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ANAIS
ORGANIZADORES
Keith Valéria de Oliveira Barbosa
Leandro Coelho de Aguiar
James Roberto Silva
Júlio Claudio da Silva
ANAIS ELETRÔNICOS
Manaus - 2018
1
Texto integrando dos Anais [recurso eletrônico] do IV Encontro Estadual de História - Ensino de
história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
Promoção
ANPUH Brasil, PROEXT - UFAM.
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história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
ISBN: 978-85-526-0060-2
CDU 94(811.3)
Observações:
a) Todas as questões tratadas e abordadas nos textos que integram esta publicação são de
exclusiva responsabilidade dos respectivos autores.
b)Como critério de organização dos textos utilizamos a ordem alfabética dos autores.
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história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
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SUMÁRIO
Apresentação, p. 09
Textos
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APRESENTAÇÃO
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Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
Introdução
Parintins é o segundo maior município do estado do Amazonas, e sua história oficial está
atrelada à Igreja Católica. As transformações contemporâneas no campo religioso têm imposto,
entretanto resistências a essa visão, principalmente com o crescimento dos evangélicos. Até pouco
tempo atrás a maioria das obras sociais e do reconforto espiritual aos doentes, abandonados e
encarcerados estava nas mãos das pastorais católicas. Recentemente isso tem mudado. Este artigo é
fruto de uma pesquisa de Iniciação Científica realizada no ano 2017 na unidade prisional de Parintins.
Investigamos a Igreja Carcerária que foi fundada em 2001 por Raimundo Lucas de Jesus, ex-detento.
Sua vida e marcada por um crime de homicídio e pela conversão evangélica pentecostal. Essa igreja
tem a missão de oferecer ajuda espiritual, evangelismo/estudos bíblicos, e a ressocialização dos
detentos juntamente com o apoio das familias. Me objetivo no momento é mostrar através das
narrativas do Pastor Raimundo Lucas a sua trajetória de vida, tratando ao mesmo tempo de sua prisão
(desafios e experiências na cadeia), conversão e novos desenhos de pastoral alternativos, daqueles
praticados pela pastoral católica carcerária. Para tanto, utilizo como método a história oral, que na
perspectiva de Verena Aberti (2008) “permite o registro de testemunhos e o acesso a "histórias dentro
da história" e, dessa forma, amplia as possibilidades de interpretação do passado”. “É um
procedimento integrado a uma metodologia que privilegia a realização de entrevistas e depoimentos
com pessoas que participaram de processos históricos ou testemunharam acontecimentos no âmbito da
vida privada ou coletiva” (DELGADO,2010, p.8).
No ano de 2015, Raimundo Lucas de Jesus improvisou juntamente com os fiéis detentos um
pequeno espaço que serve como templo, (entre os muros e as celas), aonde são promovidas reuniões
religiosas, e os encontros com as demais lideranças evangélicas locais que acontecem geralmente os
finais de semana.
Apenas muito recentemente estudiosos tem problematizado a questão da diversidade religiosa
local. “Temos buscado em nossas pesquisas traçar um quadro amplo do processo de pluralização do
campo religioso em Parintins” (Bianchezzi; Silveira,2015a;2015b). Parintins embora ainda muito
marcado pela força institucional do catolicismo, merece destaque no senário atual o crescimento
explosivo dos evangélicos, que aos poucos ocupam espaços antes reservados aos católicos, inclusive
na assistência a parcela mais carente da população. Nas periferias, pequenas igrejas pentecostais se
Acadêmico do curso de História do Centro de Estudos Superiores de Parintins CESP/UEA
alan_mpereira@hotmail.com
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multiplicam, no centro da cidade, pastores começam a disputar com os padres o cuidado espiritual dos
enfermos e encarcerados.
Quando a mamãe faleceu foi mais uma barreira que nós enfrentamos. Eu tinha
praticamente 11 anos e meu irmão caçula estava com um ano e seis meses de vida.
Mamãe passou pouco tempo por aqui [Parintins], isso foi uma certa dificuldade
tanto para o papai como para nós todos, sabe? Ai, o papai começou a trabalhar por
aqui e logo em seguida eu comecei a trabalhar também, nós fomos dividindo as
atividades, cada um fazia alguma coisa para ajudar na casa. Os meus irmãos
vendiam docinho na rua, sabe? E meu irmão mais velho pescava. E assim nós fomos
crescendo [...] (LUCAS, entrevista em maio,2018).
Ele conseguiu um pedaço de terra, e, eu morei uma temporada com eles por lá com a
intenção de ajudar o papai, que plantava arroz, feijão, milho, sabe? Nesse período
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ele estava armado. E eu com intenção me proteger peguei uma arma [revolver] e
disparei contra ele [...] A arma era do proprietário do barco. Foi assim que me tornei
prisioneiro. (LUCAS, entrevista Maio, 2018)
Através das palavras deste sujeito, podemos perceber seu comportamento, profissão e o
motivo que o levou para prisão. Assim, portanto, Lucas foi indiciado, julgado e condenado por crime
de homicídio, o juiz da comarca de Parintins determinou o cumprimento de pena em regime fechado
de 4 anos e 8 meses na unidade prisional local.
Durante os primeiros meses na prisão, ele se deparou com inúmeros irregularidades estruturais
e administrativas, a unidade prisional funcionava junto a delegacia de polícia. Ele alguns
conhecimentos da legislação penal desde os tempos do exército, percebeu que os seus direitos e do
demais presos de justiça não eram atendidos. Vejamos:
Eu logo vi que o preso de justiça não tinha alimentação. Aí eu procurei saber com
uma promotora pública da época sobre a destinação da alimentação do preso de
justiça. Comecei a exigir meus direitos. Houve um determinado dia que os presos se
alimentaram de uma sopa e a ossada ficou jogada no corredor, agente sabe que osso
é uma arma [...] O Estado deve dar as condições para o preso de justiça, de maneira
que ele possa ser reinserido na sociedade. Deve oferecer – educação, trabalho,
alimentação, promover ações que possa motivar a socialização sabe? Então essa
situação que passamos é preferível a pena de morte, isso era um ato de tortura. Eu
fiz diversas denúncias verbalmente sobre as irregularidades do presidio logo quando
eu entrei (LUCAS, entrevista, Maio,2018).
Através da fala de Lucas, podemos perceber além da sua atitude como detento a situação da
instituição carcerária local, a violação dos direitos das pessoas na condição de prisão e principalmente
a ausência do estado. Assim, as atitudes e “espirito” de liderança fizeram de Lucas um sujeito
respeitado na prisão capaz de ganhar elogios dos líderes evangélicos que prestavam assistência
religiosa aos detentos. Segundo Lucas, Deus o chamou assim:
No presidio tinha o grupo IDE, eles faziam evangelismo lá dentro era um grupo
externo da assembleia de Deus do Brasil, inclusive eu fiz parte desse grupo [...] foi
através desse grupo de irmãos dentro do presidio mesmo que me converti ao Senhor
Jesus, entreguei minha vida pra Deus. Jesus tinha um plano na minha vida, ele me
levou para presidio para eu fazer a sua obra. Eu já tinha o temor por Deus, já tinha
lido a bíblia toda. Cheguei a frequentar diversas igrejas evangélica quando eu ainda
não era detento [...] quando eu me converti Procurei buscar no Senhor o que dizia a
palavra de Deus - o zelo que Deus tem pela sua palavra. (LUCAS, Maio/2018).
militar cuja a orientação era voltada para religião, o batalhão oferecia também cursos diversos para
incentivo e bem-estar dos soldados:
Quando eu era do exército eu fiz um curso antidroga. Na época eu tinha 18 anos,
parabenizo esse homem [instrutor] até os dias de hoje por tudo o que ele me falou.
Verdadeiramente é correto, sebe? Esse cidadão quando me ensinou a respeito das
drogas foi de fundamental importância para minha vida. Então, eu fui refletir tudo o
que eu aprendi lá dentro do presidio, o poder das drogas na vida das pessoas
(LUCAS, entrevista, Maio,2018)
Uma das características das conversões nas prisões é que, os detentos “ao se
converterem vem a religião como uma válvula de escape e muita das vezes, “buscam resgatar
os laços que, na maioria das vezes, se encontravam estremecidos ou mesmo rompidos”
(DIAS,2005, p.44). Isso é recorrência da entrada dos pentecostais nos presídios, ultimamente,
duas novas ideias aparecem se estruturar: a santificação de vida de homens e mulheres presos
pela força da palavra bíblica e a estruturação de um cotidiano religioso, articulados pela
conjuração de pastores que vêm de fora (para visitas e pregações) e de obreiros que mantem
atividades religiosas constantes dentro das unidades prisionais, foi o caso de Raimundo Lucas,
quer pelos suprimentos das “necessidades materiais dos internos” ou pela boa conduta dos
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novos fieis, as lideranças evangélicas tem acabado por constituir “uma parcela informal com
os diretores” e agentes penitenciários (LOBO,2005b, p.74), até mesmo ocupando, as vezes o
lugar do Estado em assistências sociais.
A Igreja Carcerária faz do presídio de Parintins uma terra fértil para semear as boas
novas do Reino de Deus, de acordo com o pastor Lucas ela “transforma bodes em ovelhas”.
Ela mantém suas atividades sobre o controle do pastor que conduz o rebanho e está sempre
em constante vigilância a qualquer investida do inimigo. O pastor é o patrono desta “obra”
juntamente com o movimento interno dos crentes evangélicos. “Essa igreja está ativa até os
dias de hoje e tem sido uma benção para os presos” diz ele. Para o pastor Lucas, sua missão é
“ganhar almas para o Senhor Jesus”, promover o evangelismo interno oferecendo ao mesmo
tempo liberdade de crença, atuar nas práticas de ressocialização, confraternização e atividades
sociais, com o apoio das famílias. Sobre a fundação da igreja carcerária e os primeiros
trabalhos no presidio ele nos informa o seguinte:
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crenças. Seu templo e um pequeno espaço adaptado entre os muros e as selas construídos
pelos próprios féis detentos, ele “constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e
assegura a comunicação com o mundo dos deuses” (ELIADE,1992, p.19). Durante os 16 anos
evangelizando no presidio, o pastor Lucas se sente honrado, ele além de obter respeito da
massa carcerária, tem têm se destacado nas atividades fora do presidio inclusive. Essas
parcerias com as lideranças evangélicas locais ajudam a promover o evangelismo interno e
uma das estratégias é o envolvimento das famílias dos fiéis detentos:
A igreja carcerária sempre buscou promover ações sociais para os “irmãos” internos
principalmente para aqueles que estão em condição de abandono familiar. Já ouve muitos
casos em que de alguns detentos se encontrarem em situações pecaria como por exemplo, a
falta de roupa, remédio e materiais de higiene pessoal, e muitas das vezes eles chegam no
presidio ferido dependendo da gravidade de seus crimes. Vejamos o que ele diz sobre isso:
Os irmãos da igreja carcerária têm contado com a ajuda das igrejas cujas ofertas são:
creme dental, roupas usadas, sabonete, barbeador, coisinhas de higiene pessoal do
dia-dia que é responsabilidade do Estado inclusive, e além de bíblia, folhetos,
livretos om mensagens religiosas, roupas usadas [...]Deus tem abençoado a obra
mesmo, sou isso é muito gratificante para nós [...] nós temos os nossos
equipamentos para promover os cultos como: caixa de som microfone, púlpito,
cadeira. Tudo isso foi doado de fora dos irmãos parceiros da obra [...] Deus tem
ouvido nossas orações, somos muito gratos por tudo (LUCAS, entrevista,
Maio,2018),
Finalizando
Neste artigo busquei através das narrativas do pastor Lucas mostrar sua trajetória de
vida tratando ao mesmo tempo das suas experiências na cadeia, conversão e pudemos
também refletir sobre novos desenhos de pastorais alternativos, aqueles praticados pelas
pastorais católicas carcerária. A vida deste sujeito é marcada pelo trabalho infantil, pelas
adversidades encontradas na zona rural e na cidade. No entanto, seu maior momento de gloria
foi na prisão, principalmente quando se converteu ao pentecostalismo. Sua trajetória é repleta
de contradições. Ele, através da religião no cárcere adquiriu capital simbólico e o status de
homem de Deus, contando ao mesmo tempo com o apoio da administração interna e das
lideranças evangélicas locais. Essa “missão” dentro do cárcere, segundo ele, foi fundamental
para sua empreitada em coordenar e incentivar os fiéis na busca de novas oportunidades tendo
a igreja como principal “esteio”. O bom comportamento e o trabalho social fizeram a
diferença para o status do pastor Lucas. Do posto de vista religioso, Lucas fez uma leitura de
sua realidade e percebeu que a religião no presidio tem o poder de envolver as pessoas. Os
detentos, assim como ele, carecem de perdão, salvação, esperança e oportunidades.
Raimundo Lucas é um personagem ímpar, diz ele “eu comi o pão que o diabo amassou”, mas
não desistiu da vida.
Carcerária, e mudaram de vida. Eles voltaram para o seio da família e adquiriram novamente
o respeito da sociedade. No entanto, há aqueles que inda se encontram na condição de prisão,
mas vem na religião esperanças de recomeço e oportunidades na sociedade. Raimundo Lucas
continua ativo nas atividades dentro do presidio, e a cada momento seu aprisco se renova.
Referências Bibliográficas
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In. PINSKY, Carla Bassanezzi. Fontes
Históricas, São Paulo, Contexto, 2011.
SILVA JUNIOR, Antônio Carlos da Rosa. “Campo religioso brasileiro prisional”: o lugar das
instituições religiosas no contexto de encarceramento”. In: Anais do XV Simpósio Nacional da
ABHR. Juiz de Fora: ABHR, 2015. pp. 1373-1383.
BIANCHEZZI, Clarice & SILVEIRA, Diego Omar. "Demografia, cartografia e história das
religiões em Parintins: novas possibilidades para o estudo da diversidade religiosa na
Amazônia". In: BIANCHEZZI, Clarice (et. al.). Pensar, fazer, ensinar: desafios para o ofício
DIAS, Camila Caldeira Nunes. Evangélicos no cárcere, representação de um papel
desacreditado”. In: Revista Debates do NER. Dossiê Religião e prisão. Porto Alegre: UFRGS,
ano 6, n. 8, julho/ dezembro de 2005. p. 39-55
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral – memória, tempo, identidades. Lucília
de Almeida Neves Delgado. – 2 ed. – Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
EDILEUZA, Santana Lobo. “Ovelhas aprisionadas, a conversão religiosa e o rebanho do Senhor nas
prisões”. In: Revistas debates do NER. Dossiê religião e prisão. Porto Alegre: UFRGS, ano 6 n. 8
julhos/dezembros de 2005b. pp. 73-85
ELIADE, Mircea, 1907 1986.O sagrado e o profano / Mircea Eliade ; [tradução Rogério
Fernandes]. – São Paulo: Martins Fontes, 1992. – (Tópicos)
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Introdução
Atualmente, discutir sobre o ensino de uma história das “Áfricas” está imbricado em
inúmeras discussões que procuram promover um rompimento de estereótipos ligados a fome e
a selvageria, disseminados por veículos de comunicação que reduzem o continente negro a
um lugar homogêneo, povoado por animais e homens selvagens e grupos étnicos em conflitos
constantes, como discorre o Professor Dr. Anderson Oliva (2008:30), ao questionar a imagem
construída pela mídia e o real conhecimento que se obtém sobre a África.
Tal concepção sobre essa temática ganhou maiores contornos a partir da aprovação da
Lei 10.639/03 e, posteriormente, a Lei 11.645/08. Elas se tornaram a maior conquista de
diversos movimentos sociais, pois, impunha aos estabelecimentos de educação fundamental e
médio de todo o território nacional a incluírem conteúdos de história e cultura afro-brasileira,
africanas e indígenas em sua grade curricular.
Nesse sentido, fazer uso da literatura como ferramenta de ensino, significa atender as
demandas que esse legislativo criou para se discutir em sala de aula a compreensão dos
processos que formaram as instituições e patrimônios que se ergueram em um determinado
instante ao longo do continente africano.
É um recurso que pode ser utilizado para que o aluno possa atentar-se a uma específica
época em que houveram movimentos em luta pela independência política ou compreenderem
os reinos que já existiram naquele território, por exemplo.
Nesse sentido, esse tipo de entendimento a respeito do uso metodológico que esse tipo
de fonte possibilita ao professor, permite ao aluno melhor situar-se no contexto do fato
histórico abordado em sala de aula. Assim, nosso exposto é similar ao de Oliveira (1984), em
Literatura e Sociedade, cuja compreensão acerca da produção literária percorre a saber que
ela resulta de convicções, crenças, códigos e costumes sociais que emergem de uma peculiar
realidade histórica.
Com efeito, é importante ressaltar a criação do legislativo que prevê a obrigatoriedade
do ensino de História e Cultura Africana e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino
público e privado em todo o país, porque a partir disso foi surgindo gradualmente a
*
Mestre em Letras- Estudos literários, PPGL-UFAM. Mestrando em História, ambos pela Universidade Federal
do Amazonas (UFAM). Bolsista Capes. E-mail: alexandresantosp@gmail.com.
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condição humana existente. Esta é o fruto da vivência coletiva dos homens num mundo
comum e em condições sociais determinadas.
Por fim, espera-se que este estudo posso servir de auxílio à professores licenciados
pelas universidades brasileiras em história, e possui a ciência de que muito há de ser feito para
que os estudos africanos, em âmbito da educação básica no Brasil, possam ser discutidos com
maior clareza e importância. Avanços já foram obtidos, mas ainda estão em dinâmica de
surgimento outros, por isso sabemos que esta proposta não é um fim, mas um dos caminhos
que dão o suporte para o exercício da docência em nosso país.
Procedimento metodológico
O presente estudo realizou-se por meio de um estudo bibliográfico, partindo da leitura
inicial de Mitos Africanos, de Gary Jeffrey, de 2002, em específico as narrativas: “Origens” e
“A história do cão e do chacal”. Posteriormente, iniciou-se as leituras concernentes aos
estudos africanos, teoria da literatura e ensino de história.
Nessa etapa, foi realizada uma leitura informativa para a coletas de dados pertinentes
à formação docência, de acordo com a proposta da Lei 10.639/03, 11.645/08 sobre o ensino
de história e cultura da África por intermédio também de linguagens alternativas.
Logo após, foram realizados fichamentos desses textos para se observar os possíveis
percursos metodológicos que podem ser adotados em sala durante exposição dos temas
relacionados ao ensino da História da África, em singular utilizando a literatura como
ferramenta de ensino.
Assim, no intuito de sistematizar os dados obtidos para a realização de outras
literaturas relacionadas à proposta deste estudo, foi utilizado como caminho metodológico
uma abordagem reflexiva a partir da literatura de Freire (1996), em Pedagogia do Oprimido.
Dessa forma, a realização dessa etapa permitiu iniciar outra, isto é, compilar as informações
necessárias, considerando que o universo de uma sala de aula é repleto por diversos contextos
e situações de mundos que estão sob orientação do professor.
Por sua vez, as comparações realizadas objetivam expor um pensamento reflexivo
sobre a atenção que se deve possui a respeito das diversas formas de se ensinar História da
África, em ambiente da educação básica no Brasil.
Não é uma cartilha metodológica, nem mesmo um postulado sobre como deve-se
ministrar aula, ao contrário, é um diálogo a ser estabelecido e que possui na natureza de sua
proposta uma contribuição ao processo de ensino e aprendizagem de história.
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Nesse sentido, uma vez os textos lidos e organizados, deu – se início a uma análise
temática, interpretativa e de síntese pessoal acerca do assunto abordado. Com isso, pode ser
feito um levantamento e discussão de problemas relacionados à mensagem obtida dos teóricos
mencionados, no intuito de elaborar este artigo, cujo tema proposto em questão aborde uma
reflexão interdisciplinar nos campos da Literatura, História e Ensino de História da África.
Discussão
Por muito tempo houve a crença de que a produção da literatura de viés artística,
aquela orientada por Aristóteles como representação da realidade, chamada de mimese, ou por
Gil Vicente como instrumento de denúncia social pela comédia ou no trato irônico dos vícios
da sociedade portuguesa do final do século XV, ou ainda nos devaneios dos românticos do
século XIX, influenciados pelo espírito da Revolução Francesa - não era aceito como um
construtor de conhecimento e saberes, apenas ficção.
Partindo da premissa que Chartier (1999) expõe em História e Literatura, a relação
entre essas formas narrativas de se contar a história são muito próximas por conta das
modalidades discursivas, morfológicas e históricas de identificar o fato histórico. O teórico
considera que o autor da literatura “é o resultado de uma mobilidade social, política e cultural,
ao oposto do autor enquanto ator (aquele que faz a representação de uma realidade)”
(CHARTIER, 1999:197).
Nesse sentido, quando a literatura tematiza a realidade, ela ultrapassa as questões
clássicas dos historiadores e os leva a construir de outro modo o próprio objeto de sua
indagação. A história, ao mesmo tempo, se confunde e se opõe à ficção.
A partir da criação dos Analles e da História Cultural, a proposta interdisciplinar de
realizar o estudo histórico, permitiu a possibilidade de se observar na literatura uma fonte de
compreensão de variadas realidades que foram representadas pelo homem, por ser esse
escritor o resultado de uma construção de um determinado tempo, de uma específica época.
Para Bloch (2001), por exemplo, através de métodos interdisciplinares de se investigar
a realidade ao seu redor, o historiador deve ter a ciência de que “tudo o que o homem diz ou
escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele” (BLOCH, 2001:79).
Sendo assim, as narrativas históricas e literárias se apresentam de formas distintas, mas
constroem uma identidade coletiva e individual com o mundo.
Em outros termos, toda ficção que está enraizada na sociedade é em determinadas
condições de espaço, tempo, cultura e relações sociais, a matéria prima do escritor que através
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da linguagem materializa sua subjetividade criadora. Por conta disso, Chartier em A história
ou a leitura do tempo, de 2009, escreveu que algumas obras literárias realizam uma profunda
representação da coletividade do passado.
Em virtude disso, os historiadores devem compreendê-las como fontes, que
comunicam contextos históricos e sociais e isto requer consulta de outras informações acerca
de uma determinada época. Porém, sempre é preciso estar atento aos ambientes socioculturais
do período analisado para se evitar anacronismos.
Diante disso, quando um historiador também se ocupa da docência, uma prática muito
comum no Brasil, ele deve ter a percepção de que o aluno que ali está sentado à sua frente é
um homem que é fruto da vivência coletiva das condições humanas social e historicamente
determinada, tudo isso representado em jovens que chegam à escola em busca do saber e da
convivência com os colegas.
E é através da Educação que as sociedades sobrevivem, se renovam e se estabelecem
valores. Para tanto, mediante as inúmera transformações ocasionadas, principalmente, pela
regulamentação da lei 11.645/08, o ensino de história deve ser repensado a partir das
necessidades de se contemplar as demandas que são oriundas das perspectivas atuais sobre o
papel dos negros na formação do processo histórico do país. E consequêntemente, a
desmistificação de estereótipos que reduzem esses atores a meros coadjuvantes de suas
histórias, assim como prevê os objetivos estipulados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
– PCNs – (1998) de História para o Terceiro e Quarto Ciclo do Ensino Fundamental:
Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como
aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer
discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo,
de etnia ou outras características individuais e sociais; (BRASIL, 1998:7)
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“(...) obsoleto e ser considerado como mobília antiga que muitos guardam como lembrança de
alguém ou de um tempo passado.” (FREITAS; PETERSON, 2015:34).
Diante disso, a literatura como parte de uma linguagem auxiliadora no processo de
ensino da história, proporciona também a elucidação de assuntos tidos como enfadonhos e
desinteressantes, auxiliando a compreensão de forma facilitada de determinados temas, como
por exemplo, aqueles que discorrem sobre a África antes da diáspora, fazendo o discente
perceber naquele contexto os conhecimentos e saberes produzidos, como também a tecnologia
utilizada, a arquitetura, as navegações, e demais especificidades de cada grupo étnico.
Uma vez abordado tais assuntos, é necessário estabelecer um diálogo em sala de aula
com o aluno, orientando a compreensão de uma parte da história de nossos antepassados (de
acordo com a série escolar), para entender que na África as etnias formaram realidades
múltiplas oriundas de diversas tradições culturais, cujas dinâmicas permitem que as mudanças
ainda sejam algo permanente.
Tudo isso só foi possível também graças a Lei 11.645/08. Esta informa no segundo
parágrafo que: “Os conteúdos referentes a História e Cultura Afro-Brasileira devem ser
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileira” (BRASIL, 2008:2).
Com efeito, é possível perceber como é viável o diálogo entre literatura e história em
âmbito da sala de aula. Não é por acaso que essa relação em contexto de ensino, desde o
período do Renascimento perdeu o caráter público e passou ao privado, isto é, consoante
Zilberman (2006), em Sim, a literatura educa, transferiu-se para a escola a tarefa de ensinar
(o literário) em natureza pedagógica. Mais tarde, após a Revolução de 1789, a autora expõe
que “Os franceses introduzem na escola a literatura nacional, que, a partir de então torna-se
objeto da história literária...” (ZILBERMAN, 2006:19).
Este aspecto do uso pedagógico da literatura é mais uma possibilidade metodológica
ao docente de história para ministrar as suas aulas. Ela pode ser usada como tal porque as
mudanças que ocorreram desde o século XVI, conferiram ao ensino daquela o objetivo de
conhecer a história de um país, de um grupo, de uma sociedade.
Por isso é importante que essa característica de aula seja um espaço funcional. Há uma
'docência do espaço' dentro da sala de aula e este deve ser aproveitado pelo professor.
Segundo Vital Didonet em A escola que queremos, de 2013, esse lugar é referido como um
lugar onde os alunos aprendem lições sobre a relação entre o corpo e a mente, o movimento e
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o pensamento, este lugar tem que gerar ideias, sentimentos, movimentos no sentido da busca
do conhecimento.
Um dos exemplo do exposto acima e que pode ser utilizado ao longo da aula, ou para
iniciar a mesma, provém da narrativa intitulada “Origens”, de Jeffrey (2002). Neste tecido
textual, há a informação de que o continente africano é três vezes maior que a Europa e é
dividido ao meio pelo deserto do Saara. O professor pode explorar a partir dessa exposição o
mapa político da região e expor que no continente não somente vivem negros, brancos
também e os primeiros estão situados, em geral, na África subsaariana.
O docente pode expor, conforme o decorrer da leitura, que os povos africanos
possuem lendas e mitos que explicam a origem das coisas, da humanidade e do universo
(dadas as relatividades, parecido com a mitologia grega). Em uma outra aula ele pode
apresentar aos alunos a narrativa do cão e o chacal, do povo Bushongo
1
, do Congo. Após realizar a leitura com os alunos ele faz a exposição sobre esse grupo
étnico e ensinar sobre o país mencionado.
Essas histórias são dois exemplos, de outros possíveis que demonstram como o uso da
literatura no ensino de História possibilita um diálogo alternativo e rico de informações para a
exposição de assuntos relacionados à história africana.
Elas corroboram a assertiva da Lei de Diretrizes e Base – LDB (2001), sobre a
educação abranger os processos formativos que estão inclusos no desenvolvimento da vida de
uma pessoa, como: família, convivência humana, trabalho, movimentos sociais e
manifestações culturais, porque estas etapas são componentes principais no ato de aprender,
que associados a um bom intermédio (professor) possibilitam o sucesso garantido de que se
interessa a educação, isto é, a formação do individuo como ser pensante.
Por conseguinte, após essas mudanças, outra deveria ocorrer, pois a necessidade de
uma reformulação da LDB tornou- se urgente para que se permitisse a flexibilização do
currículo que as leis orientavam. Nesse interim, foram alterados os artigos 26-A, 79-A e 79-B
que também tornaram obrigatórios o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, nos
segmentos do fundamento e médio. Sendo assim, a história da África e dos africanos, a luta
dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na sociedade nacional.
Segundo os professores Mariana Heck e Fábio Amorim (2016), o objetivo dessa lei foi
possibilitar aos alunos uma noção sobre a história do continente africano e do homem que ali
1
Grupo étnico da região central da África, em uma época pré-colonial, hoje o país do Congo.
25
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reside, contribuindo para um ensino crítico e orientando os discentes para compreensão dos
modos de vida daquele lugar.
Paralelo a isso, a Resolução 01/04, logo após a aprovação da Lei 10.639, visa atender
as demandas de afrodescendentes, que antes de todo esse cenário possuíram pouca
visibilidade dentro do contexto educacional. Muito desse quase invisível ocorre do
desconhecimento em relação à história do continente africano, como também das diferenças
culturais e sociais ali existentes. Todo esse conjunto ajuda na criação e ainda permanência de
preconceitos e visões exóticas acerca do homem daquele lugar.
Por fim, pensar no uso da literatura como ferramenta de ensino de história, permite a
possibilidade de se trabalhar com discursos que revelam as contextualizações de uma
determinada época. Em outras palavras, ela é o observatório das representações de uma
sociedade em um específico tempo, sendo ela esse atributo, a história é o seu complemento.
Isto é, esta observa e registra as temporalidades, aquela humaniza a historicidade.
Nesse interim, o ensino de história vai além da aprendizagem de fatos e situações
históricas. A partir das mudanças nas Leis mencionadas, PCNs e LDB, possibilitou-se ao
aluno compreender que essa área de conhecimento está em construção e a novas reflexões
sobre os acontecimentos históricos.
Considerações finais
A educação lança mão de modelos que nada são do que visões acerca do homem que
se pretende educar. Segundo Siman (2005): “A atual política nacional curricular atribui ao
ensino de história o papel de formar um novo cidadão que, dentre outras características, seja
capaz de compreender a história do país e do mundo como resultante de múltiplas
memórias...” (SIMAN, 2005:350)
As mudanças que a Lei 10.639/03 e a 11.645/08 vem ocasionando sobre o ensino da
História da África e Cultura Africana. Como o observado, esse novo cenário também se deve
ao processo de ensino que considera o uso da Literatura, Música, Teatro, Educação Artística
e outras linguagens para realizar uma aprendizagem com qualidade.
Diante desse quadro, em específico no uso do texto literário, acreditamos que ele
consegue o ferramenta de mediação do conhecimento histórico por parte do professor, edifica
e compartilha saberes sobres os assuntos relacionados aos povos continentes.
Com efeito, esse novo modo de aula permite que o discente obtenha um tipo de
conhecimento sobre as Áfricas e seus descendentes que percorre desde o entendimento sobre
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as diásporas, como também a compreensão sobre a vida cotidiana e a respeito das dinâmicas
de expressão e reconhecimento de histórias do período pré-colonial. Além disso, esse jovem
estudante poderá ter acesso a um passado histórico em que houveram lutas e conquistas para
se obter a independência política.
Tudo isso desaloja conhecimentos continentais engessados e fechados em si mesmos.
E é nesse contexto que surge a literatura como a expressão que nos ajuda a entender sobre nós
e a realidade circundante. Esta situação corrobora com o pensamento de Achebe (2013) a
respeito do continente africano, ou seja, que a África não é ficção e possui gente de verdade.
O aluno que obtém conhecimento sobre os traços culturais, sociais, políticos econômicos a
partir das aulas de história das Áfricas, irá perpetuar essa compreensão sobre aquele lugar.
Em síntese, a promulgação das leis e as diversas formas metodológicas que já
surgiram sobre o ensino de história nesse contexto, rompem com uma tradição de se ensinar
os assuntos relacionados àquele continente. Diante do exposto, é necessário que o cotidiano
seja de mudanças na totalidade dos estabelecimentos educacionais do Brasil, para que haja
uma maior produção de conhecimentos sobre os estudos africanos e, dessa forma, maior
conscientização sobre quem somos, uma vez que a população brasileira é indígena e é negra.
Referências
Legislação:
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e
dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10 jan. 2003.
____. Lei 11.645/08, de 10 de março 2008. Diário Oficial [da] RepúblicaFederativa do
Brasil. Brasília, DF, 9 de março de 2008. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm >
____. Resolução No. 1, de 17 de junho de 2004, do CNE/MEC, que “institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”
Bibliografia:
ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de
história.Cad. Cedes, Campinas, v.25, n. 67, set./dez 2005, p. 309 -317.
ACHEBE, Chinua. (2018, 9 de julho). The África Report. [Blog]. An interview with Late
Nigerian Author, Chinua Achebe. Entrevistador: Helon Habila. The Africa Report e Sable
Mag. Disponível em: <www.theafricareport.com/West-Africa/an-interview-with-late-
nigerian-author-chinua-achebe-by-helon-habila.html>.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). História. Ensino Fundamental.
Terceiro e Quarto Ciclo. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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Introdução
A década de 1930 no Brasil seria marcada como o início de uma nova
contextualização nas relações entre trabalhadores, patrões e um novo papel do Estado sobre
estes. Verificaríamos a partir de então a constituição de um edifício legal que embora de
pronto buscasse atender o mundo do trabalho urbano para certas categorias mais específicas,
com o decorrer dos governos de Getúlio Vargas seria ampliado de forma significativa.
Nossa pesquisa se debruça sobre plataformas políticas voltadas à aplicação no Estado
do Amazonas da recém criada legislação, especialmente aquela relacionada ao novo papel
desejado para com os sindicatos de trabalhadores.
Utilizando como principais fontes a imprensa jornalística da época, voltaremos nossa
atenção sobre ojornal Tribuna Popular. Inicialmente sob o subtítulo “Órgão do Partido
Trabalhista Amazonense”, levaria a partir de julho de 1935 a denominação de “Órgão do
Partido Popular Amazonense”, resultado da união de lideranças do Partido Socialista
Amazonense liderados por Álvaro Maia, e do Partido Trabalhista Amazonensesob o comando
de Luís Tirelli.
Embora controlado por lideranças políticas, muitas das quais ligadas as antigas
estruturas do sistema partidário da denominada República Velha, o Partido Trabalhista do
Amazonas tinha por base diversos sindicatos amazonenses, o que dava voz ao movimento
operário nas páginas de seu órgão de divulgação – o Jornal Tribuna Operária – em especial
aos não reconhecidos oficialmente pelas novas leis impostas aos sindicatos pelo Ministério
do Trabalho, que deixavam pouca margem de manobra política aos que não se enquadravam
no oficialismo estatal.
Além disso, são justamente nas páginas do Jornal Tribuna Popular, nos discursos e
campanhas ali promovidos, que podemos encontrar a consolidação do grupo político que de
fato melhor representou os ideais varguistas-trabalhistas nos anos que se antecederam ao
Estado Novo, e sua interação com boa parte do movimento sindical entre 1934 e 1936; uma
época de tensões, de momentos ora de afastamentos ora de unificação entre suas lideranças
Mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do
Amazonas, Professor do Centro de Mídias do Governo do Estado do Amazonas e-
mail:amaurypio@hotmail.com
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políticas, que nada mais foram reflexos do que o país como um todo também assistiu, sentiu e
ficou marcado.
Os movimentos das lutas operárias no Brasil datam do século XIX, embora suas
entidades tivessem até então marginalizadas pela negação de reconhecimento tanto pelo
Estado Brasileiro quanto através de suas Leis. Mesmo assim, a existência de sindicatos de
empregados no Amazonas naquele século permite afirmar que “o movimento operário de
Manaus já era significativamente atuante, como destacado pela identificação da greve dos
catraieiros em 1883” (PINHEIRO, 1999, p. 70)2. Profissionais portuários e gráficos tiveram
neste período destacado papel quanto a organização sindical regional.
A falta de uma legislação específica sobre o assunto levava a via de regra, que a
maioria dos acordos realizados em negociações grevistas fossem sumariamente descumpridos
pelo patronato. Embora fosse um dos fundadores da Organização Internacional do Trabalho
em 1919, para o governo brasileiro naquelas primeiras décadas do século XX, as relações
trabalhistas deixavam cada vez mais de ser um problema social para tornar-se policial não
sendo exagero “dizer que até o final do ano de 1930, não existiam leis trabalhistas no Brasil.
Ou melhor, se algumas existiam, não eram aplicadas” (GIANNOTTI, 2007, p.101).
Apontamentos indicam que a primeira vez que um governo aceitou intermediar
grandes greves foi em 1917, em São Paulo “durante o alastramento do que começou no mês
de junho no bairro da Mooca e se espalhou por toda cidade durante trinta e cinco dias,
obrigando o governo a interferir, tendo como resultado os trabalhadores conquistando parte
das reivindicações" (GIANNOTTI, 2007: p.68).
Os direitos trabalhistas eram entendidos pelo Estado como não legitimados por ele
mesmo e, portanto, as ações que o reivindicavam eram dignas de repressão. Por outro lado, o
empresariado entendia que as relações trabalhistas estavam reguladas pelas leis civis, no
instituto da ‘locação de serviços’. Desse modo, as greves de 1917 podem ser vistas como um
meio de luta não apenas para a efetivação de alguns direitos pontuais, mas sim da necessidade
de criação de um direito especial para um novo sujeito que se consolidava no mundo do
trabalho brasileiro: o operário urbano.
2
Quando Manaus ainda não possuía o Porto Flutuante, os navios ficavam no meio do rio Negro, sendo que estes
profissionais, em canoas denominadas de “catraias” faziam o transbordo entre a terra firme e as embarcações.
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A partir dos anos 1920, a radicalização dos movimentos Tenentistas, como a Revolta
dos 18 do Forte de Copacabana em 1922 e da Coluna Prestes entre 1922-1927, alémda
Revolução Paulista de 1924, levaram tanto governos Estaduais quanto Federal, a evocarem
em diversos momentos, medidas de repressão, como o estado de sítio e outras estratégias que
engessavam greves e manifestações.
Este período se não representou os avanços esperados – em alguns casos como o dos
anarquistas, a intensa perseguição do governo Bernardes promoveu um grande
enfraquecimento que por outro lado seria aproveitado por dois novos agentes que dominariam
o cenário do movimento operário: os cooperativistas e os comunistas3.
Apesar dos Cooperativistas - liderados por Sarandy Raposo -trazerem propostas que
procuravam transitar politicamente entre os dois grupos adversários, anarquistas e
comunistas- “acabaram por ficar mais alinhados com os últimos, até mesmo por conta dos
desafios institucionais políticos que as eleições para a Câmara de Deputados a acontecer em
fevereiro de 1927 exigiriam” (GOMES, 2005: p. 161).
A reação das lideranças sindicais comunistas através da criação da legenda “Bloco
Operário”, depois BOC (Bloco Operário Camponês) isolaria sob este aspecto, os sindicatos
ligados aos anarquistas que assistiriam um sucessivo esvaziamento de suas fileiras nos anos
seguintes.
Seria sob esta conjuntura onde cada vez mais os sindicatos atrelavam-se a projetos e
grupos políticos de âmbito nacional, que a emergência de um papel protagonista da parte do
governo brasileiro no mundo do trabalho encontraria um momento apropriado para o
estabelecimento das bases do Trabalhismo no país.
3
As notícias acerca do massacre promovido pelo governo bolchevique russo contra a Revolta do Kronsdat, onde
a maioria rebelde eram anarquistas, chegaram ao Brasil causando afastamento destes das organizações operárias
ligadas aos comunistas. Acirrou-se uma intensa disputa entre os dois grupos pelo controle das instituições como
Sindicatos, Associações e Federações.
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4
Embora muitas destas lideranças também pertenciam à oligarquias locais, traziam em sua formação intelectual
muito do que viam e ouviam dos locais para onde haviam sido enviados, principalmente capitais do nordeste e o
próprio Rio de Janeiro.
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fizeram parte de um tênue, mas intenso governo onde parte das contas públicas fora posta em
dia, principalmente a moralização quanto a salários.
Aparece diante deste quadro, um dos nomes que mais se destacaria nos anos
posteriores como representante do movimento trabalhista no Amazonas: o jovem Álvaro
Botelho Maia. Ao rastrear seus textos desenvolvidos no breve governo tenentista, como
Velhos e Novos Horizontes – O Amazonas e a Revolução de 1924, No Limiar da Intervençãoe
tambémApós a Campanha, a pesquisadora Eloína Monteiro, destaca como esta futura
liderança política buscava pontuar as suas posições de maneira antagônica ao modelo de
facções oligárquicas em constante crise política e ameaças de intervenção federal. (SANTOS,
1997: p. 37-39).
Embora oriundo do que seria parte da elite amazonense da época, filho de
seringalistas, enviado para fora do Estado para formar-se em Direito, sempre foi atuante em
diversos movimentos culturais, onde talvez tenha mais se destacado no Glebarismo, de forte
atuação desde a segunda metade da década de vinte entrando nos anos trinta, onde parte da
intelectualidade amazonense nata chamava para si a tarefa de retomar os rumos de um Estado
acostumado a intervenções federais e desmandos de uma oligarquia política bastante
fragmentada por lutas internas pelo poder.
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pertencentes a diversas siglas partidárias, como por exemplo, Leopoldo Carpinteiro Peres,
ligado aos trabalhistas (COSTA, 2001: p. 134-177).
Tal diversidade também era refletida nas organizações partidárias. Com o
enfraquecimento dos partidos ligados ao regime anterior a 1930 – principalmente quanto ao
Partido Republicano Amazonense – fazia-se necessário um reordenamento político que
resultaram no ressurgir em escala local de iniciativas que foram frustradas a nível nacional na
década de 1920: a criação do Partido Trabalhista Amazonense e do Partido Socialista
Amazonense. O primeiro criado em fevereiro de 1933 e o segundo em abril do mesmo ano.
( Diário Oficial do Amazonas (D.O.A), 1934: p. 12).
Estas informações nos levam a importante indagação: por que criados justamente em
1933, um intervalo de três anos após a Revolução de 1930? Em um primeiro momento,
Getúlio Vargas fez-se apoiar numa política centralizadora de seu poder, onde tentava
controlar as forças regionais pela atuação de interventores nomeados. No Amazonas, mesmo
sendo um nome bastante interessante para Vargas, por trazer um lufada de renovação e
juventude, Álvaro Maia ficou pouco mais de um ano como interventor nomeado, resultado de
pressões políticas locais que embora conseguissem um novo interventor, não possibilitou na
estabilização da política local, dado o registro da passagem de diversos nomes pelo cargo
entre 1931 e 1933.
O desencadeamento da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte por
Vargas após 1932, provocará um período curto para a reorganização das agremiações
partidárias. Diante deste quadro é que verificamos a fundação do Partido Trabalhista quanto
do Partido Socialista Amazonense, necessários para que as lideranças se tornassem aptas a
concorrerem aos cargos.
Este arranjo tornou possível uma maior clarificação das forças locais ligadas a defesa
das propostas varguistas, em especial referentes à aplicação da recém elaborada legislação
sindical por parte do Ministério do Trabalho.
Eis portanto o contexto em que surge o Jornal Tribuna Popular, que em uma primeira
fase, inaugurada em 10 de outubro de 1933 - da qual consta-se o forte apelo em prol podemos
da liderança de Luís Tirelli5 – único deputado eleito pela aliança dos trabalhistas com os
liberais na chamada “Aliança Trabalhista Liberal do Amazonas” - com forte atrelamento a
classe trabalhadora a exemplo da manifestação de apoio na coluna Voz do Operário:
5
Filiado ao Partido Trabalhista Amazonense, elegeu-se em maio de 1933 deputado à Assembleia Nacional
Constituinte na legenda da Aliança Trabalhista Liberal do Amazonas (...) ,FONTES: ASSEMB. NAC. CONST.
