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Os nomes dos itens que compõem este trabalho fazem referência a sucessos musicais da banda brasileira de
rock Legião Urbana, surgida em Brasília e em atividade no período de 1982 a 1996.
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Licenciado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; mestre e doutor em História, na área
de concentração em Arqueologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; com estágio de
pós-doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor
e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas e bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
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29ª REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA
NATAL, 03 A 06 DE AGOSTO DE 2014
“DIÁLOGOS ANTROPOLÓGICOS: EXPANDINDO FRONTEIRAS”
GT 14 – ANTROPOLOGIA, ARQUEOLOGIA, COLONIALISMO E LICENCIAMENTO AMBIENTAL
em seu sentido mais amplo – do latim laudare –, quer dizer, um parecer técnico-científico
cuja elaboração pressupõe algum tipo de estudo ou pesquisa. Normalmente está voltado para
o licenciamento ambiental, embora por meio do contrato seja possível produzir outros tantos
tipos de trabalhos. Exemplo disso são laudos administrativos sobre áreas ocupadas por povos
indígenas (povos originários) e comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhas,
extrativistas, ciganos etc.), produzidos na esfera governamental3. Em casos assim também
tenho verificado a produção de contralaudos para defender sujeitos e organizações ligados ao
movimento ruralista, os quais se apresentam como contratantes e partes envolvidas em litígios
judiciais pela posse de terras indígenas4.
Para tratar do assunto recorro a observações que realizei entre 2003 e 2012 na região
Centro-Oeste do Brasil. Neste período participei, ora como arqueólogo, ora como antropólogo
social, de dois tipos de trabalhos relevantes para a compreensão do assunto. O primeiro diz
respeito à produção de um laudo administrativo e dois laudos judiciais ou periciais sobre
terras indígenas (Eremites de Oliveira & Pereira 2009a [2007], 2012 [2003]; Eremites de
Oliveira, Pereira & Barreto 2011). O segundo tem a ver com a realização de estudos
complementares a relatórios sobre impactos socioambientais de empreendimentos que afetam
comunidades indígenas: duas rodovias, uma linha de transmissão de energia e uma
mineradora de ouro (Eremites de Oliveira 2010 [2008]; Eremites de Oliveira & Pereira 2009b,
2011; Eremites de Oliveira, Pereira & Dambrós 2011). Acrescento ainda informações obtidas
a partir da interlocução mantida com estudantes de Arqueologia e colegas arqueólogos que
atuam em universidades, museus, órgãos do Estado, empresas e outras instituições que de
alguma forma estão ligadas à Arqueologia de Contrato.
Das experiências que tive até o momento, o trabalho como perito da Justiça Federal
para elaboração do laudo sobre uma terra indígena em 2003 foi das mais importantes. A partir
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O termo quilombola é aqui usado para se referir a coletividades de origem afroamericana e, portanto, com um
passado ligado à escravidão de negros trazidos da África para o Brasil. São auto-identificadas e reconhecidas
como comunidades remanescentes dos quilombos, em observação ao Art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Lei Maior de 1988, bem como a outros dispositivos contidos na legislação
brasileira e internacional.
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Laudos judiciais são estudos técnico-científicos feitos por profissionais designados como peritos pela Justiça,
os quais devem possuir expertise comprovada sobre assuntos ligados a questões litigiosas, como, por exemplo, a
posse sobre de determinada terra ou outro tema que envolve o trabalho do antropólogo social. Estudos assim
podem servir como provas para o esclarecimento dos fatos e a tomada de decisões, embora dependa da avaliação
e do entendimento de cada magistrado. Contralaudos são estudos feitos por assistentes técnicos, ou seja, expertos
contratados para defender pessoas ou instituições que são partes em processos judiciais. São trabalhos feitos por
profissionais que são parciais porque estão ligados à defesa das partes que os contrataram para o serviço. Apenas
os expertos do Juízo são peritos, auxiliares do magistrado, aqueles que devem atuar com imparcialidade, algo
que é atestado pelo rigor científico empregado na produção do laudo.
