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Texto: Positivismo jurídico – introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo

jurídico-político
Autor: Dimitri Dimoulis

Capítulo 3 - Sentidos do positivismo jurídico (65)

1. Problemas de definição (65)

1.1. Definição preliminar (65)

O positivismo jurídico constitui um conjunto de proposições teóricas em torno dos seguintes


aspectos fundamentais do ordenamento jurídico: (65)
a) Definição (fontes, função, finalidade);
b) Relação com outros fenômenos normativos;
c) Interpretação das normas jurídicas;
d) Avaliação política e propostas de reforma do direito em vigor.

Isso indica que o positivismo jurídico (PJ) é uma teoria explicativa do fenômeno jurídico, isto é,
uma das possíveis, historicamente presente e atualmente defendidas teorias do direito.

O emprego do termo “positivismo” faz surgir a interrogação se o PJ é uma corrente de


pensamento peculiar ou se constitui a versão jurídica do positivismo nas ciências humanas e na
filosofia, que se fundamenta na tese da objetividade e no estudo de fatos mediante observação.
(66)

(...) observações indicam que a afirmação do liame entre o positivismo jurídico e o positivismo
filosófico ou sociológico ensina muito pouco sobre as características do primeiro. Isso demonstra
a necessidade de analisar o positivismo jurídico em suas características intrínsecas
independentemente de sua ligação com outras correntes positivistas nas ciências e na filosofia.
(67)

1.2. Nota sobre as origens do positivismo jurídico (67)

Sua origem está no termo ius positivum (ou ius positum), algo que se percebe mais claramente
no termo “juspositivismo”. O positivismo jurídico indica a preocupação com o estudo do direito
posto (e também imposto). Interessa o estudo dos atos que impõe normas, como indica o termo
alemão Gesetz (lei), oriundo do verbo setzen (pôr, assentar, sentar). (67-68)

(...) ser positivista no âmbito jurídico significa escolher como exclusivo objeto de estudo o direito
que é posto por uma autoridade e, em virtude disso, possui validade (direito positivo).
Independentemente de influências recebidas por abordagens positivistas nas ciências e na
filosofia, o positivismo jurídico se relaciona causalmente com o processo histórico de derrota do
direito natural e a substituição das normas de origem religiosa pelas leis estatais nas sociedades
europeias da Idade Moderna, fenômeno esse que foi analisado como “surgimento da
positividade do direito”. (68)

(...) ideias de cunho juspositivista encontra-se já no século XVI na obra de Jean Bodin (1529-
1596). O autor considera que as leis dependem única e exclusivamente da vontade do soberano
que possui o poder para impor seus mandamentos aos súditos (“a palavra da minha boca será a
minha espada e todo o povo aplaude”). Não há dúvida de que Bodin insiste na submissão do
soberano às leis divinas e naturais e, por essa razão, seu positivismo foi considerado “impuro”.
Mas está igualmente certo que Bodin faz depender as leis vigentes na sociedade da vontade
“pura e franca” do legislador político (do Príncipe soberano), modificando o entendimento
tradicional da Idade Média que adotava uma visão de pluralismo jurídico considerando o direito
decorrência da vontade do povo (costumes codificados ou não), da Igreja, dos senhores feudais
(incluindo os reis) e também dos juristas. (68-69)

Mas, ao contrário de Bodin e de toda a tradição filosófica medieval, Hobbes (1588-1679)


submete o direito natural a fortes críticas em razão de sua incapacidade de garantir a segurança
individual e a paz social. (...) Um traço claramente juspositivista de seu pensamento é a visão
laica, isto é, puramente política do Estado e do direito: “para Hobbes, o Estado e o direito
pertencem a César”.
Diferenciando-se da maioria dos pensadores de sua época, Hobbes afirma que é possível
identificar e analisar o direito de forma objetiva, independentemente do posicionamento do
observador sobre o valor das normas, em particular porque considera que o critério
fundamental da juridicidade não se encontra em qualidades intrínsecas das normas, e sim na
capacidade de seu criador de impô-las efetivamente na realidade social mediante coação.
Em razão disso, Hobbes é tido como o mais importante precursor do positivismo jurídico, apesar
das diferenças com a perspectiva juspositivista moderna que, teoricamente, se resumem no fato
de Hobbes justificar e legitimar o direito positivo em vista de sua capacidade de ordenar e
pacificar a sociedade. (69)

A consolidação das premissas do positivismo jurídico se deu em paralelo à monopolização do


poder político pelos aparelhos estatais nas sociedades capitalistas, relacionando-se com as
ideias racionalistas sobre a criação e a aplicação do direito. Isso se verificou no século XIX sob o
impulso das “grandes codificações” em muitos países europeus e em suas colônias ou ex-
colônias. Nos países sem direito codificado, como acontecia no século XIX na Inglaterra e, em
certa medida, na Alemanha, a visão juspositivista se consolidou graças à forte presença do
Estado que conseguiu monopolizar a produção jurídica, fazendo com que os costumes fossem
consolidados e parcialmente reformulados pelos tribunais estatais.
Como primeiros representantes do positivismo jurídico do século XIX, são indicados os juristas
franceses e belgas da pré-citada École de l’exégèse. Sua opção teórica a favor do positivismo foi
resumida da seguinte forma: “el ‘derecho’ es todo creado por el legislador, y es ‘derecho’ sólo
aquello creado por el legislador”. (70)

- postura juspositivista do jurista alemão Karl Bergobohn (1849-1927), publicou em 1892 crítica
do jusnaturalismo, dizia que o interesse do jurista deve se limitar ao estudo do direito positivo.
Na definição de direito, ele adora posicionamento da Escola da Exegese: “todo o direito é
positivo e somente o direito positivo é direito”. (70-71)

- Bentham e Austin dão 3 elementos do juspositivismo: separação entre direito e moral,


definição do direito como decorrência de mandamentos humanos e sua dependência da
autoridade soberana em determinada sociedade. (71)

1.3. Critérios de definição (71)

- Há várias maneiras para definir positivismo jurídico. Qual adotar? (71)


(...) devemos elaborar uma definição que seja suficientemente genérica para englobar todos os
positivistas e, ao mesmo tempo, suficientemente restritiva para excluir as teorias não
positivistas. Para fazer isso, o único critério confiável é a autocompreensão dos autores.
Adotamos, assim, a regra básica de considera juspositivistas todos os autores que se veem como
tais. (71)
- todos os positivistas aceitam a posição de que o PJ admite a separação entre o direito e a moral.
(72)

Concluímos que a definição do PJ (como de qualquer outra teoria do direito) deve ser de cunho
descritivo.
(...)
O estudo das obras de inspiração positivista indica a presença de fortes divergências internas.
Isso significa que não é suficiente elaborar uma única definição, indicando o que é (e o que não
é) característico do juspositivismo. A mais conhecida tentativa de apresentar múltiplas
definições para o PJ foi feita por Hart. (73)
São 5 definições formuladas por Hart que podem ser classificadas da mais ampla até a mais
restritiva:
1) O direito é um conjunto de mandamentos humanos;
2) O direito (positivo) não está necessariamente vinculado à moral;
3) O estudo do direito em vigor independe das análises sobre a sua origem, seu papel na
sociedade e sua avaliação moral;
4) O direito é um sistema fechado e lógico que oferece resposta para todos os casos
concretos, mediante deduções lógicas com base em normas jurídicas válidas e aplicadas
independentemente de considerações políticas, éticas ou culturais;
5) Os juízos morais não podem ser fundamentados objetivamente e por essa razão é
impossível que o direito se vincule à moral.
(73-74)

O problema dessas definições está em seu caráter não sistemático.


