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ABORDAGENS BIOSSOCIAIS NA SOCIOLOGIA

Biossociologia ou sociologia evolucionista?

André Luís Ribeiro Lacerda

Em 2009 comemora-se o bicentenário do nas- transformação evolutiva não se consolidou até a


cimento de Charles Darwin. Nos últimos duzen- década de 1930, quando se tornou o fundamento
tos anos, podemos dizer que as idéias de Darwin do que veio a ser conhecido como neodarwinismo.
produziram duas revoluções. A primeira ocorreu A origem das espécies quase não fala da espécie
em 1859, em torno da publicação de A origem das humana. No final do último capítulo, Darwin suge-
espécies. Contrariando o que era aceito na época, riu que a partir do estudo da evolução se esclarece-
Darwin sustentou duas idéias: a de que as espécies ria a origem do homem e sua história e, em um
não haviam sido criadas separadamente e a de que futuro distante, o estudo da psicologia se estabele-
a seleção natural foi o principal agente transforma- ceria sobre novas bases (Wright, 1996). Embora em
dor. A seleção natural, defendia Darwin, explicava The descent of man Darwin tenha pensado sobre as
como as espécies adaptam-se ao seu ambiente. origens do homem em vários sentidos que interes-
A idéia de que as espécies modificam-se ao sam às ciências sociais, conforme bem demonstrou
longo do tempo não era nova em 1859. Portanto, Tort (2004) em seu esforço para elaborar uma an-
Darwin não teve muita dificuldade em sustentá-la, tropologia darwiniana, foi só a partir da década de
dado a quantidade de evidências por ele apresen- 1960 que as repercussões dos trabalhos de cientis-
tada em A origem das espécies, mas a idéia de que a tas evolucionistas atingiram os objetos de estudos
seleção natural era um importante mecanismo de dos cientistas sociais. Darwin acertou quanto ao
Artigo recebido em agosto/2008 futuro distante. Pensar a origem do homem e sua
Aprovado em fevereiro/2009 história em termos evolucionistas e estabelecer a
RBCS Vol. 24 no 70 junho/2009

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psicologia sobre novas bases, eis os ingredientes da na Europa, podemos dizer que, na análise dos dois
segunda revolução darwiniana (Wright, 1996; Ma- periódicos sociológicos norte-americanos mais tra-
chalek e Martin, 2004). dicionais, o American Journal of Sociology, (AJS) e
Até a década de 1930, o darwinismo tinha pres- American Sociological Review (ASR) no período entre
tígio entre alguns cientistas sociais. Combinado com 1960 e 1998, um dos argumentos desfavoráveis às
a filosofia política do século XX, no que ficou co- abordagens biossociais mais recorrentes foi o ques-
nhecido como darwinismo social, ele favoreceu ra- tionamento sobre a pertinência da teoria evolutiva
cistas e defensores de um capitalismo selvagem. O para se compreender o comportamento social hu-
darwinismo social confundia evolução com pro- mano (Ferreira, 2000).
gresso e entendia a idéia de que um indivíduo está Quando pensamos em causalidade para os se-
mais adaptado como indicativo de que ele era supe- res vivos em geral, falamos de causas próximas e
rior. Para o darwinismo social, a evolução era um causas últimas. Causas próximas são as que dizem
processo ininterrupto e progressivo, um programa respeito ao indivíduo e seus modos de funciona-
de melhoramento. Diferentemente dos darwinistas mento, sejam em suas dimensões bioquímicas se-
sociais, que equivocadamente acreditavam que a jam psicológicas. Causas últimas, chamadas também
biologia era tudo, ou da doutrina que o sucedeu nas de históricas ou evolutivas, são as que procuram ex-
ciências sociais, para quem a biologia não era nada, plicar por que os indivíduos são de uma maneira e
a segunda revolução darwiniana tem mostrado que não de tantas outras possíveis. Vista a partir das es-
a biologia não é tudo, mas também não pode ser pecialidades estruturalmente sociológicas, áreas cen-
desconsiderada. A biologia é importante. trais dominadas por generalistas que zelam pela tra-
Em seu livro sobre as perspectivas evolutivas dição da teoria sociológica, a teoria evolutiva não
para entender o comportamento social humano, pode ajudar na explicação do comportamento so-
Laland e Brown (2002) falam do otimismo de bió- cial humano. Para sociólogos não faz sentido pen-
logos, antropólogos e psicólogos na aplicação de sarmos os comportamentos sociais humanos em
princípios evolutivos para explicar fenômenos sociais termos de causas últimas. A teoria da evolução é
como homicídio, religião e diferença entre os sexos aceita para explicar nossa anatomia só até o pesco-
em termos comportamentais. Biologia, antropolo- ço. Para um sociólogo tradicional, o comportamento
gia e psicologia têm sido representadas na segunda social humano é moldado inteiramente pelo pro-
revolução darwiniana por abordagens evolucionis- cesso de socialização, que é um processo exclusiva-
tas como a sociobiologia, a ecologia comportamen- mente sociocultural. O advento da psicologia evo-
tal, a antropologia darwinista e pela mais popular lucionista nos anos de 1990 ajudou a popularizar
abordagem evolucionista do comportamento so- explicações do comportamento social humano que
cial humano do momento, a psicologia evolucio- conjugam causas últimas com causas próximas, mas
nista. Pensando em termos de recombinações dis- a sociologia continua como a última trincheira de
ciplinares, uma pergunta se coloca: e a sociologia? resistência contra as explicações neodarwinistas do
Disciplina com parentesco temático, teórico e comportamento humano. No entanto, contraria-
metodológico com a antropologia e psicologia, por mente ao que se apresenta, defendemos: (1) que
que a sociologia não foi citada por Laland e Brown embora a sociologia em suas especialidades mais
(2002)? Por que de todas as ciências sociais, a socio- tradicionais seja a ciência social mais resistente a en-
logia é a disciplina mais resistente a um diálogo com gajar-se na segunda revolução darwiniana, em es-
a biologia e com a teoria evolutiva. Quanto mais pecialidades sociológicas periféricas o impacto da
nos aproximamos das especialidades centrais da sociobiologia foi grande, com repercussões que se
sociologia, maior a resistência. Uma análise compa- fazem sentir agora na agenda do campo sociológi-
rativa entre a sociologia que se desenvolve nos Es- co (as divergências em torno do tipo de aborda-
tados Unidos e a sociologia européia seria interes- gem – se biossociologia ou sociologia evolucionis-
sante nesse sentido, mas como não investigamos ta – já existiam antes mesmo do surgimento da
empiricamente os principais periódicos de sociologia sociobiologia); (2) que a institucionalização de uma