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daquele momento passei a aplicar com mais segurança e sofisticação o método etnográfico,
tão precioso na Antropologia Social, somando-o a experiências que havia tido com
Arqueologia Indígena, Etnoarqueologia e Etno-história. Trata-se de uma perícia de natureza
antropológica, arqueológica e histórica sobre a Terra Indígena Buriti, localizada nos
municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, em Mato Grosso do Sul, onde à época
viviam cerca de 2.500 índios Terena (Eremites de Oliveira & Pereira 2012 [2003]). Soma-se a
esta experiência a produção de outro laudo judicial, concluído em 2007 para a Justiça Federal.
Desta vez o estudo tratou da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, localizada no município de
Antônio João, na fronteira do Brasil com o Paraguai, onde em 2013 viviam aproximadamente
1.000 índios Kaiowá, falantes da língua guarani (Eremites de Oliveira & Pereira 2009a
[2007]).
Além disso, em outras quatro ocasiões participei da elaboração de estudos
complementares para a avaliação dos impactos de empreendimentos sobre comunidades
indígenas estabelecidas em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Nesses casos atuei como
antropólogo social indicado ou aprovado por lideranças indígenas, atendendo a exigências do
órgão indigenista nacional, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), ou a um pedido do
Ministério Público Federal. A primeira, em 2008, diz respeito aos impactos da pavimentação
asfáltica da Rodovia MS-384 sobre os Kaiowá da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, onde
havia trabalhado anteriormente (Eremites de Oliveira 2010 [2008]). A segunda, em 2009, foi
sobre uma mineradora de ouro que atinge os Katitaurlu (Nambikwara) da Terra Indígena
Sararé, no vale do rio Guaporé, municípios de Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima
Trindade, em Mato Grosso, onde à época viviam cerca de 130 índios (Eremites de Oliveira &
Pereira 2009b). A terceira, entre 2010 e 2011, tratou dos impactos da duplicação da Rodovia
MS-156, empreendimento que corta a Reserva Indígena de Dourados, onde há uma grande
população de famílias Guarani, Kaiowá e Terena, somando à época cerca de 13.500 pessoas
(Eremites de Oliveira, Pereira & Dambrós 2011). A quarta, também entre 2010 e 2011, diz
respeito a uma linha de transmissão de energia elétrica que afetou os Terena da Terra Indígena
Buriti e da Reserva Indígena Tereré, nos já citados municípios de Dois Irmãos do Buriti e
Sidrolândia. À época as duas áreas totalizavam uma população ao redor de 3.000 pessoas
(Eremites de Oliveira & Pereira 2011).
Acrescento a esta relação outra experiência significativa e mais conhecida pela
imprensa brasileira. Refiro-me ao laudo administrativo apresentado em 2011 sobre uma terra
indígena reivindicada pelos Fulni-ô da comunidade multiétnica do Santuário Tapuya dos
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Pajés, na época constituída por famílias Tuxá e Kariri-Xocó, totalizando umas 40 pessoas. A
área está situada no perímetro urbano de Brasília, precisamente na Asa Norte da Capital
Federal, e tem sido drasticamente afetada por um empreendimento imobiliário. Quando lá
estive constatei a existência de muitos conflitos assimétricos e uma forte oposição de pessoas
e instituições contrárias ao reconhecimento da área como terra indígena: a própria FUNAI, o
jornal Correio Brasiliense, a elite política ligada à especulação imobiliária local e o governo
do Distrito Federal, dentre outros aliados. Do outro lado, o da comunidade indígena, havia
estudantes universitários, indigenistas, ambientalistas, parlamentares e outros apoiadores.
Feita a explicação inicial, registro que minha intenção neste trabalho não é reduzir a
discussão a um binarismo maniqueísta do tipo “os que são a favor” versus “os que são contra”
a Arqueologia de Contrato. Proceder dessa maneira seria desconsiderar o que Rocha et al.
