CONSTITUIÇÃO
TÍTULO I
A CONSTITUlç;.;_o COMO FENÓMENO JURÍDICO
CAPÍTULO I
SENT fDO DA CONSTITUIÇÃO
§ 1.0
Noçõ1 s básicas sobre Constituição
l. Os dados de partida
,,
Manual de Direito Constitucional
8
-----------------
.,
·, governantes e de governados; e é esse o alcance inovador do cons-
I
I
titucionalismo moderno.
c)' No século xx, a Constituiçfi•l, sem deixar de regular tão
exaustivamente como no século XIX a 'ida política, ao mesmo tempo
que se universaliza, perde a referência necessária ao conteúdo libe-
ral; e nela parecem caber quaisquer ccnteúdos.
··· ... ,,
d) Dai que; dqravant~. tanto 'p<is~à adoptar-se uma postura pes-
simista e negativa sobre a operacionalidade do conceito quanto uma
postura crítica e reformuladora, empre~.tando-Jhe neutralidade (como
julgamos preferível) ou então, porventl ra, fragmentando-o em tantos
conceitos quantos os tipos constituciottais existentes.
e) Apesar disso, entenda-se neuu·o ou plural o conceito, sobre-
vivem alguns dos princípios habitualn~ente associados ao Estado de
..' Direito ou a consciência da sua necl' ;sidade; e, nos últimos anos,
têm eles vindo a prevalecer, em event•JS de não poucas implicações
no destino jurídico-político dos povos
f) A Constituição, tal como s11rge no século xvm, não se
afirma apenas pelo objecto e pela fun;ão; afinna-se também- ao
invés do que sucedera antes- pela l•Jrça jurídica especifica e pela
forma; a função que desempenha de ermina (ou determina quase
sempre) uma fonna própria, embora va iável consoante os tipos cons-
titucionais e os regimes políticos.
Política, Lisboa, 1944;:maxime plgs. 9S:e seg~ ;·MARCEU.O CAETANO, Direito Cons-
titucional, 1, Rio de Janeiro, l91l7, págs. 391 , segs.
Parte Il- Constituição 9
1
( ) Para uma introdução histórica geral ao conceito de Constituição, v., entre
tantos, JaUNÉK, Allgemeine Stciatslehre (1900), trad. Teoria Gen.eral del Estado, Bue-
nos Aires, 1954, págs. 199 e segs.; SANTI ROMANO, Le prim~ t:arte costituzionali
(1907), in Scritti Minori, l, Milão, 1950, págs. 259 e segs.; MAUR!CE HAUR!OU, Pré-
eis de Droit Constirutionne~ 2.' ed., Paris, 1929, págs. 242 e segs.; CARl. ScHM!TT,
Veifassungslehre (1927), trad. Teoria de la Constintci6n, Madrid e México, 1934
e 1966, pãgs. 45 e segs.; CHARLES HÇJWARD Me lLWAIN, Constirutionalism Anciellf -..
and Modem, Nova Iorque, 1947; CARL J. FRlEOI!RJCH, Constitutional Govemment and
Democracy, trad. La Démocratie Constitutionelle, Paris, 1958, págs. 64 e segs.;
CARLO GH!SALBERTI, Costituzione (premessa storica), jn Enciclopedia del Diriuo, xr,
1962, págs. 136 e segs.; ~ARL LOEWENSTEIN,. VeifaÚungslehre (1959), trad. Teoria
de la Constituci6n, Barcelona, 1964, págs. 149 e segs.; GEORGES BURDI!AU, Traité
de Science Politique, 2.' ed., tV, Paris, 1969, págs. 21 e segs. e 45 e segs.; FRAN-
CISCO LUCAS PIRES, O problema da Constit~tição, Coimbra, 1970, págs. 27 e segs.;
PABLO LuCAS VERou, Curso de Derecho Politico, 11, Madrid, 1974, págs. 409 e segs.;
GRAHAM MADDOX, A Note on the Meaning of Constitution, in American Political
Science Review, 1982, págs. 805 e segs.; NELSON SALDANHA, Formação da Teoria
Constitucional, Rio de Janeiro, 1983; PAUL BASTID, L'ldée de Constitution, Paris, 1985,
págs. 9 e segs. e 39 e segs.; ROGÉRIO SOARES, O conceito ocidental de Constituição,
in Revist~ de Le&,islaçpo e de Jurisprud2ncia, ano 119.0 , 1986, 0. 0 3743, págs. 36
e segs., e n.0 · 3744, págs. 69 e segs.; ROBERTO NANIA, li valore della Costitttzione,
Milão, 1986, págs. 5 e segs.; OUVE!RA BARACHO, Teoria Geral do Constitucionalismo,
IÜ Ma11ual de {)ireito Constitucional
--------·------------ -------------------
IH - Porque a Constituição é Direito e Direito que tem por
objecto o Estado, não há teoria d~ Constituição cindível da cçncep-
ção de Direito e de Estado que se perfilhe.
São muito diferentes as preocupações e as linhas de força da
doutrina do constitucionalismo oitocentista e as da doutrina consti-
tucional dos séculos xx e XXl. Assim como são diversos os corolá-
rios (ou peculiares as contribuições) para a construção· dogmâtica
das grandes escolas do pensamento jurídico que, entretànto, se suce-
dem - desde o jusnaturalismo iluminista e o positivismo à escola hls-
tórica, a-o marxismo, ao decisionismo, ao institucionalismo, etc.
Não quer dizer isto, no entanto, que, ao nível da compreensão
imediata da experiência e da sua tradução co~ceitual não se depare
suficiente aproximação para se avançar, desqe já, no caminho das
noções básicas da Constituição e da formulação•.de grandes esquemas
clnssificatórios, bem como da sua aplicação ao Direito português actual.-
,.
.
P(lfle 1/ - Constiluiçiío ll
1
( ) Cfr.• por exen pio, CASTANHEIRA NEVES, A Revolução e o Direito, Coim-
bra, 1976, pág. 229 .
12 Manual de Direito Corutltuci.mal
------------~--
(I) v., porém, C!CERO, De 'legibus, i livro m (trad. portuguesa Das leis, Silo
Paulo, 1967, pág. 95.); «A missão. dos ~agistrados consiste em governar segundo
6Jti..l
decretos justos, é con{orÍni:s àS .leis. Pois, assim COTT;lO as leis governam o magis-
trado, do mesmo modo os'm!igistrados governam o povo; e, com razão, pode dizer-se
que o magistrado 6 uma lei falada ou que a .lei é um magistrado mudo».
, (2) Sobre a ideia de Constituição na Idade Média, v. PAUL BASTID, op. cit.,
'págs. 49 e segs.
' :1
\
' '•
14 Mmwol d< o;,;, C•""'~;oool
- - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - 'hT--
\
1
( ) MAGALHÃES Co AÇO, Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no
Direito português, Coimbr•, 1915, pág. 6. Sobre a evolução dns leis fundarnentnis
desde a Restauração, v. p~ ~s. 1Oe segs.
1
' ( ) MARCEI.L.O CAET NO. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional
6.' ed., 11, Lisboa, 1972, p .g. 410. Sobre as tentativas de Constituição escrita no;
séculos x1v-xv. cfr. Histór 1 do Direito Português, Lisboa, 1981, págs. 455 e segs.;
ou AATÓNIO MANUEL HESP. NHA, História das Instituições, Coimbra, 1982, págs. 313
C ~egs. V. ainda MANUEl FILIPE MORÁIS CANAVEIRA, Testemunhos estl'angeiros
sobre as leis tradicionais d' monarqui11 portuguesa (séculos XVI e XVII), in Constitul-
çOes da Europa - Cong . •?sso, obra colectiva, Lisboa, 1992 .. págs. 107 e segs.
