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MARIO E O BARROCO José Augusto Avancini(*) RESUMO Esnida-se um das eizos da teoria ‘artr de quarocronicas publeadas em 1920 Nelas Mito decindrade often tpeuluard ea pinnura, da crlagdo mineina. Desta, destaca firgdo socal nal. Concha mah ° sia do ie pel ‘Andrade associa barroco, nacionallanio ¢ edura alam, abrindo expago pare ‘avalorizagao do nosso, Unitermos: 5 Alei nacio- \ermos:Banoe; are plésica, Aladin; paimbnio hice O empenho de Mario de Andrade pela moderniza¢io da Inteli- géncia nacional, no Ambito dos estudos sobre os tragos de nosso caré- ter nacional (a busca do passado e das tradig6es), traduziu-se na pes- quisa € no intercambio com estudiosos sobre o legado cultural popular vinculado sobretudo ao folclore e na documentacio e andlise da mé- sica popular urbana. Seus estudos sobre o barroco, para ele fundamen- tal em nossa formagio cultural, fazem parte desse propdsito que re- sulta numa espécie de Teoria sobre o Brasil, Aos materiais reunidos sobre o folclore ¢ a arte barroca, deu tratamento teérico apoiado na antropologia, na etnografia, bem como numa teoria dos estilos. Para Mario, o folclore e o barroco conteriam os elementos popular e eru- dito que formariam as principais caracteristicas da psicologia do bra- sileiro. Nessa pesquisa do cardter nacional, Mério voltou-se para o pe- nodo colonial, em particular aos séculos XVII e XVIII, quando se * Professor do Depto. de Histéria da UFRGS, Porto Alegre. Texto extratdo da tese de dou- toramento 1 eo gf ation ¢ Conscitncia Nacional na Critica de Mério de Andrade ‘SSo Paulo, 1992, FFLCH, Universidade de Sfo Paulo, Rev. Inst. Est. Bras., SP, 36:47-65, 1994 a7 engendrou a nagio € se estabeleceram alguns elementos permanentes de nossa maneira de ser — confirmada por seus estudos sobre 0 folclo- Te e a mésica em particular. Estes constitufram seu primeito eixo de anglise sobre a cultura brasileira, ao qual dedicougrande quantidade de estudos ¢ ensaios, ocupando boa parte de seu tempo de pesquisador. Contudo o que nos interessa nesse momento é 0 segundo eixo da teoria marioandradina sobre o Brasil, constitufdo pelos seus estudos sobre 0 barroco brasileiro. Mais precisamente sua primeira formulacgéo do problema através do conjunto de crénicas publicadas em 1920, as quais atribuiu o titulo genérico de “A Arte Religiosa no Brasil. Sua curiosidade abrangente foi sem dévida alguma favorecida pelo clima de geral predisposi¢4o ¢ simpatia pelos temas nacionalistas. Desde o titimo quartel do século passado, os temas nacionais ocupa- yam a atencSo de intelectuais como um Sflvio Romero, por exemplo, com suas obras dedicadas ao folclore e as manifestaghes culturais do pafs. Um nacionalismo laico e republicano desenvolve-se a partir dos anos noventa do século passado, atingindo sua méxima repercussiio com a obra de Euclides da Cunha — Os sertdes — numa abordagem ao mesmo tempo cientifica e pessimista do Brasil, mas indicando cami- nhos a seguir. A outra vertente mais popular, por sua expressfio apai- xonada, € bastante simplista, das coisas nacionais se entroncava com @ tradiggo monérquico-liberal de um Eduardo-Prado, alcangando plena manifestagéo na obra de Afonso Celso, Por que me Ufano de meu Pats. Caudatério dessa dupla tradigfo e como continuador dela, juntando- Ihe as duas vertentes iniciais, surgiu a figura dum Olavo Bilac, com suas campanhas durante a Primeira Guerra Mundial. Por pensamento ¢ aco, Bilac sintetizou as correntes iniciais, galvanizando a nagdo numa campanha memordvel em pro! do servicgo militar obrigatério, entre outras. Mério cresceu e amadureceu nesse ambiente de continua agi- taco nacionalista que visava a afirmagdo da nacionalidade nascente assim como 0 resgate do passado até entdo desprezado pelas elites. A esse fervor nacionalista, Mario aliou o amor as coisas populares que aptendeu com Sflvio Romero, como também o aprego ao passado como fonte de informagio e inspiragéo. Com essa bagagem, Mario inicia sua peregrinagio e descoberta do Brasil com sua primeira ¢ grande viagem realizada em 1919 a Minas Gerais, com o duplo designio de visitar o poeta entéo de sua predileg4o, Alphonsus