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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO - UMESP

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

CLAUDIA MARIA POLETI OSHIRO

VIOLÊNCIA DE GÊNERO E RELIGIÃO: UMA ANÁLISE


DA INFLUÊNCIA DO CRISTIANISMO EM RELAÇÕES
FAMILIARES VIOLENTAS A PARTIR DE MULHERES
ACOLHIDAS NAS CASAS ABRIGO REGIONAL GRANDE
ABC E DE HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA

São Bernardo do Campo

2017
CLAUDIA MARIA POLETI OSHIRO

VIOLÊNCIA DE GÊNERO E RELIGIÃO: UMA ANÁLISE


DA INFLUÊNCIA DO CRISTIANISMO EM RELAÇÕES
FAMILIARES VIOLENTAS A PARTIR DE MULHERES
ACOLHIDAS NAS CASAS ABRIGO REGIONAL GRANDE
ABC E DE HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências da Religião

Área de concentração: Religião Sociedade e


Cultura

Orientadora: Profa. Dra. Sandra Duarte de


Souza

São Bernardo do Campo

2017
BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza

Profa. Dra. Naira


Dedico este trabalho às mulheres que me
permitiram adentrar seus mundos, pela
inspiração, pelo exemplo de luta, pela
resiliência e pela coragem. Pela ternura que
ainda preservam dentro de si. Gratidão!
Agradecimentos

Agradeço à minha linda família, à minha pequena Serena por todas as horas que
deixei de ficar com você para me dedicar a este trabalho, à Amanda pelo imenso
incentivo que me permite optar sempre pelo sim, pela realização dos meus sonhos. Ao
meu amigo, companheiro e amor Ricardo, pela segurança, lealdade e carinho que me
permite caminhar com confiança. Ao papai, irmãos e irmã, cunhados(as), lindas
sobrinhas, vovó, tios(as) e primos(as), que sempre me apoiam nas minhas escolhas.

Às minhas amigas, em especial à Susana, que sempre caminha ao meu lado,


obrigada por tudo! À equipe do CREAS de São Bernardo do Campo, pelo apoio e pela
contribuição especial para a realização deste trabalho: vocês são realmente especiais!
Às técnicas dos Centros de Referência “Márcia Dangremon” e ao “Vem Maria”, em
especial à Rosana e Regina, que me receberam com muito carinho e gentilmente
contribuíram para a realização desta pesquisa. A todas as mulheres que me autorizaram
adentrar suas vidas, obrigada pelo aprendizado! Aos homens que participaram desta
pesquisa, por trazer suas histórias, suas intimidades.

Agradeço à ONG Samaritano São Francisco de Assis, pela confiança na


coordenação das Casas Abrigo. Ao Consórcio Intermunicipal Grande ABC, por me
permitir estudar o cotidiano do Programa Casas Abrigo Regional e pelas informações
concedidas para a realização deste trabalho.

Ao Programa da CAPES, proporcionando bolsa de estudos. Ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP,
pelo qual fui recebida com muito carinho e prontidão. À querida Naira, pela sua
sabedoria, dedicação e paciência nos meus momentos de angústias: gratidão!

Por fim, agradeço imensamente a minha linda orientadora, que, em meio a tantos
saberes e conhecimentos, contribuiu para que eu pudesse ampliar o olhar para novos
horizontes e traçar novos caminhos. Sandra, o meu muito obrigada!
“(...) mas não sou completa, não. Completa lembra realizada. Realizada é acabada.
Acabada é o que não se renova a cada instante da vida e do mundo. Eu vivo me
completando... mas falta um bocado.”

Clarice Lispector
Resumo

OSHIRO, Claudia. Violência de gênero e religião: Uma análise da influência do


cristianismo em relações familiares violentas a partir de mulheres acolhidas nas Casas
Abrigo Regional Grande ABC e de agressores. 2017. Dissertação de Mestrado (Ciências
da Religião). Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo. 2017.

A violência doméstica é um fenômeno que nos preocupa. De forma concreta ou simbólica,


ela perpassa o cotidiano de muitas mulheres que vivenciam situações de violência
doméstica. Uma vez que construída socialmente, ao homem é posta uma posição desigual
de poder, e estas ações muitas vezes são banalizadas e reforçadas por uma sociedade que
é marcada pelo patriarcalismo. As desigualdades de gênero reforçam a violência contra
as mulheres. A minha prática demonstra que muitas destas mulheres buscam ajuda na
religião, mais especificamente com seus líderes religiosos, que, em sua maioria, além de
compactuar com a violência vivida, a reforçam através de suas crenças religiosas. Os
casos atendidos nas Casas Abrigo Regional Grande ABC atestam que muitas mulheres
não rompem com o ciclo da violência, pelo fato de pertencerem a uma instituição religiosa
e ouvirem de seus líderes discursos que legitimam a submissão e a violência contra as
mulheres. Esta pesquisa pretende identificar e analisar a influência do cristianismo nas
relações familiares violentas de mulheres católicas e evangélicas religiosas acolhidas nas
Casas Abrigo Regional Grande ABC e de autores da violência contra as mulheres dos
mesmos grupos religiosos. Procuraremos compreender as consequências da violência na
vida dessas mulheres, bem como identificar a influência da religião no exercício
masculino da agressão e na sujeição feminina à agressão. Como campo desta pesquisa
escolhemos dois Centros de Referência de Atendimento à Mulher: “Marcia Dangremon”
e “Vem Maria”, para abordagem com as mulheres. E o Centro de Referência
Especializado de Assistência Social – CREAS de São Bernardo do Campo, para a
abordagem com os autores de violência contra as mulheres.

Palavras-chave: Gênero, Dominação, Masculinidades, Violência Doméstica e Religião.


ABSTRACT

OSHIRO, Claudia. Gender Violence and Religion: An analysis of the Christianity


influence on violent family relationship from women housed in the large ABC regional
shelter homes and from aggressors. 2017. Master's Degree Dissertation (Religion
Sciences). Methodist University - São Paulo. São Bernardo do Campo, 2017.

Domestic violence is a worrying phenomenon. In a concrete or symbolic way, it pervades


the daily lives of many women who have experienced domestic violence situations. Once
socially constructed, man is placed in an unequal position of power, these actions are
often trivialized and reinforced by a society that is marked by patriarchy. Gender
inequalities reinforce violence against women. My practice shows that many of these
women seek help in religion, more specifically with their religious leaders who, in
addition to agreeing with the violence that woman has lived, reinforce it through their
religious beliefs. The cases seen at Casas Abrigo Regional Grande ABC attest that many
women do not break the violence cycle because they belong to some religious institution
and hear from their leaders discourses that legitimize submission and violence against
women. This research intends to identify and analyze the Christianity influence in the
violent family relations of Catholic and Evangelical women hosted in Casas Abrigo
Regional Grande ABC and the same religious groups' perpetrators of violence against
women. We will try to understand the violence consequences in these women's life, as
well as to identify religion's influence in the masculine exercise of aggression and in the
subjection of women to aggression. To approach these women, we chose two Reference
Centers for Women's Care: “Marcia Dangremon” and “Vem Maria” as a field of this
research. In order to approach the perpetrators of violence against women, we chose
Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS de São Bernardo do
Campo.

Keywords: Gender, Domination, Masculinities, Violence against Woman, Religion,


Domestic Violence
LISTA DE TABELAS

Figura 1 – Ciclo da violência contra as mulheres..............................................................30

Figura 2 – Tabela 1: Perfil das mulheres entrevistadas....................................................50

Figura 3 – Tabela 2: Origem das mulheres.......................................................................53

Figura 4 – Tabela 3: Cidade de referência........................................................................53

Figura 4 - Tabela 4: Mulheres por faixa etária.................................................................54

Figura 5 – Tabela 5: Mulheres por raça/etnia..................................................................55

Figura 6 – Tabela 6: Mulheres por nível de instrução.....................................................55

Figura 7 – Tabela 7: Estado conjugal das mulheres.........................................................57

Figura 8 – Tabela 8: Quantidade de filhas (os) por mulheres.........................................58

Figura 9 – Tabela 9: Profissão e situação de empregabilidade.......................................59

Figura 10 – Tabela 10: Renda atual das mulheres............................................................60

Figura 11 – Tabela 11: Religião das mulheres................................................................61

Figura 12 – Tabela 12: Religião dos pais das mulheres..................................................63

Figura 13 – Tabela 13: Tipos de violência sofrida..........................................................64

Figura 14 – Tabela 14: Tempo de acolhimento..............................................................,65

Figura 15 – Tabela 15: Perfil dos autores de violência contra as mulheres.....................66


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................13

I. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL: UMA ABORDAGEM


GERAL....................................................................................................................17
1. A VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS......................................................................17
2. VIOLÊNCIA DE GÊNERO..........................................................................................19
2.1 A violência contra as mulheres em dados..............................................................24
2.2 Violência doméstica contra as mulheres................................................................27
2.2.1 Ciclo da violência contra as mulheres...........................................................29

3. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE


VIOLÊNCIA..................................................................................................................31
4. LEI MARIA DA PENHA..............................................................................................33
4.1 Serviços especializados para homens autores de violência doméstica...................35
4.2 Formas de violência contra as mulheres.................................................................35

5. PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS


MULHERES..................................................................................................................36
5.1 Instrumentos de enfrentamento à violência contra as mulheres.............................37
5.1.1 Central de atendimento à mulher...............................................................38
5.1.2 Delegacias Especializadas..........................................................................39
5.1.3 Centros de Referência da Mulher...............................................................39
5.1.4 Casas de Acolhimento Provisório..............................................................40
5.1.5 Casas Abrigo..............................................................................................40
5.1.6 Serviços de atendimento geral...................................................................41

II. GÊNERO E RELIGIÃO.......................................................................................43


1. AS DESIGUALDADES NAS RELAÇÕES DE GÊNERO....................................43
1.1 As diferenças de gênero.....................................................................................44
2. AS MULHERES E OS AGRESSORES: TRAÇANDO UM PERFIL....................48
2.1 Universo da pesquisa.........................................................................................49
2.2 Perfil das entrevistadas......................................................................................50
2.3 Perfil dos autores da violência contra as mulheres............................................66
2.4 Discussão...........................................................................................................69
3. A RELIGIÃO COMO SISTEMA SIMBÓLICO ESTRUTURANTE.....................71
3.1 A religião............................................................................................................71
3.2 A religião e as questões de gênero.....................................................................72
III. AGÊNCIA RELIGIOSA NO PROCESSO DE ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.................................................................................78
1. A RELIGIÃO E A INFLUÊNCIA NAS RELAÇÕES FAMILIARES
VIOLENTAS.....................................................................................................78
1.1 As mulheres e o pentecostalismo.................................................................81
1.2 Religião e violência simbólica no cotidiano das mulheres..........................85

2. O PROCESSO DE RESILIÊNCIA DAS MULHERES QUE VIVERAM


SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA................................................87
2.1 As guerreiras, o sagrado e a batalha cotidiana............................................87
2.2 Masculinidade, construção social e religião................................................93

3. AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA


CONTRA AS MULHERES...............................................................................95
3.1 As lideranças religiosas como agentes no processo da violência contra as
mulheres.......................................................................................................96
3.2 O espaço religioso como referência e sociabilidade..................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................105

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................109

APÊNDICE I.............................................................................................................................116

APÊNDICE II...........................................................................................................................119
INTRODUÇÃO

A violência está presente em todas as relações e afeta o meio em que vivemos. Na


ânsia de exercer o poder, o ser humano invade o espaço do outro, espaço que não lhe
pertence. Compreender certos atos violentos não é uma tarefa simples, as agressões
cometidas contra as mulheres, a intolerância e a indignidade dos agressores nos obrigam
a buscar maiores explicações. Neste trabalho buscamos construir conhecimento a partir
da categoria de gênero, que nos permite compreender a construção social dos sexos:
masculino e feminino.

Apesar de trabalhar há muito tempo com violência, não pude deixar de sentir
tamanha indignação ao atender mulheres, com seus filhos e filhas, nas Casas Abrigo
Regional Grande ABC, ameaçadas de morte pelos companheiros. Ouvir suas histórias,
suas dores, olhar para as marcas, visíveis ou não, foi o bastante para repensar a efetividade
do trabalho profissional que estamos desenvolvendo para combater este fenômeno. A
violência contra as mulheres não é apenas uma violência comum, mas uma cultura que se
estende desde o início da nossa história. Ao questionarmos os motivos pelos quais as
mulheres viveram tantos anos sob ameaças e agressões de seus companheiros, uma das
justificativas mais comuns entre as acolhidas foi que estavam sendo “assistidas” por
lideranças religiosas nas igrejas que frequentavam, porém permaneciam em situações
violentas que quase as levaram à morte. Tais circunstâncias me despertaram para uma
envolvente e complexa indagação: existe relação entre violência doméstica e religião?
Em que medida as ações violentas de gênero são justificadas pelos discursos religiosos?
Quais são estes discursos?

O presente estudo tem como objetivo analisar se e como as instituições cristãs


contribuem, por meio de seus discursos religiosos, para a reprodução e perpetuação da
violência doméstica, tanto no que tange às vítimas quanto aos agressores, tendo como
referência as mulheres atendidas nas Casas Abrigo Regional Grande ABC. Para tanto,
almejamos que os dados coletados possam se transformar em elementos e análises que
possam contribuir para o trabalho de profissionais da área social, para elaboração de
propostas de intervenção ao enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres,
como subsídio para ações de mobilização e participação de novos atores sociais e
organizações religiosas, nas discussões sobre o enfrentamento da violência de gênero no

13
Brasil. Ressaltamos que todos os nomes mencionados nos depoimentos, tanto das
mulheres em situação de violência doméstica quanto dos homens autores de violência são
fictícios.

Esta pesquisa foi realizada com mulheres em situação de violência doméstica


acolhidas nas Casas Abrigo Grande ABC e com homens que cometeram atos de violência
contra as mulheres, indicados por técnicas que trabalham no Centro Especializado de
Assistência Social – CREAS do Município de São Bernardo do Campo. A pesquisa foi
realizada nos meses de setembro e outubro de 2016.

As Casas Abrigo Regional Grande ABC são um serviço subsidiado pelo


Consórcio Grande ABC, que foi criado em 1990 pela iniciativa do então prefeito do
município de Santo André, Celso Daniel. A sede do Consórcio está situada no município
de Santo André, sendo financiado pelas prefeituras dos sete municípios que compõem a
Região do Grande ABC: São Caetano, Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema,
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A partir de representantes destes municípios, que
têm como atribuições planejar, articular e definir as principais ações de caráter regional,
foi criado o serviço regional Casas Abrigo para mulheres em situação de violência
doméstica com ameaça de morte. A criação deste serviço foi devido à grande demanda
de mulheres que estavam sendo espancadas e ameaçadas pelos seus companheiros na
região.

Criada em 2003, as Casas Abrigo Regional Grande ABC tem como objetivo
garantir a segurança e proteção de mulheres em situação de violência doméstica e
familiar, sob risco iminente de morte, acompanhadas ou não de seus filhos e filhas
menores de dezoito anos, intervindo no ciclo da violência e propiciando sua restruturação
biopsicossocial. As mulheres acolhidas são encaminhadas pelas equipes técnicas dos
Centros de Referência dos Municípios, que realizam a avaliação do risco iminente de
morte. Elas podem permanecer nesses centros por até 180 dias, ou até que consigam
reunir condições para continuar o curso de suas vidas.

O Centro Especializado de Assistência Social – CREAS se propõe a ofertar


serviços especializados de caráter continuado a famílias e indivíduos que estão em
situação de risco pessoal e social, por violação de direitos, conforme dispõe a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais da Política da Assistência Social.

14
Para compreendermos o fenômeno que é a violência contra as mulheres e sua
relação com a religião foi percorrido um caminho bibliográfico e pesquisa de campo
conforme apontamos acima. No primeiro capítulo, abordamos conceitos sobre violência,
violência de gênero e como se relacionam entre si. Apresentamos dados sobre a violência
contra as mulheres no Brasil e as influências históricas que levaram a tamanha proporção.
Discutimos e esclarecemos as principais políticas públicas para as mulheres que estão em
situação de violência doméstica no Brasil, bem como uma explanação geral da Lei Maria
da Penha e as formas de violência contra as mulheres. Ainda neste capítulo, é apresentado
o plano nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres e os serviços públicos
especializados para mulheres que estão sofrendo violência, ofertados pelos municípios,
destacando que esta deve ser trabalhada de forma ampla e não somente no singular.

No segundo capítulo, a discussão foi baseada nas relações de gênero, as


desigualdades entre os sexos e as suas diferenças, que são construídas socialmente e são
hierarquicamente legitimadas pela sociedade. Como item fundamental desta pesquisa
apresentamos, em seguida, o perfil socioeconômico das mulheres que participaram dos
grupos focais e dos homens autores de violência doméstica entrevistados, bem como a
análise da coleta dos dados. Ainda neste capítulo, apresentamos uma reflexão sobre a
religião e a sua influência na construção das identidades dos indivíduos, bem como nas
questões de gênero.

No terceiro e último capítulo, abordamos a religião e sua influência nas relações


familiares violentas, além do seu caráter simbólico, que intervém no cotidiano das
mulheres que sofrem violência doméstica. Apresentamos em seguida o processo de
resiliência das mulheres que vivem ou viveram situações difíceis, que socializaram suas
histórias, revelando-nos os mecanismos que construíram ao longo de suas vidas para a
superação do ciclo da violência. Ainda neste capítulo abordamos a masculinidade e a sua
relação com a religião. Realizamos também uma discussão sobre o envolvimento das
instituições religiosas no enfrentamento da violência contra as mulheres, bem como os
instrumentos e recursos utilizados pelas lideranças religiosas no tocante à violência contra
as mulheres. Finalizamos a pesquisa apresentando as várias possibilidades que as
mulheres encontram nos espaços das igrejas como oportunidades de encontros sociais,
formação e propagação da ajuda mútua entre os fiéis da comunidade.

15
Sendo assim, esperamos que este trabalho contribua para uma reflexão ampla
sobre as mulheres que sofrem violência doméstica, sobre a construção social alienante,
bem como sobre o poder concedido aos homens e sobre a complexidade e subjetividade
da religião com seu caráter acalentador, confortador e, ao mesmo tempo, opressor e
regulador!

16
CAPÍTULO I

I. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL: UMA ABORDAGEM


GERAL

1 A VIOLÊNCIA E SEUS CONTORNOS

A violência, em seus mais variados contornos, é um fenômeno histórico na


sociedade construído culturalmente. Ela possui significados e atribuições diferentes,
dependendo do período histórico ou contexto social em que é praticada. Para tanto, é
necessário considerar os valores sociais pertinentes ao mesmo, ou seja, “cada sociedade
está às voltas com a sua própria violência segundo seus próprios critérios e trata seus
próprios problemas com maior ou menor êxito” (MICHAUD, 1989, p. 14). Portanto,
podemos considerar que, quando se trata de ações violentas, as mesmas são interpretadas
pela sociedade de forma ambígua e relativa.

Ela está igualmente presente nos rituais simbólicos, em que os cidadãos baseiam
suas práticas sociais através de comportamentos, linguagens, gestos e símbolos. Esse
fenômeno se sofistica através da modernização da sociedade, e suas consequências
variam entre danos físicos, psicológicos, morais, culturais e econômicos. Em outros
termos, a violência material e a violência simbólica estão conectadas.

Baseada no senso comum, a violência é entendida como qualquer agressão física


contra seres humanos, cometida com a intenção de lhes causar sofrimento, afetando o
meio em que vivem e as relações interpessoais. A ideia de violência está ligada ao
conceito de poder e subordinação, refere-se a “um processo relacional, pois deve ser
entendido na estruturação da própria sociedade e das relações interpessoais, institucionais
e familiares” (FALEIROS, 2007, p. 7). Muitas atitudes violentas são consideradas
decorrentes do desejo de exercer o poder, e isso ocorre porque, muitas vezes, as normas
estabelecidas para o bem comum são rompidas, afetando a convivência pacífica do mundo
das trocas e gerando violência.

17
Hannah Arendt (1994) entende que a violência abriga em si mesma um elemento
adicional de arbitrariedade. Para ela, poder, vigor, força, autoridade e violência seriam
simples palavras para indicar os meios em função dos quais o ser humano domina o ser
humano. Neste sentido, a violência exerce uma função de manutenção do poder, até
mesmo contra aqueles que são julgados pela maioria. A autora afirma ainda que:

Politicamente falando, é insuficiente dizer que o poder e a violência não são o


mesmo, poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro
será ausente. A violência aparece onde o poder está em risco, mas deixada a seu
próprio curso, ela conduz a desapropriação do poder (...) falar de um poder não
violento é de fato redundante. (ARENDT, 1994, p. 43).

Neste sentido, numa relação conflituosa, a violência é praticada quando os


agressores se veem perdendo o poder, aflorando assim um sentimento de insegurança.
Quando ditam suas regras e as mesmas não são obedecidas, sentem-se incapazes, ou
ainda, querem obrigar as pessoas a realizar seus desejos. Em se tratando da violência
intrafamiliar, por exemplo, as agressões são perpetradas quando não existe mais a
possibilidade de diálogo entre os membros da família, e as vítimas muitas vezes são
silenciadas pelas agressões. Portanto, a perda da autoridade, que ameaça a masculinidade
hegemônica, contribui para as transformações nas tradicionais relações de poder.

Atualmente, no Brasil, estamos vivendo uma fase de ressignificação da violência,


uma vez que ela pode ser considerada “ambígua e relativa” (PORTO, 2000, p. 2). Em se
tratando da violência contra a mulher, por exemplo, há poucas décadas, estes episódios
eram tratados somente na esfera privada e não eram entendidos como violência.
Conforme Porto (2000, p. 190), “a criminalização de atos de violência contra a mulher
sinaliza para novos sentidos do que se considera violência, o que reflete outro estatuto da
condição feminina.” Durante muitas décadas, várias práticas violentas eram naturalizadas
e consideradas costumeiras de modo que, regulamentadas em práticas sociais, se
tornavam “fundadas em uma rígida hierarquização do social que instituía a desigualdade
como processo legítimo, por assim dizer, de estruturação do social” (PORTO, 2000, p.
190). As violências estão inseridas no contexto das transformações do mundo
contemporâneo; desta maneira, estabelece-se como um fator importante de transformação
do social. Não podemos deixar de considerar que “os grupos sociais, atores desta
violência, impõem formas de regulação a partir da própria lógica da violência” (PORTO,
2000, p. 196) e, consequentemente, estes atores se manifestam através das mais diversas
formas de violência. Uma grande preocupação é que muitas mulheres que convivem com
18
a violência desde a infância, embora se incomodem com os comportamentos machistas e
agressivos dos companheiros, podem perceber as relações conflituosas como algo
esperado ou até mesmo natural, o que acarreta manter-se nesse tipo de relação por muitos
anos ou até o fim de suas vidas.

Considerando os processos sociais em que a sociedade brasileira vem


conquistando “patamares de civilidade” (PORTO, 2000, p. 3), certos atos de violência
passam a ser inaceitáveis. A criação de redes de proteção às mulheres, as denúncias
realizadas através dos meios de comunicação, por exemplo, são súplicas da sociedade
para enfrentar a violência de gênero. Embora tenhamos avançado, ainda há um longo
caminho a percorrer no sentido de garantir maior visibilidade ao fenômeno, que é a
violência de gênero.

2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Para que se possa compreender a complexidade do fenômeno da violência de


gênero, faz-se importante compreendê-lo. A violência de gênero, que se perpetuou
durante décadas de dominação do masculino sobre o feminino, está se desmistificando a
partir do entendimento de que a construção de identidades está firmada na cultura. Judith
Butler, ao estudar sexo e gênero, concebeu o sexo e o gênero como construções.
Diferentemente do entendimento dominante, a autora afirma que: “...talvez o sexo sempre
tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre o sexo e gênero revela-se
absolutamente nenhuma” (BUTLER, 2003, p. 25). Neste sentido, passamos a
compreender que o sexo não é natural, mas ele é também discursivo e cultural, assim
como o gênero, de sorte que, ao entendermos que o gênero é construído socialmente,
inferimos também que ele expressa a essência do sujeito (REZENDE, 2012). Partindo
deste pressuposto, a violência de gênero é entendida como uma relação de poder entre
homens e mulheres com participação desigual das mulheres na sociedade, devido à sua
condição sexual, que são as relações sexuais de gênero.

Transmitida de geração a geração, foi somente no início dos anos 1980 que a
violência de gênero foi considerada no Brasil como um problema social. Isso se verificou
em virtude da visibilidade nas mídias de alguns casos extremados de violência
perpetrados por parceiros íntimos, capazes de sensibilizar a opinião pública (MORAES,
2009).