(...)
Mas permitem elaborar dezenas ou mesmo centenas de definições concretas, tornando
impossível classificar os juspositivistas de forma satisfatória. (74)

Resumindo. Ponto de partida da classificação é a fixação do universo de referência. Em seguida,


devem ser elaboradas as definições das categorias. A última tarefa consiste na distribuição dos
elementos do universo de referência entre as várias categorias. Quando a distribuição não
satisfaz os requisitos da exaustividade e da monovalência, devemos tentar adequar os critérios
aos dados encontrados. (75)

No caso das teorias do direito que estudamos aqui, o universo de referência deve ser
estabelecido de forma limitativa. O nosso interesse versa exclusivamente sobre o direito
moderno que surgiu nos dois últimos séculos nos países da Europa ocidental e nos Estados
Unidos e espalhou-se em várias partes do mudo que adotam a organização social e econômica
de tipo capitalista. (76)

Definiremos sucessivamente:
- o positivismo jurídico lato sensu, distinguindo-o do jusnaturalismo (capítulo III, 2);
- o positivismo jurídico stricto sensu, diferenciando-o do moralismo jurídico que, em nosso
entender, pertence ao positivismo jurídico lato sensu (capítulo III, 3);
- as abordagens específicas no âmbito do positivismo jurídico stricto sensu que indicaremos com
diferentes denominações, advertindo que a nossa classificação não será exaustiva. Estamos
cientes da possibilidade de encontrar novos subgrupos de autores que pertencem ao PJ stricto
sensu, sendo, consequentemente, necessário corrigir a classificação que propomos aqui a título
experimental (capítulo III, 4).

- utilização da expressão “positivismo jurídico” sem especificação significa teoria do direito que
se opõe ao jusnaturalismo.
2. POSITIVISMO JURÍDICO LATO SENSU (MONISMO VS. DUALISMO)

Todas as definições dadas ao direito por autores que pertencem ao positivismo jurídico no
sentido amplo do termo afirmam que o direito é um conjunto de normas formuladas e postas
em vigor por seres humanos. “O direito é uma criação humana”; “o direito é posto, criado por
seres humanos”, afirmam dois expoentes do juspositivismo nas últimas décadas. (78)

Mais concretamente, afirma-se que o direito constitui produto de atos de vontade da


autoridade legislativa (cujos titulares e procedimentos dependem do período histórico – e da
leitura feita por cada pensador) e apresenta caráter vinculante – evidentemente sem prejuízo
da controvérsia sobre o grau de liberdade que será reconhecida aos órgãos encarregados da
aplicação de tais normas.
Isso significa que o PJ lato sensu define o direito com base em elementos empíricos e,
necessariamente, mutáveis no tempo. Fazendo depender o direito de tais elementos
contingentes, o PJ lato sensu rejeita a dependência do ordenamento jurídico de elementos
metafísicos e tendencialmente imutáveis, tais como os mandamentos divinos ou os imperativos
da razão humana.
Esse posicionamento é designado no debate das últimas décadas com três denominações:
- tese do fato social ou simplesmente tese social;
- tese da fonte ou tese das fontes sociais;
- tese convencionalista.
(79)

- Esses termos indicam que a validade das normas jurídicas dependem de fatos sociais, que
decorrem de condutas humanas (individuais ou coletivas) e criam normas, ou seja, as tornam
juridicamente existente. (80)

Esclarecemos que a referência a fatos sociais, apesar de internacionalmente consagrada, pode


parecer supérflua. Não seria mais simples dizer que o direito é determinado pelo “legislador”?
- não por 3 motivos:
1. a figura do legislador está vinculada ao Estado enquanto o PJ não exclui a possibilidade
de criação de normas válidas por instâncias não estatais;
2. o termo “legislador” está relacionado à criação de normas gerais e abstratas e à figura
de um representante político, enquanto o PJ admite a criação de normas por
autoridades infralegislativas ou mesmo por particulares.
3. o decisivo para a criação do direito não é a manifestação de vontade de uma pessoa ou
grupo, mas um conjunto de condutas sociais que, em determinada situação histórica e
sob determinadas condições, atribuem a essa pessoa ou grupo o poder de criar direito.
(80)

Assim, por exemplo, Kelsen afirma, em um importante e pouco conhecido estudo dedicado à
definição do positivismo, que determinados fatos devem ser vistos como condição de validade
do direito.
Isso significa que o PJ lato sensu é uma teoria monista sobre o direito, distanciando-se
claramente do dualismo jurídico que admite a existência de um direito natural ao lado do direito
criado por legisladores humanos. Em virtude disso, o PJ lato sensu se define, de forma negativa,
a partir da categórica e absoluta exclusão do direito natural da definição do direito e,
consequentemente, do jusnaturalismo enquanto teoria do direito.
O PJ lato sensu nega qualquer possibilidade de reconhecer qualidade (validade) jurídica a
imperativos que apresentam pelo menos uma das seguintes características:
a) são de origem divina ou decorrem de leis da natureza ou da razão humana, senso, em
todos os casos, caracterizados pela imutabilidade;
b) podem ser descobertos mediante reflexão e observação do homem e do mundo,
independentemente de seu endossamento por um legislador político;
c) vigoram em paralelo a normas de direito positivo e podem entrar em conflito com essas
últimas.
(81)

O dualismo jurídico é típico de sociedades teocráticas e comunitaristas, como era o caso dos
ordenamentos jurídicos da Europa Medieval fortemente influenciados pela religião católica. Em
um mundo secularizado que reconhece a primazia do indivíduo e a legitimidade da ação política
organizada, como ocorre nas atuais sociedades capitalistas, é impossível continuar afirmando
que, além do direito socialmente criado, existe um outro direito, melhor e potencialmente
superior, como pretende ser o direito natural. Essa mudança cultural determinou a derrota
histórica da teoria do direito natural comprovando, inclusive, que essa teoria não possuía nada
de “natural”. (83)

(...) não há acordo entre os juspositivistas lato sensu sobre a origem do direito. Não há dúvida
de que o direito moderno é de origem predominantemente estatal. A positividade do direito
está intimamente ligada à monopolização do poder legiferante pelo Estado, isto é, à sua
soberania política e jurídica. (83)

- pluralismo jurídico, atento a sistemas de normas inoficiais, isto é, não reconhecidos pelo direito
estatal, mas socialmente eficazes.
- ideia rejeitada por Kelsen, que considera que a unidade de um sistema normativo tem como
condição necessária sua unicidade, não sendo possível a convivência entre sistemas normativos.
- monismo estatal = monopólio jurídico do Estado.
- do ponto de vista histórico, a definição do PJ lato sensu apresenta utilidade como expressão
das diferenças estruturais entre as visões jusnaturalista, dominantes no passado, e as atuais
definições do direito que destacam a natureza social e a mutabilidade das normas jurídicas.
(84)

3. POSITIVISMO JURÍDICO STRICTO SENSU (JUSPOSITIVISMO VS. JUSMORALISMO) (85)

3.1. A abordagem jusmoralista (85)

3.1.1. Terminologia (85)

- moralismo jurídico como teoria do direito que afirma a estreita e múltipla vinculação entre
direito e moral.
- o termo jusnaturalismo é insatisfatório, pois a maioria dos moralistas modernos não acredita
na existência de um direito superior, imutável e distinto do direito positivo.
(86)

3.1.2. Conteúdo (87)

O moralismo jurídico faz depender o reconhecimento da validade das normas jurídicas e sua
interpretação de elementos vinculados a valores (e correspondentes mandamentos) de origem
moral. Admite-se, assim, a tese da necessária conexão entre direito e moral. (87)