1934. Anais (1).
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6
Vóz do Operário. In: Tribuna Popular, Manaus, n. 03, 1933.
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Quanto ao Partido Socialista Amazonense, consta-se que não possuindo um jornal próprio, utilizava-se de
outros órgãos como “O Jornal” para divulgar suas propostas.
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revela um otimismo alastrado mesmo entre seus apoiadores em regiões mais distantes da
capital, como quando menciona moção de agradecimento da Câmara Municipal de Tefé “pela
maneira patriótica que vem defendendo a causa deste Estado, sob a liderança de Álvaro
Botelho Maia” (TRIBUNA POPULAR, n.115 :1936).
Sem desmerecer diversos nomes que também colaboraram na implantação do
Trabalhismo no Amazonas, destacamos aqui os de cunho intelectual e de atuação bastante
expressiva na política local e mesmo nacional, agindo por vezes, como verdadeiros porta-
vozes entre os demais interventores e Vargas, papéis desempenhados tanto por Álvaro Maia,
quantopelo Deputado Leopoldo Carpinteiro Peres. Este último certamente podendo ser
incluído no bojo dos grandes ideólogos do projeto varguista, prova disto em obras como:
Política e Espírito do Regime de 1941 e Getúlio Vargas o Homem e o Chefe, de 1944.
Álvaro Maia com o discurso entusiasta de retomada da economia gomífera8,
vinculante ao entendimento que “eram os seringalistas e os seringueiros dois operários que se
auxiliavam na aventura e na conquista da terra” (MAIA, 1926: p.70), pensamento bastante
atrelado portanto a um conjunto em que ideias centrais como regionalismo e nacionalismo
estavam bastante atreladas. Outro nome que consoava com aspectos semelhantes foi Leopoldo
Peres, com seu “caboclo resignado”, “homem da floresta”, que deveria ser melhor atendido
pelo Governo Federal9.
Desta forma, nossa pesquisa até onde nos traz, permite perceber que o Jornal Tribuna
Popular não foi apenas mais um dentre outros tantos periódicos que surgem e desaparecem ao
sabor de realinhamentos políticos, percebidos até em nossos dias na política regional do
Amazonas.
Antes, superou-se como elemento divulgador de um período que ainda o campo
historiográfico pouco penetrou, lembrando não só o próprio governo de Getúlio Vargas e seus
reflexos sob o Trabalhismo no Amazonas, mas como a identidade deste Trabalhismo se
construiu no Estado naquele período.
De certa forma, dentre seus maiores legados podemos identificar ter permitido voz a
um movimento operário marginalizado, o qual arvorava no Amazonas novas perspectivas de
certo protagonismonas altas esferas políticas, algo inédito até então.
8
Fazia questão de ser colaborador dos Diários Associados de Assis Chateaubriand escrevendo onde podia
divulgar a nível nacional a situação do Amazonas sob seu comando.
9
Posterior a este período, conseguiria Leopoldo Peres, deputado constituinte em 1946 finalmente inserir naquela
Carta Magna o artigo 199, que criava o Plano de Valorização Econômica da Amazônia.
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Se não conseguiram isto como o pretendido, não podemos notar que entre 1933 e
1936, através do Tribuna Popular conseguiram um canal comunicativo com boa parte da
sociedade amazonense, da capital e interior. Uma voz que nos anos posteriores se consolidaria
através da aplicação mais ampliada da CLT e a confirmação de um novo perfil para o
sindicato brasileiro.
Referências
Fontes:
Anuário Estatístico do Brasil. Ano II Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Estatística, 1936.
Jornal Tribuna Popular. Edição n. 25: Manaus, 1933.
Bibliografia:
Registro dos partidos no TRE/AM. In: Diário Oficial do Amazonas: Manaus, 10/10/1934.
COSTA, Maria das Graças Pinheiro. O Direito à Educação no Amazonas (1933-1935),
Tese(Doutorado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP, São Paulo,SP,
2001.
GIANNOTTI, Vito.História das Lutas dos Trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad
X, 2007, p.68
GOMES, Ângela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo – 3ª. Ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005, p. 156 a 161.
PARANHOS, Adalberto. O Roubo da Fala: Origens da ideologia do trabalhismo no Brasil.
2ª. Edição. São Paulo: Boitempo: 2007
MAIA, Álvaro. Na Vanguarda da RetaguardaAmazonas. Departamento estadual de imprensa
e propaganda, 1943, p.70.
MAIA, Álvaro Botelho. Imperialismo e separatismo. Manaus: Armazéns Palácio Real, 1926.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte – A Cidade sobre os Ombros – A cidade sobre os ombros:
trabalho e conflito no Porto de Manaus (1899-1925) – Manaus: EDUA, 1999
SANTOS, Eloína Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. 2ª. Ed. Manaus, Gráfica
Lorena: 1989.
SANTOS, Eloína Monteiro. Álvaro Maia, Uma Liderança Política Cabocla. Manaus: Editora
da Universidade do Amazonas, 1997, p. 37 – 39.
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*
Arquiteta e Urbanista, mestranda em História PPGH-UFAM.
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Vila Ninita Av. Sete de Setembro ao lado Palácio Rio Alterado Secretária de Cultura do
Negro Amazonas -SEC
Vila Rezende Rua. Alexandre Amorim nº 193 16 casas Residencial
Tabela 1 - Vilas localizadas no Centro Antigo tombadas pela legislação municipal. Fonte: Anexos I e II
do Decreto nº7176 de 10 de fevereiro de 2004 – Prefeitura Municipal de Manaus.
Quanto à Legislação Estadual, temos a Lei no. 1582 de 26/05/1982, que dispõe sobre o
patrimônio histórico e artístico do Estado do Amazonas e os respectivos decretos pelos quais
foram tombados 30 imóveis.
Vila
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Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
Trazer à luz a discussão das Vilas de Casas enquanto Patrimônio histórico vai nos
levar a buscar algumas definições e fazer algumas indagações. Para Francoise Choay
(CHOAY,2006, p.12), “o culto que se rende hoje ao patrimônio histórico, deve merecer mais
do que uma simples aprovação”. Requer um questionamento porque “constitui um elemento
revelador de uma sociedade e das questões que ela encerra”. Sendo assim, entre a
incomensurável abrangência do conceito de patrimônio, para este estudo, apropria-se como
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categoria exemplar, aquele que relaciona mais diretamente vida cotidiana de todos: o
patrimônio histórico é a herança edificadaque tem como destino e função dar abrigo ao
indivíduo e sua família – a habitação familiar (casa) “domus”, compreendendo o caráter
construtivo desse espaço que se estende do privado ao público.
Nessa perspectiva, o patrimônio histórico não pode ser compreendido como algo
hermético e limitado aos prédios dotados expressão monumental. São lugares dotados de
sentidos e significados e refletem as mudanças das sociedades que podem nos expressar e
contar algo que precisamos continuar a lembrar: nossa identidade.Nas palavras de Maria
Elaine Kohlsforf:
no tempo, podemos lançar um olhar mais crítico sobre a produção do espaço urbano manauara
em 1900, no que tange à arquitetura e seus significados, na reflexão de Leandro Tocantins:
Se a arquitetura é o símbolo mais visível de uma sociedade, a fisionomia urbana de
Manaus reflete bem o espirito da sociedade que floresceu em fins do século passado e
princípios do atual. Não se trata de uma frase, ou simples generalização sociológica. A
arquitetura de Manaus – arquitetura mais antiga – exprime uma atitude emocional e
estética da burguesia enriquecida pelo comércio :(TOCANTINS, 1972, p.265):
A cidade ocultada e revelada por Edinea Mascarenhas Dias (DIAS, 2007, p.122)
evidencia-se nas práticas e regulamentações contidas nos no códigos de posturas municipais,
“a preocupação em livrar a cidade dos elementos nocivos à saúde, à ordem e aos bons
costumes, ao mesmo tempo em que definem o espaço da cidade em seus mais diferentes
níveis econômicos, social e cultural”. A negação da realidade física do território busca a todo
custo construir uma imagem de cidade civilizada, materializada nas intervenções urbanas de
embelezamento fundamentadas no padrão e representação simbólica de ostentação da riqueza
do ideal burguês, em contraponto a sua própria geografia, desprezando a paisagem e harmonia
natural do lugar.
As normas continham as disposições gerais e detalhamentos sobre como construir as
habitações dentro do padrão desejável e sujeitavam a construção ao licenciamento por parte
do órgão público competente, além de um conteúdo extremamente moralizante que pretendia
impor um tipo de comportamento ideal. A aplicação dessas e o rigoroso controle no perímetro
urbano excluiu parte da população que crescia na cidade, mas não se enquadrava nas
possibilidades e conceitos da cidade dentro da visão burguesa de uma cidade ideal. Assim
sendo, iniciou-se um processo de segregação e exclusão espacial dos mais pobres para áreas a
beira dos igarapés da Cachoerinha (Educandos) e Igarapé da Cachoeira Grande (São
Raimundo), que ficavam fora do perímetro regulamentado, atravessando os igarapés para
acessar a cidade e local de trabalho através dos serviços das catraieiros.
Fica evidente que o discurso disciplinador das Posturas Municipais de Manaus sobre o
controle do corpo era preceito básico organizado em um sistema de regras e punições rígidas.
A estratégia do processo civilizador visava fazer da punição e da repressão das ilegalidades
uma função regular no cotidiano e de responsabilidade e aprovação por parte da sociedade,
fazendo do infrator um inimigo comum, lembrando as reflexões de Michel Foucault, sobre a
mecânica da disciplina é exercida pelo poder:
As sociedades modernas, a partir do século XIX, até os nossos dias, de um lado a
legislação, um discurso, uma organização do direito público articulados em torno do
princípio da soberania do corpo social e da delegação, por cada qual, de sua soberania
de Estado; e depois temos, ao mesmo tempo, uma trama cerrada de coerções
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disciplinares que garante, de fato, a coesão desse mesmo corpo social. (FOUCAULT,
1999, p. 44).
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Passa o tempo, a cidade avança rapidamente em direção aos “fundos”, a classe média
alta se afugenta nos afastados e “blindados” condomínios e a vida nas vilas do Centro
continua, se não a mesma, mas a passos lentos em todos os sentidos. A convivência
segue tão pacata e as reformas dos prédios tão esquecidas que tem-se a impressão de
que a modernidade insiste em não entrar nas estreitas vielas cercadas de casas. (...)
Somente nesses pequenos conjuntos é possível manter alguns dos velhos costumes
que a violência urbana se encarregou de “arquivar”. Em algumas vilas ainda é
possível, por exemplo, colocar a cadeira na porta de casa e “bater papo” com a
vizinhança, afinal, vizinhos desconhecidos é coisa de condomínio e prédio de
apartamentos. (BRILHANTE, 2016)
Um dos moradores, o vendedor de churrasco Evandro Celestino Cruz, era morador dos
apartamentos do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim) do
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Igarapé do 40, mas preferiu alugar uma das casas na Vila Georgete pelo valor de R$ 800,00
pelo motivo da proximidade com o lugar onde comercializa seu produto. Celestino fez o
seguinte comentário ao repórter: “Além da gente conversar com todo mundo, a criançada
pode brincar a vontade. A gente fica despreocupado, principalmente porque sabe que aqui as
crianças não correm risco de acidente de trânsito. Que bom se essa tranquilidade fosse em
toda a cidade, como era antigamente”. (BRILHANTE, 2016).
Outro morador, o eletrotécnico João Bonfim, disse que “foi um “achado” encontrar a
irmã de criação morando numa das vilas do Centro”. Como era inquilino no igarapé do 40,
não teve direito a apartamento do Prosamim. Hoje divide o aluguel de uma das casas com a
irmã e não quer outra vida. “Não tenho problema de ônibus, vou a pé para o trabalho, os
meninos podem brincar à vontade, enfim, parece vida de antigamente”.
De acordo com Mario Ypiranga Monteiro, a Vila Georgette, na rua Lauro Cavalcante,
é uma das mais antigas vilas que se tem notícia em Manaus; a implantação se de modo muito
peculiar e racionalmente organizada: são quatro casas maiores na fachada de frente para rua
na face da quadra, cuja fachada é revestida de “tijolinhos polidos”, herança típica da
arquitetura portuguesa. Um portão de ferro com pórtico em arco tem o nome da vila e abre
para o via privativa de casas alinhadas ao lado esquerdo, contendo 16 casas geminadas em
gosto eclético, com platibanda e bordas nas portas e janelas.
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Na rua do Dr. Lauro Cavalcanti ainda existe a “Avenida Georgette”, arruado de casas
do lado esquerdo, boas casas dotadas de porão habitável e de espaço econômico
sofrível. É uma das mais “velhas” de que se tem notícia em Manaus. No porão da
última casa funcionava o jornal “Vanguarda”, do Sr. Jacy Zany, em que me fiz
jornalista ali pelas calendas 1927. À entrada dessa “avenida” existem casas de fachada
de tijolinhos polidos, produto daquele ciclo dos azulejos, e numa delas residiu o
professor de língua portuguesa Dr. Encarnação. Como ele era de espirito
tradicionalista, além de conservar o sotaque luso, e somente ler obras produzidas em
Portugal, os tijolinhos da fachada continuam respeitando-lhe a idiossincrasia, e a
excelente biblioteca não foi extraviada. (MONTEIRO, 2006: 87).
Um dado a acrescentar sobre a proteção existente sobre esse bem imóvel, reconhecido
pelas pessoas e pelo poder público municipal como patrimônio a preservar, foi que a
poligonal de proteção delimitada pelo IPHAN excluiu ou deixou de incluir,
inexplicavelmente, a quadra onde a Vila Georgette está inserida, como pode ser verificado no
mapa 1.
Referências Bibliográficas
DAOU, Ana Maria. A Belle Époque Amazônica. Rio de janeiro: Jorge Zahar.2004.
DIAS, Edineia Mascarenhas. A Ilusão do Fausto – Manaus 1890-1920. Manaus: Ed. Valer,
2007.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da Sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São
Paulo. Martins Fontes, 1999.
KOLSDORF, M. E. “A apreensão da forma da cidade”. Brasília. UnB, 1996.
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Ed. Unicamp, 2003
MESQUITA, O. Manaus - História e Arquitetura (1852-1910) Manaus: Ed. Valer. 2006.
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MESQUITA, O. La Belle Vitrine: Manaus entre dois tempos (1880-1900). Manaus: Ed.
UFAM. 2009
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Arquitetura: Tratado sobre a evolução do prédio amazonense.
Manaus: EDUA, 2006
SAMPAIO, Patrícia Melo. Posturas Municipais Amazonas (1838-1967).Organização de
Patrícia Melo Sampaio. Manaus. EDUA, 2016.
TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia.
Rio de Janeiro: 4ª Edição. Companhia Editora Americana, 1972.
Documentos Oficiais
GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS – Lei nº 1528 de 26 de maio de 1982 – D.O.A.
de 26/05/1982.
PREFEITURA MUNICIPAL DE MANAUS – Decreto nº 7176, de 10 de fevereiro de 2004 –
publicado no D.O.M. nº 938 de 11/02/04
PREFEITURA MUNICIPAL DE MANAUS – Plano Diretor e Ambiental da Cidade de
Manaus – Lei Complementar nº 002, de 16 de janeiro de 2014 – D.O.M. de 16/02/2014
PREFEITURA MUNICIPAL DE MANAUS – Lei Orgânica do Município de Manaus de 05
de abril de 1990.
IPHAN – Dossiê do Tombamento do Centro Histórico de Manaus - DEPAM/IPHAN – 2010
Jornais na Internet
DIAS, Mônica; SOUAZ, Marina. Incêndio destrói sete casas em vila histórica no Centro de
Manaus. G1. Disponível em:
<http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/08/incendio-destroi-sete-casas-em-vila-no-
centro-de-manaus.htm> Acesso em: 09/11/2016.
BRILHANTE, Nelson. Charme das Vilas: pacato estilo de vida de quem mora nesses
Conjuntos. A Crítica-Uol. Disponível em:
<http://acritica.uol.com.br/noticias/Amazonas-Manaus-Cotidiano-preservacao-urbanismo-
Charme-vilas> Acesso em 11/07/2016.
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Introdução
Tal trabalho faz parte do projeto de pesquisa “Patrimônio documental no Amazonas:
história das instituições, acervos e práticas de arquivo”, coordenado pelo professor Me.
Leandro Coelho de Aguiar e vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e que tem por objetivo
ajudar na compreensão da concepção histórica e sociocultural do Museu Amazônico, que,
apesar de existir há 27 anos, ainda é pouco conhecido pela sociedade amazonense.
Pretende-se assim recuperar e organizar os registros da trajetória do Museu através da
visão dos homens e mulheres que por lá passaram. Dando vazão a duas vertentes, de um lado
o próprio papel dos diretores, que poderão contar a história a partir de seu ponto de vista, e de
outro lado, tentar remontar as ações dos mesmos e como contribuíram na construção da
história do Museu. Acredita-se que as entrevistas com os ex-diretores vêm assim ajudar na
consolidação da identidade histórica do Museu.
O Museu Amazônico busca se inserir na sociedade amazonense como um dos locusde
construção de uma identidade do homem amazônico, numa concepção histórica e
sociocultural das diversas identidades presentes na formação da Amazônia, entretanto a
mesma ainda carece de uma consolidação da própria identidade. A falta de um certo
autoconhecimento da própria memória não é exclusividade do Museu Amazônico, e por isso
que em 2017 o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) utilizou dois de seus eventos
principais para buscar construir e consolidar tais memórias. A 15º Semana Nacional dos
Museus, com a temática “Museus e história controversas: dizer o indizível nos museus”, que
veio propor o diálogo sobre a construção das histórias contadas nos museus e a forma como
tais histórias são expostas, e a 11º Primavera dos Museus, com a temática “Museus e suas
memórias”, que buscou refletir a partir da memória da própria instituição, levando em
consideração o processo de transformação que sofreram impacto dentro das instituições, e as
mudanças sofridas, a partir desta perspectiva.
*
Graduanda do curso de Arquivologia da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. E-mail:
anaestela.ufam@gmail.com
**
Professor coordenador do projeto. Professor da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade
Federal do Amazonas..
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- Fundo J G Araújo
- (Sub-Fundo) Vila Amazônica
- Fundo Silvino Simões Santos Silva (fotografo oficial do J G Araújo)
- Fundo Amazônia Colonial
- Fundo SPI Funai (Serviço de Proteção ao Índio)
- Fundo da Faculdade de Direito da UFAM
- Fundo Thiago de Mello
- Fundo Administrativo do Museu Amazônico
- Fundo diversos avulsos da província, municípios e estado do Amazonas
- Fundo fotos Manaus Antiga
- Fundo da Escola de Serviço Social da UFAM
- Fundo fotografias da UFAM (ASCOM).
Visto que o Museu não guarda apenas peças tradicionalmente museológicas, mas,
como já apresentado aqui, também fundos documentais arquivísticos, cabe ressaltar assim sua
importância na guarda e acesso de fontes e na própria pesquisa. Assim como, é notório que o
Museu Amazônico possibilitou uma relação para além da pesquisa, de publicações de artigos
e integração apenas com a comunidade da UFAM, mas também fora dela, na medida em que
tenta organizar os fundos documentais tornando-os acessíveis à sociedade de forma geral.
Mas pensar tais mudanças da própria concepção e ação do Museu, consiste em pensar
também as mudanças que a própria sociedade passou, e é através da história oral junto de seus
atores sociais que pretendemos identificar tais momentos. A história oral, como uma das
técnicas advindas da História, será a coadjuvante no levantamento de informações de
funcionários e ex-funcionários para reconstruir talhistória administrativa e a memória
institucional.
Um importante trabalho que discute o uso da história oral como recurso metodológico
na prática arquivista, Sousa (2008) apresenta a técnica da história oral como uma das opções
para o fazer arquivístico, no âmbito da gestão documental. A classificação vista como função
arquivística, não identifica o seu produtor dentro da instituição, daí a necessidade do
arquivista recorrer à pesquisa de atos constitutivos das instituições, de atas de reunião e os
documentos de direção do qual faz-se uso para obter informações concretas, que vão
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consolidar o arranjo documental, que ocorre quando o documento se encontra em sua fase
permanente, onde os sub-fundos precisam ser identificados. Assim sendo, para o autor,
[…] apesar da história oral ser mais do que uma preenchedora de lacunas, ou seja,
construtora de registros escritos, onde não existia, ela tem se construído em uma
ferramenta importante, pois pode fornecer algo que os textos legais não conseguem:
a realidade concreta das instituições a partir de entrevistas com os sujeitos daquelas,
ou seja, os seus funcionários. (SOUSA, 2008, p. 25)
[...] acreditar-se que ela é uma "frente pioneira" da pesquisa histórica e um dos
campos em que se opera a sua renovação, como ignorar os múltiplos impulsos, os
incentivos e os exemplos que ela encontrou fora dela, a ponto mesmo de alguns se
perguntam se a história oral não deveria parte do seu sucesso ao fato de ter sabido
adaptar à história do tempo presente as problemáticas e os métodos desenvolvidos
pelo que ainda há pouco chamávamos de "nova história"? (AMADO; FERREIRA,
2006, p.6)
As entrevistas pautadas na metodologia da história oral são tomadas como fontes para
a compreensão do passado, ao lado de documentos escritos, imagens e outros tipos de
registro. Mas outro ponto relevante é a sua caracterização, por serem produzidas a partir de
um estímulo o pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas direcionadas sobre fatos
ou conjunturas, que se quer investigar.
Além disso, faz parte de todo um conjunto de documentos de tipo biográfico, ao lado
de memórias e autobiografias, que permitem compreender como indivíduos experimentam e
interpretam acontecimentos, situações e modos de vida de um grupo ou da sociedade em geral
e, neste caso do Museu Amazônico.
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Então, como criar essa relação da história oral com a memória de uma instituição? A
árdua tarefa de conceituar memória nos remete a reconstrução de experiências que buscamos
captar de um tempo passado. E é a partir das transformações que percebemos as inovações
ocorridas dentro da sociedade, atribuindo impressões vividas e com representatividade no
presente.
Segundo Castro (2008, p. 18):
É importante perceber que a memória – quer em sua dimensão pessoal, quer social –
não é o registro de tudo o que se passou. A memória é seletiva e envolve uma
escolha, mais ou menos consciente, entre o que deve ser esquecido e o que deve ser
lembrado. É impossível preservar, física e mentalmente, todo o passado. Um conto
de Jorge Luis Borges, “Funes, o memorioso”, ilustra bem este ponto.(CASTRO;
2008, p. 18)
Após o levantamento dos nomes dos ex-diretores junto do próprio Museu, foi
realizada a pesquisa acerca de quem eram esses ex-diretores, qual área de atuação e qual
cargo dentro da UFAM. Tais pesquisas foram realizadas pela internet através da Plataforma
Lattes, no site da própria unidade a qual pertencem (ou pertenciam), assim como pelo site de
busca do Google.
O museu como espaço expositivo foi criado para sociedade abrindo possibilidades e
desconstruindo paradigmas dando ressignificância às peças documentais que o cercam.
Acerca do papel social do Museu,segundo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura), em sua Recomendação de 20 de novembro de 2015:
Os museus são cada vez mais vistos, em todos os países, como tendo um papel
chave na sociedade e como fator de promoção à integração e coesão social. Neste
sentido, podem ajudar as comunidades a enfrentar mudanças profundas na
sociedade, incluindo aquelas que levam ao crescimento da desigualdade e à quebra
de laços sociais.(UNESCO, 2015)
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Por certo, contextualizar a tarefa do Museu, que já nasce histórico, não é fácil, haja
vista ser necessário fazer uma relação com a formação, consolidação e reinterpretação das
identidades sociais e culturais do momento vivido. Com efeito, o público visitante do Museu,
busca não somente uma distração, mas uma forma de aprender um pouco mais sobre si
mesmo, trocando experiências e criando um sentimento de pertencimento cultural.
Além disso, os museus são segundo o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM),
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Tal ideia fica mais clara com a publicação da Constituição Federal de 1988, em seu
Artigo n° 216, que embasa o conceito de fato e atribui a esfera pública competência para gerir
tais documentos:
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Cabe ressaltar que a designação do atual diretor rompe com a tradição de docentes na
direção do Museu Amazônico, sendo ele o primeiro servidor técnico da UFAM lotado no
Museu Amazônico a exercer o cargo de diretor, sendo também, o único com alguma
aproximação com a Arquivologia a administrar o Museu, tendo em vista que possui
especialização em arquivos e documentação pelo Instituto de Estudos Brasileiros da
Universidade de São Paulo (USP). Antes de exercer o cargo de diretor do Museu, o mesmo
foi durante muito tempo o diretor da Divisão de Pesquisa e Documentação Histórica do
mesmo Museu, coordenando principalmente os projetos de organização arquivística do
Acervo Empresarial J. G. Araújo (1789 - 1984) e do Arquivo manuscrito dos documentos dos
séculos XVII e XVIII referentes à Amazônia Colonial.
Ademais, cabe ressaltar que todos os Diretores que por lá passaram, contribuíram de
alguma forma para o desenvolvimento do Museu, mas com a difusão perante a sociedade, e a
construção do lugar de memória. Relacionar história com memória não é algo simples de se
fazer, por isso chamamos atenção para a área de formação de todos os ex-diretores e o atual.
Podemos observar no Gráfico 1, desde sua fundação o Museu foi administrado,
principalmente por historiadores, assim como por antropólogos. Uma questão interessante é
observar que os primeiros diretores foram todos historiadores, tendência que mudou nas
últimos três ex-diretores, que eram antropólogos, sendo que o Sérgio Ivan Braga, tinha
graduação em História, mas doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São
Paulo.
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Tendo concluído o levantamento acerca dos nomes dos diretores, foi possível conhecer
um pouco mais sobre esses profissionais que ajudaram na construção da História do Museu,
por certo torna-se relevante conhecer um pouco mais, sobre a área de atuação e o cargo que
ocupavam dentro da UFAM para entendermos o que de fato influenciou o desenvolvimento
dos trabalhos no Museu, para assim tentarmos contextualizar o que motivou tais ações.
No Gráfico 2, é possível observamos que os diretores do Museu, em sua maioria,
foram provenientes do Departamento de História (5), seguidos pelos professores do Programa
de Pós-graduação de Antropologia Social – PPGAS (2) e o atual diretor que, como já foi
mencionado acima, é o primeiro servidor técnico da UFAM como diretor do Museu.
Tais informação observada nos Gráficos 1 e 2 nos remete a uma questão norteadora
dentro do projeto. Até que ponto a mudança no perfil dos diretores ao longo de sua existência
influenciou nas ações e no entendimento acerca do papel do Museu Amazônico? Assim como,
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Considerações finais
O Patrimônio Documental não é apenas algo que foi guardado ou um objeto antigo,
ele conta a história de um povo e demonstra de forma concreta a criação da identidade, o
Museu Amazônico buscou resgatar essa história, preservando os documentos dos fundos
documentais já apresentados. A significância desses documentos, materiais, registros escritos,
coleções de fotografias e obras de arte, demonstra que o Museu cumpre seu papel diante da
sociedade amazonense, construindo assim um “Lugar de Memória” onde podemos realizar
pesquisas e dar significado a história do homem amazônico.
Contar a história oral Museu Amazônico é um privilégio, pois os depoimentos
coletados ajudarão na compreensão do passado do Museu, fazendo com que o Museu tenha
sua história contada por aqueles que o ajudaram a construí-la.
Preservar essa memória expõe também o fato de que, de certa forma, houve o
amadurecimento do pesquisador e da própria instituição que buscou valorizar o esforço das
pessoas que contribuíram com ações de valorização do povo que habitou a região, em
períodos diferenciados, guardando documentos que servissem como prova dos
acontecimentos ocorridos à época. De sorte que hoje contamos com tais documentos, para
embasamento de pesquisas nos mais diversos ramos do conhecimento, o que proporcionou a
solidificação da pesquisa sobre o homem amazônico.
Referência
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de
1998 / obra de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo
Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 38a ed. Atual. – São Paulo:
Saraiva, 2006.BOOTH, W.; COLOMB, G.; WILLIAMS, J. A arte da pesquisa. 2000. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
BURGER, Ednéia Regina; VITURI, Renée Coura Ivo. Metodologia de pesquisa em ciências
humanas e sociais: história de vida como estratégia e história oral como técnica: algumas
reflexões.
CASTRO, Celso. Pesquisando em arquivos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008.
INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. XI Primavera dos Museus. 2017.
JARDIM, José Maria. A invenção da memória nos arquivos públicos. Ciência da Informação.
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Brasília, v. 25, n. 2. p. 1-13,
1995.
LEGOFF, J. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1990.
RODRIGUES, Georgete Medleg. Construindo um objeto de pesquisa em Arquivologia:
algumas reflexões. Informação Arquivística, v. 1, n. 1, p. 69-90, jul./dez. 2012
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A igreja católica foi muito presente e atuante desde a chegada dos primeiros
colonizadores nas terras que viriam a ser denominadas como Brasil, o que ocorrera no século
XVI. Ao decorrer do tempo, essa presença se estendeu por todo território nacional, exercendo
influências diversas sobre a população.
De acordo com o autor Fábio Gumieiro (2013), o primeiro registro de um católico no
território que viria a ser o Brasil data da chegada dos portugueses em 22 de abril de 1500,
quando o frei Henrique de Coimbra, pertencente a ordem dos franciscanos celebrou a primeira
missa onde hoje é o estado da Bahia. Porém, a primeira ordem religiosa – que são instituições
internas da igreja Católica, as quais desenvolvem um modelo próprio para seguir e propagar o
cristianismo - a desembarcar no Brasil de maneira organizada e permanente foram os
Jesuítas10, em 1549, os quais eram a ordem oficial de Portugal e tinham a função de propagar
o cristianismo em todos os territórios “conquistados” pelos portugueses, os membros da
companhia de Jesus obtiveram uma exclusividade oficial nesse território até 1580. A união
entre as coroas de Portugal e Espanha entre os anos de 1580 a 1564 possibilitou que a
exclusividade com a companhia de Jesus fosse quebrada e entre os séculos XVI e XVII,
foram chegando outras ordens religiosas organizadas. É importante ressaltar que os membros
dessas ordens religiosas eram intrinsicamente ligados ao aculturamento dos indígenas, assim
como com o surgimento de aldeamentos, cidades e fundações de escolas em todo o território
colonial. Guimeiro quando ao se referir aos jesuítas ainda nos primeiros séculos de ocupação
portuguesa cita:
Sua participação foi crucial para a formação e organização das cidades de Salvador,
Rio de Janeiro, São Vicente, entre outras, pois mesmo com um número de padres
considerável,ainda era insuficiente para catequizar tanta gente, assim surgiram os
aldeamentos, pois estando os indígenas em um mesmo local, eles poderiam
catequizar vários indivíduos ao mesmo tempo.
Das diversas atividades desenvolvidas pelosmembros da Companhia de Jesus no
Brasil Colônia, uma das mais importantes, sem dúvida estava diretamente ligada ao
campo educacional.
(GUIMERO, 2013, pp. 66 - 67)
A área, que até então pertencia ao estado do Amazonas, ficou sob domínio religioso
da Ordem dos carmelitas, os quais chegaram a essa região em 1725, depois de um longo
período - entre 1693 até 1725 - esse âmbito passou a estar sob a influência religiosa dos
monges beneditinos11, que chegaram aqui em 1909 e a partir de 1948, após a expulsão dos
beneditinos, os Missionários da Consolata12 passaram a estar à frente dos trabalhos religiosos
dessa localidade. Segundo a autora Mary Mwangi (2015), a organização religiosa a consolata,
originária da Itália, possuía uma determinada diversificação para que pudesse atender as
necessidades dos brasileiros fazendo com que a diocese seguisse um catolicismo tradicional,
onde centralizavam-se suas atividades na catequização de nativos e locais, educação e
trabalhos sociais.
O trabalho desenvolvido, era, também, uma forma de combate ao protestantismo, sendo
estimulados pelas autoridades eclesiásticas a abrirem escolas.13 Podemos citar, em Boa Vista
a escola São José e posteriormente a escola Euclides da Cunha, quais eram regidas pela igreja
católica seguindo os dogmas religiosos.
11
Ordem religiosa italiana fundada na idade média, em 529 d.c, que privilegia a autonomia de suas congregações.
12
Fundada pelo padre italiano José Alamano. Em 1901 foi criado um instituto de missões para membros do sexo
masculino, alguns anos depois, em 1910, se deu origem a um instituto de missões para irmãs, a partir de então as
missões passaram a percorrer países de todo o mundo.
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Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
Perante isso, era mais propício a elas desenvolverem trabalhos sociais. Apesar da
falta de domínio e conhecimento da língua e costumes nativos, Mwangi (2015) ressalta que,
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de acordo com os princípios católicos, elas cumpriram suas atividades voltadas ao público
com excelência.
A primeira residência (foto 02) das missionárias da consolata se encontrava, como
cita a autora Mary Mwangi (2015, p. 64), se encontrava anexa ao hospital Nossa Senhora de
Fátima. Tratava-se de uma localidade estratégica, pois se situava no centro da cidade e
próximo as áreas onde elas iriam atuar – ao lado da igreja matriz, de fundo com o hospital
nossa Senhora de Fátima e ao lado do Colégio católico São José e aproximo a outro colégio,
Euclides da Cunha – inaugurado em 1949.
Segundo informações cedidas pela Ir. Leda14 em entrevista – membra da ordem das
consolatas – devido à proximidade da casa com o que é denominado atualmente como bairro
Caetano Filho, as membras realizavam diversos trabalhos com pedintes, alcoólatras e
prostitutas.
Ainda utilizando o relato desta irmã - que apesar de ter chegado aqui em 1974
conviveu diretamente com as irmãs que atuavam nesta região desde 1949 – havia uma sala
específica para atender essas mulheres, para realização de exames e conversas com religiosas.
Além disso, era oferecido a elas “apoio espiritual”, muitas dessas jovens chegavam a
passar alguns meses convivendo com as religiosas, porém tinham plena liberdade para sair a
qualquer momento que desejassem.
A educação era uma forte aliada para os desejos católicos. Cabe ressaltar, que um
dos principais motivos para as missões era uma tentativa de “combate ao protestantismo”,
tendo em vista que os primeiros cristãos protestantes chegaram a essa região ainda nas
primeiras décadas do século XX.
Os religiosos católicos comandavam duas instituições educacionais da época –
Colégio São José e Ginásio Euclides da Cunha - na cidade de Boa Vista, localizada no
território do Rio Branco.
O colégio São José foi oficialmente fundado em outubro de 1924, porém, de acordo
com pesquisas, funcionava desde 1922, desde o ano de sua inauguração até o ano de 1948 foi
dirigido pelas irmãs beneditinas, porém a partir da chegada das irmãs da consolata, por meio
da Ir. Piergiulina Conti, passou ao comando das mesmas, a partir do ano de 1949.
14
Membra atuante da ordem das Consolatas, a qual chegou no sul do Brasil na década de 1930 e em 1974
chegou a Roraima para dar continuidade ao seu trabalho.
68
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REFERÊNCIAS
A ORDEM DE SÃO BENTO. Disponível em: <https://www.msbento.org.br/beneditinos>.
Acessado em: 10 de janeiro de 2018
Conheça José Allamano.Disponível em: <http://imc.consolata.org.br/conheca-jose-allamano-
2/> Acessado em: 10 de janeiro de 2018
GUMIEIRO, Fábio.As ordens religiosas e a construção sócio-política no Brasil: Colônia e
Império. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 46, p. 63-78, Curitiba, 2013.
MAWANGI, Mary Agnes Njeri. As Missionárias da consolata na Amazônia brasileira:
1949-2011. 1a ed. Goiânia: Gráfica e Editora América, 2015.
OLIVEIRA, Helysson Silva de. As ordens religiosas na Amazônia: Os missionários
beneditinos e os conflitos políticos no vale do Rio Branco (1840-1948). 2017. 62f,
Monografia. Boa Vista, 2017.
Por que existem tantas ordens religiosas na Igreja?. Disponível em:
<https://pt.aleteia.org/2013/04/26/por-que-existem-tantas-ordens-religiosas-na-igreja/>
Acesso em: 20 de janeiro de 2018.
SANTILI, Paulo. Política e Ritual:a faina missionária beneditina entre os Makuxi no Vale do
Rio Branco.São Paulo, Unesp, v. 10, n. 2, p. 35-61, julho-dezembro, 2014.
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[...] falar dos “índios de Manaus” torna-se altamente pretensioso e impreciso; algo
assim como falar dos “latino-americanos”, considerando que o México e a Bolívia, a
Venezuela ou o Chile são uma única e mesma coisa; ou falar dos “africanos”,
desconhecendo as par9ticularidades de nações e de povos nesse vasto continente.
Essa pretensão só revela profunda ignorância e, quando não, um cinismo político do
qual é preferível precaver-se. Em Manaus, tivemos a oportunidade de encontrar
índios Apurinã, Arapaso, Baré, Baniwa, Dessana, Kokama, Macuchi, Mundurucu,
Mura, Pira-Tapuya, Saterê-Mawé, Siriano, Tariano, Ticuna, Tukano, Tuyuca e
Yanomami. Povos diferentes pelas línguas, histórias, tradições, formas de
organização, territórios e interesses. (BERNAL, 2009, p. 28 grifos meus)
Esse artigo é uma versão modificada de um item do capítulo terceiro de minha Dissertação de Mestrado em
História Social intitulada: Manáos uma Aldeia que virou Paris: Saberes e Fazeres Indígenas na Belle époque
Baré 1845-1910, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas –
PPGH/UFAM, em 2016.
Licenciado em História (UNINORTE, 2013) Licenciado em Geografia (UEA, 2017).Especialista em Gestão e
Produção Cultural (UEA, 2018). Mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Amazonas – PGH/UFAM. Atualmente, é professor Formador do Plano Nacional de
Formação de Professores da Educação Básica PARFOR/CAPES, locado na Universidade do Estado do
Amazonas, no Curso de História. E-mail: brunomirandahistor@hotmail.com.
15
Embora no sentido coerente dos termos, entendemos que êxodo rural se refere a transferência de populações
do meio rural para a cidade em busca de melhores condições. É algo pessoal e escolha livre. A migração
compulsória é aquela que cidadãos são obrigados a se transferirem para outras regiões por questões políticas,
naturais e/ou econômicas. A nosso ver, a vinda dos indígenas para Manaus nesse período, foi um êxodo rural
pois estes foram retirados de suas regiões originarias, mas houve uma obrigatoriedade, muitos foram trazidos
para a cidade para serem mão de obra. Enfim, o que pretendemos apresentar é que de fato, muitos indígenas
foram trazidos a cidade em grande escala contra sua vontade.
70
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Se nos dias atuais fazer essa distinção é difícil e gera uma ampla discussão de
etnogênese, no oitocentos a dificuldade se amplia à medida que quem se diferenciava dos
“civilizados”, era índio! Assim, entendemos que:
Dinâmicas migratórias e tipos de estabelecimentos diferentes marcam o percurso de
cada uma dessas comunidades. Determinados grupos indígenas contam às vezes
mais de três gerações de vida urbana, outros chegaram recentemente. Uns vieram
buscar trabalhar como domésticos. Outros emigraram por motivos de insegurança
nas suas regiões de origem ou seduzidos pelos encantamentos dos “civilizados”.
Outros, ainda, se instalaram recentemente enquanto representantes de organizações
étnicas. (IDEM, p. 29)
Portanto, é nessa vinda a cidade que centraremos as poucas fontes disponíveis que
apontam para os menores, para aqueles que estevam aqui, silenciados por diversos lados, e
por sua pequenez, estavam sempre na tutela ou domínio de outrem. Falar das crianças
indígenas em Manáos durante o decurso do oitocentos, evoca uma discussão amplamente
sentimental pois visualizamos situações nas quais os menores foram hostilizados, feridos de
uma maneira violenta e desprezível, como se fossem algo não humano ou vivo.
Muitos meninos foram trazidos, arrancados de suas aldeias afim de serem educados no
Instituto dos Educandos Artífices, esses meninos vinham de diferentes localidades, de
diferentes populações indígenas das diferentes regiões dos rios que circuncidam a cidade e a
Amazônia.
Ser criança na cidade de Manáos nesse período significava, ser preparado para exercer
trabalho. A legislação do Império do Brasil regulamentava que o trabalho era a forma mais
pedagógica e eficiente que existira. Assim,
Arriscamos em afirmar que a regulamentação das vidas das crianças no Brasil, entre
meados do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, teve caráter
educativo-preventivo e corretivo. Chamamos de leis de caráter educativo-preventiva
as leis voltadas para criação de asilos, casas de recolhimentos e escolas internatos
para crianças. Aos asilos eram encaminhados os meninos menores de 12 anos que
viviam na mendicância, assim estabelecia um dos artigos do Decreto de 17 de
fevereiro de 1854. Segundo tal decreto, enquanto as casas de asilo não haviam sido
criadas, os meninos seriam entregues ao pároco ou a professores que, através de um
pagamento mensal do governo, garantiriam sua manutenção e instrução. (PESSOA,
2010, p. 50)
A autora acima citada mostra-nos que as crianças, no Brasil do fim do XIX, careciam
de uma boa formação para possuírem um doutrinamento educativo e corretivo, para não
caírem na mendicância, nem no meio dos desvalidos. Certamente, quando se tratava de
menores indígenas essas assertivas se duplicavam, pois, ser indígena ou descendente de
indígenas já trazia uma carga de “preocupações” educativas e preparatórias para serem úteis
aos serviços da cidade. Concordamos ainda com Alba Barbosa (2010, p. 51) quando afirma
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[...]as crianças eram vistas como seres que necessitavam de auxílio. Não sendo
possível a família dar-lhes a devida assistência, caberia ao Governo garantir-lhes o
sustento e o ensino de um ofício. Tal postura era uma medida de prevenção para que
estas não viessem a cair na vadiagem que tanto era temida pela camada dirigente.
Uma questão que entra em choque é o próprio perfil da escola nesse momento. Antes
de uma função formativa e intelectual como concebemos hoje, a escola detinha mais um perfil
de conduzir, de preparar para uma determinada atuação, seja profissional seja social, no meio
da cidade. Para os meninos e meninas indígenas, essa prerrogativa se ampliava pois, ao
chegarem numa escola da cidade, não encontravam uma escola que se adequasse a suas
diferenças, porém, deviam se enquadrar nessa escola, posto que, se hoje a escola ainda não
está preparada para receber alunos indígenas, no período em que pesquisamos, estava menos
ainda, à medida que queria-se romper com os elementos da cultura indígena, conceituada
como “atrasada e hostil”, assim, não pensemos que a educação no final do oitocentos “acolhia
bem” como narram algumas fontes, os indígenas que nela ingressavam. Como sabemos,
Manáos possuía características de uma cidade bilíngue. Embora desde o período da Amazônia
Pombalina, a obrigatoriedade do uso da Língua Portuguesa se oficializara, pouquíssimo se fez
para torná-la generalizada, uma vez que a maior parte dos moradores da cidade ainda
preferiam o uso do Nheengatu, ou de suas línguas maternas.