19
O conceito de violência de gênero é amplo, podendo ser utilizado não como
sinônimo de violência contra as mulheres, mas em todas as relações, já que abrange
mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos, presente especificamente nas
violações dos direitos, por parte, sobretudo, de agressores que, na sua maioria, são
homens (SAFFIOTI, 2001, p. 115), pois a violência de gênero é de ordem patriarcal.

O poder masculino pode ser observado em várias atitudes. De acordo com


Heleieth Saffioti, muitas vezes o homem comporta-se como um “sujeito desejante em
busca de sua presa” (Saffioti, 1987, p. 18). Pudemos constatar essa realidade em nosso
campo de pesquisa.

Joana, 30 anos, uma mulher que fugiu de sua casa com os dois filhos para não ser
morta pelo ex-companheiro, ficou acolhida com sua prole na Casa Abrigo para mulheres
em situação de violência doméstica. Ao falar sobre a violência do companheiro, afirmou:

Ele dizia pra mim: ‘Se você não fizer o que eu quero agora, eu te mato; se você
sair pela porta eu te mato também; se você fugir, o dia que eu te encontrar eu te
mato; se você ficar dentro de casa eu te bato até você ficar no chão. Você
imagina que se eu te encontrar fora de casa quando eu te achar eu te mato, e se
eu não te achar eu vou matar toda a sua família, um por um, até você se entregar
para morrer.’

Atitudes como essas não podem ser vistas apenas como um ato violento. São ações
e ameaças que precisam ser analisadas e interpretadas considerando a construção social
dos papéis de gênero. O que pode levar um homem a sentir-se dono de uma mulher? O
que autoriza este homem a ameaçar, agredir e aprisionar uma mulher?

A situação das mulheres é fruto de um processo histórico de construção social da


subordinação feminina. A identidade feminina foi construída como dócil, frágil, fraca e
inferior; em contrapartida, o homem é entendido como forte, macho, racional e superior
(Saffioti, 1987). Se considerarmos tais características, será possível compreender as
relações de dominação-exploração estabelecidas entre homens e mulheres que vivenciam
situações de violência. A incidência de mulheres com o perfil de Joana demonstra que
novas construções podem contribuir para novas verdades.

A identidade feminina é estruturada pela inserção das mulheres no universo


doméstico e sua responsabilidade por ele, até mesmo pela manutenção da harmonia no
lar, pelos cuidados com a prole e pela reprodução dos valores e crenças da família

20
(MACHADO, 1996). Em nossa cultura, desde crianças, as meninas são socializadas para
atender às necessidades dos homens, ainda que sejam pai e irmãos, enquanto que as suas
são geralmente secundárias. É veiculado pela mídia o papel da mulher perfeita, da mulher
ideal enquanto cuidadora, dedicada e abnegada, sendo o homem o ser mais importante e,
depois, os filhos, preferencialmente os meninos. Outra crença de gênero que abala muitas
mulheres em nossa sociedade, é que a sexualidade dos homens é incontrolável e que os
mesmos necessitam “ser servidos” e jamais contrariados, posto que seus desejos são leis
pré-estabelecidas que devem ser cumpridas.

O relato das mulheres que quase foram mortas por seus companheiros, demonstra
claramente tal afirmação. O contrato matrimonial, legalmente estabelecido, contribui para
o controle da sexualidade feminina pelo homem, para o conhecido “dever sexual”, que
obriga as mulheres a manter relações sexuais mesmo sem o desejo de fazê-lo. Esta forma
de violência é muito comum nas relações matrimoniais. O depoimento de Joana, que
também sofreu violência sexual da parte do ex-companheiro e que, durante vários anos,
silenciou sua dor para que ele não matasse a família, ilustra tal afirmação:

Ele me estuprava. Eu não aceitava até ele me proibir de ir na casa dos meus
parentes.

Para Joana, nada foi tão cruel quanto a violência sexual que estava sofrendo. Além
do estupro, tinha que ouvir jargões machistas como:

‘Não se faça de difícil porque sei que você gosta’ ou ele me ameaçava, quando
eu tentava sair daquela situação, e me enforcava até eu quase morrer. Daí, eu
acabava cedendo.

Sem suportar mais tanta violência, Joana foi buscar ajuda técnica no Centro de
Referência Especializado da Mulher:

Em outras situações, eu até aceitava e ficava quieta mesmo; mas quando chegava
a violência sexual eu não dava conta, eu não aceitava, eu não aguentava mais
aquela situação, e aí eu fui buscar os meus direitos.

Estudos1 revelam que comportamentos de ameaças e intimidação são típicos de


homens perversos. Um fator que estimula tal violência tem a ver com o fato de que

1
Estudos de Frieze I. H. & Snyder, H. N. Children’s beliefs about the causes of success and failure in
school settings. Journal of Educational Psychology, 72: 186-96, 1980; Citado por: Narvaz, M. G., &
Koller, S. H. (2004). Famílias, gênero e violências: desvelando as tramas da transmissão transgeracional

21
homens que foram socializados em famílias em que as mulheres eram vistas como
patrimônio do homem, sentem-se no direito de tratá-las como tal, impedindo sua
autonomia e desrespeitando sua privacidade. Existem outros fatores que devem ser
considerados como, por exemplo, o fato de que muitos homens acreditam que tais atitudes
fazem parte de sua masculinidade e encontram na violência uma única forma de resolver
conflitos.

Com tanto poder conferido ao homem, ele se sente no direito não somente de
manter relações sexuais com a companheira contra a vontade dela, mas ainda de usá-la
para satisfazer seus desejos mais secretos. Tal situação é demonstrada no triste
depoimento de Luana, 48 anos, que viveu sob violência e ameaças durante anos. Seu ex-
companheiro tinha desejos que ela não aceitava; porém, seu poder e fascínio pelo seu
objeto de desejo obrigava Luana a passar por situações humilhantes e imensamente cruéis,
conforme relata:

Ele contratou um travesti na Av. Industrial para transar comigo na frente dele.
Ele comprou um filme pornô e eu tinha que escolher um daqueles homens do
filme. Mesmo eu chorando, ele me obrigava a escolher um, e eu dizia: ‘Meu
Deus, isso é nojento! Isso é tudo nojento’.

Culturalmente, o homem possui papel “ativo” na relação sexual, enquanto que o


papel feminino é entendido como de passividade e reprodução. Ainda muito timidamente,
as mulheres estão se posicionando e conquistando seu lugar igualitário ao dos homens na
sociedade. Todavia, muitos são os obstáculos. A sociedade investe muito na naturalização
deste processo, quando afirma, por exemplo, que é a capacidade natural da mulher de ser
mãe que a faz cuidar melhor dos filhos e filhas do que os homens. Isso reforça um
comportamento dos homens livre de responsabilidades com a prole e com os cuidados
domésticos. Em entrevista com Fabricio, 44 anos, ele relata sua dificuldade em lidar com
a companheira e com as mudanças no comportamento feminino:

As coisas estão mudando um pouco. As mulheres estão perdendo a noção da


situação. Hoje em dia, vocês estão na posição que chegaram e vocês estão
abusando. As mulheres estão perdendo o sentido do bom senso, tem que ter uma
diretriz de igualdade, de divisão.

Este relato apresenta claramente a dificuldade dos homens em dividir seu lugar de
poder na sociedade, em função de ser um lugar muito confortável e de privilégios. No

da violência de gênero. Em M. N. Strey, M. P. R. de Azambuja, & F. P. Jaeger (Orgs.), Violência, gênero


e políticas públicas (pp.149-176). Porto Alegre: Editora da PUCRS.

22
caso de Joana, assim como em muitos outros, ela e sua família sobreviveram a sacrifícios
e renúncias, originados pela situação de alta vulnerabilidade social à qual estavam
submetidas. Inserida em um cotidiano de luta pela sobrevivência, ela necessitava
trabalhar para subsidiar o sustento dos filhos. Segundo Joana, o ex-companheiro e
agressor não admitia que ela se ausentasse do ambiente doméstico sem sua companhia e,
por ciúmes, era contra uma vida profissional ativa. Assim, ela era espancada quando se
atrasava. Além de todas as responsabilidades que assumia, ela enfrentava as dores de
confiar suas crianças a estranhos quando estavam doentes ou quando não tinha com quem
deixá-las em sua ausência. A cruel realidade das mulheres incumbidas de cuidar dos
filhos, da casa e, ainda, de prover o sustento da família, fundamenta o depoimento de
Joana, quando ela relata que ser mulher: “É ser firme, é enfrentar muitos preconceitos e
dificuldades no serviço, quando temos que sair para trabalhar com o coração frouxo,
porque é nosso filho que está doente.”

A sobrecarga de responsabilidades, a dupla jornada de trabalho e a vulnerabilidade


à qual Joana estava exposta, fizeram com que ela se tornasse de fato uma guerreira. Muitas
mulheres estão presentes no mercado de trabalho não só pelo prazer, pela conquista de
autonomia e independência, mas também para contribuir para o orçamento doméstico.
Pode-se considerar que esta é uma relação atual de gênero, à proporção que ela deixa
simplesmente de encarregar-se dos afazeres domésticos, como ocorria habitualmente com
a maioria das mulheres, há tão poucas décadas. Neste sentido, como caracterizar tais
mudanças?

Nas relações de gênero, também os privilégios usufruídos pelos homens são


transmitidos, principalmente na família. Isso é visível quando se trata da educação das
crianças. Não é difícil encontrar casais que transmite aos filhos e filhas um padrão de
comportamento diferenciado entre eles, ou seja, muitos são extremamente liberais com
os filhos e rigorosamente moralistas com as filhas. Tais valores repassados por gerações
estão ainda hoje bastante presentes em nossa cultura. Para a sociedade, a mulher necessita
estar sempre pronta para aceitar qualquer atitude falha do companheiro, mesmo quando
ambos estão comprometidos pelo matrimônio. Não é raro conhecer mulheres que aceitam
aventuras amorosas de seus companheiros e, ainda assim, permanecem na relação, dado
que “a resignação, ingrediente importante da educação feminina, não significa senão a
aceitação do sofrimento enquanto destino da mulher” (SAFFIOTI, 1987, p. 37). Na
qualidade de sofredora, submissa, compreensiva e fiel, a mulher tem como destino

23
compadecer-se de sua provação e, por isso, receber aplausos da sociedade pela sua
fidelidade e resignação.

Muito diferente ocorre quando a esposa não se mantém fiel. Se ela decide infringir
as normas estabelecidas pelo matrimônio ou se deseja separar-se do companheiro e este
não concordar, ou ainda, se este simplesmente suspeitar que ela possa estar interessada
em outro homem, além de receber desaprovação da sociedade por ter sua honra
manchada, sente-se no direito de ameaçá-la, espancá-la e, ainda, assassiná-la. Crimes
assim não são somente banalizados pela sociedade, como autorizados por ela, já que a
sociedade não apenas aceita o adultério masculino, mas culpabiliza a mulher pelos
caminhos incertos do matrimônio.

2.1 A violência contra as mulheres em dados

Ainda nos dias de hoje, diariamente, os meios de comunicação noticiam diversos


casos de violência contra a mulher em contexto urbano que passaram a ser destaque
devido ao aumento de sua ocorrência e de sua intensidade. Tais notícias, porém,
classificam genericamente essas violências como “urbanas”, não especificando o tipo de
crime cometido. Trata-se, por exemplo, de feminicídio, violência doméstica, estupro,
crimes motivados pelo preconceito, violação dos direitos humanos.

A violência doméstica fatal contra as mulheres no Brasil, no ano de 2015, atingiu


mais de 4.700 mulheres e 50,3% do total nesse ano foram perpetrados por um familiar da
vítima que representa perto de sete feminicídios diários. Dessas mulheres, 1.583 foram
mortas pelo parceiro ou ex-parceiro, o que representa 33,2% do total de homicídios
femininos nesse ano (Waiselfisz, 2015, p. 8). Estes números indicam a existência de um
problema gravíssimo, agudo e de longa duração, o feminicídio2 íntimo. Para a socióloga
Lurdes Bandeira, o conceito de feminicídio está diretamente ligado ao poder patriarcal:

O feminicídio representa a última etapa de um continum de violência que leva à


morte. Seu caráter violento evidencia a predominância de relações de gênero

2
Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Em 9 de março de 2015, foi
aprovada a Lei nº 13.104/2015, a Lei do Feminicídio, que altera o art. 121 do Decreto-Lei no. 2.848, de 7
de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime
de homicídio, e o art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos
crimes hediondos. Dar maior visibilidade ao problema é um dos principais ganhos desta lei. Segundo
especialistas, a tipificação é vista como uma oportunidade para dimensionar a violência contra as mulheres
no Brasil, bem como aprimorar políticas públicas para preveni-la e coibi-la.

24
hierárquicas e desiguais. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos
e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação
masculina e a um padrão cultural de subordinação que foi aprendido ao longo
de gerações. (BANDEIRA, 2013, p.1).

O feminicídio representa a última etapa depois de muitas agressões físicas e


psicológicas, a que leva à morte. As mulheres são submetidas à dominação masculina,
um padrão cultural de subordinação das mulheres aos homens, o qual foi aprendido ao
longo de muitas gerações, podendo ser entendido como um sistema de dominação
patriarcal e misógino (BANDEIRA, 2013). Os pressupostos mais comuns deste crime são
a premeditação e a intencionalidade de sua consumação. Entre suas características,
apontamos: destrói o corpo feminino com ações de crueldade; é perpetrado com meios
sexuais; possui caráter violento; evidencia relações de gênero desiguais e hierárquicas;
sobrepõe diversas violências no mesmo corpo; ocorre como um processo de terror,
humilhação, como mamilos arrancados, mutilação dos órgãos genitais. Muitas mulheres
que sofrem violência chegaram ao limite entre viver ou morrer: por sorte ou por uma
casualidade, livraram-se da morte por muito pouco. A história de Edilia, 45 anos, relata
uma das situações de horror que viveu por anos:

Muitas vezes, ele me mandava ficar de joelhos como se ele fosse uma autoridade
para me agredir. Uma vez ele deu uma paulada na minha cabeça e eu levei vinte
pontos e quase morri. Ele me agredia de todas as formas que você pode
imaginar.

A violência cometida pelo companheiro de Edilia era meticulosamente planejada


e se repetia dia após dia. O companheiro fazia com que ela se percebesse em uma relação
de dominação. Segundo o Dossiê Violência contra as Mulheres, realizado pela Agência
Patrícia Galvão, 2014: “A violência sexual é a mais cruel forma de violência depois do
homicídio.” Ela trata da apropriação do corpo da mulher. O agressor está se apropriando,
sem consentimento, daquilo que há de mais íntimo. O Ministério da Saúde estima que
mais de 500 mil pessoas são estupradas no Brasil a cada ano. E de acordo com a Nota
Técnica Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (Ipea, 2014) 3,
estima-se que, no mínimo, 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e que, destes
casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia. Não há ainda números efetivos
sobre a violência sexual cometida por parceiros íntimos, visto que muitas mulheres,

3
IPEA, 2014. Disponível em: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/pesquisas/estupro-no-
brasil-uma-radiografia-segundo-os-dados-da-saude-ipea-2014/ Acesso em 10 dez. 2016.

25
mesmo sem desejo, acreditam que é obrigação da mulher “servir” ao marido. Desse modo,
muitas não reconhecem a violência sexual que sofrem ou, se reconhecem, optam por não
denunciar o parceiro, em sua maioria por medo de morrer, como o que se passava com
Edilia, que sofreu todos os tipos de violência, inclusive cárcere privado, e sentiu na pele
o terror do estupro por anos a fio: “Se você não quiser o que eu quiser agora eu te
arrebento, se você sair eu te arrebento e se você fugir eu pego seus filhos eu mato eles, e
aí eu ficava morrendo de medo.” Segundo Edilia, as agressões foram se tornando cada
vez mais violentas, a ponto de ter que fugir, mesmo sabendo que, se o companheiro a
encontrasse, ela morreria.

As agressões perpetradas pelos parceiros íntimos são uma das formas mais
comuns de violência contra a mulher. Parentes imediatos ou parceiros e ex-parceiros são
responsáveis por 67,2% do total de atendimentos na saúde4. Em relação às formas de
violência sofrida, a violência física é, de longe, a mais frequente, presente em 48,7% dos
atendimentos, com especial incidência nas etapas jovem e adulta da vida da mulher,
quando chega a representar perto de 60% do total de atendimentos. Em segundo lugar, a
violência psicológica, presente em 23% dos atendimentos em todas as etapas,
principalmente de jovens em diante. Estes tipos de violência podem ser enquadrados
dentro da violência doméstica, dado que a mesma se expressa nas relações interpessoais
familiares, baseadas nas relações de gênero hierarquizadas, baseadas nas estruturas da
sociedade: classe, gênero e etnia (MORGADO, 2012). Os números de violência contra as
mulheres apresentados acima são impactantes. As próprias considerações da pesquisa
registram o fenômeno da seguinte forma:

A questão atual centra-se nas proporções inéditas que o fenômeno vem


assumindo. Ano após ano, observamos, com mistura de temor e indignação, que
o País vem quebrando suas próprias marcas, numa espiral de violência sem
precedentes. (Mapa da Violência 2015, Homicídios de Mulheres no Brasil,
2015).

A violência doméstica contra a mulher sempre existiu no Brasil, e pesquisas


mostram que a maior parte não registra queixa por constrangimento e humilhação, ou até
por medo da reação do parceiro, pois é muito comum ela sofrer ameaças inclusive de
morte, caso revele o ocorrido. É importante ressaltar que a violência sexual

4
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf Acesso em:
15/12/2016.

26
frequentemente é associada a outras violências, como a física e até mesmo a psicológica,
principalmente quando o agressor é um companheiro.

2.2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA AS MULHERES

O espaço doméstico é tido muitas vezes como espaço de conflitos, aquele que
pode ser de extremo perigo, de modo que é nele que se estabelece o confronto da
disciplina, da dominação e da resistência, em que as relações entre o casal são permeadas
por abusos físicos, psicológicos, sexuais, morais, entre tantos outros.

A violência doméstica é praticada por aqueles que convivem no espaço doméstico


e não se restringe aos familiares, mas inclui aqueles que trabalham diretamente ou
convivem na mesma residência. Em sua maioria, é praticada por homens que se acham
no direito de dominar o espaço físico e simbólico. A violência doméstica também pode
ocorrer fora dos limites físicos da residência, ainda que a principal característica é ser
praticada por conviventes, mas não exclusivamente naquele local. Diferentemente dos
animais, para os seres humanos, o território do domicílio é considerado simbólico, de
modo que, numa relação, o homem pode praticar violência contra a companheira fora dos
limites físicos da residência, por considerar a relação conflituosa entre eles.

As agressões cometidas pelos parceiros íntimos constituem uma das formas mais
comuns de violência contra a mulher. Em passado não muito distante, estas agressões não
configuravam nenhuma espécie de crime ou delito, pelo contrário: eram atos legitimados
pelo regime patriarcal e estimulados pela sociedade, posto que estes casos não eram
denunciados. Os direitos negados às mulheres são historicamente conhecidos no Código
Penal de 1940. Por exemplo, nele constava a criminalização de condutas ofensivas à
virgindade, tal como o crime de defloramento. Por muitos anos, o texto penal foi
compreendido e pautado pela moralidade sexual do sistema patriarcal, o qual era baseado
em critérios discriminatórios e excludentes.

Analisando as histórias de mulheres que foram acolhidas nas Casas Abrigo


Regional Grande ABC, inicialmente os depoimentos se revelam com requintes de
crueldade e perversidade. Ainda assim, as mulheres marcadas pelo horror da ameaça de

27
morte procuram sobreviver e dar continuidade a suas vidas e buscam força e coragem
para romper com padrões familiares de violência.

Não é de se admirar que as agressões contra as mulheres são vistas na sociedade,


quase sempre de forma naturalizada: presentes no cotidiano de muitos lares, as atribuições
sociais de homens e mulheres são postas de forma diferenciada, em que aos homens é
permitido o poder de decisão e, consequentemente, à mulher, a sujeição. Nesta relação, o
agressor, geralmente, faz uso de formas violentas para alcançar e satisfazer seus objetivos,
sentindo, muitas vezes, a “necessidade” de deixar marcas no corpo da mulher que
mostram quem é o dono daquele corpo, porque é o “corpo marcado que determinará a
imediata relação de poder” (FOUCAULT, 1993, p. 148).

A naturalização da violência favorece a invisibilidade das ações dos agressores, visto


que muitos deles não reconhecem suas ações como crime e se referem às denúncias
realizadas pelas suas companheiras como ato abusivo. Abaixo, apresentamos o
depoimento de Pedro, que, detido, se sentia imensamente incompreendido:

Cheguei na delegacia e já fui mostrando a carteirinha do médico e o delegado


não quis nem ver; pegou, mandou o policial pegar no meu braço e me jogou no
‘curralzinho’ e ela me deu as costas. Minha amiga, aí eu vi o negócio arrochar
para o meu lado e a minha coluna doía muito, e lá estava tudo sujo. Eu fui
obrigado a deitar no chão, eu estava ainda com roupa de dormir. Fiquei
encolhido no chão [...] eu disse para ele: ‘Estou preso só porque eu discuti com
a minha mulher; não sei o que eu posso fazer em relação a isso [...], eu não fiz
nada de errado’.

A violência física e psicológica cometida foi de tal forma banalizada por Pedro,
que ele não identificou as agressões como uma ação criminosa. Muito pelo contrário:
sentiu-se imensamente injustiçado, pois considerava que seu problema de saúde era muito
mais grave que o espancamento praticado contra a companheira.

Sair de uma situação de violência que durava anos a fio assemelha-se a lutar numa
guerra e sair ilesa. As agressões físicas, morais e psicológicas levam as mulheres a chegar
aos seus limites, e a maioria delas traz consigo medos, angústias, além de terem pré-
disposição para desenvolver doenças mentais, as quais ainda são vistas com descaso e
indiferença pela sociedade. As histórias têm suas particularidades, porém todas possuem
o mesmo perfil: o poder dos homens em relação às mulheres. No caso de Bruna, 33 anos,

28
que carrega no corpo cicatrizes e dores, em virtude da tentativa de homicídio que sofreu
pelo ex-companheiro, por muita sorte está viva. Segundo ela, o motivo principal era o
fato de ter começado a trabalhar numa lanchonete. Socorrida pelo próprio companheiro,
que levou Bruna até à frente de um hospital, ela conseguiu sobreviver e, atualmente,
trabalha como doméstica e cuida das duas filhas:

Ele planejou tudinho meticulosamente, tudo que ia fazer [...] eu entrei no carro
e parecia que tudo estava normal, levou chocolate pra mim, caixa de bombom e
eu nem acreditei porque ele nunca tinha levado nada. [...] mas logo percebi que
tinha alguma coisa errada [...] aí eu senti que ia acontecer alguma coisa comigo,
tentei abrir a porta do carro, mas estava trancada e eu comecei a gritar, mas
não adiantou. Aí ele pegou e puxou a faca do banco do carro e nisso, lá dentro
do carro, me deu sete facadas. Na hora eu achei que ia morrer e a única coisa
que eu falei pra ele: ‘Por favor, cuide das minhas filhas, eu só te peço isso.’

2.2.1 Ciclo da violência contra as mulheres

As agressões e as ameaças contra as mulheres por seus companheiros ou ex-


companheiros são contínuas; porém, no decorrer do tempo, passam a ficar cada vez mais
graves e sérias. Elas não são um episódio, mas um processo, um ciclo contínuo que, sem
uma oportunidade de interrupção, tende a permanecer alternando tensão, violência e
pedido de desculpas. Mirtes, 40 anos, foi ameaçada de morte pelo companheiro e
socorrida pela liderança religiosa da igreja que frequenta, mas ainda acredita que ele pode
mudar:

Uma das qualidades que eu tenho é uma coisa muito boa, que é a de perdoar, eu
perdoo fácil, eu perdoei meu marido, porque eu sei que ele precisa de ajuda. Eu
tirei a queixa dele e conversei com as minhas filhas pra elas perdoar ele e falei
que todo mundo merece perdão. Se a gente não perdoar aquele que nos ofende,
nós também não merecemos perdão. A falta de perdão, ela prejudica mais a
gente do que a própria pessoa.