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sociologia evolucionista representa o triunfo da so- diu-se para incluir o comportamento humano (Wil-
ciobiologia no campo sociológico; e (3) que toman- son, 1981; Alexander, 1979; Lumsden e Wilson,
do a sugestão de Crippen (2006), as quatro ques- 1981) e propôs-se a ajudar na descoberta: (1) das
tões de Tinbergen (1963) constituem uma boa bases biológicas dos comportamentos sociais, in-
estratégia para pensarmos a sociologia evolucionis- clusive o humano; (2) dos parâmetros ambientais,
ta que está sendo feita e a que podemos fazer. incluindo os culturais, que influenciam estruturas e
processos genéticos.
O surgimento da sociobiologia desencadeou
Biossociologia ou sociologia evolucionista? uma virulenta polêmica nas ciências sociais. Na psi-
cologia e na antropologia o projeto sociobiológico
Por volta de 1930, darwinistas e mendelianos foi discutido inclusive nos encontros anuais de suas
finalmente convergiram e forjaram a Moderna Sín- associações profissionais. Na sociologia ficou res-
tese ou Teoria Sintética (Huxley, 1942) sobre a pro- trito, no núcleo da disciplina, a três resenhas publi-
posição geral de que “todos os organismos bioló- cadas no American Journal of Sociology (Eckland, 1976;
gicos têm evoluído como resultado da seleção natural Mazur, 1976; Tyryakian, 1976), e breves manifesta-
agindo sobre variações genéticas” (Dobzansky et al., ções negativas em livros de sociólogos influentes.
1977), ou seja, a seleção natural representa sucesso Machalek e Martin (2004) fizeram um interessante
reprodutivo diferencial, na medida em que ocorre levantamento do tratamento dado à sociobiologia
transmissão de características favoráveis à descen- em manuais de sociologia nos Estados Unidos.
dência, possibilitando uma vantagem na sobrevivên- A análise de conteúdo que fizemos do AJS e
cia daqueles indivíduos que as possuem. Após cada ASR mostra que, desde a década de 1960, alguns
geração, as características favoráveis tornar-se-ão sociólogos estavam atentos às descobertas compor-
preponderantes na população, provocando peque- tamentais comparativas feitas por etólogos e pri-
nas mudanças evolutivas na espécie. A moderna sín- matólogos. Rosenberger (1966) chamou atenção de
tese deu impulso a um número de novas disciplinas, sociólogos com inclinações etológicas para as fasci-
algumas delas consolidações de desenvolvimentos nantes informações fornecidas por trabalhos pri-
antigos: biologia molecular, ecologia evolutiva, ge- matológicos que descreviam sociedades de gorilas
nética comportamental, primatologia e etologia. a partir de sua dinâmica de grupo, liderança, comu-
Algumas das novas abordagens evolutivas especia- nicação, jogos, dominância, territorialidade, ecolo-
lizaram-se em etnografias animais e eventualmente gia e população. Segundo ele, as analogias entre
em comparações entre espécies. Tal como os antro- comportamentos de gorilas e seres humanos eram
pólogos, primatólogos e etólogos estudaram espé- cuidadosas e a leitura de tais trabalhos poderia revi-
cies de primatas em seus ambientes naturais, descre- gorar a tradição de trabalho de campo, uma tradi-
vendo suas organizações sociais. Por isso, eles foram ção metodológica que tinha fracassado comparada
atacados por defenderem similaridades em com- aos surveys e aos estudos experimentais.
portamentos e organizações sociais entre seres Eckland (1967) partiu da genética de popula-
humanos e seus parentes mais próximos (Tinber- ções para mostrar como princípios genéticos são
gen, 1951; Goodall, 1971). relevantes para estudarmos a inteligência e sua relação
A partir da década de 1960, o alcance da mo- com temas sociológicos envolvendo família, educa-
derna síntese tinha se estendido para incluir a evolu- ção e mobilidade social. A resenha que Eckland (1976)
ção do comportamento social (Hamilton, 1964; fez quase uma década depois sobre o livro de Wil-
Trivers, 1971; Williams, 1966). Em 1975, a moder- son (1975) mostra que ele já abordava biossocial-
na síntese tinha engendrado uma grande quantida- mente fenômenos sociais há mais de uma década.
de de dados com base em descobertas comporta- No início dos anos de 1970, um debate no
mentais comparativas e publicou-se um tratado que ASR, veículo da Associação Americana de Sociolo-
teorizava e propunha uma nova síntese (Wilson, gia, já confrontava defensores de uma biossociologia
1975). Esta, conhecida como sociobiologia, expan- contra defensores de uma sociologia evolucionista.