de Guimaries, ¢ as cidades histéricas (1). O resultado imediato dessa viagem de des- cobrimento foi a série de crOnicas de arte para a Revista do Brasil de 1920, a partir de conferéncias pronunciadas para a Congregacio da Imaculada Conceicao de Santa Ifigénia, em 1919, no segundo semestre provavelmente (2). Nessa série de conferéncias, depois transformadas em crénicas, Mario estabeleceu algumas idéias basicas sobre a evolu- ¢do da arte brasileira e em particular do perfodo colonial. Com o titulo de Arte Religiosa no Brasil, Mario abordou em quatro crénicas as fes- 1 GUIMARAES, Feo, Alphonsus de. Mérlo de Andrade e Manuel Bandeira. Sio Paulo, Duss ‘Cidades, 1974. p. 24-30. 2 A primelra viagem de Mério de Andrade a Minas Gerais ocorreu em 1919, no primeiro ‘semestre onde foi em visita ao poeta Alphonsus de Guimardes, tomando contato com o 48 Rey, Inst. Est. Bras., SP, 36:47-65, 1994 tividades religiosas do Brasil colonial, com suas procissSes pomposas € seu cardter de grande festa social e popular. Usou do exemplo his- t6rico para mostrar a importancia social da igreja catdlica romana neste perfodo ¢ sua perda de influéncia no momento em que vive 0 autor, associando essa perda de prestigio A decadéncia da arte cristé na contemporaneidade. Dentro de sua concepgiio geral da arte e de sua funcdo individual € coletiva, Mario abordou 0 perfodo colonial brasileiro. Como pri- meiro evento religioso e artfstico, aponta as pomposas festas proces- sionais barrocas, como os triunfos eucarfsticos que mobilizam toda a comunidade sem distincfio de classes, idade ¢ ragas. Na descriggo que fez do Triunfo Eucarfstico de 1733, em Vila Rica, nos parece clara a admiragdo do critico pela manifestagao coletiva e pela unanimidade que esta expressava, envolvendo quase todas as formas artfsticas na Ppreparacdo e execugdo do espetdculo. Misica, canto, danga, vestudrio, pintura, escultura ¢ mesmo arquitetura estavam presentes nessa gran- de festa coletiva, Manifestagao coletiva onde estava a arte em simbiose perfeita com a religiéo ¢ a polftica, sem distingSes entre manifestagées eruditas ¢ populares, numa perfeita comunh&o de cada um com todos ede todos com a comunidade mais ampla da sociedade colonial e com © universo catélico. Essa foi a Gltima grande sfntese cultural do oci- dente e que nos serviu de elemento fundante da nacionalidade. A visio marioandradina da arte colonial brasileira foi calcada nos estudos de Ricardo Severo, arquiteto portugués que, desde 1912, fazia conferéncias defendendo a retomada da tradi¢do luso-brasileira nas artes; defesa da qual resultou o movimento neo-colonial, muito forte, principalmente na arquitetura, a partir dos anos vinte e prolon- gando-se até os anos cinqienta, com larga repercuss&o (3). Ao discutir a arte colonial, Mario discutia a arte religiosa crist4 no Brasil, sua ne- cessidade e suas possibilidades. Para ele, ela repousava "em paz no momento do passado. E um fossil, necessitando ainda de classificag5o, de que pouca gente ouviu falar e ninguém se incomoda. No entanto ela existe — ou melhor, existiu. A mim tomei a tarefa, e apenas essa, de mostrar-vos que se a nossa arte crista ndo tem a importancia decisiva nem marca a ecloséo dum estilo, a0 menos existiu vivida; com alguns tragos originais, e € um tesouro abandonado onde nossos artistas po- deriam ir colher motivos de inspiragdo. Bastaria para tanto darem-se ao trabalho de separar a ganga onde se recataram as pepitas...» (4). Desta passagem nos chamam a atengSo duas idéias que nortearam a bbarroco mineiro ¢ em particular com a obra do Aleijadinho, Dessa viagem resultaram at conferéncias ¢ posteriormente as crdnicas: em série de quatro, publicadas na Revista do Brasil na seguinte ordem: A Arce Retigiosa no Brasil, n. 49, jan. 1920, p. 5-12; A Arte Religiosa no Brasil, n. $0, fev. 1920. p. 95-103; A Arte Religioaa no Rio, n. 52. p. 289-93, $o5 22 A Arte Religosano Brae. 54.p 102-1, jun 1920. (Arq. Mario de Andrade, 3 Cf. MORAIS, Frederico. Panorama das Anes Plésticas. Século XIX ¢ XX. S8o Paulo, Ins- tituto Cultural Itad, 1989, Rev. Inst. Est. Bras., SP, 36:47-65, 1994 49

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