Assim como Mirtes, muitas mulheres, acreditando que o agressor pode mudar de
forma milagrosa, sem nenhuma intervenção socioeducativa, retomam a relação
conflituosa ou nela permanecem. Este processo de idas e vindas é chamado de “ciclo da
violência”. Este ciclo é apenas um padrão geral que, em cada caso, se manifestará de
modo diferenciado, em que os próximos incidentes poderão ser ainda mais violentos e
repetir-se com maior frequência e intensidade, terminando, muitas vezes, em assassinato.
As mulheres sentem-se presas a essa relação de fases, pois, logo depois das agressões e
das brigas, o companheiro se mostra amoroso, arrependido, com promessas de que nunca

29
mais irá agredi-la; ele se desculpa com o intuito de que a mulher se sinta suficientemente
forte para a manutenção da relação. Nesta ciranda, a mulher busca salvar a relação,
acreditando no arrependimento do companheiro e desistindo de deixá-lo. Em pouco
tempo, a relação volta a ficar tensa até o momento em que as agressões se reiniciam e, a
cada dia, se tornam cada vez mais violentas.
O ciclo da violência é composto por três fases: tensão, explosão e lua de mel.

Fonte: BRASIL. Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência


Contra a Mulher – Plano Nacional/ Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Brasília, 2003. p.58.

30
3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE
VIOLÊNCIA

Os movimentos feministas e organismos internacionais vêm lutando para fazer


valer os direitos de todas as pessoas, inclusive os direitos das mulheres. A Organização
dos Estados Americanos – OEA, em 1994, afirmou que a violência contra as mulheres
constitui violação dos direitos humanos das mulheres e estão pautados na eliminação de
todas as formas de discriminação e violência praticadas contra elas.

Em 1948, a Organização das Nações Unidas aprovou a primeira “Declaração


Universal dos Direitos Humanos”, em que está estabelecido, em seu artigo 2º, que os
direitos humanos são inalienáveis, universais:

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas


nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou
social, nascimento, ou qualquer outra condição. (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS – ONU, 1948).

Apesar de tais tratados registrarem a não discriminação e a igualdade entre


homens e mulheres, a realidade não condiz com o que vemos, de modo que a prática
evidencia a violação sistemática deste documento. Diante de tantas evidências e
transgressões, surgiu a necessidade de se realizar conferências e convenções, de forma a
reforçar o reconhecimento, a garantir e implantar os direitos das mulheres no plano
sociojurídico nos Estados. Tais ferramentas são importantes na luta pela garantia dos
direitos das mulheres, no combate ao preconceito e à discriminação.

Em se tratando de registros históricos, em 1945 já se estendia a participação das


mulheres, principalmente na elaboração dos conteúdos da Carta das Nações Unidas, que
afirmou a garantia dos Direitos Humanos baseados na igualdade entre homens e mulheres.
No ano de 1975, houve a primeira conferência mundial sobre a situação jurídica e social
da mulher, realizada no México e convocada pela Commission on the Status of Woman
(CSW). A Organização das Nações Unidas (ONU) retirou em definitivo as questões de
gênero do âmbito particular dos Estados e passou para a realidade internacional, de forma
que os objetivos foram ampliados para a esfera global (ALMEIDA; BANDEIRA, 2015).

31
A Comissão Interamericana de Mulheres (CIM), incorporada à OEA como um
organismo especializado de caráter técnico permanente, que tem como finalidade apoiar
os Estados-membros em seus esforços para garantir o direito das mulheres e a igualdade
de gênero, possui também uma importante função, que é “formular estratégias
direcionadas a transformar os papéis e a relação entre as mulheres e homens nas esferas
públicas e privadas” (ALMEIDA; BANDEIRA, 2015, p. 505). Neste sentido, a CIM, com
a missão de estudar as formas e os meios para prevenir a violência contra a mulher,
elaborou um texto que resultou em um projeto aprovado pelos parlamentares em 1994.
Neste mesmo ano, na Assembleia Geral da OEA, em Belém do Pará, a CIM apresentou
este projeto como Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra as Mulheres, a chamada “Convenção de Belém do Pará”, que define por si só e
com nitidez, o que é considerado violência contra as mulheres e, pela primeira vez, foi
estabelecido o direito de as mulheres viverem uma vida sem violência.
Não podemos deixar de considerar que, em Beijing (Pequim), já em 1995, foi
realizado outro evento também de suma importância, que foi a IV Conferência Mundial
sobre a Mulher, em que foram reconhecidos, definitivamente, os direitos humanos em sua
Declaração e Plataforma de Ação.

A Convenção de Belém do Pará foi marcada por quatro premissas que fazem parte
do texto inicial do Tratado Internacional que adotou a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conforme foi mencionado acima.
São elas:

‘A violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos


humanos’; ‘A violência contra as mulheres é uma ofensa à dignidade
humana e uma manifestação das relações de poder historicamente
desiguais entre mulheres e homens.’; ‘A violência contra a mulher
transcende todos os setores sociais’; ‘A eliminação da violência contra
as mulheres é condição para o desenvolvimento igualitário’.
(BANDEIRA;ALMEIDA, 2015).

A Convenção de Belém do Pará significou um grande avanço em relação à defesa


dos direitos das mulheres, pois nela está estabelecido que “a violência contra as mulheres
envolve qualquer ação ou conduta baseada em seu gênero, que lhe cause morte, dano ou

32
sofrimento físico, sexual, psicológico, tanto na esfera privada como na esfera pública”5.
Consequentemente, a definição de violência foi ampliada já que, anteriormente à
convenção, o assunto era tratado somente com base na violência física, num viés
totalmente descontextualizado e conservador. A partir de então, a violência passou a ser
compreendida conforme a condição de gênero. Ao mesmo tempo, trata-se de um
instrumento sociojurídico que se opõe à violência contra a mulher, além de permitir que
a denúncia interna dos Estados seja deslocada para o plano internacional, conforme se
sucedeu com o caso da Maria da Penha6. Como resultado de tais ações, em agosto de
2006, foi sancionada a Lei 11.340, a chamada Lei Maria da Penha, que passou a ser um
marco histórico no combate à violência contra as mulheres no Brasil.

4 LEI MARIA DA PENHA

Os movimentos feministas brasileiros vêm lutando com o objetivo de alcançar


reformas políticas e jurídicas referentes à violência contra as mulheres. Neste sentido,
vários avanços foram alcançados na esfera da justiça criminal, com a implementação de
políticas públicas que atendem às necessidades emergentes das mulheres que estão em
situação de violência doméstica. Uma das conquistas mais importantes foi a Lei Maria da
Penha, pelo motivo de que “nesta lei é sistematizado um estatuto único das conquistas
históricas do feminismo (...), que cria novas situações jurídicas que impõem mudanças”
(CAMPOS; CARVALHO, 2013, p. 143). A Lei Maria da Penha, que trata da violência
doméstica e familiar contra as mulheres, é fruto do engajamento do Estado brasileiro no
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos das mulheres. A luta dos
movimentos feministas por uma vida sem violência possibilitou a aprovação desta lei,
que é uma conquista muito importante de exercício de uma cidadania ativa.

5
Esta e as demais premissas fazem parte do texto inicial do Tratado Internacional que adotou a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, 1994.
6
Em 1983, após ela ter voltado do hospital, o então marido de Maria da Penha atirou contra ela duas vezes
alegando que havia ocorrido um assalto em sua residência. Duas semanas depois ele eletrocutou a vítima
enquanto ela tomava banho. Entre essa dupla tentativa de homicídio e a prisão de seu marido, passaram-se
19 anos e 6 meses, o que demonstra a morosidade da justiça brasileira nesse período. Diante disso, o Centro
pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da
Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) – órgão internacional responsável pelo
arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais – levando à
construção do Relatório 54 da OEA, em 2001, responsabilizando o Brasil pela negligência em relação à
violência doméstica contra a mulher, apesar de reconhecer algumas mudanças estabelecidas pelo país de
cunho insuficiente. (ALVES, Fabricio da Mota, 2006, p.1).

33
Ao ser sancionada, a Lei Maria da Penha se tornou um instrumento fundamental
para o combate à violência contra as mulheres, principalmente para os casos impunes.
Ainda, em fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu que qualquer pessoa
pode registrar formalmente uma denúncia de violência contra a mulher. Este é, portanto,
mais um marco na redução da violência contra as mulheres.

A Lei Maria da Penha estabelece uma gama de indicações e decisões articuladas


a serem tomadas para a efetivação do enfrentamento à violência doméstica e familiar,
sendo uma de suas finalidades a legitimidade pública, segundo a qual o problema deixa
de ser apenas da mulher que está em situação de violência doméstica, e passa a ser de
toda a sociedade. Outro apontamento de suma importância que consta na referida lei, é a
efetivação de ações articuladas da rede socioassistencial multidisciplinar, em que são
envolvidas várias políticas públicas governamentais, magistratura, Ministério Público,
Defensoria Pública e organizações da sociedade civil. Não temos dúvida que esta
interconexão de saberes é ainda um desafio para os profissionais e para os órgãos que
nela estão imbricados e ancorados; porém, não podemos negar que as verdadeiras
transformações ocorrem nas ações pedagógicas multi e transdisciplinares.

Uma das grandes dificuldades na implantação da Lei Maria da Penha é a herança


da formação patriarcal e conservadora dos agentes públicos e responsáveis pela sua
execução, além da escassez de recursos públicos para a criação e ampliação de serviços
voltados às mulheres em situação de violência doméstica. Para Bandeira e Almeida
(2015), uma das grandes eficácias na Lei Maria da Penha é que ela está ancorada na
capacidade de criar e mudar práticas jurídicas, à medida que elas interferem diretamente
na postura de profissionais da área. É preciso uma reflexão crítica sobre posturas
profissionais supostamente neutras, pois estas acabam por contribuir com a reprodução
da moralidade e do patriarcalismo, mantendo a opressão contra as mulheres.
Em se tratando dos agressores, a maioria desconhece os objetivos e as estratégias
da Lei Maria da Penha, e muitos se sentem injustiçados quando ela é aplicada
eficazmente, como nos relata Fabrício, 44 anos, que está respondendo por três processos
por ter agredido fisicamente a ex-companheira:

Para mim isso não vale nada, este é um artigo que para mim tem que rasgar.
Tem mulheres que abusam da Lei Maria da Penha e colocam embaixo do tapete

34
as agressões que ela faz. Aí pega um homem que teve uma legítima defesa contra
ela, e aí como que fica?

Dos quatro agressores entrevistados apenas um deles ficou detido pela Lei Maria
da Penha, embora todos tenham sido denunciados pelas companheiras e a dois deles
foram aplicadas medidas protetivas.

4.1 Serviços especializados para os agressores

A Lei Maria da Penha, em seu artigo 35, previu a criação e promoção de centros
de educação e reabilitação para os agressores. O objetivo do trabalho com os homens
agressores tem como propósito ajudá-los a resolver conflitos de forma não violenta,
através de mudanças de comportamentos para que agressões futuras e reincidências
criminais sejam evitadas. É fundamental que todo agressor tenha a oportunidade de ser
(re)educado e (res)socializado. Todavia, Martin Junior alerta que “é preciso muito
cuidado quando da concepção desses espaços de reabilitação”, pois a eventual
“patologização” do agressor desqualifica o caráter criminoso de sua conduta,
“desterritorializando-a” do crime para “doença” (2011, p. 362).

Não há dúvida de que a responsabilidade referente às violências praticadas contra as


mulheres é dos agressores, que deverão ser imputados criminalmente. Todavia, não é só
isso uma vez que se trata de um fenômeno de ordem histórica, cultural e social. Por
conseguinte, para que o enfrentamento da violência contra as mulheres seja eficaz, são
necessárias articulações que envolvam: o Poder Público, o Judiciário, o Ministério
Público, a Defensoria Pública e as ONGs, que, articulados, possam criar mecanismos que
reprimam tais atos. A criação de serviços de execução dos trabalhos socioeducativos com
os autores de violência contra as mulheres é de fundamental importância, pois são eles
que, vinculados a outros órgãos, ajudarão a assegurar e a proteger as mulheres que estão
em situação de violência doméstica, bem como oferecerão, através do trabalho técnico
junto aos agressores, a oportunidade de rever suas práticas machistas e conservadoras e
criar novas atitudes que valorizem o diálogo e o respeito entre os gêneros.

4.2 Formas de violência contra as mulheres

35
O artigo 7º da Lei 11.340/2006 (Maria da Penha) objetiva facilitar didaticamente
sua aplicação à área do Direito (FEIX, 2011). Vale considerar que a violência contra as
mulheres não ocorre isoladamente, mas de maneira concomitante, como quando a mulher
sofre uma agressão física seguida de ameaça de morte. Por esse motivo, decorre a
importância de destacar cada tipo de violência e suas definições. Baseadas nas
desigualdades de gênero, seguem abaixo as formas de violência doméstica e familiar
descritas na Lei Maria da Penha em seu artigo 7º:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua


integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause


dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o
pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito
de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e
à autodeterminação;

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a


presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou
a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer
método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que
limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure


retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,


difamação ou injúria.

5 PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS


MULHERES

36
As desigualdades de gênero possuem na violência contra as mulheres uma
expressão limite que, segundo a Política Nacional de Enfrentamento7 à Violência Contra
as Mulheres, deve ser compreendida como uma violação dos direitos humanos. Como
resultado de conferências e ampla participação de mulheres de todo o Brasil, além de seu
caráter transversal e complexo para sua implantação, o Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres, organizado em seus dez amplos capítulos, tem como premissas a busca pela
igualdade e o enfrentamento das desigualdades de gênero. Em seu capítulo 4º,
“Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres”, o plano retrata o
papel fundamental do Estado, como responsável por erradicar todas as formas de
violência contra as mulheres, através das transversalidades e intersetorialidades de
políticas públicas de gênero. Para que estas ações sejam efetivadas, diversos serviços
estão sendo implantados nos municípios brasileiros.

5.1 Instrumentos de enfrentamento à violência contra as mulheres

Diferentemente do que ocorre com os homens, 40% das mulheres assassinadas no


Brasil foram mortas em sua residência8. O dado está intimamente ligado à análise de que
os autores dos crimes, em muitos casos, são pessoas próximas como amigos, familiares
ou mesmo cônjuge das vítimas. Esta mesma pesquisa do Data Senado de 2013 aponta que
os dados de outros países mostram que as mulheres assassinadas, em uma maioria
expressiva, já haviam sido vítimas do mesmo agressor, em ocasiões anteriores. Ou seja,
para além de episódios pontuais, estamos nos referindo a uma trajetória de vitimização e
também a um processo que perpassa as fases do ciclo da violência, vivendo, geralmente,
o que é chamado de rota crítica9. A rota crítica é um processo constituído a partir da
sequência das ações/decisões tomadas e respostas encontradas pelas mulheres que sofrem
violência familiar. O início da rota crítica se dá quando a mulher decide “romper com o
silêncio” sobre a violência que sofreu, e revelar a alguém de fora da vida doméstica ou
familiar a situação vivida, como um primeiro movimento na busca por soluções. Esta é

7
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres tem por finalidade estabelecer
conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como
assistência e garantia de direitos em situação de violência, conforme normas e instrumentos internacionais
de direitos humanos e legislação nacional.
8
Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-
Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf Acesso em: 15/7/2016.
9
Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/rota-critica-o-caminho-fragmentado-que-a-
mulher-em-situacao-de-violencia-percorre-buscando-o-atendimento-do-estado/ Acesso em: 15/07/2016.

37
uma iniciativa muito difícil de ser tomada, já que o agressor pode não só ameaçá-la de
morte, mas matá-la.

No que refere à assistência às mulheres em situação de violência doméstica, a


Política Nacional garante a criação de serviços especializados como: Central de
Atendimento à Mulher, Casas Abrigo, Centros de Referência da Mulher, Centro de
Reabilitação e Educação do Agressor, Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra
a Mulher, Defensorias da Mulher, bem como uma rede ampla de parcerias que garantam
o atendimento humanizado e qualificado às mulheres, visando ao enfrentamento à
violência contra as mulheres, no sentido de garantir a integralidade do atendimento.

5.1.1 Central de Atendimento à Mulher

A Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência - Ligue 180 – é um


serviço de utilidade pública gratuito e confidencial que preserva o anonimato das vítimas
ou mesmo das pessoas que resolvem denunciar. O serviço é oferecido pela Secretaria de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República, desde 2005. O objetivo do Ligue
180 é receber denúncias de violência contra as mulheres, além de atender reclamações
sobre os serviços da rede de atendimento à mulher prestados no país.

O serviço Ligue 180 tem também como finalidade, orientar as mulheres sobre seus
direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços quando
necessário. Este serviço faz parte de um dos eixos do Programa “Mulher: Viver sem
Violência”10. A Central funciona 24 horas, todos os dias da semana, inclusive finais de
semana e feriados, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil e de mais 16 países.
Para ilustrar a importância deste serviço apresentamos os dados do ano de 2015, onde
foram registrados 749.024 atendimentos, que resulta em média, 62.418 atendimentos por
mês e 2.052 por dia. Essa quantidade foi 54,40% superior ao número de atendimentos
realizados em 2014 (485.105). Desde sua criação em 2005, a Central já registrou

10
O programa tem por objetivo integrar e ampliar os serviços públicos existentes voltados às mulheres em
situação de violência, mediante a articulação dos atendimentos especializados no âmbito da saúde, da
justiça, da segurança pública, da rede socioassistencial e da promoção da autonomia financeira (Decreto nº.
8.086, de 30 de agosto de 2013) (Programa Mulher, viver sem violência Casa da Mulher Brasileira, 2015.
Disponível: http://www.spm.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/publicacoes/2015/diretrizes-gerais-
e-protocolo-de-atendimento-cmb.pdf .Acesso em: janeiro/2017.)

38
4.823.140 atendimentos (BALANÇO 2015, LIGUE 180 CENTRAL DE
ATENDIMENTO À MULHER, 2016).

5.1.2 Delegacias especializadas

As Delegacias Especializadas são uma importante instituição brasileira no


combate à violência contra as mulheres são elas: a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)
e as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. A primeira delegacia deste tipo
surgiu em 1985, no município de São Paulo. As Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher e as DDMs são conquistas da luta das feministas que denunciavam
a violência em todo o País, além de prestar atendimentos nas áreas jurídica, psicológica e
social às mulheres vítimas de violência doméstica (MORAES, 2009). O objetivo das
Delegacias de Defesa da Mulher era prestar um atendimento qualificado às mulheres que
sofriam violência. Para tanto, as agentes policiais passavam por formação técnica, para
superação de preconceitos e para ampliação do olhar. Segundo Moraes (2009),
atualmente a atuação das DDMs tem sido motivo de muitas polêmicas, principalmente,
no que diz respeito à criminalização dos agressores. Em se tratando da quantificação das
violências, são encontradas diversas dificuldades, pois muitas mortes violentas não são
notificadas e metade dos suicídios é registrada como acidente (Centro de Referência da
Mulher – CRM-SP, 1998). Muitas vezes, são relatadas nas delegacias quedas acidentais,
o que mascara a violência doméstica (DESLANDES, 1999).

5.1.3 Centros de referência da mulher

Os Centros de Referência de Atendimento à Mulher são serviços


municipais que oferecem espaços de acolhimento/escuta, atendimento psicossocial,
terapêutico e jurídico às mulheres que estão vivendo situações de violência doméstica. O
objetivo é ajudá-las na superação de situações de violência, contribuindo para seu
fortalecimento e empoderamento, bem como para o resgate de sua cidadania. Outras
importantes atribuições do Centro de Referência Especializado de Atendimento à Mulher
são: articular a rede socioassistencial para que as mulheres sejam inseridas nos demais
serviços e projetos oferecidos pelo município e dar respaldo ao serviço Casa Abrigo,
inclusive no trabalho multidisciplinar, para sua reinserção na vida cotidiana.

39
Um dos desafios dos Centros de Referência Especializado da Mulher é
articular o trabalho das equipes especializadas com as diretrizes da Política Nacional para
as Mulheres e as diretrizes e tipificações da Política de Assistência Social, no âmbito da
Proteção Social Básica e Especial, além de garantir a inclusão das mulheres nos
Programas Sociais e demais programas de renda suplementar existente. O acesso aos
programas assistenciais do governo federal depende de inscrição prévia no Cadastro
Único para Programas Sociais, regulamentado pelo Decreto nº 6.135/07 e coordenado
pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

5.1.4 Casas de Acolhimento Provisório

As Casas de Acolhimento Provisório são serviços de abrigamento


temporário de curta duração de, no máximo, quinze dias. As casas devem estar em locais
sigilosos e são voltadas para mulheres e seus filhos e filhas menores de 18 anos que estão
em situação de violência, mas não ameaçadas de morte. Vale ressaltar que este serviço
não se restringe ao atendimento de mulheres em situação de violência doméstica e
familiar, estendendo-se também a mulheres que vivenciaram outros tipos de violência,
em especial vítimas de tráfico de mulheres.

Este serviço tem como objetivos garantir a integridade física e emocional das
mulheres, bem como realizar diagnóstico da situação de violência real em que elas se
encontram e providenciar os devidos encaminhamentos.

5.1.5 Casas Abrigo

As Casas Abrigo constituem um serviço especializado que oferece moradia


protegida e atendimento integral às mulheres em risco de morte iminente. É um serviço
de caráter sigiloso e temporário, por meio do qual as abrigadas permanecem com seus
filhos e filhas menores de 18 anos por um período determinado de até seis meses, durante
o qual, com a ajuda do trabalho técnico deverão reunir condições necessárias para retomar
o curso de suas vidas.

Trabalhar com as mulheres acolhidas desafia-nos a olhar para nossas crenças


preconceituosas, com nossos valores impostos pela sociedade e a buscar trabalhar com
um olhar peculiar, de modo a ajudá-las a romper com o ciclo da violência, através do

40
empoderamento11, da autonomia, do desenvolvimento da criticidade, do trabalho
socioeducativo e da interdisciplinaridade da equipe. A violência vivida pelas mulheres e
seus filhos ao longo da vida deixa marcas severas, de modo que a violência muitas vezes
é expressa através da linguagem, do vocabulário e dos comportamentos bastante
agressivos, dificultando os vínculos afetivos entre si, as relações entre filhos e filhas e
entre mães e filhos. Por conseguinte, mudar esta realidade é um grande desafio.

O abrigamento é marcado pelo sentimento de aprisionamento, pois a mulher


afasta-se do convívio da família, amigos, trabalho e comunidade. Por esse motivo, o
ingresso na Casa Abrigo deve ser o último recurso a ser utilizado. Outro grande desafio
está relacionado ao tempo de abrigamento, pois a manutenção e estimulação dos vínculos
familiares são fundamentais para que a mulher retorne à vida cotidiana, pois que muitos
desses foram rompidos pela violência. As famílias cujos membros têm relações de amor
e afetividade, apresentam maior habilidade e resiliência em momentos de dificuldades,
tanto durante o período de abrigamento quanto no de desabrigamento.

Um dos grandes desafios para que a equipe consiga realizar seu trabalho é a
dificuldade de inserção das mulheres e seus filhos e filhas na rede socioassistencial, visto
que a insuficiência de políticas públicas acarreta maiores obstáculos de empoderamento
e autonomia das mulheres.

5.1.6 Serviços de atendimentos geral

As redes socioasssistenciais ofertam serviços fundamentais que apoiam as


mulheres com base na conquista de sua autonomia e empoderamento. Estes serviços não
atendem exclusivamente a mulheres que estão em situação de violência doméstica;
porém, muitos deles constituem a porta de entrada para a inserção desta mulher na rede
de atendimento especializado em violência doméstica. Entre os serviços mais
importantes, mencionamos os seguintes: Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS); Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS);
Defensorias Públicas; Posto de Atendimento Humanizado nos aeroportos; Núcleo da
Mulher da Casa do Migrante; Ouvidorias; Núcleos de Atendimento à Mulher; Central de
Atendimento à Mulher 180 e Serviços de Segurança e Defesa Social, que inclui o

11
Empoderamento significa “um poder que afirma, reconhece e valoriza as mulheres; é pré-condição para
obter a igualdade entre homens e mulheres” (LISBOA, 2008, p. 2).

41
Ministério Público Federal, Estadual e do Distrito Federal, bem como Polícia Civil e
Militar, Guarda Municipal e Instituto Médico-Legal.

Para o enfrentamento do fenômeno, são necessárias ações emergentes, como a


implementação de políticas públicas em parceria com o Poder Judiciário e a ampliação
da rede socioassistencial. Tal fenômeno está diretamente ligado ao poder, subordinação
e autoritarismo, de modo que os indivíduos se articulam de diversas formas para alcançar
seus desejos e manter um lugar de poder na sociedade. Quando nos referimos à violência
de gênero, a complexidade é ainda maior porque se trata de um processo social, histórico
e cultural, em que os homens foram socializados para exercer um comportamento
machista e dominador em relação à mulher, que possui sua identidade estruturada na
subordinação ao homem.

