha forma de pensar. Não
aceito muitas coisas. Sinto-me diferente de todos vocês. Vocês aceitam tudo. As
coisas não são bem assim.
- Está bem Joana. Você tem seu jeito de pensar e eu respeito. Creio que o
tempo e o sofrimento irão fazê-la mudar.
- Sai pra lá meu irmão. Que sofrimento que nada! Está rogando praga para
mim?
- Não é isso. O que eu quero dizer, é que mesmo o preconceito que
enfrentamos e ainda devemos enfrentar nas nossas vidas nos fará mudarmos. De
que adianta nos revoltarmos com isso? Mudará alguma coisa? A mudança tem
que ser no nosso interior. Somos todos iguais, minha irmã. Você tem que aceitar
isso. Deixe os outros.
Joana ficou pensativa e emudeceu. Preferiu não argumentar mais com seu
irmão. Lembrou-se ainda que que seus primos Vitor e Paula, filhos da sua tia
Ângela também tinham o discurso similar ao de Juarez. Então ela refletiu e pela
primeira vez achou estar mesmo agindo de forma errada. O que acontecia ali é
que Joana, que na vida anterior foi Clarice, começava naquele dia de fato a se
aceitar como ela era.

/ / /

Dona Benedita comentava com Inês sobre os entes que viviam na Terra.
- Inês. Você já está há quase vinte anos nesse intervalo celestial e deu para
observar o quanto nossas famílias já ramificaram não é mesmo?
- É verdade. Meu marido voltou como Edgar, ou seja, ele é bisneto dele
mesmo – falou Inês entre gargalhadas.
- Isso acontece em inúmeras famílias na Terra. Veja o caso de Júlio que
antes era Plínio. Também é um caso similar. Outro exemplo é Marcelo que antes
era Marcos Albuquerque.
- Tudo isso é maravilhoso. Esses laços familiares se entrelaçando durante as
gerações, e com isso a possibilidade de evoluirmos como pessoas.
- Exatamente. Fiquei sabendo também que Pedro e Dona Flora que também
trabalharam para você também estão conosco.

333
As Moradas e os Segredos de Maria

- Sim. Os dois deixaram a Terra praticamente na mesma época, no final do


ano passado, e o filho Francisco que já vinha trabalhando muito bem ficou sendo o
homem de confiança de meu filho Júnior.
- Então eles mantiveram o segredo do desastre de 1.917 até o final. Seu filho
Júnior havia me procurado quando eu já estava começando a ficar doente lá na
Terra por que desconfiava que Pedro soubesse algo há mais sobre o acidente.
Lembro que dei bons conselhos a ele dizendo para esquecer aquele passado
nebuloso. Ainda bem, Inês, que ele acabou por desistir dessa idéia.
- Realmente eu nunca poderia imaginar que Joel armasse um plano
daqueles.
- Veja você, Inês, que ele sofreu por décadas em regiões sombrias e
provavelmente terá fardos pesados nessa nova vida. Por vezes a justiça da Terra
falha, mas na eternidade da vida tudo se compensa.
- O que será que estará ainda reservado para Joe?
- O jovem José, que viveu como Joel ainda é novo na sua existência atual.
Somente o grande Arquiteto do Universo é quem sabe o que está destinado a ele.
O que posso dizer, minha amiga, é que ele retornou carregando algumas marcas
em sua roupagem astral que podem ocasionar algo no seu corpo físico ou na sua
roupagem carnal.
- Rezemos então, para podermos suportar o futuro sofrimento dos nossos
entes queridos lá na Terra minha amiga.
- Isso faz parte do processo evolutivo. Nossa resignação também é um
exercício. Temos ainda que tirar proveito dessas situações e agirmos em missões
de auxílio. Nosso exemplo por aqui é o caso de Adelaide que está sempre ao lado
de Edgar que foi Ernesto na vida anterior. Ele é portador de uma deficiência e
sofre muito com isso. Existe o preconceito por parte de amigos e existe a dor dele
por ter nascido assim. Se não fossem as atitudes providenciais de Adelaide, nosso
Edgar poderia até ter cometido suicídio. Daí sua missão carnal seria
desperdiçada.
- Benedita. É muito bom ouvir suas palavras. Estou sempre aprendendo e me
reciclando.
- Imagina, Inês. Sou apenas uma das peças da engrenagem desse mundo
celestial ajudando todos os irmãos nessa belíssima caminhada.

334
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 98

Fátima - 13 de Maio de 1.982

Inúmeros serventes de diversas moradas celestiais acompanharam naquele


dia o Papa João Paulo II na peregrinação feita a Fátima para agradecer a santa
por ter escapado com vida, um ano antes, do antentado sofrido na Praça de
S.Pedro. A coincidência da data com a primeira aparição de Maria o levava a crer
que fora salvo por ela. O Papa ainda aproveitava a visita e consagrava a Igreja, os
Homens e os Povos, com menção velada da Rússia, ao imaculado Coração de
Maria.
Dona Dora procurava Lucas naquela quinta-feira:
- Meu querido, eu tenho uma surpresa para você!
- Surpresa para mim vó? Estou a mais de seis décadas neste intervalo
celestial trabalhando com muita dedicação e não consigo imaginar o que possa
ser. Na última década acompanhei a chegada dos meus irmãos Laerte e Leandro,
da minha querida alma irmã Emília, de Clara e de seu marido Genésio, mas não
consigo imaginar qual surpresa está reservada para mim.
- Venha comigo Lucas. Logo saberá.
Lucas estava na sua casa e saiu caminhando pelo jardim que cercava aquele
local. De repente surgiu na sua frente uma linda jovem de cabelos dourados e
longos, olhos verdes e um olhar meigo e penetrante. Lucas a reconheceu no
mesmo momento. Era Antonieta, o seu grande amor de outras vidas. Então Lucas
emocionou-se e chorou de alegria. A lembrança da sua penúltima vida na cidade
de Florença na Itália veio toda na sua mente. Naquela época ele vivia como
Enrico. Os dois se abraçaram por um longo tempo até que depois Lucas disse:
- Meu amor. Quantos anos. É muito bom revê-la novamente. Como eu não
soube da sua chegada?
- Enrico meu amor. Fui levada diretamente a Morada Espaço Celestial há uns
cinco anos. Lá pude recuperar minha memória de outras vidas e dos intervalos
celestiais. A Morada que me acolheu está em um nível muito similar a sua.
- Como é bom poder revê-la. Nossos caminhos se bifurcaram e agora nos
reencontramos novamente.
- São os caminhos da vida eterna que só conseguimos compreender quando
estamos deste lado. Na verdade meu querido, eu quero que você me perdoe por
eu não ter te entendido quando você colocou a causa social em primeiro lugar
quando era médico em Florença.

