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Titulo original: Playing and Reality. Traduzido da primeira edigio inglesa publicada em 1971 por Tavistock Publications Ltd., 11 New Fetter Lane, London EC 4, Copirraite © 1971 de D. W. Winnicott Editoragao Coordenador: PEDRO PAULO DE SENA MADUREIRA Tradugdo: JOSE OCTAVIO DE AGUIAR ABREU e VANEDE NOBRE Revisdo: FRANCISCO DE ASSIS PEREIRA Capa: LEON ALGAMIS 1975 Direitos para a-lingua portuguesa adquiridos por IMAGO EDITORA LTDA., Av. N. Sra. de Copacabana 330, 109 andar, tel: 255-2715, Rio de Janeiro, que se reserva a propriedade desta tradugio. Impresso no Brasil Printed in Brazit D.W.WINNICOTT OBrincar & aRealidade Colegio Psicologia: Psicanalitica Diregio de JAYME SALOMAO 92000015800 DEDALUS - Acervo - EACH Membro-Associado da Sociedade Brasileira de. Psicandli Rio de Janeiro. Membro da Associagao Psiquidtrica do Rio de Janeiro. Membro da Sociedade de Psicoterapia Analitica de’ Grupo do Rio de Janeiro. Ee ss & BIBLIOTECA 2) Rio de Janeiro 5 IMAGO EDITORA LTDA. 9, _\SOG% “Sovains! € estivesse relatando um sonho: ‘Sonhei que estava jogando pa- ciéncia’, entéo cu poderia utilizé-lo e, na verdade, fazer uma interpretacio, Poderia dizer-the: "Vocé esté lutando com Deus, ‘ou 0 destino, as vezes ganhando, utras, perdendo, com a inten- lo de contrclar os destinos de quatro familias reais.” Ela pode rosseguir a partir disso, sem auxilio, ¢ este foi seu comentario posterior: ‘Estive jogando paciéncia durante horas em meu quar- to vazio € 0 quarto estava realmente vazio porque, enquanto estou jogando paciéncia, nfo existo’. Aqui, novamente, disse: “Assim, eu poderia tornar-me interessada em mim.’ ‘Ao final, relutava em ir embora, no, como na ocasiio anterior e recente, devido a tristeza por deixar a tnica pessoa ‘com quem pode examinar as coisas, mas, nessa ocasigo em espe- cial, em virtude de que, indo para casa, poderia sentir-se menos doente, isto é, ménos rigidamente fixada numa organizacao de defesa, Agora, em vex de poder predizer tudo 0 que acontece- ria, nao mais podia saber se iria para casa e faria algo que desejasse, ou se o jogo de paciéneia a possuiria, Era evidente que sentia falta da certeza do padrdo da doenga © uma grande ansiedade sobre a incerteza que acompanha a liberdade de escolha. ‘Ao final dessa sesso, pareceu-me possivel reivindicar que © trabalho da anterior tivera efeito profundo. Por outro lado, permanecia bem ciente do grande perigo de tornar-me confian- fe ov até mesmo satiseito. Mais do que em qualquer outra parte de todo o tratamento, a neutralidade do analista tornava- se necesséria aqui, Nesse tipo de trabalho, sabemos que esta- mos sempre comecando de novo ¢ € melhor se no esperamos muito. 58 ut © BRINCAR Uma Exposicae Tedrica Este capitulo constitu’ a tentativa de exploragio de uma idgia a que cheguei por forga de meu trabstho, bem como atra- vés do meu proprio estidio de desenvolvimento atual, que di a meu trabalho um certo colorido. Nao preciso deter-me a res- eito dele, que é em grande parte psicandlise, e inclui também a psicoterapia, assim como seria desnecessirio, para os fins deste capitulo, tragar uma distingao clara entre os usos dos dois termos. ‘Ao enunciar minha tese, como muitas vezes aconteceu, des- cubro que ela é muito simples e poucas palavras se tornam ne- cessérias para abranger 0 assunto. A psicoterapia se efetua na sobreposisao de duas dreas do brincar, a do paciente e a do ferapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas, Em conseqiiéncia, onde 0 hrincar nao é possivel, 0 tra- batho efetuado pelo terapeuta € dirigido entéo no sentido de tracer o paciente de wn estado em que ngo é capa: de brincar ara um estado ent que 0 €. Embora nao esteja tentando passar em revista a literatura especializada, desejo prestar tributo ‘a0 trabalho de Milner (1952, 1957, 1969), que escreveu brilhantemente sobre o tema da formagao simbdlica. Contudo, ndo € minha intengéo que seu estudo, por amplo que seja, me impesa de chamar a aten¢a0 para o tema do brincar segundo minhas proprias conclusoes a respeito, Milner (1952) relaciona o brincar das crianeas & con- centragio nos adultos: "Quando comecei a perceber (...) que esse uso de mim poderia ser ndo apenas uma regressio defensiva, mas uma