(...) o moralismo jurídico adota uma perspectiva normativa, afirmando que o direito deve estar
vinculado à moral. Isto é um mandamento endereçado tanto ao legislador como ao
intérprete/aplicador do direito, devendo todos levar em consideração a moral na tomada de
decisões. Isso significa que os moralistas propugnam pela correção do direito nos dois sentidos
do termo. (88)

a) Os moralistas afirmam que todos os sistemas jurídicos pretendem ser moralmente


corretos ou justos. Já que o direito é um sistema normativo que objetiva motivar as
pessoas a fazer o certo e a evitar o equivocado ou danoso, deve necessariamente
empregar parâmetros corretos para avaliar e sancionar condutas humanas, não podem
permanecer indiferente perante a moral. Um sistema de normas que não pretenda ser
correto nesse sentido não possui o atributo da juridicidade.
b) Pergunta-se o que ocorre quando o sistema jurídico que formula a pretensão de
correção não a satisfaz. Encontramos aqui o problema da postura do aplicador do direito
perante normas injustas. Os moralistas firmam que, em tais casos, a pretensão de
correção desenvolve efeitos de qualificação porque permite avaliar a qualidade de um
sistema jurídico que apresenta deficiências. “exigência moral do direito” ou “exigência
de justiça”.
(89)

Os moralistas entendem que o direito formalmente válido pode e deve ser corrigido por obra
de seu intérprete/aplicador, no intuito de conformá-lo às exigências da moral. (89)

- 2 versões da tese da conexão entre direito e moral:


- moralismo jurídico moderado que alega a influência da esfera moral no direito;
- moralismo jurídico radical que afirma a necessária e contínua união conceitual entre o direito
e a moral.
(90)

3.1.2.1. Moralismo jurídico moderado (90)

A tese moderada afirma que o sistema jurídico permanece aberto diante da moral, cujos valores
o influenciam. Quando for necessário, o direito pode ser submetido a correções, mediante
recurso a princípios ou valores morais que permitem adequar a norma às necessidades do caso
concreto ou evitar que normas anacrônicas sejam aplicadas em seu sentido literal e, em casos
extremos, afastar a aplicação de normas moralmente problemáticas. (90)

Essa tese possui 2 dimensões:


a) Moralismo da interpretação: afirma que o aplicador deve recorrer a valores morais,
mesmo quando isso não for estipulado por normas vigentes. O objetivo é oferecer uma
interpretação conforme a moral e/ou a exigências da justiça, adaptando seu material
normativo para satisfazer a pretensão de correção do direito, criando a “inédita solução
justa”. (91)
Isso traz 2 maiores problemas práticos de interpretação jurídica: (1) o que fazer quando
uma norma clara e concreta entra em conflito com valores morais que o julgador
considera de crucial importância? (o julgador deve adaptar a norma aos requisitos de
correção moral, “sob o olhar do direito justo”); e (2) como decidir? (deve buscar e adotar
a resposta “certa”, que melhor se ajusta aos imperativos morais, sendo eles universais
ou aceitos em determinada comunidade). (92)
b) Moralismo da validade: moral utilizada como um critério de validade do direito. Esse é
o argumento da injustiça que se encontra na base do moralismo da validade. A norma
e o próprio sistema jurídico só possuem validade se forem aprovados em um test de
avaliação de sua moralidade. Essa visão pode ser adotada de forma radical,
transformando a consonância com a moral em requisito de validade da norma jurídica
(moralismo da validade forte). (92)
Esta opinião não é sustentada pelos jusmoralistas modernos porque traria
consequências socialmente desastrosas pela variedade de crenas morais da sociedade,
provocaria intermináveis discussões e decisões discrepantes, gerando caos jurídico e
político. Por isso, é adotado de forma relativa, considerando que somente em casos de
extrema, intolerável ou propositar imoralidade ou injustiça é possível a declaração de
invalidade da norma ou do próprio sistema jurídico. (93)

3.1.2.2. Moralismo jurídico radical (94)

- união conceitual entre direito e moral, considerando que sua ligação é necessária e contínua.
Nesse caso, ocorre uma crucial modificação do conceito de direito. Nega-se sua autonomia
conceitual que era admitira pelo moralismo moderado. O moralismo radical define o direito
mediante a moral. Sustenta-se que não é possível entender, e muito menos aplicar, as normas
jurídicas sem levar em consideração as concepções morais da sociedade que as cria e utiliza. O
direito em vigor sempre incorpora a moral da comunidade em seu conceito e não se limita a
receber influências morais, vindas “de fora”, para corrigir ou invalidar pontualmente normas
jurídicas. (abordagem encontrada na obra de Dworkin) (94-95)

- críticas:
a) arbitrariedade (subjetivismo): a identificação e a interpretação do direito de acordo com
crenças morais do aplicador ou de determinados grupos sociais criam riscos de insegurança e
arbitrariedade.
b) inexatidão conceitual (duplo deslocamento): o moralismo jurídico faz uma dupla tentativa de
adulteração dos conteúdos do direito: restringe o conteúdo do direito (excluindo do sistema
jurídico normas ou interpretações tidas como imorais ou injustas) e amplia o conceito do direito
(atribuindo juridicidade a imperativos não adotados-impostos pelas autoridades competentes).
Esse duplo deslocamento está no centro da crítica juspositivistas. (98)
c) apologismo (duplicação legitimadora do conceito de direito): duplica o conceito de direito
sustentando que aquilo que vale como direito também vale como justo. (99)

3.2. Separação entre direito e moral na perspectiva do positivismo jurídico stricto sensu (99)

O PJ stricto sensu adota uma tese contrária à jusmoralista: considera que há plena e radical
separação entre direito e moral. Rejeitando a abordagem unionista, adota=se uma visão
separatista que afirma a ausência de conexão necessária entre esses dois fenômenos
normativos. A tese central por formulada por Hart da seguinte maneira: “não é uma verdade
necessária que o direito reproduz ou satisfaz certas exigências da moralidade, mesmo se
frequentemente isso ocorre de fato”. (99)

O PJ stricto sensu considera que o estudo e a compreensão do direito não incluem sua avaliação
moral e o reconhecimento da validade de um sistema jurídico (ou de uma norma) não depende
da sua conformidade a critérios sobre o justo e o correto. (100)

A nossa proposta de definição unitária se diferencia da visão de Norberto Bobbio que distingue
3 sentidos de positivismo jurídico:
- método de estudo do direito baseado na neutralidade do estudioso que emprega critérios
avalorativos para descrever o sistema jurídico (positivismo metodológico);
- teoria do direito que analisa as fontes, a sanção, a interpretação e os demais aspectos do
sistema jurídico de acordo com a tese da separação entre direito e moral (positivismo teórico);
- ideologia que legitima o direito estatal, apregoando a obediência incondicional a seus
mandamentos (positivismo ideológico). (100)
A nosso ver, apresenta sérios problemas. Partimos do pressuposto de que o PJ stricto sensu
objetiva explicar o funcionamento do ordenamento jurídico, fundamentando-se em algumas
afirmações sobre a natureza do direito. Isso indica que o juspositivismo “como método” não
possui autonomia. Nada mais é do que a forma de realizar pesquisas na ótica juspositivistas. Não
podemos pensar em um juspositivistas que adotaria o PJ como método, mas rejeitaria o PJ como
teoria – e vice-versa. (100)

Retomando a exposição do PJ stricto sensu com base na tese da separação entre direito e moral,
observamos que para os seus adeptos não interessa o valor, e sim a validade do direito. Para
decidir sobre o caráter jurídico de uma norma ou de um ordenamento, o estudioso e o aplicador
não levam em consideração a substância, mas a forma. Isso se torna claro em uma série de
afirmações feitas por autores positivistas. (101)

São necessários 3 esclarecimentos: (102)


a) Elementos de definição do PJ; (102)
b) “Direito” e direito positivo; (103)
c) O direito como deveria ser. (104)