335
As Moradas e os Segredos de Maria

- Perdoar do que Antonieta? Você não fez nada. Saiba que eu sempre te
amei! Eu saberia que chegaria o dia nessa eternidade onde nos reencontraríamos
e ficaríamos muito felizes com isso. Hoje é chegado esse dia.
- Enrico meu amor. Como é bom ouvir de você essas palavras. Nada como o
tempo e o aprendizado para nos deixar mais sábios. Tenho aprendido que somos
que nem uma pedra bruta de diamante e a cada existência na terra e a cada
intervalo celestial nós somos constantemente lapidados.
- É uma boa analogia comparando com os minerais do planeta Terra. Vamos
então continuar trabalhando com afinco para nos “lapidarmos” ainda mais. Se for
permitido pelos nossos Governadores, pedirei para quando eu renascer eu poder
estar ao seu lado em uma nova missão carnal.
- Também é meu desejo Enrico. Vamos aguardar a seqüência natural das
coisas.
- Com certeza. O importante disso tudo é que em uma nova missão carnal,
nós consigamos ter uma existência com grande proveito do ponto de vista
evolutivo. Mas vamos aguardar tudo isso com muita calma e continuarmos
trabalhando.

/ / /

Naquele mesmo dia, Angelina conversava sobre Adelaide sobre os entes que
viviam na Terra:
- Angelina minha amiga, você tem nova notícias do seu neto Júnior?
- Ele ainda vaga junto com os perambulantes terrestres. Desde quando
chegou a quase quatro anos não conseguiu ainda enxergar o caminho da luz. Sua
irmã Márcia que chegou há dois anos teve um acolhimento melhor junto a nossa
Morada.
- Continue então, minha amiga, intercedendo por seu neto.
- Lógico que sim. O fato de ele não poder ter tido filhos o debilitava bastante
na sua velhice e quando despertou deste lado da vida, ainda não percebia a
transição. Lentamente conseguiremos sucesso.
- Que bom Angelina. No caso de Márcia pelo menos ela já está em
treinamento no Palácio da Educação.
- Exatamente. Não só ela como o marido Lúcio também. Ainda bem que as
três filhas souberam entender que a vida é assim mesmo e superaram a partida
dos pais.
- O tempo minha amiga, sempre é o remédio para as perdas lá na Terra.
Perder por exemplo um pai ou uma mãe é doloroso sim, mas com o passar dos

336
Carlos Eduardo Milito

anos isso é assimilado por todos, agora, veja você o caso de Edgar que sofre com
sua deficiência até hoje e é discriminado. O rapaz já está com trinta e seis anos e
carregará isso por toda sua vida.
- É preciso resignação Adelaide. Veja José que tem trinta e oito anos e foi
acometido por um derrame há três anos. Ele perdeu todos os movimentos do lado
esquerdo e parece que ficará com essa lesão os restos dos seus dias.
- É verdade. Edgar e José estão pagando pelos erros de Ernesto e Joel, ou
seja, estão pagando pelos erros que eles mesmos cometeram. Então, se por um
lado o tempo estanca uma perda material, por outro ele dita o tamanho do
sofrimento de uma chaga incurável.
- Exatamente. E nossa querida Olga que vive como Beatriz está tendo uma
missão de expiação. Dos três filhos, dois estão praticamente inválidos.
Provavelmente esses dois não deverão mais casar, se bem que Edgar até que já
teve chance.
- Concordo minha amiga. José dificilmente se casa. Até sua fala foi
comprometida. Júlio seu pai já tentou fazer de tudo, mas parece que não solução
para o caso dele. Edgar quem sabe ainda pense em casamento. Mas o Marcelo,
já está casado há quatro anos e está muito feliz ao lado de Sandra, sua esposa. E
depois de tanto tentarem ter um filho conseguiram finalmente. E não era por
problema de idade, pois ela é dez anos mais jovem que ele.
- Isso mesmo Adelaide. O problema é que a moça tem apenas um ovário e a
missão dela é ter somente um filho. Por sinal, o menino Vinícius acabou de
completar um ano.
- Nosso companheiro de trabalho Fabrício foi designado para ser esse único
filho de Marcelo. Nessa vida ele se chama Vinícius. Lembra-se da alegria dele
quando soube dessa sua nova missão.
- Lógico que me lembro. A ligação de Fabrício com Olga era muito intensa.
Os dois trabalharam juntos no Palácio da Cura e havia muito carinho entre eles. O
que vai acontecer agora é que os dois irão trocar muito amor como avó e neta.
Nessa vida de Beatriz, antes Olga, e agora mãe de Marcelo terá esse único neto
para alegrar seus dias de sofrimento que ainda terá.
- Ela escolheu esse caminho e saberá enfrentar. E nós deste lado a
ajudaremos, pois continuaremos nosso trabalho de vibrações para todos eles.

/ / /

Dona Benedita encontrou seu filho Genésio nas cercanias de uma das escolas
do Palácio da Educação e falou:

337
As Moradas e os Segredos de Maria

- E então meu filho? Como tem passado?


- Muito bem, minha mãe. E fico mais feliz ainda sabendo que nossos
descendentes lá na Terra continuam a seguir o que nós semeamos.
- Sua preocupação é justa meu filho, porém seria mais nobre se isso se
estendesse para todos os habitantes do Planeta Terra. Todos deveriam seguir
esses conceitos de caridade, de benevolência, de doação total ao próximo e de
amor.
- Concordo mamãe. A senhora realmente é sábia. Está há mais tempo aqui
do que eu e logicamente tem maior conhecimento da vida. Mas é natural eu
pensar nos nossos entes, você não acha?
- Sim. Claro que os laços permanecem mesmo após nossa partida. Mas é
preciso saber por outro lado, que a essência divida é a mesma para todos nós.
Com o passar do tempo iremos compreender melhor tudo isso.
- Está certo minha mãe. Deixamos boas raízes entre nossos descendentes.
A única que me preocupava mais era minha neta Joana, no entanto ela
amadureceu bastante nos últimos anos.
- Joana era uma caso especial que precisava nascer pertencente a raça
negra. Seu inconsciente trazia essas rejeições que só agora foram desfeitas. Isso
é um bom sinal meu filho.
- Que ótimo, mamãe. Creio que nossa família vá se multiplicar e percebo que
assim, todos os seres vindouros serão criados nos mesmos preceitos de fé
iniciados pela senhora há muitos anos atrás.
- Que assim seja meu filho. Que assim seja para nossos descendentes e
para toda a população do Planeta Terra.