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Se conceituarmos abordagens biossociais como (1973, p. 513). A repercussão da literatura etológica


recombinações entre especialidades das ciências so- e primatológica no campo sociológico estava pas-
ciais e biologia evolutiva (Ferreira, 2000), podemos sando da seção de resenhas, em que os sociólogos
pensá-las como produtos que têm dois pontos de comentavam possíveis contribuições para a socio-
partidas diferentes. Abordagens biossociais prove- logia, para a seção dos artigos, em que conceitos
nientes da biologia evolutiva em direção às ciências sociológicos eram reavaliados à luz do que vinha
sociais e abordagens biossociais provenientes das da biologia. “Biólogos estão falando de sociolo-
ciências sociais em direção à biologia evolutiva. O gia”, já vinham chamando atenção alguns sociólo-
trabalho de Lorenz (1979) é do primeiro tipo en- gos há mais de uma década.
quanto o de Tiger e Fox (1976) pertence ao segundo. Em 1974, o ex-aluno e crítico de Talcott Par-
Os antropólogos Lionel Tiger e Robin Fox sons, Pierre Van Den Berhe sugeriu uma teoria bios-
eram os dois cientistas sociais defensores de abor- social para estudar a agressão humana (Van Den
dagens biossociais mais conhecidos no início da Berghe, 1974). Ele já havia feito uma revisão da
década de 1970. Dois de seus trabalhos publicados literatura primatológica e etológica em sua perspec-
em parceria (Tiger e Fox, 1966, 1976) foram dura- tiva biossocial sobre idade e sexo nas sociedades
mente atacados pelos cientistas sociais, conforme humanas (Van Den Berhe, 1973). Diferentemente
pode ser comprovado pelas resenhas e artigos pre- de Mazur (1973), Van Den Berhe defendeu uma
sentes no ASR e AJS. Em outro trabalho biossocial perspectiva sociológica evolutiva para combater as
que enfatizava implicações sociais das diferenças explicações radicalmente ambientalistas. Ancorado
sexuais em termos evolutivos, Tiger (1969) defen- na literatura etológica da época, ele defendeu que
deu a hipótese de que os homens teriam uma pro- “o repertório comportamental de toda espécie é
pensão transmitida biologicamente e socialmente determinado, em parte, por um conjunto de pre-
aprendida de formar laços sociais mais fortes e mais disposições biológicas que é, pelo menos em algu-
estáveis com outros homens do que com mulheres. ma extensão, específico da espécie” (1974, p. 777).
Booth (1972) testou a hipótese de Tiger e não viu O artigo de Van Den Berghe provocou exten-
sustentação para ela. É preciso enfatizar que Alan sos comentários em três exemplares do ASR: ou-
Booth tomou a hipótese de Tiger como uma pro- tubro de 1975, fevereiro e junho de 1976. Nos dois
posição que contrariava estudos sociológicos fun- últimos o projeto sociobiológico foi usado como
damentados em explicações antibiológicas em alguns fundamento sobretudo por Van Den Berghe, que
casos e não-biológicas em outros, como contra- utilizou o trabalho de Wilson (1975) para reforçar
ponto das explicações não-biológicas do fenôme- alguns de seus argumentos e para defender a idéia
no da socialização. Houve um interessante debate de que uma “ciência da sociobiologia é possível
teórico e metodológico nas páginas do ASR. Dife- somente por intermédio de comparações entre es-
rentemente de seus colegas de profissão que sim- pécies” (Van Den Berghe, 1976b). O sociólogo
plesmente condenavam ideologicamente esforços Robertson (1976) referiu-se ao termo biossociolo-
biossociais, Booth testou a hipótese de Tiger. Mas gia no sentido de uma abordagem sociológica tra-
ele assim o fez porque já era um biossociólogo. dicional que incorporasse a dimensão biológica sem
Em 1973, em um trabalho empírico que reviu adotar uma abordagem evolutiva para os fenôme-
os dados comparativos da literatura primatológica, nos sociais. Mazur e Robertson (1972) já haviam
Mazur sugeriu que as comparações entre espécies sugerido o nome “biossociologia” como uma pers-
serviriam como base crítica para várias teorias socio- pectiva não-biossocial, conforme o conceito que
lógicas sobre status. Referindo-se à teoria evolutiva, adotamos, quando escreveram Biology and social beha-
ele disse: “Argumentarei contra a explicação cultu- vior. O que chama atenção na discussão do artigo
ral como base para padrões de status em pequenos de Van Den Berghe é que, com exceção de um
grupos humanos estabelecidos [...]. Deixe-me estabe- comentador que era biólogo, todos os outros eram
lecer de início que rejeitar a explicação culturalista sociólogos que conheciam a literatura etológica e
não implica que a explicação evolutiva esteja correta” primatológica dos estudos sobre comportamento