3
' . ( ) Escrevia a ...RRE'l . (P011Uga/ na balança da Europa, na edição de Livros
Ho~zonle, ~~s?oa, 1970, p: g. 207): «Fun~a ... em sólidos e naturais princípios, a
antiga ConstlluJção de Portural pecava na forma; já porque dispersa em várias leis escri·
tas, em costumes e em usan( •s tradicionais, càrecia de regulruidade e nexo de hBLmonia·
já.porq~e. destiruída de gar ntias e remédios legítimos para os casos de infracção d~
!Cl pos1t1va ou aberração d • seu espírito, forçosamente corria o perigo de ser mal
conhecida e esquecida pela Nação, desprezada ponanto e infringida pelo Governo»,
4
( ) Cfr. ZfLIA OsóRit DE CASTRO, Constitucionalismo vintista - Anleceden·
tese pressupostos. Lisboa, 1986. págs. 8 e segs.
16 Manual de Direito Consti·u :ional
I. ------------~---
I
I i
tos, por ela sét.~ prifuei(à garantia:desses direitos (1). ·· · · ·
l 1
.( )
. pág. 32.
Nosso Contribui~ para uma teoria da inconstirucionalid~e, Lisboa, 1968,
'1:
2 - Manu•l de Dlrelio ConÍtllucionol, 11
1., . -· ..
{
.3
18 Manual de Direiw Constitucional
-L--····· ...
Parte lf - Constituição 19
fundad.or da União, r 1uito cedo se apercebeu que ela era também, por 'I
I.
isso mesmo, ·a norrr .\ fund.amentadora de todo o. sistema jurídico.
Daí o passo acabadt. de citar d~ HAMILTON (assim como, ·de certo
modo, o art. Vl, n. 0 ~- qua.là:ficaniio-a de -~Djr~to sup~~mo do PaíS»);
e daí o corolário re,t,il :l.do, .a.. partir de 1803; pelo Supremo Tribunal de
pma faculdade de ar.reciação da constitucionalidade das leis.
Já na Europa (• nde as vicissituq~s polí~icas e constilucionais, :
viriam a ser muito l!ienos lineares e mais complexas que nos Esta-
dos Unidos) o cami: ho para o reconhecimento de um verdadeiro e ~.
pleno primado da O·nstituição foi mais longo, por duas _razões prin·
~ipais: 1. ) porque, t.-ndo em conta o absohitisrho precedente, toda a
0
~
.~·
i
i,
preocupação se rep:1rtava à reestruturação do poder político (em
'•
:Cspecial, do poder d • Rei); 2. 0 ) e porque não se quis ou não se pôde ~
instituir senão no se ·.:ulo xx formas de fiscalização jurisdicional da
constitucionalidade 1). ..
1
( ) Como Constilu ;ão em sentido g~nético, enquanto conjunto das notmas cuja
validade (ou cuja eficác-;:) se não fundamenta em nenhuma outra do mesmo orde-
namento (MtGUEL GALV ·o' TELES, Consrituição, in Verbo, v, págs. 1499 e 1500). i·'
(2) Cfr., entre tant ·S, GARCIA DE ENTERIÚA, La Constitución como nonna )' el
1hbunal Constiwciona/, 'Vladrid, 1981, págs. SOl e segs.; lGNACIO DE OTro, Dere-
20 Manual de Direito Constitu.:i<'nal
--~------------
•
~ i,
'
Parte li - Constituição 21
( 1) Op. cit., pâgs. 216 e s~;gs. ; e, antek, ·Reflections on the Value of Constitu·
tiom in Our Revolutionary Age, in Comtitutions and Consritutional Trender after
World War; obra colectiva, 11, Nova Iorque, 1951, págs. 191 e segs.
(2) GoMES CANOTIL!iÇ>. Direito Constitucional, I, 2.' ed., 1980, págs. 96-97.
Cfr., em linha próxima, !IENC VA.N MAARSEVE~ e GER VAN DER TANG, Written
Constitutions - A Computerized Comparative Study, Nova Iorque e Alphen aan
?en Rijn, 1978, pág. f-61.
.
..
l•
I
i·,.
'I
I
22 Manual dé Direito Constitucional
..
:J
·24 Manual de Direito Constituc ;onal
~--------~~--
.• 1
I t -: ~· .. .
~. '
•'
pios materiais ~ d~:Prulbípios fundamentais enfoimadores da Constituição
material. E Cortstituições compromi~s6rias vão desde as da: monarquia
constitucional do século XIX a Weimar, desde a Constituição portuguesa
de 1933 à maior pat.l:e das Leis Fundamentais do 2.~ após-guerra (1).
· . Em .inteiro rigàr,' todavia, nenhuma Constituição é absolutamente
.simples; todas contém dois .ou mais princípios que a priori dir~se-ão
ou não compagináveis. · O carácter simples ou compromissório de uma
Constituição depende dos circunstancialismos da su'~ formação, da sua
' .aplic~ção e das suas vicissitudes; depe'hde da ausência ou da pre-
sença'-:- não em abstracto para os juristas, mas em concreto para os
sujeitos do contraditório poaítico e pata .os· cidadãos em geral - de
um confli~o de fundamentos de legitimidade ou de projectos .de orga-
nização colectiva que as normas constitucionais tenham ~e ultrapas-
sar, através de uma plataforma.de entendimento; depende do modo
como é encarada a integração ·política. ·
De igual sorte, nenhuma Constituição compromissória consiste
num aglomerado de princípios sem virtualidade de harmonização
prática a cargo· da hermenêutica jurídica e sem base dinâmica de
funcionamento das institl,lições; em qualquer Constituição os princí-
pios dispqem-se oU' articulam-se segundo certa orientação e, · pelo
• menos, a nível de legitimidade há-de haver semp~e (aguando da for-
mação ou em momento ulterior de modificação, 'expressa ou táCita)
um princípio que prevaleça sobre outros. As Cdnstituições compro-
missórias permitem a coexixtência de ideias e correntes antag6ni-
cas,·mas só podem subsistir se os protagonistas institucionais aceitam
um determinado fio condutor do processo político (seja o princípio
(1) Cfr., de Angulos diferentes, CARL SCiiMm, op. cit., págs. 33 e segs.; PAOLO
BARILE, LA Cost.iJuzion~: co111e nontla giuridica, Florença, 1951, págs. 40-41 e 58
e segs.; C. J. FRIEDRICH, op. Cit., págs. 85-86~ COSTANTINO MORTATI, Costituzione, in
Scritti, Milão, IÍ, 1972, pág. 72; GOMES CANonLHÓ, Constituição dirigente e vin-
culação do legislador. Coimbra, 1982, págs. 141 e segs.; PAULO BONAVIDES, PoUrica
e Constituição, Rio de i-;neiro, 1985, pág.: 130; JORGE VANOSSJ, El Estado de Dere-
cho en el constitucionaú:rr,no social, Buenos Aires, 1987, págs. 48-49; FRANCISCO
LUCAS PIRES, Teoria dd Con.rtituição de 1976- A tran.rição dualista, Coimbra.
1988; págs. 96 e segs.; GUSTAVO Z...GREBELSKY,Jl Diritto Mite, Turin, 1992, págs. 9
e s_egs.; MARCELO NEVES, op. cit., págs. 68-69; ANToNIO D' ArENA, In tema di prin-
cipi e valo ri costituzionali, in Giurisprudenza Costituzionale, 1997, págs. 3075 e segs .
.i
Manual de Direito Constilllcional
1
( ) Cfr. RALF DAHRENOORF, On the Concept of lhe •living Constítution», in
L'ldée de Philosophie Politique, obra colectiva, Paris, 1965, pág. 140: ~um mo iden-
tificar a «Constituição vivll>> com estado harmonioso e pacffico da Sociectade organizada
em sistema político; há tensões e conflitos simultaneamente entre as forças sociais
vivas e entre os «poderes vivos» e a Constituição; e a ComÍituição prova a.sua vali-
dade não tanto prevenindo conflitos quanto estabelecendo regras para os resolver.