3.3. Separação entre direito e política na perspectiva do positivismo jurídico stricto sensu (105)

Kelsen: pensador obcecado pela crítica ao jusnaturalismo e à justiça material, isso se exprime na
afirmação kelseniana que a tese da separação entre o direito e a moral é “a mais importante
consequência do positivismo jurídico”. (105)

O PJ stricto sensu não nega o vínculo entre direito e política. A maioria dos juspositivistas afirma
que a validade das normas jurídicas decorre de imposição feita pelo poder político. (105)

- Constatação da conexão genética entre o direito e a política: o direito é oriundo da política e


dela depende.
- Na perspectiva juspositivista é mais pertinente afirmar a conexão genética entre direito e
política do que insistir na conexão entre direito e moral.
- As considerações e finalidades políticas são muito mais decisivas do que as ponderações morais
na tomada de decisões fundamentais, como a forma de Estado e de governo. Mesmo quando a
norma espelha convicções morais de seu criador, é imposta porque seu criador possuía a
vontade e capacidade política para tanto e não porque sua convicção moral era a melhor. Isso
indica que a eventual origem moral da norma fica, de certa forma, encoberta pela sua natureza
política.
(106)

O PJ stricto sensu considera que o direito e a política estão separados em nível conceitual: o
conceito de direito não inclui em sua definição referências à política. É isso que Kelsen
denominou “indiferença política do positivismo”. (106-107)

- disso há 2 consequências:
1) o aplicador do direito não deve utilizar em sua atuação considerações políticas que discrepem
daquelas adotadas pelo criador das normas.
2) necessidade de desvincular o estudo do direito das opiniões políticas de quem o estuda.
(107)

- Dworkin não nega a influência da política no direito. Deixa claro que “o direito é um conceito
político” e formula ásperas críticas aos positivistas radicais que propugnam pelo “divórcio entre
o direito e a política”. O autor considera impossível construir uma teoria do direito sem realizar
opções políticas que influenciam a abordagem teórica.
- mas a aplicação do direito não deve depender da visão política pessoa do julgador ou de
considerações políticas sobre a utilidade econômica ou social de certa medida.
(109)

3.4. Critérios de validade do direito segundo o positivismo jurídico stricto sensu (110)

4 possíveis funções do direito:


- facilitar o controle social;
- garantir a segurança jurídica e fática;
- estabelecer normas que sejam corretas ou justas;
- preservar e promover interesses de grupos social e politicamente dominantes.
(111)

- Essas funções parece-nos inviável no caso de PJ stricto sensu por 3 razões:


1) porque é impossível estabelecer uma lista de funções do direito que seja aceita por todos os
adeptos da corrente e somente por esses;
2) as funções indicadas pelos estudiosos não são privativas do direito;
3) a opção de análise das funções do direito é problemática no âmbito do PJ stricto sensu que
constitui uma abordagem descritiva.
(112)

- consideramos que a definição do direito na perspectiva do PJ stricto sensu só adquire um


conteúdo positivo se fizermos uma reflexão sobre as condições de criação do direito, isto é,
sobre sua validade, que é um elemento específico. (112)

Na teoria do direito há controvérsias sobre as diferenças conceituais entre a validade, a eficácia


jurídica e a existência das normas jurídicas. Tais diferenciações apresentam utilidade no âmbito
da teoria da norma jurídica, mas são dispensáveis na presente discussão que objetiva definir a
validade do direito de forma genérica. Usaremos, para tanto, o termo validade de forma ampla.
(113)

3.4.1. Requisitos de validade da norma jurídica (113)

Definimos a validade como qualidade da norma que faz parte de um ordenamento jurídico em
determinado momento. Isso significa que validade constitui problema de pertença da norma a
certo ordenamento jurídico que lhe atribui força vinculante, impondo-a a seus destinatários e
gerando, pelo menos indiretamente, direitos e obrigações. (113)

Há amplo consenso em afirmar que as condições de validade da norma, isto é, as condições de


sua entrada e saída do ordenamento são estabelecidas por outras normas do mesmo
ordenamento. Podemos, v. g., afirmar que são válidas no Brasil as leis federais criadas de acordo
com as normas de competência legislativa fixadas na Constituição Federal. (113-114)

- na visão do PJ stricto sensu, os requisitos de pertença da norma são de natureza formal, no


sentido do desinteresse pelo valor, pela pertinência e por outras qualidades materiais (de
conteúdo) da norma. O positivismo não “mistura ou confunde validade e justiça das normas”. A
norma se integra ao ordenamento vigente se for respeitado o procedimento estabelecido para
a sua criação, assim como as demais condições fixadas pelo sistema jurídico. As mais
importantes condições que devem ser respeitadas são:
a) competência da autoridade ou pessoa para criação da norma;
b) procedimento de edição (tramitação regular, maiorias, prazos, registros, formas de
publicidade, etc);
c) limites temporais e espaciais de validade;
d) regras que permitem resolver casos de incompatibilidade entre conteúdo das normas
(antinomias jurídicas). Isso ocorre mediante aplicação da regra que impõe a congruência de cada
norma com as suas superiores (princípio da superioridade) e das regras que permitem decidir
qual entre as normas conflitantes do mesmo escalão hierárquico deverá prevalecer (princípios
da especialidade, da posterioridade e da proporcionalidade).
(114)

- o termo “formal” indica tão-somente que, na visão juspositivista, a validade da norma nunca
pode ser julgada de acordo com critérios de mérito externos, isto é, decorrentes de outros
sistemas normativos (adequação moral, política, econômica, técnica, científica, artística, etc).
(115)

3.4.2. Requisitos de validade do ordenamento jurídico (115)

O sentido dos termos “ordenamento jurídico” é controvertido. Serão utilizados aqui em sua
acepção simples, como sinônimos do direito objetivo, isto é, de um conjunto de normas que
regulamenta o comportamento social e possui validade, como um todo, desde que respeite
determinadas condições. (115-116)

As condições de validade do ordenamento jurídico são diferentes das condições de validade da


norma isolada. Usando o exemplo anterior, pergunta-se quais critérios usam (e por que) os
operadores do direito no Brasil para identificar a validade do ordenamento jurídico brasileiro,
afirmando que seu documento normativo supremo é a Constituição de 1988 e não, v. g., a
Constituição da Colômbia ou as Doze Tábuas. (116)

Definimos a validade do ordenamento jurídico como qualidade de um conjunto de normas que


objetivam regulamentar a conduta humana, produzem efeitos sociais em determinado espaço
e tempo e se impõem como vinculantes mediante um ato do poder prevalecente na prática
social, isto é, alcançam validade mesmo contra a vontade de indivíduos ou grupos, impedindo a
aplicação de normas contrárias que são oriundas de outros sistemas normativos. (116)

- o PJ stricto sensu admite uma teoria formal da validade, fazendo depender somente de
elementos que não levam em consideração o mérito das normas. Assim, quem adota a tese
social e as duas teses da separação deve também aceitar a tese da identificação objetiva da
validade. A validade do direito se constata de forma objetiva, independentemente das
preferências do observador e de sua opinião sobre o conteúdo e as finalidades das normas
jurídicas. Temos a tese da dupla identificação objetiva da validade, pois o PJ stricto sensu
considera possível a identificação objetiva tanto do ordenamento jurídico em sua totalidade
como de cada norma em separado. (116)