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e organização social primata. Van Den Berghe de- uma sociologia evolucionista cujos conceitos fun-
fendeu claramente uma sociologia evolucionista nos damentais e princípios teóricos derivam da biolo-
moldes sociobiológicos, Maryanski Turner, Turner gia evolutiva contemporânea, especialmente socio-
e Fix (1976b) endossaram a possibilidade de uma biologia e ecologia comportamental. Entre seus
sociologia evolucionista, mas questionaram a ma- conceitos mais importantes está o princípio da ma-
neira pela qual Van Den Berghe apreendeu a litera- ximização, que estabelece que organismos tendem
tura sobre evolução humana, posicionando-se con- a se comportar de uma maneira que maximiza sua
trariamente a uma explicação da territorialidade e aptidão inclusiva, isto é, sua total influência sobre a
da hierarquia humanas como tendo fundamentos perpetuação de seus genes em gerações subseqüen-
biológicos, enquanto Alan Mazur e Leon Robert- tes. A aptidão inclusiva é uma medida da participação
son defenderam uma abordagem biossociológica. de um indivíduo na reprodução conjunta de uma
As divergências entre Van Den Berghe e Maryanski população. É, portanto, uma grandeza relativa. Ela
Turner, Turner e Fix já prenunciavam divergências não é alcançada apenas por meio da reprodução di-
em relação ao tipo de sociologia evolucionista, o reta do indivíduo, mas também por intermédio da
que hoje presenciamos na seção “Evolução, Biolo- reprodução indireta, ou seja, pelo investimento do
gia e Sociedade” da Associação Americana de Socio- indivíduo em parentes.
logia. Em certo momento de sua réplica, Van Den Foi em 2004 que a comunidade de sociólogos
Berhe afirmou: “Que evidências Turner, Turner e aberta ao diálogo com a biologia organizou uma
Fix adiantam para sustentar suas hipóteses que são seção permanente na Associação Americana de
tão diferentes das minhas? Considerando todos os Sociologia. O objetivo era criar bases institucionais
aspectos, eu penso que o argumento deles é tão dentro da sociologia para o desenvolvimento de
hipotético quanto o meu, como a maioria dos argu- pesquisas na interface da teoria sociológica com a
mentos evolucionistas tendem a ser” (1976b, p. 557). biologia.
Com o advento da sociobiologia, Van Den Um argumento recorrente nas comunicações
Berghe passou a ser seu principal expoente na socio- dos participantes dessa seção é a importância em
logia, embora outros sociólogos tenham manifes- trazer de volta a teoria evolutiva para a sociologia.
tado simpatia pela nova abordagem biossocial No entanto, há sérias divergências em relação à es-
(Eckland, 1976; Tyryakian, 1976; Ellis, 1978; Chase, tratégia a ser adotada. Biossociologia ou sociologia
1980; Lopreato, 1984; Cohen e Machalek, 1988) evolucionista? Existe uma primeira divisão entre
para citar apenas aqueles que se manifestaram mais biossociologia e sociologia evolucionista. O nome
claramente nos dois periódicos mais tradicionais da da seção, que era “Evolução & Sociologia” mu-
tradição sociológica. dou, em 2008, para “Evolução, Biologia e Socieda-
Na periferia do campo sociológico e em ou- de”, o que parece contemplar esta primeira divisão.
tras disciplinas das ciências sociais antes e após o Entre os adeptos de uma sociologia evolucionista,
arrefecimento do debate em torno da sociobiolo- há divergências, conforme já mencionamos, sobre
gia, uma comunidade crescente de cientistas sociais o tipo de sociologia evolucionista. O casal de soció-
tem construído uma teoria social darwiniana, uma logos (Maryanski e Turner, 1992; Turner, 2000;
“Revolução Silenciosa” que pode ser caracterizada Maryanski, 2006) é contrário ao princípio da maximi-
como uma Segunda Revolução Darwiniana (Wright, zação e a uma sociologia evolucionista nos moldes
1996). Hoje, esta revolução tem conseguido adep- sociobiológicos. As abordagens de Lopreato (1984),
tos em várias das ciências comportamentais e sociais, Lopreato e Crippen (1999), Pierre Van Den Berghe
incluindo antropologia, psicologia, neurociência (1973, 1974, 1979), Tiger e Fox (1976) são caracte-
cognitiva, economia, ciência política e psiquiatria e rizadas como uma sociologia do instinto nos mol-
tem conseguido se estabelecer também em outras des elaborado por Lorenz (1979). Maryanski e Tur-
áreas das humanidades e das artes (Machalek e ner, por exemplo, argumentam que cientistas sociais
Martin, 2004). Na sociologia, a perspectiva biosso- como Van Den Berghe e Tiger e Fox vêem proces-
cial de inspiração sociobiológica tem resultado em sos evolutivos como produtores de biogramas que,