338
Carlos Eduardo Milito

339
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 99

Jundiaí - 1 de Julho de 1.995

Marcelo Albuquerque Silveira estava no seu auge com seus cinqüenta e dois
anos. Ele administrava todos os negócios da família que foi passando de geração
para geração e, por consentimento de suas tias e de seus irmãos, unificou as
terras da Fazenda Terra Nova com as da Fazenda São Paulo. Seu filho Vinícius
então, seria o único herdeiro de tudo, pois nem suas tias, nem seus irmãos tinham
constituído família. Havia um funcionário com o nome de Heitor que administrava
tudo aquilo, pois Francisco que era filho de Pedro e Flora e por muitos anos havia
administrado a Fazenda São Paulo, já estava muito idoso com oitenta e sete anos
e vivia ali de favor, pois por muitos anos se mostrou um excelente funcionário.
Agora ele ainda permanecia lúcido e só auxiliava em pequenas tarefas.
Naquele domingo Marcelo estava com seu filho Vinícius de catorze anos, sua
esposa, seus irmãos e seus pais na Fazenda onde passaram o final de semana.
Toda vez que eles resolviam ir para a lá em família, Marcelo juntamente com os
irmãos Edgar e José iam antes de helicóptero devido à condição física dos dois.
Então eles saíam diretamente do campo de marte e não demoravam mais do que
dez minutos para chegar na fazenda. Os demais preferiam ir de carro. Sandra era
muito solícita e fazia questão de levar sempre seus sogros além do seu filho
Vinícius
Esta facilidade de ir a fazenda de helicóptero, virou rotina para os três irmãos
toda vez que iam nessas terras. E ainda, por morarem em São Paulo em uma
luxuosa casa que era muito próxima ao Campo de Marte, isto seria um facilitador a
mais. Em meados dos anos oitenta, a família resolveu trocar a mansão da Av.
Paulista por uma outra localizada no Jardim São Bento. Naquela residência
moravam então Júlio e Beatriz, os três filhos, o neto e a nora.
Em torno das dez horas da manhã daquele dia, Marcelo havia saído com o
filho e foram ao centro de Jundiaí a procura de algum comércio aberto para
comprarem ingredientes que faltavam para um almoço que seria preparado por
Beatriz. No exato instante que Marcelo estava fora de casa, José começou a
passar muito mal, e pelos sintomas, tudo indicava um princípio de enfarte. Júlio
apesar dos seus setenta e sete anos de idade tomou as rédias da situação.
Sabendo que seu filho Marcelo estava ausente, logo contatou o Hospital Albert
Einstein em São Paulo dizendo que em poucos minutos um helicóptero estaria
pousando no seu heliponto com um paciente requerendo cuidados especiais.

340
Carlos Eduardo Milito

Júlio chamou o piloto Sérgio que estava hospedado muito próximo da casa
principal daquela fazenda e disse que tinham uma emergência. O próprio piloto,
sem nenhuma ajuda, tomou José pelo colo e o acomodou no helicóptero. Ele
queria ir só, no entanto Edgar interveio:
- Sérgio. Eu vou com você.
- Deixa disso Sr.Edgar. Eu levo seu irmão diretamente ao hospital. Pode
confiar em mim.
- Não se trata de confiança. Tem que ter alguém da família lá e posso muito
bem ser essa pessoa. Posso ter dificuldade de locomoção, mas com essa bengala
eu vou para onde eu quiser.
- Não se preocupe Sr. Edgar. Eu cuido de tudo.
- Deixe Edgar ir, Sérgio. Acho que ele pode ajudar sim. Não vamos polemizar
isso agora, pois temos pouco tempo. – disse Júlio em tom áspero – E por sinal
também vou.
- Dr Júlio. Tudo bem se seu filho quiser ir, mas sua presença não é
necessária agora. Descanse e fique por aqui. Deixa que mandarei notícias
constantemente.
- Como não é necessária minha presença, Sergio? Vamos deixar de
polemizar e acabar logo com isso. O tempo está passando. Vamos os três.
- Vocês é que mandam. Se acomodem então e vamos embora.
Passados dois minutos o helicóptero decolou em direção a São Paulo, para o
hospital Albert Einstein. Beatriz que ficou lá em companhia de sua nora e de Heitor
conseguiram avistar no céu aquela nave desaparecer no horizonte em poucos
minutos. Naquele exato momento Marcelo entrou com o filho e sentiu um clima
ruim vendo sua mãe chorando.
- O que foi mãe? O que está havendo?
- Seu irmão José. Ele saiu daqui muito mal. Tivemos que pedir para Sérgio
levá-lo de helicóptero para São Paulo.
- E o papai? E o Edgar?
- Também foram para acompanhar. Seu pai tomou as rédias de tudo. Não
conseguimos segurar Edgar e muito menos seu pai.
- Meu Deus. E para onde eles foram?
- O destino é o Hospital Albert Einstein em São Paulo.
- Vamos embora todos. Agora.

/ / /

341
As Moradas e os Segredos de Maria

O velho Francisco de oitenta e sete anos de idade morava sozinho em uma


das casas destinadas aos funcionários daquela fazenda. Filho de Dona Flora e de
Pedro que eram no início do século pessoas de confiança de Joel, depois do
falecimento dos pais resolveu viver só. Não casou e não teve filhos. Por vários
anos tomou conta da Fazenda. Na verdade, sua vontade era de ter seguido uma
carreira religiosa, no entanto, teve medo de seguir esse caminho, pois achava que
o pai o repreenderia por isso. Optou então em ficar solteiro e só.
Naquele exato momento, Francisco ouviu o barulho de uma explosão que
vinha do lado da Serra do Japí. Aquilo lhe fez lembrar o fato similar presenciado
por ele quando ele tinha apenas nove anos de idade. Então lhe veio a mente todo
o passado. O primeiro acidente aéreo na história da aviação civil do Brasil, as
repercussões na imprensa, as mortes dos três ocupantes daquela nave e tudo
mais. Francisco então saiu de dentro da sua casa e foi caminhando pelas
cercanias da fazenda. Após meia hora se deparou com Heitor que estava perto da
grande casa principal que hospedava os donos daquelas terras.
- Heitor, os Patrões se foram não é?
- Sim Francisco. José começou a passar muito mal. Você deduziu isso por
que ouviu o barulho na saída do helicóptero não é mesmo?
- Você vai dizer que estou ficando louco além de velho, mas eu ouvi muito
mais do que isso!
- Bom sinal Francisco – falou Heitor entre gargalhadas – Quando se fica
velho costuma-se ouvir cada vez menos, então você é uma exceção.
- O helicóptero caiu! Eu ouvi isso.
- Você está ficando louco mesmo! Imagina.
- Caiu, sim. Quem estava a bordo?
- Pare de bobagens Francisco. Estavam Dr.José, Dr. Edgar, e Dr.Júlio além
de Sérgio, o piloto.
- Espere para ver, Heitor. Aconteceu uma grande tragédia. Eu tenho certeza.
Quando eu era menino presenciei a queda do avião de Marcos Albuquerque e
agora aconteceu algo parecido com a família Albuquerque Silveira.
- O que é isso Francisco. Vira essa boca para lá.

/ / /

No final daquele Domingo, Marcelo já em São Paulo teve a confirmação da


tragédia. O helicóptero havia sido localizado no pé da serra do Japi totalmente
destruído e todos os ocupantes haviam falecido. Beatriz ficou em estado de
choque. Acabava de perder dois dos três filhos além do seu Marido Júlio. Com

342
Carlos Eduardo Milito

seus setenta e dois anos de idade ela ainda esbanjava muita saúde e jamais
imaginaria uma tragédia daquelas proporções. Suas irmãs Bianca e Bárbara
ficariam hospedadas na casa de Beatriz por algumas semanas para tentar
confortá-la.
Marcelo se desdobrava muito para amparar a mãe pela perda dos filhos e do
marido e além disso, tinha que estar atento ao seu filho Vinícius de catorze anos
que também gostava muito do avô e dos tios. Sandra também ajudava bastante
dando todo o carinho a sogra, ao marido e ao filho.
Os dias seguiam com muita dor, no entanto os seres de luz das Moradas
Celestiais estavam sempre por perto para dar o equilíbrio a todos que ali ficaram.
Márcia e Lúcio que eram membros da Morada Estrelas Reluzentes visitavam
quase sempre a filha Beatriz e o restante da família para ampara-los através de
vibrações. Angelina e Adelaide também faziam também esse mesmo trabalho de
sustentação dos que ficaram na Terra.

