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psicologia sobre novas bases, eis os ingredientes da na Europa, podemos dizer que, na análise dos dois
segunda revolução darwiniana (Wright, 1996; Ma- periódicos sociológicos norte-americanos mais tra-
chalek e Martin, 2004). dicionais, o American Journal of Sociology, (AJS) e
Até a década de 1930, o darwinismo tinha pres- American Sociological Review (ASR) no período entre
tígio entre alguns cientistas sociais. Combinado com 1960 e 1998, um dos argumentos desfavoráveis às
a filosofia política do século XX, no que ficou co- abordagens biossociais mais recorrentes foi o ques-
nhecido como darwinismo social, ele favoreceu ra- tionamento sobre a pertinência da teoria evolutiva
cistas e defensores de um capitalismo selvagem. O para se compreender o comportamento social hu-
darwinismo social confundia evolução com pro- mano (Ferreira, 2000).
gresso e entendia a idéia de que um indivíduo está Quando pensamos em causalidade para os se-
mais adaptado como indicativo de que ele era supe- res vivos em geral, falamos de causas próximas e
rior. Para o darwinismo social, a evolução era um causas últimas. Causas próximas são as que dizem
processo ininterrupto e progressivo, um programa respeito ao indivíduo e seus modos de funciona-
de melhoramento. Diferentemente dos darwinistas mento, sejam em suas dimensões bioquímicas se-
sociais, que equivocadamente acreditavam que a jam psicológicas. Causas últimas, chamadas também
biologia era tudo, ou da doutrina que o sucedeu nas de históricas ou evolutivas, são as que procuram ex-
ciências sociais, para quem a biologia não era nada, plicar por que os indivíduos são de uma maneira e
a segunda revolução darwiniana tem mostrado que não de tantas outras possíveis. Vista a partir das es-
a biologia não é tudo, mas também não pode ser pecialidades estruturalmente sociológicas, áreas cen-
desconsiderada. A biologia é importante. trais dominadas por generalistas que zelam pela tra-
Em seu livro sobre as perspectivas evolutivas dição da teoria sociológica, a teoria evolutiva não
para entender o comportamento social humano, pode ajudar na explicação do comportamento so-
Laland e Brown (2002) falam do otimismo de bió- cial humano. Para sociólogos não faz sentido pen-
logos, antropólogos e psicólogos na aplicação de sarmos os comportamentos sociais humanos em
princípios evolutivos para explicar fenômenos sociais termos de causas últimas. A teoria da evolução é
como homicídio, religião e diferença entre os sexos aceita para explicar nossa anatomia só até o pesco-
em termos comportamentais. Biologia, antropolo- ço. Para um sociólogo tradicional, o comportamento
gia e psicologia têm sido representadas na segunda social humano é moldado inteiramente pelo pro-
revolução darwiniana por abordagens evolucionis- cesso de socialização, que é um processo exclusiva-
tas como a sociobiologia, a ecologia comportamen- mente sociocultural. O advento da psicologia evo-
tal, a antropologia darwinista e pela mais popular lucionista nos anos de 1990 ajudou a popularizar
abordagem evolucionista do comportamento so- explicações do comportamento social humano que
cial humano do momento, a psicologia evolucio- conjugam causas últimas com causas próximas, mas
nista. Pensando em termos de recombinações dis- a sociologia continua como a última trincheira de
ciplinares, uma pergunta se coloca: e a sociologia? resistência contra as explicações neodarwinistas do
Disciplina com parentesco temático, teórico e comportamento humano. No entanto, contraria-
metodológico com a antropologia e psicologia, por mente ao que se apresenta, defendemos: (1) que
que a sociologia não foi citada por Laland e Brown embora a sociologia em suas especialidades mais
(2002)? Por que de todas as ciências sociais, a socio- tradicionais seja a ciência social mais resistente a en-
logia é a disciplina mais resistente a um diálogo com gajar-se na segunda revolução darwiniana, em es-
a biologia e com a teoria evolutiva. Quanto mais pecialidades sociológicas periféricas o impacto da
nos aproximamos das especialidades centrais da sociobiologia foi grande, com repercussões que se
sociologia, maior a resistência. Uma análise compa- fazem sentir agora na agenda do campo sociológi-
rativa entre a sociologia que se desenvolve nos Es- co (as divergências em torno do tipo de aborda-
tados Unidos e a sociologia européia seria interes- gem – se biossociologia ou sociologia evolucionis-
sante nesse sentido, mas como não investigamos ta – já existiam antes mesmo do surgimento da
empiricamente os principais periódicos de sociologia sociobiologia); (2) que a institucionalização de uma
sociologia evolucionista representa o triunfo da so- diu-se para incluir o comportamento humano (Wil-
ciobiologia no campo sociológico; e (3) que toman- son, 1981; Alexander, 1979; Lumsden e Wilson,
do a sugestão de Crippen (2006), as quatro ques- 1981) e propôs-se a ajudar na descoberta: (1) das
tões de Tinbergen (1963) constituem uma boa bases biológicas dos comportamentos sociais, in-
estratégia para pensarmos a sociologia evolucionis- clusive o humano; (2) dos parâmetros ambientais,
ta que está sendo feita e a que podemos fazer. incluindo os culturais, que influenciam estruturas e
processos genéticos.