- critérios que possibilitam conceder ou não o atributo da validade a certo conjunto de normas
ou a uma norma isolada. O principal obstáculo para alcançar um acordo entre os juspositivistas
sobre os critérios da validade do ordenamento jurídico é a influência da realidade social nessa
definição. Os juspositivistas partem do pressuposto de que o ser não deve ser confundido com
o dever ser. Isso significa que o direito, tendo qualidade de dever ser, não pode ser deduzido de
algo fático, de elementos que existem no mundo do ser. Estamos diante de um problema
existencial. (116-117)
O ordenamento jurídico necessariamente possui um criador que determinou sua validade.
Podem ser considerados “criadores”, isto é, eventos e relações que influenciam a validade
jurídica:
- a vontade de quem elaborou as normas com supremo valor hierárquico dentro do
ordenamento;
- a capacidade de impor coativamente os imperativos legais;
- a correlação de forças políticas que impôs certas normas e continua impondo-as;
- o grau de eficácia social, isto é, de efetivo cumprimento das determinações normativas na
prática.
(117)

- o fundamento de validade de uma norma isolada se encontra sempre em outra norma,


superior na hierarquia das fontes do direito. (117)

O problema está na determinação das razões normativas de validade das normas que se
encontram no topo da pirâmide hierárquica de certo ordenamento. A resposta de Kelsen é que
devemos pressupor, de forma hipotética ou imaginária, a existência de uma norma fundamental
que oferece o necessário fundamento às normas jurídicas situadas no topo da pirâmide. A
norma fundamental desempenha duas funções. Primeiro, ordena que todos se conduzam de
acordo com as normas positivas supremas do ordenamento. Segundo, considera válidas todas
as normas que decorrem da manifestação de vontade do criador das normas supremas. (118)

Na opinião de Hart, a regra de reconhecimento não está formulada de forma explícita no âmbito
do ordenamento e nem poderia sê-lo. Deve permanecer externa pois somente assim será
possível identificar a estrutura do sistema jurídico. A regra de reconhecimento depende (e
decorre) da conduta dos agentes estatais, dos tribunais e dos particulares. Eles reconhecem o
direito válido em determinado país e momento, considerando que as normas oriundas de certas
fontes sociais possuem caráter jurídico. Dito de outra forma, a regra de reconhecimento
identifica o sistema jurídico como um todo e faz depender sua validade de práticas sociais que
o reconhecem como tal.
- Hart afirma vigorar na Inglaterra: é Direito aquilo que estipula a Rainha e o Parlamento.
(119)

Em outros contextos históricos, a regra de reconhecimento pode incluir elementos materiais,


como ocorreria com a seguinte regra imaginária: “é Direito em Cor-de-Rosalândia aquilo que
estipula o Parlamento, desde que promova a dignidade humana e respeite os tratados
internacionais de direitos humanos”. (119)

- Kelsen não deseja atribuir caráter empírico ao fundamento de validade do sistema jurídico,
mas faz 2 concessões à realidade social:
1) considera necessário que o direito reconhecido como válido conforme a norma fundamental
possua certo grau de eficácia social;
2) sugere a comparação dos vários sistemas normativos que eventualmente coexistam no
mesmo período e território. Isso permite diferenciar entre normas jurídicas válidas e regras
impostas por outros corpos organizados e instâncias dotadas de autoridade e atuando no
mesmo território de forma antagônica (organizações criminosas, religiosas, núcleos de poder
local, guerrilhas, etc).
(119-120)

- a realidade social continua relevante para decidir a questão da validade segundo Kelsen, a
partir do momento que:
1) o ordenamento jurídico 1 será considerado válido e o ordenamento jurídico 2 não válido, e
2) a única diferença estrutural entre 1 e 2 é o fato de 1 ser aplicado na prática de um país e 2
não possuir a mesma força impositiva.
- mesmo na ótica kelseniana, a validade se relaciona causalmente com o impacto social das
normas jurídicas. Isso indica um importante ponto de encontro entre o ser e o dever ser na teoria
pura do direito.
(121)

- Raz é intermédio entre Hart e Kelsen. Ele afirma o reconhecimento do caráter jurídico de certas
normas decorre da existência de uma norma (regra de dever ser) que impõe esse
reconhecimento. Mas considera que essa norma é realmente existente. Para ele a diferença
entre a “última regra jurídica” e as demais normas vigentes está no (óbvio) fato de que a
primeira não se fundamenta em outas normas legais, sendo isso imprescindível para adquirir o
status de “última” norma. (121)

- para o PJ stricto sensu é impossível ter um direito válido sem referência a fatos sociais
relacionados com a sua eficácia social, isto é, sem que o direito seja, grosso modo, respeitado
pelos seus destinatários. (122)

Para explicar a influência da eficácia social na validade do direito são tradicionalmente


apresentadas duas teses:
1) a tese da coação, baseada na capacidade dos detentores de poder de impor mandamentos
mediante ameaça e/ou efetivo emprego de força física – positivismo voluntarista (faz depender
o direito da vontade das autoridades detentoras do poder político).
2) tese do reconhecimento que considera decisiva a legitimidade do ordenamento jurídico, isto
é, relaciona a eficácia social das normas com a aceitação do sistema jurídico pelos seus
destinatários – positivismo consensualista (se preocupa com repercussão do sistema jurídico
junto a seus destinatários).
- consideramos mais satisfatória uma teoria unitária, segundo a qual a eficácia social se baseia
na capacidade de coação, isto é, na capacidade de emprego efetivo de força para implementar
os mandamentos jurídicos. Mas isso só pode ocorrer se os detentores da força conseguirem
obter o consenso social que garante um grau satisfatório de eficácia social do direito posto.
(122)

A capacidade de imposição de um ordenamento jurídico só se mede por meio de sua eficácia


social que, por sua vez, indica que os destinatários aceitam, grosso modo, cumprir as normas
(independentemente das razões que cada um tem ou imagina ter para tanto). (...) Só o
reconhecimento social do direito permite que as autoridades competentes possam atuar
repressivamente nos casos de descumprimento. (123)

- o critério final de validade é o “costume político” que vigora em determinado território e


momento e torna um conjunto normativo “direito”.
- a definição juspositivista da validade do ordenamento jurídico faz referência a dados empíricos.
- complexidade entre capacidade impositiva de normas e reações dos destinatários das normas,
tem elemento-chave da presença de um poder político que impõe o direito. Esse poder, que
conhece mudanças contínuas no tempo em termos de titularidade e de conteúdo, literalmente
se apodera da capacidade de criar direito, apropriando-se da referência cultural ao fenômeno
jurídico: “direito é aquilo que nós, os poderosos do momento, definimos como direito”.
(123)

3.5. O problema da perspectiva adotada pelo positivismo jurídico stricto sensu (124)
A visão juspositivista sobre a validade e a interpretação do direito é caracterizada pela pretensão
(e busca) de neutralidade de quem estuda. Isso permite formular a pergunta acerca de qual
perspectiva deve adotar o PJ stricto sensu para descrever o direito de forma neutra. (124)

- o PJ stricto sensu aborda o direito a partir de uma perspectiva intermediária entre puramente
externa e interna. (124)

No campo juspositivista, Hart propõe uma interessante análise, diferenciando três possíveis
perspectivas de análise do direito:
- perspectiva radicalmente externa: se adota quando quem estuda não utiliza conhecimentos
sobre os valores, crenças e imperativos de conduta que vigoram na sociedade, limitando-se a
registrar certas regularidades no comportamento social. (125)
- perspectiva interna: corresponde à abordagem do destinatário da norma, sedo cidadão ou
autoridade estatal. É a perspectiva do participante do sistema jurídico que pressupõe um
posicionamento pessoal diante da norma, aceitando como legítimo, na maioria dos casos, seu
conteúdo e utilizando-a como ponto de referência para o seu comportamento. (126)

- a maioria dos juspositivistas rejeita a perspectiva do participante, abraçada pelo jusmoralismo


e adota a perspectiva moderadamente externa que possui vantagens cognitivas, permitindo a
neutralidade. Os juspositivistas insistem que o teórico do direito deve distanciar-se do conteúdo
das normas, evitando juízos de valor, tomadas de posição pessoais sobre o mérito das normas e
tentativas de “correção” da normatividade. (127)