(2013: 132) chamaram de “dicotomização reducionista que cria uma oposição entre
pesquisadores ‘ingênuos e idealistas’ e pesquisadores ‘ambiciosos que venderam as almas ao
capital’”. Minha proposição é outra. Defendo o estímulo e a manutenção de uma postura
crítica sobre a realidade que é esta modalidade da prática arqueológica no Brasil.
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aliados y subordinados del mismo; sus habitantes no participan en los más altos cargos políticos y
militares del gobierno central, salvo en condición de “asimilados”; los derechos de sus habitantes y
su situación económica, política, social y cultural son regulados e impuestos por el gobierno
central; en general, los colonizados en el interior de un Estado-nación pertenecen a una “raza”
distinta a la que domina en el gobierno nacional, que es considerada “inferior” o, a lo sumo, es
convertida en un símbolo “liberador” que forma parte de la demagogia estatal; la mayoría de los
colonizados pertenece a una cultura distinta y habla una lengua distinta de la “nacional”.
(González Casanova 2006: 410)
Esta categoria analítica foi difundida na Antropologia Brasileira desde a década de
1960, inicialmente por Cardoso de Oliveira (1978 [1966]). Suas ideias também tiveram
inspiração nos aportes de Balandier (1993 [1951]) e González Casanova (1963), dentre outros
autores. Em linhas gerais, suas análises chamam à atenção para outra maneira de observar,
descrever e interpretar os contatos interétnicos para compreender o Brasil Indígena. Em suas
palavras:
O estudo do colonialismo interno no Brasil teria, assim, o mérito de transformar a questão
indígena – que a muitos pode parecer irrelevante – num sensível microscópio através do
qual seriam conhecidos aspectos novos do Segundo Brasil, sua dinâmica expansionista, o
sistema de poder que lhe é inerente – e cuja primeira vítima é o Brasil Indígena. A
dialética das relações entre as classes (trabalhadoras e empresariais) e os grupos tribais,
como descrevi em O Índio e o Mundo dos Brancos5 e como fizeram Laraia & Da Matta
em Índios e Castanheiros6, constituiria o fulcro da investigação desse Terceiro Brasil.
(Cardoso de Oliveira 1978 [1966]: 81)
A referida categoria serviu de base para o antropólogo formular a sofisticada teoria da
fricção interétnica, uma ruptura com a abordagem culturalista e com o paradigma da
aculturação que influenciavam os estudos etnológicos da época. Ele fez isso ao mesmo tempo
em que se dedicava como um artífice para a consolidação de um padrão de excelência para o
ensino e a pesquisa antropológica (Amorim 2001). Foi um dos fundadores do primeiro
programa de pós-graduação em Antropologia Social no Brasil, criado em 1968 no Museu
Nacional, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Na época grande parte da Arqueologia Brasileira estava marcada pela influência
histórico-cultural do PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas),
desenvolvido no período de 1965 a 1970, sob a coordenação do casal Betty J. Meggers e
Clifford Evans (Souza 1991; Prous 1992; Dias 1995)7. Em que pese não desconhecer ou
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CARDOSO DE OLIVEIRA, R. 1964. O Índio e o Mundo dos Brancos: uma interpretação sociológica da
situação dos Tikúna. São Paulo: Difusão Européia do Livro.
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LARAIA, Roque de Barros & DA MATTA, Roberto. 1967. Índios e castanheiros: a empresa extrativa e os
índios no médio Tocantins. Prefácio de Roberto Cardoso de Oliveira. São Paulo: Difusão Européia do Livro.
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Além desses arqueólogos, outros pesquisadores estrangeiros e brasileiros também contribuíram para o
desenvolvimento da Arqueologia Brasileira: o casal francês Joseph Emperaire e Annette Laming-Emperaire, o
estadunidense Wesley R. Hurt Jr. e os brasileiros Luiz de Castro Faria, José Loureiro Fernandes e Paulo Duarte,
dentre outros.