Além disso, é necessário compreender quais são os sistemas que mantêm e


produzem sentidos, e a religião tem um papel importante nessa discussão, pois ela atua
como uma instituição que tem o poder de sacralizar as ações dos indivíduos conferindo
legitimidade a elas. Neste sentido, mulheres e homens estão imbricados nesta trama, que
é a violência doméstica. Contudo, quem são estas mulheres? Quais são os seus desafios
para sair do ciclo da violência? E os homens agressores, quais discursos justificam suas
práticas violentas?

42
Capítulo II

II. GÊNERO E RELIGIÃO

1- AS DESIGUALDADES NAS RELAÇÕES DE GÊNERO

Foi somente a partir do século XX que as mulheres conseguiram impor com


legitimidade sua participação na vida social e no mundo da ciência. Inconformadas com
sua condição de confinamento à esfera privada, aos poucos foram se organizando. No
início da década de 1960, o movimento feminista conformou um projeto intelectual e
político para pensar e, ao mesmo tempo, fazer-se presente nas ações anunciadas por
feministas da época. Antes disso, iniciando uma nova trajetória das mulheres no mundo,
Simone de Beauvoir escreveu em 1949, o livro “O Segundo Sexo”, desnaturalizando as
características associadas tradicionalmente à condição feminina, revelando-as como
mitos construídos culturalmente. Beauvoir colocou em xeque a maneira como as
mulheres eram vistas pelos homens e por elas próprias.

Os estudos feministas foram sendo ampliados, a fim de opor-se ao androcentrismo


dos saberes, com efeitos perversos de uma organização social já naturalizada e
estigmatizada. É possível considerar a importância de tais estudos como “procedimentos
sociológicos e metodológicos para constituir às mulheres enquanto categoria social e
colocar o sexo/gênero como categoria de análise” (DESCARRIES, 2000, p. 11). Neste
sentido, constatou-se que não poderíamos mais olhar o mundo da mesma forma, à medida
que os estudos feministas, em suas várias correntes, foram progressivamente
determinantes nas ciências humanas.

Sem nenhuma possibilidade de pensar numa identidade universal, já no final da


década de 1970 muitas feministas reivindicaram uma “diferença” buscando uma melhor
explicação, seja entre mulheres, seja entre os homens, considerando principalmente os
estudos sobre as relações de poder entre os sexos. Em meio a discursos e estudos sobre
homens e mulheres, insere-se o olhar para as “relações de gênero”. O termo gênero nas
ciências sociais significa “a distinção entre atributos culturais colocados a cada um dos
sexos e a dimensão biológica dos seres humanos” (SOIHET; PEDRO, 2007, p. 288). O
uso do termo gênero explicita o fato de homens e mulheres serem produtos do meio social,
carregados de cultura e valores, excluindo totalmente a naturalização dos sexos.

43
Alinhando-se a este conceito, a historiadora feminista Joan Scott define gênero como
“um elemento constitutivo de relações sociais baseados nas diferenças percebidas entre
os sexos” (SCOTT, 1990, p. 86). Neste sentido, as diferenças entre os sexos e a
hierarquização entre eles são legitimadas pela sociedade, à proporção que tais hierarquias
são construídas nas relações sociais.

Discutir gênero é refletir sobre a possibilidade de igualdade e respeito entre os sexos


na sociedade. Muitos atos violentos contra as mulheres, por exemplo, são cometidos
simplesmente pelo fato de serem mulheres. Além disso, são praticados atos hediondos
com base na orientação sexual e identidade de gênero, causados por preconceito e ódio
sistêmico, os quais fomentam a violência levando, muitas vezes, à morte. O machismo, o
racismo e todas as formas discriminatórias produzem e reproduzem as relações de poder
que estabelecem qual papel a mulher deve exercer na sociedade, como ela deve
comportar-se e a quem ela deve obedecer. As violências contra as mulheres transexuais,
por exemplo, que são reconhecidamente marginalizadas pela sociedade, repetem o padrão
dos crimes de ódio, motivados pelo preconceito. Historicamente, toda pessoa que não se
identifica com o sexo biológico atribuído ao seu nascimento é estigmatizada pela
sociedade, por ser considerada uma anormalidade. Neste sentido, a diferença biológica
entre os sexos ainda é supervalorizada pela sociedade, atribuindo-lhes diferentes funções,
geralmente divididas e hierarquizadas.

1.1 As diferenças de gênero

A sociedade atribui diferentes papéis a homens e mulheres, e espera que cada sexo
cumpra as atribuições pertinentes ao seu papel social12: à mulher é conferido um papel
de submissão e de obediência aos homens, enquanto ao sexo masculino é concedido um
papel de coragem, de racionalidade, voltado principalmente para a vida pública, em que
assume um papel de provedor e chefe de família. As mulheres entrevistadas apresentaram
os vários obstáculos que elas enfrentam em seus cotidianos ao lidar com os papéis
exercidos pelos seus companheiros e ex-companheiros, pois ao perguntarmos sobre a
diferença entre ser homem e ser mulher, todas elas mencionaram que as maiores
dificuldades enfrentadas no dia a dia são vivenciadas por elas. Neste sentido, o

12
Este termo é originado da filosofia social. De modo geral são comportamentos de pessoas que ocupam
determinada posição social, podendo ser definido como “o perfil assumido pelo ser humano à medida que
cumpre determinadas funções dadas e definidas pela sociedade” (NADER, 2002, p. 462).

44
depoimento de Luciana, 39 anos, nos revela as desigualdades impostas por uma sociedade
machista:

O homem, quando sai com um monte de mulheres, a bola dele é levantada e ele
é o tal. A mulher, ela tá com o cara e daqui seis meses ela arruma outro
namorado, ela já não presta, ela é vagabunda, entendeu? Então, isso é
preconceito. Agora, o homem quando ele tá separado, ele pode arrumar uma
mulher em quinze dias depois que ele se separou e não é criticado. A mulher, só
por ela ser separada, ela já é malvista pela sociedade. Existe um grande
preconceito, os homens não sofrem preconceitos como nós sofremos, acredito, e
para mim tem muita diferença.

O preconceito é também fruto da construção social que influencia diretamente as


atitudes e comportamentos dos indivíduos. Para Welzer-Lang (2001), este é um dado
histórico, e as desigualdades e opressões vividas pelas mulheres decorrem deste fator,
além dos privilégios materiais, culturais e simbólicos no exercício da dominação. Em
meio a tantas formas de opressões vividas durante séculos, as mulheres buscam
incansavelmente conquistar um lugar de igualdade na sociedade, porém demonstram a
dificuldade em lidar com a resistência masculina, conforme o relato de Paula, 38 anos:

O homem pensa que a mulher tem que ser submissa, e ele então está
acima e a mulher está abaixo, ela tem que fazer todas as vontades dele.

Tal afirmação deriva dos papéis de superioridade atribuídos aos homens que os
autorizam a subestimar as mulheres, fazendo com que elas se sintam inferiores e
submissas. Não é raro ouvir discursos de homens que acreditam no velho ditado: “lugar
de mulher é dentro de casa”. Com a desculpa de protegê-las, muitos as mantêm quase que
em cárcere privado. Por conseguinte, as mulheres passam a ter pouca ou quase nenhuma
oportunidade de desenvolver suas potencialidades ou mesmo ampliar seus conhecimentos
e, frequentemente, submetem-se às ordens de seus companheiros, para evitar conflitos ou,
ainda, por terem sido socializadas desta forma.

A construção social da identidade masculina contempla um conjunto de normas e


símbolos que a definem. São as relações sociais de sexo que determinam o que é
considerado “normal” ou “natural” conforme corriqueiramente interpretados pela
sociedade. Neste sentido, ver o gênero como “um meio de decodificar o significado e de
compreender as complexas conexões entre várias formas de interação humana” (SCOTT,
1990, p. 89) nos ajuda a compreender que tais caraterísticas consideradas como
tipicamente femininas e masculinas são construídas socialmente, como uma categoria
flexível conforme o momento histórico e os grupos sociais aos quais pertencem como:

45
família, educação, religião etc. Em entrevistas com homens agressores, ao perguntarmos
como é ser homem nesta sociedade, obtivemos depoimentos diversos acerca desta
questão:

Ser homem é ser a estrutura da casa, ser homem é ter voz ativa, é uma
coisa que assim, quando eu falo não é não. O homem que dá as diretrizes
da família principalmente em relação à filha, em relação à minha esposa,
ela diz: eu vou na minha mãe, eu vou na igreja e eu falo: vai mas volta
logo eu sou muito ciumento. (Hamilton, 44 anos).

Eu sou um homem dedicado, a única coisa que eu gosto mesmo é que eu


sou muito ciumento, porque se olhar para qualquer tipo de pessoa já
estou querendo brigar com ela e já falo: ‘Você está de olho no rapaz ali’,
é uma coisa que ela fala para mim isso é doença e eu falo não, é ciúmes,
é porque eu amo muito. Tem hora que eu xingo muito, ela diz nome
errado só que não agrido ela, eu falo para ela: ‘Você pode ser o que for
mas você nunca vai me ver levantar a mão para você e nem nos meus
filhos’. (Fabrício, 44 anos).

Com relação às responsabilidades referentes às atividades específicas na educação


dos filhos e filhas, é possível pensar, de acordo com os depoimentos acima, que ainda há
uma visão predominante tradicional acerca dos papéis de gênero. Numa visão bastante
conservadora está muito presente no imaginário masculino que o homem deve ser a
estrutura da casa, ter voz ativa e ainda regular os corpos, dominando as mulheres da casa,
de modo que são eles que decidem aonde elas poderão ir, inclusive com horários
estipulados para elas. Segundo Pierre Bourdieu (2012), a dominação masculina é uma
construção histórica e social, portanto, suscetível à transformação. As premissas
dominantes estão esculpidas em instituições como: a família, a escola, a igreja, de modo
que todas elas permitem, de certa forma, que os homens se envolvam em jogos de
dominação, favorecendo, assim, a dominação dos homens sobre as mulheres.

Em outro depoimento foi possível perceber também que existe uma certa
insegurança em relação à atual masculinidade:

Precisamos evoluir já que vocês mulheres conquistaram espaço, tem que ser tudo
igual entendeu? Não é egoísmo nem machismo, porque machismo e feminismo,
tudo fica na mesma, é uma hipocrisia só. Tem que pôr tudo na balança, é tudo
na igualdade, se eu não puder o outro pode, senão os dois têm que se reunir,

46
porque precisamos nos preocupar, em primeiro lugar, com a criança. (Fabrício,
44 anos).

Para Lisboa (1998), há sempre uma tensão por parte dos homens entre mudar ou
permanecer com sua identidade, uma vez que ser homem é fundamentalmente não ser
mulher, e tudo isso depende de uma desconstrução dos significados internalizados ao
longo da história. No decorrer das entrevistas foi possível perceber pelos depoimentos
que muitos agressores mencionam seus pais e avós, como modelos de reprodução de
comportamento.

Ao abordarmos os entrevistados sobre suas principais características, Pedro nos


respondeu com veemência: “Eu era o guia para ela, eu pagava tudo dentro daquela casa”.
Neste caso podemos observar que Pedro reforça a ideia do homem como tendo a
obrigação de manter, prioritariamente, seu papel de provedor e isso já bastava para ser
considerado um ótimo companheiro. Mesmo sendo autores de violência contra mulheres,
os entrevistados acreditavam ser cidadãos honestos e bons provedores, e atribuíram às
mulheres a responsabilidade pelas desavenças no lar.

Não é simples romper com modelos já naturalizados pela sociedade, pois que, ao
longo da história, as mulheres vêm sofrendo um processo de desqualificação em relação
aos homens, ainda que se prove que ela possui uma responsabilidade maior ou igual por
exemplo. Tal conceito está de tal maneira imbuído nas mulheres, que muitas se assumem
como sendo inferiores aos homens. Tal afirmação é demonstrada no relato de Mirtes, 40
anos. Ao perguntarmos o que é ser mulher ela relata:

É ser mãe. Nós somos geradoras. Sem mulher não tem nem como você viver a
humanidade. É ser guerreira, amiga e companheira.

Mesmo sendo agredida e ameaçada de morte pelo companheiro, Mirtes ainda


acredita que sua missão é apoiá-lo e acompanhá-lo até o fim de sua vida. Ela está
convencida que o lugar de seu companheiro é ao seu lado e nos relata que, embora tenha
sido agredida por vários anos, ela esquece, perdoa e permanece em seu cotidiano de
mulher companheira e fiel.

Muitas mulheres já questionam o sistema de dominação que sustenta as relações


desiguais entre os sexos. E a partir daí, procuram estratégias e meios para alcançar sua
emancipação e autonomia. Luana, que sofreu violência doméstica pelo seu ex-

47
companheiro, foi quase morta por ele e só sobreviveu porque fugiu por um rio que ficava
próximo à sua residência:

Nós não somos sexo frágil não. Isso daí é só na música13, não somos sexo frágil
nada, e nem podemos, porque senão eles passam por cima mesmo. Nos dias de
hoje mais ainda, a gente sempre tem que tá provando que nós somos capazes e a
gente pode; a gente, que é eficiente, o que o pessoal vive tentando mostrar aquilo
que nós não somos eficientes, vemos todo dia no trânsito. Em todo canto a gente
sempre é tachada.

A luta das mulheres é desafiadora, de modo que a herança de sua desvalorização ao


longo da história trouxe marcas que dificilmente serão esquecidas. Embora muitas
mulheres já tenham consciência desta realidade e estejam lutando para conquistar um
lugar igualitário, elas relatam suas histórias e afirmam que ser mulher é ter que se
valorizar, é ter que provar o tempo inteiro que não são inferiores.

2- AS MULHERES E OS AGRESSORES: TRAÇANDO UM PERFIL

Traçar um perfil das mulheres que sofreram e sofrem violência é uma tarefa
acadêmica e, ao mesmo tempo, uma tarefa política de denúncia da violência contra as
mulheres. Ainda nos dias de hoje, não há políticas públicas suficientes para enfrentar a
complexidade do fenômeno da violência contra as mulheres no País. O Brasil é o quinto
país que mais mata mulheres no mundo, sendo o feminicídio a maior origem desta
violência (WAISEL FITZ, 2015). A violência doméstica contra as mulheres é uma das
formas mais cruéis de violência, pois ela silencia as ações da mulher, apaga seus desejos,
impede sua cidadania e destrói sua dignidade. Muitos agressores, motivados pelas
representações da dominação masculina e pela impunidade, naturalizam e banalizam suas
agressões, uma vez que se consideram donos de suas companheiras e do poder familiar.

Pesquisas14 sugerem uma forte relação entre “religião e violência de gênero”. Em


diferentes religiões, as mulheres são consideradas servidoras e subordinadas. As

13
Música Mulher (Sexo Frágil), de Erasmo Carlos e Narinha (1981).
14
VILHENA. Valeria Cristina. Resultados de uma pesquisa: uma análise da violência doméstica entre
mulheres evangélicas. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de
2010.
SOUZA, Sandra Duarte de. Violência de gênero e religião: alguns questionamentos que podem orientar a
discussão sobre a elaboração de políticas públicas. Revista Mandrágora, V. 13, n.13 (2007). Disponível:
http://www.bibliotekevirtual.org/revistas/Metodista-SP/MANDRAGORA/v13n13/v13n13a01.pdf Acesso
em: Dezembro/2016.
KROB, Daniéli Busanello. A igreja e a violência doméstica contra as mulheres. CONGRESSO
INTERNACIONAL DA FACULDADES EST, 2, 2014, São Leopoldo.

48
lideranças na maioria delas são masculinas, permitindo às mulheres pouco acesso às
esferas de decisão e submetendo-as, frequentemente, a papéis secundários. Muitas
mulheres que vivenciam situações de violência buscam na religião ajuda para suportar
seus relacionamentos conflituosos, socializam as agressões sofridas principalmente com
seus líderes religiosos, que, não raras vezes, legitimam a submissão e a violência
(SOUZA, 2009).

2.1 Universo da pesquisa

Em nossa pesquisa coletamos dados de 12 mulheres que ficaram acolhidas nas


Casas Abrigo Regional Grande ABC no período de 2014 a 2016, para traçar um perfil
das mesmas. Tais mulheres decidiram deixar seus companheiros na tentativa de
superarem situações de violências e se livrarem da morte. Daí se autodenominarem
“mulheres guerreiras”15. Foram realizados grupos focais em dois locais distintos: O
primeiro foi realizado no mês de setembro/2016, no Centro de Referência da Mulher
“Marcia Dangremon”, situado no município de São Bernardo do Campo, contando com
a participação de sete mulheres; e o segundo foi realizado no mês de outubro/2016, no
Centro de Referência da Mulher “Vem Maria”, situado no município de Santo André,
com a participação de cinco mulheres. Além disso, com a intenção de conhecer as
motivações dos agressores e de encontrar respostas que possam decifrar quais noções
religiosas lhes deram um sentido para suas agressões, foram realizadas, nos meses de
setembro e outubro/2016, entrevistas semiabertas com quatro homens autores de
violência doméstica contra as mulheres no Centro de Referência Especializado de
Assistência Social – CREAS, situado no município de São Bernardo do Campo.

15
Este termo “mulheres guerreiras” foi dado pelas mulheres que participaram desta pesquisa, pois ao
perguntarmos sobre uma qualidade, todas se nomearam guerreiras.

49
2.2 . Tabela 1 - Perfil das mulheres entrevistadas

Informações Mulheres que participaram do grupo focal I (nomes fictícios)

Luciana Paula Fabiana Mirtes Jane Bruna Monica

Idade 39 38 34 40 33 33 31

Cor Branca Negra Branca Branca Parda Negra Negra

Cidade de Pernambuco São Paulo São Paulo Rio Grande do São Paulo São Paulo Rio de Janeiro
origem Norte

Estado civil Divorciada Casada Divorciada Divorciada Casada Divorciada Casada

Profissão Vendedora Aux. De limpeza Recepcionista Costureira / Auxiliar Doméstica Auxiliar de


/ Desempregada Desempregada administrativa limpeza
Desempregada

Renda atual R$ 700,00 Sem renda R$ 1.100,00 Sem renda R$ 1.300,00 Sem renda R$880,00

Escolaridade Ensino Médio Ensino Ensino Médio Ensino Médio Ensino Médio Ensino Médio Ensino
completo Fundamental completo incompleto completo completo Fundamental
incompleto incompleto

Estuda Não Não Não Não Sim Sim Sim


atualmente

50
Número de 2 2 1 3 4 4 4
filhos

Religião Assembleia de Assembleia de Assembleia de Assembleia de Assembleia de Católica Deus é amor


Deus Deus Deus Deus Deus (atualmente está
na Testemunha
de Jeová)

Religião dos Assembleia de Assembleia de Congregação Assembleia de Candomblé Católica Universal


pais Deus Deus Cristã do Brasil Deus

Tipos de Moral, Psicológica, Moral, Moral, Moral, sexual, Moral, Moral, sexual,
violência que psicológica, sexual. Ameaça psicológica, psicológica, psicológica, psicológica, psicológica,
sofreu física. Ameaça de morte sexual, física, física, ameaça de física, física, ameaça de física, ameaça
de morte patrimonial, morte patrimonial, morte de morte
ameaça de morte ameaça de morte

Tempo de 1 mês e 15 dias 3 meses 2 meses 10 dias Está acolhida 8 meses 1 ano
acolhimento

51
Informações Mulheres que participaram do grupo focal II (nomes fictícios)

Joana Edilia Jussara Alda Luana

Idade 30 45 33 48 48

Cor Parda Branca Parda Negra Parda

Cidade de origem Santo André Avaré São Paulo Bahia Birigui SP

Estado civil Solteira Solteira Casada Divorciada Divorciada

Profissão Porteira Auxiliar de limpeza Auxiliar administrativa Copeira Diarista

Renda atual R$ 870,00 R$ 1.100,00 R$ 1.300,00 Sem renda / acolhida R$ 1.800,00

Escolaridade Ensino Médio incompleto Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo

Estuda atualmente Não Não Sim Não Sim

Número de filhos 2 2 4 2 3

Religião Assembleia de Deus Assembleia de Deus Assembleia de Deus Adventista do Sétimo Dia Espiritualista/Johrei

Religião dos pais Assembleia de Deus Assembleia de Deus Candomblé Católicos Umbanda, Candomblé

Tipos de violência que Moral, sexual, psicológica, Moral, sexual, psicológica, Moral, sexual, psicológica, Psicológica, moral, ameaça Sexual, moral, física,
sofreu física, patrimonial, ameaça de patrimonial, física, ameaça de física, patrimonial, ameaça de de morte psicológica, ameaça de morte
morte morte morte

Tempo de acolhimento 2 meses 2 meses e meio Está acolhida Está acolhida 8 meses

52
Tabela 2 - Origem

8
8 Estado de Origem
6

4
1 1 1 1
2

Tabela 3 – Cidade de residência

Local onde residem atualmente

10 7
5
5 0 0 0 0 0
0 Série1

A Tabela 1 mostra o estado de origem das mulheres entrevistadas, sendo que das
12 mulheres, oito são paulistas e sempre moraram no estado de São Paulo. Nota-se que
três provêm do nordeste do Brasil e uma nasceu na cidade do Rio de Janeiro.

A Tabela 2 mostra o município onde atualmente residem as mulheres. Percebe-se


que sete mulheres moram no município de São Bernardo Campo e cinco, no município
de Santo André. Embora sejam sete os municípios que compõem a Região do Grande
ABC, os grupos focais foram realizados em apenas dois Centros de Referências: o
primeiro no município de São Bernardo Campo e o segundo no município de Santo André

53
e, por este motivo, foram entrevistadas apenas mulheres que residem atualmente nestes
dois municípios. Ressaltamos que tais municípios não são necessariamente os locais onde
elas sofreram violência, visto que algumas mulheres, por motivos de segurança por
estarem ameaçadas de morte por seus ex-companheiros, mudaram para outro município
após o acolhimento nas Casas Abrigo, de modo que pudessem refazer suas vidas com
seus filhos e filhas com maior segurança.

Tabela 4 – Mulheres por faixa etária

Mulheres por faixa etária

9 2 48
1 45
7 1 40
1 39
5 1 38
1 34
3 3 33
1 31
1 1 30
0 10 20 30 40 50

O gráfico 3 mostra a faixa etária das mulheres que buscaram ajuda e foram
acolhidas nas Casas Abrigo. A faixa etária varia de 30 a 48 anos. Percebe-se que as
mulheres idosas, por exemplo, não compõem este universo, e nem as mais jovens, entre
18 e 30 anos. Em relação às mulheres com mais de 60 anos, segundo a gerontóloga
Mariela Besse: “Os idosos têm medo e vergonha de fazer a denúncia, principalmente se
o agressor está dentro de casa” (BESSE, 2016)16, impedindo muitas vezes estas mulheres
de se comunicarem com outras pessoas que possam ajudá-las a denunciar a violência
sofrida.

16
Matéria disponível: http://institutomongeralaegon.org/saude/violencia-contra-o-idoso-comeca-em-casa .
Acesso em: dezembro/2016.

54
Tabela 5 – Mulheres por raça/etnia

Mulheres por raça/etnia

1
Série1
0
Branca Negra Parda
Série1 4 4 4

17
A SPM foi criada em 2003 com status de Ministério que lhe foi retirada em 2016, quando suas funções
foram atribuídas ao Ministério da Justiça (Geledés Instituto da Mulher Negra, 2017).
18
A Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência - Ligue 180 – é um serviço de utilidade
pública gratuito e confidencial (preserva o anonimato), oferecido pela Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República, desde 2005. O Ligue 180 tem por objetivo receber denúncias de
violência, reclamações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher e de orientar as mulheres sobre
seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços quando necessário.
Disponível: http://www.spm.gov.br/assuntos/violencia/ligue-180-central-de-atendimento-a-mulher.
Acesso em janeiro/2017.

55
Nível de Instrução

Nível Universitário completo 0

Escolaridade Nível Universitário incompleto 1

Ensino Médio completo 5

Ensino Médio incompleto 4

Ensino Fundamental completo 0

Ensino Fundamental incompleto 2

A Tabela 5 mostra o nível de instrução das mulheres que foram acolhidas nas
Casas Abrigo Regional Grande ABC, sendo que a maioria delas possui o Ensino Médio
completo. Duas mulheres não conseguiram completar o Ensino Fundamental, e apenas
uma conseguiu chegar até o nível universitário, sendo que, por motivos de segurança,
precisou trancar a matrícula. Sofrer violência é muitas vezes ter que abandonar sonhos, e
estudar pode ser um deles, pois as agressões obstruem o direito das mulheres à educação.
Se observarmos mais atentamente, veremos que o nível educacional das mulheres que
buscam o serviço de acolhimento ofertado pelos municípios não ultrapassa o Ensino
Médio.