343
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 100

São Paulo - 15 de Julho de 1.995

Passadas duas semanas da tragédia que acometeu a família Albuquerque


Silveira, Beatriz conversava na sala da sua residência com suas irmãs.
- Não dá para acreditar, minhas irmãs. Às vezes acho que estou vivendo um
pesadelo – murmurava Beatriz.
- Não há palavras a dizer em uma hora dessas – disse Bárbara – Mas
estamos aqui para aquilo que você precisar.
- Júlio foi meu grande amor. Foi meu único homem! E desse nosso amor
geramos três filhos lindos. O amor que eu sentia pelo Júlio é algo que transcendia
a razão. Era pura loucura. Era paixão. Mas o amor que tinha pelos meninos, esse
era maternal, era divino, era indescritível. Só quem tem filhos pode dizer isso. Nós
damos a vida por essas pequenas criaturas que crescem. Se sofrem e se
machucam, nós sofremos juntos. Se ficam felizes, nós também ficamos. Nós
respiramos o ar que eles respiram. E se eles morrem, nós morremos um pouco
por dentro. Não há como comparar a dor da perda de um filho com a dor da perda
de um marido. Eu já disse: O amor que eu tinha por Júlio era intenso e beirava a
loucura, mas o amor que eu tinha por José e Edgar era diferente. Só quem é mãe
entende o que estou passando agora.
- Peça ajuda a Deus – disse Bianca – Creio que nessas horas o diálogo com
Deus pode ser através da prece.
- Estou rezando muito minhas irmãs. Peço forças para prosseguir minha
caminhada e também para que eles sejam bem acolhidos do lado lá. Somente
com a certeza da vida após a morte é que consigo me manter aqui com vocês.
- Muito bem, Beatriz. –disse Bárbara – É assim que você tem que agir. Isso
só lhe fará se sentir bem.
- Obrigado pela força minhas irmãs. E o meu querido neto Vinícius têm me
dado muito apoio. Aquele menino vale ouro. Ele é super meigo, muito inteligente,
teve uma boa educação religiosa e se mostra uma pessoa muito espiritualizada.
Além de Marcelo, ele é tudo que eu tenho na minha vida agora.
- O Vinícius é ótimo – disse Bianca – Apesar dos seus catorze anos ele
sempre tem boas palavras para todos os momentos. Ele realmente é muito
especial.
- Realmente ele vive me falando que gosta muito de ler e diz que vive
aprendendo coisas boas nas suas leituras. Para ele, o avô e os tios estão em
lugares melhores.

344
Carlos Eduardo Milito

- Mas pode ter certeza disso – disse Bianca – Tanto Edgar como José
sofreram bastante nessa vida. Pense que esse sofrimento agora se estancou, e
aonde quer que eles estejam, devem estar melhores.
- É verdade. Vou continuar trocando idéias com meu neto para me animar.

/ / /

O Palácio da Cura da Morada Universo Solar estava movimentado naqueles


dias. Os três integrantes da mesma família ali estavam no Centro de Recuperação
e deveria ficar lá por algumas semanas. Angelina e Adelaide estavam tendo o
privilégio de cuidar daqueles seres que há duas vidas atrás foram seus filhos.
- Angelina. Será muito bom podermos ver juntas os nossos filhos
despertarem.
- O momento está próximo Adelaide. Nessa missão carnal de
aproximadamente cinqüenta anos que os dois tiveram, eles puderam sanar as
lesões na roupagem astral com todo o sofrimento que tiveram.
- Sim. O sofrimento é um instrumento para o aperfeiçoamento da alma. Mas
o que eu acho mais importante nisso tudo é que o ódio foi totalmente extirpado do
coração dos três irmãos. Eles desenvolveram muita afeição por ter nascido na
mesma família, e então, crescendo nesse ambiente chegaram até a se tornar
verdadeiros amigos acima de tudo. Nas últimas duas décadas com a doença de
José se tornaram cúmplices um dos outros. Esqueceram as ambições materiais e
perceberam que o relacionamento fraternal estava acima de tudo.
- Bendita seja então a “bênção do esquecimento” quando somos designados
a uma nova missão carnal. Quando Edgar e José retomarem suas memórias e se
verem como Ernesto e Joel, tudo será diferente daqui para frente.
- Sim. Será diferente. Muitos por aqui falam: O sistema é perfeito, querida
Angelina. É preciso sempre aguardar a seqüência natural das coisas para
percebermos isso. O tempo para nós representa muito pouco. Cem anos medidos
na Terra para nós equivale a um sopro na eternidade. Então veja que esse meio
século foi muito proveitoso para eles.

/ / /

Dona Benedita conversava com Clara e Genésio nas cercanias do Palácio da


Educação:
- Meus queridos, o filho de vocês, o Augusto que chegou há exato um ano é
um ilustre ser desta morada. Ele esteve no Setor de Arquivos do Palácio da

345
As Moradas e os Segredos de Maria

Transformação e já retomou suas memórias de vidas anteriores e de intervalos


celestiais. Aqui antes de partir, ele chamado por Antero.
- Eu já sabia, minha mãe – disse Genésio – E nossa querida Ângela?
Chegou aqui também faz alguns meses e desde a semana retrasada não tive mais
notícias dela.
- Ela está bem. Como você já sabe é uma servente do Palácio da
Sustentação e está em missões de auxílio pelo Planeta Terra e por isso trabalha
muito e não para. E os demais que também já chegaram assim como Jurandir,
que viveu como marido de Ângela e Soraya que viveu como esposa de Augusto
também estão trilhando bons caminhos por outras moradas vizinhas a nossa.
- Que bom minha mãe. Clara tem uma preocupação especial pela saúde de
Joana que não anda bem.
- Entendo. Joana que foi Clarice e ainda vive na Terra como neta de vocês
está com câncer no intestino e não deverá viver mais do que cinco anos. É
importante vocês fazerem um trabalho de sustentação para dar todo o amparo a
ela nesses anos vindouros além de envolve-la com muito amor e carinho para que
quando ela chegue aqui seja recebida com muita tranqüilidade.
- Dona Benedita – disse Clara – Quando Joana chegar e retomar a
lembrança de que foi minha mãe Clarice, estarei de braços abertos para o
reencontro.
- Faça isso, Clara. Será um momento sublime na sua vida celestial.

