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MTC e Psiquismo

Autor: Pedro Augusto Spanhol

Os dois principais princípios filosóficos que baseiam a Medicina


Tradicional Chinesa (MTC) são o princípio do Yin/ Yang, e a escola dos Cinco Elementos
(Água, Madeira, Fogo, Terra, Metal) e, como não poderia deixar de ser esses princípios
também são encontrados como base do entendimento do psiquismo para os Chineses.

As características psicológicas para os chineses são geradas pelas


chamadas Entidades Viscerais (Shen, Hun, Po, Yi e Zhi). Cada uma pertencente ao um
elemento e associada a um a um Órgão Yin. Esse trabalho se propõe a estudar sobre
essas entidades e apresentar suas principais características.

“Cada um dos órgãos principais da MTC (Rim, Coração, Fígado, Pulmão


e Baço) apresenta funções mentais e emocionais específicas [...] Entretanto o Coração
abriga o Shen [...] O Shen representa a consciência, o espírito e a mente”. Ele é quem
“nos conecta ao cosmos, e ao mesmo tempo, ã nossa natureza mais íntima [...] é a
cognição e a percepção de quem somos”. “Seu movimento é o de claridade, expansão e
conexão com o alto”.

O Hun é a Entidade Visceral alojada no Fígado, Órgão regido pelo


elemento Madeira. Ele “pode ser traduzido como alma ou alma etérea [...] é um símbolo
de ligação entre a terra e o céu, entre o interior e o exterior [...] um mediador entre a
realidade interna e a externa, entre céu e terra”. ”Ele faz o movimento de ascensão, de
abertura e de crescimento”.

O Yi está alojado no Baço, Órgão pertencente a Terra. “A Terra é a


morada das ideias e, como tal, abrange o ato de se concentrar, memorizar, raciocinar,
estudar. Yi significa ideação e intenção. Para um bom raciocínio é necessário que o Baço
esteja funcionando corretamente [...] o excesso de pensamentos e a ruminação mental
podem turvar a energia do Baço”. “Seu movimento é o de centrar ou de dar referência
aos outros”.

Como já explicado, “cada órgão é responsável por um aspecto diferente


do psiquismo na MTC. No caso dos Rins, existe uma estreita ligação entre eles e a
quantidade de energia geral do indivíduo”. Eles contêm a própria vitalidade e o aspecto
psíquico associado a ele é a Entidade Visceral Zhi, que significa força de vontade. “Zhi é
uma força interna que move a pessoa para realizar novos empreendimentos [...]
demonstra a capacidade de adaptação do ser humano, sua possibilidade de mudança”.
Ele é “o máximo do recolhimento, de onde surgirá a vida e sua força, a vontade de viver”.

O SHEN

“Como um copo ou cálice, o Coração contém o sangue e o Shen, que


são, o seu conteúdo, seu vinho sagrado”.

Na MTC “A mente é mais um aspecto da totalidade do ser humano. É a


mente-consciência [...] que reside em cada pequena parte do nosso corpo [...] Shen é,
ainda, um indicador de saúde pode ser avaliado pelo brilho dos olhos e do rosto, pela
vivacidade expressa na maneira de cada um”.

“O Shen aloja-se no Coração [...] órgão que funciona como receptáculo


das funções ativas da consciência”. O Coração é um órgão dinâmico [...] está, segundo
os chineses, em vários lugares, pois parte do que é chamado de Coração na MTC inclui
os vasos sanguíneos. Ou seja, ao se alojar no Coração, o Shen não está em um lugar
fixo, mas circula como o sangue nos vasos [...] Shen é, portanto, uma atividade dinâmica
que está na essência do Coração. Adquire-se e desenvolve-se a consciência interagindo
com o mundo e com os próprios órgãos e o Shen está presente em cada um deles”.

“Shen é imortal, divino; ele é a força que mantém a vida e dá impulso ao


Qi. Shen é também silêncio e vazio. O Vazio inicial que será preenchido pela vida”.

“No sentido de self (si mesmo), Shen executa um plano de vida que
transcende a vida individual [...] o Shen conecta o indivíduo ao todo, ao coletivo. Ligando-
se a verdadeira natureza íntima, pode-se sentir a vida pulsando e entender o sentido
profundo da existência humana. As dificuldades, complexos, sofrimentos podem ser
equilibrados com a força de vida que emana do Self e a verdadeira natureza individual
pode vir à tona”.
Os Diferentes Aspectos do Shen

Hun

“Hun pode ser traduzido por alma etérea [...] aloja-se no Fígado e, como
o próprio Fígado, tem como características o movimento, a ação, o fluxo livre de energia.
É responsável pelo relacionamento do indivíduo com o mundo e por sua capacidade de
projetar seus pensamentos para fora”.