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Em entrevista realizada em 2011, João Pacheco de Oliveira assim explicou sobre a Antropologia Brasileira na
década de 1970: “A Antropologia nos anos 70 era uma espécie de ‘ilha de segurança’ para você fazer os estudos
na concepção dos militares. Eles perseguiam os sociólogos, cientistas políticos, mantinham sob suspensão
historiadores e eles achavam que os antropólogos faziam outros trabalhos” (Eremites de Oliveira & Sá Junior
2013: 139). A mesma leitura é válida, no meu entendimento, para a Arqueologia Brasileira.
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a primeira metade do século XX (Souza Lima 2006). Postura um tanto quanto diferente foi
adotada na Arqueologia, conhecida pela violência epistêmica construída em relação aos povos
indígenas, algo que não é patrimônio exclusivo do Brasil (Gnecco & Langeback 2006;
Gnecco 2009). É como se eles, os Outros vistos como subalternos, não tivessem direito à
palavra, à história e nada tivessem a ver com o passado pré-colonial e, portanto, com o campo
de atuação dos arqueólogos. O que se percebe, portanto, é que a Arqueologia Brasileira estaria
mais para um projeto de “construção do Estado” (State-building) do que para um projeto de
“construção da nação” (nation-building).
A diferença assinalada explica, ao menos em parte, a ruptura e o distanciamento
epistemológico existente entre a Arqueologia Pré-histórica em relação à Etnologia Indígena e
à Etno-história ou História Indígena no país. Por este e outros motivos ainda há relativamente
poucos estudos voltados à Etnoarqueologia, Arqueologia Indígena, Arqueologia Colaborativa
e Arqueologia Pública, embora avanços tenham sido crescentes, consistentes e registrados
aqui e acolá nos últimos anos. Exemplo disso são os trabalhos realizados por Silva (2009),
Silva et al. (2008, 2011), Bespalez (2009), Stuchi (2010), Bezerra (2011), Moraes (2012),
Pinto (2013), Wanderley (2013) e outros.
Com efeito, a noção de colonialismo interno torna-se relevante para analisar o papel de
profissionais e empresas ligadas à Arqueologia de Contrato em cenários marcados pela
violação de direitos dos povos indígenas. Este é o caso de situações históricas marcadas pelo
avanço das frentes de expansão e implantação de projetos desenvolvimentistas no Brasil atual.
Um sistema estruturante dessa grandeza é marcado por relações sociais e de poder, leis,
práticas, burocracias e saberes que caracterizam formas de dominação e manutenção de
assimetrias por parte das elites políticas nacionais, geralmente euroamericanas, contra grupos
étnica e culturalmente distintos em relação a elas ou à maioria da população. Exemplo disso é
o que ocorre com comunidades Guarani e Kaiowá confinadas em pequenas reservas ou
expulsas de suas terras e acampadas às margens de rodovias em Mato Grosso do Sul (Brand
1997; Cavalcante 2013).
Em casos assim, coletividades inteiras permanecem sitiadas e constrangidas por
diversos mecanismos de sujeição: tolhimento da liberdade de ir e vir em seus próprios
territórios; ameaças de morte e assassinato de lideranças indígenas; imposição do português
como língua oficial para se comunicar com autoridades do Estado; intolerância de missões
evangélicas que demonizam as religiões nativas e promovem outras formas de violência;
implantação de uma política de educação formal e assistência à saúde em desatenção às
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econômico a qualquer custo. Seguir um paradigma assim tem reflexos negativos na política
indigenista oficial. Trata-se de um modelo que sistematicamente viola os direitos elementares
dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além de classes sociais em situação de
vulnerabilidade social. O resultado disso é a existência de crises estruturais, com
particularidades em cada região do país, dependendo da conjuntura local, como ocorre em
Mato Grosso do Sul, onde há muitos conflitos pela posse de terras indígenas. Daí
compreender a grande insatisfação dos povos originários para com o governo central e seus
aliados, seja por conta da construção de empreendimentos que geram exclusão social e outros
impactos negativos, seja por conta da não regularização de suas terras.