16
EXPOSIÇÃO APRESENTADA ao Exmo. Sr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha, Presidente da
Província do Amazonas pelo 1º Vice-Presidente da mesma o exmo. Sr. Dr. Manoel Gomes Corrêa de Miranda
por ocasião de passar-lhe a administração da mesma Província. Manáos, 24 de novembro de 1860.
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17
RELATÓRIO APRESENTADO à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas na Primeira Sessão da 11ª
Legislatura no dia 25 de março de 1872 pelo Presidente da Província o Exmo. Sr. General Dr. José de Miranda
da Silva Reis. Manáos: Impresso na Typografia do Commercio do Amazonas, de Gregório José de Moraes,
1872, p.p. 248, 249. Acervo IGHA.
18
Idem, Loc. Cit.
19
EXPOSIÇÃO APRESENTADA à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas na Abertura da Primeira
Sessão da 17ª Legislatura em 25 de março de 1884, pelo Presidente Dr. Theodoreto Carlos de Faria Soutoo.
Manáos: Typ. do Amazonas de José Carneiro dos Santos, 1884. p.02. Acervo IGHA.
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asilar, das artes e ofícios eram essencialmente voltadas para dar esses menores “brutos”, um
contato com as regras do trato social e para estes não se perderem na mendicidade e na
vadiagem tão comuns no cotidiano citadino de então. Essas infâncias indígenas eram o
espelho da cidade, estavam sendo instruídas para não se perderem nos caminhos errôneos que
a cidade oferecia, e também para serem empregados a altura da elite, a altura daquilo que os
enriquecidos esperavam.
Em 1885, a diretora do Asilo a senhora Eulália Fernandes Rego Monteiro, informa em
seu relatório anexo, que os antecessores e o atual Presidente da Província fizeram valer que a
preferência de meninas no estabelecimento eram as desvalidas filhas de escravas e as filhas de
indígenas da Província do Amazonas.
O Asilo Orfanológico configurou-se não somente como assistencialista, mas o seu
caráter educacional pertenceu a sua origem. No Relatório do Amazonas de
25/03/1886, além do curso primário, o asilo foi considerado um “viveiro” de escolha
de professoras, pois nele funcionava o Curso Normal do sexo feminino, com aval do
novo Regulamento da Instrução Pública nº 56, de 17/03/1886. Nesse período, o asilo
funcionava na rua da Independência (atual Frei José dos Inocentes).
A análise de que as instituições assistenciais possuíam o caráter educacional [...] é
pertinente no caso do Asilo Orfanológico. Mais tarde, enquanto Instituto Benjamin
Constant, o Curso Infantil “Froebel” fora criado para o atendimento das crianças
pequenas. (MIKI, 2014, p. 146)
20
DECRETO Nº 11 de 26 de abril de 1892: Extingue o Asilo Orfanológico Elisa Souto, cria o Instituto
Benjamin Constant e dá regulamento ao mesmo. In: ESTADO DO AMAZONAS. Decretos, Leis e
Regulamentos colecionados na Administração do Exmo. Sr. Dr. Fileto Pires Ferreira. 1889 a 1896. TOMO IV –
1892. Manáos: Imprensa Oficial, 1897. Embora ainda se chame de Benjamin Constant, hoje o Instituto é
mantido pelo Governo Estadual e oferece cursos técnicos na área de informática pelo Centro de Educação
Tecnológica do Amazonas CETAM. Abrigou durante muito tempo uma escola que formava Normalistas, e a
posteriori uma escola de Ensino Médio regular da rede Estadual de ensino. Quanto ao edifício, após diversas
reformas e restauros, continua com os principais traços originais e se localiza no Centro de Manaus cito a
Avenida Ramos Ferreira, 991 CEP: 69010-120.
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Pela leitura das fontes referentes ao Instituto Benjamin Constant, percebemos que
neste, ao contrário do Asilo Orfanológico, existe uma ausência, não há diretamente uma
preferência pelas meninas indígenas. As fontes silenciam com relação as identidades étnicas
das educandas e como era formado seu alunato. Mas cremos que pela maior parte da
população de Manaus ser indígena ou tapuia, as alunas eram em sua maioria indígenas.
22
FALA COM QUE o Exmo. Sr. Dr. Alarico José Furtado, abriu a Sessão Extraordinária da Assembleia
Legislativa Provincial do Amazonas, em 27 de agosto de 1881. Manáos: Typ. do Amazonas de José Carneiro dos
Santos, 1882. Acervo IGHA.
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Alarico José finaliza dizendo que os custos com o menino indígena que estava
confiado aos cuidados do Vigário Geral correrão por conta da Presidência. Com o relato do
presidente verificamos que o tráfico, rapto e comércio de crianças indígenas na cidade não era
uma questão desconhecida, mas antes disso uma questão de leis e jurisprudência. Embora o
presidente afirme não ter conhecimento de outros casos da natureza, há uma diversidade de
fontes que apresentam bem esta questão.
Na quinta feira, 23 de fevereiro de 1893, o Diário de Manáos, famoso periódico que
circulava na cidade, num artigo bem expressivo, denunciava a situação que os órfãos e órfãs
indígenas estavam sujeitos, inclusive os que adentravam no Instituto Benjamin Constant, e
Estabelecimento dos Educandos Artífices:
Benefício a Civilização!
A título de Benefício à Civilização! Os primitivos exploradores das florestas do
Amazonas, ávidos de fortuna, devastavam os rios, assaltavam as malocas, atiravam
sobre os índios que se recusavam submeter-se, amarravam e amordaçavam os outros
a pretexto de chamá-los ao grêmio da civilização, como se tratasse de uma caçada de
homens!...
Violentados por essas nefandas expedições também denominadas – Descimentos de
índios - que tinha por único fim escraviza-los; depositavam-nos no Curral (Caicará
– em língua indígena) nome afrontoso que deram ao lugar ainda hoje infelizmente
conhecido no Rio Solimões. Ali como animais, os infelizes filhos das selvas eram
vendidos como escravos e flagelados de modo brutal!
As mães separadas dos filhos e uma grande parte de vida dizimadas pelos açoutes,
pela fome e miséria, tudo enfim era insuficiente para tocar aos brutais instintos dos
nossos expedicionários, que, como negros das costas da África, não se distanciavam.
O grito de aflição de tamanho barbarismo não deixou felizmente de ser acudidos
pela humanitária carta de Lei de 6 de junho de 1755 que aboliu semelhante comércio
até então legal e considerou os índios do Pará e Maranhão isentos da ociosa
escravidão.24
23
EXPOSIÇÃO com que o Ex-Presidente do Amazonas, exmo. Sr. Dr. Alarico José Furtado, passou a
administração da Província ao 2º Vice-Presidente, Exmo. Sr. Dr. Romualdo de Sousa Paes de Andrade. Manáos,
07 de março de 1882. Acervo IGHA.
24
JORNAL Diario de Manáos. Quinta feira, 23 de fevereiro de 1893. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/cache/2078703629512/I0002282-. Acesso em 03 de fevereiro de 2015, às
14:15.
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Com o paralelo realizado pelo redator do artigo, vemos que a situação do indígena na
cidade e nas demais localidade da Província era de um regime de semiescravidão, sofrendo o
índio diversas espoliações. O autor critica a postura das leis pois as mesmas pouco fizeram
para, de fato, auxiliar o indígena a se integrar na sociedade, mas era constante sua
escravização em meio públicos e particulares. Assim, na Província, os órfãos que eram aptos
para a “civilização”, acabavam sendo inseridos em outras práticas, contrarias inclusive a dita
civilização.
No Purus, Juruá, Madeira não ignoramos a maneira porque o pobre índio é tratado
pela faina dos regatões e extratores que os vendem a pretexto de que lhe são
devedores, (dividas que nunca saldam) arrancando-lhes os filhos com enganosas
promessas ou os trocam com futilidades.
Constantemente vemos com desgosto essas pobres crianças cobertas de farrapos nos
vapores que demandam aqueles rios conduzidos a semelhança de animais
domésticos (xerimbabos) como encomenda ora para esta capital e as mais vezes para
fora do Estado e mesmo do país, onde não mais voltam.
25
A Lei de 6 de julho de 1755, estabelecida pelo Marquês de Pombal, estabelecia entre outras coisas a garantia
de terras reservadas aos índios: "(...). Os índios no inteiro domínio e pacífica posse das terras ... para gozarem
delas por si e todos seus herdeiros." Segundo Patrícia Sampaio (2012, p.137, et seq.), a oferta de mão de obra
africana fora reduzida na Colônia, levando o governo a apresentar garantias mínimas de acesso a mão de obra
indígena. Assim, com a publicação dessa lei, chamada de “Lei de Liberdades” de 1755, foi uma maneira de se
estabelecer o poderio sobre a mão de obra indígena, à medida que, estes não se rendiam ao poder português.
Ainda de acordo com Patrícia Sampaio, o seu vigor dependeu de diversas medidas, onde se destaca como
primeira o Diretório de 1757. Já a Lei de 10 de julho de 1884, foi a lei que extinguiu a escravatura no Amazonas,
este se antecedeu quase 4 anos do restante do país, no governo do Presidente da Província Theodoreto Carlos de
Faria Souto.
26
JORNAL Diario de Manáos. Quinta feira, 23 de fevereiro de 1893. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/cache/2078703629512/I0002282- Acesso em 03 de fevereiro de 2015, às
14:15.
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Os índios assim despreparados pelo roubo dos filhos, de seu penoso trabalho, maus
tratos e desconhecendo a ação da justiça, não trépida acometer os civilizados por um
desforço natural e não por instinto malévolo que muitas vezes se lhes quer imputar.27
27
Idem.
28
Idem. Grifos meus.
79
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Vemos uma denúncia contida nas entrelinhas desta parte do artigo. Quando o redator
aponta que as vagas do Instituto/Asilo Benjamin Constant, que em sua maioria eram
destinadas as órfãs indígenas, inclusive regimentado por lei, este estabelecimento estava
abrigando outras “intrusas” que vinham se apropriando dos lugares das meninas índias que de
fato deveriam estar ali abrigadas.
Com relação aos meninos indígenas, a situação não parecia ser tão diferente, pois o
redator enfatiza:
Os órfãos – rapazinhos – enfim, são homens, quando não adquirem o ensino preciso
a sua vida é menos precária, conquanto tenhamos razão de sobra para lamentar essa
turba que encontramos de tabuleiros na cabeça a formar a turba de moleques a jogar
pincho nas esquinas e ruas.
Com o estabelecimento dos Educandos, que grandes proveitos têm dado nestes
últimos tempos, acontece a mesma coisa que com o Asilo Benjamin Constant – mais
afilhados do que propriamente necessitados -. A despesa com o estabelecimento da
29
Idem. Grifos meus.
30
Idem. Grifos meus.
80
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consequentemente assumir a fé cristã era receber o nome, o título de Cristão. Ser batizado era
31
Idem. Grifos meus.
32
Idem.
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De fato, há em diversas fontes que norteiam essa pesquisa a referência a índios aptos
ao convívio social, sendo aqueles que entre outros critérios já haviam recebido o Sacramento
do Batismo. Ao utilizarmos do dado da fonte citada e enfatizando que há outras fontes que
33
JORNAL AMAZONAS. Ano XLIV, Nº 62. Domingo, 12 de janeiro de 1908. Manáos Amazonas. Acervo:
Hemeroteca do IGHA.
34
A expressão é de Almir Diniz de Carvalho Júnior, 2005.
82
Texto integrando dos Anais [recurso eletrônico] do IV Encontro Estadual de História - Ensino de
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Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
corroboram a ideia levantada sobre os índios que estavam sendo batizados na cidade,
pretendíamos destacar dois pontos: o primeiro, já citado aqui era que de fato havia indígenas
na cidade e estes exerciam certas práticas do poder dominante e sobreviviam. Um segundo
ponto, segue a linha do pensamento do historiador Almir Diniz (2007) quando este propõe
que ao se batizarem, os índios não estavam completamente investidos a fé cristã, mas, faziam
tal simbolismo e participavam deste ato litúrgico como forma de burlar o poder dominante
sem deixá-lo, e assim, poderem exercer suas vivências na cidade, era um “processo de
conversão sincera a seu modo, transformando a nova religião a seu modo”.
Mesmo passando por uma ressignificação, por um “embraquecimento”, como dissera
Otoni Mesquita, a cidade ainda se divertia e mantinha muitos hábitos caboclos, indígenas,
exercendo práticas muitas das quase proibidas nos Códigos de Posturas. Em 1895, no auge da
Belle Époque, assim era relatado um fato muito inusitado em um jornal muito popular da
Cidade, o Diário de Manáos:
Que susto!
Em dias da semana passada, defronte dessa cidade, no lugar Marajó, deu-se uma
tragédia verdadeiramente tropical.
Um caboclinho de nome Idalino foi a tomar banho e no momento de lançar-se ao
rio, ficou preso por uma perna nas mandíbulas de um jacaré. O caboclinho não
perdeu o ânimo e sustentou com tão feroz inimigo, por espaço de uma hora, uma tão
luta insólita quanto desigual.
Quando já estava quase extenuado de fadiga e de susto, lembrou-se de meter os
dedos dentro dos olhos do jacaré, e este com dor abriu a boca e deixou escapar a
presa.
Idalino nadou com toda a força para a terra e começou a gritar pedindo auxilio.
Acudiu gente da casa, trazendo flechas e arpões com os quais executaram o terrível
anfíbio, que media dezoito pés de comprimento.
Que susto! Dizia Idalino ao contemplar ufano o cadáver de seu inimigo.35
Nesta passagem, observamos uma cena cotidiana comum na cidade e no seu entorno:
um cidadão possivelmente um rapaz visto que, o redator se refere a ele como “caboclinho de
nome Idalino”. Embora o redator diga que o fato ocorreu no lugar denominado “Marajó”, o
mesmo fica na entrada de Manáos,36 era próximo, esse lugar pertencia e pertence a cidade, é
entorno. O historiador Leno José Barata de Souza (2005, p. 278) em sua pesquisa sobre
35
JORNAL Diário de Manáos. Ano 01, nº 176. Sábado, 27 de dezembro de 1890. Acervo Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro. Disponível em: http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/. Acesso em 30/01/2015 ás 09:58.
36
De fato, na proximidade da cidade de Manaus ainda hoje existem diversas ilhas, vilas e comunidade. Não se
encontram numa distância em larga escala da cidade. Há quem as considere distritos urbanos da cidade, que
mesmo possuindo certa autonomia, ainda obedecem a gestão citadina. A mais famosa delas é a Ilha de Marapatá
considerada “Porta de entrada” de Manaus. Outra é a Vila de Paricatuba, já mencionada nesse trabalho.
Possivelmente o referido local pertencia a essa vila, ou seria a Ilha de Marapatá com outra denominação.
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queixas e vivências populares nos jornais de Manaus sobre molecagens, desordens citadinas
vinculadas a infâncias, destacou que:
Ao todo, em meio às questões de ordem, somaram-se quase 40 queixumes que
potencializaram uma representação da infância, ou melhor, de uma determinada
infância da Manaus no início do XX voltada exclusivamente para os difíceis viveres
dos chamados “moleques” no seio de uma urbe extremamente madrasta [...].
Viveres infantis que como destaca Fraga Filho, voltando-se para a sociedade baiana
do oitocentos, “... faziam das ruas o espaço de trabalho, de divertimento, de
peraltices, de jogos e brincadeiras”, ou como suscita Ednea Dias sobre os meninos
de Manaus de outrora: “passavam o dia às sombras das árvores, conversando ou
jogando bola, incomodando com sua ociosidade as autoridades”.
Os menores nas Queixas do Povo, tanto poderiam despontar na condição de
“moleques”, com toda carga pejorativa que o termo insere: vadios, desocupados,
desordeiros, como, devido principalmente à violência sofrida por parte de pais e
tutores, na condição de vítimas; momento em que mais pareciam assumir a condição
de criança, ser frágil, que precisava de proteção da sociedade, ao contrário dos
denunciados “moleques malcriados”, aos quais lhe faltaria mesmo a
correção.(grifos do autor)
Referências
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étnicas indígenas em Manaus. Manaus: Editora da Universidade Federal do
Amazonas/Faculdade Salesiana Dom Bosco, 2009.
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DECRETO Nº 11 de 26 de abril de 1892: Extingue o Asilo Orfanológico Elisa Souto, cria o
Instituto Benjamin Constant e dá regulamento ao mesmo. In: ESTADO DO AMAZONAS.
Decretos, Leis e Regulamentos colecionados na Administração do Exmo. Sr. Dr. Fileto Pires
Ferreira. 1889 a 1896. TOMO IV – 1892. Manáos: Imprensa Oficial, 1897.
EXPOSIÇÃO APRESENTADA à Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas na
Abertura da Primeira Sessão da 17ª Legislatura em 25 de março de 1884, pelo Presidente Dr.
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1884. P.02. Acervo IGHA.
EXPOSIÇÃO APRESENTADA ao Exmo. Sr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha,
Presidente da Província do Amazonas pelo 1º Vice-Presidente da mesma o exmo. Sr. Dr.
Manoel Gomes Corrêa de Miranda por ocasião de passar-lhe a administração da mesma
Província. Manáos, 24 de novembro de 1860.
EXPOSIÇÃO com que o Ex-Presidente do Amazonas, exmo. Sr. Dr. Alarico José Furtado,
passou a administração da Província ao 2º Vice-Presidente, Exmo. Sr. Dr. Romualdo de Sousa
Paes de Andrade. Manáos, 07 de março de 1882. Acervo IGHA.
FALA COM QUE o Exmo. Sr. Dr. Alarico José Furtado, abriu a Sessão Extraordinária da
Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas, em 27 de agosto de 1881. Manáos: Typ. Do
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JORNAL AMAZONAS. Ano XLIV, Nº 62. Domingo, 12 de janeiro de 1908. Manáos
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Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: http://bndigital.bn.br/hemeroteca-
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http://memoria.bn.br/docreader/cache/2078703629512/I0002282- . Acesso em 03 de fevereiro
de 2015, às 14:15.
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história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
A ideia inicial deste texto é desenvolver uma reflexão sobre construções de Iemanjá e
da sua festa no cotidiano do Recôncavo Baiano. Para desenvolver esse estudo teremos como
fontes privilegiadas o número 7 da Coleção Recôncavo (CARYBÉ, 1951)37, intitulado “Festa
de Yemanjá” e o capítulo “O Reino de Iemanjá” do livro “Bahia: imagens da terra e do povo”
(TAVARES, 1961), ambas as obras tiveram sua primeira edição publicada em 1951.
Doutorando em História Social no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Bolsista FAPERJ.
37
No ano de 1951 foi lançada a Coleção Recôncavo pela Livraria Turista. Esta obra é de autoria de Carybé, mas
conta com textos de alguns colaboradores. A Coleção soma 10 volumes, cada qual sobre um tema de aspectos da
cultura presente na região do Recôncavo Baiano, desenvolvidos através dos desenhos feitos por Carybé. Na
Coleção, para cada conjunto temático de desenhos, existe um texto introdutório. Os textos foram assinados por
Vasconcelos Maia, Odorico Tavares, José Pedreira, Wilson Rocha, Carlos Eduardo, Pierre Verger; e pelo próprio
Carybé.
38
Hector Julio Páride Bernabó, que usava o pseudônimo Carybé, nasceu em Lanús-Argentina em 1911 e morreu
na cidade de Salvador em 1997. Após passar parte de sua infância na Itália, Carybé veio para o Rio de Janeiro
com sua família em busca de melhores condições de vida, tendo em vista as dificuldades econômicas que a
Europa do pós-guerra enfrentava. Em 1928, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes. Em 1929 Carybé
interrompeu os estudos na ENBA para voltar para a Argentina com a sua família. A primeira viagem de Carybé a
Salvador ocorreu em 1938 e nesta ocasião ele permaneceu na cidade por seis meses. Na década de 1940 Carybé
realizou mais duas viagens à cidade de Salvador e tornaram-se inevitáveis as suas representações dos ritos do
candomblé, das feitas populares, da capoeira, do sampa, dos mercados, dos casarões do Pelourinho, entre outras
coisas. As experiências que este artista foi adquirindo e a proximidade com esse universo fez com que ele se
apaixonasse pela cidade de Salvador. Em 1950 ele foi morar definitivamente na Bahia.
39
José Pedreira foi um dos fundadores do bar galeria Anjo Azul e escritor, também colaborou na Revista
Cadernos da Bahia com o seguinte título “O culto às águas na Bahia” que foi ilustrado por Carybé. Neste texto,
Pedreira comenta, sobre a força sagrada das águas baianas, e em especial o Dique, que, antes de qualquer coisa é
a lagoa encantada onde habitam Oxum e Iemanjá. Ele foi responsável por escrever a introdução do número 7 da
Coleção, “Festa de Yemanjá”.
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Assim, Pedreira destacou que o culto a Iemanjá não está restrito ao dia 2 de fevereiro,
mas que, na Bahia, ela é cultuada o ano inteiro. Além dos festejos populares, ela faz parte do
cotidiano das pessoas, ela é vista pelos pescadores, que pedem sua proteção, benção e
prosperidade por meio de preces e cânticos entoados em meio a execução das suas atividades
habituais. Iemanjá é representada como a mãe de muitos filhos, a que está presente em todos
os cantos do Recôncavo Baiano e da Bahia.
40
Odorico Tavares, foi responsável pela redação que inicia o volume 2, 5 e 6, respectivamente, “Pelourinho”,
“Festa do Bonfim” e “Festa da Conceição da Praia” - da Coleção Recôncavo. Ele chegou a Salvador em 1942,
aos 29 anos de idade. Vinha do Recife, a pedido de Assis Chateaubriand, para dirigir os Diários Associados na
Bahia. Lá, entusiasmou-se com a Bahia e tornou-se um promotor da cultura baiana e atuou como crítico de arte.
41
Importante salientar que muitos dos temas desenvolvidos por Odorico Tavares no livro “Bahia: imagens da
terra e do povo” também foram desenvolvidos por Carybé na Coleção Recôncavo. Como, por exemplo: Pesca
de Xaréu, Festa de Iemanjá, Feira de Água de Meninos, Candomblé, Capoeira, Conceição da Praia e Nosso
Senhor do Bonfim.
42
Os saveiros eram, até a década de 1940 e 1950, os principais responsáveis pela realização do transporte de
mercadorias entre as cidades do Recôncavo Baiano. Cada cidade tinha um pequeno e modesto porto para a
realização do transporte das suas mercadorias e movimentação do comercio local. No entanto os pequenos portos
foram perdendo importância e alguns até mesmo desapareceram. Segundo Brito “a navegação nas águas da Baía
de Todos os Santos era, provavelmente, o meio de transporte mais importante” (BRITO, 2008: 40). Os
transportes também eram realizados por meio de grandes embarcações, mas os saveiros eram os responsáveis
pela maior parte da movimentação das mercadorias entre os portos do Recôncavo. Os portos, a princípio, tinham
como principal função enviar e receber os produtos de subsistência, pois o Recôncavo Baiano era um grande
fornecedor de produtos agrícolas, principalmente para a Capital. De acordo com Pierre Verger “esses veleiros
traziam dos diversos pontos do Recôncavo, da extensa Baía de Todos os Santos, pessoas e mercadorias”. Verger
acrescenta que, segundo Odorico Tavares, a madeira e o carvão eram trazidos de Itaparica; “o café e o cacau, de
Nazaré das farinhas; as bananas, laranjas, legumes e a farinha de mandioca, de Maragogipe; os charutos e os
rolos de fumo vinham de Cachoeira e de São Félix” (PIERRE, 2002: 38).
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Segundo Tavares o mar é um grande senhor que penetra a Bahia, que, por sua vez, se
orgulha do seu império das águas. Esse grande império por sua vez é regido pela deusa das
águas. Como o autor diz:
(...) há uma fôrça que rege, que impera senhora absoluta de tôdas as águas, de
tudo que em função da água vive e possa viver, há uma fôrça que ordena, que
manda, que decide sôbre a vida dos pescadores, dos saveiristas, dos
doqueiros, dos pais e mães de santo, de todos que têm vistas para alcançar o
azul dos mares baianos. Em cada recanto dêstes mares, nas praias, nas
cabanas dos pescadores, nos altos destes montes, ela é a grande Senhora.
Ninguém pode dizer que não é vassalo dos mais servis do reino de Iemanjá
(TAVARES, 1961: 53).
43
Apesar do petróleo ter sido descoberto no Recôncavo Baiano em 1938, foi somente em 1941 que teve início a
sua exploração econômica (MORAIS, 2013: 74), com as descobertas dos campos de Cadeias e Itaparica,
respectivamente. De acordo com José Mauro de Morais foram feitos vários poços na localidade de Lobato em
1938, bairro de Salvador, mas em 1939 eles se mostraram não comerciáveis por conta da baixa produtividade.
No entanto, essa descoberta fez com que o governo nacionalizasse a área no entorno da região de Lobado com
efeito de dá continuidade à exploração (MORAIS, 2013: 46). A descoberta em Lobato foi importante para
impulsionar a exploração na área ao seu entorno, tornando assim a região do Recôncavo Baiano área de
prioridade para o desenvolvimento de estudos geológicos, geofísicos e explorações empreendidas pelo Conselho
Nacional do Petróleo. A partir daí a primeira jazida de petróleo comerciável encontrada foi na localidade de
Candeias, que neste período ainda era periferia da cidade de Salvador, em 1941 a mais de mil metros de
profundidade. No final do mesmo ano teve início a produção de petróleo em escala comercial no Brasil, poço de
Candeias-1. Em 1941 ocorreram descobertas de gás natural em Aratu e no ano seguinte foi descoberto petróleo
em Itaparica. Essas localidades passaram a ser consideradas como pontos pioneiros de exploração de petróleo no
Brasil (Lobato, Candeias, Aratu e Itaparica). No Brasil, o Recôncavo Baiano foi o único produtor petrolífero até
a década de 1960
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Festa de Iemanjá
O Número 7 da Coleção Recôncavo possui representações artísticas dos diferentes
momentos da festa de Iemanjá. Carybé desenhou os momentos da festa desde a sua
preparação até as oferendas em cortejo no mar. Nesse número Carybé expressou através dos
seus traços como são feitas, com muita devoção e dedicação, as oferendas à Iemanjá, a deusas
mais popular na Bahia de seu tempo. Além dos momentos da festa ele representou também o
cotidiano dos pescadores, deu indícios de como a rotina da cidade de Salvador estava ligada
ao mar e as atividades que giram ao seu entorno – o comércio, por exemplo. Bares e pequenas
barracas são representados, indicando o movimento à beira-mar. Modestas casas de
pescadores e outros trabalhadores também estão presentes nas suas representações. O artista
demonstrou, nos seus desenhos, como o mar e tudo que vem dele está diretamente ligado ao
povo baiano. Isso parece “justificar” tamanha devoção à deusa que habita as suas
profundezas.
O sustento dessas pessoas, como as imagens nos “dizem”, vem das atividades ligadas
ao mar. Essa relação de dependência está na construção que o artista desenvolveu. Nas suas
representações, Carybé, destacou as pessoas simples, as classes subalternas. Os homens são
representados com corpos bem definidos, talvez os músculos bem delineados sejam resultado
do tralho duro que exercem no mar ou na sua proximidade, pesca, manutenção de redes e
embarcações, além de outros trabalhos manuais que exigem força e vigor físico para serem
cumpridos. Eles estão, na maioria das vezes, sem camisa ou com simples camisetas e calção
típico para banho. As mulheres também aparecem representadas com belos corpos, pois as
curvas típicas do corpo feminino são destacadas pelo artista. O vento marinho ajuda a cumprir
essa tarefa, pois o vento, em algumas representações, movimenta os vestidos contra os corpos
das mulheres, o que acaba por ressaltar as suas formas.
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chamado de alienado, pois representava o negro à margem dos problemas sociais que eram
comuns ao seu cotidiano.
No entanto, também devemos ter em mente que a construção de Carybé não resultou
de escolhas apenas feitas por ele. Sabemos que Carybé mudou-se definitivamente para a
cidade de Salvador em 1950, pois em 1949, Rubem Braga44, escreveu uma carta para Anísio
Teixeira, que na ocasião era Secretário de Educação e Saúde do estado da Bahia,
recomendando Carybé para desenvolver estudos folclóricos. Não tivemos acesso a carta, mas
podemos ter indícios dos planos de Rubem Braga45 em relação a Carybé por meio de uma
crônica escrita em 1948. O título da crônica é “Que venha Carybé” e nela Braga diz o
seguinte:
O general Peron vem ao Brasil, o que é uma coisa importante. Muito mais
importante, todavia, será a vinda de Carybé. Odorico Tavares me disse que falaria a
Anísio Teixeira e a Otávio Mangabeira sôbre a urgência de recuperar para a Bahia
esse argentino de alma baiana.
44
Rubem Braga (1913-1990) foi um jornalista e cronista brasileiro, correspondente na Itália durante a Segunda
Guerra Mundial, autor, dentre muitas outras obras, do livro intitulado "Com a FEB na Itália", de 1945. Foi
correspondente do Jornal O Globo em Paris, em 1947. Foi nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em
Santiago, Chile, em 1953. Na década de 1960, foi Embaixador do Brasil no Marrocos. Ver:
http://enciclopedia.itaucultura.org.br/pessoa6903/rubem-braga
45
É importante destacar que Rubem Braga era amigo de Jorge Amado, ambos haviam, inclusive dividido um
apartamento na cidade de São Paulo. Amado foi preso em 1937 e depois de ter sido solto, em 1938, ele
transferiu-se do Rio para São Paulo, onde morou com Braga. Entre 1941 e 1942, Jorge Amado exilou-se no
Uruguai e na Argentina, neste período Carybé vivia nos arredores de Buenos Aires, mas não encontramos
evidências se ele e Amado se encontraram nesse período.
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jornal e como ilustrador de livros. Não seria difícil para elê ganhar a vida também no
Rio do mesmo jeito. Mas Carybé está cansado de oficinas e editoras. Disse que ele
quer morar na Bahia. Não conhece nem Anísio Teixeira nem Otávio Mangabeira:
mas conhece uma quantidade de negros de candomblés e capoeiras, tem altas
relações entre malandros e tocadores de viola. (...)
Alguns amigos acharam que ele podia ser contratado pelo governo baiano para fazer
estudos de folclore. Eu por mim conheço o que ele fez por simples amor à coisa,
sôbre a dança e o canto do jogo da capoeira. Carybé fez muitas centenas de desenhos
rápidos e ágeis para documentar a dança de combate. E quanto a letra e a música
acho que não tomou nenhuma nota por escrito. Mas com um pandeiro na mão êle
passa horas cantando – com aquela prodigiosa justeza da pronúncia com que ele
canta qualquer coisa das Américas.
Hector Bernabó, vulgo Carybé, Jornalista, pintor, cantor e macumbeiro tem sido em
muitos países da América um espantoso propagandista da Bahia. Êle está precisando
de mais Bahia: precisa encher seus tanques de coisas baianas. Vamos tirá-lo dr.
Mangabeira, dr. Anísio Teixeira, dr. Mariani, vamos tirá-lo das oficinas de
46
“Críticas”, onde êle suspira triste, e soltá-lo no seu Recôncavo querido?
Braga destaca que alguns amigos achavam que Carybé poderia ser contratado pelo
governo baiano para desenvolver estudos folclóricos e em seguida discorreu sobre temáticas
que já haviam sido desenvolvidas pelo artista e descreveu também a maneira como as obras
foram elaboradas. Braga dá a entender, por meio da sua narrativa, que Carybé manteve
contato direto com sambistas, capoeiristas, adeptos do candomblé e, por isso, era um
conhecedor das manifestações culturais características desses grupos. O autor demonstra que
o artista já desenvolvia temas relacionados ao folclore baiano e que ele desejava poder voltar
a desenvolver essas temáticas, que se identificava tanto.
46
BRAGA, Rubem. Que venha Carybé. Jornal Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de maio de 1948, primeira
seção, página 3.
91
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Baiano. Além de citar dois importantes nomes do cenário político baiano daquele período,
Braga ainda cita Clemente Mariani Bittencourt, que naquele momento era Ministro da
Educação e Saúde Pública, do Governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951). O cronista pede,
deliberadamente, ao governador da Bahia, ao Secretário de Educação do Estado da Bahia e ao
Ministro de Educação, para que Carybé fosse “solto” no Recôncavo, ou seja, para que o
artista fosse contratado para representar artisticamente a cultura daquela região.
Carybé, por ser do candomblé, seguia um código de conduta e nas suas representações
ele ocultava tudo que pudesse de algum modo, contribuir para a formação de uma imagem
negativa do candomblé. O fato desse artista ter optado por representar o negro feliz mesmo
em meio as problemas existentes, pode ter uma relação com isso, pois o negro estava, nas suas
obras, diretamente ligado ao candomblé e se seu objetivo era gerar uma imagem positiva e
harmônicadesse culto, nada mais obvio do que representar o negro feliz e devidamente
integrado a cidade, pois o negro e o candomblé não aparecem de modo algum dissociados.
A festa de Iemanjá representada por Carybé resulta da sua observação da festa que
ainda acontece anualmente na praia do Rio Vermelho. Na imagem I, que segue abaixo,
podemos observar a construção romantizada que esse artista desenvolveu da Festa de Iemanjá.
Na representação podemos ver as pessoas sobre toda a extensão da faixa de areia da praia,
dentro do mar e no calçamento da rua. Pequenas embarcações também aparecem
representadas. Mulheres, crianças e homens participam, fazem oferendas, batem palmas,
fazem gestos que parecem ser em saudação. Flores são entregues a deusa. Fogos estouram no
céu do Rio Vermelho. Tudo isso para agradecer as bênçãos alcançadas e para receber novas
graças de Iemanjá. Os fogos podem ser interpretados como o início do cortejo marítimo.
O artista destacou a devoção e a alegria das pessoas. Esse é um típico exemplo do foi
dito anteriormente. O artista representou os fiéis expressando sua fé e felicidade. Negro, fé e
felicidade estão fortemente associados nessa representação, assim como em muitas outras.
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Carybé elegeu momentos específicos para as suas representações. Ele elegeuos momentos de
felicidades da festa. No entanto ele também representou o trabalho duro dos negros na região
litorânea e nos mercados.
Imagem I
Imagem II
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Jorge Amado e Milton Santos, In:PINHEIRO, D.J.F, SILVA, M.A, (orgs). Visões imaginárias
da cidade da Bahia: diálogos entre a geografia e a literatura. Salvador: EDUFBA, 2004.
94
Texto integrando dos Anais [recurso eletrônico] do IV Encontro Estadual de História - Ensino de
história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
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história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
Sem esquecer que a História oral “responde apenas a determinadas questões e não é
solução para todos os problemas” (ALBERTI, 2014:165), consideramos que esta metodologia
permite estudar “as formas como pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências,
incluindo situações de aprendizado e decisões estratégicas” (p. 165). Estudar essas
experiências “torna possível questionar interpretações generalizantes de determinados
acontecimentos e conjunturas” (p. 165). A entrevista pode ampliar a percepção histórica, e
permitir a “mudança de perspectiva”. Entretanto, “entre gravar as entrevistas e delas tirar
conclusões consistentes para os campos de investigação escolhidos vai uma grande distância”,
pois “não é fácil trabalhar com a chamada fonte oral” (ALBERTI, 2014:168).
A gravação de entrevistas é uma especificidade marcante da história oral: ela produz
sua própria fonte. A “entrevista de História oral é, ao mesmo tempo, um relato de ações
passadas e um resíduo de ações desencadeadas na própria entrevista” (ALBERTI, 2014:169).
Na História oral, há no mínimo um entrevistado e um entrevistador – dois autores. Assim, a
entrevista nasce da interação entre entrevistado e entrevistador, e “tanto um como outro têm
determinadas ideias sobre seu interlocutor e tentam desencadear determinadas ações” (p. 169).
Além disso, a entrevista de História oral também é fruto da ação de interpretar o passado.
Nisso, chama-se “a atenção para a possibilidade de ela documentar as ações de constituição de
memórias - as ações que tanto o entrevistado quanto o entrevistador pretendem desencadear
ao construir o passado de uma forma e não de outra” (p. 169). Apenas pela narração há a
transmissão do acontecimento que o entrevistado viveu, ou seja, “ele se constitui (no sentido
de tornar-se algo) no momento mesmo da entrevista” (p. 171). É no contar das experiências
que “o entrevistado transforma o que foi vivenciado em linguagem, selecionando e
organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido” (p. 171).
Para Alessandro Portelli, “a narração oral da história só toma forma em um encontro
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pessoal causado pela pesquisa de campo” (2010:19). É apenas no diálogo entre duas pessoas,
a fonte e o historiador, o entrevistado e o entrevistador, que aquilo que está guardado na
memória será relembrado, organizado e narrado. Por isso, o entrevistador deve provocar as
memórias e colaborar com sua criação: “por meio da sua presença, das suas perguntas, das
suas reações” (p. 20). Com os estímulos do entrevistador, o narrador pode ser levado a
explorar setores e aspectos da sua experiência, antes mantidos longe quando relata suas
histórias aos seus conhecidos.
Não sendo a narração um fim em si mesmo, já que visa a produção de um documento,
o espaço da entrevista institui o que Portelli chama de “bipolaridade dialógica” (2010:20),
pois dois sujeitos estão face a face, com a mediação de um microfone. Assim, “os dois se
olham” (p. 20), o pesquisador olha para sua fonte, o narrador olha para seu entrevistador, e
portanto, por suas percepções, modela seu discurso, durante a “troca de olhares”. Dessa
forma, considera que “a história oral é um gênero multivocal, resultado do trabalho comum de
uma pluralidade de autores em diálogo” (p. 20).
Mas, Motta (2012) alerta ao equívoco de considerar memória e história como
sinônimas; assim, persiste a necessidade de o historiador fazer uma reconstrução crítica e não
apenas restaurar memórias, compreendendo que estas tanto são fontes históricas quanto
fenômenos históricos. Da mesma forma, Alberti reitera que não podemos considerar o relato
como a própria “História”, ou seja, quando “a entrevista, em vez de fonte para o estudo do
passado e do presente, torna-se a revelação do real” (2014:158). É preciso entender que a
entrevista é mais uma fonte que precisa ser interpretada e analisada.
A Igreja de Cristo
A Igreja de Cristo nasceu nos Estados Unidos, no início do século XIX, a partir de
movimentos que buscavam um retorno ao cristianismo primitivo, unidade dos cristãos e
valorização da Bíblia. Esses movimentos, tendo como líderes principais os pastores Barton
Stone (1772-1844), Thomas Campbell (1763-1851) e Alexander Campbell (1788-1866),
ficaram conhecidos como Movimento de Restauração ou Movimento Stone-Campbell, apesar
de se nomearem apenas como Cristãos ou Discípulos de Cristo. Tendo objetivos comuns, em
1832, os movimentos liderados por Stone e Campbell se uniram, apesar de suas diversidades
internas serem permitidas, seguindo um de seus lemas: “No essencial, unidade; nas opiniões,
liberdade; em todas as coisas, o amor”. As congregações do movimento, conhecidas como
Igrejas de Cristo ou Igrejas Cristãs, se expandiram pelos Estados Unidos e enviaram
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Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
48
AGOSTINHO JÚNIOR, Pedro. Introdução à História do Movimento de Restauração de Stone e Campbell.
Movimento de Restauração. Disponível em <http://movimentoderestauracao.com/2008/05/26/introducao-a-
historia-do-movimento-de-restauracao-de-stone-e-campbell/>. Acesso em 20 de agosto de 2017.
49
AGOSTINHO JÚNIOR, Pedro. Introdução à História do Movimento de Restauração de Stone e Campbell.
Movimento de Restauração. Disponível em <http://movimentoderestauracao.com/2008/05/26/introducao-a-
historia-do-movimento-de-restauracao-de-stone-e-campbell/>. Acesso em 20 de agosto de 2017.
50
AGOSTINHO JÚNIOR, Pedro. Ibidem.
51
FIFE, Jefferson Davis. As Igrejas de Cristo/Cristãs e o Movimento de Restauração. Movimento de
Restauração. Disponível em <http://movimentoderestauracao.com/2009/07/29/as-igrejas-de-cristo-cristas-e-o-
movimento-de-restauracao/>. Acesso em 20 de agosto de 2017.
52
AGOSTINHO JÚNIOR, Pedro. Introdução à História do Movimento de Restauração de Stone e Campbell.
Movimento de Restauração. Disponível em <http://movimentoderestauracao.com/2008/05/26/introducao-a-
historia-do-movimento-de-restauracao-de-stone-e-campbell/>. Acesso em 20 de agosto de 2017.
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história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
60
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
61
Ibidem.
62
Meio de transporte fluvial.
63
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
64
CÂMARA MUNICIPAL DE URUCARÁ. Disponível em <http://www.ale.am.gov.br/urucara/o-
municipio/historia/>. Acesso em 13 de setembro de 2017.
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Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
65
IBGE. Urucará. Disponível em <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/am/urucara/panorama>. Acesso em 17 de
setembro de 2017.
66
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
67
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
68
Ibidem.
69
Ibidem.
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rio em frente à cidade, e “as pessoas tomavam banho no rio e não gostaram daquilo.”70
Foi logo que chegou. Que a filha queria madeira pra fazer um caixão, e ele queria
saber quem faleceu, e... a filha disse que ele não faleceu, mas ninguém entrava na
casa pra ajudar ele, porque ele tinha doença. (...) Aí ele foi e ajudou o homem, e
ainda recuperou... ele fez tratamento em Parintins e morou diversos anos depois
aqui. (...) Tinha que limpar ele né, porque ninguém entrava na casa... e naquele
tempo todo mundo tinha medo, eles davam comida por um buraco na porta, num
caniço. E ele caiu da rede e pensaram que ele ia morrer lá. (...) Aí já iam preparar o
caixão pra ele. [risos]71
Pastor Clinton foi a primeira pessoa que se dispôs a ajudar esse homem, já que
“naquele tempo era desconhecido os efeitos da doença né”. Tomé identifica o homem como
Paulo Serrão. Clinton o ajudou a ir para Parintins, “porque era um local que tinha um
tratamento, o outro era em Manaus”. Após essa ajuda do pastor norte-americano a Paulo
Beltrão, os moradores, “logo que viram a recuperação, acho que começaram a confiar no
trabalho do papai né, ajudando as pessoas...” Diversos casos são lembrados por Tomé, em que
Pastor Clinton ajudava pessoas doentes e feridas, “é porque não tinha... não tinha outro para
ajudar né”. Seus conhecimentos médicos vieram de sua mãe, “a mãe dele era enfermeira”, e
“ele tinha os livros, estudava antes de vim... era um dom de Deus que ele tinha”. Tomé relata
que “qualquer coisa as pessoas corriam com ele naquela época”.72
Após a chegada, pastor Clinton “comprou a primeira, e a segunda residência ele foi
comprando”, com a ajuda da igreja norte-americana. “Ele tinha uma parte em dinheiro que ele
trouxe... parece que a usina de arroz era... dois mil réis, naquele tempo... onde é a casa agora.”