“Como o grande general, é capaz de prever [...] É por isso que está ligado
às premonições e aos sonhos, pois o Hun percebe o movimento energético (fluxo livre
de energia), antes que apareça no meio ambiente. Hun confere a capacidade de planejar,
traçar objetivos e metas na vida”.

“Governa as pulsões de vida e de movimento, permite a comunicação, a


expressão de vontades e ideias [...] tem a capacidade de ir e vir, o que possibilita projetar
e também receber as projeções dos outros [...] possibilita a interação com o outro,
seguido de recolhimento e interiorização”.

“O indivíduo que se sente perdido ou sem rumo tem o Hun solto,


desprendido do corpo. Por outro lado, quem tem boa capacidade de planejamento e
consegue dar sentido a sua vida tem o Hun enraizado”.

“O Fígado pode exteriorizar sua energia por meio do Wei Qi, que é a
energia de defesa. Desse modo, o Hun também faz parte da estrutura de defesa que,
com a agressividade do Fígado, é capaz de traçar os limites de proteção e conquistar
novos territórios”.

“O Hun é Yang, indicando o movimento ascendente do Shen [...] dá


movimento a mente, que alia o pensamento a intuição. Hun é a porta entre o inconsciente
pessoal e o inconsciente coletivo. Possibilita a comunicação não verbal e oferece uma
percepção não racional do meio ambiente pela sensibilidade e pela intuição [...] sua lógica
não é linear, mas circular”. Ele também “armazena todas as experiências desde a
concepção [...] É responsável pela memória inconsciente”.
Po

“Po é a camada mais primitiva da consciência e é também chamado de


alma corporal. Está relacionado aos reflexos, aos sentidos e aos instintos. [...] ë
responsável pelas reações de luta e fuga, por ataques de pânico, por atos impulsivos”.

“Po é um aspecto da consciência que se aloja no Pulmão, no tórax. [...]


centro de distribuição e difusão de energia, [...] o Pulmão é chamado de Ministro”
distribuindo ar e energia dos alimentos pelo corpo, por isso o pulso radial utilizado para o
diagnóstico na MTC se encontra no meridiano do Pulmão, “ou seja, o estado energético
é avaliado pelo Qi do Pulmão”.

“Po é um espírito estruturante, que ajuda na condensação das energias


para a formação da estrutura de cada ser, proporcionando sua individualidade”.

“O Po dá ao corpo a capacidade de coordenação motora, de equilíbrio e


agilidade física, o arco reflexo. Os cinco sentidos, todos os movimentos reflexos, os
impulsos e as sensações corporais correlacionam-se diretamente ao Po. [...] regula,
portanto, a homeostase física”.

A partir de sua força o indivíduo tem vontade de escolher aquilo que


ajudará a dar forma a seu corpo, portanto, “essa força ajuda a constituir o eu e é, portanto,
uma força egocêntrica. Um Po bem equilibrado proporciona um ótimo funcionamento
fisiológico do organismo, regido pela respiração [...] em desequilíbrio desconecta o
homem do meio ambiente e torna-o egoísta e individualista”.

“O Po está intimamente ligado ao Jing (essência) armazenado nos Rins;


um influencia o outro. [...] O Po faz a ligação do plano vertical do homem, unindo os três
aquecedores; o Jing une o alto e o baixo”.

Sendo uma manifestação do sopre da vida, ele “reside no Pulmão e está


intrinsicamente ligado à respiração. Emoções como a tristeza e o pesar podem afetar o
Po diretamente”.
Diferente do Hun, o Po é instinto puro, mais objetivos, simples e primitivo.
“Corresponde, de certo modo, ao ID da psicanálise e ao cérebro reptiliano”.

“Hun é a alma espiritual ou etéria e PO é a alma animal ou instintiva. As


duas estão em constante inter-relação e a saúde física e psíquica depende dessa relação
harmônica”. Enquanto o Po “se revela no conter, prender-se a, reter, proteger e
acumular”, o Hun “apresenta-se como ação e expansão. Hun é de dentro para fora e Po
de fora para dentro”.

