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07/07/2019 Análise: João Gilberto elevou nossa autoestima e transformou o Brasil em global - 06/07/2019 - UOL Entretenimento

ENTRETÊ

MÚSICA

Análise: João Gilberto elevou nossa autoestima e transformou o Brasil em


global

Imagem: João Gilberto (Foto: Divulgação)

Alexandre Matias
Colaboração para o UOL
06/07/2019 18h24

Morreu o maior de todos. O pai nosso. Claro que há muitos candidatos ao título de nome mais importante
da cultura brasileira, mas ninguém chega aos pés de João Gilberto. Machado de Assis, Guimarães Rosa e
Clarice Lispector vêm sendo descobertos por aqueles que não falam português; o legado de Glauber
Rocha atravessa gerações e fronteiras; Carlos Gomes conquistou a Europa no século retrasado; e Carmen
Miranda foi a primeira popstar global.

 Mas nenhum artista fez tanto pelo Brasil como João Gilberto. A começar por nossa autoestima.

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Ele veio do interior da Bahia e saiu frustrado do Rio de Janeiro depois de não conseguir sucesso comercial
da década de 50. Em vez de desistir, vagou pelo Brasil - foi de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a
Diamantina, em Minas Gerais - com o violão no braço e neste percurso sintetizou nossa música em seu
instrumento, na famosa batida sincopada que bebia tanto do samba quanto do jazz e resumia nossa
musicalidade em acordes dissonantes tocados com um ritmo preciso e precioso.

Um violão que parecia manso e afável mas que escondia intrincadas hipérboles sonoras que exigiam a
reinvenção do vocal em nossa cultura. Para acompanhar aquela ousada forma de tocar o violão, João
reduzia o canto a um sussurro, um cochicho, um murmúrio, que casava perfeitamente com o instrumento.
Uma invenção genial que conquistou o Rio de Janeiro quando ele retornou à então capital brasileira, no
final daquela mesma década. Fez amigos, abriu portas e conquistou fãs, que mais tarde batizariam sua
criação de bossa nova. E com ela, conquistou o mundo.

João Gilberto - Chega De Saudade

Sumo intérprete (compôs e registrou apenas duas músicas, as singelas e desafiadoras Bim Bom e Hô-bá-
lá-lá, gravadas ainda em seu primeiro álbum), João Gilberto usava o cancioneiro nacional para escrever
uma história da música brasileira que levaria seu sotaque musical: sucessos que Orlando Silva cantava no
rádio e clássicos de Ary Barroso, Geraldo Pereira e Dorival Caymmi montavam um quebra-cabeças à luz de
sua voz e violão (e arranjos do compositor, músico, arranjador e parceiro de primeira hora, Tom Jobim)
redefiniram a noção do que é o Brasil. Seu sussurro hipnotizante afastava toda e qualquer latinidade
caricata que fazia estrangeiros confundir samba com salsa e bolero e criava uma aura musical que até hoje
é sinônimo do país no resto do planeta.

E foi descrevendo este novo país, que João Gilberto conquistou o mundo. O sucesso internacional de
Garota de Ipanema, eternizada na voz de sua então mulher Astrud Gilberto no disco que João dividiu com
o saxofonista norte-americano Stan Getz, em 1964 (o clássico Getz/Gilberto), transformou o baiano em um
dos artistas mais requisitados internacionalmente, mas que sabia muito bem como dosar sua popularidade.
A manha de sua música era uma continuação de sua própria personalidade e ele fazia com que o mundo
se adaptasse ao seu ritmo, não o contrário.

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 E assim, confrontou os Beatles no auge de sua popularidade, obrigando o mundo a ouvir uma música
menos barulhenta, sem gritos, sem distorções. Veio sozinho de um país do terceiro mundo para evitar
que nos afogássemos em decibéis estridentes há meio século.

Burt Bacharach, Chet Baker, Nick Drake, Sade, Belle & Sebastian - sua influência é sentida em diferentes
expoentes de gêneros musicais diversos.

E assim, seduzindo o mundo ao seu ritmo, João percorreu sua lenta e persistente caminhada, seguida por
todos os grandes nomes da chamada MPB, um rótulo descendente da curadoria de canções que fez em
seus clássicos três primeiros discos, Chega de Saudade (1959), O Amor, O Sorriso e a Flor (1960) e João
Gilberto (1961). Isso sem nunca perder o pé da contemporaneidade: apadrinhou a Tropicália à distância,
ensinou os Novos Baianos a tocar baixinho, depois que passou uma temporada morando com eles em sua
cobertura em Botafogo, no Rio de Janeiro, gravou Lobão e com Rita Lee.

Maior entidade de nossa cultura, sucumbiu às vilanias do Brasil cafona neste novo século, metendo-se com
o suspeito banqueiro Daniel Dantas, sendo vaiado por uma classe média esnobe na inauguração de uma
casa noturna em São Paulo e, recentemente, envolto em problemas financeiros e de saúde na hora em que
deveria desfrutar de sua importância.

A vida foi cruel com um santo brasileiro, que sai de cena em um momento amargo da história do país,
quase como um presságio. Mais do que agradecer à sua importância, é necessária sua retomada, para
que o Brasil que ele imaginou ainda seja possível.

*Alexandre Matias é jornalista, curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Espaço Cultural Centro
da Terra e diretor artístico.

Veja a imagens da trajetória de João Gilberto

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