O surgimento da sociobiologia desencadeou
Biossociologia ou sociologia evolucionista? uma virulenta polêmica nas ciências sociais. Na psi-
cologia e na antropologia o projeto sociobiológico
Por volta de 1930, darwinistas e mendelianos foi discutido inclusive nos encontros anuais de suas
finalmente convergiram e forjaram a Moderna Sín- associações profissionais. Na sociologia ficou res-
tese ou Teoria Sintética (Huxley, 1942) sobre a pro- trito, no núcleo da disciplina, a três resenhas publi-
posição geral de que “todos os organismos bioló- cadas no American Journal of Sociology (Eckland, 1976;
gicos têm evoluído como resultado da seleção natural Mazur, 1976; Tyryakian, 1976), e breves manifesta-
agindo sobre variações genéticas” (Dobzansky et al., ções negativas em livros de sociólogos influentes.
1977), ou seja, a seleção natural representa sucesso Machalek e Martin (2004) fizeram um interessante
reprodutivo diferencial, na medida em que ocorre levantamento do tratamento dado à sociobiologia
transmissão de características favoráveis à descen- em manuais de sociologia nos Estados Unidos.
dência, possibilitando uma vantagem na sobrevivên- A análise de conteúdo que fizemos do AJS e
cia daqueles indivíduos que as possuem. Após cada ASR mostra que, desde a década de 1960, alguns
geração, as características favoráveis tornar-se-ão sociólogos estavam atentos às descobertas compor-
preponderantes na população, provocando peque- tamentais comparativas feitas por etólogos e pri-
nas mudanças evolutivas na espécie. A moderna sín- matólogos. Rosenberger (1966) chamou atenção de
tese deu impulso a um número de novas disciplinas, sociólogos com inclinações etológicas para as fasci-
algumas delas consolidações de desenvolvimentos nantes informações fornecidas por trabalhos pri-
antigos: biologia molecular, ecologia evolutiva, ge- matológicos que descreviam sociedades de gorilas
nética comportamental, primatologia e etologia. a partir de sua dinâmica de grupo, liderança, comu-
Algumas das novas abordagens evolutivas especia- nicação, jogos, dominância, territorialidade, ecolo-
lizaram-se em etnografias animais e eventualmente gia e população. Segundo ele, as analogias entre
em comparações entre espécies. Tal como os antro- comportamentos de gorilas e seres humanos eram
pólogos, primatólogos e etólogos estudaram espé- cuidadosas e a leitura de tais trabalhos poderia revi-
cies de primatas em seus ambientes naturais, descre- gorar a tradição de trabalho de campo, uma tradi-
vendo suas organizações sociais. Por isso, eles foram ção metodológica que tinha fracassado comparada
atacados por defenderem similaridades em com- aos surveys e aos estudos experimentais.
portamentos e organizações sociais entre seres Eckland (1967) partiu da genética de popula-
humanos e seus parentes mais próximos (Tinber- ções para mostrar como princípios genéticos são
gen, 1951; Goodall, 1971). relevantes para estudarmos a inteligência e sua relação
A partir da década de 1960, o alcance da mo- com temas sociológicos envolvendo família, educa-
derna síntese tinha se estendido para incluir a evolu- ção e mobilidade social. A resenha que Eckland (1976)
ção do comportamento social (Hamilton, 1964; fez quase uma década depois sobre o livro de Wil-
Trivers, 1971; Williams, 1966). Em 1975, a moder- son (1975) mostra que ele já abordava biossocial-
na síntese tinha engendrado uma grande quantida- mente fenômenos sociais há mais de uma década.