“Para Richard Wilhelm e Carl Gustav Jung, o Po corresponde à anima no


homem e ao eros na mulher; o Hun corresponde ao animus na mulher e ao logos no
homem”.

Yi

“Yi significa intenção e ideação, sentido, [...] sentimento, opinião, ideias


e pensamento. [...] Yi da lucidez à consciência, ele é a compreensão e proporciona a
sabedoria e o julgamento.

Simbolizando o centro do Shen “Yi não é apenas memória e ideia; é


ainda, a imagem corporal, que faz com que nos reconheçamos como nós mesmos”. A
imagem corporal está associada ao Órgão do Baço, e este abriga o Yi.

“O Yi contém memórias corporais, [...] ele guarda as imagens, as ideias


e as intenções. É capaz de repetir as imagens e, desse modo, formar o pensamento, que
é uma espécie de traço pessoal. [...] Yi estrutura e organiza os traços e as marcas
pessoais e dá forma à inspiração, à criatividade”.

“É responsável por opiniões, pensamentos, pela abstração, pela lógica,


pela capacidade de decorar [...] possibilita não somente o entendimento da linguagem
não verbal (do corpo, dos gestos etc.) como também sua expressão”.

Pertencente ao elemento Terra, ele possui então “a função de recepção,


de acolhimento e de nutrição. Ele fornece o alimento para o Shen”, ou seja, oferece “sua
memória para que o Shen possa agir no momento atual, em concordância com as
experiências passadas”.

Por estar enraizado no Baço, quando este se encontra em plenitude,


provoca pensamentos obsessivos e repetitivos pouco criativos, porém quando o Baço se
encontra deficiente, “o indivíduo tem dificuldade de se concentrar, de memorizar e de ter
um raciocínio lógico”.

Zhi

“Zhi é a Força de Vontade, que pode ser vista como um sinal de


vitalidade. É a potência, a aspiração do coração, a ambição, o interesse, o poder criador
e de adaptação de cada um de nós”. “Aloja-se nos Rins, que são a base da
ancestralidade, das tendências, dos condicionamentos e também do desejo”.

Por meio do Zhi se junta “as aspirações profundas, o potencial e o sentido


da vida de cada um, o Tao pessoal. [...] O Zhi gera o movimento do Tao e, portanto, é a
base para o fundamento do Shen”, é “o chão, o que enraíza o Shen”.

“Com a ajuda dos Rins, o Zhi pode ajudar a descer o Qi para os membros,
originando o movimento que é a passagem da intenção para a ação”.

Quando alterado pode “gerar o medo, sentimento de inferioridade,


timidez, desconfiança e, no polo oposto, sentimentos de superioriadade, autoritarismo e
fata de limites”. Já o Zhi forte protege contra doenças autoimunes ou contra o câncer,
“pois a Força de Vontade se expressa também como foça de vida”.

“Zhi é o poder de adaptação e transformação adequado à realidade


(quantidade e qualidade de energias dos Rins) de cada pessoa”.

Muitas vezes o termo Yi Zhi é utilizado referindo-se à intenção (Yi) e


vontade (Zhi). Isso ocorre, pois, “a intenção (Yi) ou ideia pode se tornar permanente
(sendo realizada) se houver determinação ou vontade (Zhi). Esse é um movimento que
se inicia no Coração, que precede o pensamento e a ação voluntária. É um impulso vital.
A Inter-relação dos Cinco Elementos

Cada uma das entidades viscerais citadas, Zhi, Hun, Shen, Yi, e Po,
pertencem simultaneamente aos elementos Água, Madeira, Fogo, Terra, e Metal,
portanto eles também estão sujeitos aos ciclos de geração e controle encontrados no
pentagrama.

“Desse modo, sabe-se que cada um dos aspectos citados influencia


diretamente ou indiretamente os outros. Assim, a saúde, a consciência, a vitalidade, os
sonhos, os instintos, as ideias e o espírito dançam suavemente em conjunto, ao som da
mesma música.

Tendo isso em vista é possível se trabalhar os distúrbios referentes às


Entidades Viscerais através das leis de equilíbrio energético do pentagrama,
proporcionando a saúde e bem-estar do paciente.

Referências

CAMPIGLIA, H. Psique e Medicina Tradicional Chinesa. São Paulo, SP: Ícone, 2018

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