(1) JORGE DE EsTEBAN, estudo preliminar da colect~nllll Constitucione's espa-
no/as Y escrcmjeras, Madrid, 1977, págs. 22 e segs., maiime 44. Cfr. HENC VAN
MAARSi;VEN e CJEH VAN DER TANO, op. cit., pá:gs, 275 e segs.
Parte /1 - Corn·titu.ição 27
I
comunidade e do po• :er, çlos fins que este prossegue e dos meios de
que se serve - vai :orresponder um det~rminado entendimento d~ I
Constituição em $en• ido material. ·
, Consequenterne •te, a Constituição de qualquer Estado dis~- . '·
gue-sé da Constituiç. o de outro Estapo em razão do regime polftieo
que adapta; assim l orno a mudança de regime político que nele
'ocorra determirta un a mudança. de Constituição - da função que
se lhe atribui, dos te1 mos como enquadra a vida colectiva, dos direi-
'~s que garante ou di ixa de garantir, do,sistema de órgãos que prevê.
- fonna de Es ad,q Q~ m~;<fP. de .<?,. ~~elo' dispor ..~ seu poder ein
face. de OUI! ~S' poderes de iguaf" natÜreza (com COOrdenação
ou com sub 1rdinação) e quanto ao povo e ao território (1); i·
- forma de gc vemo ou forma de a comunidade política orga-
nizai o seu )ôder e estabelecer a diferenciação entre gover- I
(;) V. Manual .. ., 11, 4.' ed., Coimbra, 1998, págs. 275 c segs.
(l) V. Ciencia Po 'tica -Formas de Governo, Lisboa, 1996, págs. 35 c 115
e segs.
(l) Ibidem, ._págs. 15 e 123 e segs.
28 Man~al de Direito.Çonsriu.cional
--~--~----~----
.: ..
- forma institucional ou expressão institucional e simbólica da
representação ou da chefia do Estado (1).
..
(' ) Ih· ;, '"• p:ip. 3::i.36. V. támbém Ch(j( lo Estado , in Dicíonáril(luri·
· dico da A a:.:. :: :straç~o Púi,h·:a , !:. 1972, págs. :' í' l z segs. ...,
Parte. li - Constituição · 29.
I ~ I
'•
30 Manual de Direito Constitucional
'I
Parte Jl - Constituição 31
a) Intenciona!icllde na formação;
b) Consideraçãc sistemática a se; ·
c) Força juridic. · própria.
1
( ) Ou quase únicn e :cepção, porque também se fala, por vezes, na Hungria
antes de J 945. ·
.; ": I • .• .~: ~ • • ",'i .·:.
., ....;~ ,~+;~ ••· .,r··
,,
. I
32 ManutJ.l de Direito ConstiiU.:ional
--------------~-
'I I .
I
As nonnas formalmep.te constitucionaiS são decretadas por um
o I poder que se define com vista a ~sse fim; o que vale dizer que. na
origem, são normas de fonte legal, não <onsuetudinária ou juris-
prudencial (mesmo se, depo~, acompan 1adas de normas destas .
origens) e são normas que extgem um processo específico de;for-
mação (conquanto não necessí;lriamente um processo especial de
.;
modificação) . · ·
Há um Direito constitucional - fomnlmente constitucional -
a par de um Direito não constituciqnal; una legislação constitucio-
nal a par (e acima) de uma legislação ordinária; um conjunto .siste-
mático com uma unidade e uma coerência próprias, dentro da únidade
e da coerência gerais do ordenamento jur"dico positivo do Estado.
As normas formalmente constituciomti:; gozam, por isso mesmo,
de um estatuto ou de um regime imposto por tais caracteósticas ~pela
função material, genética ou conformadora que servem. Condicio-
nado embora pelo legislador constituinte, tal regime exibe-se- con-
soante nos capítulos .respectivos se verá -- na sua aplicação e na sua
garantia.
i '·
·•'
34 Manual de Direito Constit.ucional
-------------------------
_.r.espeito das relações entre normas do mesmo sistema jurídico esta-
t~___(l.), dificilmente se vislumbra como sem ela possa encarar-se a con-
jugação do poder constituinte posto em acto através da Constituição
com a subsistência de normas constitucionais anteriores ou. com: a
outorga de valor constitucional a normas de DireitÓ internacional ou
a ncirmas ele certos ordenamentos internos.
Por um lado, o núcleo· operativo da Constituição formal reside
na Constituição originária e primariamente criada pelo 'poder consti-
tuinte formal e material. Por outro lado, este poder é livre· de,_ em face
das condições em que se mova, da estrutura do sistema e da sua
estratégia ele nonnaç~o. considerar como tendo valor constitucional
nor:mas·já existentes ou normas que ele não queira ou não possa edi-
tar (ou.1bditar de novo) e que com as primeiras vão ficar num nexo
de complementaridade ou de acessoriedade.
;Mas a recepção (2) tanto pode ·ser uma rec~pção formal quanto
uma recepção materi4l, tanto pode ser. a recepção de um acto nor-
mativo quanto a l'ecepção apenas de uma norma. I
A recep<rão fOlmal'pressupõe a conservação·da identidade dos
p1incípios ou preceitos (embora por força, insista-se, de uma norma
constitucional que assim prescreve); pressupõe que ·os princípios ou .
preceitos valham com a qualidade que tinham; acarreta, por ê9nse-
guinte, a sua interpretação, a sua integraçfã~ e a sua aplicação nos
exactos parâmetros da sua situação de origem (e, quando se trate de
ordenamentos diferentes, a sua eventual modificação, a sua suspen-
são ou a sua revogação, se aí forem modificados, suspensos ou revo-
gados).
1
( ) Cfr. St\ROIO F01s, Problemi della recezione nel diritto interno: leggi di
recezione e ri serva di legge, in Studi in memoria di Tullio A.rcarelli, obra colectiva,
11, Milão, 1969, págs. 635 e segs.
(2) Sobre o conceito, v., na doutrina portuguesa, GONÇALVES DE ·PROENÇA,
Relevância do Direito Mazrimoniàl Canónico no Ordenamellto Estadual Coimbra
1955, págs. 205 e segs.; ISABEL DllMAGALHÃES COLAÇO, Direito lnterna~ional Pri:
vado, policopiado, Lisboa, 1958-l9S9, 11, págs. 51 e segs. e 68 e segs.; Jos~ DIAS
M~RQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 4.' ed., Lisboa, 1972, págs. 386 e segs.;
JOAO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao 'Discurso Legitimador. Coim-
bra, 1983, págs. 107-108; JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do
Direito, Lisboa, 1984, págs. 66 e 67.
35
Rezava esse art. 144. 0 : <<É só constituri•>nal o que diz respeito aos
limites e atribuições respectivas dos Poder•:s polfticos e aos Direitos
políticos e indiviq~ai~ , do~ cidadãys ..•. Tu de• :> .que _não é constitucional
po~e ser,~lterado, .. se.ffi,~.fqrm~h~ades referidas, pelas Legislaturas ordi-
.. nánas)}, · ·
O legislador constituinte, assentando numa detenninada noção de ·maté-
ria constitucional e parafraseando, de certa maneira, o art. 16.• da Declara-
li
,j ção de 1789, daí extraiu a consequência de não atribuir senão às normas ati-
'I
•• f i nentes à matéria tida po~ constitucion~ a garantia correspondente à forma
I
1 \·:·~
• • • •I
( ) ~im, Mloua GALVÃO TEt.l:s, Eficácia dos trata4os na ordein interna por-
1
tuguesa, Lisboa, 1967, pág. 92, nota; JoRGE MIRANDA, Decreto, Coimbra;· 1974,
; pág. 97; GOMES CANonLHO, Direito Constitucional, 4.' ed., cit., pág. 67: No sen-
tido da distinção entre rigidez e flexibilidade constitucional, no art. 144.• da· Carta,
Contributo ... , ci~(págs. 40 ·e 41-42, e MARCELI.O CAETANO, Manual ... , cit., 11,
páç. 427. Cfr. ainda LoPES PRAÇA, Estudos .sobre a Carta Constitucional, t,' Coim-
e
bra, 1878, págs. :XXI segs.; MARNOCO E SOUSA, Direito PoUtico - Poderes do
·Estado, Coimbra, 1910, págs. 602 e segs.; MANUEL AFONSO VAZ, Lei e reserva da
lei, Porto, 1992, pág. 288, nota; M!GUEL NOGUEIRA DE BRITO, A Constituição cons-
. tituinte, Coimbra, 20oo;·. pág. 423. Falando em Constituiç~o semi-rígida por causa
do art. 178." da Constitili.y~q brasileira, Joslt AFoNSO DA SILVA, Curso de Direito Cous·
titucional Positivo,. 9.~ ed., São Paulo, 1992, págs. 43-44.