- imperativo metodológico do distanciamento se desdobra em 3 consequências:


a) distanciamento na enunciação (não descrever/interpretar pela sua opinião);
b) proibição de correção (não corrigir vontade do legislador pq constitui desvio da atividade
interpretativa, típico da abordagem jusmoralista);
c) distinção entre papel do intérprete e papel do cidadão (expressar opinião pessoal de forma
separada da interpretação).
- PJ stricto sensu assume posição qualificada como neutra.
(128-129)

- a opção de analisar dogmaticamente um instrumento de poder como é o direito não é


politicamente neutra e isenta de responsabilidade. (130)

3.6. Definição de “direito (objetivo)” segundo o positivismo jurídico stricto sensu (130)

A definição dada pelo PJ stricto sensu ao direito válido se baseia no reconhecimento exclusivo
de normas postas pelo legislador reconhecido para tanto em determinado espaço e momento
histórico, excluindo interferências conceituais oriundas da moral, da política, dos costumes
sociais, das regras de cortesia, da religião e de qualquer sistema normativo de outra origem,
natureza, finalidade, conteúdo e valor. (130)

(...) o PJ stricto sensu afirma a absoluta identidade entre o conceito de direito e o direito
efetivamente posto pelas autoridades competentes, isto é, pelas autoridades que, em razão de
uma constelação de poder, possuem capacidade de impor o direito. O direito posto se define
como conjunto de normas de dever ser que regulamentam a conduta humana na sociedade e
foram criadas por seres humanos, mediante manifestação solene da vontade que pode ser
objetivamente constatada, sendo um fato social de particular notoriedade. Nas sociedades
modernas-capitalistas, as normas jurídicas são postas por autoridades que exercem poder
estatal. (131)
4. DISTINÇÃO ENTRE CONCORRENTES POSITIVISTAS STRICTO SENSU (132)

4.1. Apresentação do debate (132)

Uma terceira forma de definição do positivismo jurídico, muito mais complexa e rica em
informações, consiste em classificar as correntes no âmbito do PJ stricto sensu, identificando as
peculiaridades de cada uma.
Entre os juspositivistas há divergências sobre os fatos sociais que definem o direito. Podemos
indicar as seguintes respostas (sendo possível fazer várias combinações):
a) Vontade do legislador;
b) Vontade do aplicador;
c) Eficácia social das normas;
d) Reconhecimento pelas autoridades e/ou pelos cidadãos;
e) Existência de uma norma suprema e pressuposta que indica qual conjunto de normas
possui validade jurídica.
(132)

- a grade maioria das pessoas que estudam positivismo jurídico no Brasil conhece por meio de
um estudo de Bobbio de 1960. A maioria dos estudos faz referência a Kelsen, e em menor
frequência a Alf Ross e Herbert Hart. Não é levado em consideração a produção das últimas 4
décadas (livro de 2006). (133)

- a controvérsia entre positivismo jurídico inclusivo e exclusivo permanece ignorada no Brasil.


(134)

No debate mundial em torno do PJ stricto sensu, cristalizaram-se, a partir da década de 1980,


duas correntes: positivismo exclusivo e positivismo inclusivo. (134)

4.2. A controvérsia entre juspositivismo inclusivo e exclusivo (134)

4.2.1. Positivismo jurídico exclusivo (134)

- seu mais conhecido representante é Joseph Raz. (135)

Segundo o PJE, a moral não pode ser utilizada em nenhuma hipótese como critério de
identificação do direito positivo, tanto no sentido da constatação de sua validade como no
sentido de realização de sua interpretação. Encontramos aqui uma versão rigorosa da tese da
separação entre direito e moral. O PJE afirma que, apesar das influências de ordem genérica, a
moral nunca interfere conceitualmente na definição do direito: algo é juridicamente válido
quando (e porque) corresponde a fatos sociais que podem lhe conceder essa validade, e os
mandamentos morais nunca adquirem relevância jurídica como indica o termo
“antiincorporacionismo”.
Para o PJE, o direito é estabelecido única e exclusivamente por fatos sociais. Para constatar sua
existência e conteúdo é suficiente observar as condutas humanas que o criam como convenção
social.
(135)

- o PJE adota uma teoria da validade do direito de cunho forma, rejeitando requisitos e critérios
materiais. (136)

- a abordagem de Raz é a mais clara discutida no âmbito do PJE, sua concepção sobre a
autoridade ser a única fonte do direito. Há 2 condições: 1) os destinatários do comento
obedecem pq confiam na autoridade ou se sentem por ela intimidados; 2) as ordens da
autoridade são obedecidas independentemente do juízo de valor que o destinatário faz sobre
estas.
- Raz considera que a atuação de autoridade facilita a vida social, já que as pessoas obedecem
prontamente, sem sopesar argumentos a favor e contra determinada conduta.
(136)

4.2.2. Positivismo jurídico inclusivo (136)

- positivismo moderado, pactuante ou flexível, já que os partidários dessa concepção tentam


conciliar a abordagem positivista com posições da corrente moralista. (136-137)

Os partidários do PJI consideram que os valores morais não são sempre decisivos para definir e
aplicar o direito. Apesar disso, afirma que, em certas sociedades, pode haver uma convenção
social impondo levar em consideração a moral para determinar a validade e para interpretar
normas jurídicas. Isto significa que os adeptos do PJI acreditam na (possível) existência de
sistemas jurídicos que adotam “critérios de juridicidade de cunho moral”, algo que justifica o
termo incorporacionismo. (137)

- para o PJI, o direito como “fato duro” sempre se encontra nas decisões das autoridades que
podem legislar. Mas observando as convenções sociais em relação ao conteúdo do direito, pode
ser constatada a presença estrutural de elementos morais. (138)

- o PJI admite que não há necessária conexão entre o direito e a moral, mas considera possível
a existência de sistemas jurídicos, nos quais os imperativos morais desempenhem um papel
crucial na identificação da validade das normas jurídicas e, principalmente, em sua
interpretação. (139)

4.2.3. Apreciação crítica (139)

A principal divergência diz respeito à posição da moral nos sistemas jurídicos. O PJE afirma que
a moral nunca constitui condição de definição do direito; o PJI sustenta que a moral não é
condição da definição do direito, mas pode funcionar como tal em determinados sistemas
jurídicos. (139)

- Raz tem a visão do PJE x Dworkin tem a visão de PJI. (140)


Temos aqui uma “tentativa de mediação entre positivismo jurídico tradicional e
antijuspositivismo” e, particularmente, entre Raz e Dworkin. (141)

4.2.3.1. Crítica ao positivismo jurídico inclusivo (141)

O PJI defende uma postura que parece contradizer ideias positivistas. Trata-se da denominada
“extrema possibilidade”, situação imaginária na qual as autoridades estatais decidiriam resolver
todos os conflitos legais aplicando o direito natural. Nesse caso o único conteúdo jurídico seria
o direito natural. Está ainda em solo positivista quem admite a validade de um conjunto
normativo tão incerto e mistificador como o direito natural?
- O PJI responderia que sim, desde que isso fosse previsto pela norma de reconhecimento do
sistema jurídico analisado. A nosso ver, a “extrema possibilidade” não invalida o caráter
positivista do PJI. Se o reconhecimento da validade do direito natural pode ser relacionado a um
fato social apto a produzir direito, o adepto do PJ stricto sensu deve observar e descrever esse
acontecimento. (141)
O problema do PJI está na aceitação de posições típicas do moralismo jurídico. (142)

(...) a tese do PJI só se torna relevante se receber uma interpretação radical, afirmando que as
autoridades competentes são obrigadas a levar em consideração a moral socialmente
dominante (ou qualquer outra, claramente identificada) e que sua desconsideração repercute
na validade das normas jurídicas. Nesse caso, porém, o PJI se transforma em uma versão
moderada do moralismo, afirmando que a vinculação entre direito e moral é necessária nos
sistemas jurídicos que assim o convencionaram (e não em todos como afirmam os moralistas).
(142)

- problema lógico, impossível encontrar um “meio-termo” entre juspositivismo e jusmoralismo.