346
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 101

Morada Universo Solar - 15 de Dezembro de 1.995

Naquela manhã de sexta-feira, José e Edgar estavam no Setor de Arquivos do


Palácio da Transformação. Os dois retomaram juntos a memória do último
intervalo celestial e da penúltima existência na Terra. Quando Dona Dora terminou
o seu trabalho e os dois se levantaram das suas respectivas mesas, José olhou
para e seu irmão Edgar e com os olhos completamente cheios de água,
aproximou-se dele. Em seguida, os dois deram um grande e emocionado abraço
como duas pessoas que não se viam há muitos anos. Foi um momento de forte
emoção. Os dois abraçados choravam juntos e até Dona Dora não conseguiu se
segurar naquele momento. José então falava:
- Quanto sofrimento nós poderíamos ter evitado, meu irmão.
- Estivemos cegos por várias décadas. Temos ainda que pedir desculpas a
Marcelo pelo que fizemos com ele – Disse Edgar.
- Estou muito arrependido do que planejei quando vivi como Joel. E veja só o
destino. Depois de tantas idas e vindas, hoje, Marcos Albuquerque vivendo como
Marcelo herdou o que era dele mesmo e herdou o que era meu. Agora sim, tenho
a visão de que nada disso mais importa. Uma hora ele estará aqui conosco e os
bens ficarão lá na Terra.
- Acho que o nosso sofrimento por todos esses anos nos serviu como lição.
Daqui para frente, temos que começar a trabalhar focando sempre o caminho da
evolução.
José e Edgar estavam comovidos e felizes. Em seis meses nesse novo
intervalo celestial tiveram uma recuperação razoável. Depois de três meses de
tratamentos no Centro de Recuperação do Palácio da Cura, conseguiram reaver
todos os atributos das suas roupagens astrais. José não mostrava mais a
deficiência causada pelo derrame que teve e nem Edgar mostrava mais seus
traços ocasionados pela paralisia infantil.
Adelaide e Angelina logo se mostraram presentes para eles assim que
retomaram a consciência, mas nada contaram sobre o passado deles. Elas
apenas se mostravam serventes do Palácio da Cura e ajudavam os dois nos
tratamentos. Naquele momento então, as duas ilustres senhoras sabendo que
seriam reconhecidas entraram naquele ambiente fazendo com que a emoção por
ali florescesse novamente.
- Olá rapazes. Gostaram do que descobriram? – Perguntou Angelina.

347
As Moradas e os Segredos de Maria

- Minha querida mãe. – falou José com água nos olhos se dirigindo a ela e
dando um abraço apertado. – Só tenho a agradecer o que você vem fazendo por
nós por todos esses anos.
- Tudo foi feito por amor meu filho.
Da mesma forma, Edgar abraçou a mãe com muita emoção e disse:
- Mãe! Perdoe-me por eu ter desvirtuado do caminho da verdade.
- Você não tem que pedir perdão a mim, meu filho. O seu remorso, seu
arrependimento e todo o sofrimento que você passou estão colocando você
novamente na trilha do bem.
Os cinco continuaram lá por um longo tempo conversando e planejando seus
próximos trabalhos celestiais que teriam pela frente. Conversaram também sobre
Júlio que diferentemente dos dois irmãos, logo se engajou em laboriosos trabalhos
no Palácio da Educação. Aquele dia então, marcava o começo de uma nova era
para José e Edgar.

348
Carlos Eduardo Milito

CAPITULO 102

Morada Universo Solar - 3 de Dezembro de 1.999

Dona Benedita chamava Clara para uma conversa no início daquela sexta-
feira:
- Minha querida, como você já sabe, Joana chegou à nossa Morada há
exatos quatro meses. Ela se recuperou muito bem após ter sofrido tanto com sua
doença terminal lá na Terra. Ela se foi jovem, pois sua missão durou cinqüenta e
sete anos. Neste exato momento, ela está de Setor de Arquivos do Palácio da
Transformação se lembrando da vida na qual foi sua mãe Clarice, além do seu
penúltimo intervalo celestial. É chegado então o tão aguardado momento de
reencontro.
- Meu Deus. Que emoção!
- E o Genésio irá te acompanhar, pois além de vocês terem sido avós dela na
última vida na Terra, foi mostrado a ela também outras ligações de outras vidas.
- Eu não tenho palavras para agradecer esse momento, Dona Benedita.
- Não é necessário agradecer. Vamos ao encontro de Joana.
Joana acabava de se levantar da mesa onde estava o globovisor e com água
nos olhos disse a Dona Dora.
- Como eu fui injusta com Clara. Apesar de eu tê-la como avó na minha
última existência, o que está mais forte na minha mente agora, são os fatos
ocorridos na vida anterior a esta última. Eu daria tudo para revê-la e pedir o seu
perdão.
- Minha querida, a pluralidade das existências nos permite isso sim. O seu
arrependimento pelo que fez é um bom sinal. O reconhecimento dos erros
anteriores nos engrandece.
- E onde está Clara? Ela vive aqui conosco ou ela já voltou.
- Ela está mais próxima do que você imagina, minha querida Joana.
Naquele exato momento, surgiram na frente de Joana, Clara acompanhada de
Genésio e Dona Benedita. Joana se pôs a chorar e após longos minutos abraçou
Clara e falou:
- Perdoe-me Clara. Perdoe-me por tantos erros minha filha.
- Lógico que eu te perdôo, minha querida. Os que eu mais esperava nesses
anos todos de intervalo celestial era este momento mágico minha querida mãe.
Quando eu tive você como neta lá na Terra, eu não poderia imaginar que por de
traz da adorável Joana, era você quem ali estava. Eu sempre te amei, minha
querida.

349
As Moradas e os Segredos de Maria

- Não tenho palavras para expressar minhas emoções por saber que você
me perdoou.
- Pare de chorar, minha mãe.
- Você está linda com essa sua roupagem astral, minha filha.
- Acho que isso não tem muita importância por aqui. Resolvi manter minha
aparência quando eu tinha em torno de quarenta anos na minha última existência.
Mas acho que a senhora está muito bem com essa roupagem astral da sua última
existência como Joana – disse Clara para descontrair o ambiente e quebrar um
pouco aquele clima emotivo.
- Você acha mesmo, minha filha?
- Acho sim, mas volto a te dizer que isso pouco importa. Aqui os conceitos
são outros e os enfoques são outros.
- Vou me manter com esta roupagem astral. Depois de tanto sofrimento, e de
início titubear, tive orgulho de ser negra. Foi uma ótima experiência que tive na
Terra.
- Ótimo, mamãe. Também tive muito orgulho de ter sido escrava há duas
existências. Agora que a senhora já superou esses preconceitos poderá em breve
trabalhar em prol da evolução de nossa morada e do universo.
- Com certeza minha filha. Saberei esperar o momento certo.

/ / /

Naquele mesmo dia, Júlio conversava com Emília após um longo dia de
trabalho.
- Mãe. Minha querida esposa Beatriz está de volta já faz um mês e eu
gostaria muito de poder vê-la. Retomei minhas memórias das vidas passadas,
pois já estou aqui há quatro anos, e tenho o desejo muito grande em rever o
grande amor da minha vida.
- Controle sua ansiedade meu filho. Em breve, Beatriz irá retomar suas
memórias de vidas anteriores e vocês se reencontrarão. Ela ainda necessita de
mais algumas semanas, pois sofreu muito nos seus últimos anos na Terra. Desde
a sua perda juntamente com a perda dos seus filhos, ela começou a ficar
debilitada. E de dois anos para cá, com a doença de Marcos ela piorou de vez. Ela
rogava em preces para que seu filho Marcelo não morresse antes dela. Veja que
ela foi atendida, pois pelo tipo de leucemia que ele sofre, era para já ter chegado
aqui.
- Realmente a minha querida Olga, hoje como Beatriz, sofreu muito nesses
seus últimos anos. Que bom que agora ela está bem!

350
Carlos Eduardo Milito

- Irá melhorar cada vez mais, e em breve vocês se reencontrarão.