de de dados com base em descobertas comporta- No início dos anos de 1970, um debate no
mentais comparativas e publicou-se um tratado que ASR, veículo da Associação Americana de Sociolo-
teorizava e propunha uma nova síntese (Wilson, gia, já confrontava defensores de uma biossociologia
1975). Esta, conhecida como sociobiologia, expan- contra defensores de uma sociologia evolucionista.
e organização social primata. Van Den Berghe de- uma sociologia evolucionista cujos conceitos fun-
fendeu claramente uma sociologia evolucionista nos damentais e princípios teóricos derivam da biolo-
moldes sociobiológicos, Maryanski Turner, Turner gia evolutiva contemporânea, especialmente socio-
e Fix (1976b) endossaram a possibilidade de uma biologia e ecologia comportamental. Entre seus
sociologia evolucionista, mas questionaram a ma- conceitos mais importantes está o princípio da ma-
neira pela qual Van Den Berghe apreendeu a litera- ximização, que estabelece que organismos tendem
tura sobre evolução humana, posicionando-se con- a se comportar de uma maneira que maximiza sua
trariamente a uma explicação da territorialidade e aptidão inclusiva, isto é, sua total influência sobre a
da hierarquia humanas como tendo fundamentos perpetuação de seus genes em gerações subseqüen-
biológicos, enquanto Alan Mazur e Leon Robert- tes. A aptidão inclusiva é uma medida da participação
son defenderam uma abordagem biossociológica. de um indivíduo na reprodução conjunta de uma
As divergências entre Van Den Berghe e Maryanski população. É, portanto, uma grandeza relativa. Ela
Turner, Turner e Fix já prenunciavam divergências não é alcançada apenas por meio da reprodução di-
em relação ao tipo de sociologia evolucionista, o reta do indivíduo, mas também por intermédio da
que hoje presenciamos na seção “Evolução, Biolo- reprodução indireta, ou seja, pelo investimento do
gia e Sociedade” da Associação Americana de Socio- indivíduo em parentes.
logia. Em certo momento de sua réplica, Van Den Foi em 2004 que a comunidade de sociólogos
Berhe afirmou: “Que evidências Turner, Turner e aberta ao diálogo com a biologia organizou uma
Fix adiantam para sustentar suas hipóteses que são seção permanente na Associação Americana de
tão diferentes das minhas? Considerando todos os Sociologia. O objetivo era criar bases institucionais
aspectos, eu penso que o argumento deles é tão dentro da sociologia para o desenvolvimento de
hipotético quanto o meu, como a maioria dos argu- pesquisas na interface da teoria sociológica com a
mentos evolucionistas tendem a ser” (1976b, p. 557). biologia.
Com o advento da sociobiologia, Van Den Um argumento recorrente nas comunicações
Berghe passou a ser seu principal expoente na socio- dos participantes dessa seção é a importância em
logia, embora outros sociólogos tenham manifes- trazer de volta a teoria evolutiva para a sociologia.
tado simpatia pela nova abordagem biossocial No entanto, há sérias divergências em relação à es-
(Eckland, 1976; Tyryakian, 1976; Ellis, 1978; Chase, tratégia a ser adotada. Biossociologia ou sociologia
1980; Lopreato, 1984; Cohen e Machalek, 1988) evolucionista? Existe uma primeira divisão entre
para citar apenas aqueles que se manifestaram mais biossociologia e sociologia evolucionista. O nome
claramente nos dois periódicos mais tradicionais da da seção, que era “Evolução & Sociologia” mu-
tradição sociológica. dou, em 2008, para “Evolução, Biologia e Socieda-
Na periferia do campo sociológico e em ou- de”, o que parece contemplar esta primeira divisão.