Tomé Thomas não sabe quando foi construído o templo: “eu acho que logo fizeram... o
estabelecimento da igreja. Que desde a minha memória de pequeno já tinha um local né”. A
primeira igreja “era de madeira. Só tinha uma parede. Os bancos de madeira”, no mesmo
endereço, “é a mesma que a atual agora”, “na rua da frente”. O próprio pastor “terminou o
serviço”; “em 80 mais ou menos que fizeram uma de alvenaria”. Os recursos vieram dos
Estados Unidos: “E veio dinheiro de fora para ajudar a missão (...) pessoas independentes e da
igreja pra ajudar a fazer a construção de alvenaria (...) a missão, e os grupos que ajudaram ele
que mandavam ajuda financeira”.73
O terreno da usina ficava próximo à Igreja Matriz de Santa Ana, “ela fazia fundo com
a igreja”. O prédio da Igreja de Cristo foi construído no mesmo terreno, “no mesmo
70
Ibidem.
71
Ibidem.
72
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
73
Ibidem.
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quarteirão”. Dessa forma, uma característica singular da primeira igreja evangélica de Urucará
é sua proximidade com a Igreja Católica: “porque a igreja já fica na praça, é bem próximo”.
Apesar da proximidade, Tomé Thomas afirma que não haviam problemas entre os fiéis, se
encontrando na direção de suas reuniões religiosas: “Não! Não! Não! Nessa parte... só barulho
de festa quando tinha alto falante...” Como durante as festividades na Igreja Católica era
usado um alto falante, isso atrapalhava os cultos evangélicos, “porque o programa de um era
diferente que do outro né”.74
Tomé assegura que essa localização não teve algum motivo especial, mas
simplesmente porque “a cidade era pequena naquele tempo, eu acho que era um local que
tinha pra comprar né”. A população de Urucará “era menos de cinco mil eu acho”. Sua renda
era “a pescaria né, comum na área, e a prefeitura, até hoje, é a renda principal”.75
A chegada dos missionários também teria efeito sobre a atuação católica em Urucará.
Até a década de 1960, de acordo com Tomé, “o padre só vinha uma vez por ano, durante a
festa (...) Não sei qual era a festa naquele tempo, eu acho que era Santana”. Porém, “depois
que ele chegou, aí mandaram o padre... pra ficar aqui, permanente”. Apesar das animosidades
possíveis na relação entre as duas igrejas cristãs, como verificado em outras regiões76, havia
amizade entre os religiosos, “porque a maioria era canadense, então eles conversavam em
inglês”, e inclusive “os padres vinham visitar ele”. Os padres “norte-americanos sempre se
deram bem”, entretanto, com a mudança dos sacerdotes, “os mexicanos não se deram tanto
com o meu pai”. Tomé não viu problemas entre as igrejas por divergências: “Eu acho que... os
padres faziam os trabalhos dele e papai fazia o trabalho cristão, que era as Escrituras, a base
da Igreja Cristã. Então não era motivo de encrenca.”. Entretanto, sem entrar em detalhes,
Tomé atesta que haviam diferenças: “Sempre tem, a diferença de quem está certo ou errado
(...) Mas se você precisa ajuda de alguém, você não vai brigar com aquela pessoa”. Dessa
forma, pastor Clinton “era aceito... porque ele ajudava em outras áreas, além da igreja”. Seu
trabalho alcançava “a comunidade em geral, tanto faz católico ou da Igreja de Cristo”. Com
isso, reitera o papel fundamental do missionário na cidade: “O papai era a única pessoa,
naquele tempo, que podia correr pra ele”.77
Tomé explica a ajuda financeira que a família recebia. “Uma pessoa encarregada” nos
74
Ibidem.
75
Ibidem.
76
Ver por exemplo: RODRIGUES, Cesar Augusto Viana. Conflitos religiosos em Parintins na década de 50.
Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Plena em História. Universidade do Estado do Amazonas,
Parintins, 2008.
77
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
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Estados Unidos era responsável por receber as contribuições: “podia mandar pra aquela
pessoa quando precisasse né. Não era por mês ou por semana, era quando tinha alguma coisa,
ia para aquela pessoa responsável”. Pastor Clinton tinha acesso a esse dinheiro através do
banco: “eles mantinham a conta bancária no Estados Unidos... e quando o papai precisava ele
podia pegar o dinheiro”. Ele não recebia ajuda financeira do Brasil, “aqui no Brasil não tinha
nada não”, nem mesmo de outras congregações brasileiras da Igreja de Cristo, pois Tomé
menciona que “naquele tempo, não tinha igreja na área né”.78
As relações com as autoridades da cidade de Urucará teriam sido problemáticas em
algumas ocasiões, recorda Tomé Thomas: “Porque é... política você tem que estar de um lado
ou de outro, se você não está... de acordo com o prefeito, você se torna um contra né,
inimigo... e já que ele não participava na política, sempre perseguiam ele.”. Os prefeitos,
“alguns se davam com ele, e outros não”. Também policiais, “tinha alguns que não gostavam
dele”, já que o pastor Clinton procurava manter-se livre das questões políticas da cidade.
“Porque ele era independente do... do que o prefeito queria né”. Clinton Thomas “não gostava
de som alto e ele reclamava sempre”, e como os habitantes “diziam que pagavam direito,
então era um motivo de encrenca (...) era pelo alto falante e barulho, naquele tempo, que
perseguiam ele”. Como era de conhecimento público onde aconteciam as reuniões
evangélicas, “eles faziam barulho né, sabendo que ele tinha o culto”.79
A atuação médica de Clinton Thomas dispunha da contribuição de um médico
brasileiro: “só tinha o doutor João Lúcio que dava amostra grátis pra ele, medicamentos, em
Manaus”. João Lúcio era amigo do pastor Clinton, e fornecia “medicamentos pro papai trazer,
distribuir aqui pro pessoal”. É provável que esse seja o médico que nomeia um hospital na
capital amazonense: “eu acho que o Hospital Doutor João Lúcio é o nome dele”. Pastor
Clinton “ia em Manaus, numa base de uma vez por mês, fazer compras e ia visitar o doutor
João, sempre tinha um estoque de remédio para mandar pra ele”.80
As consultas eram realizadas “de manhã até meio-dia”. Havia “fila de pessoas”, que
“ocupava bastante tempo” do pastor Clinton. O local das consultas era sua residência: “ele
tinha um consultório em casa, as pessoas vinham... com muitos, muitos problemas né”. Além
disso, “pessoas que não podiam chegar em casa ele ia visitar na casa deles”. Apesar de sua
ajuda, em casos mais sérios, ele pedia que o doente fosse para Itacoatiara ou Manaus: “alguma
coisa que não tinha tratamento aqui, tinha que... aí nesse ponto as famílias, a prefeitura,
78
Ibidem.
79
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
80
Ibidem.
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pediam uma ajuda, uma passagem, se não tivesse”. Não havia médicos na cidade, “só depois
né, dos anos 80 que veio aparecendo os médicos”. Segundo Tomé, as autoridades da cidade
apoiavam o trabalho medicinal do pastor Thomas, “porque todo mundo precisava dele. Se ele
doava o tempo dele ninguém ia empatar ele né (...) tanto faz prefeito, policial, todo mundo
confiava nele, no trabalho dele”.81
Tomé Thomas revela que seu pai “nunca cobrou medicamento de ninguém... nem
ajuda, só na área de mecânica, porque precisava o material e ele teria que pagar pra ajudar
então ele cobrava, mas, era pouco”. Apresentando a atuação mecânica de seu pai, Tomé
descreve que “ele tinha torno, ele fazia de tudo, até peças pra máquina elétrica”. Assim, ele
cuidava dos veículos, “alguns né, que não tinha muitos naquele tempo”. Enquanto as manhãs
eram para o atendimento médico, “pela tarde ele trabalhava na área mecânica (...) assim,
ajudando o povo”.82
Ocupando suas manhãs e tardes, como Clinton conciliava suas atividades com o
serviço pastoral? Tomé Thomas afirma que os cultos eram “domingo de manhã, domingo à
noite, quarta-feira, tinha culto de oração”, “então ele tinha bastante tempo pra ele ficar...”
Também “ajudava quando as pessoas iam visitá-lo né, se, tinham alguma pergunta espiritual,
podiam conversar com ele”. Tomé recorda que “até em 1980 era bem assistido”, já que “antes
de televisão, era bem assistido, porque não tinha motivo de reunir as pessoas né”.83
E em que áreas a Sra. Phyllis Thomas atuava? Tomé relata que sua mãe “tinha hobbies
né, de fazer costura, com grupos de mulheres, é, tecido de metro e meio de tapete, assim, pra
conversar e ter algum objeto pra fazer as coisas né”. Também dava aulas “na escola pública e
particular”. Ela ensinava “inglês particular”, e trabalhou na Escola Estadual Ramalho Júnior.
Clinton substituiu Phyllis algumas vezes nas aulas de inglês: “Se ela... é, viajasse ele
preenchia assim, uma noite, que ela não podia ir, mesmo que ele não era um professor, mas
ele... acho que tem pessoas que tem lembrança dele...” E sua atuação na igreja? Tomé fica
indeciso um momento e diz que “ela tinha as partes né, que ela trabalhava mais com as
senhoras, e ele com os homens”.84
A Igreja de Cristo foi a primeira igreja evangélica de Urucará, mas “nos anos 90,
chegou outras denominações”. Como eram as relações entre as diferentes igrejas evangélicas?
“Sempre tem a crítica de prática. Cada um tem o seu método, não é? De igreja com mais
81
Ibidem.
82
Ibidem.
83
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
84
Ibidem.
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número, sempre se acha certa porque o número é maior...” Tomé também relata sobre as
mudanças dos fiéis: “é porque os outros quando vem, eles já vem atrás de evangélicos que
tem a base... é mais comum tirar alguém da igreja que já é evangélico para ajudar, do que
achar uma pessoa nova, né?”.85
Tomé credita às novas igrejas a diminuição da frequência na Igreja de Cristo: “Vir os
outros movimentos, e as pessoas começaram a sair”. Urucará “também cresceu, então as
pessoas ficavam mais distantes da igreja, e começaram a frequentar a mais próxima de sua
casa”. Ainda que “sempre vai saindo, e vem entrando novos, né, mas... Outros era estudo em
Manaus, ou trabalho em Manaus”, pois “a imigração pra Manaus foi grande”. Com tudo isso,
os membros foram diminuindo. Entretanto, ainda que muitos membros tenham saído, “tem
muitas pessoas que reconhecem a base de crescimento que papai espalhou, na infância deles,
mesmo que eles, hoje pratiquem com outras igrejas, né...”86
Depois de trinta anos em Urucará, é à sua mãe que Tomé Thomas atribui a saída dos
missionários da cidade:
Sim, porque a mamãe queria voltar. Acho que saudade, né, de família. Tantos anos
fora... e motivo de escola foi motivo que ela queria terminar... que ela não terminou
quando ela veio em 56, ela não tinha terminado ainda a escola. Então ela sempre
cobrava do papai para voltar um dia e terminar...87
O casal Thomas retornou aos Estados Unidos na segunda metade da década de 1990,
aposentando-se de suas ações missionárias. Visitavam Urucará algumas vezes nos anos
seguintes, e Pastor Clinton vem a falecer em 21 de abril de 2007, no Baptist Hospital em
Knoxville, Tennessee.88
Considerações finais
Ao privilegiar aspectos da história da região do Baixo Amazonas, buscamos suprir
lacunas na historiografia amazonense, tendo em visto a inexistência de análises acadêmicas
sobre a trajetória de Clinton Thomas e a Igreja de Cristo em Urucará. A nível nacional, não
encontramos pesquisas científicas sobre a Igreja de Cristo no Brasil. Procuramos desbravar
esse campo, analisando as redes de relações de Clinton Thomas com Urucará, com a Igreja de
Cristo no Brasil e com a Igreja de Cristo nos Estados Unidos. Além de seu relacionamento
com outras pessoas no Brasil e com outros estrangeiros, que viviam ou visitavam Urucará e
85
Ibidem.
86
Ibidem.
87
Entrevista realizada com Thomas Joel Thomas, em 19 de agosto de 2017, em Urucará/AM.
88
BRAZIL CHRISTIAN WIKI. Clinton and Phyllis Thomas. Disponível em
<http://en.brazilchristianwiki.org/wiki/Clinton_and_Phyllis_Thomas>. Acesso em 15 de agosto de 2017.
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Referências Bibliográficas
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes
históricas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2014, p. 155-202.
MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.). Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier,
2012, p. 21-36.
PORTELLI, Alessandro. Sempre existe uma barreira: A arte multivocal da história oral. In:
_______. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010, p. 19-35.
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Introdução
A pesquisa analisa o movimento que foi organizado pelos professores das Escolas
Estaduais do Município de Parintins durante a greve dos funcionários públicos da área da
educação no ano de 2018. Vivenciamos essa experiência durante o Estágio Supervisionado II
e foi muito importante, pois acendeu-nos a reflexão sobre a importância do professor na
consciência histórica e na transformação da realidade. Este movimento exigia dentre outros
direitos o reajuste do piso salarial, por isso a ação foi denominada como greve dos professores
o que culminou na paralisação das aulas da rede pública de ensino estadual. Ganhando força
posteriormente, com o apoio de outros servidores como os merendeiros, porteiros e
professores aposentados. Em busca dos seus direitos, os servidores envolvidos chegaram a
ficar acampados na Praça de São Benedito, espaço cedido pela Igreja Católica, que também
apoiava a luta do movimento grevista. Reconstituiremos esse importante momento por meio
das entrevistas que fizemos com os envolvidos e que foram devidamente registradas e
analisadas à luz das questões trazidas pela História Oral. Esta metodologia estabelece e
norteia os procedimentos desta pesquisa. Essa greve foi muito importante para fortalecer os
laços entre as escolas estaduais e mostrar a união dos professores, que depois de muita luta
conseguiram algumas conquistas como o reajuste salarial de 27%. Durante o acampamento na
Praça São Benedito, os professores decidiram ocupar, também, o prédio da representação da
SEDUC no município. O acampamento foi realizado por professores e servidores e contou
com a participação em massa de alunos e de seus responsáveis.
O movimento que nasceu da base e no início ocorreu à revelia do Sindicato da
Categoria fez surgir novas lideranças como o professor de história Rooney Vasconcelos e a
professores de língua portuguesa Keila Regina Nogueira. A organização do acampamento era
feita por todos os professores da rede estadual, que revezavam entre os horários diurno e
noturno. Também alternavam- se na limpeza do espaço que ocupavam e na produção de
alimentação para o grupo. Além disso, promoviam ações como vendas de guloseimas para
custear os gastos do acampamento.
*
Esta pesquisa é fruto da experiência vivida na prática do Estágio Supervisionado em História I na graduação de
História da UEA/CESP, realizada no primeiro semestre de 2018, sob a supervisão da profª Drª Mônica Xavier.
Graduanda do 8º período do curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado do Amazonas
(CESP/UEA). Contato: daisouzacris@gmail.com
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Assim como outros setores, a educação sempre foi um dos problemas mais atuais
dentro do cenário brasileiro. Também é verdade que a valorização e dignidade dos nossos
mestres, nunca foi de fato reconhecida pelos nossos representantes governamentais, o que é
lamentável, uma vez que são eles que trabalham para formar todas as outras profissões e
muitas vezes por sinal, em condições precárias.
Dentro desta perspectiva a qual estão esses sujeitos, é notório que os docentes e
funcionários da educação, não suportariam muito mais tempo, tanto descaso e desvalorização
de seu trabalho.
Foi justamente o que aconteceu com os Servidores Públicos do Amazonas, cansados
de tantas promessas e esperar por reajustes e outros benefícios, decidiram em assembleia por
paralisarem as aulas nas escolas estaduais. Contando apenas com o apoio dos pais e de alunos
e também com uma boa parcela da comunidade parintinense, que aprovavam as
manifestações. Os professores começaram as articulações, promovendo assembleias, indo
para as ruas reivindicando seus direitos e promovendo vendas para custear os gastos da greve,
já que não contavam com nenhuma ajuda financeira de nenhuma entidade. Organizados e
amparados pela lei, uma vez que a greve é um direito constitucional foram posicionando- se
de maneira critica e exigindo melhorias sociais, políticas e civis, através deste movimento dos
servidores da educação.
pontos reivindicados por eles, buscando a extensão de atendimento do plano de saúde para os
interiores e sua extensão para os dependentes (menores de idade), também exigiam melhorias
na merenda escolar, transporte para os servidores de todos os municípios do interior e
transparência na aplicação de recursos do FUNDEB, muitas outras questões foram levantadas
e foi em busca dessas melhorias e direitos que se articulou o movimento grevista. Os
servidores ressurgem não apenas como trabalhadores inertes, que seguem o que é determinado
pelo sistema e se erguem afim de transforma sua realidade. Sobre isto, Paulo Gomes Lima
afirma:
Esta educação transformadora promove a consciência de quem desenvolve o
trabalho pedagógico- o professor, a equipe técnica e colaboradores, bem como o
desenvolvimento do estudante; todos são participantes, de uma historia construída
por meio de vez, voz e voto e mais do que isso, os saberes que são adquiridos e
desdobrados passam a ter um outro sabor: uma ênfase na construção do homem
como ator social e não como sujeito passivo que deve, simplesmente, consumir um
conhecimento intelectual linearizado (LIMA, 2012 s/p.)
No primeiro momento esta ação foi denominada como greve dos professores o que
culminou na paralização das aulas da rede pública de ensino estadual, ganhando força
posteriormente, com o apoio de outros servidores como, auxiliares administrativos,
merendeiros, porteiros e professores aposentados, que também estavam reivindicando os seus
direitos, após anos de serviços prestados a educação, desta maneira tiveram a necessidade de
mudar o nome do movimento para “Greve dos Servidores de Parintins”.
Na ação de exigir aquilo que se tem por direito e até mesmo na criação das pautas
levantadas, muitas reuniões eram realizadas, afim de discutir as ações do grupo, onde todos
eram ouvidos e podiam dar a sua opinião, discutindo ações que fortaleceriam a greve.
Oficialmente, a greve foi definida para o dia 22 de março de 2018 em Assembleia da
categoria realizada em Manaus, porém em várias cidades do interior e em muitas escolas da
capital o movimento já se colocava pela base. Em Parintins, os professores já estavam
mobilizados desde janeiro deste ano.
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Texto integrando dos Anais [recurso eletrônico] do IV Encontro Estadual de História - Ensino de
história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
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“Passa-tempo”, não!
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Muitas pessoas que não entediam a greve ou não estavam a favor da mesma, não
davam muita credibilidade às manifestações dos servidores. O que para mim enquanto
pesquisadora designada pela Dra. Monica Xavier (que ministrava a disciplina de Estágio II)
para atuar em campo na greve, é uma ideia distorcida e errônea dos fatos.
Nós que estivemos presentes nos dias finais da greve, percebemos a união e o quão
determinados estavam os servidores, apesar de todo o cansaço do grupo, estavam
esperançosos em um retorno que favorecesse a todos. Muitas conversas surgiram durante a
greve que descontentaram os participantes, um deles foi reclamações de algumas pessoas que
usaram redes sociais e grupos de whatsApp para desqualificar o movimento grevista.
Situações como essas partiram de alguns pais de alunos, que não concordavam com a
paralisação das aulas, relatando a falta de compromisso dos docentes com os seus filhos.
Devo dizer que este foi um grande desapontamento para mim enquanto cidadã,
como estudante e também como futura colaboradora da educação, mas que também me
estimulou a trabalhar com meus futuros alunos, sobre o papel de ser um cidadão, conhecedor
dos seus deveres com a sociedade, mas também consciente dos seus direitos, refletindo e
questionando, propondo mudanças para o bem maior da sociedade. Dessa forma, mostrar aos
alunos e para toda a sociedade que se temos deveres enquanto cidadãos, da mesma maneira
temos direitos, estes que estão garantidos dentro da Constituição Federal do Brasil, nas
palavras de Sergio Martins (2012); “Se o direito de greve está inserido no capitulo II, dos
Direitos Sociais, do Título I, já é possível dizer que os interesses são sociais, dizendo respeito
às condições de trabalho, a melhoria das condições sociais, inclusive salariais”.
Foram, muitos relatos de que os professores reclamavam sem motivos e que eram
uma desculpa para não estarem em sala de aula. Essa ideia repercutiu muito, dentro da
comunidade parintinense, havendo algumas manifestações por redes sociais e grupos de pais,
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Nós fomos para rua, colocamos a cara no sol, na chuva. Chamamos a atenção
da sociedade, falamos diretamente com os pais nas suas casas e em uma
reunião que nós organizamos. Realizamos eventos, caminhadas, demos
entrevistas para chamar a atenção e pedir apoio da sociedade, tudo muito
organizado, resultado de muito trabalho mesmo. (FRAGATA,2018)
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Considerações finais
Diante do que foi exposto neste trabalho, posso concluir que através do contato com
a Greve dos Servidores Públicos do Amazonas, por intermédio da disciplina de Estágio
Supervisionado II, pude compreender algumas dificuldades por qual irei passar enquanto
educadora. Das mazelas que os professores e outros servidores da educação tem que enfrentar
todos os dias.
Devo salientar que essa experiência contribuiu de forma significativa com a minha
formação como futura professora de História, com mais disposição para interferir e promover
novas possibilidades na minha vida profissional e social, assim como na vida dos meus
alunos.
Ainda abre espaço para refletir sobre o que é ser um cidadão consciente de suas
obrigações e seus direitos, entendo a greve como um direito constitucional do servidor
público. Exercendo-a dentro da legalidade e com responsabilidade, pois é um direito social
que não se restringe somente a classe de trabalhadores da educação, mais de todos os
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cidadãos, lhe dando condições para viver com dignidade, através da valorização e
reconhecimento de seu trabalho.
Referências
LIMA, Paulo Gomes. A Importância do papel do professor para o sucesso da educação.
Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/13500666/A- IMPORETANCIA-DO-PAPEL-DO-
PROFESSOR-PARA-0-SUCESSO-DA-EDUCAÇÃO-PRF-DR-PAULO-GOMES-LIMA-
UFGD Acesso em 03 de agosto de 2018.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 28a Ed. Atlas: São Paulo, 2012.
FOTOS
LACERDA, Soraia. Fotos/ Arquivo pessoal. 2018.
SOUZA. Daiane. Fotos/ Arquivo pessoal. 2018.
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Introdução
As etnias indígenas brasileiras têm tido ao redor do país e de sua história uma
carregada e marcante trajetória de dificuldades enfrentadas desde a escravidão a forma de
apagamento da própria história. uma das atuais dificuldades enfrentadas por estes
personagens ea discriminação e o preconceito sendo estes evidenciados em episódios que
cuja as próprias testemunhas são condizentes com a situação pois a caracterização e a cultura
do outro é ensinado desde o berço a ser ignorado e tratado como o errado havendo uma total
falta de austeridade e essas questões da própria sociedade são os fomentadores de conflitos
que acontecem desde o sair de casa, dentro de escolas e durante o trabalho.
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A história oral produz documentos segundo ALBERTI (2012) através das entrevistas
que se tornam posteriormente a fonte analisada faz com que o pesquisador possa através da
análise do testemunho encontrar uma experiência de vida que tenha relação com o objeto de
estudo. A história da experiencia segundo Lutz Niethammer e o que deixa os pesquisadores de
história oral mais próximos do que ele considera o significado de história dentro da história.
Como a história oral permite obter o conhecimento sobre diferentes modos de vida e de
vivencias de grupos sociais partindo de uma memória ao qual esses grupos sociais e modos de
vida geraram o que torna a memória um objeto que possa a ser analisado através dos
testemunhos de seus guardiões pelo método da história oral que torna-se um instrumento
necessário para a com a pluralidade e sua fragmentação pois a memória é flexível e pode ser
reconstruída.
A memória segundo MOTTA (2012) para alguns autores que trabalham com a
metodologia da história oral como Michel Pollak e Maurice Halbwachs entendem que ela e
algo construído no íntimo do indivíduo ou até de um coletivo onde se encontram as noções de
realidade que esse grupo/pessoa ao criar sua memória demonstra entender, mas essa memória
está sujeita a mudanças e transformações ao decorrer do tempo. Apesar da memória ter uma
característica de estar em constate mudança e transformação existem traumas ou momentos da
memória em que não se alteram. A memória também é uma fonte histórica pois elas ao serem
recordadas demonstram contradições, elos e visões distintas sendo possível assim analisa-las
criticamente para que possam descontruir outras memórias consagradas.
No caso das entrevistas realizadas com o indígena da etnia Sateré-Mawé José Ferreira
de Souza (conhecido também como “Zezinho”) e com seus familiares (seu filho Alcimar de
Souza e sua esposa Ada da Costa Silva) é demonstrado repetição de uma experiência
proporcionada pela migração feita por essa família da sua moradia na reserva indígena de
nome ponta alegre próximo do distrito de João madeira para sede da cidade de Parintins onde
essas pessoas começariam a passar por episódios em locais específicos da rotina de seu dia-a-
dia que não haviam passado em seu antigo lar. O conjunto familiar formado por “José Ferreira
de Souza” (1973-2017) que possuía um cargo de importância na sociedade da etnia sateré-
mawe o qual herdou de seu pai e zezinho em seguida explica que seu pai lhe concede o cargo
de capitao geral da tribo Sateré Mawé após seu falecimento e que junto ao cargo de tuxaua
(um outro cargo na hierarquia Sateré) comandam toda a população que se encontra no que ele
define como sua nação. Em seguida temos a sua esposa Ada da Costa Cabral que não se
identifica como uma Sateré-Mawe, mas convive com eles desde seu nascimento na área
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indígena e por último seu filho Alcimar da Costa Souza este último nos dias atuais está
exercendo as funções do cargo de seu pai pois este já apresentava em suas palavras forte
empenho político para com as questões indígenas
“Seu Zé: Faz muito tempo que nós cheguemos aqui... 20 e poucos anos... Aqui era...
Índio já viu
como é né? Quando barco chegava lá tudo ficava admirado... Hoje a gente passa aí...
Têm
Às críticas pra mim não valem nada...
En: Mas que críticas são essas?
Seu Zé: A gente é índio, índio come isso, toma aquilo,
... Que índio é lascado..
Seu Zé: É... Por causa de adulação(zoação?) de dizer ah tu é índio, tu come saúva e é
preguiçoso não sei quê... Ele partia pra cima...”89
89
Gravação de 08 de maio de 2017 entrevistado: José Ferreira de Souza
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Isso nos leva a questão de racismo que a família de zezinho passou foi apresentada
desde sua chegada no local até os locais onde ele deveria ser combatido pois o intuito de
“zezinho” ao ir a sede da cidade de Parintins era a de uma melhor qualidade de educação já
que seu antigo local de moradia não atendia as suas necessidades nas escolas foram onde
ocorreram os episódios de discriminação com maior frequência em uma das falas de Zezinho:
“...Sofria isso na escola né? Era brincadeira de mau gosto né? Ah ele é índio,
inclusive na época eu briguei com um colega meu que sempre bagunçava, tudo era ô
índio, quando aparecia algum trabalho que era pra falar de índio, ele sempre levava
pro lado de discriminação”.91
“...Tinha colegas nossos que queriam saber como era a nossa cultura e como que era
a nossa convivência, mas tinha outros não que... tem até hoje né? Tem gente que não
quer nem papo com índio né? Que não gosta... A gente não agrada a todos né? Tem
gente que não gosta...” 92
“Colocar o ano em que o ensino sobre cultura afro e indígena foi colocada em lei para
problematizar mais a questão da intolerância dentro da sala de aula e depois descobrir em que
ano Alcimar entrou na universidade e quando foi que veio estudar em Parintins para
relacionar as datas pois se forem após 2011 na universidade deveriam haver no mínimo
palestras sobre as questões de intolerância.”
“…questão da faculdade também, tinham uns colegas meus que não se davam bem
com a gente, por causa da questão indígena, porque eles dizem que índio só... Eu
acho que o choque que eles levam e que... A gente só quer o bem-bom, eles sempre
veem as nossas reivindicações, tem na mídia sempre reivindicando e questionando,
mas eles pensam que a gente quer tudo a mão, tudo de bem. Mas não é assim
também não, a gente que é índio sente na pele”. 93
90
Gravação de 08 de maio de 2017 entrevistado: José Ferreira de Souza
91
Gravação de 06 de maio de 2017 entrevistado: Alcimar da Costa Souza
92
Gravação de 06 de maio de 2017 entrevistado: Alcimar da Costa Souza
93
Gravação de 06 de maio de 2017 entrevistado: Alcimar da Costa Souza
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“Eu tinha um colega que falava assim: Ah não, esses índios querem demais, tem
muita terra, não querem trabalhar, índio é preguiçoso, índio é isso... Sabe ele falou
na lata, e a gente tinha que se defender né? Não é assim também não, a questão de
ser preguiçoso, a questão é que o nosso modo de vida é outro, nossa cultura é outra.
Não é o que eles pensam... O que a gente pensa... E... A gente sentia na pele essa
questão aí de discriminação... Quando eles pensam que a gente quer que o governo
94
dê pra gente, não, a gente só quer nosso espaço e lutar pelos nossos direitos”.
Logo após os comentários de Alcimar ele também se utiliza de frases que remetem ao
conhecimento sobre sua própria identidade pois apesar de todas as influências que a sociedade
propõe a Alcimar ele ainda se vê como um indígena segundo suas palavras:
“Eu posso ser o que você é sem deixar de ser o que sou. Eu sempre falava isso pra
eles, eu posso ser um deputado, um prefeito, mas nunca vou deixar de ser índio, eu
posso chegar a qualquer cargo desse, mas sempre valorizando meus princípios
95
indígenas, sempre levando minha identidade”.
Alcimar conta outro caso de discriminação que aconteceu durante o período que
trabalhava (não há especificação de seu oficio) no ano de 2013 quando o seu patrão descobre
que havia sido furtado de algum pertence seu então todos os trabalhadores são colocados em
fila e o patrão vai verificando cada um de seus contratados, mas quando chegou a vez de
Alcimar por possuir uma condição étnica diferente das demais presentes seria acusado como
autor do crime:
“Ele foi falando de cada um né? E quando chegou em mim ele falou: eu não
conheço ele, ele é índio, ele é índio, não sei como é a vida dele.” 96
Em seguida após uma investigação séria provando que não teria sido Alcimar que teria
cometido tal ato e depois da comprovação da sua inocência ele receberia um tratamento
melhor vindo de seus colegas de trabalho e até mesmo recebendo desculpa do próprio patrão:
“Depois passaram a me conhecer realmente né? Que eu não era aquela pessoa, que
eu era diferente... Eu saí de lá com a consciência tranquila, todos eles me gostaram,
até ele(chefe) me elogiou e pediu desculpa pelo que ele tinha falado.” 97
Conclusão
Conclui-se que mesmo havendo políticas e órgãos voltados a extinguir estes estigmas
da sociedade brasileira ainda existem resquícios que permaneceram sem cura já que não havia
naquele momento pessoas envolvidas no embate pois existem em espaços onde não deveriam
existir e se apresentam através de quem deveria ser o mais avido combatente a esse tipo de
questão. Para que esse tipo de episódio não volte ou ao menos diminua sua intensidade e
94
Gravação de 06 de maio de 2017 entrevistado: Alcimar da Costa Souza
95
Gravação de 06 de maio de 2017 entrevistado: Alcimar da Costa Souza
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Gravação de 06 de maio de 2017 entrevistado: Alcimar da Costa Souza
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Referência
SOUZA, Hellen C. Entre a aldeia e a cidade: estudantes indígenas em contextos urbanos no
Brasil. Trabalho apresentado na 26ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os
dias 01 e 04 de junho de 2008, Porto Seguro, Bahia, Brasil.
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Novos domínios da história. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012.
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2011.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5,
n. 10, 1992.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol. 2, n. 3, 1989.
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Introdução
A presença da mulher indígena nos séculos XVII-XVIII é imprescindível para a
manutenção da colônia, porque as tarefas desempenhadas pelas indígenas dentro do
aldeamento, eram essenciais para a manutenção da vida – preparo da farinha, o principal
alimento da colônia - e da economia - confeccionando tecidos de algodão que serviam como
moeda de troca (CARVALHO JÚNIOR, 2013: 91-92). Mais tarde, como aponta Leila Mezan,
à medida que essas mulheres vão entrando nos espaços domésticos, como escravas ou criadas
nas casas dos senhores, as técnicas de produção da farinha de mandioca vão sendo
incorporadas pelas portuguesas. Outra prática absorvida pelas senhoras, apoiadas pelos
conhecimentos de suas escravas, foi a administração de remédios caseiros (ALGRANTI,
1997:127-144).
Ao serem absorvidas por este novo mundo, as mulheres indígenas tornaram-se
escravas domésticas e usadas para o sexo, simultaneamente, imputando-as uma moralidade
estranha e distinta de sua realidade. Além de que, "por mais contraditório que possa parecer,
embora escravas, adquiriram mais liberdade" (CARVALHO JÚNIOR, 2013:223). Esta
“liberdade” refere-se ao fato de poderem se livrar da vigilância constante dos missionários.
Apesar de já conhecerem a fé católica, essas mulheres não abandonaram por completo as
tradições ancestrais e, na casa dos senhores, acabavam por se especializarem em magia e
encantamentos, abarcando até mesmo as senhoras ao solicitarem as especialidades místicas
das índias.
Apesar dos muros, a vida doméstica na sociedade colonial não era tão privada, por
conta da grande interação com a rua e os vizinhos. Os processos e denúncias do Santo Ofício,
no Estado do Grão-Pará, nos permite adentrar na intimidade da colônia e visibilizar o
protagonismo dos sujeitos denunciados e processados. Segundo Ronaldo Vainfas, os
visitadores da Inquisição Portuguesa, nas portas das igrejas, apontavam quais eram as
condutas que deveriam ser denunciadas, e por medo do poder, a sociedade colonial
denunciava seus parentes, seus vizinhos, seus desafetos e seus rivais (VAINFAS, 1997:228).
*
Graduanda em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas.
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A mulher nas interpretações do Gênesis, livro sagrado cristão, era vista como
responsável pela expulsão da humanidade do Paraíso. Os europeus, com isso, sustentavam
essa visão a partir dos seus códigos de posturas, cuja, as mulheres eram vistas como
vulneráveis ao pecado da carne e, imediatamente, precisavam ser controladas por não
conseguirem fazer nada com moderação:
As mulheres são, por natureza, mais impressionáveis e mais propensas a receberem
a influência do espírito descorporificado; e quando se utilizam com correção dessa
qualidade tornam-se virtuossismas, mas quando a utilizam para o mal tornam-se
absolutamente malignas. [...] possuidoras de línguas traiçoeiras, não se abstém de
contar às suas amigas tudo o que aprenderam através das artes do mal; e, por serem
fracas, encontram modo fácil e secreto de se justificarem através da bruxaria.
(KRAMER; SPRENGER, 1997:115-116)
Este artigo busca identificar, através das menções do missionário João Daniel, as
diferentes maneiras que as mulheres indígenas entendiam estas normatizações teocráticas e
rituais da fé católica impostas a elas, formando assim estratégias de resistência que consistiam
na ressignificação destes rituais para obter uma certa liberdade do julgo missionário, ou para
outros benefícios próprios. Ambas as fontes - Malleus Maleficarum e os relatos de João
Daniel serão analisadas, a partir da Nova História Cultural, considerando as abordagens da
Nova História Indígena e a categoria de Gênero.
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e Antropologia que o termo “cultura” empregou-se de forma mais ampla, outras ideias da
antropologia interessaram aos historiadores:
Para o surgimento da Nova História Indígena uma outra junção foi importante: a da
antropologia e do indigenismo. Para John Manuel Monteiro, a relação dessas perspectivas
possibilitou ampliar a visibilidade dos povos nativos da América portuguesa, que quase
sempre eram omitidos, e revelou as perspectivas desses povos sobre o seu próprio passado. A
antropologia histórica vai incluir os povos indígenas como atores históricos, não os
minimizando a apenas vítimas dos processos da conquista e colonização, colocando-os como
sujeitos que desenvolveram estratégias diante dos desafios das relações de dominação
(MONTEIRO, 1995).
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Para usar teorias do campo de Gênero sobre a trajetória das mulheres indígenas no
período colonial, é necessário compreender que, apesar das diferenciações culturais entre as
mulheres ocidentais - o qual estamos mais habituados a discutir sobre gênero - e as mulheres
indígenas, em um contexto de colonização, foram-lhes impostas uma moralidade atribuída, a
princípio, às mulheres brancas. Portanto, ao impor normatizações aos nativos, os
missionários, como representantes da Igreja, demonstraram em seus relatos as práticas que
consideravam heréticas, identificando esses atos, dentre outros, por meio do livro Martelo das
Bruxas (1430 - 1505), considerado como a “bíblia do inquisidor”.
A partir desses três campos de pesquisa - Nova História Cultural, Nova História
Indígena e História de Gênero - pudemos identificar não apenas os contextos de violências
nos quais as mulheres indígenas foram protagonistas, mas suas representações num mundo
cristão no qual foram inseridas. Através do diálogo com esses campos, podemos destacar o
seguinte recorte: étnico (indígenas), das hierarquias sociais (os subalternos esquecidos pela
historiografia tradicional) e de gênero (mulheres).
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aos homens franceses em troca de quaisquer gêneros materiais, não recebessem outros
convites de casamento (RAMINELLI, 1997: 21-23).
Ao mesmo tempo, estas mulheres estavam sendo denunciadas por não cumprirem as
normatizações dos códigos português, tal como estava escrito, encontrando caminhos para
burlá-los e ressignificá-los através dos rituais de sacramento cristão, como, por exemplo, o
batismo. Carvalho Júnior aponta que, no bispado do Maranhão, era pecado gravíssimo manter
coito com mulheres não cristãs. Logo, para manter a liberdade sexual própria da sua tradição,
as mulheres indígenas se batizavam e, agora cristãs, poderiam ter relações sexuais com os
homens brancos, podendo também casar-se com um homem indígena, visto que o sexo para
os povos indígenas era entendido de forma distinta da cultura europeia. João Daniel observa
em Tesouro Descoberto do Rio Amazonas (1772-1776) como se davam os papéis de gênero
no casamento indígena, sobretudo ao homem, afirmando que,
O Martelo das Feiticeiras (1430-1505) irá dar as razões pela qual as mulheres mais
suscetíveis, segundo a Igreja e a bíblia cristã, aos pecados da carne e as heresias:
A razão natural está que a mulher é mais carnal do que o homem, o que se evidencia
pelas suas abominações carnais. E convém observar que houve uma falha na
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formação da primeira mulher, por ela ter sido criada a partir de uma costela recurva,
ou seja, uma costela do peito, cuja a curvatura é, por assim dizer, contrária à retidão
do homem. E como virtude dessa falha, a mulher é animal imperfeito, sempre
decepciona e mente (KRAMER; SPRENGER, 1997: 115-116).
Considerações Finais
Este artigo buscou evidenciar o protagonismo e a resistência das mulheres indígena
inseridas em um mundo colonial cristão, no século XVII-XVIII, tendo como fonte as menções
dos missionários e códigos de posturas vigentes da época. O tema aqui apresentado faz parte
de um dos objetivos do meu projeto de Pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC), ainda em
desenvolvimento, que busca um diálogo entre a Nova História Cultural, a Nova História
Indígena e História de Gênero, essa última deve ser matizada em um contexto de
diferenciação cultural, considerando os universos culturais específicos dessas indígenas.
A Nova História Indígena, segundo Monteiro, “busca romper com as abordagens que
enxergam a resistência como apenas uma reação anônima, coletiva e estruturalmente limitada.
Novas leituras do espaço intermediário poderão revelar o sinuoso caminho por onde passou -
e passa- a resistência” (MONTEIRO, 1999: 243).
1
Termo “Índios Cristãos” foi criado por Almir Carvalho Junior por ser entendida como uma construção histórica.
Somente os batizados poderiam ser “cristãos” e nessa categoria só os “índios” entram. cf. CARVALHO
JÚNIOR, Almir Diniz. Índios Cristãos: Poder, Magia, e Religião na Amazônia Colonial. Curitiba: CRV, p.26,
2017.
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Referências
ALGRANTI, Leila Mezan. Família e Vida Doméstica. In: NOVAIS, Fernando. História da
Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo:
Companhias das Letras, 1997.
ARAÚJO, Emanuel. A Arte da Sedução: sexualidade feminina na colônia. In: DEL PRIORE,
Mary. História da Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto,1997.
BURKE, Peter. O que é História Cultural?. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 2008.
CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz. Bigamia indígena nas malhas da inquisição:
apropriações e mediação cultural. In: Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais,
Salvador, 2011.
CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz. Índios Cristãos no Cotidiano das Colônias do Norte
(séculos XVII e XVIII). Revista de História USP, n° 168, 2013
CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz. Índios Cristãos: Poder, Magia, e Religião na Amazônia
Colonial. Curitiba: CRV, 2017.
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Texto integrando dos Anais [recurso eletrônico] do IV Encontro Estadual de História - Ensino de
história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
Introdução
Este artigo pretende apresentar os resultados do trabalho de iniciação científica
intitulado: O Serviço de Proteção ao Índio e os índios do rio Jauapery. Tem como recorte
temporário os anos de 1912 a 1930. O trabalho pretende fazer um balanço historiográfico dos
trabalhos publicados sobre os índios do rio Jauapery, visando identificar os atos de estado
presentes na política tutelar do SPI e os impactos sobre os povos indígenas do rio Jauapery,
analisando as estratégias de etnopolíticas e as formas de agenciamento indígena em face às
políticas indigenistas. Esse projeto este projeto está vinculado tema: História, Etnicidade e
Formas de Agenciamento Indígena na Amazônia (XIX e XX).
Com relação a região do rio Jauapery, esta é situada no baixo rio Negro, em uma área
que hoje faz fronteira entre o Estado do Amazonas e o Estado de Roraima, mas que no início
do século XX, pertencia ao Amazonas e estava sob a influência econômica e até política de
empresas seringalistas situadas na cidade de Manaus.
Sobre o SPI – Serviço de Proteção ao índio, órgão esse que teoricamente colocaria em
prática a política indigenista, tem como protagonista o indígena que a partir 1910 passa a ser
agenciado pelo governo e começa a ter problemas pois, o que serviria como um programa que
protegeria as comunidades indígenas torna-se um facilitador da exploração da mão de obra
indígena. Uma vez que o conflito fora inserido no monopólio do regime tutelar e nos seus
dispositivos administrativos a atividade de “amansar o índio” e torná-lo dócil inserindo ao
progresso num lugar subalternizado e sob um ambiente controlado.
*
Graduanda em História na Universidade Federal do Amazonas (UFAM]); voluntária no Programa institucional
de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), sob orientação do Professor Doutor Davi Avelino Leal; vinculada ao
Laboratório de História da Imprensa no Amazonas, sob a coordenação da Professora Doutora Maria Luiza
Ugarte Pinheiro.
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pesquisadores e o nosso entendimento sobre a relação entre a história dos povos indígenas e o
poder estatal avança.
Porém, algumas regiões ainda estão a descoberto, quase que na invisibilidade, e cabe aos
(as) pesquisadores (as), lançar luz sobre esses espaços opacos da historiografia de forma que a
gente possa ter um quadro cada vez mais completo e complexo das estratégias indígenas e das
formas de agenciamento dessas populações face as políticas indigenistas.
Esse é o caso da região do rio Jauapery, situado no baixo rio Negro, em uma área que
hoje faz fronteira entre o Estado do Amazonas e o Estado de Roraima, mas que no início do
século XX, pertencia ao Amazonas e estava sob a influência econômica e até política de
empresas seringalistas situadas na cidade de Manaus.