Ou será considerado que a moral exerce uma influência necessária e autônoma ao direito ou
não. No primeiro caso (moralismo), a incidência da moral independe do conteúdo das normas
vigentes, incluindo-se nestas a norma de reconhecimento. No segundo caso (positivismo), a
influência da moral é contingente, pois depende da vontade do legislador que pode também
impor o contrário. (143)
- alguns autores inclusivistas consideram necessário defender o PJ stricto sensu insistindo nas
funções socialmente positivistas e nos valores que o direito positivo garante (paz, segurança,
prosperidade, cooperação, limitação do poder, igualdade). Nessa perspectiva, o PJ stricto sensu
é tido como a melhor teoria, afirmando que o direito positivo deve permanecer separado da
moral e da política para tutelar esses valores. Defende-se, assim, uma versão radical do
inclusivismo conhecida como “positivismo normativo”. Afirma-se que a tese da separação entre
direito e moral deve ser aceita não por razoes conceituais, mas como imperativo de cunho moral
que permite ao direito melhor desempenhar suas funções sociais. (143-144)

Observemos finalmente que o teórico italiano Luigi Ferrajoli (1940-) defende uma teoria do
direito que denomina positivismo crítico ou constitucionalismo jurídico. O autor rejeita o
juspositivismo clássico, que considera dogmático, e somente admite a abordagem positivista se
o regime político for democrático e se os direitos fundamentais forem garantidos por normas
dotadas de rigidez constitucional, isto é, retiradas da esfera de decisão do legislador ordinário.
- é uma visão de evidente parcialidade, as propostas de um positivismo engajado, crítico,
valorativo, etc, destroem a principal vantagem cognitiva da teoria que oferece certeza na
identificação e descrição do direito em vigor.
(144)

Consideramos que fazer depender a validade e a interpretação das normas jurídicas de crenças
morais sobre a democracia, a liberdade, a paz social ou qualquer outro valor destrói a segurança
jurídica no sentido da previsibilidade das consequências jurídicas de uma conduta. Essa
previsibilidade pode ser obtida (ainda que de forma relativa) se o direito for definido com
exclusiva referência a fatos sociais concretos. (145)

4.2.3.2. Crítica ao positivismo jurídico exclusivo segundo Raz e defesa da abordagem


exclusivista (145)

- críticas na extrema simplificação na descrição do fenômeno jurídico pelo PJE e identificam


contradições internas na obra de Raz, tido como principal representante dessa abordagem.
(145-146)
- devemos interpretar a tese do PJE no sentido de uma opção de indiferença de quem
estuda/aplica perante as origens morais ou políticas do direito, sem se posicionar sobre o valor
das opções do legislador. Tese da (plena e necessária) indiferença de quem estuda o direito
perante a moral e consiste na afirmação da independência conceitual do direito, que não
depende de seus eventuais conteúdos morais. (146)
Adotar a tese da indiferença significa admitir que o direito mais imoral do mundo possui a
qualidade de direito, da mesma forma como o direito mais moral mundo. (146)

O principal problema do PJE encontra-se na visão política adotada por Raz. O autor deseja excluir
a moral do direito para substituí-la por uma ideologia de obediência aos mandamentos das
autoridades estatais. (146)

4.3. Jurisprudência dos interesses (147)

- outras abordagens de teoria do direito que aceitam elementos da definição do PJ stricto sensu
que podem ser incluídas na “família” positivista, apesar de seus representantes não se
denominarem “positivistas”. Principal critério deve ser visão de cada autor/grupo de autores
sobre a relação entre direito, moral e política, ou seja, aceitação ou não das duas teses de
separação que sinalizam a opção descritiva do juspositivismo stricto sensu.
- uma matriz claramente juspositivista encontra-se na escola alemã conhecida como
“jurisprudência dos interesses” que floresceu nas primeiras décadas do século XX.
(147)

Seus adeptos criticam a abordagem “estritamente positivista” que, em sua opinião, consistiria
na simples subsunção do caso concreto à letra da lei, ignorando a realidade social e as
finalidades do legislador.
A jurisprudência dos interesses insiste no papel determinante da decisão que o legislador tomou
no momento da criação da norma, após ponderação de interesses conflitantes. O julgador deve
reconstruir essa decisão, buscando elementos históricos e sociológicos que lhe permitam
identificar os interesses sociais que o legislador quis tutelar. Tarefa do julgador é preservar esses
interesses no caso concreto que o legislador não poderia prever nem regulamentar de forma
exaustiva.
- a jurisprudência dos interesses entende que o direito é criado única e exclusivamente pelo
legislador, e o aplicador não pode adulterar a vontade legislativa com interferências subjetivas.
A peculiaridade está no fato de que os representantes da escola consideram que a vontade do
legislador não se encontra mediante trabalho exegético da “letra da lei”, mas com análises do
contexto histórico que oferece sentido às normas, devendo o julgador aplicar o método da
teleologia subjetiva para constatar a vontade do criador das normas.
(148)

4.4. Realismo jurídico (148)

- dentro do juspositivismo, esta visão teórica que dominou o debate teórico e influenciou os
operadores do direito nos EUA na primeira metade do século XX e continua presente nos atuais
debates sobre o conceito de direito.
- referência apenas ao realismo norte-americano.
(148)

Há autores que consideram que a teoria realista diverge radicalmente do positivismo; no


entanto, há outros a classificam entre as escolas positivistas. Consideramos que a segunda
opinião está correta, ainda que devamos indicar a grande distância que separa o realismo dos
posicionamentos tradicionalmente considerados juspositivistas (Austin, Hart, Kelsen e adeptos).
- realismo jurídico considera decisivo para a definição do direito o processo de aplicação de
normas, o denominado direito em ação ou direito presente, em contraposição às normas
abstratas que não passam de um direito no papel.
- o realismo jurídico norte-americano concentra seu interesse cognitivo nas normas que foram
formuladas pelas autoridades que aplicam o direito e, principalmente, pelos juízes.
(149)

O realismo ensina que a realidade do direito pode ser empiricamente constatada e reconhece
como relevante (realmente existente) aquilo que foi realmente decidido. Ficou emblemática a
afirmação de Llewellyn em 1930: “aquilo que os operadores do direito fazem em relação aos
conflitos e, na minha opinião, o próprio direito”. (149-150)

- “O direito não se opõe ao fato. Ele é fato”. (150)

Em decorrência disso, as proposições sobre o direito positivo podem ser de 2 espécies: relatos
de decisões efetivamente tomadas ou apostas sobre futuras decisões das autoridades
competentes. (151)

Parece que o realismo inverte a pirâmide da hierarquia das fontes do direito, situando em
primeiro lugar as decisões concretas que, na visão tradicional, são consideradas como atos de
aplicação/execução de normas preexistentes. Mas a imagem da hierarquia normativa não é
feliz. Na perspectiva jus-realista não há hierarquia, faltando um nexo causal entre a norma
supostamente superior e a norma concreta. A partir do momento em que o juiz pode decidir de
acordo ou não com a norma superior, influenciando-se por uma série de fatores pessoais e
sociais, o realismo considera juridicamente existentes somente as decisões que, na visão
tradicional, se encontram na base da pirâmide. Temos aqui a (impossível) imagem de “pirâmide
de um andar só”. Isso significa que não se reconhece, no âmbito jus-realista, a dinâmica
normativa que permitiria classificar hierarquicamente as normas e explicar sua criação com
referência a outas normas. Só existe uma manifestação de vontade da autoridade e sua decisão
com base nessa vontade: “o juiz é soberano”. (151-152)