tras disciplinas das ciências sociais antes e após o Entre os adeptos de uma sociologia evolucionista,
arrefecimento do debate em torno da sociobiolo- há divergências, conforme já mencionamos, sobre
gia, uma comunidade crescente de cientistas sociais o tipo de sociologia evolucionista. O casal de soció-
tem construído uma teoria social darwiniana, uma logos (Maryanski e Turner, 1992; Turner, 2000;
“Revolução Silenciosa” que pode ser caracterizada Maryanski, 2006) é contrário ao princípio da maximi-
como uma Segunda Revolução Darwiniana (Wright, zação e a uma sociologia evolucionista nos moldes
1996). Hoje, esta revolução tem conseguido adep- sociobiológicos. As abordagens de Lopreato (1984),
tos em várias das ciências comportamentais e sociais, Lopreato e Crippen (1999), Pierre Van Den Berghe
incluindo antropologia, psicologia, neurociência (1973, 1974, 1979), Tiger e Fox (1976) são caracte-
cognitiva, economia, ciência política e psiquiatria e rizadas como uma sociologia do instinto nos mol-
tem conseguido se estabelecer também em outras des elaborado por Lorenz (1979). Maryanski e Tur-
áreas das humanidades e das artes (Machalek e ner, por exemplo, argumentam que cientistas sociais
Martin, 2004). Na sociologia, a perspectiva biosso- como Van Den Berghe e Tiger e Fox vêem proces-
cial de inspiração sociobiológica tem resultado em sos evolutivos como produtores de biogramas que,
em termos mais amplos, dirigem e circunscrevem ciobiologia têm concluído que divididos eles não
o padrão de organização social desenvolvido por conseguirão transformar suas preocupações teóri-
seres humanos. Cultura e sociedade, dizem Ma- cas e metodológicas em uma seção na Associação
ryanski e Turner, são mais do que meros reflexos Americana de Sociologia. Antes da emergência da
desses biogramas. Estruturas sociais e sistemas de sociobiologia, o termo evolução deixava os soció-
símbolos revelam sua própria dinâmica e proprieda- logos arrepiados. Agora ele faz parte do nome de
des emergentes, mas não são completamente divor- uma seção. O nome mudou três vezes, mas em to-
ciadas da biologia humana. Em relação à sociobio- dos eles o termo evolução permanece.
logia, Maryanski e Turner são críticos da abordagem
de Williams (1966), Wilson (1975) e Dawkins (1979).
Por exemplo, a idéia de que corpos humanos, siste- Sociologia evolucionista: triunfo da
mas de símbolos culturais e padrões de organiza- sociobiologia na sociologia?
ção social são “máquinas de sobrevivência”, que
transmitem a unidade real de seleção natural e evo- O surgimento da sociobiologia intensificou, na
lução, o gene, não é bem aceita. Segundo Maryanski periferia do campo sociológico, um movimento de
e Turner, tais idéias desembocam no argumento de crítica à natureza do conhecimento sociológico.
que estruturas sociais e cultura são recipientes ela- Merton já havia chamado atenção para o caráter de
borados ou máquinas de sobrevivência para asse- filosofias totais que a grande maioria dos sociólogos
gurar que os genes possam maximizar sua aptidão. dava a suas produções. Os clássicos haviam formu-
Padrões de parentesco e altruísmo (Hamilton, 1963, lado orientações sociológicas gerais, cabia a seus suces-
1971) assim como o altruísmo recíproco – a idéia sores especificar os tipos de variáveis que eram espe-
de que existe altruísmo entre indivíduos não apa- cíficas de certos fenômenos sociais (Merton, 1968).
rentados geneticamente (Trivers, 1971) – “são pro- Nos anos de 1970, Gouldner (1970) diagnosti-
duto da seleção natural, como ela se desenvolveu cou uma crise na sociologia ocidental. Uma crise
para fornecer melhores máquinas de sobrevivência teórica e metodológica que se manifestava na frag-
para genes tentando maximizar suas aptidões” (Ma- mentação da disciplina.
ryanski e Turner, 1992, p. 2). Assim, se a estrutura A recepção hostil que a sociobiologia recebeu
básica da organização humana é explicada por pro- do mainstream da sociologia foi contrabalanceada pela
cessos de seleção gênica, as ciências sociais devem simpatia de alguns sociólogos, que se manifesta-
ser um ramo da biologia, o que é irônico, segundo ram e continuam a se manifestar, intensificando crí-
Maryanski e Turner, pois contraria a proposta de ticas à sociologia e ampliando o diagnóstico de
Augusto Comte de que a sociologia no futuro for- Merton e Gouldner.