Nota-se, portanto, que a discussão até aqui feita tem a ver diretamente com o uso da
Arqueologia em cenários marcados por conflitos assimétricos entre comunidades indígenas,
Estado, segmentos empresariais, ruralistas etc. Em conjunturas assim o colonialismo
influencia a produção de conhecimentos e a prática dos arqueólogos.
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não significa que questões ligadas à ética estiveram ausentes desde os primeiros debates
nacionais, pelo contrário. Discussões a respeito da matéria, embora menores no começo,
tenderam a aumentar rapidamente, conforme observado no Simpósio Arqueologia no Meio
Empresarial, realizado em 2000 (SAB 2002). Este evento também aconteceu em Goiânia,
cidade que sediou, portanto, dois dos primeiros eventos nacionais sobre a Arqueologia de
Contrato9. Apenas para exemplificar, questões vinculadas à relação – não raramente
conflituosa – entre arqueólogos (contratados) e empreendedores (contratantes) e entre
arqueólogos e IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) fizeram parte
da pauta dos debates: prazos e condições para a realização dos trabalhos em todas as etapas do
licenciamento ambiental; autorização oficial para realização das pesquisas; recolhimento, uso
e conservação do material arqueológico proveniente dos estudos; necessidade de
regulamentação da profissão de arqueólogo, inclusive para saber quem poderia realizar
trabalhos dessa natureza; etc.
Dos anos 1990 até meados da década de 2010, a Arqueologia de Contrato cresceu
bastante e atualmente é muitíssimo praticada tanto na academia quanto em museus em todo o
território nacional, respondendo por 98% das pesquisas realizadas no país com autorização do
IPHAN (Zanettini 2009; Wichers 2010; Tega 2012; Ferreira 2013). Até onde tenho
conhecimento, são raros os casos de arqueólogos em atividade que nunca tiveram qualquer
envolvimento com trabalhos ligados ao contrato. Não obstante a esta realidade, os números
apresentados não possuem a mesma proporcionalidade no que diz respeito a publicações
científicas. Isso porque grande parte da produção intelectual na Arqueologia Brasileira,
especialmente publicações de maior impacto científico, ainda é feita por arqueólogos que
atuam mais como professores e pesquisadores em universidades do que como técnicos ou
empresários ligados exclusivamente ao contrato.
Por isso o termo Arqueologia de Contrato às vezes possui conotação pejorativa, como
se fosse algo menor. Alguns preferem usar outras expressões para denominá-la, como
Arqueologia Consultiva ou Arqueologia Preventiva, mas quase ninguém a considera uma
Arqueologia Empresarial. Também é praticamente desconhecida e ignorada a produção e
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Na cidade de Goiânia existe um curso de graduação em Arqueologia, oferecido desde 2006 pela Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, cujo perfil do egresso está voltado para atender demandas apresentadas à
Arqueologia de Contrato. Esta situação exemplifica a importância e a dimensão desta modalidade da prática
arqueológica no Brasil.
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Nos Estados Unidos, a expressão junk science é um termo usado desde a década de 1980 para indicar qualquer
produção científica considerada espúria ou fraudulenta, apresentada em processos para influenciar decisões
judiciais. Em situações assim, a pesquisa normalmente é conduzida por motivos políticos, ideológicos,
financeiros ou outra forma tida como sem valor científico.
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O manifesto original foi publicado no dia 27/06/2013 no blog Combate ao Racismo Ambiental:
http://racismoambiental.net.br/2013/06/arqueologia-pelas-gentes-um-manifesto-constatacoes-e-posicionamentos-
criticos-sobre-a-arqueologia-brasileira-em-tempos-de-pac-imperdivel/ (acessado em 10/03/2014).