2
.. ( ) Embora atenuando o que aduzimos nas primeiras edições, mantemos, pois,
. um co~ceito autónomo de Constituição instrumental relevante. Cfr., em posição
contrária, MARCELO REBELo DE SousA, Direito Constitucional, 'Braga, 1979, pág. 44;
e, em posição favorável, GOMES CANOTJLHO, Direito Constitucional, 4.' ed., cit.,
· págs. 6,2-63. · '
Cfr., deste segundo Autor, a distinção entre o texto e o corpus constitucional
ou conjunto de matérias normativas que formam a Constituição (Direito ... , cit.,
· págs. 1117 e segs.)..
' I
38 Manum de Direito Constiwcional .
----·----···--·-·----
( 1) V. Diário, n. 0 ' 13, 30, 31, 32 e 35, respectivamen.te págs. 272, 786, 811,
849 e 942 ~~ 945. Cfr. ainda a ê9memoração do 30.0 aniversário da Declaràção
Universal pela Ass~mbleia ·da República em 13· de Dezembro .de 1978 (Diário, 1 Jegis-
lalura, 3.' sessão li:gislativa, n.• 18, págs. 619 e segs.). ··
Aquando ela segunda revisão constitucional, de un1 dos projectos chegou a
39
f..;'
: .....
co?stttr :a eliminação do art..! ..•, n.• ~. mas a proposta foi rejeitada em comissão c
rcürada (por se Teconhecer, afh ai, .utilidade na referência à Declaração) atites da vota·
çlio n.o plenário do Parla!Jlent •. V. Diário da Assembleia da República, v legisla·
tura, 1.' sessão legislativa, ~ • série, n.• 6~RC, a.cta.n..O 4, págs. 102 e sogs:, e
n." 66-RC, acta n.O 64, págs. !018-2"019; ..e·'2.• s~lo•.legislativa, 1.' série, n.• 64,
pág. 2206. . .,. •+·.
"{ ) Cfr. o nosso Curst de Direito lntemacio~al Público, Cascais, 2002,
1
págs. 12 I e segs. e autores ci ;tdos.
. (2) V. A Declaraçilo (. 1iversal e os Pactos lnttrn(tcionais de Direitos do
Homem, Lisboa, 1977, pág. >: 1, e Manual..., J\1, 3.' ed., Coimbra, 2000, págs. 162
e segs.
• ( ) Como re~ositório de prin1=ípios gerais de Direito internacional, a Declaração
3
•'
Direito ordinálÍO português- com a lei interna, como se lê no art. 29.",
n." 2 - e dotados, portanto, de força jurídica ínfraconstitucional (1).
sobre a Constituição, obra colcctiva, u, Lisboa, 1978, pág. 242; GOMES CANOTILI-IO e
VITAL. MOREIRA, op. cit., pág. 194. Diversamente, PAULO OTI!Ro (op. cil., loc. cit.,
pág. 607. nota) fala em força hierárquico-normativa igual à das normas constitucionais.
2
. ( ) Resultante da aglutinação, feita em 1989, do sector cooperativo com os
antenores subsectores comunitário e colectivo (ou autogestionárlo) do sector público
e a que se adicionaram em 1997 as instituições de solidariedade social.
3
( ) Cfr. Diário da Assembleia Constituinte, n.o• 66 e 74, reuniões de l7 e 31
d: Outubro de 1975, págs. 2060 e segs. e 2398 e segs .• respectivamente, ma.xime
pags. 240 I e 24()'2,
Parte Jl - Constil14ição 43
participação (art. 60. n.o 3); e niio são tidas como «entidades da
0
, (1) Até à revisão co• stitucional de l989 ainda havia outra diferença: o art. 83.",
n.• 2, preferia o regime c• ·.>perativo ao regime privado como forma de exploraçi!o
.~e pequenas e médias en presas indirectamente nacionalizadas fora dos sectores
.básicos da economia.
. ( 7) V. Slt.VA LOURI!I ço, D coopâativismo e a Constituição, in Estudos sobl'e
a Constituição, obra coler iva, n, pág,s. 373 e segs.; MENEZES CORDEIRO, A Cotuti- •
luição patrimonial privad '· ibiden~. 111, 1979, págs. 406 e segs.; CARLOS l::ERIU!I~A '
DE ALMEIDA, Direito Eco ·ómico, policopiado, 1, Lisboa, 1979, págs. 264 e segs.;
SiMOES PATRJCIO,· Curso de Direito Econômico, poUcopiado, 2.' ed., Lisboa, 1981-1982,
págs. 229 e segs.; parect r n.• 33/84 da Procuradoria-Geral da República, de 19
de Junho de 1986, in Bolt im do Ministério da Justiça. n.• 360. Novembro de 1986,
págs. 271 e segs.; GOMES CANOTIL.HO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 328.
3
a
( ) No seu Congres .o de Viena dé)<l966, Aliança (como infom1a Slt.VA Lou·
R.EI'IÇO, op. cit .. loc. cit., r igs. '3~.8 e segs:) defihiu os seguintes princípios: 1.") ade·
são livre; 2.") gestão demc :rática; 3. 0 ) juro limitado ao capital; 4.") repaniçlo de exce·
/entes; 5.") fomento da e ·ucação; 6.") colaboração entre as cooperativas.
4
( ) Neste sentido, areceres n.•• 32/81 e 15/82 da Comissão Constitucional •
de 17 de Novembro e 2 de Abril, in Pareceres, xvu, págs. 117 e segs., e XIX,
págs. 205 e segs .• respw vamente; acórdão n.• 321/89 do Tribunal Constitucional,
de 29 de Março. in Diár• 'da República, 1.' s6rie, n.• 92, de 29 de Abril de 1989.
No segundo parecer, a C >missão Constitucional pronunciou-se pela inconstitucio-
nalidade material de um 1ecreto por desrespeito dos princípios cooperativos.
(l) Hoje constante da Lei n.• 51/96, de 7 de Setembro.
44 Manual de Dirtito Constitucio tal
------~r-
'
:...
·,, Pane 11- Constituição 45
I elas; e- até onde fosse possível -.deviam ter a leítura que menos coli-
disse com os princípios da Constitu~ção material (1). Estavam bem longe
dos moldes desenhados pelo art. 16.", n.• 2.
Hoje (e desde há muitos anos) deve considerar-se que caducaram, por
esgotamento do seu ãmbito de aplicação ou por desuso (2) .
rania, das regiões au~ónomas e do poder Iociu que ·iniciassem funções durante
a primeira legislatUra, ou seja, até 14 de Outubro de 1980 '(art. 299.", n. 0 1,
de 1976)- se quis niànter determinadas «incapacidade~( cfvicas>> e porque
estas incapacidades de.direitos políticos vulneravam o princípio da igualdade
e o da participação de t_<?dos os cidadãos na vida pública (arts. 13.0 e 48. 0 ),
procedeu-se aí a um duplo processo de constitucionalização e de recepção
0
material. O Decreto-Lei n. 621/B-74, de 15 de Novembro, só pôde serres-
salvado nessas ·condições; senão, seria incons!.\~t~Gi(i)nal após 25 âe Àbril
de 1976.