- E o meu filho Marcos? Está sofrendo bastante né?
- Sim. Ele ainda tem débitos da vida quando foi o poderoso Marcos
Albuquerque, o meu pai.
- O que nos resta então, é nos resignarmos minha mãe. Assim como me
resignei com Beatriz por vê-la sofrer nos últimos anos, farei o mesmo por Marcelo.
- Em breve Marcos também estará conosco. Então vocês três se
reencontrarão. A mesma família que viveu como Plínio, Olga e Marcos
Albuquerque estarão em pouco tempo aqui na nossa Morada. Todos juntos.
- Que assim seja minha filha. Foram anos e anos de caminhada até
conseguirmos o atributo de nos encontrarmos em melhores estados e no caminho
da verdade. Estarei muito feliz quando chegar esse dia.
- Como você sabe meu filho, Olga antes de voltar em missão carnal como
Beatriz escolheu essa belíssima missão de expiação. Este sofrimento dela é por
débitos anteriores a vida que vocês estiveram juntos. No Século XV quando viveu
na Europa ela ajudou algumas prostitutas a abortarem quando engravidavam. Ela
receitava ervas para isso. Então, apesar de ela já ter voltado algumas vezes e
pago pelo que vez, ainda havia resquícios daquelas lesões.
- Eu sei disso minha mãe. E antes de voltar como Beatriz, minha querida
Olga faleceu no parto de Marcos Albuquerque.
- Mas o que você ainda não sabe meu filho, é que uma das crianças que ela
abortava naquela época foi o próprio Marcos, hoje Marcelo.
- Como é perfeita a pluralidade das existências minha mãe. Tudo se ajusta
ao longo da eternidade.
- Com certeza meu filho.

351
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 103

Morada Universo Solar – 15 de Janeiro de 2.000

Marcelo Albuquerque que havia chegado a Morada Universo Solar uma


semana antes, foi diretamente encaminhado ao Palácio da Cura. Nos últimos dias
de vida ele pedia para morrer. Passava muito mal, tinha ânsias de vômito e não
conseguia mais se alimentar. A dificuldade e o tempo hábil de encontrar um
doador de medula óssea descartaram qualquer hipótese de transplante.
Sua família passava por outro baque. Após cinco anos do acidente de
helicóptero, em um intervalo de menos de três meses, ele perderam a matriarca
Beatriz e depois o Marcelo no vigor dos seus cinqüenta e sete anos de idade. O
jovem Vinícius agora com dezenove anos de idade conseguiu superar toda aquela
perda. Ele tinha um grande apoio das tias Bárbara e Bianca e no seu íntimo, algo
lhe dizia que tudo tinha que ser daquela forma. Como um rapaz muito inteligente e
esforçado, ele com a ajuda da mãe, em poucos anos tomaria conta de tudo com
presteza.

/ / /

Naquele início de ano, também tinha deixado o Planeta Terra o velho


Francisco de noventa e dois anos que morava na fazenda dos Albuquerque
Silveira. O administrador Heitor desde o falecimento de Marcelo prestava contas a
Dona Sandra e ao jovem Vinícius que se mostrava muito interessado por tudo.
Naquele dia em uma conversa informal os dois assim dialogavam:
- Fique tranqüilo Vinícius. Já conversei com sua mãe e quanto a
administração da fazenda você pode ficar tranqüilo. Eu imagino o que vocês vêm
passando, e eu não quero trazer mais problemas para vocês.
- Obrigado, Heitor. Minha mãe está sofrendo mais do que eu. Eu não sei te
explicar, mas eu enxergo as coisas de um jeito diferente. Eu vejo tudo isso aqui
como uma passagem. É lógico que sofremos com a perda dos entes queridos,
mas um dia eu sinto que nos reencontraremos em algum lugar. Eu acho que tudo
é cíclico.
- Acho que você faz bem em pensar assim, meu jovem. Se isso te conforta
vá em frente. Tenho até uma curiosidade para te contar em relação a esse
assunto: O velho Francisco, que faleceu também recentemente, no dia do
acidente, disse ter ouvido o helicóptero cair, e mesmo antes da notícia oficial
chegar aqui havia me contado tudo. Afirmava que seu avô e seus tios tinham

352
Carlos Eduardo Milito

caído. Dizia ter acontecido uma tragédia, pois quando menino, presenciou a
explosão do avião do seu tataravô Marcos Albuquerque. O mais intrigante dessa
estória é que no local onde caiu o helicóptero era impossível ouvir o barulho aqui
da fazenda.
- São mistérios da vida, Sr Heitor. E quando vocês tiveram a confirmação do
acidente do helicóptero? Qual foi a reação do velho?
- Às vezes eu achava que ele não falava mais coisa com coisa. Até disco
voador ele dizia ter visto. Ele veio com uma estória que quando menino ouviu por
de traz da porta uma conversa dos seus pais dizendo que o acidente do avião do
seu tataravô havia sido planejado pelo seu outro tataravô Joel. Daí ele falava que
esse novo acidente era para fechar o círculo.
- Nem vamos tentar entender isso, Heitor. E mesmo que quiséssemos,
Francisco não está mais aqui não é mesmo? – disse Fabrício entre gargalhadas.
- É verdade, patrãozinho.

353
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 104

Morada Universo Solar – 15 de Março de 2.000

Por um pedido de Mestre Jonas, Júlio ainda não havia reencontrado Beatriz.
Desde o final de Janeiro ela já havia retomado a sua consciência e sabia que era
Olga na vida anterior. Então, o casal que havia vivido como Plínio e Olga já estava
com a memória do passado resgatada. Eles só não haviam se encontrado ainda.
Os dois também já sabiam que seu filho Marcelo ali estava desde o início do ano.
E naquele dia especificamente, Marcelo por estar se recuperando muito bem,
foi presenteado por Mestre Klaus que pediu para que ele fosse levado para o
Setor de Arquivos do Palácio da Transformação onde ele teria a memória das
vidas anteriores também resgatadas.
Enquanto Marcelo estava dentro da sala do Setor de Arquivos, bem defronte
ao prédio que abrigava aquele setor Júlio transitava pelo local em companhia de
seus filhos Edgar e José. Naquele instante, surgiu na sua frente a figura de Beatriz
mais deslumbrante do que nunca. Ela apareceu para os dois filhos e o marido com
a aparência no auge dos seus quarenta anos de idade, com uma fisionomia
radiante de alegria.
A emoção pairou naquele ambiente. Júlio foi de encontro a Beatriz e a chamou
pelo nome marcante da outra vida.
- Olga, meu amor! Que saudades!
- Plínio. Estamos juntos novamente. Eu não disse a você que nos
encontraríamos pela eternidade!
Em seguida, Olga olhou para os filhos Edgar e José e também falou:
- Meus queridos. Que bom vê-los também. Como é bom saber que vocês já
estão em perfeito equilíbrio – falou Beatriz com água nos olhos e em seguida
abraçou os dois com muito carinho.
- É bom para nós poder vê-la assim tão bem minha mãe – disse José.
- Mãe a senhora esta bela como sempre – disse Edgar.
- Estou muito feliz por poder estar aqui, meus filhos.
Alguns instantes depois daquela belíssima e emocionante cena, saiu de dentro
do formoso prédio que abrigava o Setor de Arquivos, o filho Marcelo
acompanhado de duas distintas senhoras: Emília e Clarice, que foram suas filhas
quando ele viveu como Marcos Albuquerque.
Júlio e Beatriz não resistiram à emoção. Choraram bastante. Naquele
momento da vida celestial, as vidas se entrelaçavam. Júlio juntamente com Beatriz
abraçaram Marcelo com toda a força. Naquele momento eles reviveram Olga e