Tal aspecto é significativo para se entender porque determinadas áreas são escolhidas
como prioritárias para a atuação do SPI no Amazonas a partir de 1910. O Madeira volta para
o centro das preocupações, mas agora ele não está sozinho. O rio Jauapery e as suas
populações indígenas farão parte desse roteiro de atuação militarizada.
De acordo com Antônio Carlos de Souza Lima, durante sua existência, o Serviço de
Proteção aos Índios, agiu com sagacidade, pois usou a tutela dos indígenas brasileiros, criando
uma relação de controle e poder, onde o estado deveria atuar como o defensor dos povos
indígenas, e como moeda de troca tinha acesso recursos humanos e financeiros nos
estabelecimentos indígenas. O plano de proteção, buscava controlar os conflitos entre as
populações indígenas e a sociedade nacional e transformar essas populações indígenas em
trabalhadores nacionais no fim das contas, a proteção oferecida pelo SPI aos indígenas estava
ligada aos interesses da sociedade nacional (LIMA, 1995).
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Essas populações estavam tuteladas a Postos indígenas, esses postos eram locais onde
essas comunidades tinham contato com oficinas, escolas, remédios e médicos. O SPI
enfrentou durante toda a sua existência problemas de carência de recursos e dificuldades de
qualificação de seu pessoal. A atuação do órgão acabou por gerar resultados opostos à sua
proposta. Eram frequentes as denúncias de casos de fome, doenças, assassinatos e
escravização.
Pela amplitude que esses postos tinham, foi feita a escolha de um dos postos mais antigos
era o Posto indígena do Jauapery criado em 1911, o mesmo tem uma grande quantidade de
ofícios enviados à Inspetoria e recebidos da Inspetoria. Por fim, faz-se presente a necessidade
de descortinar esse processo de atuação dos agentes do Serviço de Proteção ao Índios, pois
durante o período de existência do órgão, várias denúncias foram efetuadas contra os mesmos.
99
O Coronel era oficial do Exército e companheiro de Rondon na demarcação de fronteira. Ele organizou a
primeira legislação de proteção aos índios no Brasil, em 1910, quando criaram o SPI no início do século XX.
Como representante do Serviço de Proteção ao Índio percorreu a região onde se localiza o rio Jauapery, quando
ocorreram novos contatos amistosos com esses indígenas, agora denominados de Uaimirys.
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100
O Tenente-Coronel Cândido Rondon era visto como herói nacional, esse prestigio era consequência do
trabalho foi desenvolvido desde 1890, de construção da rede telegráfica nas áreas estratégicas do país. Ao longo
desses anos este fez amizade com inúmeros povos indígenas e conseguindo fazer com que esses indígenas
trabalhassem lado a lado com ele durante a instalações dessas redes.
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No que diz respeito ao Amazonas, o primeiro posto do SPI foi criado no Rio
Jauapery101 localizado entre os Estados de Roraima e Amazonas, este era cercado por mais de
15 grupos indígenas tendo destaque os Uaimiry102 tanto no relatório de Alípio Bandeira que
leva o nome do rio onde fez sua inspetoria: Jauapery(1911), quanto Barbosa Rodrigues
famoso pelo seu relato chamado A pacificação dos Crichinás(1884).
A história oficial do contato dos esses povos inicia-se no final do século XVIIII, com
João Barbosa Rodrigues, este é conhecido como primeiro pacificador desse povo.
Segundo os relatos, Barbosa Rodrigues percorreu diversas vilas103 próximas do
território indígena com o objetivo de coletar registros e relatos sobre aquele povo. Ele os
denominou Crichanás, justificando que essa era a etnia encontrada no período de suas
expedições e que os violentos e ardilosos indígenas cuja sua braveza era espalhada por todo
estado ali não existiam.
Os relatos desse período mostram que esses indígenas não eram vistos apenas como
bravos:
O Jauapery é o esconderijo de algumas tribos intatas, chamadas de bravas ou
antropófagas por não tolerarem nada dos chamados “civilizados”. Dizem que agora
o rio está totalmente abandonado pelos seringueiros. Com a última matança inútil,
promovida por uma expedição punitiva vinda de Manaus, em 1905, que, segundo se
diz, custou a vida de duzentos índios de ambos os sexos e diferentes idades, estes
ficaram irritados. Diz-se que só vêm ao rio principal na estiagem, para pegar
tartarugas; na época das chuvas retiram-se para longe, para as cabeceiras. Que, no
ano passado, algumas canoas com índios Jauaperí estiveram novamente em Moura
para trocar mercadorias. O fato de esses índios tentarem repetidamente relacionar-se
de modo pacífico com a civilização prova que não são os canibais ferozes que têm a
fama de ser. Os heróis de Moura só ousam ir até o Jauaperi em companhia de vinte a
trinta barcos para, na estiagem, pescar e pegar tartarugas. Nessas ocasiões, é
muitíssimo frequente atirarem imediatamente em qualquer índio que apareça; não se
pode, pois,condenar esses índios quando, ocasionalmente, se vingam da corja
mestiça. (Koch-Grunberg, 2006: 32)
101
O rio Jauaperi é um grande curso de água ao sul do estado de Roraima. Seu curso dá-se nos municípios de
Caroebe, São João da Baliza, São Luís e Rorainópolis tendo como foz o rio Negro.
102
Atuais Waimiri Atroari.
103
Existiam três vilas próximas a esses grupos indígenas, sendo que a única que era atacada era a Vila Moura,
todas essas vilas já haviam agido contra aos índios do Jauapery, os ofícios da época e os textos de dos autores
acima citados falam que não sabem o motivo de apenas um lugar ser atacado.
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massacre daquele povo, por tropas do governo, autorizado pelo governador do Estado,
Constantino Nery.104
Para efeito de síntese, pode-se dizer que a gestão do inspetor Alípio Bandeira, embora
de curto espaço de tempo (julho de 1911 a janeiro de 1912), revestiu-se, segundo a ideologia
que informava o SPILTN, de extrema importância, à proporção que promoveu a chamada
“pacificação” dos povos indígenas do rio Jauapery. Nesse particular, como afirma Souza
Lima(1995:166), “as pacificações têm uma dimensão espetacular fundamental na constelação
de temas político-administrativos enfeixados pelo poder tutelar”.
Em 1912 instalou o primeiro posto de atração aos índios no rio Jauapery. A partir
dessa data, o SPI passa a coordenar os trabalhos e a política indigenista na região. Isso
teoricamente, pois esse órgão governamental pouca autonomia teve para impor as políticas
indigenistas vigentes nessa época, dada as proporções que Pessoas ligadas ao governo e
grandes donos de seringais viam o potencial que as terras daquela região tinham.
Alípio por ter participado da formação desse posto indígena, ficou sempre informado
da situação que essa população Uaimiry passava e no seu livro ele deixa tudo isso explicando
de forma detalhada de quem era culpa de toda aquela violência e quis motivos eram trazidos
como argumentos daqueles crimes pelos fitos “civilizados”.
Coordenados pelo Inspetor Bento Lemos esses índios foram reordenados para região
de Tauacuerera onde durante 5 anos conseguiram fazer moradias fixas, porém, viram seu
território ser invadido por exploradores de recursos naturais (peles de animais, castanha,
balata, pau rosa, entre outros) e, contra esses invasores, armavam-se de arco e flecha.
As condições de saúde colocavam em questão a administração do SPI. As doenças
eram interpretadas como relações de conflito entre os indígenas e a empresa seringalista, não
obstante a perspectiva funcional e harmônica de Bento de Lemos ao enfatizar a ação
econômica. Em relação ao Posto do Jauapery, houve a ocorrência de gripe, causando a morte
de três indígenas:
104
“Em 1905, o Sr. Coronel Antonio Bittencourt, vice-governador, tinha no Jauapery um barracão de sociedade
com o Sr. Antunes, em Maracacá. Aí foram os índios uma vez. Vidal, criado de Bittencourt e Antunes tocou os
índios de casa para fora e, como, ao chegar à escada, um deles resistisse a descer, Vidal deu-lhe um empurrão
que o jogou abaixo. O índio, assim que caiu, flechou Vidal. Vidal matou-o com um tiro de rifle. Os
companheiros do índio queestavam na praia com um companheiro de Vidal, mataram-no. Bittencourt pediu,
então, uma expedição a Constantino Nery, governador. Essa expedição, comandada pelo Capitão catingueira
entrou no Jauapery e, guiada pelo índio Manoel, do Sr. Horta, foi à maloca, matou muitas mulheres e crianças e
aprisionou um certo número de índios que pretenderam transformar em soldados. Quase todos morreram de
nostalgia. O Sr. Nazareth reconduziu a Moura doze desses índios sobreviventes que voltaram à sua maloca”.
(Bandeira, 1926:22).
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105
Governado nesse período pelo o Srº Rego Monteiro
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A pesquisa revela que muitos desses empresários de drogas do sertão tentavam ter
controle dos postos indígenas tentando colocar membros de sua família como inspetores do
serviço de proteção ao índio como mostra a carta enviada pela firma Cardoso e Barros para
Bento Lemos:
Caçaduá, 9 de março de 1921
Digníssimo Sr. Dr. Bento
Desejando-vos bastante saúde e toda sorte de felicidade, juntamente a Exª. família e
adorados filhos, respetivamente cumprimento-vos bastante acanhado, peço-vos
venia, para mais uma vez importunar-vos, com um pedido que presentemente, só o
Sr., honrado Dr., poderá satisfazer, tirando-me da difficil situação em que encontro-
me.
Sendo arrendado o nosso seringal (“Caçaduá”,) ao dedicado Tenente Barros, para
pagar-se do soldo que lhe sou devedor, relativamente a nossa sociedade que
grupava, sobre a firma (“Cardoso e Barros”) e receio de não collocar-me durante o
respectivo praso referido arrendamento, maxime, na epocha em que tudo é difícil;
venho respeitosamente solicitar-vos a ocupação de um cargo qualquer Posto
Indígena, até mesmo administração do Posto Jauparery, que com a vossa capiciente
instrução para bem amparar os interesses dos nossos irmãos das selvas.
O Ilustre Dr. Já tem provas bastantes, de que sempre fui ardoroso. Emº do Índio e
quando estiver ocupando o responsável cargo de encarregado do posto Jauapery,
melhor vos provarei, identificando-me solicitamente com honrosa e emmorredoura
causa dos silvícolas.
Enquanto o meu procedimento o distinto Dr. já deve conhecer; sou distituído de
vícios prejudiciaes e de prodigalidades; já a índoli, já por ter recebido os melhores
exemplose concelhos do vosso abnegado Tenente Barros.
Certo por ter atendido no meu pedido, desde já, penhoradíssimo agradeço-vos.
Otávio dos Santos Cardoso. (Documentos do Posto indígena do Jauapery, pp.222 e
223)
Invasões em áreas ocupadas por indígenas eram incitadas e denúncias dessas invasões
eram tidas como calúnias contra os coletores, feitas por pessoas que impediam o crescimento
da economia estadual. Devido ao reduzido número de combatentes, a posição dos Uimirys era
mais de defesa do território, da honra, da comunidade. Aldeias inteiras eram dizimadas em
ataques-surpresa, mesmo assim os índios combatiam com extrema habilidade guerreira.
Conclusões
Nos três primeiros anos do SPI garantiu-se as verbas solicitadas. Em relação a pessoal,
Rondon contava com a equipe formada durante a construção das linhas telegráficas e com
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intelectuais que participaram da luta pela criação do SPI. A autoridade garantiu-se através do
exercício pois o SPI era constituído em sua maioria de oficiais.
É valido chamar atenção, que a ação do SPI garantiu que imensas regiões do país
fossem ocupadas pacificamente e os índios que as habitavam passassem a viver nos Postos
Indígenas que correspondiam a pequenas partes dos territórios. A visão "romântica" dos
positivistas de "que uma vez asseguradas oportunidades de desenvolvimento, as comunidades
desabrochariam da condição fetichista para etapas cada vez mais avançadas e se integrariam
harmonicamente à sociedade nacional", foi rapidamente desmentida. Além do mais, a ação do
SPI não impediu o efeito de desagregação cultural dos grupos indígenas, nem conseguiu
conter os invasores porque o Estado não garantiu os direitos legais dos índios,
fundamentalmente, a posse da terra necessária à sua sobrevivência. Se, por um lado, é verdade
que a ação do SPI salvou povos da extinção total, por outro, o processo de pacificação dos
povos hostis ocasionou a disseminação da fome, de doenças, da desintegração tornando os
índios parte do grupo mais miserável dos segmentos marginais da sociedade.
O que chama a atenção na trajetória do SPI é que parece estar presente, em todos os
mecanismos de intervenção estatal da questão indígena, a contradição entre a atuação de
indivíduos profundamente motivados pela vontade de proteger as populações e a dinâmica
estrutural que produz a miséria e a degradação física aos tutelados.
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Introdução
Neste artigo analisamos a história e a memória de ex-trabalhadores que atuaram no
cultivo da juta no período de 1950 a 1980, na Comunidade de São Sebastião da Brasília,
localizada aproximadamente a 7 km do município de Parintins, no interior do Estado do
Amazonas, região do Baixo Amazonas106. Também buscamos analisar a história das
experiências com o trabalho e suas condições no processo do cultivo da juta a partir da
metodologia da História Oral.
Esta metodologia foi essencial para o desenvolvimento deste trabalho, pois
realizamos entrevistas com ex-trabalhadores, que atualmente moram na comunidade, e por
meio dessas narrativas, identificamos quais foram às atividades laborais diretamente
relacionadas à produção de juta, conhecemos quais foram às condições de trabalho e
percebemos como era a divisão social do trabalho entre homens e mulheres. Com base nestes
relatos, nossa intuição é de valorizar suas vozes e iluminar o seu sentido histórico, e através
de suas trajetórias de vida evidenciamos quais foram as consequências econômicas do
trabalho deixadas na comunidade para estes homens e estas mulheres no período do apogeu
da produção da juta na Amazônia.
Abordaremos em seções os seguintes itens para estruturação desta produção. Na
primeira seção, faremos uma breve comunicação sobre a juta no município de Parintins, desde
os acordos políticos, bem como a imigração japonesa na década de 1930, e os impactos
econômicos trazidos ao município por meio deste acontecimento econômico, social e cultural.
Na segunda seção faremos uma apresentação da comunidade São Sebastião da Brasília, desde
o seu surgimento, oficialmente e não oficialmente, a chegada da juta a estes comunitários, e
*
Apontamentos de pesquisa do Programa de Apoio à Iniciação Científica – PAIC, da Universidade do Estado do
Amazonas – UEA, do Centro de Estudos Superiores de Parintins – CESP. Financiado pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM.
**
Acadêmico do Curso de História da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, no Centro de Estudos
Superiores de Parintins – CESP. E-mail: everton.parintins@gmail.com
***
Professor Adjunto da UEA/CESP. E-mail: julio30clps@gmail.com
106
Consulta realizada no site www.sidra.ibge.gov.br no dia 04 de maio de 2018.
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para conceder terra aos japoneses para cultivação da juta no estado do Amazonas. O segundo
momento, foi o processo de saída dos imigrantes japoneses das terras amazônicas, por conta
dos acordos de Vargas com os norte-americanos, sucedeu a retirada dos japoneses do Brasil,
neste período. Assumindo a juta, grandes empresários que reorganizaram juntamente com o
governo o “retorno da juta”.
Após a retirado dos japoneses, o negócio com a juta ficou nas mãos de empresários
brasileiros, que no caso do Amazonas, utilizaram bastante a mão-de-obra ribeirinha por conta
das áreas de várzeas na qual se localizam as comunidades. E uma dessas comunidades que foi
utilizada para este ramo de trabalho no período de 1950 a 1980, foi a comunidade de São
Sebastião da Brasília.
107
Entrevista com Sr. Antônio Soares Ribeiro Filho (Pampam) no dia 26/03/2017, na comunidade de São
Sebastião da Brasília.
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Também referenciada no site www.institutoamazonia.org.br, acessado em 28 de maio 2018.
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que está sendo narrado, principalmente quando não há registros literários de quem está
narrando. Nesse sentido, Pierre Bourdieu (1998) afirma que,
“produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato
coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja
conformar-se com uma ilusão teórica, uma representação comum da existência que
toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar” (BOURDIEU, 1998,
p. 185)
Nas análises das narrativas, iniciaremos com o Sr. Antônio Soares Ribeiro Filho,
como descrito acima, conhecido como Pampam nasceu na comunidade de São Sebastião da
Brasília, no dia 2 de novembro de 1940. O antigo trabalhador da juta, na data da entrevista,
contava com 77 anos de idade. Segundo seus relatos o trabalho com a juta parecia ter sido um
legado de seus pais e iniciado em sua infância.
Sendo a juta um trabalho familiar, seus pais o introduziram juntamente com seus
irmãos nesta labuta, pois a mão-de-obra é a ferramenta principal do trabalhador ribeirinho, e
esta força de trabalho auxilia diretamente no sustento da família. Nas palavras de Pampam,
este afirma que todo esse trabalho era “pra criar os filhos que eles já estavam tendo”. Aos dez
anos de idade o pequeno Antônio “já ajudava” seus pais na juta109.
Conforme o tempo ia passando, e os pais de Pampam já com idade avançada,
juntamente com seu irmão tinha que dar continuidade na juta, para o sustento de toda a
família. Pampam nos relatou esse momento em que seu pai passara a responsabilidade do
trabalho com a juta para si e seu irmão. “Ele (pai de Pampam que também tinha por nome de
Antônio) me chamou e me disse ‘meu filho eu já tô velho”.110 Desse momento em diante
Pampam e seu irmão sendo mais jovens faziam o trabalho que exigia mais força.
“Aí meu irmão, nós era só dois irmãos, aí meu irmão mais velho que foi na frente,
nós trabalhava junto, mas os velhos mesmo velho ajudavam nós também, nós
brocava o roçado, se fosse uma quitaria, nós faziam assim de trocar dia um com
outro pra fazer aquele serviço de cinco, seis ou sete pessoas pra roçar mato, fazer
uma quitaria, uma quitaria tem cem metro de comprimento com cem de largura, nós
fazia só num dia aí se queimava, a gente fazia o brocamento tudinho só num dia e aí
queimava o roçado e aí a gente pegava a semente da juta e ia plantar e aí era só
zelar, aí tem aquele que chamam de... mas aqui na várzea só chamam de carieiro, só
que o carieiro ele comia a juta, então o senhor tinha que cuidar assim andando pelo
aceiro do roçado pro bicho não coisarem”.111
109
Entrevista com Sr. Antônio Soares Ribeiro Filho (Pampam) no dia 26/03/2017, na comunidade de São
Sebastião da Brasília.
110
Idem.
111
Idem.
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A lavagem da juta era realizada para a retirada de uma película que havia nos feixes
de juta, “a água era suficiente e senhor sacudia ela na água pra lá, pra cá, tirava tudinho aquela
pelica que é a casca”. Esse trabalho de lavagem da juta era realizado em grande pelas
mulheres, mas elas também faziam os demais processos da juta. “Ela ainda me ajudou bem a
112
Idem.
113
Idem.
114
Idem.
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história no Amazonas, democracia e desigualdade. Organização: Keith Valéria de Oliveira Barbosa;
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trabalhar na juta, ela mesmo, ela capinou, ela me ajudava, quando era em terra ela me ajudava
a cortar com o terçado e na água lavava mais e também fazia tudo”115.
A secagem da juta era realizada em uma espécie de madeira com grande
comprimento conhecida como “vara” pelos ribeirinhos. Essas varas eram colocadas com
ligações feitas por pontos de conexões, e os feixes de juta eram colocados em cima dessas
varas e expostos ao sol, como relata Pampam, como um grande varal. Após os feixes de juta
secarem, após ficarem dias expostos ao sol, eles recolhiam os feixes para serem prensados ou
enfardados.
O enfardamento da juta era realizado na comunidade, pois tinha que ser entregue em
fardos e pronto para a pesagem. Esse sistema era o último processo a ser feito antes da entrega
para o patrão. Pampam nos mostrou como funcionava esse sistema, uma prensa manual feita
de madeira. “Enfardar é uma prensa, eram oito paus, afincava quatro aqui, um pau aqui, outro
pau aqui e outro pau aqui, essas duas bocas aqui, essa boca daqui era a boca e jogava de lá
duas cabeças e de lá ele virava aqui e de lá virava, botava daqui e virava pra lá”116.
E ainda nos explicara que o tamanho do fardo era feito conforme o instrumento de
trabalho, “o senhor fazia o fardo da juta do tamanho que o senhor quisesse fazer, do peso que
o senhor quisesse fazer conforme a prensa”117.
Pampam continuou nos explicando esse processo até sua finalização,
“No nosso sistema nós chamava prensa e aí o senhor pegava e enfardava aquilo, nós
pegava quatro tipo assim de coisa, mas então nós pegava assim na mão, que era pra
quando a prensa enchesse o senhor pegava em cima do fardo e ele arreava com seu
peso aí eu pegava e chamava essa minha mulher aí. Quando ela não estava pra me
ajudar ia só eu, pegava um pedaço de pau e ia enrolando assim, ia enrolando,
enrolando, enrolando até que desse assim pra mim acochar, ia acochando,
acochando, e metia lá e tirava o fardo, dava cinquenta quilos, sessenta, quarenta,
quarenta e cinco quilos, aí é como eu tô dizendo, o senhor fazia o fardo do tamanho
que o senhor quisesse fazer, se o senhor quisesse fazer dez quilos era dez quilos, se
quisesse fazer cinco quilos era cinco quilos mas a gente não fazia assim porque o
negócio do carreto era coiso, a gente entregava na canoa que era pra levar pro patrão
da gente que tinha valido a gente no verão pra se manter, pra fazer o roçado e colher
a produção e entregar tudo pra ele”118.
O último processo era considerado a parte principal para estes trabalhadores, pois era
o momento da entrega conforme o combinado, ou seja, seguir com os acordos. Primeiramente
a produção era transportada de canoa para ser entregue ao “patrão”. Pampam nos informou
que o seu patrão ficava com tudo o que havia produzido, e uma parte da produção era
115
Idem.
116
Idem.
117
Idem.
118
Idem.
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utilizada para pagamento de dívidas já contraídas, “o senhor pagava a sua dívida pro seu
patrão com aquela fibra. Aí ele dizia ‘olha! Ainda ficou? Eu quero a produção tudo que tu me
entregue’ aí o senhor não tinha como dizer não”119.
Essas dívidas citadas por Pampam condiziam no “servir” como citado no início desta
produção. Naquele período os patrões forneciam alimentos, roupas e demais produtos
alimentícios em troca de mão-de-obra, e também faziam pagamentos com o dinheiro da
época, que no caso era o cruzeiro. Ele nos relatou, que eles (patrões) serviam primeiro estes
itens para que depois os comunitários “pagassem” com produção da juta, e às vezes eles
continham um pequeno saldo desta produção.
Pampam nos forneceu uma informação importante sobre esse sistema de trabalho.
Ele relatou que não era o único a negociar no modelo deste sistema, e que os demais
comunitários e até mesmo outras comunidades trabalhavam dessa forma imposta por esses
patrões. “E não era só uma pessoa que fazia isso como eu, eu trabalhava com meu patrão,
finado Túlio Melo, finado Didinho, essas coisas assim, finado Chiquito, eu trabalhava com
eles assim, eu colhia toda a produção... finado Zé Tavares era um que morava lá”120.
Assim como Pampam, também entrevistamos sua companheira, Dona Maria do
Rosário dos Anjos Ribeiro; o Sr. Valdo Monteiro Gama, conhecido na comunidade como
Fadô, e sua companheira, Dona Luzia Cândida da Silva Gomes; o Sr. Valdino Jacaúna
Franco, conhecido na comunidade como Careca, e sua companheira, Dona Cecília Soares
Ribeiro Franco, também irmã do Pampam.
Nos relatos dos demais entrevistados comparados ao de Pampam, antes da juta,
percebemos que o cacau foi bem produzido e comercializado pelos moradores da Brasília, de
acordo com as narrativas de Fadô e Careca. Fadô nos relatou no período que trabalhava com
cacau, “a gente colhia, a gente secava, e vendia pro comerciante que tinha ali no Paraná”121.
Careca nos afirmou que durante o período de comercialização do cacau a sua principal função
era a coleta do produto, “pra nós ir colher o cacau, nós ia colher o cacau”122.
Sobre o início do trabalho com a juta, assim como Pampam, Fadô também iniciou na
juta desde criança trabalhando com seus pais, “eu sofri muito na juta, eu trabalhava desde os
119
Idem.
120
Idem.
121
Entrevista com Sr. Valdo Monteiro Gama (Fadô) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
Brasília.
122
Entrevista com Sr. Valdino Jacaúna Franco (Careca) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
Brasília.
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meus 11 anos na juta”123, afirma Fadô. E após a cegueira derivada da idade avançada de seus
pais, Fadô teve que assumir a responsabilidade do trabalho com juta da sua família. Também
nos afirmou que seus antecedentes, os avós, eram de Portugal, assim como os antecedentes de
Pampam. Além da juta, os antecedentes de Fadô trabalhavam com cacau, com a seringa, e
outras plantações, mas ale afirmou que neste período, o cacau era muito comercializado,
assim como a juta, “sempre teve comércio daqui da Brasília com a cidade”. A juta, o cacau e
seringa, eram os principais produtos na qual a família de Fadô trabalhava mais, e nos relatou
que cada um tinha o seu tempo de produção, afirmando que o “difícil era com a juta”124.
Dona Luzia nos relatou que também iniciou cedo a labuta com a juta, “eu comecei
bem novinha com a juta, tive que ajudar minha mãe”. E afirmou que conheceu o Fadô na juta,
“quando tinha 17 anos, eu fui morar com ele, já era nós dois na juta”125. A mulher era vista
como “ajudadora” do homem, e o seu trabalho não era visto como principal e sim como
coadjuvante (TORRES, 2004).
A narrativa de Careca sobre seu início na juta deu-se pelo fim do trabalho com o
cacau, “quando eu tinha 10 anos, minha mãe me colocou pra juntar cacau”. E nos afirmou que
logo após o trabalho com o cacau, foi para o ramo da juta, “quando eu tinha 18 anos, aí eu fui
trabalhar na juta já, entrei na juta com meu pai”126. Dona Cecília relatou que trabalhou na juta
com Careca, mas afirmou que quase não trabalhava com seus pais, passou a trabalhar mais
quando passou a conviver com Careca, “eu não trabalhei muito com meus pais, mas o
Pampam, eu ajudei mais o Careca quando a gente começou a viver junto, a gente precisava
né”127.
No processo inicial do trabalho com a juta, comparados aos relatos de Pampam, Fadô
afirmou como era após receberem a semente do patrão, que dependendo do negócio, ou era
vendida ou era socializada, “gente ia né, roçava, plantava aí, queimava né, quando queimava
bem né a gente plantava de máquina”128. Antes de Careca iniciar a sua história com a juta, ele
introduziu sobre a história da juta na Amazônia, uma história contada de pai para filho. “Foi
123
Entrevista com Sr. Valdo Monteiro Gama (Fadô) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
Brasília.
124
Idem.
125
Entrevista com a Sra. Luzia Cândida da Silva Gomes, no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
Brasília.
126
Entrevista com Sr. Valdino Jacaúna Franco (Careca) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
Brasília.
127
Entrevista com Sra. Cecília Franco, no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da Brasília.
128
Entrevista com Sr. Valdo Monteiro Gama (Fadô) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
Brasília.
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um japonês, esse japonês, o Ryota Oyama. O pai dele, quando veio para o Brasil, trouxe a juta
aqui (mãos), a semente, nas unhas, a semente”129.
O sistema de trabalho com cultivo da juta, consistia no plantio, no corte, no
afogamento, na lavagem, na secagem, no enfardamento, e finalizava com a entrega do produto
na comunidade. Esse sistema funcionou com estes ex-trabalhadores e trabalhadoras da
Comunidade São Sebastião da Brasília durante este período pesquisado. E quando
questionamos sobre as formas de pagamento, cada um fez sua declaração conforme os
negócios acertados.
Comparados aos relatos de Pampam sobre este quesito, Fadô nos informou que o
pagamento era com cestas básicas e vestimentas para toda a família, e que sobrava conforme
o negócio era o saldo que apuravam de toda uma temporada de trabalho, “ai pagava a gente
quando tinha saldo né”130 relata. Já com Careca, a forma de pagamento que presenciava
quando via os negócios de seu pai com patrão era baseada apenas na alimentação, “não tinha
pagamento, o pagamento era boia”. E quando assumiu os negócios por conta, Careca nos
informou a situação do pagamento, “ele botava a despesa para nós trabalhar, ele só ia comprar
uma roupa, uma coisa para nós, com que nós nos beneficiávamos”131.
Considerações finais
A juta foi uma atividade laboral que trouxe diversas consequências para aqueles que
trabalhavam dia a dia com este vegetal. No caso da comunidade pesquisada, houve mortes
durante a execução do trabalho, além de ser um trabalho árduo e sofrido, o pagamento que
estes recebiam era praticamente um desprezo total ao ser humano. Pampam e Dona Rosária,
Fadô e Dona Luiza, Careca e Dona Cecília, foram apenas algumas de diversas pessoas do
Amazonas, que tiveram suas vidas transformadas pela experiência do trabalho com a juta.
Para estes homens e mulheres a juta foi a única forma de sobrevivência desse
período, mesmo utilizando outros ramos de vida, a juta era a principal para o comércio da
época. Todos sofreram na juta, principalmente economicamente, onde havia muito trabalho e
pouco lucro. Não tinha como negar o trabalho com a juta, um trabalho que envolvia toda a
129
Entrevista com Sr.Valdino Jacaúna Franco (Careca) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
Brasília.
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Entrevista com Sr.Valdo Monteiro Gama (Fadô) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
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Entrevista com Sr.Valdino Jacaúna Franco (Careca) no dia 26/03/2017, na comunidade de São Sebastião da
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família, homens, mulheres, crianças, idosos, todos trabalhavam para o sustento de todos, que
na maioria dos casos era apenas por uma simples cesta básica.
Os sete passos do trabalho com a juta estão até hoje na memória de milhares de ex-
cultivadores, que alguns tiveram apenas a juta como única opção de sobrevivência. O trabalho
de plantar, cortar, afogar, lavar, secar, enfardar e entregar, foi diversas vezes repetido durante
décadas na vida daqueles que moram até hoje às margens do rio Amazonas.
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Introdução
Dentre os muitos vestígios materiais de práticas musicais pretéritas, os documentos
musicográficos – documentos textuais com notação musical – constituem uma importante
fonte para os estudos da Musicologia histórica. Além deste gênero ou categoria documental,
seria possível citar ainda enquanto fontes diretas para o estudo da Musicologia, segundo
Gómez González e seus colaboradores: os registros sonoros e audiovisuais nos mais diversos
suportes – cassetes, vinis, rolos de cera etc., libretos de óperas e outros textos interpretados,os
escritos pessoais dos compositores, os tratados sobre música,documentação de órgãos
governamentais ou instituições com atividades musicais,os estatutos e regulamentos de
entidades em que se pratica música,entrevistas, instrumentos musicais, objetos artísticos – nos
quais alocaríamos como subcategorias os objetos tridimensionais, tais como a imaginária
sacra e iconografia –, livros de contas – ditos, em âmbito religioso, livros de caixa ou de
fábrica, cerimoniais religiosos e civis,expedientes de oposições para admissão de músicos no
período colonial, documentação avulsa; livros sacramentais, documentos pontifícios,
documentos notariais ou cartoriais, impressos relativos a práticas musicais, tais como as
críticas musicais em periódicos de circulação, bem como anúncios e cartazes de concertos,
além das correspondências. Ainda segundo os autores, existem ainda fontes indiretas, dentre
as quais, os guias de acervos,inventários,catálogos e bases de dados, bem comoíndices
informatizados (GÓMEZ GONZÁLEZ et al., 2008: 93-102).
No Brasil, o estágio de sistematização das chamadas fontes diretas ainda é inicial. À
exceção de grandes acervos pontuais já sistematizados – a exemplo dos acervos João Mohana,
recolhido ao Arquivo Público do Maranhão, as coleções realizadas pelo padre Jaime Diniz
que hoje se encontram na Fundação Gregório de Mattos, em Salvador-BA e no Instituto
Ricardo Brennand, em Recife, do Museu da Música de Mariana, do Museu da Inconfidência
de Ouro Preto, que custodia a coleção Francisco Curt Lange e do Acervo Ernesto Nazareth,
recolhido à Biblioteca Nacional –, é possível perceber na maior parte dos casos a necessidade
de cuidados básicos, que vão desde o recolhimento ou passagem dos documentos
musicográficos a uma fase intermediária de arquivamento (BELLOTTO, 2002),
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apresentada na obra de Heloísa Bellotto (2002) – com a devida crítica à sua aplicabilidade aos
documentos musicográficos –, bem como em noções inerentes à musicologia histórica, tais
como a de patrimônio musical, a de fontes para o estudo da musicologia e a de controle
normativo das práticas musicais, em Ezquerro-Esteban (2016), Gómez González (et alii,
2008) e em nossa própriainvestigação sobre as práticas musicais no catolicismo romano
(DUARTE, 2016), respectivamente. De acordo com Candau (2011), existe uma estreita
ligação entre memória coletiva e a identidade compartilhada pelos grupos. Tal memória se
inscreve – como uma espécie de extensão da própria memória – também nos documentos
escritos. Assim, determinados lugares de memória seriam responsáveis por deter o
esquecimento do passado, os chamados lugares de memória, dentre os quais os arquivos. Não
há de se falar, entretanto, no presente estudo, de uma memória viva, que ainda é
compartilhada pelos sujeitos no presente, mas de uma memória histórica, que pode ser
acessada por meio destes arquivos e a partir dele, buscar-se alcançar algumas respostas sobre
o passado (NORA, 1993).
Ainda sobre os vestígios do passado, Ezquerro-Esteban (2016) procedeu a uma
taxonomia do que chamou de patrimônio musical, enquanto patrimônio cultural. Para este
autor, os instrumentos musicais constituiriam uma categoria, a do patrimônio organológico.
Por meio de conversas informais com diversos interlocutores, soubemos da existência de um
órgão tubular na Catedral de Nossa Senhora da Conceição, que hoje não se encontra mais no
coro alto da mesma. As fontes documentais musicográficas também vêm a corroborar a
existência de tal instrumento. Não foi localizado, entretanto, o paradeiro do instrumento no
presente. A própria catedral constituiria, na classificação de Ezquerro-Esteban uma categoria
de patrimônio, o patrimônio espacial, ao passo que a noção de patrimônio documental é
bastante ampla, abrangendo não apenas as partituras e partes instrumentais e vocais avulsas –
documentos musicográficos –, mas a documentação produzida pela própria catedral, tais
como livros de tombo e fábrica, fotografias (iconografia), provisões de sacerdotes e mestres-
de-capela no passado, registros audiovisuais das celebrações, dentre outras. A maior parte
desta documentação ainda não nos foi possível, contudo, consultar. Por esta razão, o presente
trabalho está centrado em responder problemas relativos às práticas musicais a partir do fundo
documental. Finalmente, a classificação do patrimônio musical abrange uma quarta categoria,
que é o patrimônio propriamente musical. Este patrimônio estaria relacionado ao próprio fazer
musical, sendo, desta maneira, sonoro, evanescente, cessando sua existência tão logo deixe de
soar o último som.
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da Conceição e Nossa Senhora dos Remédios.A primeira nomeação episcopal viria quase dois
anos mais tarde, em princípios de 1894, tendo sido Dom José Lourenço da Costa Aguiar o
primeiro a assumir o trono episcopal do Amazonas (PACHECO, [20--]). A elevação de
Manaus a arquidiocese somente viria a ocorrer em 1952, no pontificado de Pio XII.
Diferentemente da história de longa duração da Catedral Metropolitana de Manaus, o
fundo de documentos musicográficos dela procedente tem balizas temporais pouco extensas,
tendo como possível marco inicial a segunda década do século XX e final, o início dos anos
1970. Percebe-se, portanto, nestas fontes, um silêncio das práticas musicais religiosas do
período colonial, cujos papéis de música também não se encontram recolhidos ao Arquivo
Arquidiocesano de Manaus. Longe de ser um fenômeno isolado, algo semelhante foi
percebido em nossa investigação doutoral (DUARTE, 2016) na maior parte das dioceses e
arquidioceses visitadas. Há de se observar, entretanto, dois fatores na configuração de tal
lacuna. O primeiro deles é a presença de ordens religiosas em missionação ao tempo de
fundação da capela. Hoje é bastante conhecido que os frades carmelitas cultivavam intensas
práticas musicais na Amazônia como um todo, inclusive com classes de Filosofia, Teologia e
Solfa (Música) em sua casa do Maranhão (SANTIN, 2008: 151) – onde eram concedidos,
inclusive, títulos de doutor em Filosofia e Teologia –, tendo se valido também da música em
distintas ocasiões de missionação, conforme atesta a documentação:
Nas missões do Solimões, como nas missões do Rio Negro, os carmelitas
mantinham aulas de música e de canto, aproveitando as habilidades e inclinações
dos catecúmenos para as artes. Em Tefé, por exemplo, onde sediavam as missões do
Solimões, mantinham uma orquestra, em que os instrumentos tinham sido feitos
pelos nativos. Em Mariuá, onde sediavam as missões do Rio Negro, mantinham um
coro na igreja local, o qual se fez ouvir por ocasião da chegada do Capitão-General
Mendonça Furtado, durante a solenidade religiosa que ali se realizou em
homenagem ao mano de Pombal. [...] O historiador Arthur Reis afirma: Nas
missões do Solimões, como nas missões do Rio Negro, os carmelitas mantinham
aulas de música e de canto, aproveitando as habilidades e inclinações dos
catecúmenos para as artes (SANTIN, 2012).
Do mesmo modo que ocorreu com os jesuítas e demais ordens que empreendiam
missionação, contudo, nenhum documento musicográfico referente aos Quinhentos e
Seiscentos que revele o repertório cantado ou como este seria praticado se preservou no
Brasil. Parece-nos claro que a investida do Marquês de Pombal contra as ordens religiosas no
século XVIII tenha sido um fator determinante para esta lacuna relativa às fontes musicais.
O segundo aspecto que parece determinante para a ausência de documentos musicográficos
anteriores aos Novecentos parece ter sido um incêndio de grandes proporções que destruiu a
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antiga Matriz em 1850, tendo a atual edificação sido empreendida entre 1855 e 1878. Apesar
de a integridade do templo não garantir a preservação dos acervos musicais – a exemplo do
que temos observado em nossas pesquisas na Arquidiocese de Belém –, fato é que o incêndio
certamente afetou o patrimônio musical em suas vertentes documental, espacial e
organológica, tendo muito provavelmente se refletido ainda nas práticas musicais a partir de
então (patrimônio propriamente musical).
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difusão dos valores restauristas por meio da formação musical do clero e até mesmo de
relatórios apresentados periodicamente pelos bispos sobre as situações de suas dioceses.
O acervo procedente da Catedral de Nossa Senhora da Conceição se adéqua em grande
parte aos paradigmas musicais restauristas. Assim, é possível perceber composições dos
frades franciscanos observantes Basílio Röwer e Pedro Sinzig, ambos de origem alemã, que se
empenharam em difundir no Brasil os ideais do motu proprio desde inícios do século XX.
Igualmente, há obras e uma coletânea organizada pelo padre verbita João Batista Lehmann,
outro sacerdote alemão radicado no Brasil. A presença de obras do monsenhor italiano
Lorenzo Perosi no repertório sinaliza para a assimilação do principal compositor restaurista.
Além deste, outros nomes de compositores restauristas relativamente recorrentes no Brasil
podem ser percebidos no fundo documental, dentre os quais, Michael Haller, Johann Gustav
Stehle e Oreste Ravanello. A presença de uma indicação “O Sanctissima, do Sicilianishes
Schillerlied” aponta para a estreita ligação entre as cópias realizadas localmente em Manaus e
fontes primárias propriamente restauristas alemãs. Outros compositores restauristas são
menos recorrentes em acervos brasileiros, sendo localizados quase exclusivamente em
Manaus: Francisco Tavoni, A. Hellá, John Wiegand, Henn du Mont e Julian Vilaseca.
Há ainda os compositores cujas obras não se adequavam totalmente ao paradigma
composicional restaurista, sendo possível citar o padre jesuíta Lambillotte, Haendel, Charles
Gounod – cuja Missa conventualis, copiada em 1925, apresenta também o título “Convend
Mass”. Dentre os compositores posteriores ao Concílio Vaticano II, chama atenção a presença
de Luigi Picchi, cujas obras também podem ser localizadas em outros acervos brasileiros,
apesar de serem relativamente incomuns.
Desta maneira, é possível afirmar que o acervo reflete uma situação preponderante na
fase restaurista no Brasil como um todo, que foi o acolhimento do repertório produzido de
acordo com os paradigmas do motu proprio de Pio X, mas uma relativa negociação em
relação às normas, por meio da utilização também de um repertório considerado menos
adequado de acordo com o documento. Ademais, há de se observar que o acervo da Catedral
de Manaus tem quatro compositores bastante específicos, sugerindo uma via de difusão do
repertório diversa daquela observada na maior parte dos acervos brasileiros, muito
possivelmente por meio de músicos vindos diretamente da Europa para o Teatro Amazonas,
que acabavam por difundir este repertório menos canônico.
Do repertório às pessoas
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Acerca dos atores envolvidos nas práticas musicais da catedral manauara, além da
hipótese da circulação de obras diretamente da Europa – de somente poderá ser confirmada ou
refutada a partir de estudos mais aprofundados, que envolvam uma diversidade muito maior
de fontes –, é possível perceber outro fenômeno relativamente comum no Brasil: apesar de a
legislação eclesiástica tratar o órgão como instrumento oficial da Igreja Romana (e nos parece
praticamente certo o fato de ter havido também na Catedral um órgão tubular na primeira
metade do século XX), a presença de grupos instrumentais foi comum em todo o Brasil. Há
de se notar, contudo, uma peculiaridade, que não é traço exclusivo de Manaus, mas foi menos
recorrente nos acervos que visitamos: a grande presença de partes instrumentais para
instrumentos de cordas friccionadas (arcos).
Quanto ao canto, não parece improvável a presença feminina, sobretudo pelo fato de
se observar na Missa Coral “Pio X”, de Julian Vilaseca, a indicação: “Cópia de Nair Alves
Ferreira 27/10/937”. A presença feminina nos coros sacros foi outro aspecto bastante
recorrente no Brasil, apesar de ser fruto de uma negociação em relação às normas, conforme
abordamos em trabalho recente (DUARTE, 2018).
Outro aspecto que pode sugerir uma circulação considerável de europeus é a
nomenclatura dadas às diversas partes instrumentais da cópia da Missa in honorem B. V. M.
de Loreto, de Vincent Goller:na parte de 1º Violino, lê-se: “Vozes 1, 2, 3, 4, Violino,
Clarinetti, Cello, Baixo, Orgel”, ou seja, parte da instrumentação é indicada em italiano e
parte, em alemão. Ainda acerca da instrumentação, há cópias com partes de Basso
(contrabaixo de cordas), Flauta em Dó, Violinos I (2) e II (3), violoncelo e piston (trompete).
Destaca-se ainda a assinatura ao final da partitura da Missa em Honra Imm.