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em termos mais amplos, dirigem e circunscrevem ciobiologia têm concluído que divididos eles não
o padrão de organização social desenvolvido por conseguirão transformar suas preocupações teóri-
seres humanos. Cultura e sociedade, dizem Ma- cas e metodológicas em uma seção na Associação
ryanski e Turner, são mais do que meros reflexos Americana de Sociologia. Antes da emergência da
desses biogramas. Estruturas sociais e sistemas de sociobiologia, o termo evolução deixava os soció-
símbolos revelam sua própria dinâmica e proprieda- logos arrepiados. Agora ele faz parte do nome de
des emergentes, mas não são completamente divor- uma seção. O nome mudou três vezes, mas em to-
ciadas da biologia humana. Em relação à sociobio- dos eles o termo evolução permanece.
logia, Maryanski e Turner são críticos da abordagem
de Williams (1966), Wilson (1975) e Dawkins (1979).
Por exemplo, a idéia de que corpos humanos, siste- Sociologia evolucionista: triunfo da
mas de símbolos culturais e padrões de organiza- sociobiologia na sociologia?
ção social são “máquinas de sobrevivência”, que
transmitem a unidade real de seleção natural e evo- O surgimento da sociobiologia intensificou, na
lução, o gene, não é bem aceita. Segundo Maryanski periferia do campo sociológico, um movimento de
e Turner, tais idéias desembocam no argumento de crítica à natureza do conhecimento sociológico.
que estruturas sociais e cultura são recipientes ela- Merton já havia chamado atenção para o caráter de
borados ou máquinas de sobrevivência para asse- filosofias totais que a grande maioria dos sociólogos
gurar que os genes possam maximizar sua aptidão. dava a suas produções. Os clássicos haviam formu-
Padrões de parentesco e altruísmo (Hamilton, 1963, lado orientações sociológicas gerais, cabia a seus suces-
1971) assim como o altruísmo recíproco – a idéia sores especificar os tipos de variáveis que eram espe-
de que existe altruísmo entre indivíduos não apa- cíficas de certos fenômenos sociais (Merton, 1968).
rentados geneticamente (Trivers, 1971) – “são pro- Nos anos de 1970, Gouldner (1970) diagnosti-
duto da seleção natural, como ela se desenvolveu cou uma crise na sociologia ocidental. Uma crise
para fornecer melhores máquinas de sobrevivência teórica e metodológica que se manifestava na frag-
para genes tentando maximizar suas aptidões” (Ma- mentação da disciplina.
ryanski e Turner, 1992, p. 2). Assim, se a estrutura A recepção hostil que a sociobiologia recebeu
básica da organização humana é explicada por pro- do mainstream da sociologia foi contrabalanceada pela
cessos de seleção gênica, as ciências sociais devem simpatia de alguns sociólogos, que se manifesta-
ser um ramo da biologia, o que é irônico, segundo ram e continuam a se manifestar, intensificando crí-
Maryanski e Turner, pois contraria a proposta de ticas à sociologia e ampliando o diagnóstico de
Augusto Comte de que a sociologia no futuro for- Merton e Gouldner.
neceria a última sistematização da biologia. O racio- Alguns periódicos dedicaram números inteiros
cínio de Maryanski e Turner aqui recorre a uma para a discussão das implicações da proposta socio-
normatização epistemológica: por que a explicação biológica para a sociologia e para a caracterização
tem que ser apenas sociológica? A seção que con- da dificuldade da sociologia em comportar-se como
grega a comunidade de sociólogos interessados na um campo científico: Sociological Fórum, American
teoria evolutiva iniciou-se com o nome “Evolução Sociologist e Sociological Perspectives. No mesmo sentido
& Comportamento Social”. Na segunda comunica- foram publicados alguns livros (Van Den Berghe,
ção o nome mudou para “Evolução & Sociologia”. 1978, 1979, Wallace 1983, Lopreato e Crippen 1999).
A justificativa de Maryanski (2004) foi que o trabalho Em 1977, o sociólogo Lee Ellis publicou um
de atrair novos membros revelou que os sociólogos artigo polêmico em que fez uma defesa da sociobio-
têm resistência a abordagens recentes, como por logia, afirmando simultaneamente que a sociologia
exemplo, a sociobiologia. As mudanças do nome passava por um estágio crítico de seu desenvolvi-
da seção e suas justificativas sugerem que biosso- mento. Havia possibilidade de a sociologia perder
ciólogos, sociólogos evolucionistas de inspiração seu reconhecimento acadêmico se não abandonasse
sociobiológica e sociólogos evolucionistas anti-so- suas suposições tradicionais de favorecer o anti-re-