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Uma empresa ligada à Arqueologia de Contrato defendeu-se formalmente das que críticas que lhe foram feitas
no documento, cuja resposta, um tanto quanto confusa e inconsistente em minha opinião, foi publicada no blog
Combate ao Racismo Ambiental no dia 24/08/2013: http://racismoambiental.net.br/2013/08/direito-de-resposta-
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a-publicacao-arqueologia-pelas-gentes-um-manifesto-constatacoes-e-posicionamentos-criticos-sobre-a-
arqueologia-brasileira-em-tempos-de-pac-imperdivel/ (acesso em 10/03/2014).
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Meu interesse pela Arqueologia começou em fins dos anos 1980. Faço parte de uma
geração que, no âmbito da Arqueologia Brasileira chegou a ser apontada como a dos “jovens
arqueólogos”. Assim fomos chamados antes, durante e algum tempo depois do VIII
Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizado em Porto Alegre no ano de
1995. Foi quando uma chapa de oposição ganhou a direção da associação com o apoio de
muitos de nós. Mas quando éramos estudantes de graduação e até mesmo durante o curso de
mestrado, chegávamos a nos autodenominar, em tom de brincadeira, de “carregadores de
balde de ouro”. Tínhamos curso superior, trabalhávamos com afinco, ganhávamos pouco,
estudávamos bastante e queríamos derrubar velhos paradigmas e propor outros novos. Isso foi
até parte da década de 1990, quando a Arqueologia de Contrato ainda não era responsável
pela quase totalidade dos projetos realizados no país com autorização do IPHAN.
Naquele tempo para se tornar arqueólogo no Brasil tínhamos que percorrer outros
caminhos, diferentes dos de agora. Afora os formados em Arqueologia pelo antigo curso de
graduação da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, muitos profissionais faziam
graduação em campos afins, sobretudo na História. Era lá que trabalhavam vários arqueólogos
e onde havia como fazer iniciação científica em Arqueologia. Somente depois partíamos para
um curso de pós-graduação. Nas férias escolares, por exemplo, trabalhávamos em campo sem
receber quaisquer honorários provenientes de contratos. Tínhamos apenas uma bolsa de
estudos e estávamos lá para aprender o ofício de arqueólogo. No começo nem sabíamos o que
era Arqueologia de Contrato, tampouco quanto o nosso trabalho poderia valer nesta
modalidade da prática arqueológica.
Espelhávamos mais no exemplo de nossos mestres e muitos de nós tínhamos o projeto
de seguir a carreira de arqueólogo, atuando como pesquisador e professor em instituições de
ensino superior. Isso acontecia quando estávamos de fato e de direito respirando novos ares,
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semelhante ocorre com a educação patrimonial, confundida por muitos de nós como sinônimo
de Arqueologia Pública. Geralmente é reduzida a levar conhecimentos aos Outros – como se
nada tivessem a ensinar aos arqueólogos – e à distribuição de panfletos e cartilhas. Tudo isso
tem levado comunidades indígenas e aliados a denunciarem publicamente alguns arqueólogos
e certas empresas, conforme tem sido divulgado pela imprensa e nas redes sociais.
Segundo, ao trabalhar no licenciamento ambiental de projetos desenvolvimentistas,
arqueólogos tornam-se uma espécie de agentes de um colonialismo interno no contexto da
mundialização do capital e do colonialismo global. Isso ocorre à medida que seus trabalhos
também servem para ceifar direitos étnicos, sobretudo direitos territoriais. Exemplo disso é
quando o resultado de laudo arqueológico, produzido para o licenciamento ambiental, é usado
em juízo para corroborar a tese de que determinada área não seria terra indígena porque ali
não foram encontradas provas materiais de ocupação tradicional. Se uma situação desse tipo
pode ser considerada preocupante, a produção de contralaudos do tipo junk science é algo
simplesmente inadmissível.