Aliás, a norma con~tit\)cional transitória que dele se ocupo11, o
art. 308." (3), veio.j.;._ áo': iny,és do que aconteceu com a norma relativà à
págs. 1456(55H456(56); e.-y legislatura, 1.' sessão legislativa, 2.' série, n.• 55-RC,
!. acta n.• 53, págs. 1767 e. ség~ .. e 2:• sessão legislativa, n.• 104-RC, acta· n.• 102,
pág. 7948; e 2.' sessão legislativa, 1.• série, n.• 86, págs. 4207 e 4208.
( 1) Sobre este ponto e sobre os problemas suscitados pelos n."' 2 e 3 do
art. 309." inicial da Constituição v. parecer n.• ·9n9 da Comissão Constitucional,
de 27 de Março, in Pareceres, vm, págs. 102 e segs.
(l) Já em 1989, ein ofício publicado no Didr!o da Assembleia da República
(v legislat,ura, 2.• sessão legislativa, 2.• série, n.• 1CM-RC, pág. 2948), o Procura·
dor-oenil da Repóblica- apesar de considerar <<Subsistir utilidade jurídica no art. 298.•
da Constituição», por estarem ainda pendente$ cerca de 140 processos - dizia poder
justificar-se um reexame de natureza poHtica da situação, por o tempo decorrido
desde 25 de Abril de 1974 e o número e estado de pendência dos processos aponta-
rem para ~<o esgotamento da capacidade de reacção dos órgãos formais de·1controlo».
(3) V. Didrio da Assembleia Constituinte, n."' 42, 108, 128 e 129 , respecti-
vamente págs. 1185-1_186, 3545 e segs., 4270 e 4279 e segs. · '
,,
.
46 Manual de Direito Constitucional
( )
1
Sobre este preceito constitucional, v. Diário da Ássembleia Constituinte,
n.•• 116 e 130, respectivamente págs. 3842 e 4354; Diário dfl Assembleia da 'Rep~í
blica, 11 legi slatura, 2.' sessão legislativa, 2.' sériê, 2." suplemento ao n.• 77,
págs. 1456(44) e segs., e suplemento ao n.• 93, págs. 1762(20)-1762(21), e 1.' série,
n.• 129, págs. 5430 e segs.; e ibidem. v legislatura, 1.' sessilo legislativa, 2.' série,
n.• 55-RC, acta n.• 53, pá~ . 1769 e segs.; e 2.' sessão legislativa, n.• 99-RC,
neta n.• 97, págs . 2838-2839; e 1.' série, n.• 86, págs. 4206 e 4207, e n.0 -90,
págs. 4497-4498 e 4504. .·, .
( 2) Diversamente, VITALINO CANAS, Relações entre oordenamento constitu-
cional português e o ordenamento jurídico do território de Macau, in Boletim do
Ministério da J11.1tiça, n.• 365, Abril de 1987, págs. 86 e segs. ,
3
( ) Sobre o enquadramento constitucional das alterações ao estatuto, v. este
Mamwl ... , 11, 4.' ed., págs. 46 e segs., ou CARLOS BLANCO DE MORAIS, A organita-
ção do poder político./egislativo no território de Macau- durante e após a tran-
sição prJra a soberania chinesa, in Estudos em homenagem ao Prof Doutor Rogé-
rio Soares, obra ~;olectiva, Lisboa, 2001, pãgs. 139 e segs. . ·
- - - - - - - - ''arte I! -- Cmmitu ição 47
1
( ) Cfr. ANTÓN!O DE i :v,úJO, A Nação e os s~us símbolos, in O Direito, 2001,
pãgs. 197 e segs. ·
(2) Cfr. acórdão n.• I'' l/88 do Tribunal Conslitucional, de 27 de Setembro in
Diário da República, 2.' sé:•e, de 14 de Dez.embro·de 1988. , '
( ) RICARDO LEITE; A!gumai 'hip6tJSS~s sob,re...a «R~púb/ica, . e o «republica·
3
·
nismo» no conslitucianalism · ponuguês, in PerspJcrivas Constitucionais, obra colec·
tiva, m, Coimbra, 1998, pá! 230.
4
( ) GOMES CANOTILI •I e VITAL MOREIRA, Consrituiçrio ... , ciL, pág. 99, e
GOMES CANOTILHO, Direito :~onstitucional .... cit., pág. 1120.
(5) Cfr. infra.
6
• ( ) É a.lgo.de semelh: !lte ao que se passava com a língua ponuguesa antes da
re~Jsl!o consUliiCIOna! de IÇ··•7, que a consagraria no art. 11.", n.o 3, ou o que ainda
hoJe se passa com Lts.boa <.·mo capital do Estado.
·.
'·
/
48· Manual de Direito Constitue onal
-------=-
.• r·
ii ( 1) Diversamente, ANT6NTO os ARAúJo, op. cit., loc. cit., pág. 203: a consti-
,,
I, tucionaliZl!ção dos símbolos pelo texto de 1976 asshala uma dimensão de ruptura
em relação a uma ordem anterior, procurando est~b'élecer uma ponte entre dois
li cons~rucionátlsmos democrãtl~~pubúêàitos (o.pe ,19i 1. ~ode 1976). Mas este autor
contesta também as teses da récepçãq~à ah.isio ao rqime do 5 de Outubro de 1910
equivale a «uma referência histórica» (pág. 211).
(2) V. o debate e as audições de especialistas na CoiJÜssão Eventual da Assem-
bleia da República, in Diário, vm legislatura, 2.' ses~.ão legislativa, 2.' série-RC, n... 2,
5, 6, 7, 8, 9, 11, 17 e 18, de 26 de Maio, 6, 15, 1~'. 26 e 29 de Junho e 19 e 27
de Setembro de 2001. E o debate no Plenário, ibid.m, 3.' sessão legislativa, 1.' série,
n.• 9, de 4 de Outubro de iOOl.
( 3) Na sequência da Resolução n.• 312002 d1 Assembleia da República da
1
( ) Cfr. o nosso estudo Imunidades constitucionais e crimes de 'responsabili·
dade, in Direito e J'!Stiça, 2002, págs. 27 e segs.
4- Manual de Direito Constitucional, tl
50 Manual de Direito Constitui;ipnal
-·
f. •
15. Normas material e for~almente constitucionais
I - Definidos os conceitos de Constituição em sentido material
e em sentido formal, cabe indagar como intercedem no plano das
nom1as jurídicas presentes em qualquer sistema (i).
A priori, seria de supor ou a referência desses sentidos a uma ,só
realidade nonnativa ou a sua independência· recíproca (com sobre-
posição numas zonas e contraposição noutras) ou ainda·a necessidade
de, pel~ menos, se verificar uma correlação entre eles. Parece,
porém, mais indicado sustentar (até pelo exame das diferentes ordens
jurídicas) que preferível é o terceiro entendimento.
Revertendo ao conceito de Direito constitucional e com,pletando
o que acaba ele. ser mostrado quanto ao enlace entre Constituição
formal e Coi1stituição fnstrumental, há que reiterar que as normas
constantes da Constituição formal são (pelo menos, em princípio)
' I
. .
1
( ) Sobre o problema, cfr. JoRGE BACELAR GouVEIA, introdução a uma edição
da Constituição e de legislação complementar, Lisbo~;: 2002, págs. 12 e 13.
(2) Sobre o problema, v. HERMANN HELLER, op. cit., págs. 323-324; CosTAN·
TINO MoRTA't'l, Costituzione ... , cit., loc. cit., págs. 144 e segs.; SPAONA Mvsso, Cos-
tituúoHe rígida e fonti atipiche, ·Nápoles, 1966, págs . .23 e· segs.; K. C. 'WHEARE,
Modem Constitutions. 2.• ed., Londres, 1966, págs, 1 e s~gs;; FRANCO MoouoNO,
L'lnvalidità de/la Iegge, I, Milão, 1970, págs. 138 its~gs.':JÔROI! MIRANDA, Notas
para uma Introdução ao Direito Constitucional Comparado, Lisboa, 1970, págs. li
e segs.; P. LUCAS VERDU, Curso ... , ciL, 11, págs. 417 e segs.; MARCELLO CAETANO,
Direito Comtitucianal, 1, cit., págs. 399 e segs.; GtANC1-RLO ROLLA, Riforma delle
lstitttzioni e Costituzione Materiale, Milão, 1980, pág. 120; ÍOSÉ AFONSO DA SILVA,
Aplicabilidade das normas .constitucionais, 2.• ed., Slío Paulo, 1982, pág. 32.