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ducionismo metodológico e explicações teleológi- nomia de disciplinas tem pouca chance de se insti-
cas para o comportamento social humano. O arti- tucionalizar por três razões: (1) nosso interesse nar-
go provocou tamanha celeuma que influentes soció- cisista em nossa própria espécie garantirá para a
logos se manifestaram contra o que pareceu ciência do homem um status mais elevado do que
“diagnóstico apocalíptico” para alguns. George Ho- um pequeno lugar dentro da primatologia; (2) nos-
mans e Gehard Lenski viram exageros no diagnós- so etnocentrismo tão representativo das sociedades
tico de Ellis, mas Van Den Berghe não. Embora industriais avançadas garantirá a sobrevivência re-
tenha discordado da ênfase dada por Ellis à resis- dundante da sociologia próxima da antropologia,
tência dos sociólogos ao empreendimento científico apesar da demonstrável superioridade intelectual da
como um procedimento reducionista, Van Den última sobre a primeira; (3) por uma lei parkinsonia-
Berghe (1977) concordou que o fato de o campo na da expansão acadêmica, a sociobiologia pode
sociológico não se comportar como um campo cien- crescer sobre ela mesma sem atrapalhar a prolifera-
tífico foi decisivo para entendermos a recepção ção da sociologia.
ideológica que as idéias sociobiológicas receberam Quase vinte anos depois, Ellis (1996) retomou
na sociologia. Algumas limitações conceituais e ideo- sua crítica, explicando o declínio da sociologia pela
lógicas são mencionadas: forte viés anti-evolutivo, biofobia dos sociólogos, ou seja, a tendência a não
determinismo ambiental dogmático, visão do com- considerar as causas biológicas do comportamen-
portamento humano como voluntarista e de uma to humano. Ellis apresenta quatro explicações para
plasticidade quase infinita, pesada dependência de a biofobia: fatores semânticos, falta de treinamento
análise estatística de dados agregados e uma ênfase em biologia, foco exclusivo sobre seres humanos e
quase exclusiva sobre comportamento verbal e sim- fatores morais/políticos. O diagnóstico de
bólico. Sobre a predição de Ellis de que a sociolo- Lopreato e Crippen (1999) é similar. Eles reconhe-
gia perderia seu reconhecimento como campo cien- cem a fragilidade da sociologia como campo cien-
tífico, Van Den Berghe afirmou que a sobrevivência tífico, a fragmentação e a ausência de orientações
de uma disciplina não está relacionada com sua (leis), o que torna o campo sociológico refém de
qualidade intelectual. A sociologia do final dos anos agendas políticas.
de 1970, disse ele, não é melhor do que a sociologia É difícil avaliar o impacto dessas críticas no
de Marx, Weber e Durkheim. Algumas especialida- campo sociológico, mas muita coisa tem mudado
des da antropologia, por exemplo, prosperaram no desde o aparecimento da sociobiologia. Muitos
sentido de um maior reconhecimento científico. In- sociólogos incorporaram a sociobiologia em seus
telectualmente, a sociologia não tem uma existência programas de curso. Um número crescente de arti-
separada da antropologia. A distinção entre as duas gos tem aparecido em periódicos tradicionais e
é fruto de um acidente histórico. A sociologia cons- periféricos de sociologia discutindo conceitos da
titui-se intelectualmente de uma pequena especiali- nova revolução darwiniana. Com a criação da se-
dade dentro da antropologia: a antropologia social ção “Evolução, Biologia e Sociedade”, dois novos
das sociedades ocidentais. Se a sociobiologia tor- periódicos declararam-se abertos à publicação de
nar-se o novo paradigma dominante para o estudo sociólogos biossociais, o Sociological Theory e o Social
científico da evolução do comportamento, então a Forces. Manuais de sociologia têm apresentado a teo-
antropologia deve logicamente tornar-se uma sub- ria evolutiva de uma maneira favorável, mostrando
especialidade dentro da primatologia – que estuda sua pertinência para a compreensão dos fenômenos
os hominídeos, os fósseis e aqueles que ainda vi- sociais. Outros manuais são analisados por sua apre-
vem – e a sociologia uma sub-sub especialidade sentação negativa da sociobiologia ou de explica-
dentro da antropologia (Van Den Berghe, 1977, p. ções biológicas (Machalek e Martin, 2004). Soció-
76). Parece que os receios de alguns sociólogos que logos e estudantes de sociologia são convidados
acusavam a sociobiologia de imperialismo discipli- para participarem da seção e desenvolverem proje-
nar têm lá suas razões de ser. No entanto, o próprio tos de pesquisa na interface sociologia/biologia.
Van Den Berghe reconhece que esta lógica de taxo- Enfim, os sociólogos evolucionistas, sociobiologistas