Por isso se faz necessário tratar da questão dos contralaudos produzidos no âmbito da
Arqueologia de Contrato. Para isso valho-me aqui da experiência que tive na elaboração do
laudo pericial sobre a Terra Indígena Buriti (Eremites de Oliveira & Pereira 2012).
O referido laudo foi entregue à Justiça Federal em fins de 2003 e originalmente possui
334 páginas e 10 documentos anexos: partes do diário de campo do etnólogo Roberto Cardoso
de Oliveira (2002), quem esteve em Buriti no começo da década de 1950, documentos da
década de 1940 produzidos por funcionários do antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) e
outros. No estudo constam dados sistematicamente obtidos por meio de pesquisas
etnoarqueológicas, etnográficas e etno-históricas, os quais comprovam que a área periciada é
terra tradicionalmente ocupada por comunidade indígena14. O estudo foi alvo de críticas
apresentadas em um parecer elaborado sob forma de contralaudo no começo de 2004,
contendo 16 páginas, ao menos tal como publicado nos anais do XIII Congresso da Sociedade
de Arqueologia Brasileira, realizado em 2005 na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do
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A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 231 assim define o que são terras indígenas no Brasil: “§ 1º - São
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar
e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Esta definição em
nada tem a ver com terras ocupadas, ininterruptamente ou não, desde tempos pré-coloniais até os dias de hoje,
mas à maneira como grupos indígenas se relacionam em tempos recentes com seus territórios (ver Silva et al.
1994; Boaventura Leite 2005; Eremites de Oliveira 2007, 2012a; Eremites de Oliveira & Pereira 2009a, 2010;
Souza Lima 2012).
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NATAL, 03 A 06 DE AGOSTO DE 2014
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Embora publicado nos anais, o trabalho não foi apresentado publicamente durante o evento, quando seria
debatido com antropólogos sociais e arqueólogos presentes no congresso.
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O Art. 231 da Constituição Federal de 1988 diz respeito a “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” e
não a terras ocupadas desde tempos imemoriais ou “pré-históricos”. Pensar o contrário denota equívoco, algo
que está presente como vício em laudos que o mesmo arqueólogo fez para a Justiça Federal no estado. Por isso
não raramente afirma que as áreas por ele periciadas não eram terras indígenas, tese que não se sustenta à luz do
Direito e da Antropologia Social, conforme demonstrei para o caso da Terra Indígena Sucuri’y (Eremites de
Oliveira 2007). Paradoxalmente, se era perito da Justiça em processos anteriores, no envolvendo a Terra
Indígena Buriti esteve como experto da parte dos ruralistas.
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Uma situação desse tipo seria percebida como desvio de conduta ética e teria grande
repercussão em várias categorias profissionais e associações científicas. No entanto, à época a
questão foi tratada como algo de menor importância por parte de muitos arqueólogos
associados à SAB que souberam do ocorrido. A situação atesta a violência epistêmica e o
distanciamento da Arqueologia Brasileira em relação à realidade contemporânea dos povos
indígenas no país.
Em suma, a Arqueologia de Contrato quando praticada dentro ou nas proximidades de
terras indígenas, regularizadas ou não pelo Estado Brasileiro, precisa ser acompanhada pelas
comunidades locais, sociedade civil organizada, Ministério Público Federal, FUNAI, IPHAN
e outros órgãos. No caso de relatórios produzidos para o licenciamento ambiental de
empreendimentos dos mais variados, os estudos devem ser previamente aprovados pelas
comunidades indígenas antes de seguir adiante, em atenção à Convenção nº. 169 da OIT e a
dispositivos constantes na legislação nacional. No caso de contralaudos sob forma de junk
science, faz-se imprescindível apurar os fatos garantindo o amplo direito de defesa e punir
exemplarmente os eventuais culpados. Portanto, devemos seguir com uma postura crítica
diante da Arqueologia de Contrato, o que remete a um contínuo (re) pensar sobre a própria
formação e a práxis dos arqueólogos no Brasil.
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