Parte 11 ·- Constituição 51
--------·--------
noanas materialmente , onstitucionais; mas que, para lá delas, mui·
tas outras pode ha~er tam.b.~m ~ri~~~~e.~~~nstitu.cio~ais (de
2.0 'lrau}; em,l:>o~{l. clh$P& :sas, par diplomas de DireitO ordináno.
I·
' •I
Direito, aos valores, à: escolhas 1~olíticas fundamentais da Consti- ,
t
tuiÇão; elas são os pri 1~ípios constitucionais do Direito civil, dg
. Dirêito penal, do Direi o administrativo ou do Direito fiscal.
. .
In - Seja qual feo · o critério ou princípio teórico que se queira
adoptar para definir o âJ .1bito da Constituição em sentido material - e
.muitos têm sido prop 1stos, desde a disciplina dos elementos do
<>l.: . ·. '.~~..
--------
•. ' ......... ·'!·'
..
IÍ
I I
i I 11
( 1) Cfr. JosÉ TAVARES, Ciincia do Direito Pol 'tico, Coimbra, 1909, págs. 135
e scgs.; CARL SCHMITI, op. cit., págs. 17-18; HERJ~,,NN HELLER, op. cit., pág. 324.
.I
l~
Como escreve este autor, os textos constitucionais têm certamente conteúdos tfpicos,
mas não e;: . 1 prir.. ;pim eóric,,,, y_ue detenninem c que se deve reservar à lei cons-
titucic. al. .e c Je t.. L ar o texto consl;tucional decidem a tradição, a
conver.iêr.c: ·.Jíti, ... a;. ;ão -•. tJOder e a comtiência jurídica. ·
Parte l i - Constituiçao 53
(I) Cf1. RJCCAII.DO MONA CO, Le caractere •. i,ls~frútionJJel· des actes institulifs des
organisarions internationales, in Mélanges offerts à Charles Rousseau, obra colec-
Liva. Paris, 1974, págs. 153 e segs., ou NGUYEN Quoc OJNH, PATRICK DAII..l.ER e
ALAIN PEU.ET, Droit lnternational Public, 6.' ed., Paris, 1997, págs. 575 e segs.
2
( ) Cfr. o nosso Curso ... , cit., págs. 121 e segs., e autores citados.
\I
lli
,.
______ ____
- - - · - - - - - Par1e 11 -·- Constituição
:.._ 55
. - t ·nulo
1
todo o t· atado que,
o l iol•lf
no
momento da sua conclusão, é
· incompatível cc m uma notma impt.rati'l!a de Direito inter-
nacional gêtâf ~árt.'~3.", 1." parte) -·quer dizer, de jus
cogens;
,_ Se sobreviver u na nonna imperativa de Direito internacional
geral, todo o tn-:.ado existente que for incompatível com esta
norma tomar-se á nulo (art. 64. 0 );
.- Quando um trattdo for nulo, as partes serão obrigadas: a) a
eliminar, na ·me lida do possível, as consequências de todo o
acto praticado • om base numa disposição que seja incom-
patível com a 1orma imperativa de Direito internacional
geral; b) a torr :rr as suas relações mútuas conformes com
essa n01ma (art 71. 0 , n.o 1);
- Se um tratado ;e tomar nulo; a cessação da sua vigência:
a) libertará as r :utes da obrigação de continuar a executar o
tratado; b) não ,fectará nenhum direito, nenhuma obrigação,
nem nenhuma : ituação juridica das pa1tes criadas pela exe-
cução do tratad ·. , antes de ele se extinguir, mas este direito,
obrigação ou s tuação não se manterá no futuro, salvo na
medida em que ' sua eliminação não for em si mesma incom-
patível com a r .wa norma imperativa de Direito internacio-
nal geral {art. ~ 1.0 , n.0 2).
'
I - Fenómeno inverso ao da irradiação de figuras constitucio-
nais para o Direito in~emacional..,Jem a ,s,e; o impacto deste sobre
~~
as Constituiçõés ('?; .~ "~ • . . .. ,. . . ,,
Esse impacto lrnanife~ta-se·;' ântes <le ·mais, no jus cogens, na
medida em que este adstringe os Estados não só nas respectivas rela-
ções e com outros sujeitos, não só nas su<:s formas de vinculação inter-
nacional, mas também a nível interno, n 1s respectivas Constituições.
Como estruturante da comunidade inte.n acionai, os princípios de jus
cogens não podem,.'por isso, deixar de s! sobrepor à Constituição de
qualquer Estado enquanto membro dessa comunidade.
(') Cfr. JORGE MIRANDA, Curso ... , cit., págs. 133-134 e 155 e segs.; ou
GoMES CANOTILHO, Direito ..., cit., págs. 1353 <: segs. (falando em conBtituciona·
lismo global). .
(2) Sem esquecer, naturalmente, a presenç 1 em qualquer Con~tituiçlo de nor·
mas de fundo, de competência e de forma sobre a vinculação jurídico-internacional
do Estado e a condução da polftica externa [ho,1e, em Portugal, os arts. 7.", 120.•,
135.•, 161.", alíneas i), m) e n), 163.0 , allneas.f) ej), 197.", n.• 1, alíneas b), c) e i),
e n.• 2. 200.•, aHnea d), 227.", n.• 1, alíneas s) e r), 278.0 , n.• 1, 279.", n.• 4, e 280.",
n.• 3] . Fala-se aqui em Direito constitucional internacional. Cfr.• por exemplo,
MIRKJN'E-GUE.TZ.NITCH, Droit Constitutionnel htcmational, Paris, 1933; CELSO B. DE
ALBUQU ERQU E M ELLO , Direito Constitucion.ai /Htemacional, Rio de Janeiro, 1994;
HEL~l' E 'ToURAF.iJ, L'i,remai:c.'!Glisation des C.•nstitutions nationales, Paris, 2000.
I
i
L
Parte 11 - Constituição 57
( 1) Sobre. estes assuntos, cfr. Curso ... , cit., págs. 139 e segs.
.L
58 Ma.J!IIal de Direito Constitucional
1
( ) Cfr. Manual ... , IV, cit., págs. 158 e segs. ,.
(2) Cfr. o art. 95." da Consútuição espanhola: a celebração de tratados interna-
cionais com cláusulas contrárias à Constituição exige prévia•'révisão consútucional.
( 3) Cfr. Curso .... cit., págs. 160 e segs.
Parte /1 - Constituição 59
. ~h ~~:,~ .