fase recorrente e essencial de uma felagao criativa com o mundo ( Milner referia-se a uma ‘fusdo pré-lésica de sujeito e obje- to; investigo a distingdo entre essa fusdo e a fusio ou desfusio 59 do objeto subjetivo do objeto objetivamente pereebido.' Acre- ito que minha tentative aqui expressa é inerente também a0 material da contribuigdo de Milner. Eis aqui outra de suas afirmagives ‘Os momentos em que v poeta original dentto de nos. criou 0 mundo externo, descobrindo 0 familiar no nio familiar, so talvez esquecidos pela maiotia das pessoas ‘ou permanecem guardados em algum lugar secreto da meméria, porque se assemelham muito a visitagdes de deuses para que sejam mesclados com o pensamento co- tigiano’ (Milner, 1957). Brincadeira ¢ Masturbagao Hai algo que desejo afastar do caminho. Nos trabalhos © estudos psicanalitices, 0 tema do brincar ja foi intimamente ¢ em demasia vinculado & masturbagdo € as variadas experigncias senstiais. E verdade que quando nos defrontamos com a mas- turbagao, sempre pensamos: qual é a fantasia? E é também verdade que, observando o brincar, tendemos @ ficar imaginan- do qual é a excitagio fisica que esti vinculada ao tipo de brin- cadeira a que assisiimos. Mas o brincar precisa’ser estudado como um tema em si mesmo, suplementar a0 conceito da su~ blimagio do instinto. E possivel que tenhamos perdido algo pela vinculacéo de- masiadamente estreita que temos feito em nossas mentes desses dois fendmenos (brincar ¢ atividade masturbatéria). Tenho pro- curado demonstrar que 0 elemento masturbatério esta essencial- mente ausente no momento em que uma crianga brinca; ou em ‘outras palavras, quando uma crianga esta brincando, se’a exci- tacdo fisica do envelvimento instintual se torna evidente, entio © brincar se interrompe ou, pelo menos, se estraga (Winnicott, 1968a). Tanto Kris (1951) quanto Spitz (1962) ampliaram o © Para estudo posterior desse tema, o leitor pode consultar meus artigos “Ego Intepration in. Child Development’ (1962) € "Communica. tng aed Not Communicating Iasig to\a Study of Ceftain Opposes 60 cconceito de auto-erotismo para abranger dados de tipo seme- Thante (ef. também Kahn, 1964). Estendo-me no sentido de um novo enunciado do brincar: isso me interessa quando pareco constatar na literatura psica- nalitica a auséncia de um enunciado iil sobre o tema da brin- cadeira, Como a analise de criangas, de todas as escolas, esti construida em torno do brincar da erianga, seria bem estranho descobrirmos que um bom enunciado sobre o brincar teria de ser encontrado entre aqueles que escreveram sobre 0 tema ¢ ‘nao so analistas (Lowenfeld, 1935, por exemplo). Naturalmente, voltamo-nos para a obra de Melanie Klein (1932), Em seus’eseritos, porém, Klein, na medida em que estudava a brincadeira, mantinha seu interesse centrado quase {que inteiramente no’ uso desta, © terapeuta busca a comunica- ‘so da crianga e sabe que geralmente ela nio possui um do- ‘minio da linguagem capaz de transmitir as infinitas sutilezas que podem ser encontradas na brincadeira por aqueles que as Procuram, Nao se trata de uma critica a Melanie Klein ou a outros que desereveram o uso da brincadeira por uma crianga na psicanalise infantil, Fazemos um simples comentério sobre a possibilidade de que, na teoria total da personalidade, 0 psica- nialista tenha estado mais ocupado com a utilizaglo do contet- do da brincadeira do que em olhar a crianga que brinca ¢ escre- ver sobre o brincar como uma coisa em si. E evidente que estou fazendo uma distinggo significante entre 0 substantivo “brinca- deira’ & 0 verbo substantivado ‘brincar’ ‘© que quer que se diga sobre o brincar de criangas aplica- se também aos adultos; apenas, a descrigao torna-se mais dificil ‘quando o material do paciente aparece principalmente em ter- ‘mos de comunicagio verbal. Sugiro que devemos encontrar 0 brinear tdo em evidéncia nas andlises de adultos quanto o € no caso de nosso trabalho com criangas. Manifesta-se, por exem- plo, na escolha das palavras, nas inflexdes de voz e, na ver- dade, no senso de humor. FENOMENOS TRANSICIONAIS (© significado do brincar adquiriu novo colorido para mim fa partir de meus estudos sobre os fendmenos transicionais, re- 6

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