- difícil indicar a posição realista sobre a relação entre direito e política, os realistas aceitam a
dependência política do direito, considerando decisiva a vontade do aplicador que receberá
influências de seu posicionamento político. Isso permitiu afirmar que o realismo jurídico analisar
o “direito como política”. (153)

4.5. Teoria autopoiética (153)

Uma particular referência deve ser feita à abordagem do direito elaborada pelo sociólogo e
jurista alemão Niklas Luhmann (1927-1999). (153)

- referência a principal obra “O direito da sociedade”, publicada em 1993, onde oferece uma
visão global sobre o direito, completando e corrigindo anteriores análises. (153-154)

- ele faz poucas referências ao positivismo jurídico e não compartilha a terminologia dos adeptos
dessa corrente, mas sua análise sobre autonomia do sistema jurídico permite classificá-lo na
abordagem juspositivista stricto sensu. (154)

- “O direito é limite, instrumento e meta dele mesmo”. (154)

- a justificativa básica da abordagem autopoiética é que, se o sistema jurídico se abrisse ao seu


ambiente, adotando elementos e códigos de outros sistemas para poder se comunicar com eles,
o sistema seria destruído, isto é, não seria possível defini-lo como algo diferente do ambiente.
- temos uma opção radical a favor da autocriação e auto-observação do sistema jurídico. Para
Luhmann, a teoria do fechamento operativo e da autopoiese “descreve o sistema como um
sistema que se autodescreve”.
(155)
A nossa impressão é que se trata de uma produtiva combinação dos posicionamentos de Kelsen
e Hart, operando uma junção do imperativo kelseniano da pureza no estudo do direito
(fechamento operativo) com a observação hartiana de que a validade depende do
reconhecimento (que, no caso de Luhmann, não é externo-social, mas interno ao sistema
jurídico consolidado). (157)

4.6. Pragmatismo jurídico-político (157)

4.6.1. Terminologia (157)

Em anteriores trabalhos denominamos pragmatismo jurídico-político a nossa proposta de


definição e interpretação do direito. Essa abordagem se inscreve no âmbito do PJ stricto sensu,
mas apresenta particularidades. (157)

- o termo “pragmatismo” adquire significados contraditórios.


- o jurista estadunidense Richard Posner (1939-) considera-se adepto do pragmatismo no direito,
ele considera que a postura pragmatista impõe ao juiz ignorar ou corrigir precedentes
jurisprudenciais e normas legais vigentes, adotando como principal parâmetro decisório as
necessidades do presente momento e o ideal da justiça material, mesmo se for necessário
sacrificar, em nome dessa [ultima, o imperativo da segurança jurídica.
- é uma visão de cunho utilitarista e antiformalista que dá ênfase às repercussões econômicas
da aplicação do direito. Adota elementos do moralismo jurídico, atribuindo ao juiz o papel de
um agente de transformação social segundo considerações de utilidade.
(158)

- Jules Coleman tem uma definição diferente de Posner, ele define o pragmatismo de modo
puramente gnosiológico, estabelecendo 5 requisitos pragmatista, entre os quais se destaca a
tese da contínua possibilidade de revisão de todas as afirmações e crenças com base em critérios
objetivos. (159)

A nossa preferência pelo termo “pragmatismo” não se vincula a essas 2 definições nem adere a
posições do pragmatismo filosófico. (...) afirmamos que interessa o direito como ele é, sem
pretender corrigir seus conteúdos normativos, mediante recurso a considerações sobre o direito
ideal. (159)

4.6.2. Pragmatismo jurídico (159)

Entender o direito em sua realidade pressupõe incialmente uma abordagem pragmática em


âmbito jurídico.

(...) nos distanciamos de pragmatista jurídicos como Posner, que atribuem ao aplicador a tarefa
de decidir de acordo com necessidades do momento e considerações políticas, principalmente
de política econômica. O pragmatismo de Posner não leva a sério os imperativos contidos nas
proposições normativas, sendo adepto de uma flexibilização a critério do aplicador.
A nossa proposta admite a convenção da interpretação e considera que, na perspectiva interna,
o direito é um sistema normativo hermeneuticamente fechado. (...) Seguimos a opção descritiva
do juspositivismo, evitando a confusão entre as opções políticas pessoais do aplicador e seu
trabalho como intérprete. Dessa forma, o intérprete se autolimita, reconhecendo que a
interpretação não pode fingir que encontra uma clara vontade do legislador onde não há, nem
confundir o juridicamente imposto com o razoável e o adequado. (160)
4.6.3. Pragmatismo político (160)

O pragmatismo jurídico deve se acoplar ao pragmatismo político. Entender o direito em sua


“realidade” significa entender que o direito adquire seu significado social somente no âmbito
de controvérsias políticas e conflitos de interesses sociais. (160)

O pragmatismo jurídico afirma que o direito resulta de decisões políticas que conseguem se
impor mediante ameaça e efetivo exercício de violência. Temos aqui uma perspectiva que
entende o sistema jurídico como expressão do direito do mais forte. (161)

- político e jurista alemão Ferdinand Lassalle (1825-1864), autor da célebre afirmação que o
direito depende da correlação de forças políticas, e quanto se encontra em descompasso com
elas transforma-se em uma simples “folha de papel”. Menos conhecido é que essa mesma ideia
se encontra em obras de Karl Marx (1818-1883) e outros pensadores do século 19. (162)

A teoria do direito não deve permanecer alheia ao estudo da política, da economia e da


ideologia, como afirmam os partidários de uma teoria do direito supostamente pura e, na
verdade, amputada. (162)

A pertença de nosso posicionamento ao PJ stricto sensu demonstra-se na estrita separação entre


a atividade de definição e de interpretação do direito (pragmatismo jurídico) e sua análise crítica
em perspectiva política (pragmatismo político). Essa separação se manifesta de 2 formas: 1) pq
cada atividade se baseia em pressupostos teóricos totalmente diferentes; 2) pq as conclusões
políticas sobre as funções sociais do direito não devem influencias os processos de
interpretação. (163)

(...) Deve levar em consideração a configuração do sistema produtivo de cada sociedade que
impõe certas estruturas jurídicas, tornando-se uma verdadeira teoria do Estado e da sociedade.
Essa teoria deve servir de base para as 3 tarefas analíticas do pragmatismo jurídico:
1) analisar historicamente a influência que tiveram os detentores do poder político na criação
de um sistema jurídico. Nas sociedades capitalistas, deve iniciar pelo direito de propriedade
privada em relação conflitual com direitos fundamentais.
2) refletir sobre a violência social-estatal que o sistema jurídico esconde por detrás de
procedimentos, normas, justificando sua força legítima (expressão institucionalizada de
violência que garante preservação dos interesses de grupos dominantes, constituindo um ponto
oculto da teoria do direito moderna.
3) avaliar os resultados do funcionamento dos sistemas jurídicos que discriminam as camadas
sociais desfavorecidas e reproduzem o círculo da violência social, tornando-se instrumentos que
estabilizam estruturas de dominação.
(163-164)

Entre as correntes que realizam tais leituras críticas do direito, a mais tradicional e mais bem
estrutura é a abordagem marxista, dedicada à análise das determinações políticas e econômicas
do direito e de suas funções conservadores do status quo em sociedades baseadas na exploração
e na dominação das classes subalternas. (164)

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