Conceição, para coro e órgão em duas claves, “Ney Rayol 6-12 1933”. É sabido que um
músico maranhense Antonio Rayol (século XIX), compositor, violoncelista e cantor barítono,
que teria atuado em Manaus (CARVALHO SOBRINHO, 2004: 16). A distribuição do
sobrenome Rayol entre músicos pela Amazônia é bastante intensa, abrangendo também o
nordeste do Pará, o que possibilitaria um estudo de eventuais relações familiares, da
manutenção do ofício musical nesta família, bem como das rotas de deslocamento motivadas
pela atividade musical entre a segunda metade do século XIX e primeira metade do XX.
Finalmente, sobre os intérpretes, destaca-se que a indicação “Côro Santa Cecilia,
Catedral de Manaus” é interessante, por possibilitar que se descubram novas informações
sobre este grupo musical não somente em outras eventuais partituras, mas também na
documentação da própria catedral (eventualmente, no livro de tombo ou de fábrica, nas
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despesas com o coro) ou até mesmo em periódicos diocesanos ou até mesmo em periódicos de
circulação em Manaus neste período, que podem ter registrado alguma observação ou nota
crítica sobre a atuação do coral na liturgia da catedral.
Considerações finais
Ao final deste trabalho, é possível afirmar que o fundo documental procedente das
práticas musicais realizadas na Catedral Nossa Senhora da Conceição, de Manaus se encotra
recolhido – com as devidas adaptações necessárias a este tipo de documentação – à fase
permanente (BELLOTTO, 2002).As fontes não foram inventariadas, apesar de terem sido
parcialmente digitalizadas quando de nossa pesquisa no Arquivo Arquidiocesano de Manaus.
Os documentos musicográficos, em sua maioria, da primeira metade do século XX,
revelam inicialmente uma lacuna que é comum a todas as regiões do Brasil: a ausência de
documentos musicográficos relativos à missionação carmelita e das demais ordens religiosas
nos séculos XVI e XVII. Ademais, um incêndio havido na Matriz em meados do século XIX
pode ter sido a principal causa do perecimento de documentação musical dos séculos XVIII e
primeira metade do XIX.
O fundo documental estudado aponta para a presença de grupos instrumentais e vocais
nas práticas musicais da catedral, bem como um repertório predominantemente restaurista,
composto de acordo com os paradigmas musicais romanos, mas também certo grau de
negociação revelado pelo uso de obras e de grupos instrumentais que pouco se adequavam ao
motu proprio, tal como ocorreu em diversos templos católicos no Brasil neste mesmo período.
Quanto às pessoas envolvidas, merece destaque a presença de grupos instrumentais, do uso de
diversos idiomas para designar instrumentos de uma mesma obra – sugerindo a presença de
músicos estrangeiros de diferentes nacionalidades – e também a presença feminina por meio
da atuação da copista Nair Alves Ferreira, que embora não fosse incomum no Brasil
(DUARTE, 2018), sempre merece destaque, uma vez que era silenciada nos documentos
oficiais romanos sobre a música litúrgica.
Finalmente, destaca-se que esta pesquisa teve caráter exploratório. Seu
aprofundamento dependeria de ampla consulta à documentação de cunho administrativo da
Igreja no Amazonas, recolhida ao Arquivo Arquidiocesano de Manaus, especialmente os
livros de tombo e fábrica das matrizes e eventuais contratos com músicos, além de iconografia
e eventuais notícias em periódicos de circulação da primeira metade do século XX.
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Referências
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Introdução
Na segunda metade do século XX, o Brasil passou por profundas transformações que
abalaram suas estruturas políticas e sociais. A instauração do Regime Civil-Militar concorreu
para o acirramento de uma série de debates que envolveram demandas de diferentes
movimentos sociais que articularam estratégias de reivindicação de direitos sociais diante do
regime de exceção.
Dentre as ações coletivas, desenvolvidas por diferentes grupos sociais, determinados
grupos indígenas passaram a se articular através de assembleias em âmbito local, regional,
nacional e, mesmo, internacional. A fracassada tentativa de integração compulsória de vários
grupos étnicos, financiada pelo Estado, foi respondida através da efervescência dos
Movimentos Indígenas. Naquele contexto, processos de emergência política e social de povos
indígenas historicamente submetidos às relações de dominação de grupos com interesses
muitas vezes econômicos, teve seu fundamento jurídico através do texto constitucional de
1988.
As lutas que levaram ao reconhecimento da diversidade e da diferença de povos
existentes no país resultaram de uma complexa rede de protagonismos indígenas de caráter
individuais e coletivos, característicos daquele período. As políticas indigenistas voltadas à
assimilação, integração, etnocídio, extermínio, submissão às relações de trabalho forçado,
cristianização e, nos anos 1970 e 1980, daquilo que passou a ser chamado de “falsa
emancipação”, foram subvertidas por uma série de agências indígenas que informaram modos
de proceder característicos dos movimentos étnicos no Brasil contemporâneo.
Atualmente, a quantidade de pesquisas desenvolvidas sobre o período no âmbito das
universidades ainda deixa a desejar. Até recentemente, apesar de uma reviravolta nas
análisesqueinformam uma nova percepção sobre o lugar ocupado pelos povos indígenas
nasnarrativashistoriográficas, aquilo que passou a ser chamada de uma “Nova História
Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Doutorando em História Social da Amazônia pela Universidade
Federal do Pará (UFPA). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas. Professor da Universidade Federal de
Roraima (UFRR).
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Indígena”, pouco valorizou este período tão importante para a compreensão do protagonismo
indígena na atualidade. No contexto do regime Civil-Militar no Brasil (1964-1985), os povos
indígenas articularam estratégias particulares para o reconhecimento da diversidade e da
diferença de vários povos, especialmente no que diz respeito à manutenção de suas tradições.
Além disso, os estudos contemporâneos relacionados ao protagonismo empreendido
pelos coletivos indígenas a partir dos primeiros contatos ocorridos ainda no período colonial,
indicam que tais coletivos têm, historicamente, articulado estratégias particulares de
sobrevivência diante de instituições opressoras e limitadoras de suas ações.
Por outro lado, tais instituições ao longo das relações de contato, investiram de modo
contundente na criação de diferentes projetos de integração, assimilação e extermínio de
sujeitos e coletivos étnicos espalhados por diferentes partes do atual território geopolítico
brasileiro. No entanto, consideramos que os processos que informam o protagonismo indígena
desencadeado no contexto do regime Civil-Militar, foi algo particular que apresentou
características históricas específicas daquele período, conjuntura política e processo histórico.
Na segunda metade do século XX, sujeitos e coletivos indígenas passaram a se
apropriar de mecanismos de articulação político-institucional e passaram a utilizá-los em
benefício próprio. Diante de um projeto de integração compulsória, empreendido pelo regime
de exceção sobre os povos indígenas, estes criaram estratégias específicas que precisam ser
melhor problematizadas de modo a possibilitar a evidenciação do protagonismo dos
“Movimentos Indígenas no Brasil Contemporâneo”.
Nesse sentido, o objetivo desta comunicação é apresentar elementos característicos das
agências indígenas nas relações políticas que passaram a estabelecer com o Estado na
reivindicação do direito à diversidade e a diferença no contexto do regime Civil-Militar no
Brasil (1964-1985). Para tanto, propomos uma reflexão sobre as articulações políticas
indígenas desenvolvidas no âmbito plurinacional brasileiro a partir das correlações que
passaram a estabelecer no âmbito político-institucional, através de encontros de caráter local,
regional, nacional e mesmo internacional, com o aporte da Constituição Federal de 1988. Esse
novo paradigma constitucional, abriu espaços no campo das discussões jurídicas, acerca da
importância dos processos de demarcações dos territórios tradicionais, que já se arrastavam há
décadas, sem uma solução aparente, principalmente por causa da negligência do poder
público.
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Cf. Leinº 6.001, DE 19 de dezembro de 1973.
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O que parece ter mudado com a criação desta lei, foi que tais propostas passaram a ser
reguladas e amparadas pelo caráter jurídico estabelecido. As articulações políticas que
surgiram naquela conjuntura passaram a ter prerrogativas estabelecidas na própria legislação.
Logo após sua sanção, em dezembro de 1973, o Estatuto do Índio já levantava
polêmicas. Em 27 de janeiro de 1975, o Ministro do Interior Maurício Rangel Reis, em
entrevista coletiva à imprensa, sugeria que essa legislação fosse alterada, permitindo a
emancipação das comunidades indígenas. Conforme suas análises, as modificações a serem
feitas na legislação possibilitariam uma espécie de “emancipação coletiva”, onde grupos
inteiros seriam emancipados de uma só vez. No dia 2 de fevereiro, cinco dias depois, o
presidente da FUNAI e General do Exército Ismarth Araújo de Oliveira, defendia as ideias
apresentadas pelo Ministro do Interior, General Maurício Rangel Reis, admitindo que talvez
fosse perigosa a existência de uma legislação única para todos os índios, (COMISSÃO PRO-
ÍNDIO, 1979).
Mesmo reconhecendo a necessidade de considerar a diversidade de povos, o
presidente da FUNAI defendia como necessária a alteração da lei. Naquele mesmo dia,
antropólogos do Museu Paraense Emílio Goeldi, criticavam a atitude do Ministro, afirmando
que não se tratava apenas de emancipação, já que “o índio sempre se integra à sociedade
nacional num nível mais baixo do que desfrutava em sua vida tribal”.
Nos idos de 1978, as discussões sobre a emancipação dos índios tomaram maiores
projeções. Em junho daquele ano, veio a conhecimento público a existência de uma minuta de
decreto de regulamentação que alterava os artigos 9º, 10º, 11º, 27º e 29º do Estatuto do Índio,
que havia sido enviada ao Presidente pelo Ministro Rangel Reis. Conforme aponta a matéria
intitulada:Emancipação indígena vai a Geisel, publicada pelo periódico Jornal do Brasil, na
edição de 22 de outubro de 1978, havia se reunido em Brasília um grupo restrito para discutir
não mais a elaboração de um projeto de lei, o qual era a intenção inicial do governo, mas um
projeto de decreto de lei.
A diferença é que esta estratégia visava afastar a discussão pelo legislativo, anulando
as possibilidades de os antropólogos fazerem pressão sobre o Congresso na tentativa de
impedir sua aprovação, (JORNAL DO BRASIL, 1978).Não se sabia ao certo sobre o teor do
documento, senão apenas que se tratava de uma proposta de reestruturação dos artigos
relacionados aos processos emancipatórios.A minuta de decreto se direcionava
especificamente para os artigos que tratavam da questão da assistência e da tutela dos índios e
sobre suas terras. Para muitos estudiosos do assunto, inclusive em âmbito internacional, os
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processos que conformavam essas proposições, tinham forte relação com os projetos
desenvolvimentistas e sua relação com as terras indígenas, como nos aponta (VIDAL, 1979).
As propostas apresentadas pelo Ministro Rangel Reis, foram denominadas por vários
antropólogos de “falsa emancipação”. Isso resultou do fato de que, conforme prescrição do
Capítulo IV do Estatuto, apesar de os territórios indígenas serem de posse e usufruto dos
índios, os mesmos eram tidos como propriedades inalienáveis da União. Para tais
antropólogos, este seria o aspecto responsável pela manutenção e preservação das terras
indígenas, impedindo que a “cobiça alheia” dominasse esses espaços, (PRO-ÍNDIO,
1979:18).
Assim, as propostas sobre a emancipação dos povos indígenas contrariavam a
manutenção de suas terras. E esta não era uma leitura feita apenas pelos antropólogos.
Em Carta datada de 26 de outubro de 1978, enviada ao General Ismarth de Araújo
Oliveira, a Indian Rights Association, conhecida associação indigenista norte americana,
atuando desde 1882 nos Estados Unidos, criticava as propostas apresentadas pelo presidente
da FUNAI, observando que “quando a terra indígena está em jogo, as questões são encobertas
por uma nuvem de nobre retórica sobre a necessidade de se civilizar o índio, conceder-lhe
cidadania, terminar o ‘degradante’ sistema de reservas”, (CARTA DA INDIAN RIGTHS
ASSOCIATION, 1978:24).
Monções de apoio como estas, resultavam dos posicionamentos dos próprios
representantes do Estado. No dia 12 de fevereiro de 1978, o Ministro do interior Maurício
Rangel Reis, afirmava em nota à imprensa: “a política indigenista atual terá fracassado se não
emancipar, pelo menos, 1 [um] índio”, (PRÓ-ÍNDIO, 1979:12). As mesmas palavras já
haviam sido ditas pelo Ministro em outras ocasiões (como na CPI do Índio, ocorrida em
1968). Em outra ocasião o mesmo enfatizava: “achamos que os ideais de preservar a
população indígena dentro de seu habitat são belas ideias, porém irreais”, (Idem:12). Dois
anos depois declarava: “se não emancipar algumas comunidades indígenas até o fim do
governo, estará frustrada a política indigenista do governo Geisel”, (Idem:41).
A jornalista Eliana Lucena, havia redigido uma matéria intitulada:A emancipação (das
terras) dos índios, que foi publicada pelo periódico Movimento, na edição semanal de número
139, de 27 de fevereiro de1978. Nela, o padre Egydio Schwade, secretário do Conselho
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Este periódico circulava, chegando por vias aéreas, na maioria das principais cidades da região norte do país,
dentre elas, Manaus, Santarém, Altamira, Macapá, Porto Velho e Rio Branco.
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A fala de Megaron, destacada na matéria, nos permite observar diferentes nuances das
relações que este sujeito estabelecia com a comunidade envolvente, sem descuidar das
responsabilidades que tinha como militante das causas indígenas, das causas de sua
comunidade. Ademais, considerando as diferentes nuances da questão apresentada pela
jornalista em suas matérias, podemos observar que as divergências de opinião já se faziam
sentir desde antes da validação do Estatuto do Índio, em fins de 1973. O caso de Megaron,
reflete as ações de lideranças indígenas que, apesar da relação com a comunidade envolvente,
não estavam alheias às necessidades de seus grupos étnicos, com eles mantendo relações em
defesa dos interesses das coletividades das quais faziam parte.
Eliana Lucena finalizava a matéria observando que enquanto não se chegava a uma
conclusão sobre o melhor método de integração dos povos indígenas, um ponto parecia ser
fundamental: “se não for garantida a terra ao índio, ele talvez não consiga assistir a sua
própria integração no mundo do branco”, (Idem:3).
Pelo teor da matéria, é possível observar que, independente das posições tomadas em
relação à questão indígena, era perceptível que as propostas de emancipação mascaravam
outros interesses. Para diferentes grupos da sociedade, a emancipação dos sujeitos e povos
indígenas deveria ser desenvolvida, considerando os processos que conformavam os modos
de vida dos sujeitos indígenas. Forçá-los a emancipação significava entregar suas terras aos
interesses de grandes empreendimentos de caráter desenvolvimentista.
Para os antropólogos da Comissão Pró-Índio de São Paulo, os problemas fundiárias
pelos quais o país passava, não deveriam ser resolvidos à custa dos índios. Os objetivos dos
projetos emancipacionistas seriam ausentes de justiça e inviáveis de serem alcançados. Em
outras palavras, integrar os indígenas significaria entregar suas terras aos interesses de
grandes grupos empresariais. Para alguns estudiosos do assunto:
“[...] emancipar grupos indígenas [era] entregá-los desarmados a forças
infinitamente mais poderosas, que lhes arrebatarão, em maior ou menor prazo, as
terras a vil preço, por grilagem ou por execução das dívidas, absorvendo-os como
mão-de-obra barata”, (PRÓ-ÍNDIO, 1979:18).
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Considerações finais
Para muitos líderes indígenas que iniciaram na década de 1970 o processo de
articulação entre grupos étnicos de diferentes regiões do país, o direito à cidadania brasileira
não deveria se conformar pelas políticas emancipacionistas ou civilizatórias empreendidas
pelo Estado,mas sim, a partir da lógica dos próprios sujeitos indígenas. Para estes, a
integração junto à comunidade nacional deveria ocorrer em seus próprios termos.
Cabe-nos a observação de que o evento para o qual Lula havia sido convidado por
Juruna e Olair, apesar de ser organizado para possibilitar o diálogo entre lideranças indígenas
e entidades de apoio, acabou por se constituir como o primeiro encontro de lideranças
indígenas em perspectiva nacional, reunindo um número expressivo de chefes de várias partes
do país, sendo por elas dirigido e encaminhado nos três dias que se seguiram.
O país passava por intensas agitações políticas e sociais. Democracia, Cidadania e
Direitos Humanos eram temas que estavam na pauta de primeira ordem nas agendas dos
movimentos sociais. Os movimentos indígenas, para além das especificidades étnicas de suas
articulações, não estavam alheios a essas mudanças. Suas lutas seriam legitimadas pelo
reconhecimento de suas diferenças prescrito no texto constitucional de 1988.
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Os discursos sobre a vacina e a sua aplicação foram uma questão polêmica por toda
Europa. No início do século XIX, diversas dúvidas foram suscitadas quanto à eficácia da
vacina e a possibilidade de transmissão de outras doenças através de sua utilização, de modo
que, grande parte da população leiga tinha receio em se vacinar. Até mesmo entre os médicos
também não havia consenso quanto a sua prática.
Em Portugal a prática de vacinação foi introduzida logo nos primeiros anos após o
desenvolvimento do método, todavia, a vacina foi difundida a partir de uma base individual,
voluntarista e não sistemática - o que dificultava a vulgarização da prática. As pessoas que
vacinavam eram oriundas de diversos grupos sociais, desde médicos e cirurgiões, até mesmo
indivíduos não especializados, como padres, sangradores e pessoas movidas por ideais
filantrópicos ou humanitários. Para Teixeira da Silva, a distribuição da vacina ficou restrita a
poucas áreas de Portugal, e se formou uma “malha bastante rarefeita e pouco eficaz em
termos de cobertura do território”. (SILVA, 2015: 272-273)
*
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz. Casa
de Oswaldo Cruz, 2018.
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Se esta criança morrer de bexigas naturais, vos somente sois culpado de sua
morte, por que tendes não um prompto e eficaz meio de a livrar deste fatal
enfermidade, e heste meio é a vacina dadiva do céu para alivio da fragilidade
humana.(GOMES,1812:30)
A questão da população ter sido resistente a esta profilaxia nos leva a pensar diferentes
problemáticas com as mais variadas causas. Diversos casos foram citados pelos médicos
como: o de facultativos opositores da vacina embasados na obra de Heliodoro Carneiro137; tais
como: a pouca credibilidade do efeito protetor da vacina;o surgimento de doenças e epidemias
atreladas a vacinação, entre outros. Em uma matéria da Gazeta de Lisboa,em 1814, foi
narrado que “o povo clamava que a vaccinação não é só um acto irreligioso, antecipando a
137
Médico português que escreveu a obra Reflexões sobre a Pratica da Inoculação da Vaccina e suas funestas
consequênciaspublicada em 1808, foiuma obra totalmente voltada contra a vacina e causou grande repercussão entre os
médicos e a população portuguesa.
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vontade do Altissimo, mas também que he uma moléstia de animaes irracionaes, que não
pode ser sem peccado transmittida a especie humana” (Gazeta de Lisboa, 1814:(s/p)).
[...]Dizia-me ésta pobre mulher, que a Vaccina he a maior das desgraças, que tem
vindo ao mundo; que pela sua Terra toda a gente se vaccina, mas he porque o seu
Parocho os ameaça com prisão e Portagem se não o fizerem. Acrescentou que ter
filhos he o maior mal que pode succederá gente pobre, que com a criação d’elles não
pode cuidar na sua vida, ir á lenha, a herva, etc.; que para bexigas he que os pobres
apellavão para se verem livres dos filhos; e que agora nem esse recurso lhes-resta;
que ninguem morre de bexigas, nem já as-ha, nem se-tornão a esperar na sua
Terra.(Jornal de Coimbra,1815:73)
Para o médico José Feliciano de Castilho, o relato desta paciente na verdade era um
grande elogio à vacinação, pois mostrava a efetividade da prática. Todavia, podemos perceber
uma postura de imposição e coercitividade da vacina, mesmo que sua obrigatoriedade não
fosse imposta pelo governo. Neste sentido, a participação dos padres e da Igreja no processo
de vacinação foram indissociáveis das tentativas de convencer a população portuguesa a se
vacinar neste período. Ademais, os próprios membros da Igreja poderiam ser coagidos, como
podemos perceber na pastoral em prol da vacinação feita pelo Bispo d’Elvas, D. Joaquim da
Cunha de Azeredo Coutinho, em 1814, na qual determinou que o corpo eclesiástico “que se
empenhe em promover este bem, e aos omissos, ou rebeldes faz lembrar o poder da sua
jurisdição” (Gazeta de Lisboa, 1814: s/p). Esta relação também estava bastante clara no ofício
expedido pelo Intendente Geral da Polícia, João Antonio Salter de Mendonça, para todos os
prelados diocesanos do Reino em 1813:
pessoas principais a que imitem tão louvável procedimento, pois a prática deste
saudável invento depende inteiramente da opinião pública, para se introduzir em
todas as famílias e classes da sociedade. 2º.Que V. Ex.a. ordene aos párocos, seus
súditos, que não cessem de persuadir aos fregueses por todos os modos,
especialmente na citação da missa em alguns domingos as utilidades da vacinação,
exortando a que se pratique por todos que dela necessitarem.(Correio Braziliense:
Ou Armazem Literario,1813:242-243.)
Além do alto escalão, pessoas “respeitáveis” também poderiam servir de exemplo para
o resto da população, mesmo assim, esta medida não garantia que o povo não continuasse
refratário ao método. É importante salientar que a estratégia de utilizar exemplos para
disseminar a vacinação mais do que direcionados à população em geral, eram destiandos aos
os chefes de família. Desta forma, quanto mais legitimada a efetividade da vacina, maior se
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desta forma, pois havia umaordem explicíta para que os corregedorres vacinassem todos os
individuos à eles subordinados, isto incluía: os órfãos, as pessoas empregadas nos hospitais ou
os convalescentes que deles saissem, os presos nas cadeias públicas, os expostos, os alunos
das casas de educação que lhe fossem sujeitos, ou qualquer outra pessoa sob sua jurisdição.
tiveram bexigas”. Devido a isso o intendente expediu uma ordem, em 1819, para que os
médicos que atestassem que algum vacinado tivesse adquirido bexiga, deveriam emitir este
parecer por escrito para que o fato fosse examinado por médicos correspondentes da
Instituição Vaccinica da Academia Real das Sciencias de Lisboa, que assim iriam emitir seu
parecer sobre o caso e se esta pessoa havia tido realmente vacina verdadeira ou não.
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Conclusão
Todavia, cabe ressaltar que isto não foi uma exclusividade do governo português. A
título de elucidação, há o caso da Rússia. Foi noticiado em uma matéria na Gazeta de Lisboa,
que naquele país a vacina teria sido introduzida em 1801 pelo Collegio Imperial de Medicina
e parece ter tido boa aceitabilidade da população. Tal aceitação contribuiu para, a queda do
número de mortes por varíola, em 1802,para apenas119 pessoas. Porém, segundo o redator,
devido ao fato do povo ter ficado mais “frouxo” sobre o assunto, em 1804, o número de
pessoas mortas por varíola teria subido novamente, para um total de 379 pessoas. Neste
quadro, o governo teria ordenado que os pais de família, quando levassem seus filhos para
serem batizados, deveriam ser advertidos pelos ministros da religião que se alguma criança
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falecesse por bexiga, seriam eles os responsáveis pela sua morte, por um descuido
indesculpável. (Gazeta de Lisboa, 1805: (s/p)).
Ademais, em 1814, houve uma Ordem Papal para o Proto-Medicato de Roma, para
que continuasse a propagar a vacina “descobrimento precioso, que será para os povos mais
hum motivo de gratidão, e reconhecimento a hum DEOS sumariamente bom”(Gazeta de
Lisboa, 1814:(s/p). Por fim,esta ordem papal, bem como outras matérias publicadas em
diversos periódicos, indicam que a igreja católica teve um papel importante no processo de
promoção da prática da vacina no início do século XIX na Europa.
Fontes
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Literário, Londres, n.66, novembro de 1813, p.824-827.
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Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, junho de 1814. Jornal de Coimbra, Lisboa,
n.XXX, parte I, junho de 1814, p.321-322.
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na sessão pública de 1815 por Bernardino Antonio Gomes. Historia e Memorias da Academia
Real das Sciencias de Lisboa. Lisboa, Tomo IV, parte II, 1816, p.52.
Diario Vaccinico de Jose Feliciano de Castilho em Coimbra, nos meses de abril, maio, e
junho de1815. Jornal de Coimbra, Lisboa, n. 38, 1815, p.73
Extracto de uma carta de Francisco Gomes da Motra a José Feliciano de Castilho, sobre
vaccina, febres intermitentes, etc. Jornal de Coimbra, Lisboa, n. XXXII, 1814, pp.96-97.
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Memória sobre a utilidade da innoculação das Bexigas Vaccinas, traduzida do Alemão por
um amigo da Humanidade.Noticia. Jornal de Coimbra, Lisboa, n.XL, 1815, pp.195-196.
Seis Contas mensais de Antonio de Almeida, médico em Penafiel, sócio da Acad. R. das
Scienc. De Lisb. e correspondente da Inst. Vaccin., as quaes pertencentes ao 1° semestre do
anno corrente 1817. Jornal de Coimbra, Lisboa, n. LV, parte I, 1817, pp. 8-9.
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do Norte Centro de Ensino Superior do Seridó – Campus de Caicó, v.10, n.26, jul./dez. 2009,
pp. 91-102.
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Introdução
As origens de espaços museológicos datam desde a Grécia Antiga: era um local
sagrado, que detinha coleções consideradas místicas das conquistas materiais que perpetuaram
ao longo do tempo, pois se agradeciam aos deuses, ofereciam sacrifícios e guardavam objetos
em nome das vitórias em batalhas. Esse papel de conservação e coleção caracterizada pelos
museus foi mudando seu objetivo no decorrer de sua história, porém sua essência de guarda
dos objetos de relevância memória permaneceu.
Existe a prática muito comum em todo o universo social de guarda material para
memoração. Seja por recordação, ou ressuscitar aquele momento que viveu em um passado
recente ou distante. Essa prática não é contemporânea, pois está presente na História de
muitos Estados onde certos fragmentos de coleções materiais que revivem o passado e
momentos históricos estão disponíveis em recintos próprios (seja por estátuas, bustos de
pessoas consideradas importantes, arquitetura, pinturas e etc). O ambiente do museu tem
práticas parecidas à preservação da memória e conhecimento material de uma época. A visita
a este espaço é um momento onde há uma quebra de monotonia do meio escolar, é uma
ocasião do pesquisador/docente aproveitar para transmitir um conhecimento de maneira mais
sólida, auxiliados pelos objetos diferentes. Não se deve somente ater o foco ao museu no
sentido de causar este ''impacto'' de um lugar diferente, mas também se necessita levar em
consideração a metodologia a ser usada para o conhecimento adquirido no museu e como tal
experimento vai auxiliar no ensino de História e entender como esse produto histórico chegou
até os dias atuais.
Hoje existe uma espécie de especialização temática para cada tipo de museu,
dedicados não só para a disciplina histórica, como também para a guarda de objetos
pertinentes a outras disciplinas como a zoologia, arqueologia (tanto em materiais pequenos,
mas também monumentos in situ), antropologia e outras temáticas pertinentes a materiais
específicos, além disso, concomitantemente com a renovação científica do século XX, refletiu
nos objetos de novos museus temáticos que surgirão no respectivo período, como é o caso dos
grupos historicamente esquecidos da historiografia tradicional que emergem para dar forma às
novas questões, novos personagens, sujeitos históricos, culturas, grupos, além da apresentação
de novas problemáticas das quais podemos ter como exemplo as mulheres, crianças, negros,
indígenas, operários, história da educação dentre outros temas pertinentes às novas categorias
sociais explorados cientificamente.
Dentro desta perspectiva, usou-se como demonstração em forma de museu a religião
do Candomblé, uma cultura que sobreviveu ao longo dos séculos resistindo em sua riqueza da
herança imaterial, pois tais aspectos são importantes para esclarecer questões descritivas da
religião como produto de análise e compreensão por parte de quem participa da apresentação.
Vale ressaltar que apenas o museu em si não é um recurso didático, mas sim a sua
forma de explicar os objetos ali expostos para o levantamento de problemáticas e agregação
no conteúdo intencionado. Tal espaço, tem seu caráter educativo e de contribuição social, ao
mesmo tempo em que pode ensinar, também pode atingir outro objetivo fundamental que os
objetos materiais podem exercer sobre os alunos: o questionamento, pois a partir daí pode
surgir a problematização do tema. Para Ribeiro:
No museu de História, esses vestígios são organizados e expostos para promoverem
uma ''viagem no tempo''. O veículo dessa viagem é exposição museológica que, ao
construir uma narrativa por meio de diferentes formas, perspectivas e temáticas,
possibilita aos visitantes a oportunidade de observar, pensar, descobrir, explorar,
investigar, questionar e elaborar novas narrativas. […] Ao nos depararmos com
evidências materiais de outros tempos, sinais preservados ou em ruínas deixadas
pelas pessoas do passado, somos impelidos a imaginar: quem produziu? Para quê?
Como foram usados? Perguntas que intrigam o olhar e mobilizam os atos de ensinar
e aprender História na escola e em outros espaços (RIBEIRO,2011:135)
Tais questionamentos também são fundamentais para não deixar a visita ao museu
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apenas uma evocação de uma memória descritiva, ou celebrar um mero momento histórico
sem o objetivo primordial de ser um laboratório de pesquisa. Assim, existem vários cuidados
de interpretação, observação, planejamento e estudo para a visita ao museu ter sua máxima
efetividade no que diz respeito ao estudo dos objetos ali expostos.
Além disso, é inerente para a vida escolar do aluno uma nova abordagem de análise da
fonte histórica exposta devido ao contato direto, novas problematizações e representações que
aqueles objetos denotam, também devem ser explorados tanto por parte do aluno quanto por
parte do professor, fomentando um rico debate e ''contribuir para que o educando reflita sobre
seu papel como ator social pertencente a uma determinada comunidade, que possui
patrimônios individuais e coletivos, memórias e legados que devem ser preservados. (amanda
pessoa 2016) ''
Segundo o artigo 6º dos Estatutos do Comitê Nacional Brasileiro do Conselho
Internacional de Museus (ICOM):
''O museu é um espaço de produção de conhecimentos abertos ao público, sua
função é adquirir, conservar, pesquisar, comunicar e exibir evidências materiais do
homem e de seu ambiente para fins de pesquisa educação e lazer''.(adaptado)¹
¹
Adaptado do 6º artigo do ICOM. Disponível em www.icom.org.br/wp-content/uploads/2013/05/Estatuto-ICOM-
BR.pdf. Acessado em 31/05/2018
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Desta forma, para atingir tais objetivos, foi exposto em uma sala no Centro de
Ciências Humanas da Universidade Federal de Roraima uma abordagem análoga ao museu
com a exposição de vestimentas, imagens e objetos pertinentes à religião, bem como um
breve histórico sobre a religião para suprir a função do museu de conhecimento de cultura
passada. No fim, foi exposto uma oratória feita pela mãe Yatylissá, bem como a demonstração
fictícia de alguns rituais da religião do candomblé e no final foi aberta à perguntas. Logo,
entende-se que a exposição dos objetos e da cultura material e imaterial é de bom proveito
para observar a herança que uma cultura que sofreu represálias ainda é presente na sociedade
contemporânea.
Conclusão
A apresentação dos objetos e a exposição oratória auxiliam na desconstrução de
muitos preconceitos enraizados em nossa sociedade, além do contato direto com os materiais
para o entendimento correto do funcionamento das liturgias candomblecistas. As práticas de
religiões africanas são frequentemente sujeitos passivos dos mais variados tipos de
preconceito pois, desde a escravidão no Brasil, tudo relacionado ao afrodescendente era
subjugado e visto de maneira inferior aos olhos da sociedade, essa essência maculada ficou
pertinente até os dias atuais, igualmente visto quando se trata da religiosidade que faz parte do
bojo cultural africano. O candomblé é um perfeito exemplo da resistência de suas práticas
perante o preconceito institucionalizado, que é fruto da herança colonial e imperial no Brasil.
É importante salientar que no currículo escolar apenas o cristianismo é ensinado como
religião primária a ser seguido, quando a escola pública tem o ensino religioso na estrutura
disciplinar. No antro privado de ensino, a educação religiosa é determinada pelas políticas
próprias da escola das quais são mais comuns as de essência cristã, quando pautadas sobre
organizações de religiosidade e ensino concomitantemente. Isto abre dois caminhos a serem
analisados quando se trata do ensino sobre religião: A primeira é uma espécie de obrigação de
princípios a serem ‘’estudados’’, trazendo uma sensação de que o cristianismo seria a crença a
ser seguida, criando muros para religiões que não compactuam com os dogmas cristãos.
A segunda seria que o aluno oposto à fé cristã, não fica inserido no ambiente escolar,
tanto devido ao preconceito que já é presente na sociedade quanto a falta de abordagens
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Barbosa
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aprendizagem. Disponível em:
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18ce8ce27adf61aedf31dd2d6.pdf> Acessado em 21/06/2018.
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GUILHERME MACIEL*
MATHEUS RODRIGUES**
ARCÂNGELO FERREIRA***
Introdução
Partindo da perspectiva de usar novas ferramentas e formas de ensinar História, torna-
se necessário o manejo de diferentes modos de ensinar essa disciplina, para que ela se torne
um encanto para aqueles protagonistas da aprendizagem. Os alunos. E dentro desse contexto,
esse artigo tem por finalidade tratar a forma de como foi utilizado a charge, no ensino de
historia, a partir da oficina realizada na escola Dom Gino Malvestio pelos bolsitas do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). Foram realizados oficinas
com alunos de 2º e 3º ano do ensino médio e a temática escolhida para ser trabalhada na
escola foi Política.
Com aulas expositivas e contextualizando a temática, objetivo era fazer com que os
alunos desenvolvessem o pensamento critico a respeito do significado de política para eles.
Varias opções metodológicas foram apresentadas, para que expressassem sua compreensão e
reflexão, alguns exemplos como: produção textual, cordel, música e as charges. Essa última
opção de se trabalhar com os alunos foi uns dos métodos mais utilizados como forma de
expressão dos alunos, sobre a compreensão da temática. No presente artigo apresentaremos
nosso relato de experiência sobre as aulas expositivas e dialogadas assim como o resultado da
produção na sala de aula – as charges - e as conclusões das análises das charges que os alunos
criaram.
*
Acadêmico da Universidade do Estado o Amazonas (UEA), Centro de Estudo Superiores de Parintins (CESP). Email:
dexopo.maciel@gmail.com
**
Acadêmico da Universidade do Estado o Amazonas (UEA), Centro de Estudo Superiores de Parintins (CESP). Email:
matheuskarl895@gmail.com
***
Professor titular da Universidade do Estado o Amazonas (UEA), Centro de Estudo Superiores de Parintins (CESP).
Formado em História pela Universidade
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Versalhes para capturar Maria Antonieta, Rainha da França, em revolta aos autos gastos e a
forma espalhafatosa dela consumir luxo, ou trabalhadores cruzando os braços para seus
patrões em busca dos direitos trabalhistas, contra a exploração e o respeito que a maior classe
existente merece, a classe trabalhadora.
De uns séculos pra cá, outras formas de protestos e de criticar vieram surgindo, através
das artes e literatura, essas formas abriram uma nova forma de construir críticas muito mais
acessíveis, uma delas com força bem emblemática, as Charges. NERY (2001) nos ajuda a
pensar um pouco como utilizar as charges na sala de aula. Com o nome advindo do francês
que significa literalmente carga, as charges trazem realmente um sentido de peso, força e
exagero naquilo que elas pretendem passar para seu público, que geralmente não é um
especifico, pois são sátiras fáceis de compreender por pessoas de varias idades e classes
sociais, porém elas sempre vão criticar e fazer alusão a um tipo determinado de
acontecimento no tempo e espaço, o que geralmente remete a estar dentro do contexto de
algumas charges para poder compreender ela como um todo.
As charges e caricaturas como conhecemos hoje, herdeiras do jornalismo ilustrado
surgido sobretudo na Inglaterra e na França dos séculos XVIII e XIX, têm suas raízes
igualmente fincadas na iconografia da Idade Média e na atividade dos ateliês de pintura dos
séculos XV e XVI.Exemplos bem fortes de que as charges podem satirizar e contrapor
acontecimentos – ainda tendo a frança como exemplo nesse contexto – foi o emblemático
episodio francês, onde Luis XVI após a descoberta da sua fimose, (e o motivo de ainda não ter
“tentado” gerar filhos) os jornais da época fizeram varias sátiras em relação à situação do rei
da França. Alguns historiadores acreditam que ele cedeu à pressão e o escárnio que a
população impusera sobre ele e em uma cirurgia seu problema foi resolvido.
Elas – as charges – sempre tiveram um caráter imediatalista, e dentro dessa idéia da
charge ser resultante do contexto do momento, aplicamos uma atividade para os alunos dos 3º
e 2º anos do ensino médio da Escola Estadual Dom Gino Malvestio durante o ano de 2017. A
atividade consistiu na elaboração e na produção de charges sobre o tema política, que foi o
tema em questão trabalhado pelos pibidianos de História na escola.
De modo geral, as charges produzidas pelos alunos possuíram um teor critico
satirizando a conjuntura política atual num englobamento nacional e outras focadas na política
mais local. Obviamente o que estava sendo avaliado era o conteúdo em si da charge, e não seu
lado mais artístico, sendo que algumas delas mesmo possuindo um visual simples,
apresentaram reflexões criticas e pertinentes ao contexto do período em que a charge foi
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produzida. E no caso da oficina aplicada na Escola Dom Gino, dentro do tema política, os
alunos usaram os acontecimentos que estavam ocorrendo no Brasil, e a partir da produção
desse material dos alunos, pudemos ver o antes e o depois da visão de mundo em relação á
política dos alunos antes, durante e depois das oficinas aplicadas.
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Segundo informes midiáticos e sites nas referencias bibliográficas.
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Seguindo a análise da conjuntura política brasileira, objetivo ao apresentar esse tema aos
alunos de 2º e 3º ano do ensino médio na escola Dom Gino Malvestio, teve como foco fazer
que os mesmo desenvolvessem um pensamento crítico, e como isso está implicado
historicamente na vida desses sujeitos. Com a problematização e contextualização, se iniciou
o desenvolvimento das oficinas, no qual as charges foram a principal forma que os colegiais
escolheram para expressar suas compreensões sobre o que é política no Brasil.
Os detalhes nas caricaturas exibiam uma clara crítica centrada aos políticos sua associação à
corrupção e a desigualdade social, correlacionando com a perda de direitos, e falta de políticas
públicas, junto à inércia dos representantes públicos, locais e nacionais. O sentimento
expresso era de insatisfação, que refletia a crise do atual cenário político, e suas repercussões
na economia, educação, saúde, infraestrutura e segurança, que no ano de 2017 passou a ser
mais visível aos olhos dos brasileiros, graças à tecnologia de informação e comunicação –
TIC. E o problema passa a ser o excesso delas e como filtra-las, e como isso desenvolver uma
análise crítica, objetivo das charges foi exatamente fazer os alunos levantarem esse ar de
criticidade, e mostrar que a política vai fazer parte de sua vida, enquanto sujeito histórico, seja
na escola, na universidade, no trabalho, em casa, na igreja, etc.
Vivemos em um período onde a desigualdade, intolerância, discriminação e a exploração
estão cada vez mais presentes no cotidiano, resultado de um longo processo histórico, que
legitima um sistema de opressão e que visa apenas o lucro, em contraposição e uma sociedade
cada vez mais marginalizada, sem direitos ou voz. A escola torna o espaço vital para
problematizar e resignificar a palavra política, possibilitando cada vez mais a participação
popular, fazendo-a questionar, com breves ponderações desde Aristóteles afirmando que o
homem é um ser político até alguns autores mais modernos (incluindo a definição dos
próprios alunos sobre política)
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Antes das oficinas serem iniciadas, houve pequenos debates e diálogos com os alunos dos
terceiros anos sobre o que era a política, cada um tinha uma opinião sobre o tema, e com o
decorrer das aulas, explicamos de forma clara o que era política e como ela estava diretamente
ligada as nossas vidas. A estratégia aqui, junto com conversas informais, era sondar o
conhecimento dos alunos, e partir do seu senso comum para a reflexão critica, que era um dos
nossos objetivos finais desejados com a articulação das oficinas dentro da sala de aula. As
discussões ficaram dividias em política local e política num âmbito nacional.
Durante as primeiras conversas com os alunos, ficou notável que possuíam certo
conhecimento, mesmo que ainda a grosso modo, sobre política, porém um pouco voltada para
a política partidária; claro que a nossa primeira pergunta foi “Você sabe o que é Política?”, e a
partir daí os diálogos tiveram inicio. Foi levantado a questão sobre a importância de conhecer
política e a função que ela tem em nossas vidas pois como diria Aristóteles “ninguém
escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o homem é um ser
político e está em sua natureza o viver em sociedade”(1991), viver em sociedade te faz um
agente político, cabível de suas próprias escolhas. O curioso é que mostrar como os alunos
estão inseridos na sociedade, que decisões políticas “lá em cima” podem afetá-los de
determinada forma aqui em baixo, foi uma das melhores estratégias para chamar-lhes a
atenção para o tema. Uma que vez que conseguiam se ver como tais agentes políticos, e como
estavam implantados no tempo e espaço, ficava mais fácil aprofundar as discussões.
Ainda com base em Aristóteles, onde ele afirma que “os sofistas pretendem ensinar política,
mas não são eles que a praticam, e sim os políticos, que parecem fazê-lo graças a uma espécie
de habilidade ou experiência, e não pelo raciocínio.” (1991). Colocamos questões mais
complexas, agora que teoricamente sabem que são agentes políticos, a conclusão que
conseguimos chegar juntos com os alunos foi a intencionalidade de Políticos, Empresários,
Emissoras, etc., de tornar o assunto Política e desagradável para a população, pois na frase dos
próprios alunos “se a população não quer fazer política, deixa que a gente faz”, e então os
políticos e outros transformam o campo da Política num show de horrores.
Essas conversas foram de suma importância para o desenvolvimento das oficinas, logo
estávamos problematizando situações do cotidiano que antes eles não sabiam que tinham forte
ligação com suas vidas e que podiam interferir nas suas escolhas para o futuro. Um dos
exemplos que rendeu bastante discussão construtiva foi o caso da Lixeira de Parintins – que
por si só gera bastante assunto, alvo até mesmo de pesquisas e trabalhos acadêmicos em
Parintins – que é bastante famosa e gera opiniões sobre seu posicionamento e toda uma
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questão ambiental. Perguntamos aos alunos se a lixeira incomodava eles, a escola tem uma
distância considerável da lixeira, e a maioria dos alunos moram nos arredores, provavelmente
por isso a maioria das respostas foi que a lixeira não incomodava. “Já aconteceu de um dia o
caminhão de lixo não passar na rua onde moram, por dois ou mais dias?”. Foi o suficiente
para instigar a reflexão, pois como os próprios alunos afirmaram, as ruas ficaram cheias de
lixo, as casas ficaram incomodadas por não saberem a maneira de despejar o lixo acumulado
em algum lugar apropriado. Essa parte das discussões ficou bastante ligada aos problemas
locais, mas não se prendeu somente ao caso da lixeira. Questões sociais e até mesmo escolares
da Escola Dom Gino, foram abordadas na sala de aula, vale pontuar que no inicio do projeto
PIBID em 2016 na escola, ela estava se preparando para se transformar em uma escola
militar, até os últimos dias que as oficinas foram aplicadas, nenhuma mudança na forma como
a escola dirigia seus alunos mudou.