354
Carlos Eduardo Milito

Plínio abraçando o filho Marcos Albuquerque. Em seguida a cena mais comovente


foi a dos três irmãos ali presentes: Marcelo abraçou José e chorava de alegria. Em
seguida abraçou Edgar com todas as suas forças para na seqüência abraçar
juntamente os dois irmãos. Não eram precisas ser ditas quaisquer palavras para
exprimir as sensações daquele momento. Aqueles gestos por si só já diziam tudo.
Todos os expectadores daquela cena estavam em prantos. Mas era um choro de
alegria. Era um momento mágico que o mundo celestial presenciava. Marcelo
então falou para os irmãos:
- Peço perdão a vocês dois pelos meus erros anteriores. Joel, me sinto
arrependido pelo que fiz quando sabotei sua produção. E quanto a você, Ernesto,
também te persegui nas regiões obscuras no nosso penúltimo intervalo celestial.
- Nós é que te pedimos perdão – disse José comovido – Eu e Edgar tiramos
sua vida e de mais duas pessoas inocentes.
- Meus irmãos. Tenho aprendido que o ato de perdão é um atributo divino.
Nossa convivência como irmãos nessa última vida nos serviu de preparo para este
momento que vivenciamos agora. É claro que eu perdôo vocês. Vamos tirar
proveito então de todas as coisas boas que esses anos de expiação nos
proporcionaram. Estamos mais maduros e calejados. Assim fica mais fácil exercer
esse soberbo ato de perdão. Vocês estão perdoados meus queridos.
Em seguida apareceram por ali os outros personagens do acidente de 1.917.
Lucas e Paulo Ribeiro. Novamente constrangidos e emocionados, José e Edgar
iam começar a falar com os dois quando Lucas nem deixou os dois falarem e
interrompeu:
- Meus queridos, antes que vocês digam alguma coisa, quero fazer das
palavras de Marcelo, as minhas palavras e as palavras de Paulo Ribeiro. Vamos
deixar o passado para trás e viver novos desafios nessa caminhada celestial.
Estarei sempre de coração aberto para vocês.
Por fim, Angelina e Adelaide também chegaram para dar as boas vindas ao
recém memoriado Marcelo. A agradável conversa prosseguiu por mais algum
tempo e em seguida cada um tomou seu rumo. Ali havia sido revelado por Lucas
que no máximo em dez anos ele nasceria como filho de Vinicius e teria novamente
Emília como irmã. Antonieta, sua alma gêmea, nasceria em outra família e teria
seu destino novamente entrelaçado com o de Lucas. Eles viveriam um grande
amor e teriam uma família antes da metade do século XXI. Então a árvore
genealógica cresceria por gerações e gerações, dando a oportunidade àqueles
que a compuseram nas gerações anteriores, de voltarem e se aprimorarem em
rumo ao divino.

355
As Moradas e os Segredos de Maria

CAPITULO 105

Vaticano – 26 de Junho de 2.000

Naquele dia a Igreja Católica divulgava para o mundo a sua interpretação


sobre a terceira parte do segredo de Maria. Tudo que a vidente Lúcia havia
transcrito na década de quarenta e passado para as autoridades religiosas foi
falado vários anos depois, onde seu significado era de antever o atentado ao Papa
João Paulo II em 13 de Maio de 1.981.
Excepcionalmente no final daquele dia, mais precisamente ao cair da tarde,
Mestre Ulisses, o governador do Palácio da Comunicação, fez um convite a todos
os seres da Morada Universo Solar para que estivessem no chamado Vale
Musical que ficava nas proximidades do prédio da sua governadoria. Ele
calmamente começou a falar para a multidão de habitantes daquela morada:
- Boa tarde meus amigos e minhas amigas. Estendi esse convite a todos os
seres desta nossa morada para que ouçam algumas palavras minhas e por fim,
sejam agraciados com algumas melodias divinas. Dessa forma, creio que depois
vocês sairão daqui com as energias renovadas para a continuidade dos trabalhos
celestiais. Quero agora que vocês compartilhem este momento de revelação feita
ao Planeta Terra. Trata-se da revelação da terceira parte do segredo de nossa
Guardiã Mor.
Mestre Ulisses fez uma pequena pausa e prosseguiu:
- Toda aquela imagem que os videntes avistaram, como se fosse um filme
rodando naquele treze de julho de 1917 , segundo a Igreja, foi para dizer que no
futuro um dos Papas sofreria um atentado. Passados mais de seis décadas,
precisamente em treze de maio de 1981, o chefe da Igreja Católica representado
pela figura do Papa João Paulo II foi atingido em um grave atentado.
Todos olhavam atentamente Mestre Ulisses que prosseguiu:
- A coincidência das datas juntamente com o fato de haver um Santo Padre
na visão da menina Lúcia no início do século, fez com que a Igreja chegasse a
essa tal conclusão. Mesmo assim, seus integrantes resolveram que a chamada
guerra fria entre Rússia e Estados Unidos estancasse para ter certeza em fazer
essa divulgação.
Mestre Ulisses fez uma pausa e com sua fisionomia tranqüila prosseguiu:
- Em reuniões com os Governadores dos nossos Palácios por todos esses
anos, nossa preocupação sempre foi o de uma Guerra Nuclear no Planeta Terra.
O potencial de uma bomba atômica foi conhecido ao final da Segunda Guerra
Mundial com a destruição de Hiroshima e Nagazaki. Então, muitos dos nossos

356
Carlos Eduardo Milito

súditos estiveram junto com os governantes de grandes nações em intenso


trabalho de vibrações para que eles fossem influenciados para que paz reinasse
no Planeta Terra.
Após outra ligeira pausa, Mestre Ulisses falou da sua opinião em consenso
com as dos demais governadores ali presentes:
- Acreditamos que Igreja fez bem em revelar a terceira parte do segredo
dessa forma. É preciso entender que muitas das coisas que partem daqui e
chegam lá através de visões pelos seres terrestres, chegam sempre em forma de
metáforas e isso dá margens a diversas interpretações. Vejam vocês, por
exemplo, o caso das sagradas escrituras. Existem segmentos religiosos que tiram
proveito de palavras interpretadas ao pé da letra, visando apenas o
enriquecimento temporário. Depois que os líderes desses segmentos religiosos
chegam aqui, ficam habitando regiões obscuras por décadas.
Mestre Ulisses olhou para os outros cinco governadores e então prosseguiu:
- Se não tivéssemos uma posição da Igreja, poderíamos ter então uma
utilização não adequada do terceiro segredo de Maria, onde cada vez mais seres
terrestres poderiam usar todas as metáforas para fins escusos. É lógico que a
Terra não está livre de uma Guerra Nuclear, ou de outras catástrofes ocasionadas
por forças das invenções do próprio homem, mas não é por isso que grupos de
alguns seres humanos devem usar um texto metafórico fazendo inocentes
criaturas acreditarem naquilo que desejam.
E finalmente Mestre Ulisses concluiu:
- O que na verdade tem que ficar na mente dos humanos a respeito de todos
esses ensinamentos, já foi revelado entre linhas nas falas da nossa Guardiã Mor
desde a primeira vez que ela surgiu para os pastorinhos. Foi mencionada por mais
de uma vez nas suas aparições, a palavra "penitência" e isso contemplaria a
prática de algum benefício em favor do próximo com total doação, sacrifício e
empenho. Isso nada mais é do que a pura expressão do amor; da solidariedade
fraterna, da benevolência e da caridade, que grande parte dos humanos se
esquiva em praticar. Essa revelação é mais importante do que o significado dos
três principais segredos. A prática do amor universal ditas nessas entre linhas
poderia ser chamado como o quarto segredo assim como o fato dessa santa
mulher ser a Virgem Maria, mãe do Mestre dos Mestres, o quinto segredo.
Mestre Ulisses por fim, pediu a todos que fizessem silêncio e mentalizassem o
Mestre dos Mestres pedindo ao Planeta Terra muito equilíbrio para que o século
que estaria por iniciar fosse ainda melhor para todos os humanos. Alguns minutos
se passaram e o silêncio naquele ambiente era total. Vagarosamente cada um dos
presentes ia abrindo os olhos até que todos continuavam a olhar fixamente nos