(I) Sobre o problemp da CoRstitui·ção európeia, v., entre tantos, MARJO Al.BER·
TJNl, L'unijicaziont europet I! il potere costitutntt, in /1 Político, 1986, págs. 199
e cegs.; FRANCISCO LUCAS PIRES, A caminho dt uma constituição polltica euro·
p1la?, in Análise Social, n " 118-119, 1992, pAgs. 725 e segs., União Eul"opeia:
um poder pr6prio ou delego. o?, Coimbra, 1994, Introdução ao Direito C0111tilucion.al
Europeu, Coimbra, 1997, e J1 factores comunitário1 no Dir"llito co11stitucional por-
tugii8S, in Os 20 anos ·da ~onstituição d1 1976, obra colectiva, Coimbra, 2000,
p6gs. 215 e segs.; PtETRO ( ·IUSEPPE GRASSO, Diritto Costituzionale ·e Diritto CEE,
in ~critti in onore di Pietro Virga, obra colectiva, 1, Milão, 1994, pãgs. 951 e segs.;
A~ STONE, What is a Sup anational Constitution? An Essay in lntematiOIII.Il Rela-
tions Theory, in The Revie~ of Politics, Verlo de 1994, págs. 441 e segs.; MANUEL
MEDINA, Hacin una Consti. ·•ci6n Europeia, Valhadolide, 1994; Vers un droit COIII·
titutionnel europien. Quei droit constitutiotinel europien?, actns de colóquio, In
Re11ue Univtrsellt dts !Jroit: de I'Homme, ·1995, p6gs. 357 e segs.; MARIA LulsA F!R·
NAHDEZ EsTE:aAN, La Corte /i Giu.rtizia qualt eleme111o esstnziale nella de./ülizione dl
Costituzione Europta, in /· ívi.sta Italiana di Dirltto Pubblico Conumitarlo, 1996,
p6gs. 221 e segs.; DnmR C llMM, Una Costituzione per /'Europa?, in 11 futuro della
Costituzione, obra colectiv ,, Turim, 1996, págs. 339 e segs.; GtAN ENIUCO Rus-
CONI, Quale «democrar.ie c ·stituzionale»? IA Corte Federale nella politico tedesca
e ii problema de/la Coslit dane Europea, in Rivi.sta Italiana di Scienza Giuridi·
che, Agosto de 1997, págs 273 e segs.; CARLA AMADO GOMES, A naturtZQ collSti-
tu~ional do Tratado da U ião Europeia, Lisboa, 1997; LORENZA VIOI.INI, Prime
COI,ISideralioni slll concello di «Costituzion• Europta» alla luce dei conttJnuti deUe
vigenti Carte Costituliona ·, in Rivista Italiana di Dir,itto Pubblico Comunitarlo,
1?.~8, págs. 1225 e segs.; JEAN-Ct.AUD'E PtRIS, L'Union europécnne a-t-elle une
Constitution? Lui en fauf.l une?, in Re11u1 Trimestrielle de Droit Europlen, 1999,
pi~s. 599 e segs.; PETER 1- ·\BERLE, Per una dottrina de/la costitudone europea, in
Qlladtmi Costitut;ionali, ! 199, pAgs. 3 ,e segs.; NEli. MAC CORMICK, Democracy
anel Subsidiarily, in Diritro ·ubblico, 1999, págs. 49 e segs.; JOROEN HABERMAS, Apris
l'lttat-nation, trad., Paris, I'' l9, maxime págs. 104 e segs.; MIOUEl. POlARES MADURO,
A crise existencial do cor 'titucionalismo europtJu, in Colecttlnea de estudos em
/ulmenagem a Francisco Lr .·as Pirts, obra colectiva, Lisboa, 1999, págs. 201 e segs.,
e O superavit democrático .·uropeu, in Andlise Social, n.• 158-159, Primavera-Veria
de 2001, págs. 119 e segs.; -.NA MAIUA GuBQA MAimNs, A naturezajuridica da froli·
s~ do Tratado da União i.'uropeia, Lis~a. ~p,qo;! 'fbe ~irth of a· Europtan Cons·
ttlutional Order: the intera tian·of Na1ional and European Consti/Uiional Law, obra
colectiva editada por JORC N SCHWARZE,J3aden-B4den, 2001; Bt.ANCO DE MORAIS,
Justiça ConstitucioiTOI,J;w . 1bra, 4002, págs. 42 e segs.; AcusTINO CARRJNO. Europa
I! il futuro del/e Constituzr ni, Turim, 2002.
60 Manual de Direito Cons;it.c_:_c_io_na_l_ _ _ _~---
·'./ (') Apesar da infeliz rubrica do art. !5.0 da C•>nstituiçilo portuguesa após 1992.
(2) Cfr. JORGE MIRANDA, Manual ... , m, cit., ptgs. 158 e segs., e autores citados.
''t (3) Neste sentido, MARIA LufSA DUARTE, .'\teoria dos poderes impUcltos e a
delimitação de competências entre a União EurOJ>ei.z e os Estados·Membros, Usboa,
. ;
;
1997, págs. 213 e segs. e 357 e segs. Diversarn<:nt•~. ANA MARIA GUERRA MARTINS,
op. cit., págs. 627 e segs. ·
··ii
.:~ t~.
.
l .. : .· . · • • ••
Parte 11 - Constituição 61
0
•·'o. 0 O O 0 '' O O O OM " 0 I ~
- - - - - - · · - - - Pane 11 - · Corutítuição 65
tituzionale, Nápoles, 1985, :Jágs. 141 e segs.; PAULO BoNAVIDES, Politica e Constl·
tuição, ci1. , pãgs. 183 e ' gs., e Curso de Direito Constitucional, 12.' ed., Slo
Paulo, 2002, págs: 182 ~ s• gs.; SERGIO BARTOLE, Costituúone materiale e ragiotw·
m~nto g;und1co, 10 Scnttl <n onore di Vezio. Crfsafulli, obra colectiva, 11, Pádua,
1985, pags. 53 e segs.; Rc IIERTO NANIA, 11 Valore della Costituúone, Millo, 1986,
pá~s. 45 e segs.; o n.• 3, au> VI, de Dezembro de 1986, de Quaderni Costitulionali;
Ki.Aus STERN, Derecho de: &wdo de la ,Republica Federal AI emana, trad., Madtid,
19~7, págs. 202 e segs.; :NOCÊNCIO MÁRTIRES CoELHO, Constituição: co, 1ceito,
ob;ecto e elementos, 1n Re ·sta de lnformaç6o Legislativa, n.• 116, Outubro-Dezem-
bro de 1992, págs. 5 e seg · ; ]OSÉ ANTONIO ESTÉV!!Z ARAUJO, IA Constiluc/6n conw
proceso Y la desobedíenc1 civil, Madrid, 1994, págs. 41 e segs.; AI'ONSO D'OU·
VEIRA MARTINS, O fenom . nologismo e a teoria· constitucional, in AB VNO AD
OMNES- 75 anos da Ct mbra Editora, opra colectiva, Coimbra, 1998, págs. 229
e segs., e lnslltulção, Esta.io e Constituiçdo no p.ensamento de Maurice Hauriou in
Estado e Direito, 1998-20 .Q, págs. 169 e segs.; SANTIAGO SASTRE ARIZA Cie~/a
j~ridíca pos~t~vista e neocc •tstitucionalis'lfl?• M~d,Mt,!,Q99;. DA\IID P,YZENHA~s, Lega· ..
I~ and Legwmacy: Carl .' . hmiu, -Haru J~!sen ai1~ .ff~nnann Helle~ in Welmar, Oxó·
f\18, 1999; PAI.ILO ~ER~El~· , .OA CUNHA, op. cit./1, p-ágs. 295 e segs.
5 - M1nual de Oireho Conll : •cional, 11
66 Manual de Direito Comtitucional
------"-----
~
( )
~-
1
( ) Teoria .. ., ci .. págs. 295 e segs.
(2} ve,fa~SUI~g ud Veifassu~cechl.p948), .l(ad. CllSlelhana Con~·lilución y
Derecho Con.WIUtiiOn I.,.Madl>iti, 1985, ma.vime pngs. 132 e segs.
~' .'J•••. '
. ..
Manual de Direito Constitu.cion_al_ _ _ _ _ ___,__
70
i
Parte li - Cqnstituição 71
1
( ) 1.'/nvalidità della Leegge, 1, cit., maxiln ~ 'págs. 109 e segs. V. ·;ambém ll
1
coHcetto d1Costiruzione, in Scritti in onore di Cos"tantino Mortati, obra colectiva, 1,
Milão, 1977, págs. 197 e segs.
(2) Sobre o conceito da Constituição Política, cit.~ maxime págs. 67 e segs.
' I
l..J!
Parte 11 -- Constituição 73
, ..