A compreensão da política nacional também era de vital importância para situar o
aluno da conjuntura atual, foi perguntado a eles o que entendiam sobre política nos seguintes
aspectos: se sabiam o que era ideologias, e o significado de “esquerda”, “direita” e “centro”.
Obter essas informações sobre os conhecimentos prévio dos alunos sobre a temática era
essencial para que nos os aplicadores do projeto conseguisse encontrar o melhor meio
didático-pedagógico de problematizar junto com eles a questão apresentada. Muitas das
respostas iniciais dos alunos eram sempre associadas a corrupção e a políticos se tratando da
política nacional. Ainda não possuíam uma compreensão real sobre a política atual, e o que
ocorreu em 2016 no impeachment da presidente Dilma Rousseff, cuja serie de cortes e
reformas econômicas feitas pelo seu sucessor e atual presidente Michel Temer que os
afetavam diretamente os alunos e a população geral. Havia pouco interesse dos alunos sobre o
temática, sendo considera chata e alguns recusavam a participar ou opinar sobre o assunto.
Durante as oficinas, ao localizar e encaixar os alunos no fato político-social do Brasil,
mostrando a eles sua ligação com as “forças maiores”, que até mesmo o Estado tenta ter o
poder sobre seus próprios corpos das mais variadas formas possíveis, como coloca Foucault
(2010), apresentar-lhes as formas como são afetados por decisões aparentemente tão alheias a
sua realidade cotidiana; essa experiência em particular gerou bastante curiosidade e interesse
nos alunos, pois uma vez que conseguem se enxergar como agentes políticos, como
protagonistas de uma história que achavam que não eram deles, as questões, reflexões e as
criticas sobre Política, começaram a acalorar. Era aparente no discurso dos alunos uma nova
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Todas as charges foram transferidas para mídia digital e editadas pelos autores dessa publicação para melhor
visualização do leitor do referente artigo.
141
Optamos por manter o nome dos alunos em anonimato, por questões éticas profissionais.
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Optamos por expor em análise essa charge como sendo a primeira, pois ela reflete um
aspecto bastante local do cotidiano dos alunos do ensino básico da rede pública, ela se encaixa
como um retrado da política escolar abordada em sua prática pedagógica na qual os alunos se
encontravam; o descontentamento com essas abordagens e a falta de políticas escolares local
pode ser visto na charge em questão. Essa charge é a representação do aluno se vendo como
agente político e questionando decisões políticas escolares apresentadas a eles. Ainda nessa
charge as alunas fazem uma critica a disciplina de Filosofia e como ela é abordada durante o
ensino médio. Concluindo que Filosofia é o amor à sabedoria.
Charge 02
Essa é uma das charges que nos chama a atenção. Pois além dela retratar a questão
salarial dos trabalhadores, enfatizando a luta por melhores condições de pagamento, a charge
faz uma previsão de um evento que ocorreu no primeiro semestre de 2018 em Parintins e
depois em várias cidades do Amazonas. Os professores da rede pública de Parintins
começaram um movimento exigindo um reajuste salarial do Governo do Estado do
Amazonas. O interessante é que o movimento começou com professores que atuavam na
Escola Dom Gino.
Charge 03
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Barbosa
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Charge 05
Outra charge que, de todas produzidas escolhemos para exemplificar o resultado das
discussões na sala de aula foi a Charge 05, retratando a diminuição da jornada de trabalho,
assim como o sucateamento das leis trabalhistas. Como estávamos num contexto pós golpe, a
charge se associa às leis trabalhistas do até então presidente Temer (que assumiu após a
destituição da ex-presidenta Dilma do Governo do Brasil) apresenta no inicio do seu governo
e posteriormente implementa.
Charge 06
Por fim, essa última charge resume o caos em que se encontra o Brasil representado
iconograficamente na visão de um aluno, e não deixa de ser a mesma opinião de boa parte da
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população brasileira; o interessante é que mesmo alguém que afirme não saber nada sobre
política, tem uma opinião formada, na maioria das vezes pode ser uma opinião negativa, mas
é o que esperar tendo exemplo aqueles que na teoria deveriam representar nossos interesses,
defender nossas causas e resolver nossos problemas. E aí está o problema da maioria das
pessoas – uma conclusão alcançada junto com os alunos – o problema do comodismo político.
Infelizmente não é possível apresentar todas as charges e tampouco comentar mais
sobre cada uma delas, que nas suas individualidades cada uma apresenta particularidade,
carisma e crítica a um aspecto do vasto amplo da Política, e ressaltando que forma produzidas
charges sobre mundo do trabalho, políticas publicas, política escolar, política partidária,
política estatal etc., porém, apenas dois temas não foram abordados pelos alunos: saúde e
segurança assim como temas co-relacionados, o que vale a curiosidade, pois durante as
oficinas, essas temáticas também foram abordadas.
Considerações finais
Um dos maiores problemas que afligem a população brasileira é o analfabetismo
político, juntamente com uma espécie de comodismo. Nas primeiras conversas com os alunos
percebemos isso, e por mais que eles afirmem que não gostem de falar sobre política, aqui
está algumas charges que podem provar o contrário. O projeto que apresentamos através do
PIBID sobre política na Escola Dom Gino Malvestio, foi uma experiência acadêmica e
pessoal de grande aproveitamento, pois a troca de conhecimento foi grande.
Situar os alunos na conjuntura política e mostrar que são agentes políticos capazes de
atuar para transformar a sociedade em que vivem, foi um dos resultados e alcançados mais
esperados e gratificante, como por exemplo na Charge 01 – que nas palavras do Guilherme
Maciel, “a minha charge favorita” – onde as alunas conseguiram se ver como agentes
políticos capazes de questionar as contradições das regras da política escolar do Dom Gino.
Outro fator satisfatório foi à notícia de saber a escolha de pelo menos seis alunos do
Dom Gino, de se inscreverem para o vestibular de História no CESP-UEA. Queremos nos
iludir de ter uma parcela de contribuição na escolha dos alunos ao optarem por esse curso.
Outras quatro alunas que tivemos estão cursando alguma disciplina na área de humanas, como
Letras por exemplo. Mas é certo que a contribuição das oficinas do PIBID foi algo que deixou
algo para os alunos refletirem posteriormente.
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REFERÊNCIAS
ARISTOTELES. Ética a Nicômaco; Poética. 4a ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos Vol. VI – Repensar a Política. São Paulo: Forense
Universitária, 2010.
12 FATOS que marcaram a política brasileira em 2017. Disponível em:
https://pleno.news/brasil/politica-nacional/12-fatos-que-marcaram-a-politica-brasileira-em-
2017.html. Acesso em: 16/03/2018
https://www.cartacapital.com.br/revista/974/anovidade-pertubadora-da-politica. Acesso em:
16/03/2018
MENDONÇA, Sonia Regina de; FONTES, Virgínia. História e teoria política.In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org). Novos Domínios da História. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012.
NERY, Laura. Charge: cartilha do mundo imediato. IX Seminário da Cátedra Padre António
Vieira de Estudos Portugueses da PUC-Rio em Novembro de 2001, intitulado “A situação da
narrativa no inicio do século XXI. Saudades de Sherazade”. Acesso: 15/03/2018 In:
http://www.letras.pucrio.br/unidades&nucleos/catedra/revista/7Sem_10.html
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Introdução
Bacharel em Arquivologia pela Universidade Federal do Amazonas.
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Estado da arte
Ao longo da história arquivística diversas instituições produziram documentos no
decorrer da realização de suas atividades, sendo que algumas prezavam pela guarda
documental sem preocupações com a proveniência, o acesso e as técnicas de preservação dos
mesmos. Já outras, preocupavam-se em manter os mesmos organizados, da maneira que
julgavam corretas e funcionais. Também se verificou aqueles órgãos e instituições que
acreditavam na pouca importância da organização documental, não considerando a construção
social relevante que os mesmos deixariam de promover com seu desaparecimento ou
eliminação indevida.
Como início deste estudo, serão consideradas as instituições, acervos e práticas de
arquivos como construção histórica da sociedade, para manter seus acervos disponíveis e
preservados. Também serão estudados os arquivos permanentes como história e memória da
sociedade, e as formas como estes devem manter suas informações preservadas para
contribuir no desenvolvimento de uma memória social.
A patrimonialização e preservação dos acervos permanentes como construção social,
também será contextualizada, diante da necessidade de preservar e determinar como
patrimônio histórico e cultural os arquivos prejudicados pelo descaso, antes que os mesmos
não possam disponibilizar informação alguma, caso ocorra sua destruição.
As instituições arquivísticas integram um conjunto social de preservação da história de
uma nação, cujos problemas e inquietações refletem até os dias atuais nas questões de guarda
documental e práticas de arquivos. No intuito de evitar a perda de dados importantes que - nos
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A história dos arquivos do Porto de Manaus pode ser escrita na forma de conhecer os
anseios da administração na época, bem como a criação do museu e escolha dos documentos
que fariam parte do acervo. Porém, as dificuldades nas consultas aos participantes deste
processo poderá prejudicar a construção desta história diante da falta de informações
concretas.
As normas arquivísticas foram elaboradas para que sejam aplicadas em suas diversas
formas de atendimento aos arquivos, porém, as mesmas devem ser analisadas diante do
contexto de tempo e lugar. Sendo assim, o arquivista tem a responsabilidade de proceder com
essa análise e reproduzir suas funções, exercendo seu domínio sobre os documentos dentro do
importante mundo dos arquivos.
As obras de Parrela e Iacovino são leituras que se aproximam diante de seus temas
principais, arquivos permanentes, e contribuem para o entendimento das realizações
arquivísticas em outros acervos, bem como a não observância dos procedimentos de guarda e
preservação documental. O arquivo do Porto de Manaus, bem como do Museu do Porto,
deveriam primar pela estrutura do local onde guardam parte da história do Amazonas, diante
da sua responsabilidade em conservar documentos importantes para o estudo do
desenvolvimento histórico do estado. Porém a falta de políticas públicas eficazes, a
fiscalização da produção documental e sua destinação – ao longo da vida de uma instituição –
geram problemas de descarte indevido, deterioração de documentos, descaso por parte da
administração e outros fatores que contribuem para a perda da memória documental.
A memória de uma sociedade se produz a partir de preservação dos arquivos como
patrimônio histórico de formação da coletividade e na dinâmica da produção do conhecimento
humano. Como seria possível compreender o presente sem realizar um panorama com o
passado? São estudos que ainda necessitam de discussões acerca da relação dos arquivos,
memória e história como forma de prova, buscando dimensionar como se chegou a
determinadas situações vividas atualmente.
Sem dúvida, há diversos fatos históricos que nunca serão conhecidos pela sociedade,
tendo em vista a eliminação indevida e degradação dos arquivos, mas é importante ressaltar
que estes procedimentos foram realizados inadequadamente. Sejam por causas naturais ou
mesmo pelo poder humano de eliminar, a ocultação da memória social ainda vem
acompanhada do risco de injustiças e equívocos, quando esta assume a forma de prova
documental de acontecimento histórico.
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mesmos poderiam ter sido descartados de qualquer forma, não havendo tempo de resgate, o
que impediria nos dias atuais a consulta a estes documentos e possíveis processos de estudos
sobre informações contidas nos mesmos. Existem diversas dificuldades encontradas para a
preservação dos arquivos permanentes dentro da realização de práticas arquivísticas e
atendimento dos princípios básicos da arquivologia, assim como a complexidade de
patrimonialização dos documentos e acervos históricos. São estudos que devem ser
examinados e mantidos a margem de novas descobertas que possam contribuir para a
preservação dos documentos
Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi realizada através do método exploratório, tendo em vista a sua função
de esclarecer ideias e formular o problema foco do estudo, sendo que poderá futuramente dar
continuidade a outros conhecimentos referente ao tema. O método exploratório foi utilizado
através de pesquisa junto ao APEAM, IGHA, IPHAN e Porto de Manaus, utilizando-se de
questionamentos junto a estes órgãos acerca dos documentos do Porto “descartados” e
daqueles que compõem o acervo do antigo Museu do Porto. Foram realizadas também
entrevistas com os atores sociais que participaram do processo do (des) caso com os
documentos do Porto, e até mesmo com aqueles que receberam informações na época acerca
da situação do acervo.
Inicialmente pensou-se em análises dos documentos que fazem parte do acervo do
Museu do Porto e daqueles que sofreram o “descarte” que se encontram no APEAM. Porém,
foi possível analise in loco apenas dos documentos localizados no APEAM, já os documentos
do museu não puderam ser consultados tendo em vista a negativa de liberação por parte da
administração do local. Dos atores sociais participantes deste momento descrito no estudo,
poucos aceitaram formalizar suas entrevistas, estas que foram acumuladas nesta obra no
subtópico “memórias não oficiais”.
As entrevistas foram realizadas na tentativa da descoberta dos motivos que levaram ao
“descarte” da documentação, já que não foi possível identificar em consulta ao órgão gerador
dos documentos – Porto de Manaus – e tampouco nos documentos relacionados à concepção
do museu, estes disponibilizados pelo IPHAN. E mesmo diante dos relatos nas entrevistas não
oficiais, não foi possível detectar os motivos para a ação do “descarte”.
Foram realizadas pesquisas bibliográficas, partindo de estudos já desenvolvidos, para
que seja possível o desenlace do conhecimento pretendido. Nas pesquisas bibliográficas o
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Algumas análises
Com analise preliminar acerca do assunto, realizamos pesquisas junto a atores sociais,
onde histórias foram contadas informalmente, pois estes atores não desejaram popularizar
seus relatos ou até mesmo a possibilidade de alguns fatos terem sido esquecidos diante das
diversas situações que permeiam o principal objeto de estudo, o des(caso) dos documentos do
Porto de Manaus.
Segundo relatos, no processo de concepção do Museu do Porto, foi realizada uma
seleção pela administradora portuária daqueles itens que fariam parte da exposição e
integrariam o acervo do museu. Foi então que decidiram que alguns documentos não fariam
parte do acervo, desta forma então, os mesmos foram “descartados”. Neste episódio,
historiadores que verificaram tal situação, recolheram os documentos que já se encontravam
em processo de eliminação, e os levaram para o IGHA142, onde permaneceram por
determinado período embaixo de uma escada no prédio do Instituto. Após temporada no
IGHA, os documentos foram enviados para o APEAM onde permanecem até os dias atuais.
142
Fundado em 25 de março de 1917, e instalada na Câmara Municipal de Manaus, em histórica sessão liderada
pelos intelectuais Bernardo Ramos, que se tornaria seu primeiro presidente; Agnelo Bittencourt e Vivaldo Lima,
o Instituo Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) apresenta hoje inegável vigor físico e intelectual. Sua
atual diretoria, que tem como presidente a professora Marilene Correa de Feitas, e vice-presidente o historiador
Francisco Gomes da Silva, propõe-se a executar ousado plano de trabalho na gestão2017/2018 com o
fundamental suporte do governo do Amazonas.
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Algumas informações descritas acima não foram oficializadas, haja vista que se tratam
de relatos de pessoas que participaram do processo de concepção do museu ou do “descarte”
dos documentos - outras até mesmo não atuaram, porém tem conhecimento de fatos – e desta
forma dominam os acontecimentos. Os participantes foram consultados formalmente, porém
não obtivemos retorno até a finalização deste estudo, tornando assim esta exposição com
ausência de oficialidade, mas com relevância para expor um pouco da memória.
Outros pontos importantes a serem destacados são a relevância da história do acervo
do Museu do Porto de Manaus, do APEAM e das tentativas de resgate da preservação
documental diante dos documentos estudados.
Acerca do acervo documental do Museu do Porto de Manaus, poucas informações
puderam ser coletadas, e algumas dúvidas não foram sanadas diante das dificuldades em
acessar o arquivo e verificar o seu estado de conservação. O acervo encontra-se inacessível
conforme informações recebidas da ManausCult, que através do Diretor de Cultura do órgão,
Marcio Braz, foi consultado sobre o acesso ao acervo do Museu do Porto. Este informou que
diante do curto prazo em que assumiram a administração do local, seria impossível realizar o
acesso de público externo (pesquisadores) ao acervo.
O Arquivo Público do Estado do Amazonas (APEAM) foi criado em 1897, e segundo
cadastro da entidade junto ao CONARQ143 (2018), tem a missão de:
Coleta, organização, armazenamento e recuperação dos documentos oriundos dos
órgãos e entidades da Administração Pública Estadual; Manutenção de um sistema
atualizado de consulta à documentação administrativa e histórica do Estado.
(CONARQ, 2018).
143
Disponível em: http://conarq.gov.br/consulta-a-entidades/item/arquivo-publico-do-estado-do-amazonas.html
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Desde o período de sua criação até a completa desativação das atividades, o Museu do
Porto passou por diversas situações que levaram a destruição, extravio e perdas documentais,
que poderiam nos dias atuais conservar e preservar a história do Amazonas. Uma história de
importância sociocultural, que devido desentendimentos de órgãos e empresas da esfera
pública e privada, contribuíram para a repartição do acervo e, consequentemente, o
encerramento das atividades do museu.
Considerações finais
Foi possível identificar neste trabalho a necessidade de expansão das políticas de
preservação documental da história e os atores sociais que pensaram na preservação dos
documentos do Porto de Manaus na época do “descarte”. Não obstante é possível perceber a
falta de uma cultura madura de conservação documental, que perfaz em casos como o
estudado. Os parâmetros arquivísticos de preservação e difusão do conhecimento nem sempre
são seguidos em sua integralidade, e ainda por vezes são ignorados deixando como herança
um patrimônio documental histórico e cultural cercado de lacunas.
A análise dos dados aponta que os documentos “descartados” pelo Porto de Manaus
sofreram os danos do descaso, porém diante do apoio dos atores sociais que participaram de
seu resgate, permanecem preservados em sua quase totalidade. Os documentos conservados
no APEAM, neste ano de 2018 passaram por uma readequação, onde foram acondicionados
em estantes de aço. Ainda assim, necessitam os mesmos de apoio quanto ao restauro e
conservação, para que suas características iniciais e detalhes da função administrativa
continuem preservados. Já os documentos do Museu do Porto não puderam ser consultados,
tendo em vista questões burocráticas relativas à sua posse, da mesma maneira que não foi
possível identificar seu estado de conservação. O IPHAN contribui constantemente nas
questões relativas à preservação da edificação e dos acervos, bem como na tentativa de
preservação dos documentos e possibilidade de reabertura do Museu do Porto.
O descaso que sofre os documentos no estado do Amazonas ocorre também em outras
instituições de guarda documental de forma geral, provocada justamente pela falta de uma
cultura contínua de preservação.
A história do patrimônio documental do Porto de Manaus em específico, ainda
encontra-se em formação, que demanda um trabalho a ser executado, principalmente junto às
lembranças dos atores sociais que participaram dos fatos elencados neste estudo. Muitos
outros episódios precisam ser pesquisados para fechar o ciclo de descobertas acerca do que
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levou a tentativa de eliminação documental no Porto de Manaus. Que este trabalho possa
servir de inauguração de outros estudos no mesmo sentido, dando continuidade as pesquisas,
para que assim a visibilidade em torno da documentação do Porto de Manaus venha ressurgir
juntamente com a história ignorada ao longo do tempo.
Referências
CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS. Resolução nº 27, de 16 de junho de 2008.
Disponível em: <http://www.conarq.gov.br/index.php/resolucoes-do-conarq/269-resolucao-n-
27,-de-16-de-junho-de-2008>. Acesso em: 02 mai. 2018.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo: Editora Atlas
S.A, 2008. 200 p.
IACOVINO, Lívia. Os arquivos como arsenais de responsabilidade. In: EASTWOOD, Terry;
MACNEIL, Heather (Orgs.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte:
UFMG, 2016, p.261-302.
PARRELA, IVANA. Patrimônio documental e escrita de uma história pátria regional:
Arquivo Público Mineiro 1895-1937. 1a ed. Belo Horizonte, São Paulo: Annablume; PPGH-
UFMG, 2012. 294.
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Mestre em Sociedade em Cultura na Amazônia, Universidade Federal do Amazonas – UFAM e professora da
rede pública de ensino do estado do Amazonas – SEDUC/AM.
Mestre em Sociedade em Cultura na Amazônia, Universidade Federal do Amazonas – UFAM e professora da
rede pública de ensino do estado do Amazonas – SEDUC/AM..
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foram observadas as quatro obras, tendo sido feito registro fotográfico das mesmas e coleta de
informações referentes aos painéis.
Deve-se considerar que as fontes não devem ser concebidas como verdades absolutas,
sobretudo as iconografias, pois as mesmas reproduzem versões dos acontecimentos históricos
nas diferentes interpretações de pessoas de diferentes épocas. As obras iconográficas, assim
como outras fontes refletem interesses e subjetividades de quem as criou nos distintos
contextos e épocas. É importante desmistificar as fontes históricas para em seguida reconstruí-
las, juntamente com nossos alunos e acadêmicos, evitando incorrer no viés de uma História
positivista.
Para as autoras pode-se inserir a problematização dos fatos históricos dentro da prática
docente. Pinsk (2005: 7) considera que as fontes históricas são “o material o qual os
historiadores se apropriam por meio de abordagens específicas, métodos diferentes, técnicas
variadas para tecerem seus discursos históricos”.
Com essa metodologia, os alunos são estimulados a se posicionarem de maneira crítica
ao fato apresentado, refletindo, conversando e dialogando com as fontes, mais acima de tudo
estabelecendo uma compreensão de que todos fazem parte da história que está sendo
construída e reconstruída constantemente, porque todos são sujeitos, peças fundamentais do
processo histórico com visões diferentes de toda essa dinâmica.
essa herança. Uma população que reconhece seus patrimônios e os valoriza é uma população
consciente de sua história, da sua memória e da sua identidade. Conforme Evelina Grunberg
Patrimônio Cultural são também os que se produzem no presente como expressão de cada
geração, nosso “Patrimônio Vivo” (GRUMBERG, 2007).
Em Parintins,município localizado à margem direita do Rio Amazonas distante cerca
de 369 quilômetros da capital do Estado do Amazonas, Manaus, os patrimônios materiais e
imateriais tem seu destaque devido a divulgação de Festival Folclórico que evidencia os bois
bumbás Garantido e Caprichoso como expressões da identidade local regional e até mesmo
nacional.
Por outro lado, o município também possui bens tangíveis e intangíveis que não
recebem tamanha evidência, causando questionamentos sobre o grau de conhecimento dessas
formas de expressão, saberes, modos de fazer e técnicas por seus moradores locais.
Sendo alguns desses bens materiais e simbólicos do município, as iconografias ou
painéis escultóricos da Praça da Liberdade são obras que representam interpretações da
história de Parintins de acordo com a ótica dos artistas que as esculpiram.
As imagens se transfiguram em esculturas de alto relevo que contam partes da história
do município de Parintins, envolvidas em técnica, pois, Maffesoli (2001) considera que uma
escultura é um objeto técnico. As obras também demonstram também a criatividade dos
artistas parintinenses. Mas todas as interpretações estão envolvidas em conceitos, influencias
e análises dos percursos históricos assim como o momento político da época.
Nesta discussão, de modo específico, serão feitas análises das obras iconográficas da
Praça citada, apresentando sua imagem e os dados da mesma. O primeiro painel estudado Os
primeiros habitantes(Figura 1).
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Como trabalhar essa imagem em sala de aula? Como problematiza-la? Como extrair
dela as informações que precisamos para nossa compreensão histórica? Parece-nos um grande
desafio e é esse o grande objetivo, vencer esses desafios, saindo da representação tida como
verdade para a problematização dos documentos/monumentos e construção da narrativa
histórica considerando as mudanças, rupturas e continuidades.
O painelEscultórico foi confeccionado com cimento, ferragens e pintura pelo
artista Luís Antônio. Não foi encontrada a data de sua criação, apenas o registro de que
em 2013 a obra foi revitalizada. O painel representa a chegada do branco colonizador,
os nativos do lugar e a exploração dos recursos naturais feita por eles. A imagem mostra
o branco em meio aos indígenas apresentado um símbolo cristão, no intuito de realizar a
conversão dos indígenas para dominá-los.
Sobre o painel escultórico intitulado: Primeiros Habitantes não se sabemos exatamente se a obra se refere aos primeiros
habitantes do que hoje é o município de Parintins ou se faz uma referencia aos primeiros
povos habitantes da Amazônia.
O segundo painel (Figura 2) analisado é intitulado Descobrimentos: Caravelas de
Francisco Orellana (Figura 2),confeccionado por Frank Bentes, que utilizoucom cimento,
ferragens e pintura. A obra não possui data de produção, mas foi revitalizado em 2013.
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Este encontro foi relatado pelo cronista da expedição o então Frei Gaspar de Carvajal
que de acordo com ele “Estas mulheres são muito brancas e altas e tem longos cabelos
trançados e enrolados na cabeça, são musculosas e andam nuas em pelo, cobrindo sua
vergonha com arcos e as flechas nas mãos e lutando como dez índios”(CARVAJAL 1992: 79-
81).
essa descrição nos parece uma referência às mulheres amazonas da Grécia Antiga, salientando a representação do imaginário cultural do europeu que ainda estava bastante carregado da cultura grega
antiga e que eram difundidas através dos contos e lendas.
Percebe-se nesse painel escultórico que a visão do artista muito se aproxima com a visão descrita por Carvajal, uma visão europeia, permeada de mitos e lendas comuns da cultura do “velho mundo” e isso
nos leva a perceber como profissionais da História como o artista muitas vezes é levado a reproduzir aquilo que lhe foi dado como verdade absoluta, aquilo de que alguma maneira em determinado momento ele aprendeu,
seja na escola ou por meio dos livros.
De maneira alguma buscamos aqui colocar no descrédito a bela obra apresentada como exemplo, ao contrario, nosso objetivo maior é extrair da obra aquilo que nos é importante destacar dentro da sala de
aula enquanto profissionais quando nos apropriamos dessas fontes como recurso pedagógico.
É importante destacarmos as contradições, as interpretações do fato apresentado, a valorização da obra como documento histórico, a visão do artista, e sua importância como agente construtor de sua
própria história, historicizando uma representação dentro do contexto artístico.
Nós professores de História, temos como dever do ofício trabalhar em sala de aula a diversidade de informações que todas as obras apresentadas nos painéis nos fornecem, essa é a riqueza da Historia, isso
é construir um saber histórico, levar o aluno a dialogar com as fontes, e fazê-lo aproximar-se da pesquisa histórica dentro do ambiente escolar, mostrando por meio delas que existem diversas visões sobre o que lhes é
apresentado.
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O painel denominado Começo do extrativismo (Figura 3), confeccionado pelos artistas Nonato, Luís Antônio e Rob
Barbosa com cimento, ferragens e pintura, também foi revitalizado em 2013 mostra seringueiros extraindo
o leite da seringueira, preparando as pelas da seringa e o transporte da mesma na região Amazônia. Considerando o conceito de extrativismo, segundo o dicionário Aurélio o extrativismo caracteriza-se como “uma atividade
produtiva baseada na extração ou coleta de produtos naturais não cultivados (como, por exemplo, madeiras da floresta amazônica)”.
Com base nesse conceito, Santos (2010) destaca que na fase arcaica da Pré-História da Amazônia a população nativa já praticava o extrativismo, uma vez que, o comércio entre eles era intenso através do
escambo. Entretanto, dentro da visão colonizadora o extrativismo na Amazônia não teria iniciado com o comércio da borracha e sim com a coleta das drogas do sertão por volta do século XVII como afirma Santos (2010) no
seu livro História do Amazonas:
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Referências
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las Amazonas. Relatório do Novo Descobrimento do famoso Rio Grande escrito pelo capitão
Francisco de Orellana. In: GIUCCI, Guilhermo. Frei Gaspar de Carvajal. Edição
bilíngüe.Trad. Adja Balbino Barbieri Durão e Maria Salete Cicaroni. São Paulo: Scritta;
Brasília: Consejería de Educación de la Embajada de España, 1992.
CERQUEIRA, Fábio Vergara. Patrimônio Cultural, Escola, Cidadania e Desenvolvimento
Sustentável. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, p. 91-109, 2005
FERREIRA, Maria Letícia Mazzucchi. Patrimônio: discutindo alguns conceitos. Diálogos -
Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, vol.10,
núm. 3, Universidade Estadual de Maringá, 2006, pp. 79-88. Disponível em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=305526866005
GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial. Brasília, DF:
IPHAN, 2007.
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Leandro Coelho de Aguiar ... [et al.]. - 1. ed. -- Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2018.
LEMOS, Carlos. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 1981.
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“PROCURAÇÃO DE NEGROS”
MEMÓRIA, HISTÓRIA ORAL E HISTÓRIA NO MOVIMENTO QUILOMBOLA DO
ANDIRÁ, FRONTEIRA AMAZONAS/PARÁ
Introdução
Este texto versa sobre as relações entre Memória, história oral e História no
movimento quilombola do Rio Andirá, fronteira Amazonas/Pará144. Os trabalhos de produção,
enquadramento e institucionalização de memórias145 deu a tônica aos seus processos sociais e
políticos de lutas por diferenciação étnico-racial. Além de marcar profundamente seus
caminhos pelos reconhecimentos, também acabou produzindo sínteses históricas sobre si.
Fato que os (re)ligou aos mundos do trabalho não livres na Amazônia, sendo auto
reconhecidos como quilombolas em 2013.
Este texto é parte dos estudos para compor tese de doutorado junto ao programa de
pós-graduação “Sociedade e Cultura na Amazônia” - PPGSCA/UFAM sobre os processos de
construção da Identidade e territorialidades quilombolas no Rio Andirá146. Trazemos aqui uma
reflexão acerca das relações entre Memória, história oral e História no movimento quilombola
do Andirá, por diferenciação étnico-racial. O fazemos a partir dos procedimentos da História
Oral (ALBERT, 2011).
Essas comunidades reuniram e ressignificaram, à luz de suas demandas
contemporâneas, as memórias e tradições orais sobre as conexões das experiências de
tetravós, avós, bisavós e pais, com os mundos do trabalho na Amazônia, apontando em certos
casos para fins do século XIX e por todo o século XX, sendo continuamente amplificadas via
agentes externos ali achegados.
A memória oral do Rio Andirá aponta para projetos de identidades. Segundo consta
nas memórias “vivenciadas por tabelas” (POLLACK,1992) naquelas comunidades e
institucionalizadas no movimento quilombola, Benedito Rodrigues da Costa, negro angolano
144
A fundação Cultura Palmares através da Portaria Nº 176, de 24 de outubro de 2013 registrou no Livro de
Cadastro Geral nº 16 e certificou, de acordo com a autodefinição e o processo em tramitação, junto à referida
Fundação que as comunidades Comunidade de Boa Fé, Ituquara, São Pedro, Tereza do Matupiri, Trindade
se definem como remanescentes de quilombo. Ver: Diário Oficial da União. Seção 1. Nº 208, sexta-feira, 25 de
outubro de 2013. Já possuem relatório Antropológico publicado e aguardam processos finais de titulação de seu
território.
145
Para aprofundar isso ver Pollak (1989;1992)
146
Sob orientação da professora Marilene Corrêa da Silva Freitas
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com passagens pelo Pará, por exemplo, promete quando liberto fosse, retornaria àquele rio
para casar-se com a indígena Gerônima Sateré, que conheceu em uma festa no barracão de
sua Mãe, a índia Júlia Sateré, no lugar denominado “Terra Preta”147. Se a promessa ocorreu
de fato, nunca saberemos. Mas, para além dessa indagação fixa, o fato é que as genealogias
dos Castro e Rodrigues produzidas por Siqueira (2016), a partir da memória social partilhada
nas comunidades, indicam ser este casal inter étnico que deu prosseguimento à sua
reprodução física, econômica e sociocultural desde os fins do século XIX até aos que hoje se
auto identificam quilombolas do Andirá.
A memória teve, portanto, papel fundamental para a produção da Nova Identidade
étnico-racial e territorialidades quilombolas no Rio Andirá. É o que aponta e reconhece a
liderança Maria Amélia ao afirmar que foi “a memória das pessoas que fizeram nós ser
reconhecido como remanescente quilombola. Pra nós é uma satisfação imensa, de a nossa
história, que a nossa memória tá sendo valorizada, dentro das entidades que se chama UEA,
dentro da UFAM [...]148.
Tais constatações, como as apontadas pela liderança nos obrigam objetivar e produzir
ferramentas para compreendê-las, em suas e a partir das suas realidades e vozes, a partir de
utilização de metodologias como a História Oral, a qual vem sendo visualizada como “uma
metodologia de investigação social e/ou como instrumento de luta política” (KHOURY, 2012,
p.7). E, não somente, a partir de modelos estatísticos. Para tanto, levam-nos a (re)pensar os
antigos modelos, que não os permitiram existir no pós-abolição no Amazonas, pelo menos em
suas diversidades, enquanto sujeitos históricos que possuem uma memória acerca das suas
trajetórias históricas e sociais. Trajetórias essas que nem sempre estiveram contempladas nos
esquemas disponíveis para explicar a história da presença negra neste Estado do Amazonas no
pós-abolição. Mas que se mostram nestas primeiras décadas do século XXI, apresentando-se
como um desafio à sua compreensão da História que, para tal desafio de compreensão dessa
história do tempo presente, carece de diálogos com outras áreas do conhecimento científico e
principalmente de metodologias que se abram a tais diálogos, como é o caso da já citada
História Oral, pois
Na conjuntura globalizada que vivemos, em que contingentes cada vez
mais numerosos da população vivem processos de desarticulação e de
desenraizamento de modos culturais de viver, de trabalhar, de se
147
Ocupação de maior antiguidade nas memórias do movimento quilombola. Situado entre os atuais quilombos
de Ituquara e Boa Fé. Ainda residem ali algumas famílias, que resistem em “descer de vez” para os núcleos
comunitários, institucionalizados a partir da segunda metade do século XX.
148
Maria Amélia dos Santos Castro. Entrevista. Agosto de 2016. Parintins-AM.
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149
KHOURY, Yara Aun. Apresentação. In: Portelli. Alessandro. Ensaios de História Oral. [seleção de textos Alessandro
Portelli e Ricardo Santiago; tradução Fernado Luiz Cássio e Ricardo Santiago]. – São Paulo: Letra e Voz, 2010. – (coleção
ideias).
150
ABREU, Marta; DANTAS, Carolina Vianna; MATTOS, Hebe (ORGs). Histórias do pós-abolição no mundo atlântico:
identidades e projetos políticos – volume 3 / organizado por– Niterói: Editora da UFF, 2014. – 7,2 MB ; PDF.
151
Maria Cremilda Rodrigues. Entrevista. 2015. Parintins, AM.
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Mobilizações essas que dentre outras coisas, com suas Ações sociais marcadas por
protagonismos diversos, alargaram conceitos e significações de elementos que até então
impossibilitavam olhares para realidades sociais de centenas de comunidades negras rurais
existentes no Brasil. Muitas das quais com existências de memórias e tradições que entre
outras coisas remetiam aos tempos do cativeiro e ou denunciavam as relações sociais tecidas
por tais sujeitos por todo o pós abolição. Dentre os temas alargados, ressignificados e,
portanto, que receberam novos olhares, estão a memória pública sobre a escravidão, sobre os
sentidos da liberdade conquistada, sobre os marcos e datas comemorativas até então
cristalizadas que passaram a por reapropriações (MATTOS,2006). Tais revisões estiveram
como pautas do movimento negro contemporâneo que a partir das décadas finais do XX,
encampou a questão quilombola como símbolo de lutas do povo negro(MATTOS,2006;
Domingues & Gomes, 2013).
Ocorre que do Rio Andirá, comunidades até então classificadas pelo Estado e
“reconhecidas” regionalmente como “caboclas-ribeirinhas”, passaram a construir mecanismos
de afirmação e diferenciação étnico-racial, como quilombolas. Tal reconhecimento, em linhas
gerais e, apenas para efeito de início desta reflexão, foi marcado, dentre outras questões por:
A) Um despertar para possibilidades de superação das suas condições sociais
contemporâneas precárias e reconhecimento de certas marcas históricas, enquanto grupo
social com trajetória históricas e memória social ligadas aos mundos do trabalho no pós-
abolição no Amazonas. Em outras palavras, num processo social contemporâneo em que se
viram como negros e precisaram aprender a ser quilombola, puxaram por tais memórias,
remetendo-se aos tempos dos “troncos velhos”, como se referem os quilombolas
contemporâneos, ao se referirem aos seus antepassados que teriam adentrado aquele rio em
fins do XIX. Metáfora não apenas registradas no Andirá, mas em outras partes da Amazônia,
como o Oeste Paraense, como registrados por Funes (1995);
B) Muitas lutas internas, materializadas dentre outras coisas, nos conflitos entorno de
quais memórias seriam eleitas para descrever a história oficial do novo grupo étnico. Também
nas lutas extras-locais, especialmente com seus vizinhos fazendeiros, extratores de madeira e
demais intrusos de suas terras tradicionalmente ocupadas pelos “antigos”, como são chamados
os sujeitos das primeiras gerações quilombolas, pelos demandantes contemporâneos;
C) Inúmeros processos contínuos de mapeamentos e de (re)ordenamento de suas
tradições orais, que passaram a ser constantemente politizadas, ressemantizadas e tornadas
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“capital simbólico” nos contextos atuais de luta política e demandas por direitos frente o
Estado brasileiro;
D) Um processo de (re)construção do passado por meio das “memórias do
cativeiro”(RIOS&MATOS 2006), “herdadas por tabela”(POLLAK, 1989;1992) dos “antigos
troncos”. Memória, cuidadosamente reatualizadas nestes tempos presentes de necessidades
por diferenciação étnico-racial e marcação das territorialidades específicas, são também
continuamente materializadas nas práticas socioculturais. Especialmente nas festas, danças e
das sociabilidades, como também nos modos de vida e nas novas formas de acesso e uso do
território, quase sempre referidas às práticas e ideias que, intentam remeter ao passado do
grupo, ali referenciado naquele rio;
E) Um processo constante de (re)configurações das histórias e das trajetórias
familiares dos sujeitos contemporâneos aos mais velhos das comunidades. Pautado, em muito,
nas memórias orais dos velhos que, ainda guardavam as memórias do que aqueles “troncos
antigos” contavam sobre suas vidas e mundos do trabalho na Amazônia. Indicando sempre
suas pretensas origens angolanas e que adentram a região a partir da província do Pará;
F) Conflitos internos e externos, mobilizações políticas e construções de formas
variadas de conhecimentos, a exemplo das práticas socioculturais como as festas populares.
Práticas essas que, ao serem analisadas em seus sentidos e significados, atribuídos pelos seus
organizadores, servissem para afirmar sua nova pertença étnico-racial. Tanto para si mesmos,
como para os demais grupos sociais do Rio Andirá, com os quais, produzem relações sociais.
Os trabalhos de (re)ordenamento de tais práticas socioculturais serviram,
especialmente, para indicar e demandar ao Estado, saídas para suas condições de
vulnerabilidades e exclusão social contemporânea, produzidas ao longo do pós-abolição.
Condições fortemente relacionadas à opressão histórica sofrida pelo grupo social ali
estabelecido, segundoas memórias, há mais de cem anos.
Os processos sociais de (re)tomada dessas informações que, dentre outras coisas,
apontaram para produção de conhecimentos sobre si. Conhecimentos, em muito, advindos
após conflituosos processos de produção de suas sínteses históricas. Marcadas, em muito, por
impasses locais entre as famílias e os grupos que começaram a fomentar disputas dos fios das
memórias dos “troncos velhos” e, das pretensas direções para onde apontariam os indícios de
tais memórias.
Dependendo do seu narrador e do grupo político a que se filiava, tais indícios, geraram
inúmeras formas de narrativas sobre o grupo. Mas todas guardando similaridades entre si,
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especialmente, no que diz respeito aos “troncos velhos”, especialmente a versão oficializada
pela Federação das Organizações Quilombolas do Município de Barreirinha - FOQMB sobre
a centralidade do personagem Benedito Rodrigues da Costa como liderança do grupo que teria
adentrado as águas do Rio Andirá em fins do século XIX.Nisso, as narrativas destoam apenas
quando descrevem sua chegada naquele rio e por conseguintes, apropriações dos espaços e
produção das sociabilidades, solidariedades e territorialidades específicas ao logo do pós-
abolição na Fronteira Amazonas/Pará.
Nesse movimento por diferenciação étnico-racial no Andirá, os sujeitos politizaram e
etnicizaram tais memórias. Oficializando-as e materializando-as nas práticas socioculturais, a
partir da FOQMB, que logo elegeu os “autorizados a falar” (HAMPANTÊ BÂ,2010. p.167) e,
os “guardiões da memória” (GOMES,2003) do cativeiro e da história do grupo. Isto, a nosso
ver, garantiu e pautou, cada vez mais a necessidade urgente de reparações que deveriam ser
materializadas no Andirá para atender aquelas comunidades.
Para tanto, precisaram tais comunidade, construir caminhos para acessos os
dispositivos constitucionais presentes no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias - ADCT da Constituição de 1988. Com os quais, entraram em contato mais
sistematicamente a partir de 2005, tendo como mediadores privilegiados, pesquisados de
instituições como da Fundação Osvaldo Cruz - FIOCRUZ, Universidades Estadual do
Amazonas - UEA e Federal do Amazonas - UFAM e por último, e talvez o mais decisivo nos
seus processes de materialização de direitos, o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia -
PNCSA.
Estamos falando de Santa Tereza do Matupiri, Boa Fé, Ituquara, São Pedro, Trindade
e outros núcleos associados a tais comunidades (Pagoa, Distrito São Paulo do Açú, São
Marcos e Lírios dos Valle), município de Barreirinha-AM. Comunidades que no início deste
século, a partir de um despertar para sua condição, enquanto “sujeitos de direito”, passaram a
acionar uma memória do cativeiro remontada ao século XIX, que deu sustentação para sua
luta por reconhecimento como comunidades remanescentes de quilombo. Em 2013
conseguiram certificação como tais da Fundação Cultural Palmares-FCP, estando nas etapas
finais de titulação de seu território reivindicado socialmente via movimento social
quilombola. Ao que tudo indica, a memória passou a desempenhar importante papel na
(re)construção de caminhos que os levassem ao “aprender a ser” e a “dizer-se e ser”
(BRANDÃO ET AL., 2010)negros e, por conseguinte, quilombolas no Andirá. Fornecendo com
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152
Maria Amélia dos Santos Castro. Entrevista. Setembro de 2017. Quilombo Santa Tereza do Matupiri, rio
Andirá, Barreirinha-AM.
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socioculturais que foram continuadas por seus filhos e filhas153, muitos dos quais como Nézia
e Terezita, mulheres protagonistas de inúmeras “proezas”154 na “Ponta de São Sebastião”e.