Por outro lado, o fato de a maioria das mulheres atendidas terem o Ensino Médio
(completo ou não), talvez seja um elemento interessante para concluirmos que o grau de
instrução é um fator importante para que as mulheres cheguem até os serviços em busca
de ajuda. Nos registros da Casa Abrigo identificamos que, entre as mulheres que não
conseguiram completar o Ensino Fundamental, houve inúmeras dificuldades no
desabrigamento19, visto que o grau de instrução influencia diretamente na
empregabilidade. Geralmente a equipe técnica possui maiores dificuldades em ajudar
essas mulheres a se inserir no mercado de trabalho.

A empregabilidade é um dos itens mais importantes para a conquista do


empoderamento destas mulheres que decidem seguir o curso de suas vidas sozinhas ou

19
O desabrigamento consiste no processo de planejamento de ações articuladas entre os serviços de Saúde,
Assistência Social, Habitação e Educação, que diz respeito à saída das mulheres das Casas Abrigo para o
retorno à vida social. Este processo não possui tempo determinado, pois varia conforme as possibilidades
que cada mulher reúne para alcançar sua autonomia e empoderamento.

56
apenas com seus filhos e filhas. Outro fator que contribui para que as mulheres saiam da
situação de violência é a conquista da autonomia, pois ela ajuda a resgatar a autoestima
fazendo com que elas se sintam mais confiantes para seguir em frente. Além disso, a
conquista da independência financeira deixa de ser mais um motivo para que as mulheres
permaneçam em relações violentas.

Outro fator influenciado pelo baixo nível de instrução na condição das mulheres
que sofrem violência é que elas enfrentam maiores obstáculos para conquistar seus
direitos, ficando mais fácil a exploração e a dominação por parte dos agressores. É
importante destacar que as mulheres que sofrem ou sofreram violência por muito tempo,
estão numa posição de subalternidade e, em muitas situações, elas ficaram restritas ao
espaço privado por anos a fio. Por este ângulo, a elas foram negados os direitos sociais,
culturais, econômicos e, principalmente, o direito à educação, recaindo sobre elas
inúmeras consequências.

Tabela 7 – Estado conjugal

Estado Conjugal

Divorciada 6

Casada 4

Solteira 2

0 1 2 3 4 5 6

Em relação à situação conjugal, seis mulheres estão divorciadas, duas se declaram


solteiras e quatro estão casadas. Em se tratando de mulheres que estão acolhidas nas Casas
Abrigo e nestes casos com ameaça de morte, algumas delas possuem dificuldades de se
divorciarem de seus companheiros agressores visto que, mesmo possuindo a medida
protetiva, não se sentem seguras para dialogar com eles sobre o pedido de divórcio. Outra
razão é a negativa do companheiro em se divorciar amigavelmente, tendo assim que optar

57
pela separação litigiosa. Nestes casos existem alguns fatores que dificultam a separação.
Um deles se refere à demora considerável por parte da justiça brasileira. O outro é em
relação aos filhos e filhas, pois os agressores, em sua maioria, ameaçam ficar com eles e
acusam as mulheres de abandonar o lar ou ainda fundamentam a incompetência da mulher
em retomar sua vida sem a companhia de um homem, julgando-a incapaz de tomar tal
atitude.

Existem mulheres que, após o acolhimento na Casa Abrigo, decidem retornar aos
seus lares e dar mais uma oportunidade aos companheiros agressores, por acreditarem
que eles podem mudar. Esta situação aconteceu com uma das mulheres entrevistadas que
decidiu “dar mais uma chance” para o companheiro agressor e voltou ao antigo lar.

Tabela 8 – Quantidade de filhos e filhas

Quantidade de filhos e filhas


0 1 mulher

4 mulheres

5 mulheres
2 mulheres

0 1 2 3 4

O gráfico acima demonstra o número de filhos e filhas das mulheres entrevistadas.


Uma mulher possui um filho; duas têm três filhos; quatro mulheres possuem quatro filhos
e cinco, dois filhos. Muitas das mulheres entrevistadas foram mães muito jovens, sendo
que três delas foram mães ainda na adolescência. Vale salientar que os cuidados com os
filhos e filhas não deixam de dificultar a continuidade dos estudos dessas mulheres. Não
é simples abandonar seus sonhos para uma vida com violência, com a responsabilidade
dos cuidados com a casa e com os filhos e, ainda, com a necessidade de trabalhar para
compor a renda familiar e subsidiar a família.

58
O fato de terem filhos não impede a ocorrência de violências entre o casal, e
segundo as mulheres entrevistadas, as violências se estendem às crianças e aos
adolescentes, provocando uma instabilidade familiar muito maior20. Muitas mulheres
sofrem violência e permanecem na relação conflituosa por dependerem financeiramente
de seus companheiros e, por esta razão, decidem não se separar, pelo menos até que os
filhos cresçam e consigam sua independência.

Tabela 9 – Profissão e situação de empregabilidade

Vendedora (sem vínculo empregatício) 1

Auxiliar de limpeza (1 mulher desempregada e 1 mulher 2


com vínculo empregatício)

Recepcionista (com vínculo emp.) 1

Costureira (está acolhida no momento da entrevista) 1

Auxiliar Administrativa (2 mulheres estão acolhidas no 3


momento da entrevista e 1 mulher com vínculo
empregatício)

Porteira (com vínculo empregatício) 1

Copeira (desempregada) 1

Diarista (sem vínculo empregatício) 1

Doméstica (desempregada) 1

A tabela acima demonstra a situação de empregabilidade das mulheres


entrevistadas. Embora todas elas possuam profissão, apenas quatro têm vínculo
empregatício e oito estão fora do mercado de trabalho formal. No momento dos grupos
focais, duas delas trabalhavam no mercado informal. Podemos dizer que existem vários
motivos que dificultam a inserção das mulheres no mercado de trabalho: a baixa

20
A esse respeito, ver MORRISON, A. e BIEHL, M. A família ameaçada. Violência doméstica nas
Américas. FGV, Rio de Janeiro, 2000.

59
escolaridade e a falta de qualificação profissional exigida no mercado são fatores
importantes que dificultam tal inserção. Contudo, outro fator que impede que elas
conquistem sua autonomia, é que em muitas situações as mulheres se dedicaram durante
anos de suas vidas à casa, aos filhos e ao companheiro, não conseguindo, portanto, reunir
competências profissionais para alcançar um lugar no mercado de trabalho. Outro motivo
é o fato de seus companheiros agressores negarem a ela o direito a uma vida profissional,
através de ameaças, violência verbal, violência física. Houve caso de uma mulher que seu
companheiro queimou sua carteira de trabalho, como forma de coibi-la de buscar um
emprego.

É importante ressaltar que muitas mulheres que trabalham e são socorridas e


escondidas nas Casas Abrigo necessitam demitir-se de seus empregos dado que, para
usufruir do serviço, por motivos de segurança, não podem ter qualquer vínculo externo,
seja com o trabalho ou outros serviços. Após um tempo de acolhimento, quando a rede
de enfrentamento21 e as mulheres identificarem a diminuição do risco de morte, elas
retornam ao mercado de trabalho, em sua maioria em outros municípios. Muitas
mulheres, por vários motivos, desejam ser desligadas do serviço Casa Abrigo antes
mesmo de conseguir um emprego, pois conseguem ajuda de parentes e/ou amigos.

Tabela 10 – Renda atual das mulheres

21
A rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito à “atuação articulada entre as
instituições/ serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando ao desenvolvimento
de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e construção da
autonomia das mulheres, os seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência
qualificada às mulheres em situação de violência” (Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres, Secretaria de Políticas para as Mulheres – Presidência da República, Brasília, 2011).
Disponível: http://www.spm.gov.br/sobre/publicacoes/publicacoes/2011/rede-de-enfrentamento Acesso
em: Dezembro/2016.

60
Renda Atual

mais de dois salários mínimos 0

3
até dois salários mínimos

3
até 1 salário mínimo

Sem renda 6

0 1 2 3 4 5 6

O gráfico acima demonstra que três mulheres recebem atualmente até dois salários
mínimos, três mulheres até um salário mínimo e seis mulheres estão sem renda, sendo
que três delas estão acolhidas.

Neste sentido, a falta de escolaridade contribui para não alcançar melhores


condições de renda. Todavia, destacamos que a violência e as várias agressões sofridas
também contribuem para que as mulheres não consigam sua autonomia financeira, pois
as violências sofridas muitas vezes as impedem de se deslocar até o trabalho, seja pelos
hematomas, seja pelas condições psicológicas ou mesmo pela angústia de não possuírem
alternativas para sair daquela situação, desenvolvendo muitas vezes uma depressão.
Desse modo, ressaltamos que a falta da autonomia financeira pode ser um indicador
importante que dificulta a saída das mulheres do ciclo da violência e aumenta a
vulnerabilidade da situação de agressões e, consequentemente, o risco de morte.

Tabela 11 – Religião das mulheres

61
Religião

Espiritualista 1

Adventista do Sétimo Dia 1

Deus é Amor 1

Católica 1

Assembleia de Deus 8

0 2 4 6 8

O gráfico acima demonstra a religião das mulheres que participaram dos grupos
focais. É possível perceber a discrepância de mulheres que pertencem ao grupo religioso
Assembleia de Deus com oito fiéis. Dentre as demais denominações religiosas às quais
as mulheres afirmam pertencer estão: uma da igreja Deus é Amor; uma mulher
pertencente à Adventista do Sétimo Dia; uma católica e uma mulher que diz não pertencer
a nenhum grupo religioso, porém nomeia-se espiritualista. A mulher que se declarou
católica, afirmou ter sido criada em família católica, batizada e crismada no catolicismo,
porém atualmente está frequentando a igreja Testemunha de Jeová.

Será que existe alguma relação entre a pertença religiosa e a violência doméstica?
Os sistemas religiosos podem contribuir para a violência contra as mulheres ao afirmarem
sua submissão e secundariedade. A linguagem simbólica ritualizada como são as
transmitidas nos cultos religiosos tem um grande poder de impor-se como norma, como
regra, ou seja, ela legitima o comportamento das pessoas, à proporção que é considerada
sagrada. Neste sentido, se a religião afirma a submissão, a obediência e a inferiorização
feminina, ela afirma também a legitimidade da violência contra as mulheres.

No caso de uma das mulheres que participou do grupo focal, ela relata que seu ex-
companheiro não permitia que ela saísse sem sua permissão. Segundo ela, ele acreditava
ser seu dono e a proibia de sair de casa para ir à igreja, espancando-a caso não obedecesse.
As violências se deram também pelo fato de muitas mulheres não obedecerem às ordens
dos companheiros e não corresponderem aos pedidos de submissão formatadas pelos
agressores, sendo muitas delas espancadas e ameaçadas de morte. Mesmo em meio a

62
tantos senões da religião, as mulheres que fizeram parte desta pesquisa, bem como tantas
outras, conseguiram enfrentar suas crenças, seus líderes religiosos, os fiéis de suas igrejas
e buscaram ajuda para se livrarem de seus companheiros agressores. Além disso, muitas
vezes foi na religião que elas encontraram o apoio para romper definitivamente com o
ciclo da violência.

A entrevistada que se declara espiritualista, relatou que passou por várias


denominações religiosas, principalmente para buscar ajuda para se livrar das agressões
de seu companheiro. Contudo, ela era orientada a fazer orações para o agressor e passar
a ser uma pessoa mais amável. Nesta perspectiva, ela atualmente não se considera uma
pessoa religiosa, mas prefere a crença em Deus.

Tabela 12 – Religião dos pais das mulheres

Religião dos pais

Universal do Reino de Deus 1

Católica 2

Candomblé 3

Congregação Cristã do Brasil 1

Assembleia de Deus 5

0 1 2 3 4 5

O gráfico acima mostra quais são os grupos religiosos aos quais os pais das
mulheres entrevistadas pertencem. A maioria (cinco) pertence à Assembleia de Deus, três
pertencem ao Candomblé, dois são Católicos, um da Congregação Cristã do Brasil e um
da Universal do Reino de Deus.

É possível perceber que as denominações religiosas predominantes dos pais são


também igrejas evangélicas. O gráfico mostra que os pais são pessoas religiosas, e
acreditamos que as mulheres foram socializadas em ambientes religiosos, que significa
que a obediência e a subalternidade como padrão de casamento já faziam parte de suas
vidas desde crianças, influenciando significativamente na relação violenta que elas
vivenciam.

63
Tabela 13 – Tipos de violência sofrida pelas mulheres

Tipos de violência sofrida

todos os tipos de violência 7


Ameaça demorte 12
Patrimonial 7
Sexual 5
Moral 12
Psicológica 12
Física 12

0 5 10 15

O gráfico acima demonstra que tipos de violências as mulheres sofreram, sendo


que todas elas sofreram violência física, psicológica e moral. Sete mulheres sofreram
todos os tipos de violência22 e cinco sofreram violência sexual. É importante ressaltar que
a violência sexual pode ser uma violência bastante comum na vida das mulheres, porém
a maioria desconhece seu direito de dizer não ao companheiro quando não deseja ter
relações sexuais. A obrigação sexual está imposta em várias linguagens como no próprio
regime patriarcalista e machista que vivenciamos, em que o desejo predominante é o do
homem, que, por sua vez, se julga no direito de obrigar suas companheiras a ter relações
quando desejarem. Mesmo as mulheres estando no mercado de trabalho e contribuindo
com a renda familiar ou a assumindo totalmente, a violência sexual na relação conjugal é
muito comum, pois “o pensamento das mulheres de que o sexo forçado não se configura
uma violência, pelo fato de ser praticado pelo marido, ainda persiste” (MAZONI;
MUSSKOPF; ANTONI, 2014).

As denúncias em sua maioria só são realizadas quando chegam ao ápice da


violência, que é a ameaça de morte. A violência se inicia muito antes disso, com
xingamentos e discussões, passando em seguida para a violência física, sexual até a

22
Segundo o Artigo 7º da Lei Maria da Penha são consideradas formas de violência doméstica e familiar
contra a mulher: I – a violência física; II – a violência psicológica; III – a violência sexual; IV – a violência
patrimonial; V – a violência moral. (Lei nº 11.340/2006, Lei Maria da Penha, 2006).

64
ameaça de morte. Nesta pesquisa todas as mulheres foram ameaçadas de morte e saíram
de suas residências por medo de serem mortas. Evidencia-se que, mesmo após as
ameaças, os agressores insistem em conviver com as mulheres, procurando-as em redes
sociais, junto a amigos e familiares. Tal fato pode ser fundamentado por se sentirem no
direito de controlar a vida das mulheres através do poder que lhes foi concedido.

Sete mulheres sofreram violência patrimonial, isto é, os agressores rasgaram seus


pertences como: roupas, objetos pessoais e documentos. Tal violência geralmente ocorre
quando a mulher decide buscar outras alternativas para sua vida e tal violência é muitas
vezes cometida como forma de impedimento, para que não realizem desejos não
autorizados por eles.

Tabela 14- Tempo de acolhimento

Tempo de acolhimento

Acolhida 3

1 ano 1

8 meses 2

3 meses 1

2 meses 3

1 mês 1

10 dias 1

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3

O gráfico acima demonstra o tempo de acolhimento das mulheres que


participaram dos grupos focais. Percebemos que uma mulher ficou apenas dez dias; outra
ficou por um mês; três mulheres, por três meses, duas mulheres permaneceram por oito
meses e uma por um ano. A Casa Abrigo é um serviço fundamental garantido pela Lei
Maria da Penha, que tem como objetivo proteger as mulheres que estão sob ameaça de
morte. Para muitas mulheres, este é o único ambiente seguro ao qual elas possuem acesso
para que, com os filhos e filhas consigam livrar-se da morte. O tempo máximo para
permanecer nas Casas Abrigo é de até seis meses, porém muitas mulheres possuem

65
dificuldades em reunir condições financeiras e emocionais necessárias para seguir o curso
de suas vidas com autonomia. Reinserir-se no mercado de trabalho, encontrar um imóvel
e mobiliá-lo, administrar os filhos quanto à educação, saúde, verificar um local seguro
para que eles permaneçam no contra turno escolar enquanto ela trabalha, responsabilizar-
se pela alimentação e todos os subsídios necessários, não é uma tarefa simples, pois todas
estas responsabilidades são acompanhadas de sentimento de insegurança e medo.
Ressaltamos que, em sua maioria, as mulheres deixam suas casas e seus pertences, e
dificilmente conseguem recuperá-los. Assim sendo, seus agressores quando não os
destroem, não devolvem por puro sentimento de raiva, pelo fato de as mulheres o terem
denunciado.

Não há dúvidas que o abrigamento é marcado pelo sentimento de aprisionamento,


pois as mulheres são afastadas de seus familiares, amigos, comunidade, principalmente
nos primeiros trinta dias, em que a rede socioassistencial com a equipe técnica da Casa
estão analisando a gravidade do risco de morte das mulheres de seus filhos e filhas. Outro
depoimento dado pelas mulheres é que, além do sentimento de aprisionamento, há um
sentimento de injustiça, já que não cometeram crime e ainda necessitam ficar presas. Por
este ângulo, algumas mulheres não conseguem superar tais sentimentos e, aliado à
preocupação com a vida lá fora, mesmo podendo morrer, solicitam o desacolhimento.
Entretanto, existem casos em que as mulheres são desacolhidas, mas fica evidente que o
risco de morte permanece, necessitando de maior envolvimento da polícia nestes casos.

2.3 Perfil dos autores de violência contra as mulheres

Tabela 15

Pesquisa Agressor 1 Agressor 2 Agressor 3 Agressor 4

Estado de origem Espírito São Paulo Pernambuco São Paulo


Santo

Faixa etária 44 anos 40 anos 44 anos 44 anos

Raça/etnia Pardo Negro Negro Pardo

66
Nível de instrução Ensino Ensino Ensino Ensino
Médio Fundamental Fundamental Fundamental
incompleto incompleto completo completo

Estado civil Solteiro Divorciado Casado Casado

Número de filhos e filhas 4 filhos 2 filhos 4 filhos 2 filhos

Profissão Pintor Ajudante Operador de Marceneiro


Geral máquinas

Renda Atual Sem renda Até 1 salário De 1 a 2 Mais de 2


mínimo salários salários
mínimos mínimos

Tempo de relacionamento 3 anos 3 anos 2 anos Mais de 20


anos

Tipos de violência que Todos os Verbal, Física, Verbal


cometeu tipos de Moral, Verbal,
violência Psicológica e Moral,
Patrimonial Psicológica e
Patrimonial

Sofreu violência na infância Sim Não Sim Não

Mãe sofreu violência Sim Não Sim Não

Religião Católico Assembleia Igreja Não tem


Apostólico de Deus Apostólica
Romano

Religião dos pais Católica Assembleia Assembleia Não sabe


de Deus de Deus

Foi denunciado pela Lei Sim Sim Sim Sim


Maria da Penha

Cumpriu pena em regime Não Não Sim Não


fechado

67
Através da análise do perfil dos agressores percebe-se que o Estado de origem é
variado: São Paulo (2), Espírito Santo (1) e Pernambuco (1). A faixa etária está entre 40
(1) e 44 (3) anos, prevalecendo os homens com idade de 44 anos. A raça/etnia foi
autodeclarada: cor parda (2) e negra (2).

Referente à escolaridade dos agressores entrevistados observa-se que, apesar de


todos serem alfabetizados, nenhum completou o Ensino Médio. Um homem possui o
fundamental incompleto, dois homens completaram o Ensino Fundamental e apenas um
homem chegou ao Ensino Médio. Nenhum dos entrevistados conseguiu alcançar o Nível
Universitário.

Em relação ao trabalho, apesar de todos possuírem uma profissão (pintor, ajudante


geral, operador de máquinas e marceneiro), nem todos estão empregados ou têm renda
própria, sendo que um dos entrevistados está atualmente sem renda, um recebe menos de
um salário mínimo mensal através de trabalhos extras, outro tem uma renda entre um e
dois salários mínimos e o último recebe mais que dois salários mínimos.

Observa-se que apenas um se declara solteiro, sendo que seu último


relacionamento perdurou por três anos. Outro se diz divorciado, porém retomou seu
casamento com a mesma companheira há três anos. Dois entrevistados declaram-se
casados, um há três anos e o outro por mais de vinte anos. Quanto ao número de filhos e
filhas, todos os homens entrevistados possuem filhos, dois homens com dois filhos, sendo
um do primeiro relacionamento e o outro deste último, e dois homens possuem quatro
filhos cada, sendo que, no caso de um deles, os filhos são do relacionamento anterior e o
outro do atual casamento.

A pesquisa mostrou que todos os homens entrevistados cometeram mais de um


tipo de violência contra as companheiras. As violências comuns entre os agressores
foram: violência verbal, cometida por todos os entrevistados, violência moral,
psicológica e patrimonial (três), violência física (dois). Um dos entrevistados
confessou ter cometido todos os tipos de violência contra a ex-companheira e a atual.
Nenhum deles assume ter cometido agressão sexual, ponto que já abordamos acima ao
nos referir à violência sofrida pelas mulheres

Levando em conta a violência sofrida na infância, dois entrevistados afirmaram


terem sido agredidos desde a infância até a adolescência e dois entrevistados declararam

68
não terem sofrido nenhuma violência. O mesmo se observa em relação às agressões
perpetradas com suas genitoras, sendo que dois homens declararam ter presenciado
violências contra as mães e dois declararam nunca terem visto suas genitoras sendo
agredidas. Todos os homens entrevistados informaram terem sido denunciados por suas
companheiras pela Lei Maria da Penha, porém apenas um deles declarou ter cumprido
pena em regime fechado.

Referente à pertença religiosa, são elas: Assembleia de Deus (1), Católica


Apostólica Romana (1), Igreja Evangélica Apostólica (1) e sem religião (1). Em relação
aos pais e mães, a Assembleia de Deus apareceu em dois depoimentos, a mãe de um deles
era católica e o outro não sabe dizer.

2.4 Discussão

Estes homens foram convidados a participar desta pesquisa porque cometeram


violência contra suas companheiras ou ex-companheiras, e ao perguntarmos sobre seus
relacionamentos anteriores, todos relataram já terem sido agressivos quando eram mais
jovens. A partir da análise dos resultados obtidos foi possível constatar que,
referentemente à idade, todos os agressores entrevistados têm entre 40 e 44 anos.

A baixa escolaridade aparece como um dado comum entre os agressores


entrevistados. Tal condição recai diretamente sobre a situação financeira à qual estão
submetidos, pois o grau de instrução dificulta sua inserção no mercado de trabalho e na
formação profissional. Todos os homens entrevistados possuem uma profissão, porém
nem todos estão trabalhando. Apenas dois têm empregos fixos e recebem salários; em
relação aos outros dois agressores, ambos estão desempregados, sendo que um deles
consegue realizar apenas alguns trabalhos esporádicos e o outro não possui nenhuma
renda. Ressalta-se que somente um dos entrevistados possui renda maior que dois salários
mínimos. A situação de alta vulnerabilidade influencia diretamente nas relações
familiares violentas, não que sejam as principais causas das agressões contra as mulheres,
mas é um fator importante a ser considerado.

Durante as entrevistas todos os agressores mencionaram a falta de recursos


financeiros como uma das causas das discussões entre o casal. Não podemos deixar de
considerar que, nos papéis socialmente construídos, a centralidade está na figura do
homem “enquanto o agente provedor, chefe de família responsável por atividades que

69
demandam uma temporalidade voltada mais especificamente à dedicação do trabalho,
fora do âmbito doméstico” (SOUZA, 2010, p. 248). Quando não conseguem suprir tais
papéis, sentem-se extremamente incapazes e inseguros, o que acaba favorecendo a
violência doméstica.

Observou-se nesta pesquisa que, embora alguns homens se tenham declarado


solteiros e divorciados, todos eles mantêm relacionamentos estáveis e admitiram que
foram violentos em uniões anteriores. Este fato mostra que tais comportamentos são
aceitos pela sociedade e naturalizados por eles como forma de expressão, o que significa
que, em qualquer relacionamento, esses homens serão violentos. Isso ocorre pelo fato de
existir uma imensa “conexão entre ser homem e apresentar comportamento violento”
(MISTURA, 2015, p. 30). Essa é uma forma de compreender a identidade masculina, pois
nesta sociedade os homens têm a masculinidade hegemônica como referência para seu
comportamento, bem como o seu papel social.