~ndentes a conter os 1 oderes constituídos dentro dos limites traçados pelo
·.•poder constiruinte, vis o este· ser supe1ior àqueles.
· Como lei suprem; . a Constituição impõe-se a todas as outras leis e esse
carácter supremo ·vem ihe de ·sei• a própria e integral afinnação da sobera-
nia nacional. Uma so. iedade política revela-se como soberana, na medida
em que possui e pod• exercer o Poder Constituinte. Este nasce com o
Estadoi mas, sendo o uporte da Constituição, é anterior a ela.
Há necessariame ·1te uma certa configuração característica de cada
~tado, resultante das .;ondições pttuliar~~·:·P,Q~o e •.do·Jt~rritório respec-
tivos. Nenhuma ·Con tituiÇâ'b pode pretender-se a palavra definitiva e a
regra imutável ~~.~C?fi~"rlllde polfti~ comt)in~l' a'ff61lrã o 'étado cuja Cons-
tituição esteja a ser co· <stantemente alterada, sem ao menos se conservarem
os traços fundamentai· da sua organização política. Mas, ao organizar o
Estado, o legislador nl l tem de se limitar a observar as condições do Povo
que vai reger e a estal ·elecer uma equação em que a certas condições cor-
responderão determin;,das soluções. Não só há certos princípios de Ius-
tiça e Segurança que •:evem estar presentes na elaboração de todas as leis
(e, portanto, com mais forte razão, na das constitucionais) como é dever dos
constituintes procurar c•>rrigir vícios, eliminar defeitos, aperfeiçoar condições,
melhorar instituições 1 ).
i"
III - Para RoG: :RIO SOARES, a Constituição é a ordenação funda-;.: ·
mental de um Estado · representa um compromisso sobre o bem comum e ,.
uma pretensão de liga: o futuro ao presente.
Como a sociedac <! moderna só pode ser compreendida como um con-
junto de forças políti• as antagónicas, o c~mpromisso tem uma dimensão I'
pl~~lateral, aparec~ c mo uma t.entativa ~e equilíbrio. A ideia de Consti- 'f
'lu1çao repele, todav1a, 1ue ela seJa concebtda apenas como a expressão fâc-
tica desse equilíbrio tt .nporal. Sempre lhe cabe uma intenção voltada para
·~ futuro: ela supõe a . rença de poder ordenar igualmente equilíbrios polí-
·t•cos vmdouros.
Só a Constituiçã·: entendida como um equilíbrio realizado dos valores
. fundamentais ·duma c munidade pode fornecer o penhor da segurança do
, homem perante a tira H ia da nova ~ocialidade assumida pelo Estado e, tam-
bém, ~u~a organizaçh ~m grupos, cau;regados duma ética totalitária. O que
não s1gmfica a entreg;: merme a umà teleologia polftica, mas a busca das
conexões íntimas no ;entido. dós órgãos e instituições constitucionais a
•'
1
( ) Dir~ito Con.st. !:tcional, cit., 1, págs. 351 e segs. e 391 e segs•
. . . .:L "' ·t· ..--!~.i .• • ,(, . . :.··i·
. :~.
'
V - É a teoria de Constituição 'económica qu·~ VITAL Mo~l!iormula,
pela primeira vez, entre nós. Mas, a propósito do conceito de Constituição
,·,,:;·,·
r .. .
Parte 11-
.. Constituição 75
(I) Economia e Constituição, Coimbr~. 1974 (na 2.' ed., 1979, cit., págs. 174
e segs.).
(2) Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, cit., maxime págs. 163
e segs. . .
A partir da 4.• ed., cit., do seu Direiro Constitucional (maxime págs. 71, 79
e 75-76), GoMES· CANOTILHO viria a mitigar ll: sua posição, ainda que sem abando-
.··
76 Manual de Direito Constitucional
I
,,·.
lV'"' •••
Parte /1 - Constituição 77
-------------------
certas condições de tempo · de espaço, bem como dos valores que essas pros·
seguem.
-·A Constituição não é uma realidade independente do mundo do ser, já
que· na sua génese e no s• u conteúdo, se tendem a projectar aquelas estru· ...
turas·. O conteúdo da Co: stituiçio integra quer os valores ideológicos das •;
:,...~ ..
t •I • ,,
78
_____ __
Manual de Direito Con.rtitacic na! __,_
. I
_
80 - ·
- Manual de Direi/O Collsrirucional
_ _ _ _ _ _......___
--~:=.:....;.;_:_:__...:___...:__.
•,
..... f
Parre 11 -- Consrituição 8l
·~-------------------
· XII- Num recentí simo livro, LUIZ VEROILIO DALLA ROSA traz inte-
ress.antes considerações : cerca ~a Constitu~ão" li propósito daquilo a que
chama o discurso constil •cional. .. .. . , . }'
Segundo este AutoJ a CdnslituiÇão surge, no aspecto jurídico-posi-
tivo, como o elemento v ·rificador da validade interna dos demais compo-
nentes do sistema jur!dic• e pode conceber-se, não mais como norma supe-
rior, mas sim como mon ento de unidade ou sentido (1).
O sistema jurídico não é mais representado pela metáfora piramidal
de base kelseniana; pode· .e apenas indicar o sentido assumido pela realidade
constitucional num· dete minado momento histórico, segundo a natureta
específica das situações eguladas, actuando o discurso constitucional (for-
mal e materialmente) nu 1a relação que se pode ch&nru· de ol"bital. Isto é,
a Constituição se apresem., comp um momento central, como o elemento uni-
ficador e teleológico ca: az de indicar o modus de concreção do Direito.
Mas não apenas a ~alidade, como corolário da legalidade, se apre-
serlta como componente lo movimento constitucional. A legitimidade das
nOJ:lllas constitucionais (< mesmo da Constituição) também deve ser atingida
pela via discursiva, prot mdo os mecanismos de adequação e «validação»
externa do fenómeno jUI 'dico, agora visto sob a forma de um poder espe-
cífico existente por dele! 1ção. Enquanto delegação social (a titularidade do
poder juridico e constitu !lte está na sociedade) a Constituição deve corres-
ponder não apenas a um • ordem jurídica válida mas 'também legítilna, isto
é, assentada numa previs o de aceitação da sua vinculação, seja sob a fonua
de uma vontade socialm nte manifestada (Wille zur Veifassung), seja sob a
forma de um «Sentiment• •·> que corresponda à sua necessidade. De qualquer
fólma, um mínimo de e:·cácia, reconheCido até mesmo por K.ELSEN, é exi- •'
1
curso constitucional, São Paulo, 2002, págs. 180, 181,
( ) Uma reoria do d <
182 e 261. .
6- Manual tJe Oirciao Cons111 . ional, li
•• • t
·~ .
82 Manual de Direito Constitue• mal
----------~~--
gido do fenómeno jurídico para a sua actuação, ; té mesmo para a sua con-
cepç~o. . .,, · "~. :..... .·.-- ·
I
.
: .
Parte ll. - Constituição 83
.
(I) Cfr., por todos, BERTRAND
~
BADIE, Culiure et Politique, Paris, !983, ma.xime
págs. 43 e segs., 57 e 58 e segs.; MARCELO NEVES, op. cit., págs. 76 e segs.; PETER
H.i.lii!Rt,.E, Veifassungslehre und Kulturwissenschaft, 2.• ed., 1996, trad. Teoria de
la Constitución como ciencia de la cultura, Madrid, 2000, maxime págs. 34 e segs.
... ,.
Manual de Direito Constiwcional
1
( ) V. LUCAS VERD 1 ', El sentimiento COIISiitucional, Madrid, 1985, maxime
pág. 6: e, acerca das Cons1 uições do segundo pós-guerra, MAJUO DoGLIANI, op. cit.,
.. págs. 315 e segs .
i·
..
..\ : .... • ·~· ··i; :
,"' . ., . ~ I' •
1)
86 Manual de Direito Co1ttlll tc!Onal
~-----.--'---
L:..