neceria a última sistematização da biologia. O racio- Alguns periódicos dedicaram números inteiros
cínio de Maryanski e Turner aqui recorre a uma para a discussão das implicações da proposta socio-
normatização epistemológica: por que a explicação biológica para a sociologia e para a caracterização
tem que ser apenas sociológica? A seção que con- da dificuldade da sociologia em comportar-se como
grega a comunidade de sociólogos interessados na um campo científico: Sociological Fórum, American
teoria evolutiva iniciou-se com o nome “Evolução Sociologist e Sociological Perspectives. No mesmo sentido
& Comportamento Social”. Na segunda comunica- foram publicados alguns livros (Van Den Berghe,
ção o nome mudou para “Evolução & Sociologia”. 1978, 1979, Wallace 1983, Lopreato e Crippen 1999).
A justificativa de Maryanski (2004) foi que o trabalho Em 1977, o sociólogo Lee Ellis publicou um
de atrair novos membros revelou que os sociólogos artigo polêmico em que fez uma defesa da sociobio-
têm resistência a abordagens recentes, como por logia, afirmando simultaneamente que a sociologia
exemplo, a sociobiologia. As mudanças do nome passava por um estágio crítico de seu desenvolvi-
da seção e suas justificativas sugerem que biosso- mento. Havia possibilidade de a sociologia perder
ciólogos, sociólogos evolucionistas de inspiração seu reconhecimento acadêmico se não abandonasse
sociobiológica e sociólogos evolucionistas anti-so- suas suposições tradicionais de favorecer o anti-re-
ducionismo metodológico e explicações teleológi- nomia de disciplinas tem pouca chance de se insti-
cas para o comportamento social humano. O arti- tucionalizar por três razões: (1) nosso interesse nar-
go provocou tamanha celeuma que influentes soció- cisista em nossa própria espécie garantirá para a
logos se manifestaram contra o que pareceu ciência do homem um status mais elevado do que
“diagnóstico apocalíptico” para alguns. George Ho- um pequeno lugar dentro da primatologia; (2) nos-
mans e Gehard Lenski viram exageros no diagnós- so etnocentrismo tão representativo das sociedades
tico de Ellis, mas Van Den Berghe não. Embora industriais avançadas garantirá a sobrevivência re-
tenha discordado da ênfase dada por Ellis à resis- dundante da sociologia próxima da antropologia,
tência dos sociólogos ao empreendimento científico apesar da demonstrável superioridade intelectual da
como um procedimento reducionista, Van Den última sobre a primeira; (3) por uma lei parkinsonia-
Berghe (1977) concordou que o fato de o campo na da expansão acadêmica, a sociobiologia pode
sociológico não se comportar como um campo cien- crescer sobre ela mesma sem atrapalhar a prolifera-
tífico foi decisivo para entendermos a recepção ção da sociologia.
ideológica que as idéias sociobiológicas receberam Quase vinte anos depois, Ellis (1996) retomou
na sociologia. Algumas limitações conceituais e ideo- sua crítica, explicando o declínio da sociologia pela
lógicas são mencionadas: forte viés anti-evolutivo, biofobia dos sociólogos, ou seja, a tendência a não
determinismo ambiental dogmático, visão do com- considerar as causas biológicas do comportamen-
portamento humano como voluntarista e de uma to humano. Ellis apresenta quatro explicações para
plasticidade quase infinita, pesada dependência de a biofobia: fatores semânticos, falta de treinamento
análise estatística de dados agregados e uma ênfase em biologia, foco exclusivo sobre seres humanos e
quase exclusiva sobre comportamento verbal e sim- fatores morais/políticos. O diagnóstico de
bólico. Sobre a predição de Ellis de que a sociolo- Lopreato e Crippen (1999) é similar. Eles reconhe-
gia perderia seu reconhecimento como campo cien- cem a fragilidade da sociologia como campo cien-
tífico, Van Den Berghe afirmou que a sobrevivência tífico, a fragmentação e a ausência de orientações
de uma disciplina não está relacionada com sua (leis), o que torna o campo sociológico refém de
qualidade intelectual. A sociologia do final dos anos agendas políticas.