Mesmo sendo denunciados, alguns permanecem se relacionando com suas


companheiras, o que mostra que as mulheres não querem puni-los com as denúncias
realizadas, porque desejam manter sua relação familiar. Contudo, elas não suportam mais
as violências vividas e não conseguem mudar a situação. Talvez tal fato mostra que o
trabalho interdisciplinar e intersetorial com os homens agressores, através de Centros de
Reabilitação para homens autores de violência contra as mulheres, além da penalização,
conforme estabelece a Lei Maria da Penha, seja uma forma mais eficaz de trabalhar seu
comportamento e promover a igualdade de gênero.

As violências contra as companheiras foram cometidas de várias formas. Todos


os agressores justificam que as maiores causas estão relacionadas à desobediência,
drogas, álcool e situação financeira insuficiente, fatores estes que desafiam sua
masculinidade. Em referência à desobediência, muitos homens acreditam ainda na visão
estereotipada de papéis sociais vinculados à área doméstica, de modo que “o espaço
doméstico torna-se o cenário da reprodução da alienação, visto que é ambiente onde o
estereótipo de gênero – que define este espaço como espaço feminino – tem uma grande
possibilidade de se cristalizar” (SOUZA, 2012, p. 252).

Na pesquisa foi possível observar que os homens que sofreram violência na


infância e presenciaram agressões contra suas genitoras, cometeram agressões graves
contra suas companheiras. Neste sentido foi possível constatar que os homens que

70
cresceram em famílias violentas tendem a reproduzir comportamentos agressivos e
dominadores, tendo em vista que “temos presente a figura paterna no seio da vida familiar
– figura ideal presente e enfatizada pelas diversas tendências cristãs” (SOUZA, 2012, p.
247).

3 A RELIGIÃO COMO SISTEMA SIMBÓLICO ESTRUTURANTE

3.1 A Religião

Na sociedade contemporânea, o ser humano recebe interferências de diferentes


instituições que influenciam no seu modo de agir, pensar, comportar-se e até mesmo em
seu modo de vida, incluindo suas crenças e valores. A religião é uma dessas instituições,
pois ela desempenha um papel fundamental na vida do ser humano, de modo que
historicamente é o instrumento mais efetivo de legitimação (BERGER, 1985), pois seus
ritos e atos religiosos representam o ponto máximo da autoexteriorização dos indivíduos,
na manutenção dos próprios sentidos sobre a realidade. A palavra religião é de origem
latina que pode ser representada como re-ligare, que quer dizer amarrar de novo ou
amarrar fortemente. Outra definição popular é entendida como crença em Deus. A
Religião pode ser conceituada como:

Uma estrutura de discursos e práticas comuns a um grupo social referentes a


algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou unificadas) tidas pelos
crentes como anteriores e superiores ao seu ambiente natural e social, frente as
quais os crentes expressam certa dependência (criados, governados, protegidos,
ameaçados, etc.) e diante das quais se consideram obrigados a certo
comportamento em sociedade com seus semelhantes. (MADURO, 1983, p. 31).

A religião é uma depositária de significados culturais, em que as pessoas


produzem seus conceitos. Além disso, desempenha um papel de manutenção da realidade
do mundo, que legitima situações difíceis em termos de uma realidade sagrada sendo
ainda responsável pela ordem social, pois ela reconhece e sacraliza as ações (BERGER,
1985). Para Berger, a religião pode ser considerada como um “empreendimento humano
pelo qual se estabelece um cosmos sagrado, ela é a cosmificação feita de maneira sagrada”
(1985, p. 38). Para este mesmo autor, o sagrado “é uma qualidade de poder misterioso e
temeroso, distinto do homem e todavia relacionado com ele” (BERGER, 1985, p. 38). É
como se saltasse para fora das rotinas normais do cotidiano, é algo extraordinário e
fantástico. O ser humano, em sua individualidade e/ou no coletivo, compreende o sagrado
como algo imensamente poderoso, bem diferente da nossa realidade.
71
A oração ainda é um meio de interlocução com Deus. Muitas mulheres buscam
compreender a violência vivida através da oração, do diálogo com Deus, do
aconselhamento do líder religioso. No entanto, a oração não garante que sejam salvas das
agressões e menos ainda das ameaças de morte. Monica, pertencente à Igreja Deus é
Amor, acredita no poder da oração para transformar sua vida e a de seu companheiro:
“Você tem que estar sempre ali em oração esperando o tempo certo de Deus”. Monica
relata que há anos faz suas orações diárias, em sua casa e na igreja. As mulheres das
igrejas pentecostais são orientadas pelas lideranças religiosas a orar pelo companheiro, e
este fato se dá por um ato de amor, sacrifício e perdão de sua parte.

3.2 A religião e as questões de gênero

A religião tem uma grande influência na construção da identidade dos seres


humanos. A opressão das mulheres foi construída socialmente, reforçada e intensificada
por mitos, contos e religião, que perduraram por milênios. Como forma de justificar a
submissão como algo natural, alguns textos religiosos, dentre eles, a Bíblia, reforçaram a
ideia patriarcal de que as mulheres eram propriedade dos homens. Os símbolos e as
doutrinas cristãs, bem como suas lideranças, reforçam a cultura patriarcal, legitimando
um comportamento de obediência e autoritarismo, que resulta em opressão e submissão
para as mulheres. Em entrevista realizada com Hamilton, ele relata que foi criado com
severidade e que a mãe sempre foi muito obediente ao seu pai. Por esse motivo, ele a
admira muito. Ele não é diferente com a esposa, que frequenta a igreja Assembleia de
Deus. Embora ele esteja respondendo a processo criminal por tê-la agredido, ainda
acredita que seu comportamento é o mais assertivo dependendo da ocasião. Assim relata:

Deus é o pai de tudo, é o criador de tudo [...] Portanto, quando eu falo não é não.
Você, o homem, é o que dá as diretrizes da casa.

Tal comportamento responde a uma sociedade desigual que é construída em


representações culturais de um masculino poderoso e digno de obediência e de um
feminino frágil e submisso, e ambas condutas são legitimadas pela religião. Várias
passagens bíblicas ressaltam a submissão da mulher, como por exemplo Paulo, em 1
Coríntios 11.3, que afirma “ser o homem a cabeça e a mulher o corpo”. Até os dias de
hoje a religião contribui significativamente para a submissão das mulheres, inclusive elas
próprias internalizam e vivenciam tal condição, aceitando ser este o seu destino. Por outro

72
lado, quando tentam se rebelar, frequentemente têm o sentimento de que transgrediram
as leis de Deus, acreditam que de alguma forma irão pagar por isso, seja no mundo terreno
ou no mundo cósmico. Como nos relata Edilia, que sofreu violência doméstica em seus
dois relacionamentos e se separou do ex-companheiro; porém, admite que em algum
momento vai prestar contas a Deus:

Eu fui criada no evangelho desde que nasci. A minha igreja sempre foi
Assembleia de Deus. Quando você faz as coisas inocente você é inocente, agora
quando você faz as coisas sabendo que você tá errando, pode ter certeza que
você vai pagar.

Edilia se sente culpada por ter se separado de seu ex-companheiro, acredita que
ainda vai pagar por isso, porém justifica sua atitude dizendo que tentou de tudo, foi fiel,
ficava calada quando ele a agredia, fazia todas as orações recomendadas, obedecia suas
ordens. Nada adiantou, e as agressões foram ficando cada vez mais graves, até que o
agressor a ameaçou de morte tentando enforcá-la. Foi quando ela resolveu buscar ajuda
no Centro de Referência da Mulher.

Não é só na igreja cristã católica que o matrimônio deve permanecer indissolúvel,


mas na maioria das denominações religiosas cristãs, esta é uma das formas de controlar a
sexualidade feminina, visto que a mulher deve manter relações sexuais apenas dentro do
matrimônio. No caso das mulheres que sofrem violência, esta doutrina imposta pela igreja
muitas vezes faz com que elas permaneçam numa relação conflituosa por acreditarem
estar cometendo algum pecado e, portanto, são castigadas. Como o caso de Luana: ao
perguntarmos qual o principal motivo de permanecer numa relação violenta por tantos
anos, respondeu que tinha receio do que lhe poderia ocorrer perante sua religião e perante
a sociedade:

Essa coisa de separar é complicadíssima, porque na igreja quando você vai


procurar ajuda, as pessoas falam pra voltar.

Luana não conseguiu ajuda para se livrar do agressor, mesmo sendo vista toda
machucada na igreja. As mulheres que lá frequentavam, aconselhavam-na a permanecer
na relação conflituosa, conforme relato:

A liderança religiosa ou mesmo os fiéis não entendem, são todos muito


românticos e eles orientam você fazer qualquer coisa, menos você se separar. As
pessoas não gostam de mulheres separadas na igreja, ser separada na igreja é a
pior coisa, você tem que voltar para o seu marido, você tem que lutar, você tem
que fazer campanha para o cara que te agrediu, você tem que fazer campanha.
Essa campanha é através da oração, e chamar ele de volta, porque o que importa

73
é a família unida e se está daquele jeito é porque você não ajudou ele, porque se
você tivesse ajudado, ele tinha melhorado.

Neste caso percebemos que Luana não conseguiu apoio da liderança religiosa e
das fiéis da igreja à qual pertencia, por isso tomou a decisão de se divorciar pois, além de
ser espancada pelo ex-companheiro, sentia-se pressionada pela religião para se manter
naquela relação conflituosa. A indissolubilidade do matrimônio ainda é para as religiões
uma forma de manter a família unida, ainda que a mulher viva situações graves de
violência e dominação.

Apesar do uso constante dos símbolos religiosos utilizados para atrair os(as) fiéis,
a palavra da liderança religiosa nas igrejas pentecostais ainda impera. As mulheres são
influenciadas pelos discursos religiosos e, por isso, muitas permanecem em
relacionamentos conflituosos. Luciana, 39 anos, é assembleiana desde que nasceu, sofreu
violência doméstica do ex-companheiro e quase foi morta por ele. Ao lhe perguntarmos
se, em algum momento, buscou ajuda na igreja para se livrar da violência, ela nos relatou
que tal fato aconteceu várias vezes, porém não conseguiu apoio da liderança para se
divorciar:

O pastor foi na minha casa fazer campanha para ver se ele mudava. Um dia, eu
chamei ele no particular e ele falou assim: ‘Olha, irmã, o que Deus une homem
nenhum separa, se Deus fez o casamento dele ninguém separa, será que é muito
cedo porque é o teu Deus que preparou ele e ele vai mudar, ele vai mudar e
através de você ele vai mudar’. Eu falei: ‘Mas eu estou em Cristo há tanto tempo,
há anos e não tá adiantando’. ‘Isso não é nada, irmã, ora mais’. Aí quando o
pastor saía na porta, no outro dia ele começava tudo de novo, e eu dizia: ‘Jesus,
mas é isso que tu quer pra mim?’

Joana, 30 anos, pertencente à comunidade religiosa Assembleia de Deus:

Eu cheguei a falar várias vezes na igreja que eu queria me separar, mas eles
nunca me apoiaram, eles diziam que o certo era eu ficar com ele, viver com ele,
e apoiar ele até que ele conseguisse mudar de vida.

A ideia do sacramento eterno, como é considerado o casamento pelas religiões,


levou Luciana a passar toda a sua vida submetida a uma relação violenta com o
companheiro. Ela tentou várias estratégias para o companheiro mudar o comportamento
agressivo, inclusive pediu ajuda ao pastor da igreja à qual pertence para fazer orações em
sua casa, com o objetivo de descartar a figura de espíritos malignos em sua vida. Não
obstante, nada adiantou: o companheiro continuou espancando-a e ameaçando-a de
morte. E ainda assim o conselho do pastor foi para que ela permanecesse tolerante e fiel
ao seu homem e, principalmente, que orasse intensamente, com a prerrogativa de que seu

74
parceiro pudesse se converter e se tornar um esposo não violento. O caso de Joana foi
ainda mais arriscado, pois o ex-companheiro, a cada agressão, tentava enforcá-la e só
parava quando ela estava quase morrendo. Indagamos: o que vale mais? A vida ou
obedecer aos dogmas religiosos?

As orientações religiosas exercem, de modo notório, forte influência entre os (as)


fiéis, e o discurso pastoral é um dos fatores que interferem na submissão e na violência
contra as mulheres, pois “a partir de um discurso misógino, a religião não apenas produz
ou reproduz a violência de gênero, mas a sacraliza” (SOUZA, 2009, p. 53). Neste sentido,
as interpretações da Bíblia discursadas pelas lideranças religiosas legitimam a
depreciação da mulher, reafirmam a passividade frente às agressões, condenam o
divórcio, validam o poder das orações frente aos problemas familiares, regulam os corpos
femininos, entre várias outras afirmações que alimentam a permanência da mulher nas
relações familiares conflituosas.

As liturgias e rituais que trabalham com a subjetividade dos indivíduos também


influenciam as relações de gênero, posto que as mulheres são obedientes e submissas a
divindades masculinas. Os textos bíblicos são utilizados por líderes religiosos em seus
discursos legitimando a submissão e a violência contra as mulheres, pois a obediência das
mulheres vista como virtude pelos textos bíblicos é o símbolo de um mundo autoritário e
masculino. Segundo STROHER (2009), esses rituais e outras práticas são simples
métodos que regulamentam as relações familiares que, por serem atribuídas ao poder
divino, são considerados de natureza sagrada, ainda que estes códigos familiares são
estruturantes na “elaboração de sua identidade, de sua conduta moral e do seu
posicionamento frente ao mundo” (STROHER, 2009, p. 104), mantendo as pessoas reféns
de dogmas cristalizados.

Vários estereótipos religiosos estão arraigados na sociedade, como a ideia de que


a mulher é um ser indisciplinado, é impulsiva e cede facilmente às tentações, além de
possuir um poder mágico de seduzir os homens a ponto de levá-los à perdição. Tais
estereótipos são decorrentes do fato de a mulher ser acusada de ser responsável pela
Queda Original, em que Eva, não resistindo à tentação da serpente, desobedece a ordem
dada por Deus e induz Adão a pecar com ela. Deste modo, a ira de Deus amaldiçoou
ambos, e a mulher passaria a ter parto com dor e sofrimento, e seria dominada pelo homem
até o fim de suas vidas. A religião não gerou apenas o sofrimento, mas a violência que

75
recaiu principalmente para as mulheres, dadas as suas características patriarcais. Partindo
deste pressuposto, a religião torna-se contraditória, uma vez que a mensagem transmitida
por ela em sua maioria é estimular e proteger a convivência humana a partir dos valores
fundamentais de toda a existência, e esses mesmos valores geram formas de cumplicidade
com a violência doméstica e social.

A família é considerada um espaço privilegiado de formação de sentidos,


socialização de valores e princípios religiosos para as diversas denominações religiosas.
Como estas não dispõem de mecanismos coercitivos, procuram atrair as famílias através
de pactos, transmitindo valores morais defendidos por elas (BUSIN, 2011). É neste
sentido que “a cosmologia cristã é marcada por familismo original, inclusive com a
simbologia da Sagrada Família como mediadora entre o sagrado e o propriamente
humano” (BUSIN, 2011, p. 75), o que reforça a identidade e o modelo familiar. No seio
das famílias, a hierarquia se faz segundo o preceito bíblico de que o homem é a cabeça e
a mulher, o coração, e é claro que a emoção é considerada inferior à razão. A igreja
considera que a mulher deve sujeitar-se ao homem, pois este é considerado
“naturalmente” o governo da casa e da mulher. A ela, cabe a vida doméstica. Outro ponto
a ser considerado é o fato que, na maioria das religiões cristãs, as mulheres são convidadas
a tomar a Virgem Maria como exemplo das virtudes, como protótipo da mulher pura e
obediente à vontade de Deus, uma vez que a obediência se estrutura a partir de uma
relação de poder, em geral expressa historicamente a partir da submissão a uma imagem
masculina (GEBARA, 2000).

Às mulheres são atribuídas as responsabilidades de um lar saudável, sendo que


para que se mantenha um lar feliz e equilibrado, não se pode expressar lamentações e
choros pelos cantos da casa. Neste sentido, ao sofrer agressões ou outras dificuldades, as
mulheres devem apelar para as orações, através das quais possam pedir para que
transformem a si mesmas e os companheiros. As mulheres são responsáveis até mesmo
por orarem pelos seus maridos, pois eles se sentem isentos de fazer o mesmo pelas
esposas.

Em relação à sexualidade feminina, para a religião ela tem apenas uma finalidade:
a procriação, pois para ela o sexo é algo sujo, indigno e mau. Essa ideia é baseada nas
sagradas escrituras, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Já afirmava Santo
Agostinho, considerado um autor cristão bastante influente nas questões relacionadas à

76
sexualidade: “Todos os atos sexuais são, em certa medida pecaminosos porque pelo
menos alguma luxúria está virtualmente implicada em cada um deles.” Nesta perspectiva,
como o sexo tinha como principal objetivo a procriação, qualquer maneira de evitar a
concepção era pecaminosa e moralmente inaceitável. Os pecados sexuais, como o sexo
fora do casamento, masturbação, prostituição, homossexualidade, sexo com mulher
grávida, sempre foram considerados luxúria para a religião e resultavam em punições
severas (BUSIN, 2011).

Contudo, a violência doméstica está bastante presente em diferentes contextos


religiosos, das mais variadas formas, seja pelos líderes religiosos que professam suas
interpretações bíblicas através dos discursos religiosos, seja pelas orientações oferecidas
às mulheres. Ela também se faz sentir na pactuação da cultura do silêncio e na negação
da própria existência da violência, na omissão em relação a essa prática por meio das
estruturas indevidas, que mantêm e disseminam esta ideologia, ou ainda, nas ações de
fiéis que cumprem seu papel de reprodutores da violência doméstica. Assim, discutir
gênero e religião é pensar nas possibilidades de igualdade entre os sexos, é oportunizar
novas perspectivas de construções sociais de identidade.

Nesta discussão, a religião tem um papel fundamental, pois ela atua no


comportamento dos seres humanos. Se, por um lado, ela tem o poder de atuar como algo
sagrado que ajuda as pessoas a suportar situações difíceis, por outro ela reforça a
submissão das mulheres, através da manutenção do modelo simbólico, discrepante, das
relações sociais de gênero, que concebem a mulher como inferior ao homem. Sendo
assim, de que forma se estabelecem as influências religiosas que conferem um sentido à
violência contra as mulheres em lares violentos? Existe alguma possibilidade de as
lideranças religiosas embarcarem nesta luta de enfrentamento à violência contra as
mulheres? Em que medida os espaços religiosos podem ser utilizados para o
empoderamento e autonomia das mulheres?

77
Capítulo III

III. AGÊNCIA RELIGIOSA NO PROCESSO DE ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

1 A RELIGIÃO E A INFLUÊNCIA NAS RELAÇÕES FAMILIARES


VIOLENTAS

A vida em sociedade implica numa fonte interminável de mudanças. Norteadas


pela diversidade, tais mudanças influenciam diretamente no comportamento dos
indivíduos, que por sua vez são modelados pela cultura desde os primeiros anos de
existência. Em nossa vida social existem várias fases, e para cada uma delas nos são
exigidos novos padrões que nos permitem a convivência em coletividade. Este processo,
em que aprendemos a ser integrantes da sociedade é chamado de socialização (BERGER,
1975), que se inicia dentro da primeira instituição social da qual fazemos parte, que é a
família, estendendo-se a outras instituições sociais, que também são estruturantes em
nossas vidas como: a escola, o ambiente profissional, a religião, entre várias outras.

O sentimento de segurança e proteção fazem parte do processo de socialização e


convivência dos indivíduos em sociedade, e as instituições sociais são instrumentos que
contribuem para a organização da vida social, pois elas produzem regras e procedimentos
padronizados, reconhecidos e aceitos pela sociedade (DURKHEIM, 2002). As
instituições sociais agem contra as mudanças pela manutenção da nova ordem, para tanto
elas são conservadoras por essência, de modo que são estruturas presentes na sociedade,
que perpetuam seus valores e representam objetividade, autoridade moral e também
histórica, influenciando diretamente o comportamento dos indivíduos (DURKHEIM,
2002).

A família é uma instituição social que liga as pessoas por laços de parentesco ou
de convivência. É nela que aprendemos as primeiras formas de socialização criadas pelas
culturas. Essa instituição possui em seu seio aspectos cristalizados na consciência dos
indivíduos e constitui igualmente o lugar em que se constrói a identidade fundamentada
em seus valores morais, mesmo que influenciados pela sociedade. Logo, é o primeiro
sistema no qual o indivíduo interage, pois nela cada membro tem uma posição e um papel
socialmente definidos que reflete sua organização (BERGER, 1975).
78
No Brasil, desde o período colonial, a identidade social das mulheres era vinculada
à vida doméstica e sua imagem figurava serena e frágil, como seres naturalmente
inferiores aos homens. Na Casa Grande23 as mulheres brancas tinham como
responsabilidade o comando do lar, bem como outras atividades como bordar, costurar,
cuidar do pomar, que eram atribuições destinadas aos cuidados com a família. Em se
tratando das mulheres negras, estas viviam também nas casas-grandes como escravas e
concubinas, ou seja, elas eram submetidas ao domínio dos brancos. As mulheres negras
além de servirem como “ventres geradores” (BASEGGIO; SILVA, 2015, p. 23),
iniciavam os filhos dos grandes senhores na vida sexual. Eram também amas de leite,
escravas domésticas e ainda eram submetidas às condições de violência sexual. As
mulheres negras escravas quando finalmente obtinham a liberdade, encontravam diversas
dificuldades, pois embora estivessem livres, não tinham um local que as acolhesse para
que pudessem iniciar uma nova vida. Em decorrência disso, acabavam sendo obrigadas a
entrar na prostituição, a fim de evitar a miséria e a fome (BASEGGIO; SILVA, 2015).
Quanto aos homens, a responsabilidade sempre foi da gestão dos empreendimentos e
negócios, assim como o direito à vida social. Assim ficava evidente a diferença da
construção dos papéis de gênero, que reforçavam, desde então, os conceitos da dominação
e da opressão.

Presente no cotidiano das relações familiares, a violência doméstica a todo


momento fez parte deste cenário, pois foi reforçada pelos papéis socialmente construídos:
a autoridade era atribuída ao masculino, e a submissão, ao feminino. Estes papéis foram
definitivos nas relações entre as pessoas, de tal forma que se tornaram cristalizados na
estrutura familiar. Por esse motivo, muitas vezes a violência se torna invisível aos olhos
da sociedade. Ainda assim, muitas mulheres, quando os maridos se ausentavam ou
faleciam, lideravam a família e os negócios, e cuidavam de seus patrimônios (SAMARA,
2006).

Com a chegada da família real ao Brasil, no início do século XIX, houve mudanças
significativas no cotidiano das mulheres pertencentes à elite dominante, pois elas
passaram a frequentar os espaços públicos como igrejas e festas, ampliando suas
atividades para o convívio social. Aos poucos, através de muita luta, elas foram

23
“A casa-grande foi casa de morada, vivenda ou residência do senhorio nas propriedades rurais do Brasil
colônia a partir do século XVI. Tudo no engenho girava em torno da casa-grande, sendo ela uma espécie
de centro de organização social, política e econômica local” (ANDRADE, 2009).

79
conquistando espaço na sociedade, aprenderam a ler e a escrever, posicionaram-se frente
aos homens. Apesar disso, os cuidados com a prole nunca deixaram de ser uma das
atribuições principais da mulher. Como resultado de um produto típico da colonização
portuguesa, este é o modelo da família brasileira.

Nas últimas décadas, vários fatores contribuíram para mudanças no padrão da


família patriarcal nuclear dominante, como: aumento do número de divórcios, aumento
do nível educacional das mulheres, inserção das mulheres no mercado de trabalho,
aumento do número de mulheres com a responsabilidade exclusiva com a manutenção da
casa etc. Tais causas são determinantes para a redefinição dos papéis de gênero e a
consolidação de novos arranjos familiares (MACHADO,1996).

O lar, por ser considerado um espaço privado, nunca sofreu qualquer intervenção
do Estado na casa; porém, o mesmo não acontece com a religião: considerada também
uma instituição social, sempre teve maior influência no âmbito familiar. Segundo
SOUZA (2009), a religião, tida como sagrada, é uma das poucas instituições que participa
da vida familiar das pessoas, validando o poder exercido pelos homens e a formação das
identidades de gênero.

