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O DIREITO À CIDADE E AS
OCUPAÇÕES URBANAS:
UM OLHAR SOBRE A VILA ELIANA SILVA / BELO
HORIZONTE
ANA CAROLINA MARIA SORAGGI
Secretária Municipal de Planejamento Urbano da Prefeitura Mu-
nicipal de Pedro Leopoldo, Mestre em Arquitetura e Urbanismo,
pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais
(NPGAU/UFMG).
(1) Entende-se aqui como padrão centro-periferia, aquele caracterizado pela ocupação dis-
persa em vez de concentrada; pela distância física entre as classes sociais – classes média e
alta vivendo nos bairros centrais, legalizados e bem equipados, enquanto os pobres vivem
na periferia precária; pela aquisição de casa própria como regra para a maioria dos morado-
res, ricos e pobres, e, finalmente, pelo sistema de transporte baseado no uso do ônibus para
as classes trabalhadoras e em automóveis para as classes médias e altas, tal como exposto
por Caldeira (2000, p.118) e Mendonça (2002, p.46).
(2) Sobre a formação de Belo Horizonte a partir do plano urbanístico que deu origem à ca-
pital mineira, ver, entre outros, Andrade e Magalhães (1998).
O lugar reservado à população de baixa renda nas cidades e nas regiões me-
tropolitanas brasileiras explicita o descumprimento da função social da propriedade
estabelecida no texto da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade
– Lei Federal nº. 10.257/20013. No que tange à política urbana, a análise do arca-
bouço legal e institucional brasileiro atesta que há um abismo a ser superado entre
a teoria e a prática para o efetivo cumprimento do direito à cidade.
O texto desenvolvido a seguir se divide em 4 partes e tem por objetivo apre-
sentar a história da Vila Eliana Silva, localizada na região do Barreiro, que, por sua
vez, se insere no Vetor Oeste de expansão da RMBH4, na zona limítrofe entre a sede
metropolitana e o município de Ibirité. Desde 2007, foram realizadas nesta região
nove ocupações urbanas – Irmã Dorothy 01, que sofreu uma ação de despejo em
2007; Irmã Dorothy 02; Camilo Torres; Vila Corumbiara 02; Horta; Eliana Silva;
236 Nelson Mandela e Paulo Freire, em Belo Horizonte, além de Barreirinho em Ibirité.
Na primeira parte do texto será realizado o resgate das principais corren-
tes que balizam os estudos urbanos e que auxiliam na compreensão dos fatores
que influenciam nos padrões de ocupação do espaço urbano. Busca-se, a partir
do referencial teórico clássico, discutir os fundamentos do direito à cidade e os
processos políticos que subsidiam as reivindicações e ações dos movimentos de
luta pelo direito à moradia.
Na segunda parte será abordada a constituição das políticas que deram res-
posta às demandas habitacionais brasileiras, no contexto do processo histórico de
construção do espaço urbano no Brasil, que culmina na consolidação de progra-
(3) O Estatuto das Cidades, Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, “estabelece
normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em
prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio
ambiental” (BRASIL, 2001), institucionaliza a Função Social da Propriedade – prevista na
Constituição Federal de 1988 – e regulamenta uma série de instrumentos de planejamento
e gestão territorial urbana.
(4) A expansão do Vetor Oeste da RMBH caracteriza-se, especialmente, pela implantação de
parcelamentos do solo destinados à instalação de empreendimentos industriais e pela pro-
dução de moradia voltada para a população de baixa renda através de conjuntos habitacio-
nais, parcelamentos clandestinos e ocupação de terrenos ociosos e/ou subutilizados. Sobre
as características da RMBH e seus vetores de expansão, ver Fundação João Pinheiro (2007).
(5) No modelo de Alonso (1964) para a localização dos usos urbanos, o autor considera uma
cidade em um terreno plano, no qual o transporte tem o mesmo custo e dificuldade em
todos os sentidos. Além disto, supõe que a concentração de empregos se encontra na área
central e que a população possui uma racionalidade econômica (competindo para maximi-
zar seus benefícios e satisfações enquanto minimizam custos e esforços).
(6) A consolidação da moradia como mercadoria traz à tona as reflexões propostas por Le-
febvre (2008) no início da década de 1970, no contexto das transformações do espaço ur-
bano-industrial. O autor contrapõe o habitar e o habitat e afirma que: “Este último termo
(9) O relato foi feito através de uma entrevista com dois coordenadores da ocupação, mo-
radores do local e militantes do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB).
Aos dados e informações trazidos através da entrevista, são acrescentadas observações e
considerações das autoras, resultantes de suas impressões face à convivência próxima com
a comunidade.
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(15) Enquanto as ruas da cidade eram tomadas pelas manifestações durante o mês de junho
de 2013, surgiu na divisa de Belo Horizonte com o município de Santa Luzia, na RMBH, a
ocupação Rosa Leão, e na sequência, vieram as vizinhas Vitória e Esperança. As três ocu-
pações, situadas na região chamada Izidora, abrigam hoje milhares de pessoas (dados não
oficiais). A área ocupada, onde a PBH pretende realizar uma operação urbana consorciada,
é contestada na justiça e configura um dos maiores conflitos fundiários urbanos do país.
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À GUISA DE UMA REFLEXÃO POLÍTICA DOS DISCURSOS
DA CIDADE
Escrever este texto não foi uma tarefa fácil e, por isso, ele foi subdividido.
Buscamos encontrar o equilíbrio entre dar voz aos moradores da Vila Eliana Silva
e inserir suas histórias no contexto de uma abordagem teórico-conceitual, ora
deixando transparecer as emoções intrínsecas à luta pelo direito à moradia, ora
mantendo uma certa distância para explicitar as questões que permeiam a aná-
lise da produção do espaço urbano/metropolitano e da constituição das políticas
públicas habitacionais.
Não pretendemos relacionar ou esgotar todas as questões que a história da
Vila Eliana Silva suscita. Todavia, é preciso reconhecer que, ao longo do texto, uma
ideia simples constantemente nos retorna: A compreensão de que este espaço ur-
bano chamado cidade é produzido pelas e para as pessoas que nele se refletem deve
permear o trabalho de todo aquele que se lança ao desafio de decifrar as dinâmicas
espaciais das cidades e das metrópoles. Nestes termos, o direito à cidade encontra
sua possibilidade de realização na construção coletiva do espaço urbano, para além
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