de 1970, disse ele, não é melhor do que a sociologia É difícil avaliar o impacto dessas críticas no
de Marx, Weber e Durkheim. Algumas especialida- campo sociológico, mas muita coisa tem mudado
des da antropologia, por exemplo, prosperaram no desde o aparecimento da sociobiologia. Muitos
sentido de um maior reconhecimento científico. In- sociólogos incorporaram a sociobiologia em seus
telectualmente, a sociologia não tem uma existência programas de curso. Um número crescente de arti-
separada da antropologia. A distinção entre as duas gos tem aparecido em periódicos tradicionais e
é fruto de um acidente histórico. A sociologia cons- periféricos de sociologia discutindo conceitos da
titui-se intelectualmente de uma pequena especiali- nova revolução darwiniana. Com a criação da se-
dade dentro da antropologia: a antropologia social ção “Evolução, Biologia e Sociedade”, dois novos
das sociedades ocidentais. Se a sociobiologia tor- periódicos declararam-se abertos à publicação de
nar-se o novo paradigma dominante para o estudo sociólogos biossociais, o Sociological Theory e o Social
científico da evolução do comportamento, então a Forces. Manuais de sociologia têm apresentado a teo-
antropologia deve logicamente tornar-se uma sub- ria evolutiva de uma maneira favorável, mostrando
especialidade dentro da primatologia – que estuda sua pertinência para a compreensão dos fenômenos
os hominídeos, os fósseis e aqueles que ainda vi- sociais. Outros manuais são analisados por sua apre-
vem – e a sociologia uma sub-sub especialidade sentação negativa da sociobiologia ou de explica-
dentro da antropologia (Van Den Berghe, 1977, p. ções biológicas (Machalek e Martin, 2004). Soció-
76). Parece que os receios de alguns sociólogos que logos e estudantes de sociologia são convidados
acusavam a sociobiologia de imperialismo discipli- para participarem da seção e desenvolverem proje-
nar têm lá suas razões de ser. No entanto, o próprio tos de pesquisa na interface sociologia/biologia.
Van Den Berghe reconhece que esta lógica de taxo- Enfim, os sociólogos evolucionistas, sociobiologistas
ou não, e os biossociólogos estão investigando a in- de gênero. No mesmo sentido, Mazur (1994, 2005)
fluência de fatores biológicos nos mais diversos com- e Mazur e Booth (1998) avaliam a influência do ní-
portamentos sociais humanos e há incentivo até vel de circulação de testosterona sobre padrões de
mesmo para investigar o comportamento social de comportamento de dominância em machos huma-
outros animais e pesquisar também a influência de va- nos. A consideração de variáveis neuro-anatômicas
riáveis sociais em fatores biológicos. Se a sociologia e neurofisiológicas que participam da expressão do
evolucionista e/ou a biossociologia terão sucesso comportamento social humano tem o potencial de
não sabemos, mas pensando na agenda de pesquisas enriquecer nossa compreensão da “rica estrutura do
propostas, cabe uma pergunta: não era esta a su- comportamento humano” (Crippen, 2006).
gestão da sociobiologia? Questão 2 – Qual é a ontogenia do comporta-
mento? Como ele se desenvolve ao longo do curso
da história de vida do organismo? Esta questão suge-
Um guia para uma sociologia evolucionista re que a complexa interação entre informação gené-
tica e influências ambientais pode ser um guia pro-
Em um famoso ensaio da década de 1960, Tin- dutivo para retomarmos a grande quantidade de
bergen (1963) apresenta quatro questões que funcio- informação descritiva que sociólogos, antropólo-
nariam como uma orientação na estruturação da gos e psicólogos sociais acumularam quando estu-
análise etológica. Cada uma dessas questões tem daram o comportamento social humano como um
relevância para problemas comumente investigados produto exclusivo da socialização e condicionamen-
por sociólogos, conforme sugeriu-nos Crippen to cultural. No final década de 1960, o sociólogo
(2006). Elas serão apresentadas sequencialmente Eckland (1967) propôs a integração de princípios
para mostrar o que tem sido feito por biossociólo- sociológicos e genéticos para corrigirmos os exces-
gos e sociólogos evolucionistas. sos das teorias ambientalistas do comportamento
Questão 1 – Como o comportamento funciona? humano. Eckland referiu-se à relevância da genética
Quais são suas causas próximas? Quando estudam de populações para entendermos temas sociológi-
comportamento social humano, sociólogos raramente cos como a família, educação e mobilidade social.