O ambiente familiar é um dos principais lugares de propagação das religiões, pois


ele fornece referências morais. Como afirma Machado, “as religiões costumam assumir
a moral familiar como base da ordem social mais ampla, e adotam a família como símbolo
de estabilidade moral e social” (1996, p. 35). Pela sua estreita relação com o mundo
sobrenatural, a religião se reveste de seu caráter regulador e, ao mesmo tempo,
acalentador. Ela atua fortemente na disciplina da consciência e estabelece vínculos diretos
com vários aspectos da vida social: no cotidiano das pessoas, nos seus ritos, na relação
entre os sexos, influenciando na formação de valores e na convivência entre homens e
mulheres (ALMEIDA, 2014).

A igreja católica, desde a colonização, tem exercido forte influência sobre as


famílias brasileiras e, logo, sobre as relações de gênero. Desde então e até os dias atuais,
ela continua sendo referência religiosa na maioria das famílias brasileiras e influi

80
significativamente no Estado Republicano por meio da imposição de seus princípios
religiosos às Constituições, como por exemplo no debate sobre o aborto legal24.

Ainda com maior número de fiéis declarados, o catolicismo vem aos poucos
perdendo seus adeptos. De acordo com a censo 2010, os católicos passaram de 73,6% em
2000 para 64,6% em 2010 (IBGE, CENSO 2010), à proporção que pentecostais,
neopentecostais e outros grupos religiosos crescem rapidamente no País. A população
evangélica passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. Das pessoas que se
declararam evangélicas, 60,0% eram de origem pentecostal, 18,5%, evangélicos de
missão e 21,8 %, evangélicos não determinados (IBGE, CENSO 2010).

1.1 As mulheres e o pentecostalismo

Para discutirmos as influências religiosas nas instituições familiares, é necessário


entrar no universo religioso ao qual as mulheres pertencem, de modo a compreendê-las
dentro de um conjunto de símbolos culturais que estabelecem entre si. Nas casas abrigo,
objeto de nosso estudo, encontramos um número significativo (e majoritário) de mulheres
que se declararam evangélicas. Não apenas dentre as que participaram dos grupos focais,
mas no cômputo geral das mulheres atendidas nesses serviços. As mulheres são maioria
no mundo evangélico pentecostal (CENSO 2010), e certamente isso explica, mesmo que
parcialmente, a declaração religiosa da maioria de nossas entrevistadas. Daí a importância
de caracterizarmos, mesmo que brevemente, o pentecostalismo.

O pentecostalismo, desde o seu nascimento, foi aos poucos ganhando adeptos das
camadas mais pobres da população nos ambientes urbanos, alcançando principalmente
homens e mulheres migrantes e marginalizados. Existem vários fatores que contribuem
para a conversão ou permanência de pessoas do sexo feminino no pentecostalismo, um
deles é o “aumento da autoestima feminina e até uma redefinição no comportamento
masculino, beneficiando as mulheres e a família” (MACHADO, 1996, p. 121). Além do
mais, a religião identifica-se com os valores familiares, permitindo que as mulheres se
reconheçam melhor nos seus papéis domésticos e sintam-se mais seguras neles (NUNES,
2005). Outro fator é que muitas mulheres buscam alternativas para pressionar e tentar

24
No Brasil, o aborto é legal somente quando a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco de
morte para a mãe ou se o feto é anencéfalo (não possui cérebro). Carta Capital, Aline Valek — publicado
02/10/2014 09h39, última modificação 02/10/2014 11h01 Carta Capital). Disponível:
http://www.cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista/faq-do-aborto-legal-7594.html Acesso em:
Dezembro/2016).

81
mudar as religiões tradicionais, no sentido de fazê-las mais igualitárias e liberais
(WOODHEAD, 2001). E ainda, estar inseridas nas igrejas pentecostais “serve aos seus
interesses práticos, já que por meio deles elas podem domesticar os seus cônjuges”
(MACHADO, 1996, p. 122), uma vez que muitos possuem vícios como bebida, droga ou
jogo, e deixam de doar sua atenção e seu salário à família.

É o caso de Joana, 30 anos, nascida e criada na igreja Assembleia de Deus, onde


conheceu o ex-companheiro. Segundo ela, o fato de ele ter deixado de acompanhá-la na
igreja nos últimos anos fez com que ele se tornasse mais agressivo e viciado em
substâncias psicoativas. Um dos principais motivos das agressões que sofria era o fato
de o companheiro não concordar que ela se ausentasse de casa para ir à igreja:

Na igreja você não pode beber, você não pode usar drogas. Ele gostava de ir pra
balada, a igreja não deixa. Ele queria que eu fosse com ele pra balada; ele queria
que eu fosse com ele para os bares, porque ele achava que ele era desonrado no
meio dos homens, porque eu não estava lá junto com ele como as outras mulheres
estavam. As mulheres dos amigos dele iam para o bar beber cerveja de fim de
semana e eu não ia porque eu ia para igreja. Então ele criticava muito e por
causa disso, porque eu ia para a igreja. Mas eu tinha que decidir ou eu ia para
igreja ou eu ia para o bar, porque para a igreja o bar não é um lugar apropriado.
Eu não gostava, eu não queria, não curtia esse tipo de coisa. Ele me conheceu
dentro da igreja, ele sabia que eu queria estar dentro da igreja. O resto da minha
vida quando eu ia para a igreja ele ficava na porta me esperando, muitas vezes
alcoolizado, e ele ficava me vigiando na igreja, principalmente se estivesse
sentada do lado de outro homem.

Joana não concordava com o comportamento desviante do companheiro e insistiu


muito para que ele tornasse a frequentar a Assembleia de Deus, já que “quando ele era
da igreja as coisas eram mais fáceis”. Segundo ela, o companheiro não tinha uma
conduta agressiva quando obedecia às regras da igreja. A religião regula o comportamento
dos indivíduos; portanto, frequentar a igreja é ter que permitir que sua doutrina seja o guia
para seu desempenho na sociedade e na família, pois no momento em esses indivíduos se
desviam de tais doutrinas, eles deixam de comparecer aos cultos e de fazer parte da
comunidade religiosa.

Uma das questões discutidas com as mulheres que participaram do universo desta
pesquisa foi se e de que forma a religião as ajudou a superar as agressões sofridas. Quase
todas elas responderam afirmativamente, isto é, que a religião as ajudou muito,
principalmente quando suplicavam forças à divindade. Por outro lado, muitas mulheres
preservaram um relacionamento violento na esperança de que o companheiro agressor se
regenerasse com a ajuda divina. Estar casada para elas é um fator muito importante para

82
que se sintam realizadas. Tal fator é compreensível, pois as mulheres são socializadas
para o matrimônio, e a religião reforça esta ideia. Como nos descreve Monica, 31 anos,
que foi espancada durante quinze anos pelo ex-companheiro. Ao relatar sua situação, em
lágrimas, revela que diariamente ajoelha-se ao chão e pede a Deus:

Se eu creio em Deus ele vai devolver o meu casamento, ele vai transformar o meu
casamento, pra que eu possa restituir.

A culpa por não conseguir manter a família unida recai sobre a mulher, que se
sente com a responsabilidade de manter um casamento feliz, visto que o divórcio se
distancia do modelo proposto pela igreja. Neste sentido, muitas mulheres que sofrem
violência buscam através da doutrina religiosa pentecostal ajuda para transformar o
comportamento agressivo dos companheiros, para torná-los pessoas menos violentas. Ao
se sentirem responsáveis pela manutenção da união da família e pela sua possível
dissolução, as mulheres que vivem em relacionamentos conflituosos, submetem-se a
várias situações violentas. Alda, por exemplo, nos relata o que acredita ser o papel da
mulher religiosa no lar:

A mulher precisa ter sabedoria para conduzir o seu lar, ela precisa saber
conviver com seu marido, com seu esposo.

Para Alda, bastava ela representar o papel da mulher sábia, ou seja, ser carinhosa,
dedicada e afetuosa, e não seria espancada. Entretanto, não foi isso o que aconteceu, pois
seu agressor de fato não a espancava, mas mandou que outra pessoa a matasse, e por
muito pouco ela sobreviveu. Alda, porém, não interpretou a ideia religiosa de submissão
de forma estanque. Para ela,

...a palavra submissa não é aceitar o marido batendo, o marido xingando, não é
aceitar o marido humilhar a mulher.

Outra característica básica nas denominações pentecostais é a chamada libertação


dos demônios ou espíritos malignos, possessões espirituais ou exorcismos, práticas
comuns que têm como intuito buscar soluções para os males que afligem seus fiéis em
sua vida cotidiana. No campo, verificamos que um dos agressores, autodeclarado
pentecostal, remeteu à crença na existência de espíritos malignos a agressão praticada
contra a companheira. Segundo ele,

Quando eu saio de dentro da igreja, a minha vida muda muito. A minha mulher,
até quando ela vai na igreja fazer campanha, ela volta muito transformada me
dá carinho e brinca, mas quando ela mexe com essa coisa da Umbanda aí ela
volta transtornada, fazendo cara feia, fazendo querer eu brigar com ela para ela

83
ir para casa dos outros e ela vai lá todas as quintas e sextas-feiras [...] quando
ela vai para casa dessa mulher da macumba ela fica possuída, para mim uma
pomba gira que vem [...]ela quer que eu brigo e isso é o ‘bicho’ que cutuca é a
pomba gira, que me cutuca para eu ir para cima e agredir. (Roberto)

A concepção religiosa de Roberto não admite que a esposa tenha uma crença
religiosa diferente da sua, e por isso a considera “filha do demônio”. Para que a
companheira mude sua pertença religiosa ele a violenta física e moralmente todos os dias.
Dentro desta percepção de não aceitação da identidade religiosa de sua companheira, sua
suposta possessão é desculpa para a situação difícil que a família enfrenta.
Consequentemente, só restam à companheira a lei da obediência e a autoridade exercida
pelo marido, para que ela não seja agredida. Além disso, Roberto tinha a esperança que
sua companheira comparecesse aos cultos da Assembleia de Deus, acreditando na
possibilidade das forças demoníacas se manifestarem nela durante as sessões de
“libertação dos demônios”, com o intuito de reverter essa situação. No entanto, percebe-
se que essa luta é ainda mais complexa, pois não é apenas uma guerra entre o mal e o
bem, mas uma luta entre Deus e o diabo (MACHADO, 1996).

Não foi fácil para as mulheres pentecostais que sofreram violência decidir-se pelo
divórcio. Muitas relataram que não tiveram nenhum apoio da família e tampouco das
amigas de fé. Conforme relato das entrevistadas, muitas sofreram preconceitos nos salões
das igrejas às quais pertencem, como nos relata a assembleiana Joana:

Eu não tive coragem nem de voltar lá, mas as pessoas dentro da igreja não
aceitam que você seja separada, porque as mulheres antigamente elas
cozinhavam, sofriam, apanhavam, mas ali estavam firme e hoje os maridos delas
já estão mais sossegados, entrar na igreja e você tem que ter esse pensamento
[...] não quero falar mal das religiões, mas dentro de uma igreja se a mulher é
separada ela é malvista, as próprias mulheres ficam com pé atrás com você: ‘Ai,
meu Deus, ela está doida por outro homem, ela vai querer roubar o meu marido’.
As próprias mulheres têm preconceito com você.

A preservação da família é fundamental para a maioria das religiões e, para as


mulheres pentecostais, a competência de manter uma família saudável é ainda maior, pois
tal reponsabilidade é atribuída às mulheres. Cabe a elas ter sabedoria para enfrentar
situações difíceis, posto que os pastores as ajudam através da retirada dos espíritos
malignos dos companheiros agressores, das orações para eles e com eles ou ainda através
das campanhas nos cultos. Logo, como demonstração de fé, elas não podem desistir do
casamento. Além de convertidas, elas devem assumir um novo estilo de vida que facilita
o convívio entre elas e seus companheiros, de forma a tornar-se mais tolerantes e

84
compreensivas e ainda “responsáveis pela salvação de seus familiares, ou seja, por sua
alma e saúde” (MACHADO, 199, p. 111).

1.2 Religião e violência simbólica no cotidiano das mulheres

Para a maioria das pessoas, associar a religião à violência não é tarefa fácil, já que
no imaginário popular a religião é relacionada à paz, ao amor, à solidariedade e ao perdão.
As instituições religiosas detêm um poder simbólico imensurável, que dificulta a
percepção de violências produzidas em suas práticas, em seus discursos e, inclusive, em
seu reforço à violência de gênero.

Ao longo dos anos, as religiões vêm construindo uma história baseada em


significados que, de certa forma, promovem a desvalorização feminina, pois “reforçam
padrões de violência e de dominação masculina, além de contribuir para limitar o
exercício da cidadania e dos direitos humanos” (CITELI; NUNES, 2010, p. 5). Sendo
uma das principais formadoras de sentido, a religião também tem responsabilidade pela
hierarquia entre os sexos, desqualificando as mulheres e definindo atributos socialmente
construídos como comuns e naturais, através de suas interpretações bíblicas e construção
de símbolos que são prioritariamente masculinos, como por exemplo, o Deus, o homem
Jesus e por aí vai. A ideia que Deus deu seu único filho para salvar o mundo (masculino)
foi o início do entendimento desta doutrina, que é a base do cristianismo e que de uma
forma simbólica contribui para a violência contra as mulheres (HUNT, 2009). A
importante frase da estudiosa Mary Daly “Se Deus é homem, o homem é Deus” (1973,
p.19), tornou-se um marco para que os estudos feministas sobre religião e violência contra
as mulheres fossem ampliados. Inclusive em quase todas as tradições religiosas, passou-
se a examinar a fundo suas doutrinas.

As mulheres que são muito religiosas e sofrem violência têm maior dificuldade de
se perceber numa relação conflituosa, tendo em vista que a religião reforça as violências
vividas em seus lares através da estrutura patriarcal, em que a obediência como virtude é
o símbolo de um mundo masculino e autoritário. Assim sendo, muitas mulheres sofrem
agressões durante anos até não suportarem mais, como é o caso de Alda, que sofreu
agressões severas do ex-companheiro durante toda a união. Ela é uma pessoa
extremamente religiosa e frequenta assiduamente a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Ao
perguntarmos se em algum momento ela recebeu ajuda da religião para sair da situação
de violência, ela relata:

85
A igreja nunca me ajudou, nunca falou nada para mim em relação à
violência, e também eu nunca ouvi na igreja que a mulher tem que
apanhar e o homem tem que bater e que tem que ser submissa. A minha
vida foi viver na igreja adventista. Eu servia e adorava o meu Deus.
Ainda sirvo porque este é o único caminho adorável hoje. Eu estou
afastada porque eu não estou na minha casa, eu estou acolhida na casa
abrigo, eu sofri muita exploração.

Alda parece não identificar na religião uma forma de reforçar a situação de


dominação experimentada por ela no casamento. Ela reconhece que não teve ajuda da
igreja para sair da situação de violência, mas não vê relação entre essa situação e o
pressuposto religioso da união indissolúvel. “A violência simbólica é suave, insensível,
invisível às suas próprias vítimas, e se exerce essencialmente pelas vias puramente
simbólicas da comunicação e do conhecimento” (BOURDIEU, 2012, p. 7). Se a igreja
não disse que “a mulher tem que apanhar e o homem tem que bater”, isso parece ser
suficiente para Alda não identificar responsabilidade da mesma sobre sua condição.

A violência simbólica tem como base as estruturas sociais que as produzem e as


mantém vivas, estruturas estas que defendem as hierarquias de gênero. Tais estruturas são
monopolizadas e reproduzidas pela religião, através do habitus, entendido por Bourdieu
como um conjunto de valores, representações e crenças incorporadas pelos seres humanos
ao longo de suas construções sociais (BOURDIEU, 2012).

A religião é sistema de sentido, ela confere significado aos sujeitos que


compartilham desse sistema, e esse processo de significação é também
um processo de sacralização, que otimiza o poder simbólico que envolve
esse sistema (SOUZA, 2009, p. 61).

É por este e outros desígnios que as mulheres se encontram nesta ciranda de


violência, perdão e sacrifícios. Para GEBARA (2000), as mulheres estão ligadas
fortemente ao sacrifício, devido às relações hierárquicas entre o masculino e o feminino.
Esta crença foi herdada também da cultura patriarcal, que socializa as mulheres para a
renúncia ao prazer e aos seus sonhos, e que desenvolve igualmente vários medos,
inclusive o medo de ser abandonada por Deus. Apresentamos o relato de Joana, da
Assembleia de Deus, que sofreu todas as formas de violência doméstica e que traz consigo
a amarga afirmação de seu agressor:

No meu caso o meu agressor dizia que, mesmo ele não estando indo na
igreja, eu tinha que ser submissa a ele, porque na Bíblia está escrito que
quando a gente bate de um lado da cara, a pessoa tem que oferecer a
outra face.

86
Joana viveu fortemente sob ameaças fundamentadas em pressupostos religiosos
do ex-companheiro, que se beneficiava para manter seu comportamento agressivo e
violento. Por um longo período de tempo ela foi agredida psicologicamente, ameaçada e
espancada e, segundo ela, buscava ajuda constantemente na igreja que frequentava, mais
especificamente com seu líder religioso, para tentar livrar-se das violências sofridas, e de
certa maneira esperando o consentimento de Deus para se divorciar. Tal fato nos faz
refletir sobre o potencial simbólico que a religião estabelece com as pessoas: ao mesmo
tempo em que confirma a submissão, autoriza as mulheres a se livrar das violências
vividas.

2 O PROCESSO DE RESILIÊNCIA DAS MULHERES QUE VIVERAM


SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A violência doméstica vivenciada por mulheres é uma experiência traumática, que


deixa marcas visíveis e invisíveis. As marcas visíveis são as mais fáceis de enfrentar,
porém as que não podemos ver, são as que tornam suas vidas mais complexas e amargas.
Muitas mulheres, com a ajuda de grupos de amigos, parentes, grupos religiosos e por
meio de políticas públicas, foram capazes de superar parte das violências vividas em seus
lares. Consideramos apenas em parte porque as marcas que permanecem em suas vidas e
de seus familiares são irreparáveis. Não podemos deixar de mencionar que tais grupos
sociais podem, ao mesmo tempo, reforçar a relação de dominação vivenciada pelas
mulheres ou ajudar a transformá-las. Qualquer passo dado pelas mulheres para superar as
violências vividas pode ser considerado como o primeiro momento do processo de
resiliência alcançado por elas. Quais são as formas e alternativas religiosas ou não, que
encontraram para enfrentar suas dores, seus medos, suas crenças e resgatar sua cidadania?
Quais foram as dificuldades que enfrentaram durante o processo que as levariam a uma
vida sem violência?

2.1 As guerreiras, o sagrado e a batalha cotidiana

As mulheres que chegam às Casas Abrigo já são vencedoras e guerreiras, pois,


conseguiram dar início ao processo de enfrentamento às violências vividas. Estas

87
mulheres foram capazes de denunciar seus companheiros e, mesmo sendo ameaçadas de
morte, levaram suas denúncias às Delegacias e, em alguns casos, enfrentaram suas
famílias, vizinhos, amigas de fé, os pastores de suas igrejas e suas comunidades. Elas são
guerreiras porque conseguiram vislumbrar alternativas, enfrentaram seus medos,
superaram aquilo que em suas crenças as mantinha prisioneiras e acreditaram que é
possível viver uma vida livre de violência.

Ser mulher para muitas é simplesmente ser mulher, mas para as que sofreram ou
sofrem violência, é uma questão de honra. Nesta pesquisa, as mulheres que foram
entrevistadas responderam que ser mulher é sinônimo de “ser heroína, guerreira” e outros
adjetivos associados a estes. De fato, se pesquisarmos no dicionário, a palavra heroína
aparece como “mulher que se destaca por um ato de extraordinária coragem, valentia,
força de carácter, ou outra qualidade notável” (Dicionário Infopédia da Língua
Portuguesa com Acordo Ortográfico, 2003-2016), ou ainda: “Mulher de grande coragem,
de sentimentos ou virtudes excepcionais” (Priberam dicionário, 2012). Como sinônimo
de “guerreira”, encontramos: “Pessoa que combate numa guerra, combatente, soldado;
Pessoa que demonstra coragem e força” (Priberam dicionário, 2012).

É assim que se sentem, depois de vivenciarem uma verdadeira guerra, uma


batalha, em que estão fisicamente numa posição desigual em relação aos seus
companheiros. A condição de frágeis que a sociedade por anos a fio cultivou, para estas
mulheres não é verdadeira. Não é simples sair de um relacionamento conflituoso, quando
a sociedade compactua e banaliza a violência contra as mulheres. Os poderes simbólicos
engessam de tal forma o comportamento dos indivíduos que, sobreviver às contradições
impostas por esses sistemas é contrariar suas crenças socioconstruídas e se constitui em
ato de grande coragem.

Mesmo sendo denunciados, muitos agressores ainda perseguem as mulheres que


eles espancaram e contra as quais cometeram vários outros tipos de violência, solicitando
a elas que retirem as queixas nas delegacias. Ou ainda, baseados no princípio bíblico do
perdão, como está escrito por exemplo, no Evangelho de Lucas (7, 36)25, desejam que
elas os perdoem, que esqueçam tudo e retornem à vida cotidiana. Além disso, muitos
agressores fundamentam seus pedidos com base na família idealizada pelas religiões e

25
“Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso.”

88
consequentemente pela sociedade, que é o modelo de família patriarcal e hierarquizada.
Para ilustrar tal afirmação, apresentamos o depoimento de Pedro, que ficou detido por
oito meses, por ter espancado a ex-companheira:

Nós dois perdemos a cabeça. Eu acho que teríamos que sentar e conversar. Ela
poderia ter me falado: ‘Me arrependi de ter brigado com você, me arrependi de
ter rasgado os documentos de sua filha, eu poderia inclusive ter ido visitar sua
filha com você’. Eu sei que errei também em ter batido nela, teríamos que ter
conversado, pois o amanhã seria outro dia, não precisava chegar a este ponto,
inclusive ela tinha umas contas para pagar e eu era o guia para ela.

Espancar mulheres e pedir perdão já era uma prática comum na vida deste
agressor. Pedro foi casado por vinte anos com sua primeira companheira e, durante todo
esse período, ele cometeu todos os tipos de violência contra ela, que não o denunciou,
pois a pedido dele próprio e de seus filhos, ela o perdoava a cada agressão, silenciando
sua dor. Os filhos de Pedro o apoiavam e insistiam para que a mãe não o denunciasse.
Assim como esta família, muitos agressores passam anos ou toda a sua vida de
matrimônio agredindo as companheiras como se fossem suas propriedades e se sentem
no direito de despejarem suas dores, angústias, frustrações e fracassos através da
violência, sendo que muitos ainda estendem as agressões aos filhos e filhas.

É necessário desmistificar a casa como sendo prioritariamente um espaço de amor.


Para muitas famílias, o “lar doce lar” tem sido um local em que a dor e o horror são
vivenciados pela violência e se estendem de forma desigual entre os membros mais
frágeis e fracos, que são as crianças, as mulheres, os idosos e os deficientes. Como afirma
Bijos (2004, p. 16), estes são os “excluídos da sociedade”. Não há dúvidas de que quando
a violência se instala no ambiente familiar todos sofrem, como ocorreu com Monica, que
carrega consigo uma história de abandono e violência. Ela foi explorada sexualmente na
infância e adolescência, e afirma sentir-se muito injustiçada, pois além de ter vivido em
abrigos, pagou uma dívida que não era sua: a de ter sido separada de sua mãe. Até hoje,
seu maior sonho é conviver numa família saudável. Atualmente, trabalha como auxiliar
de limpeza e cuida dos quatro filhos, tendo vivido um relacionamento extremamente
abusivo. Ao descrever as agressões do marido ela diz:

Ele chegava transtornado, ele me batia, ele me espancava, ele já tacou


minha cabeça na parede, ele bate em todos os meus filhos ele espancava
todos eles.

89
Entre separações e reconciliações, Monica atualmente vive sob o mesmo teto que
o ex-companheiro, pois segundo ela, não possui recursos financeiros para proteger os
filhos, sozinha. As mulheres, em sua maioria, conhecem seus direitos; porém, pelo fato
de muitas dependerem financeiramente dos companheiros, submetem-se por muitos anos,
às vezes durante toda a vida conjugal, a todos os tipos de violência. Somente procuram
ajuda quando a situação se torna desesperadora, como Monica.