357
As Moradas e os Segredos de Maria

olhos do Governador. Antes dele autorizar o início das músicas divinas que
estariam por vir ele encerrou:
- Muito bem meus queridos, vamos agora encerrar esse nosso encontro ao
som dessas melodias celestiais que dedicaremos a nossa querida Guardiã Mor, a
chamada Nossa Senhora de Fátima pelos amigos da Terra, que é a nossa Santa
Maria, mãe do Mestre dos Mestres, chamado de Jesus Cristo por nossos amigos
da Terra.
Na frente de toda aquela multidão começou a surgir um palco em forma
inclinada onde pouco a pouco surgiam os músicos que se acomodavam em
diversos níveis daquele cenário. De certa forma, aquilo lembrava a arquibancada
de quando a Guardiã Mor aparecia para as crianças em Portugal. Só que desta
vez, cada um dos presentes portava um instrumento. Após a chegada de dezenas
de músicos com os mais variados instrumentos, outros componentes começavam
a preencher os últimos espaços daquele palco inclinado. Estes não portavam
nenhum instrumento, pois apenas iriam compor um grande coral para completar
aquele espetáculo.
Em poucos instantes a música começou a tocar. Com indescritível beleza,
aquela melodia tocava o coração de todos que ali estavam. Não era possível
comparar suas notas e sua harmonia com qualquer coisa ouvida na Terra. Tudo
era de magnífica beleza. Os sons produzidos pelos músicos e pelo coral
formavam um imenso arco íris celestial, onde a partir dali, aquilo saia em forma de
vibração para o Planeta Terra. Não era por acaso que o Vale Musical fazia parte
do Palácio da Comunicação. O intuito ali, era irradiar coisas boas não só para o
Planeta Terra, também como para todas as moradas da sua vizinhança.
As músicas prosseguiam e os seres celestiais se emocionavam a cada nota
que ouviam. Seus efeitos surtiam para eles tais como preces provindas dos seres
da Terra. O momento era mágico e proporcionava muita alegria para todos que ali
estavam. Intimamente cada um deles agradecia ao grande Arquiteto do Universo
pela dádiva da vida.

358
Carlos Eduardo Milito

EPÍLOGO

“Morada Universo Solar” – 11 de Setembro de 2.001 – Terça-Feira – 8:12h

Mestre Jonas, o Governador do Palácio da Sustentação estava em seu amplo


gabinete quando recebeu a chamada de Mestre Klaus, o governador do Palácio
Divino pelo seu globovisor.
- Bom dia, Jonas. Hoje teremos um difícil trabalho pela frente.
- Estamos sempre à disposição, Klaus. Já lidamos com duas guerras
mundiais, uma série de catástrofes naturais, conflitos localizados e como você já
sabe, inúmeras outras coisas.
- O fardo será pesado, Jonas. Trata-se de um ataque terrorista. Vou precisar
de um grupo do seu Palácio liderado por alguém de muita experiência para estar
daqui a alguns minutos nas imediações do Word Trade Center, em Nova York . Se
nossa morada conseguir liderar um grupo de umas cem pessoas estará de bom
tamanho. Isso se unirá a outros grupos de outras moradas para fazer todo o
trabalho de auxílio. Há também outros locais nos Estados Unidos que
necessitaram dos trabalhos astrais tais como o Pentágono. Mais de três mil
pessoas perderão suas roupagens carnais como em um piscar de olhos.
- É com muita tristeza que recebo essa notícia, Klaus. Já vou providenciar os
nossos grupos de auxilio.
- Faça isso e nos falaremos depois.
Naquele mesmo minuto, Mestre Jonas pediu a presença de Lucas e Paulo
Ribeiro no seu Gabinete.
- Olá meus queridos. Não temos muito tempo para conversas. Preciso que
você, Lucas, chame os nossos melhores súditos para o trabalho que teremos.
Vocês se lembram do genocídio da Segunda Guerra? Pois então, trata-se de algo
parecido. Teremos muitas vidas perdidas de uma só vez. Tente organizar nos
próximos minutos toda a força tarefa para fazer o trabalho de sustentação da
atrocidade que teremos hoje.
- Tudo bem, Mestre Jonas. Eu cuido de tudo e Paulo ira me ajudar. Diga-me
onde temos que ir.
- É uma missão que iniciará nos ares dos Estados Unidos da América. Tudo
começará com alguns acidentes aéreos. O principal deles será em Nova York nos
dois prédios mais altos que ali existem.
- Certo Mestre Jonas. Iremos agora. Com licença, por favor.
- Lembrem-se daquele conselho de sempre: É sempre bom que vocês
fiquem atentos. Em uma missão como essa, vocês irão se deparar com outras

359
As Moradas e os Segredos de Maria

forças. Haverá um inúmero contingente de forças perturbadas pelo local. Estes


pobres seres estarão inertes a vocês e sintonizados em outras freqüências. Como
vocês sabem, esses vampiros das trevas se alimentam dessas situações. Vocês
têm então que atender aos recém chegados com todo o carinho, todo o afeto e se
vigiarem dessas forças escusas. Passem para os nossos súditos o recado: Muito
amor nesse momento. Muito amor!
Lucas e Paulo saíram do Gabinete e logo providenciaram uns quinze grupos
de dez pessoas para aquele trabalho. Da frente do prédio que abrigava aquela
governadoria partiram os quinze veículos astrais em direção ao Planeta Terra.
Aquela cena, percebida apenas pelos habitantes daquela morada, era o começo
de uma nova tarefa.
Nas imediações dos Estados Unidos os grupos da Morada Universo Solar se
juntaram com inúmeros grupos do outras moradas de luz. Milhares de seres
desprovidos de roupagem carnal que trilhavam o caminho da verdade já
aguardavam os fatos que ocorreriam naquele onze de setembro de dois mil e um.
O que eles teriam naquele momento, era apenas mais trabalho pela frente. Muito
mais trabalho do que poderiam imaginar.

360

Você também pode gostar