levam em consideração estruturas neuro-anatômi- Questão 3 – Qual é a função do comportamen-
cas ou processos neurofisiológicos que fundamen- to? Qual é a sua contribuição para a sobrevivência e
tam sua expressão. O foco sociológico em termos o sucesso reprodutivo do organismo? Antropólo-
de “causas próximas” é quase exclusivamente sobre gos orientados evolutivamente e psicólogos evolu-
aspectos do ambiente social e cultural que condicio- cionistas têm desenvolvidos fascinantes trabalhos
nam o comportamento humano. Ninguém nega, investigando questões dessa natureza. Sociólogos
naturalmente, a significância de tal condicionamen- têm potencialmente muito a ganhar se explorarem
to ambiental, mas este não se manifesta em um vá- abordagens semelhantes. Por exemplo, Lopreato e
cuo biológico. Os indivíduos chegam equipados em Crippen (1999) ilustram como estudos do compor-
seus mundos com um sistema nervoso central e tamento de famílias – por exemplo, escolha de par-
endócrino formado no curso de um longo período ceiros, investimento parental nos filhos, padrões de
de evolução de nossa espécie. Esta consideração é casamento, divórcio e recasamento, divisão de traba-
especialmente relevante à luz dos avanços que têm lho no domicílio, e de estratificação social, as forças
ocorrido na neurociência e neuro-endocrinologia e que fundamentam a busca por status e as condições
têm informado o trabalho de alguns sociólogos socioculturais que governam a estrutura de desigual-
(Rossi, 1984; Turner, 2000; Massey, 2005). Outros dade social – podem fornecer um sentido mais
têm se interessado por certos processos neurofisio- coerente quando olhamos em termos mais amplos
lógicos envolvidos na expressão do comportamento os princípios teóricos que formam a estrutura da
social humano. Udry (1994, 2000), por exemplo, moderna ciência comportamental evolucionista.
tem explora os mecanismos hormonais que funda- Também nesse sentido, Eckland (1967, 1968) foi
mentam alguns aspectos do comportamento social um precursor na sociologia.
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André Luís Ribeiro Lacerda André Luís Ribeiro Lacerda André Luís Ribeiro Lacerda
Este artigo discute a repercussão do de- This article discusses the impact of the Cet article aborde la répercussion du dé-
senvolvimento de abordagens biossociais, development of biosocial approaches, a veloppement des abordages biosociaux,
recombinação entre especialidades das recombination between specialties in the du réarrangement entre les spécialités des
ciências sociais e biologia evolutiva no field of social sciences and evolutionary sciences sociales et de la biologie évoluti-
campo sociológico. Contrariamente à biology, with the sociological field. Con- ve dans le domaine sociologique. Con-
idéia de que abordagens biossociais não trary to the idea that biosocial approaches trairement à l’idée selon laquelle les
têm espaço na sociologia, defendemos que, such as sociobiology has no place within abordages biosociaux n’ont pas leur es-
embora a sociologia em suas especialida- sociology, we thus defend : (1) That al- pace dans la sociologie, nous soutenons,
des mais tradicionais e centrais seja a ciên- though sociology in its most traditional malgré le fait que la sociologie, dans ses
cia social mais resistente a engajar-se na and fundamental specialties is the most spécialités les plus traditionnelles et cen-
segunda revolução darwiniana, em espe- adamant social science to enlist in the trales, est la science sociale la plus résis-
cialidades periféricas o impacto da socio- second Darwinian revolution, in periph- tante à s’engager dans une seconde révo-
biologia foi grande. Acreditamos também eral specialties the impact of sociobiol- lution darwinienne, que dans des spécia-
que a institucionalização de uma socio- ogy has been considerable; (2) That the lités périphériques, l’impact de la socio-
logia evolucionista representa o triunfo institutionalization of an evolutionary biologie a été important. Nous croyons
da sociobiologia no campo sociológico. sociology represents the triumph of so- aussi que l’institutionnalisation d’une
ciobiology in the sociological field. sociologie évolutionniste représente un
triomphe de la sociobiologie dans le do-
maine sociologique.