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ou não, e os biossociólogos estão investigando a in- de gênero. No mesmo sentido, Mazur (1994, 2005)
fluência de fatores biológicos nos mais diversos com- e Mazur e Booth (1998) avaliam a influência do ní-
portamentos sociais humanos e há incentivo até vel de circulação de testosterona sobre padrões de
mesmo para investigar o comportamento social de comportamento de dominância em machos huma-
outros animais e pesquisar também a influência de va- nos. A consideração de variáveis neuro-anatômicas
riáveis sociais em fatores biológicos. Se a sociologia e neurofisiológicas que participam da expressão do
evolucionista e/ou a biossociologia terão sucesso comportamento social humano tem o potencial de
não sabemos, mas pensando na agenda de pesquisas enriquecer nossa compreensão da “rica estrutura do
propostas, cabe uma pergunta: não era esta a su- comportamento humano” (Crippen, 2006).
gestão da sociobiologia? Questão 2 – Qual é a ontogenia do comporta-
mento? Como ele se desenvolve ao longo do curso
da história de vida do organismo? Esta questão suge-
Um guia para uma sociologia evolucionista re que a complexa interação entre informação gené-
tica e influências ambientais pode ser um guia pro-
Em um famoso ensaio da década de 1960, Tin- dutivo para retomarmos a grande quantidade de
bergen (1963) apresenta quatro questões que funcio- informação descritiva que sociólogos, antropólo-
nariam como uma orientação na estruturação da gos e psicólogos sociais acumularam quando estu-
análise etológica. Cada uma dessas questões tem daram o comportamento social humano como um
relevância para problemas comumente investigados produto exclusivo da socialização e condicionamen-
por sociólogos, conforme sugeriu-nos Crippen to cultural. No final década de 1960, o sociólogo
(2006). Elas serão apresentadas sequencialmente Eckland (1967) propôs a integração de princípios
para mostrar o que tem sido feito por biossociólo- sociológicos e genéticos para corrigirmos os exces-
gos e sociólogos evolucionistas. sos das teorias ambientalistas do comportamento
Questão 1 – Como o comportamento funciona? humano. Eckland referiu-se à relevância da genética
Quais são suas causas próximas? Quando estudam de populações para entendermos temas sociológi-
comportamento social humano, sociólogos raramente cos como a família, educação e mobilidade social.
levam em consideração estruturas neuro-anatômi- Questão 3 – Qual é a função do comportamen-
cas ou processos neurofisiológicos que fundamen- to? Qual é a sua contribuição para a sobrevivência e
tam sua expressão. O foco sociológico em termos o sucesso reprodutivo do organismo? Antropólo-
de “causas próximas” é quase exclusivamente sobre gos orientados evolutivamente e psicólogos evolu-
aspectos do ambiente social e cultural que condicio- cionistas têm desenvolvidos fascinantes trabalhos
nam o comportamento humano. Ninguém nega, investigando questões dessa natureza. Sociólogos
naturalmente, a significância de tal condicionamen- têm potencialmente muito a ganhar se explorarem
to ambiental, mas este não se manifesta em um vá- abordagens semelhantes. Por exemplo, Lopreato e
cuo biológico. Os indivíduos chegam equipados em Crippen (1999) ilustram como estudos do compor-
seus mundos com um sistema nervoso central e tamento de famílias – por exemplo, escolha de par-
endócrino formado no curso de um longo período ceiros, investimento parental nos filhos, padrões de
de evolução de nossa espécie. Esta consideração é casamento, divórcio e recasamento, divisão de traba-
especialmente relevante à luz dos avanços que têm lho no domicílio, e de estratificação social, as forças
ocorrido na neurociência e neuro-endocrinologia e que fundamentam a busca por status e as condições
têm informado o trabalho de alguns sociólogos socioculturais que governam a estrutura de desigual-
(Rossi, 1984; Turner, 2000; Massey, 2005). Outros dade social – podem fornecer um sentido mais
têm se interessado por certos processos neurofisio- coerente quando olhamos em termos mais amplos
lógicos envolvidos na expressão do comportamento os princípios teóricos que formam a estrutura da
social humano. Udry (1994, 2000), por exemplo, moderna ciência comportamental evolucionista.
tem explora os mecanismos hormonais que funda- Também nesse sentido, Eckland (1967, 1968) foi
mentam alguns aspectos do comportamento social um precursor na sociologia.

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ABORDAGENS BIOSSOCIAIS NA SOCIOLOGIA 163

Questão 4 – Como o comportamento evoluiu Alexandra Maryanski tem estudado as propen-


