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Em busca de fissuras
por Marcelo Miranda*
Como pensa as relações entre classes sociais vistas nos seus filmes? Você
considera fazer um cinema político?
Cinema político, para mim, é aquele que não acredita que a realidade seja uma
coisa definitiva, mas sim uma construção que pode ser transformada. Veja a
ideia da pobreza estrutural: uma quantidade de ideias que faz com que uma
pessoa se disponha a se adaptar, e não a modificar a pobreza. A mim parece
que o cinema, com as fissuras que ele pode provocar, é onde se pode perceber,
porque uma fissura se abre e podemos olhar por ela como se olha no buraco da
fechadura, mas não se pode permanecer nela. O cinema político então, a mim,
é aquele que voluntariamente sai em busca dessas coisas. Não é o cinema que
diz como deveria ser a realidade, mas o que diz como ela não deveria ser ou,
talvez, como deveríamos mudar a realidade. O cinema militante muitas vezes
propõe como a realidade deveria ser, já o cinema político coloca dúvidas e não
propõe soluções. Porque a solução não é algo que se possa propor, a solução é
um processo, e o cinema militante aponta o dedo do que deve e do que não deve
de maneira torpe, o que reforça os problemas já existentes na sociedade. O
cinema político deveria ser o que faz da poesia uma linguagem. A poesia faz
lembrar que a linguagem é para descobrir coisas, e não para nomeá-las. O
cinema que me interessa é o da dúvida – ou, antes da dúvida, o da suspeita. É
um caminho muito delicado, porque desgraçadamente o que se passa agora na
Argentina, por exemplo, é um discurso político entre A ou B, sempre essa
dualidade, essa dicotomia que faz com que o pensamento seja torpe.