Abandonada continuamente após a década de 1960155, mas reordenada continuamente no
movimento quilombola, a partir de 2005 como um dos lugares simbólicos de pertencimentos,
marcadores da Nova identificação étnico-racial e territorialidade específica quilombola no Rio
Andirá. Muitos dos quais indicadores de territorialidades múltiplas, capazes de promover
união dos tempos antigos e novos. Espaços simbólicos e de pertencimentos, que acabaram
servindo como elementos importantes nas lutas políticas das “sementes”156, que produziram
caminhos por meio da memória para acessar os “troncos velhos”157 e, nisso legitimar suas
lutas por reconhecimento. Lembramos que “o fato de que as formas contemporâneas sejam
predominantemente políticas não reduz em nada seu caráter étnico”(BARTH, 2005, p. 37).
Nisso, afirmar suas diferenças frente aos demais grupos sociais locais do Rio Andirá, mas
principalmente frente ao Estado Nacional.
Estamos falando de processos sociais e políticos entorno de (re)classificação social no
Rio Andirá. Como já aludido anteriormente, a partir de um despertar para a suas condições,
enquanto “sujeitos de direitos” previsto no artigo 68 da dos Atos e Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, os negros desse rio, passaram construir
153
Em 1933, Maria Terezadeslocou-se até o núcleo “Moura” do lado direito do Andirá, onde solicitou batizado
para Manuel xisto, Raimundo xisto, da Nersia, da Terezita, da Maria do Carmo, da Nila e da Usulina. Muitos dos
quais, também batizaram seus filhos. Livro de Batismo Cúria Diocesana de Parintins.
154
Expressão corrente no Rio Andirá entre os quilombolas para referir-se aos trabalhos realizados nos terreiros
pelos grandes curandeiros ou mestres como são conhecidos os homens e mulheres que exerceram suas
manifestações de fé nas fronteiras entre as práticas das religiões de matriz africana, a pajelança indígena e o
catolicismo popular nas profundezas da Amazônia. As informações sobre Nersia e Terezita constam na
entrevista com Maria Amélia dos Santos Castro. Entrevista. Setembro de 2017 em Santa Tereza do Matupiri,
ocasião em que acompanhamos um pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia-PNCSA ao
quilombo para lhes comunicar da construção de um Museu de Saberes na referida comunidade. Construído em
local a ser escolhido em assembleia geral, sendo o ponto mais cotado entre as lideranças da Federação a “antiga
ponta”, onde morou Tereza Albina e seus filhos. Dentre os quais, as já mencionadas mestras Terezita e Nersia.
155
Quando após intensa águas grandes, e o considerável aumento populacional, a comunidade expande-se da
ponta para a área mais alta acompanhando o rio Matupiri, onde localiza-se atualmente o “quadro” da
comunidade.
156
Metáfora largamente utilizada nos discursos das lideranças do movimento quilombola do Andirá,
especialmente por Maria Amélia, sendo percebido também em narrativas como a de João Freitas da comunidade
Trindade, para referirem-se à si próprios, enquanto demandantes que buscavam (re)ligar-se historicamente aos
passados de tetravós, bisavós, avós e pais, por eles nominados como troncos velhos. Maria Amélia dos Santos
Castro, Entrevista Realizada em Agosto de 2016, em Parintins-AM, ocasião em que promoveu conferência
“trajetórias do movimento quilombola no Rio Andirá”, para estudantes de História da Universidade do Estado do
Amazonas, Centro de Estudos Superiores de Parintins-UEA/CESP, e professores de História da Rede Estadual
de Ensino-SEDUC, durante o Evento “Diálogos de Saberes I. Universidade e comunidades quilombolas do
Andirá”, promovido pelo Núcleo de Estudos Afro brasileiros CESP/UEA. João Freitas de Castro. Entrevista
realizada em Julho de 2016 na comunidade de Trindade, contexto última audiência pública do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária-INCRA para fechar o relatório de identificação e demarcação do Território
quilombola -RTDI
157
Idem
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Considerações
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Referências
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abolição no mundo atlântico: identidades e projetos políticos. Niterói: Editora da UFF,
2014.
ACEVEDO-MARIN, Rosa; CASTRO, Edna. Negros do Trombetas – Guardiões das matas
e rios. Belém: Ed. Cejup/UFPA-NAEA, 1998.
ACEVEDO, Rosa; CASTRO, Edna. No caminho das pedras do abacatal: experiência social
de grupos negros no Pará. Belém: NAEA/UFPA,2004.
ALBERT, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSK, Carla Bassanezi. Fontes
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ALBERTI, V.; FERNANDES, T.M ; FERREIRA, M.M (orgs.). História oral: desafios para
o século XXI. Rio de Janeiro : Editora Fiocruz, 2000.
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.
ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história Oral. Rio de Janeiro: Editora GJV,
2004.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de; ACEVEDO, Rosa Marin et al. (orgs.). Catálogo
contra desmatamento e devastação. Manaus: Edições UEA, 2015.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Quilombolas e novas etnias. Manaus: UEA
Edições, 2011.
158
Maria Amélia dos Santos Castro. Entrevista. Agosto de 2016. Parintins -AM.
159
Idem.
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Introdução
Grande parte dos documentos estão em locais de guarda, como arquivos, centros de
documentação, museus e bibliotecas, correndo riscos de deterioração ou destruição por fatores
naturais ou da ação humana, ou falta dela.
A relação entre o documento como peça de acervo a ser considerado como patrimônio
cultural e a sua posição como integrante de um arquivo permanente, sugere que em
determinado tempo passado, este documento não tinha a mesma relevância. Isso nos faz
pensar esta relação nas práticas de registrar informação em suportes de nova geração
tecnológica.
*
Universidade Federal do Amazonas – Curso de Arquivologia – Graduando.
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Observa-se que, três condições são necessárias para que se reconheça um documento
como sendo arquivístico. A primeira condição, é que deve estar escrito, ou afixado, num
suporte com uma determinação de suas funções e relações formais. A segunda condição, é
que deve possuir um elo, um conteúdo, com um acontecimento relacionado ao contexto no
qual é produzido. E a terceira condição, é possuir uma forma, isto é, uma configuração física,
conforme normas pré-fixadas.
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Vale salientar que, o que dá sentido ao documento, ou seja, a cadeia de dados contidas
no documento, é a sua representação, seu sentido e significado em relação ao conjunto
documental.
E-ARQ Brasil
O e-ARQ Brasil foi publicado por meio das Resoluções do CONARQ de nº 25, de 27
de abril de 2007, e pela Resolução nº 32, que dispõe sobre a inserção dos Metadados na sua
Parte II.
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Instrumentos adicionais
glossário;
vocabuláriocontrolado;
tesauro.
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recolhimento ao arquivo permanente onde serão preservados considerando-se seu valor como
fonte para a história ou probatório para ainstituição.
Glossário
Vocabulário controlado
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Tesauro
A organização dos documentos arquivísticos é feita com base num plano ou código de
classificação. Tal instrumento constitui-se no núcleo central de qualquer SIGAD. Por meio
dele, são estabelecidas a hierarquia e a relação orgânica dos documentos, devidamente
demonstradas na forma como eles são organizados em unidades de arquivamento.
Os requisitos desta seção tratam apenas dos casos em que o SIGAD inclui recursos de
automação de fluxo de trabalho (workflow). Eles abrangem funções para controle do fluxo de
trabalho e atribuição de metadados para registro da tramitação dos documentos, incluindo-se o
status do documento (minuta, original ou cópia).
Captura.
A captura do documento convencional será realizada pelo SIGAD por meio das
atividades de registro, classificação e indexação. O arquivamento será feito da forma
apropriada ao suporte, formato e tipo de documento.
Avaliação e destinação.
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Todas essas funcionalidades têm de ser submetidas aos controles de acesso descritos
na seção Segurança.
Segurança
Além dos requisitos de autoproteção, o SIGAD deve interagir com outros sistemas de
proteção, tais como antivírus, firewall e anti-spyware.
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usuário (p. ex., declarar documentos de arquivo no dossiê/processo errado) ou para cumprir
requisitos jurídicos no âmbito da legislação sobre proteção de dados.
Armazenamento
Preservação
Usabilidade
Interoperabilidade
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Disponibilidade
Desempenho e escalabilidade
Considerações finais
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Neste sentido, os documentos eletrônicos digitais são tratados da mesma forma pela
gestão documental dos documentos tradicionais, consequentemente podendo tornar-se peças
integrantes do acervo permanente, diante da sua relevância, integrante do patrimônio
documental cultural.
Referências
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O presente texto foi originalmente elaborado para compor parte da minha dissertação
de mestrado, sobre Manoel da Motta Monteiro Lopes, pernambucano, Advogado e o primeiro
Deputado Federal negro e com discurso afirmativo do Brasil, representante do então Distrito
Federal e falecido em 1910 no Rio de Janeiro. No entanto, o texto não pode ser aproveitado
dado o caráter monográfico do trabalho. Na verdade já é um novo desmembramento de texto
mais amplo, que trata de 150 anos da história de protagonismos de uma incomum família
negra de nome Monteiro Lopes originária de Pernambuco, incluindo e principalmente, o seu
ramo amazônico, fundado por José Elias Monteiro Lopes, irmão mais velho do já citado
Deputado Manoel da Motta Monteiro Lopes. José Elias lá pelo início da República deixou
Recife e se radicou no estado Pará, onde advogou e depois foi juiz, teve seis filhos, entre eles
o nosso agora protagonista Agnano de Moura Monteiro Lopes. Hoje o ramo amazônico dos
Monteiros Lopes está disperso parcialmente para o Rio de Janeiro e fora do país, mas ainda
presente na Amazônia.
Iniciamos pois uma curta biografia do paraense Agnano de Moura Monteiro Lopes,
que foi Juiz assim como o pai, entremeada da curiosa história do biscoito paraense que leva o
nome da família.
Agnano nasceu em Belém do Pará em 1910 e chegou a Desembargador e Presidente
do Tribunal de Justiça do Pará 160. Ficou orfão de pai aos 11 anos de idade. Com isso, o então
adolescente Agnano e toda a família tiveram uma brusca queda do padrão de vida, segundo
conta sua filha Vera Lúcia Monteiro Lopes Leite 161, as coisas não ficaram fáceis, Agnano foi
jornaleiro, depois, através de uma oportunidade surgida por conta de sua facilidade com o
texto, começou a escrever para a Folha do Norte, de Belém, ajudando assim na subsistência
familiar e na manutenção dos estudos.
Se formou em Direito aos 20 anos, segundo seu perfil biográfico publicado em
homenagem póstuma pelo TJPA-Tribunal de Justiça do Pará (PARÁ, 2001) foi nomeado no
mesmo ano para Juiz Substituto na distante Comarca de Faro, divisa com o Amazonas,
prestou concurso para Promotor público, sendo aprovado e nomeado para Muaná, em 1933
aos 22 anos assumiu a promotoria em Marabá, comarca instalada em 1914 por seu pai, o Juiz
José Elias, que hoje dá nome ao fórum local.
Fig. 01- Capa da publicação, homenagem póstuma
Fonte: foto sobre arquivo pessoal de Vera Lúcia Monteiro Lopes Leite
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com Laura Borges, de família portuguesa, que acrescentou ao nome o Monteiro Lopes,
tiveram 4 filhos, Mário Juracy, Carlos Jurandir, Rodrigo Otávio e Vera Lúcia.
Uma pausa no fluxo oficialesco da história, para narrar e esclarecer uma outra história
que tem muito a ver com uma já tradição muito cara à cultura paraense, em especial a de
Belém. Agnano e Laura se conheceram muito jovens, ela do município de Breves-PA, foram
56 anos de casamento.
Antes disso porém, como já dito, na adolescência a situação da família de Aganano
não era das melhores, muitos esforços foram feitos visando a formação de todos os filhos, a
família portuguesa da adolescente Laura, não aceitava o romance com o jovem negro, que
pouco adiante aos 20 anos se tornaria bacharel e pouco depois Juiz Substituto.
Por preconceito, a família a expulsou de casa, a mãe de Agnano, D. Julia, diante de tal
situação lhe deu guarida. É a partir desse fato que surge uma tradição muito popular em
Belém do Pará, o biscoito Monteiro Lopes.
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Fonte: Composição a partir de imagens no Diário do Pará , Site do TJPA e Arquivo Familiar
No projeto Museu sobre rodas do TJPA, escolares visitam parte dessa história, tiram
fotos com a toga e o retrato do Desembargador, enquanto saboreiam, uns biscoitinhos
Monteiro Lopes (PARÁ, 2014).
O ramo amazônico dos Monteiro Lopes, está hoje na quarta geração. Como os demais
descendentes do patriarca José Elias, a descendência do desembargador Agnano, mantendo a
tradição e a partir do coeficiente acumulado de mobilidade social familiar, aplicando seus
talentos, também obtiveram destaques pessoais/profissionais relevantes. Dos seus filhos estão
vivos dois, Carlos Jurandir, Jornalista, Musico e Escritor, que mora no Rio de Janeiro e Vera
Lúcia, Engenheira Mecânica, que vive em Manaus com os filhos Ana Laura, Psicóloga e
Administradora de Empresas e Euclides Jr., Engenheiro Químico.
Fig 06 – Carlos Jurandir Monteiro Lopes, RJ e Família Monteiro Lopes, núcleo Amazonas
Fonte: O autor
Esperamos em breve poder juntar essa e outras histórias da família Monteiro Lopes,
incluindo o constante da dissertação, em um livro.
Referências
AGENCIA Pará. PLENO do TJPA celebra 140 anos de fundação. 2014. Disponível em:
<http://www.agenciapara.com.br/exibe_clipping.asp?id=45443>. Acesso em: 22 nov. 2016.
BISCOITINHOS Monteiro Lopes. 2012. Blog Rabiscos na cozinha. Disponível em:
<http://rabiscosnacozinha.tumblr.com/post/16006036487/esse-biscoitinho-é-tradicional-na-
minha-cidade>. Acesso em: 21 abr. 2016.
MENEZES, Carolina. Um pedaço da história da Justiça no Estado do Pará. Diário do Pará.
Belém, 13 out. 2013. Política, Caderno A, p. 3-3. Disponível em:
<http://digital.diariodopara.com.br/pc/edicao/13102013>. Acesso em: 21 abr. 2016.
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Introdução
Desde a pré-história o homem sente a necessidade de registrar informações, a cerca de
dez mil anos atrás esses registros eram feitos pelos nossos ancestrais através de desenhos (as
chamadas pinturas rupestres), deixadas em cavernas ou superfície rochosas; essas
representações poderiam ser do cotidiano, da caça, rituais, do nascimento de uma criança, ou
até mesmo de coisas simples como a própria alimentação diária.
Essas representações artísticas, chamadas também de registros da informação,
deixadas por nossos ancestrais, possibilitou que nos dias de hoje pudéssemos ter acesso a
histórias que assim como muitas outras dão base para toda uma sociedade, histórias essas que
jamais poderiam ser conhecidas atualmente, se tivessem sido registras. Nos dias atuais o
registro da memória e da história se dá por meio de documentos gerados pelas atividades
desenvolvidas por determinada organização, pessoa ou família. O que seria da sociedade,
hoje, sem seus documentos? Os documentos são a essência de uma organização, “A memória
de uma sociedade, é uma ponte no tempo.” (DURANTI e THIBODEAU,2008)
Desta maneira, o presente artigo pretende colocar em evidencia a importância do
patrimônio histórico para a sociedade, destacando o trabalho do Instituto geográfico e
histórico do Amazonas como fonte de acesso a informação. O Instituto Geográfico e Histórico
do Amazonas é uma das formas de manter viva nossa história, e tem como objetivo ajudar a
preservar, compreender e consolidar a própria concepção histórica das diversas identidades na
formação da Amazônia, entretanto mesmo com seus 100 anos de existência e ação, o mesmo
ainda é pouco conhecido pela sociedade amazonense.
Sendo assim, tal projeto de pesquisa, busca ajudar na difusão sobre a importância do
Instituto como fonte de conhecimento, através da organização dos registros da sua trajetória
baseada nos métodos de história oral, dando voz aos colaboradores, funcionários, e a diretoria
do IGHA, na tentativa de realizar uma dupla reflexão, de um lado observar que concepções
que os mesmos têm a respeito da importância do Instituto, assim como observar tais
personagens como agentes ativos do IHGA.
Objetivos:
*
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), graduanda em Arquivologia.
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Geral: Criar uma memória institucional do IGHA através das falas dos seus ex-diretores,
memória esta que irá, não apenas, moldar o próprio entendimento da missão e ações do IGHA
dentro desses cem anos, mas também possibilitar moldar e planejar as ações futuras do IGHA
enquanto instituição de memória das sociedades amazônicas, buscando assim consolidar sua
representatividade junto da sociedade; Específico: (1) Pesquisar acerca da história do IGHA
com intuito de conhecer e contextualizar suas atividades e seus atores sociais ao longo da
história; (2) pesquisar e listar os nomes dos ex-servidores do IGHA, assim como seus
respectivos contatos atuais e elaborar uma biografia de cada um dos diretores com objetivo de
organizar e preparar melhor as entrevistas; (3) realizar as entrevistas aos antigos diretores do
IGHA e analisar os dados com objetivo de criar a memória institucional do IGHA.
A metodologia proposta pelo presente trabalho busca desenvolver uma reflexarão
através de entrevistas orais feitas aos funcionários do IGHA, abordando assuntos como: a
importância de se preservar o patrimônio histórico, como o Instituto vem trabalhando para
que a sociedade tenha acesso as informações contidas nos documentos que estão sobre a
guarda do Instituto e como essas informações podem influenciar o saber cultural da sociedade
em geral e estudiosos da área que procuram o IGHA como fonte de acesso a informação. As
entrevistas foram feitas na própria sede do IGHA, em dias alternados da semana.
Por meio das entrevistas é possível trocar experiências individuas que compõem a
narrativa do sujeito, tornando o diálogo dinâmico e subjetivo, como aponta Mercedes
Villanova:
A entrevista significa duas pessoas que estão se olhando. E é nesse olhar-se um ao
outro que a fonte oral se justifica, porque constitui um processo de aprendizado. Não
estamos estudando fontes; estamos conversando com pessoas que buscam diferentes
conhecimentos. E é nessa síntese nova que elaboramos através do diálogo, estamos
convencidos, e vivemos essa experiência, que vamos mudar uns aos outros.
(VILLANOVA, 1994:47)
Desta maneira podemos conhecer o Instituto através de olhares, falas e experiência dos
indivíduos que fazem parte da história da criação do IGHA e do trabalho diário realizado por
cada um deles.
163
OLIVEIRA NETO, Thiago; NOGUEIRA, Ricardo Jose Batista. A cidade de Manaus e a crise da borracha:
uma breve análise histórica. Estação Científica (UNIFAP), Macapá, v. 6, n. 3, p. 09-27, 2016.
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Revolução Acreana (1900-04). Também nesta gestão, foi organizada a biblioteca, que recebeu
o nome do falecido sócio efetivo Walmiki Ramayana de Paula e Souza de Chevalier, nascido
em Manaus, era médico formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, também coronel da
Polícia Militar do Estado, mas que se notabilizou pelos escritos e debates jornalísticos.
A origem desse espaço cultural está vinculada ao Museu Rondon, criado e organizado
pelo pesquisador Crisanto Jobim. Em 25 de outubro de 1926, com o objetivo de adquirir essa
coleção particular, a Intendência Municipal concedeu ao Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas - IGHA um auxílio financeiro no valor de cinco contos de réis. Contudo, a compra
do antigo Museu Rondon foi efetivada somente em 1934, quando o Governo do Estado o
adquiriu e o repassou ao Igha, à época, dirigido por Agnello Bittencourt. Nesse período, o
IGHA já possuía algumas peças de referências históricas, etnográficas e arqueológicas sobre a
região, reunidas desde a fundação do instituto, em 1917. Com a incorporação da coleção do
Museu Rondon, foram adquiridos novos mostruários que serviram para a exposição das peças,
na sede própria do IGHA, na Rua Bernardo Ramos, n. 117, Centro – local em que se encontra
até hoje.
Em 1976, o museu foi reorganizado pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas
Sociais, atual Fundação Joaquim Nabuco, em conjunto com a Fundação Universidade do
Amazonas, atual Universidade Federal do Amazonas. Após esse trabalho de recuperação, sua
reabertura foi realizada no dia 7 de setembro daquele mesmo ano.165
Em 2017 o Instituto completou 100 anos, mostrando grande vigor físico. são décadas
trabalhando arduamente, enfrentando problemas, passando por crises, com único objetivo, não
deixar morrer a nossa história, cuidando e guardando para que essa geração e a vindoura tenha
acesso a esse arsenal de informações que o IGHA possui.
Poder voltar ao tempo é facilmente possível, basta passear pelos salões do museu e se
maravilhar com as gravuras feitas dos índios, de seu trabalho, suas vidas; artesanatos feitos
por tribos que hoje nem existem mais, objetos usados pelos seringueiros na produção do látex,
vários outros objetos encontrados em bairros de Manaus que fizeram parte de um povo, uma
época, uma história que para muitos é desconhecida.
Atualmente a direção é composta por:
165
CEDPHA-AM. Manaus – Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, site:
http://www.infopatrimonio.org
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DIRETORIA ATUAL
Presidente: Marilene Corrêa da Silva Freitas
1°Vice-presidente: Francisco Gomes da Silva
2º Vice-presidente: Humberto Figliuolo
Orador: Robério dos Santos Pereira Braga
Orador Adjunto: Max Carpentier Luís da Costa
Secretário-Geral: José Geraldo Xavier dos Anjos
Secretário Adjunto: Abrahim Sena Baze
Tesoureiro (a): Edineia Mascarenhas Dias
Tesoureiro adjunto: Paulo Pinto
Conselho Fiscal titulares: Almir Diniz de Carvalho, Marita Socorro Monteiro, Arlindo
Augusto dos Santos Porto
Conselho Fiscal Suplentes: José Roberto Tadros, Pedro Lucas Lindoso, Luís Carlos Bonates
Fonte: REVISTA DO IGHA-Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, 98° ano da fundação-fase IV-n° 05-
ano II.
A atual diretoria do IGHA tem vários Projetos como: Campo de Estágio no IGHA;
Projeto de Seminários e Estudos Temáticos com o eixo Conhecimento e Memória; apoio às
Atividades de Manutenção do Patrimônio físico no que diz respeito à conservação e
restauração do edifício-sede e outros imóveis pertencentes ao IGHA; apoio ao Projeto de
Digitalização do Acervo Documental e Biblioteca do IGHA no âmbito da ação da Biblioteca
Virtual do Governo do Amazonas; atualização do site e criação do Portal de Acesso aos
serviços do IGHA e ao Projeto Funcionamento do Museu Etnográfico Crisanto Jobim e à
manutenção de suas exposições permanentes e temporárias. Desde sua criação do instituto a
maior preocupara da direção sempre foi a preservação da história do Amazonas, dando acesso
a todos que tiverem o desejo de conhecer um pouco mais das nossas raízes.
Conclusão
Dado o exposto, podemos entender a importância e um pouco do trabalho que os
Institutos Geográficos e Históricos, desenvolvem e como contribuem para que a história do
Brasil como um todo não seja esquecida e apagada ao longo dos anos. Esses Institutos são
verdadeiros guardiões da história, do patrimônio histórico e das informações contidas nos
documentos. O Trabalho e objetivo desses Institutos nada mais é que manter vivo os
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elementos de determinado momento da história, trabalho este que exige dedicação e cuidados
como: preservar e guardar de forma segura as informações, documentos, móveis, fotos,
mapas, livros e outros, dar acesso à informação a sociedade e estudiosos, fazer atividades que
contribuam para o desenvolvimento cultural.
Referência
IHGB- História do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Disponível em:
https://www.ihgb.org.br.
PORTAL DA AMAZÔNIA. Disponível em: http://portalamazonia.com
REVISTA DO IGHA- Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, 97° ano da fundação,
fase IV, n° 04 - ano 2014. Out/Nov/Dez.
REVISTA DO IGHA- Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, 98° ano da fundação,
fase IV, n° 05 - ano 2015. Jan/Fev/Mar.
VILLANOVA, Mercedes. Pensar a subjetividade: estatística e fontes orais. In: MORAES,
Marieta (Org.).História Oral. Rio de Janeiro: Diadorim/FINEP, 1994, p.45-74.
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Introdução
A constituição de 1988 no Art. 216 refere se ao documento como um dos elementos
que integram o patrimônio cultural brasileiro:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
*
Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Discente em Arquivologia.
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A memória não se restringe apenas ao ato de recordar, mas revela a base da existência
humana e as experiências de vida incorporadas no presente, atribuindo significados, sendo a
memória um processo em frequente construção.
Para Le Goff a memória se confunde com a história, no mundo contemporâneo a
história estaria sobre a pressão da memória coletiva e procura os criadores e dominantes da
memória coletiva. O estado, os meios sociais, os políticos, essas novas concepções
desenvolve uma nova forma de historiografia, a história da história, começa a fazer o estudo
sobre a manipulação da memória coletiva de um fenômeno histórico. Memória é “a
propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de
funções psíquicas que permitem ao individuo atualizar impressões ou informações passadas,
ou reinterpretadas como passadas” (LE GOFF, 1990:266).
A memoria é o suporte da consciência tanto individual como coletiva, ela reordena e
reconstrói lembranças, tornando a dinâmico, renovável e dialética. E a partir da memória se
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constrói a identidade de uma comunidade, pois o ato de recordar está inserido na vida social
humana, o qual possui cultura, experiências, símbolos, crenças e valores.
A história não se limita aos acontecimentos descritos na memória, tanto a história
quanto a memória possuem processos bidimensionais, não há história sem memória e
memória sem a essência da história, elas encontram sua base no homem, que precisa se
reconhecer como um ser histórico e produtor da história.
A história não faz nada - em si mesma -, ‘não possui uma riqueza imensa’, ‘não dá
combate’, é o homem, o homem real e vivo que faz tudo isso e realiza combates;
estejamos seguros de que não é a história que serve do homem como um meio para
atingir-como se fosse um personagem particular-seus próprios fins; ela não é mais
que a atividade do homem que persegue os seus objetivos (MARX, 1984 apud
OLIVEIRA, 2002:17).
A memória não mais como um espaço inerte, mas um território vivo, politico é
simbólico onde se encontra lembranças e esquecimentos do ser social de forma dinâmica e
criativa, ela institui identidades e garante a permanência dos grupos.
A memória é uma atividade que ao mesmo tempo cria e continua a exercer sobre o
território a atividade de recuperar o que foi esquecido. Ela apresenta várias aberturas para a
história, possibilita desde a própria historiografia, onde se possa repensar os pressupostos
fundamentais das teorias até as probabilidades do uso da memória individual e coletiva como
fontes históricas.
Sendo a memória um resgate, preservação, recuperação do passado, tendo o arquivo
como um lugar de guarda, de transmissão de acontecimentos vividos é um meio de difundi-la.
Existe a necessidade de uma memória registrada, que não é estática, mas um
pensamento de uma organização ou individuo, o arquivista deve ter a responsabilidade de
conservar a memória custodiada pelo arquivo. “Os arquivos são práticas de identidade,
memória viva, processo cultural indispensável ao funcionamento no presente e no futuro”
(MATHIEU; CARDIN, 1990 apud JARDIM, 1995:6).
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características como movíveis, feitos de símbolos, códigos, sons, imagens, criados a partir de
um processo documental e sua configuração se dá pelo conteúdo informativo e seu suporte
garantindo uma parte importante para a memória.
Os documentos que compõem o patrimônio documental devem ser preservados e
disponibilizados pelo seu valor de prova e testemunho, de acordo com a Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) o patrimônio documental
representa boa parte do patrimônio cultural mundial sendo constituído pela memória coletiva,
que pode ser construída pelos documentos demonstrando a evolução dos pensamentos,
realizações e descobertas da sociedade.
Para os documentos cumprirem sua finalidade é preciso preservar seu significado e
valor desde sua criação, assim ele irá desempenhar seu papel no desenvolvimento da
sociedade e contribuindo para proteção da memória individual e coletiva, promovendo a
democracia e sustentando os direitos dos cidadãos.
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A restauração visa à salvaguarda dos bens culturais, por meio de ações técnicas de
caráter intervencionista nos documentos executando o trabalho de removibilidade dos danos
causados no suporte sejam, eles físicos ou químicos, desde modo restaurar é o processo de
recuperação do documento em suporte de papel.
Considerações Finais
O patrimônio cultural e documental estabelece a construção, reconstrução e a
manutenção da identidade coletiva ou individual diante da vida cotidiana. Sendo a identidade
uma representação das relações entre o individuo e o grupo diante do cotidiano em conexão
com seu meio social, espaço, tempo e produção. A memória é um resgate, preservação,
recuperação do passado, tendo o arquivo como um lugar de guarda, de transmissão de
acontecimentos vividos é um meio de difundi-la.
A relação de patrimônio cultura/pesquisa histórica “os documentos do arquivo são
[...], recursos culturais. Fazem parte do patrimônio cultural de uma comunidade, nação ou
povo” (BELLOTTO, 2014:308). Os documentos que já cumpriram sua função imediata foram
avaliados é considerado de valor permanente, devido seu valor informativo e testemunhal
passando a fazer parte do patrimônio documental, sendo uma construção social coletiva, de
identidade e memória de um povo.
A finalidade da restauração é resgatar a integridade do documento e garantir sua
preservação por um longo período, pois o documento é um produto da sociedade e a
informação um elemento básico para o desenvolvimento social e intelectual do ser humano. A
ação de preservação e restauração dos livros de registros civis demostram uma grande
importância para a cidade de Manaus, devido ao seu valor arquivístico, da história regional e
da memória para a população, é compreendido seu caráter social e cultural já que possui
conhecimento inestimável para a história, memória e para o patrimônio cultural e identidade
da sociedade manauara.
A restauração pode ser compreendida como um conjunto de esforços, com a finalidade
de prolongar ao máximo a vida útil do objeto por meio de intervenções diretas, controladas e
conscientes, preservando suas características originais e não se limitando apenas ao suporte,
mas também em ações no ambiente externo.
O resultado obtido dessas intervenções é garantir a preservação do suporte, já que
apresenta um valor histórico e cultural para o estado do Amazonas, podendo difundir seu
conteúdo na forma digital, auxiliando a pesquisa e a produção de conhecimento, e caso haja
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necessidade pode ocorrer o manuseio do livro na forma física sem perdas do suporte e da
informação.
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Era período republicano e a cidade de Manaus exibia sinais indeléveis que rumava
para um novo tempo. Graças à explosão gomífera, a partir de 1890 nota-se um investimento
econômico na região com o objetivo de construir uma cidade moderna, limpa, a frente de seu
tempo. Tal período, conhecido como “Belle Epoque”, caracterizou-se pelas grandes
mudanças urbanas e arquitetônicas, crescimento da população e introdução de elementos e
costumes europeus, “podendo-se fazer uma analogia desta fase de mudanças com a montagem
de uma vitrine” (MESQUITA, 2006, p. 142). Essa comparação se deu justamente para
explicar as modificações culturais, políticas e econômicas que Manaus estava passando, onde
a “cultura local despia-se das tradições de origem indígena e vestia-se com características
ocidentais” (MESQUITA, 2006, p. 145).
Entretanto, essa cidade idealizada para ser um modelo em civilidade, não pode ser lida
e interpretada somente por sua forma estrutural, como uma casa de brinquedo. No bojo dessas
transformações, novos hábitos, costumes, normas, modelos e relações terciam as vivências
dos cidadãos com o espaço citadino. As questões que perpassam o cotidiano da cidade e de
seus habitantes envolvem duas reflexões: a primeira sobre as imposições feitas a ela pelo viés
econômico e estrangeiro e a segunda, sobre a ação e reação de seus cidadãos, pois Pro
a modernidade em Manaus não só substitui a madeira pelo ferro, o barro pela
alvenaria, a palha pela telha, o igarapé pela avenida, a carroça pelos bondes
elétricos, a iluminação a gás pela luz elétrica, mas também transforma a paisagem
natural, destrói antigos costumes e tradições, civiliza índios transformando-os em
trabalhadores urbanos, dinamiza o comércio, expande a navegação, desenvolve a
imigração. É a modernidade que chega ao porto de lenha, com sua visão
transformadora, arrasando com o atrasado e feio, e construindo o moderno e o belo.
(DIAS, 2007, p. 29)
Nessa dinâmica, a elite local e do Estado estruturaram a cidade de Manaus para servir
os gostos e padrões estrangeiros, buscando um reconhecimento cultural, social e econômico.
Avenidas, praças, bares, teatros, estabelecimentos foram criados para dar à cidade uma
aparência moderna. Além de servir o capital nacional e estrangeiro por meio de serviços e
mão-de-obra ao capital, os seus cidadãos viviam, divertiam-se e compartilhavam experiências
*
Discente no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) com o
projeto “Sociabilidade e Identidades: Clubes, Associações e Sociedades Recreativas em Manaus, 1890-1915”.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes. E-mail:
mirranakivia@gmail.com.
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sociais nos mais variados níveis e lugares. Seja no trabalho, no porto, na fábrica, na rua, na
igreja, nos bares ou praças, as relações sociais ligavam o sujeito com o seu espaço, e vice-
versa.
Os clubes recreativos que surgiram nesse momento se estabeleceram como
importantes recintos para convívio e interação social. Nesses ambientes, frequentados por
homens, mulheres, nacionais e estrangeiros, a diversão por meio de jogos lícitos, danças,
teatros, esportes, piqueniques e outras atividades recreativas, permitiam que novas relações
sociais fossem criadas e consolidadas além do espaço doméstico, dando ao ser social uma
vida mais pública e urbana, como pontua Simone Villanova:
A sociedade de modo geral passou a se organizar em torno das associações
recreativas, artísticas, culturais, esportivas, carnavalescas, filantrópicas, etc. Isso
significa que a cultura do lazer no século XIX não se restringia somente ao ambiente
doméstico. Ficava cada vez mais comum a essa época o encontro e as diversões
públicas, como os grêmios e clubes, tornando-se importantes expressões de convívio
social. Com o desenvolvimento das cidades e, por seguinte, da urbanização houve o
aumento desse fenômeno, fazendo com que o convívio social fora de casa se
transformasse em um hábito urbano cada vez mais comum à família.
(VILLANOVA, 2015, p. 60)
Analisar os espaços de sociabilidade nos permite refletir também sobre duas outras
dimensões: como institucionalmente se configuram esses espaços e suas práticas na dinâmica
do controle social e também a experiência de viver o conteúdo destas práticas166. Ou seja,
significa refletir a própria atuação dos clubes e sociedades recreativas frente à modernização,
ora instrumentalizando, disciplinalizando e contribuindo com os desejos civilizatórios e ora
compartilhando experiências dessas práticas por meio da coletividade e solidariedade.
O historiador E. P. Thompson167nos convida a estudar esses espaços de interação,
visto quepodem revelar a importância das relações sociais, ações dos sujeitos e dos rituais que
166
Tomo como referência a proposta de Déa Ribeiro Felenón que ao reconhecer a complexidade e variabilidade
da luta de classes afirmaque o seu constante fazer-se e refazer-se nos possibilita analisá-la de forma mais
especifica e diferenciada, por ter seu próprio processo. A autora também nos chama para o desafio de
compreender esse processo de constituição de classe em suas mais variadas dimensões e expressões, como, por
exemplo, o aspecto religioso: “do exame da religiosidade e das práticas religiosas para perceber, de um lado,
como institucionalmente se configuram a religião e a Igreja na instrumentação do controle social, mas também a
experiência de viver o conteúdo desta religiosidade e, da pobreza e dos despossuídos, sobretudo para
acompanharmos o processo em que se agrava o medo das ‘classes perigosas’ tomando necessário separá-las das
classes trabalhadoras, mas também para acentuar como este processo está intimamente relacionado ao
crescimento das cidades e todos os problemas sociais daí decorrentes.” (FELENON, 2009, p. 47)
167
Em “As fortalezas de Satanás”, Thompson salienta “Precisamos de mais estudos sobre as atitudes sociais de
criminosos, soldados e marinheiros, e sobre a vida nas tabernas; e deveríamos olhar as evidências, não com olhos
moralizadores (nem sempre os “pobres de Cristo” eram agradáveis), mas com olhos para os valores brechtianos
– o fatalismo, a ironia em face das homilias do Establishment, a tenacidade da autopreservação. E devemos
também lembrar o ‘submundo’ do cantor de baladas e das feiras que transmitiu tradições para o século 19 (até o
music hall e animadores de Hardy); pois dessa forma os “sem linguagem articulada” conversavam certos
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valores– espontaneidade, capacidade para a diversão e lealdade mútua –, apesar das pressões inibidoras de
magistrados, usineiros e metodistas”. (THOMPSON, 1987, p. 62)
168
As tradições subpolíticas se colocam como formas alternativas de luta e resistência, para além do embate
político, partidário e associativo. Por meio dessa resistência cotidiana, que pode se manifestar através da cultura,
do costume e por meio de práticas de resistência e solidariedade, a classe popular se opõe às pressões do capital,
criando sua própria identidade, moral e tradição. (THOMPSON, 1987, p. 62)
169
São eles: Clube Scientifico (1868) do Pará que tinha sócios do Amazonas, Sociedade Harmonia Amazonense
(1870), Clube Familiar (1872), Jockey Clube (1872), Club Literário (1879), Clube Girondinos (1880), Clube
Recreativo Juvenil (1883), Club Limitado (1890), Club Ebat (1890), Club Amazonense (1890), Clube Athenas
(1890), Clube Tesoura (1890), Club 5 de Setembro (1892), Hight-life-Club (1892), Clube Polyanthéa (1893),
Clube Sempre-Viva (1893), Reform Club (1893), Atheneu Comercial (1893), Clube Amazonas (1898), Sport
Club (1898), White Club (1906), Club Internacional (1906), Club dos Nippões (1906), Ideal Club (1906), City
Club (1906), Club P. D. dos oficiais do Regimento (1906), Iracema (1906), Club do Esperanto de Londres
(1906); Terpaychore (1907); Club José do Patrocínio (1906); Club da Guarda Nacional do Amazonas (1906);
Derby Club (1909), Grêmio Gil Vicente (1910).
170
O texto de Heloísa de Faria Cruz e Maria do Rosário da Cunha Peixoto, Conversas sobre história e imprensa,
nos ajudaram no desenvolvimento da metodologia e na problematização das fontes históricas, compreendendo o
periódico como um monumento, ou seja, uma fonte destinada a transmitir à posteridade a memória “de fato” ou
pessoa notável (Dicionário Silveira Bueno). Portanto, devemos lidar com as intencionalidades explícitas ou não
em suas páginas.
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os clubes populares destinados à classe média e os clubes dos subúrbios voltados para atender
a população mais pobre, os considerados “freges”. Entretanto, apesar das diferenciações,
limitações e dependendo dos estatutos de cada associação, consideramos a possibilidade das
camadas intermediárias e mais pobres usufruírem de alguma forma dos serviços desses
espaços. De outro modo, sociedades recreativas, beneficentes ou clubes carnavalescos, de
caráter étnico e mutualista, também poderiam agregar imigrantes de diferentes camadas
sociais ou diversas categorias em um só local.
Não sabemos ao certo qual foi o primeiro clube recreativo instalado na capital
amazonense. No entanto, por meio da notícia no jornal “Amasonas”, desde 1868, ainda no
período imperial, Manaus já possuía o desejo de elitizar e moldar sua cultura ou participar de
sociedades e programações com esse intuito. Por não haver nenhum clube de recreação na
capital, alguns membros da elite manauara se vincularam ao “Clube Scientífico” de Belém –
PA, que apesar da emancipação econômica e política da região em relação à província
paraense, os vínculos, alianças e interesses culturais e políticos ainda se mantiveram.
O referido clube, com sede em Belém, fundado em 06 de abril 1866, tinha como sócio
honorário o Sr. Capitão José Justiniano Braule Pinto, residente em Manaus. O capitão e
administrador local foi responsável por desenvolver obras públicas na região e para tanto, em
1869 fundou a sociedade e instituto educacional “Atheneu das Artes”. Em sua passagem a
Belém, em 05 de abril de 1868, o capitão recebeu as congratulações dos sócios do Clube
Scientifico, que pontuaram que a sociedade paraense reconheceu a necessidade que tinha de
acercar-se de homens ilustrados e de alta posição na sociedade, para não baquear e sucumbir
no meio de tantos óbices e dificuldades que soavam sempre como oposição a esse desejo171.
Além disso, os discursos do clube nas páginas dos periódicos paraenses mostravam a sua
preocupação com projeto em disciplinar e educar o povo por meio da literatura e
cientificidade:
A literatura, senhores, é um dos elementos necessários para a vida moral de qualquer
povo; por ela é que se avalia o estado da civilização, por ela se conhece o progresso
da instrução, por ela finalmente julga-se a importância que merece qualquer uma
nação.
Um povo sem literatura é uma árvore sem frutos. E certamente que ideia podereis
fazer de um homem, que no gozo de todas as suas faculdades ainda vos não mostrou
que sabia pensar? Convireis comigo que é estupido, mesmo que vos apresente um
diploma de sábio: assim também o povo, que anela os foros de ilustrado, deve
apresentar uma literatura própria por onde os estranhos o possam aquilatar.
Uma excelente literatura representa o progresso das ciências, o florescimento das
artes, e é a melhor garantia da civilização.
[...]
171
Jornal “Amasonas”, 16/05/1868.
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Vós todos conheceis, senhores, a importância das associações literárias, como esta.
São elas sem contradição, bem como os jornais, o clero e o teatro, os alicerces da
instrução de qualquer povo. Se conheceis a sua utilidade, deveis também não ignorar
quais os cuidados, que se devem empregar a fim de tornar real, e não fictício, o
nome com que vos ornais.
(Diário de Belém, 17 de dezembro de 1868)
Cabia aos sócios observar o fiel cumprimento dos estatutos, regulamento e demais
deliberações dos corpos administrativos do clube; trabalhar para o engrandecimento e
prosperidade dos bens e crédito da coletividade, impulsionar os exercícios que formavam o
fim da instituição e pugnar para que fosse despertado o gosto por eles, e pagar de uma só vez
100 mil réis, pela joia de admissão, diploma, estatutos e regulamentos e contribuir mais
mensalmente com a cota de 10 mil réis.
172
Estatuto do Sport Club Amazonense. Diário Oficial. 02 de janeiro de 1898.
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Essas imposições não são à toa, vazia e sem significado, mas manifestam algo que
perpassa o debate teórico e as vivências humanas: a luta de classe173. Por classe, com clara
inspiração e tradição marxista, Thompson elucida:
Classe é uma formação social e cultural (frequentemente adquirindo expressão
institucional) que não pode ser definida abstrata ou isoladamente, mas apenas em
termos de relação com outras classes; e, em última análise, a definição só pode ser
feita através do tempo, isto é, ação e reação, mudança e conflito. Quando falamos
em uma classe, estamos pensando em um corpo de pessoas, definindo sem grande
precisão, compartilhando as mesmas categorias de interesse, experiências sociais,
tradições e sistema de valores, que tem disposição para se comportar como classe,
para definir, a si próprio em suas ações e sua consciência em relação a outros grupos
de pessoas, em termos classistas. Mas classe, mesmo, não é uma coisa, é um
acontecimento. (THOMPSON, 2012, p. 169)