no contexto do ambiente ancestral do organismo? sões relacionais e características estruturais de homi-
Esta questão, que vem sendo popularizada pela psi- nídeos e sociedades hominídeas. Para investigar este
cologia evolucionista, expande o horizonte tempo- tema, ela emprega teoria evolutiva, análise cladística
ral comumente empregado por sociólogos quan- (que utiliza modelos gráficos matemáticos para ex-
do investigam aspectos do comportamento social. plicar as relações filogenéticas entre os seres vivos,
Segundo Crippen (2006), sociólogos não devem se baseando-se nas comparações morfogenéticas, ana-
esquecer que as inclinações comportamentais hu- tômicas etc.), teoria e ferramentas da análise de redes
manas têm raízes e se estendem ao longo da pré- sociais, combinadas com registros fósseis e dados
história da nossa espécie. A ênfase de Crippen, “não de campo sobre redes sociais de macacos vivos para
devem”, não é exagerada, se pensarmos no quanto fazer inferências sobre a natureza das distâncias entre
da produção sociológica, como disse Van Den Ber- os ancestrais dos seres humanos e os macacos atuais.
ghe (1977), expressa uma visão do comportamen- Sua descoberta básica mostra que as populações
to como voluntarista e de uma plasticidade quase dos últimos ancestrais comuns entre seres humanos
infinita. O organismo humano em muitos aspectos e macacos sugerem uma falta de continuidade entre
cruciais tem características anatômicas, fisiológicas gerações e foi estruturada fundamentalmente em
e traços comportamentais que emergiram e persisti- torno de laços sociais fracos com somente alguns
ram porque elas foram adaptativas no ambiente ances- poucos laços sociais fortes que podiam ser utilizados
tral de nossa espécie, incluindo aspectos do ambiente por espécies descendentes para construir estruturas
sociocultural dos nossos forrageadores ancestrais. de grupo coesas e estáveis. Entre os macacos vivos,
Evidências etnográficas, arqueológicas e histórico- os orangotangos com suas vidas quase solitárias
comparativas podem ser úteis na “reconstituição” refletem esta estrutura relacional ancestral (Maryanski,
desse ambiente sociocultural. Recentemente, alguns 2006). As descobertas de Maryanski sugerem que a
sociólogos tornaram-se atentos para esta possibili- linhagem hominídea tinha predisposições em direção
dade e têm utilizado tais evidências para compre- a redes sociais de baixa densidade, fraca socialida-
ender uma variedade mais ampla de temas socioló- de e forte individualismo. A atual pesquisa da auto-
gicos (Maryanski e Turner, 1992; Nolan e Lenski, ra busca compreender como e quando os hominí-
1999; Sanderson, 2001; Lenski, 2005; Massey, 2005; deos começaram a forjar laços sociais mais fortes.
Turner e Maryanski, 2005). A comunidade de sociólogos biossociais e bios-
Segundo Crippen (2006), a abordagem evolu- sociólogos têm crescido, mas ainda não é representa-
tiva tem inspirado questões incomuns para a tradi- tiva no campo sociológico como um todo. A tradi-
ção sociológica. Por exemplo, qual é a formação ção da sociologia norte-americana desenvolveu laços
básica para seres humanos? A maioria dos sociólo- sociais fortes com a psicologia. O desenvolvimento
gos diria que é a família. Émile Durkheim discor- da psicologia evolucionista tem sido auspicioso nes-
daria. Ele propôs que, nos primórdios, humanos se sentido, pois pode funcionar como um atrator
viveram em unidades baseadas em comunidades para fazer da sociologia uma parceira em pesquisas
regionais. Apenas mais tarde a seleção favoreceu as e descobertas propiciadas pelos conceitos e instru-
divisões estáveis dentro da comunidade humana. mentos gerados pela segunda revolução darwiniana.
Isto pode ajudar a explicar por que nossa necessi-
dade por um “senso de comunidade” é tão forte e
persistente nas emoções humanas encontradas em BIBLIOGRAFIA
todas as sociedades humanas (Maryanski e Turner,
1992; Maryanski, 2006). Van Den Berghe (1976a, ALEXANDER, Richard. (1979), Darwinism and hu-
1979) apresentou esta questão de outra forma: como man affairs, Washington, University of Washing-
surgiu a sociedade? Sem uma perspectiva evolutiva, ton Press.
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188 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No 70

ABORDAGENS BIOSSOCIAIS NA BIOSOCIAL APPROACHES IN ASPECTS BIOSOCIAUX DANS LA


SOCIOLOGIA: BIOSSOCIOLOGIA SOCIOLOGY: BIOSOCIOLOGY SOCIOLOGIE: BIOSOCIOLOGIE
OU SOCIOLOGIA OR EVOLUTIONARY OU SOCIOLOGIE
EVOLUCIONISTA? SOCIOLOGY? ÉVOLUTIONNISTE ?

André Luís Ribeiro Lacerda André Luís Ribeiro Lacerda André Luís Ribeiro Lacerda

Palavras-chave: Biossociologia; Socio- Keywords: Biosociology; Evolutionary Mots-clés: Biosociologie; Sociologie


logia evolucionista; Sociobiologia; Psi- sociology; Sociobiology; Evolutionary évolutionniste; Sociobiologie; Psycholo-
cologia evolucionista. psychology. gie évolutionniste.

Este artigo discute a repercussão do de- This article discusses the impact of the Cet article aborde la répercussion du dé-
senvolvimento de abordagens biossociais, development of biosocial approaches, a veloppement des abordages biosociaux,
recombinação entre especialidades das recombination between specialties in the du réarrangement entre les spécialités des
ciências sociais e biologia evolutiva no field of social sciences and evolutionary sciences sociales et de la biologie évoluti-
campo sociológico. Contrariamente à biology, with the sociological field. Con- ve dans le domaine sociologique. Con-
idéia de que abordagens biossociais não trary to the idea that biosocial approaches trairement à l’idée selon laquelle les
têm espaço na sociologia, defendemos que, such as sociobiology has no place within abordages biosociaux n’ont pas leur es-
embora a sociologia em suas especialida- sociology, we thus defend : (1) That al- pace dans la sociologie, nous soutenons,
des mais tradicionais e centrais seja a ciên- though sociology in its most traditional malgré le fait que la sociologie, dans ses
cia social mais resistente a engajar-se na and fundamental specialties is the most spécialités les plus traditionnelles et cen-
segunda revolução darwiniana, em espe- adamant social science to enlist in the trales, est la science sociale la plus résis-
cialidades periféricas o impacto da socio- second Darwinian revolution, in periph- tante à s’engager dans une seconde révo-
biologia foi grande. Acreditamos também eral specialties the impact of sociobiol- lution darwinienne, que dans des spécia-
que a institucionalização de uma socio- ogy has been considerable; (2) That the lités périphériques, l’impact de la socio-
logia evolucionista representa o triunfo institutionalization of an evolutionary biologie a été important. Nous croyons
da sociobiologia no campo sociológico. sociology represents the triumph of so- aussi que l’institutionnalisation d’une
ciobiology in the sociological field. sociologie évolutionniste représente un
triomphe de la sociobiologie dans le do-
maine sociologique.

012 rbcs 70 resumos abstracts résumés.p65 188 8/18/2009, 2:28 PM

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