Outra situação que faz com que as mulheres permaneçam num relacionamento
violento é a valorização da família, a preocupação com os filhos. Elas acreditam que o
pai, mesmo sendo um companheiro violento, cumpre seu papel de “provedor” e, ao
mesmo tempo, temem perdê-los. A idealização do amor e do casamento, o desamparo
diante da necessidade de enfrentar a vida sozinha, a ausência de apoio social, apresentam-
se como situações que inibem as mulheres a denunciar os companheiros ou mesmo
procurar ajuda de profissionais especializados (MIZUNO; FRAID; CASSAB, 2010).
Denunciá-los é um ato de coragem, pois para que a denúncia se efetive as mulheres
necessitam seguir até as últimas consequências no plano jurídico-formal. Ademais, em
sua maioria, são culpabilizadas pelas famílias, pelos filhos e, principalmente, pelas
religiões. As fiéis que frequentam a Assembleia de Deus, por exemplo, não apoiam o
divórcio mesmo em situações-limite, como a de Joana, 30 anos, que nos relata sua
experiência na comunidade religiosa que frequenta:

Não quero falar mal das religiões, mas dentro de uma igreja se a mulher
é separada ela é malvista, as próprias mulheres que frequentam lá ficam
com o pé atrás com você: ‘Ai, meu Deus, ela está doida por outro homem,
ela vai querer roubar o meu marido’. As próprias mulheres têm
preconceito com você, por isso fazem muita diferença.

Percebe-se certa discriminação das colegas da comunidade religiosa em relação


às mulheres que se divorciam, como se elas não mais fizessem parte do grupo. Conforme
discutimos no item anterior, manter o casamento e a família para as mulheres pentecostais
é um preceito muito importante, pois os registros bíblicos que afirmam a importância da
família são reforçados pelas lideranças religiosas em seus cultos. Em meio a tantas
oposições e a quase nenhum apoio, as mulheres, em sua maioria, possuem baixa
autoestima e muito medo de serem mortas ou viverem estigmatizadas pela sociedade. Por

90
essa razão, muitas delas, mesmo enfrentando ameaças de morte, retiram as queixas e
retornam para uma vida de agressões e intimidações.

Muitos são os conflitos gerados pelas diversas situações vividas por estas
mulheres. Se de um lado existe uma exposição ao denunciar o agressor e, com isso,
encontrar manifestações de compaixão e solidariedade por parte da família e amigos, por
outro lado, a mulher que por vários anos esteve naquela situação, pode experimentar o
desmonte de uma imagem idealizada, construída sobre si mesma e também sobre a
própria relação com o companheiro, perante a família, a religião e toda a sociedade.

É bastante comum, em se tratando de denúncias realizadas pelas mulheres contra


seus agressores, que estes quando são intimados às delegacias para prestarem
depoimentos, tendam a culpar as mulheres ou a se vitimizar pela violência por eles
praticada. É como procedia Pedro, que espancou a ex-companheira até que ela não
conseguisse mais se levantar. Segundo ele, o motivo de tais agressões foi porque ela jogou
fora uma carta de sua filha. Apesar da prática da violência, Pedro continuou naturalizando
e negando as agressões contra a ex-companheira. Em todas as instâncias desde a
delegacia, a passagem pelo CDP26 até à Penitenciária, colocava-se na posição de vítima,
objetivando obter alguns privilégios:

O policial me perguntou: ‘Por que você está aqui?’ E eu chorando, respondi:


‘Não sei, eu só discuti com a minha mulher’, e ele ficou com muita dó de mim e
falou, ‘só por isso? Mas eu vou ter que te levar para o CDP’. Eu lá sabia o que
era CDP?

Segundo Pedro, as agressões foram apenas um castigo para que ela pudesse
refletir sobre a perda da carta de sua filha. O castigo físico ainda é uma prática
culturalmente aceita e bastante naturalizada pela sociedade quando se trata de pais para
os filhos, e isso se dá como condição de afirmação da autoridade. Neste sentido, o castigo
físico imposto às mulheres também pode ser considerado um recurso para dizer quem
comanda a relação ou para se manter no poder, na perspectiva que o outro se anule
totalmente. Assim sendo, a subalterna que não atender às expectativas ou desejos do

26
Centro de Detenção Provisória (CDP) – Locais onde ficam os presos que aguardam julgamento. São
unidades com cerca de 760 vagas. Disponível: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-
noticias/saiba-a-diferenca-entre-cdp-cpp-crp-e-penintenciaria-compacta/ Acesso em: 15/12/2016

91
dominador, está arriscada a ser espancada ou violentada muitas vezes até a morte (FEIX,
2011).

Para ilustrar tal afirmação, apresentamos outra situação de violência como castigo,
que foi realizada através de espancamento e abuso de poder. Esta situação foi vivenciada
por Edilia, que viveu em cárcere privado, ficou internada várias vezes pelas agressões
sofridas, fugiu pela primeira vez, mas foi “caçada” pelo agressor e hoje, livre do ex-
companheiro e das agressões, está refazendo sua vida com a ajuda dos filhos e da
comunidade religiosa Assembleia de Deus da qual seu irmão é pastor:

Ele me batia todos os dias de manhã, de tarde, de noite e de madrugada,


tinha a semana que eu chegava a apanhar o dia inteiro e a noite inteira.

O ex-companheiro de Edilia acredita que para exercer o seu papel masculino deve
impor suas crenças religiosas projetadas em interpretações bíblicas: a mulher deve
obediência ao homem. Neste sentido, na função de projeção da realidade social a religião
tem uma atribuição importante, “a de manter essa masculinidade como categoria
universal sacralizada” (LEMOS, 2008, p. 4). Quando não espancam suas companheiras,
eles as violentam psicologicamente, acreditando que tais atitudes as impedem de exercer
sua liberdade e condição de alteridade em relação a eles. Toda essa coerção é para que
consigam vivenciar sua masculinidade idealizada pela religião e imposta enquanto
sagrada.

Luciana sofreu todos os tipos de violência e quase foi morta a facadas pelo ex-
companheiro, que diariamente mantinha o instrumento amolado, esperando a hora certa
para agir enquanto premeditava o crime. Ela era impedida de exercer sua autonomia e
liberdade:

‘Você é uma vagabunda, uma cachorra, chegou cedo hoje? Hummm


parabéns, ele veio trazer você de carro?’ Aí já vinha uma dor no meu
coração, eu falava ‘não, eu cheguei no horário’, e ele falava, ‘mas ontem
você chegou outra hora’, e eu chorava e dizia, ‘meu Deus até quando
isso?’ Eu ajoelhava chorando na cama e falava: ‘Deus, eu não aguento
mais’.

A insegurança do ex-companheiro em perder a imagem masculina fazia com que


sua imaginação fosse frequentemente alimentada por sentimentos de medo e insegurança,

92
resultando em xingamentos, ameaças e afirmações infundadas, que provocava momentos
de pressão e horror para Luciana.

2.2 Masculinidade, construção social e religião

A violência é muito comum no processo de socialização masculina. A


hiperatividade dos meninos se inicia com a agressividade, confundida, muitas vezes,
como sendo característica natural dos mesmos (SILVA; SOUZA, 2013). Os papéis
determinados para os sexos feminino e masculino são pré-estabelecidos pela sociedade e
pela religião, assim, muitos episódios entre ritos e costumes de iniciação masculina, em
sua maioria realizada logo no início da adolescência, são marcados por vários tipos de
violências. Além disso, faz-se importante considerar que a influência das ações violentas
durante o processo de socialização vivenciadas por homens e mulheres ainda quando
crianças tendem a ser reproduzidas, pelo fato de serem aprendidas através de modelos de
relações familiares estabelecidas pelas instituições produtoras de sentido que ajudam na
estruturação das relações de gênero.

Neste sentido, a violência vivida pelos homens é marcada pelo processo de


diferenciação da mulher desde a infância, através do esporte competitivo, da resolução de
conflitos, principalmente na adolescência, estendendo-se muitas vezes a relacionamentos
conflituosos com os familiares. O relato de Pedro, que sofreu violência durante a infância,
principalmente por parte do pai, nos mostra tal afirmação:

O meu pai era muito agressivo comigo, ele judiou demais de mim. Meu pai não
era um ser humano comigo não [...]era só comigo porque os meus irmãos são
brancos e eu sou negro [...] o meu pai agredia muito a minha mãe, ele batia
muito nela também.

Pedro foi socializado numa família violenta, expandindo tais agressões por toda
sua vida. Outro fator que também pode influenciar nas violências cometidas por homens
no ambiente doméstico, é o fato de sofrerem violência também no ambiente de trabalho.
A invisibilidade profissional, muitas vezes vivenciada pelos homens, está diretamente
ligada ao sofrimento e sentimento de impotência. Na concepção de Costa (2008), trata-se
de uma violência simbólica, que oprime trabalhadores pobres, representando certa
humilhação social. A cobrança que existe numa “sociedade de classes, hierárquica,

93
autoritária, sexista, classista, militarista, racista, impessoal e louca, canalizada através de
um homem individual” (GIFFIN, 2005, p. 50), faz com que se sintam impotentes perante
outros indivíduos.

Também é importante considerar que a produção e manutenção da violência é


eficazmente influenciada pela mídia, inclusive muito utilizada pelas religiões que
usufruem das ferramentas da comunicação televisiva para repassar seus valores
conservadores e fundamentalistas despejando sobre a sociedade concepções importantes
na socialização do ser humano.

Em entrevistas realizadas com homens autores de violência contra as mulheres


sobre a condição violenta em relação às companheiras ou ex-companheiras, todos
disseram acreditar que os atos violentos dos homens são uma condição natural e não
construída, e que as mulheres já nasceram mais sensíveis e amáveis. Para Pedro, os
homens sempre foram mais agressivos e possessivos:

Eu acho que o homem é mais agressivo e explosivo que a mulher, o homem com
cinco minutos ele mata; a mulher, não, ela sabe sair. O homem já não, ele vai
para cima ou ele mata ou ele morre, porque o homem é mais forte, o homem é o
pilar da casa.

O depoimento de Pedro é focado na divisão sexual dos papéis de gênero,


pensamento que reflete uma cultura construída ao longo da história, porém insiste em
atribuir características aprendidas como se fossem naturais. Também na socialização
masculina o subsídio financeiro dos lares é de responsabilidade dos homens, que, no
processo de construção histórica, se veem como provedores, papel que foi atribuído ao
sexo masculino e enaltecido pelo cristianismo enquanto papel genuíno do homem. Neste
aspecto, não há dúvidas que tais papéis contribuem para a construção de uma
masculinidade hegemônica.

A religião interfere diretamente na forma como o homem e a mulher se


representam e são representados socialmente. Como afirma Fernanda Lemos (2005,
p.53), “em nossa cultura, ninguém tem dúvida sobre a importância do elemento sagrado
na concepção de vida das pessoas e na maneira como elas estruturam seus cotidianos”.
Pedro, por exemplo, pertencente à comunidade religiosa Igreja Apostólica, cometeu

94
violência contra duas ex-companheiras. Ao perguntarmos a ele se, em algum momento
de sua vida, buscou ajuda na religião para seus relacionamentos conflituosos, afirmou:

Eu peço ajuda o tempo todo e para todo mundo e proteger todo mundo, eu peço
a Deus quando estou orando para os mendigos, para os drogados, para Deus
abençoar todos os pecadores [...] Deus é o dono do ouro e da prata, é o meu
senhor.

A superioridade masculina está de tal maneira naturalizada pela religião que os


homens não percebem o crime que cometem diariamente contra suas companheiras
quando as agridem. Pedro é um “servo de Deus”, comparece à igreja com frequência, o
que nos mostra o reforço do poder masculino exercido pela religião, bem como a
naturalização das agressões perpetradas pelos homens. Pedro foi denunciado pela sua
última companheira. Isso nos aponta que as mulheres estão reagindo aos modelos de
submissão impostos pela sociedade e pela religião. Assinalamos, porém, que apenas o
cumprimento da pena não é suficiente para que os agressores mudem seus
comportamentos violentos. A religião é uma instituição que contribui para a formação
dos indivíduos, porém a ressocialização através do trabalho técnico em que os homens
possam ter a oportunidade de se reeducar para novos modelos de masculinidade, é uma
das poucas alternativas para que os homens agressores compreendam a respeito das
heranças patriarcais e sociais que foram aprendendo durante suas vidas.

3 AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA


CONTRA AS MULHERES

A religião é patriarcal, planejada e executada por homens, reconhecida e validada


por eles. Na cúpula das igrejas, os homens são os responsáveis e buscam satisfazer seus
mais íntimos interesses, ignorando a existência das mulheres, principalmente no que diz
respeito ao planejamento de suas ações e à concorrência igualitária aos cargos religiosos
mais altos das igrejas.

As mulheres que sofrem violência, muitas vezes buscam na religião força e


esperança para conseguir suportar uma relação conflituosa. A religião alimenta as
mulheres de esperança e as fortalece. A fé oferece sentido à vida, pois ela pode
proporcionar situações fascinantes, favoráveis a quem se vê em condições de resolver

95
seus problemas. A fé religiosa, seus ritos periódicos, alimentam sonhos e ilusões das
mulheres que estão vivendo situações difíceis de violência. A igreja é um local que as
acolhe, ainda que, em suas contradições, as instigue à paciência e à tolerância. Linda
Woodhead (2001) demonstra que, além da fé e dos ritos sagrados, as religiões oferecem
às mulheres espaços sociais e culturais em que possam articular seus desejos, medos,
esperanças e convicções morais, espaços estes que não são oferecidos em outro lugar. A
religião, muitas vezes, é entendida pela sociedade como ampliação do espaço privado
(SOUZA, 2009).

3.1 As lideranças religiosas como agentes no processo da violência contra as


mulheres

Os espaços das igrejas são vistos por Corrêa (1981), como locais de habitação
comunitária em que as pessoas se encontram para socializar seus desejos e sonhos. Em
contraposição, mostram um mundo desumanizado, revolto, incoerente e triste. E é nesses
espaços de contradição que as lideranças religiosas cumprem seu papel de obreiros do
Senhor. As mulheres que sofrem violência compartilham nos espaços da igreja suas
alegrias, dores e angústias, buscam ajuda com outras mulheres que ocasionalmente estão
vivendo situações semelhantes, mas principalmente contam com o auxílio das lideranças
religiosas. O poder pastoral é aquele exercido pelo pastor sobre o seu rebanho, conforme
afirma Foucault:

(...) exercendo-se inteiramente como qualquer outro poder do tipo religioso ou


político sobre o grupo inteiro, o poder pastoral tem uma preocupação e tarefa
principal velar pela salvação de todos , apenas operando sobre cada elemento
em particular, cada ovelha, cada rebanho, cada indivíduo, não somente para
obrigá-los a agir dessa ou daquela maneira, mas também de modo a conhecê-la,
a desvendá-la, a fazer aparecer sua subjetividade e visando a estruturar a
relação que ele estabelece consigo próprio e com sua consciência. (FOUCAULT,
2004, p. 52).

O poder pastoral foi introduzido pelo cristianismo como uma relação que se inicia
como de guia e proteção, porém ele se torna uma relação de poder e dominação, pois
quem guia e protege considera os guiados e protegidos como incapazes e fracos de certa
maneira, vindo daí o poder sobre eles. Desde a sociedade romana, os pastores de rebanhos
de ovelhas (que tinham como atribuição pela função exercida um olhar amplo para a
imensidão, a obediência e total dependência) foram se organizando para assumir as
96
funções de que a igreja necessitava. Para Foucault (2004), a principal função do poder
pastoral é fazer o bem para os que estão sob sua responsabilidade e cuidados, para tanto
o pastor deve alimentá-los, garantir sua sobrevivência, oferecer-lhes um pasto, conduzi-
los a fontes de águas limpas e frescas e protegê-los dos que querem fazer-lhes mal.

Partindo desse pressuposto, a influência pastoral é um poder que garante o bem-


estar do indivíduo e do grupo, que é diferente do poder político tradicional, que triunfa
sobre o dominador. A principal característica moral do poder pastoral é ser
essencialmente devotado, sacrificar-se pelo bem de suas ovelhas, ou seja, é um poder
realizado através de sacrifícios (FOUCAULT, 2004). Para liderar seu rebanho o pastor
necessita conhecer seu território, dominar suas ovelhas, fazê-las obedientes para que ele
possa conduzi-las a um lugar superior: o caminho da fé.

As mulheres que vivenciam situações de violência doméstica, compartilham suas


dores e angústias com as lideranças religiosas, porque acreditam na responsabilidade que
estas possuem com a tranquilidade de seus fiéis. Assim, ao perguntarmos a Edilia, fiel da
Assembleia de Deus, o papel da religião e do pastor na superação da violência sofrida,
ela nos relatou:

Então assim, Deus é o nosso pastor geral, é o nosso pai, o nosso tudo, só que ele
deixou o pastor dirigindo a igreja representando ele aqui na terra, porque a
Bíblia é bem clara, o pastor é o nosso líder espiritual. Tanto é que ele diz assim:
‘se você pecou vai até o seu líder espiritual e confessa seu pecado para que ele
interceda por você’, se ele é um líder poderá interceder pela gente, ele é o nosso
líder para nos ajudar nas horas difíceis, quando estamos passando necessidade.
O meu pastor, quando eu já não aguentava mais sofrer violência, quando eu não
aguentava mais viver errado, eu fui sim pedir ajuda para ele e fui morar na casa
dele, e ele dizia para mim: ‘Edilia, vou te ajudar, mas você vai ter que sair dessa
vida’. Eu estava vivendo numa situação muito difícil, eu mostrava para ele a
situação e o dia que eu não aguentei mais, eu fui pedir ajuda.

No universo pentecostal, a crença no poder de resolver conflitos atribuída às


lideranças religiosas vai além das suas capacidades, pois é confiado a elas o domínio para
a resolução dos problemas das angústias dos fiéis, o poder para decidir o curso de suas
vidas em nome da certeza da salvação. É conforme afirma Foucault: “O poder do pastor
consiste precisamente na sua autoridade, para obrigar as pessoas a fazerem tudo o que for
preciso para a sua salvação: salvação obrigatória” (FOUCAULT, 2004, p. 68).

Buscar a salvação é o objetivo principal dos fiéis, principalmente das igrejas


pentecostais. Salvar as almas, mas libertar o corpo é entendido como a necessidade de
libertar os indivíduos do mal alojado em seus corpos que estão prejudicando suas vidas.
97
Alcançar a salvação através de suas obras é uma consequência, entretanto a salvação só
é possível mediante a autoridade de um mediador: no caso, o pastor.

A igreja ainda é a primeira referência para as mulheres religiosas, pois a


consideram um espaço onde podem socializar suas particularidades. Nesta pesquisa, todas
as mulheres buscaram ajuda em suas igrejas, a maioria se dirigiu a elas antes mesmo de
buscar ajuda nos serviços oferecidos pelos municípios, por acreditarem que encontrariam
lá a solução para as agressões vividas. As lideranças religiosas utilizam os recursos de
que dispõem para resolver os conflitos de suas fiéis, pois a elas é dado o poder de garantir
o bem-estar de todos(as). Em alguns casos, as lideranças religiosas se deslocaram até as
casas de suas fiéis para conversar com seus companheiros, ainda que não pertencentes às
suas comunidades, como o caso de Jussara, pertencente à Assembleia de Deus:

O pastor falou para mim: pode deixar que eu vou lá conversar com ele [...]
fizemos mais orações na minha casa e tudo bem, ele ficou bem por uma semana
e depois de novo me bateu, cheguei quase a morrer e o pastor foi conversar com
ele e falou para mim: ‘Você quer alguma coisa? Porque ele não quer nenhuma
ajuda, eu sugiro que você vai procurar a justiça, vai procurar ajuda no espaço
da mulher’.

As ações das lideranças religiosas não são padronizadas, pois vários líderes, ao
perceberem o risco iminente de morte que as mulheres correm, as orientam a buscar ajuda
nos serviços especializados que oferecem apoio a mulheres que estão em situação de
violência doméstica com ameaça de morte. Jussara recebeu apoio da liderança religiosa
para sobreviver às agressões perpetradas pelo ex-companheiro. Mesmo correndo risco de
morte, ela foi primeiramente conversar com a liderança religiosa, pois “a obediência ao
pastor é condição fundamental para que o indivíduo faça parte de seu rebanho” (SILVA,
2009, p. 55).

As orientações oferecidas pelas lideranças religiosas não podem ser vistas como
uma simples expressão explicativa, mas como “o fenômeno social que possui relações
com o ambiente, e está situado no tempo e espaço, influenciando e sendo influenciado”
(MADURO, 1983, p. 44). Por esse motivo, as lideranças interferem nas subjetividades
formando a consciência individual e social que implica diretamente na formação de
opinião dos indivíduos. Não há dúvidas que o cotidiano ganha muito mais sentido quando
há um referencial transcendente.

Muitas vezes, a palavra do pastor vai além do sermão, pois ela é complementada
nas demais ações do culto, significando mais do que uma exegese do texto bíblico, pois
98
é através do sermão que são reafirmados: “o compromisso do dízimo, da evangelização
ou de normas de conduta dos crentes” (CESAR; SHAULL, 1999, p. 72). O vocabulário é
pobre, com erros gramaticais, mas a legitimidade do discurso está na resposta imediata às
aflições do cotidiano como: empregabilidade, prosperidade, soluções de problemas
familiares, vícios, enfim entre outras dores comuns vividas pelas pessoas em seus
cotidianos (JARDILINO, 1993). Embora não seja obrigatório que os pastores das igrejas
pentecostais possuam formação teológica, eles assumem um papel de professor e mestre,
pois suas palavras são altamente levadas em consideração pelos fiéis, principalmente
pelas mulheres que estão vivendo momentos difíceis.

As mulheres em situações delicadas buscam ajuda na religião para suportar o dia


a dia. Muitas vezes, a igreja é o lugar que está mais próximo de suas casas, onde se sentem
confiantes para pedir ajuda, ou é um lugar onde podem relatar suas dificuldades, como
no caso de Jussara:
A primeira vez que saí de casa o primeiro lugar que busquei ajuda foi na igreja.

Jussara foi ameaçada de morte pelo ex-companheiro e está acolhida nas Casas
Abrigo para mulheres em situação de violência doméstica com ameaça de morte. Para ela
a igreja é um local seguro. Para as mulheres que passaram anos de suas vidas em situações
extremamente difíceis e delicadas, muitas vezes sem resolução, o sagrado é a esperança
e a força interior para que consigam dar continuidade a suas vidas. Elas buscam sabedoria
e esperança no poder superior, como relata Edilia:

Eu peço para Deus a perseverança e que eu continue perseverando nessa minha


caminhada, porque não foi fácil eu sair dessa situação, para que eu não entro
em outra, para que eu não me engane de novo, não deixe que o coração fala mais
alto que a razão.

Portanto, as mulheres que sofrem violência também encontram na religião apoio


para suportarem momentos difíceis, pois a igreja é ainda um local seguro que as acolhe,
é um espaço onde conseguem “autorização” de seus companheiros para frequentar e,
assim, acabam por socializarem suas dores e angústias amenizando o sofrimento. Por fim,
além do acolhimento, o espaço religioso ainda lhes pode proporcionar conforto e
confiança para seguir.

99
Nesta perspectiva, não restam dúvidas quanto à importância de uma compreensão
ampla por parte das lideranças religiosas a respeito da origem da violência de gênero e
suas implicações na vida das mulheres nesta sociedade. A violência contra as mulheres
está enraizada nas estruturas de poder e no patriarcalismo, que legitimam tais práticas.
Esse modelo machista imposto por um sistema hierarquizado, que atravessa todos os
espaços sociais, inclusive os religiosos, reforçam a submissão e a inferioridade das
mulheres. Não é simples combater a violência de gênero, tendo em vista que o masculino
sustenta todas as ações. É nesta ciranda de violências visíveis e invisíveis aos olhos que
se consolidam os canais da comunicação, do conhecimento e dos significados que
oferecem sentido ao nosso modo de viver.

A religião, através de seus dogmas, dos discursos bíblicos e das orientações


transmitidas pelas lideranças religiosas, contribui para a formação de estruturas subjetivas
dos indivíduos, inclusive das mulheres, que são imensamente influenciadas por seus
aconselhamentos. Portanto, fica evidente a importância de ações conjuntas entre
técnicas(os) do poder público, instituições não governamentais e representantes das
igrejas no enfrentamento à violência contra as mulheres. Ampliar a visão para além da
vinculação da mulher com a reprodução social, de modo a superar as desigualdades
presentes nas relações entre homens e mulheres, é um passo fundamental para que as
lideranças religiosas não comunguem com esta barbárie, que é a violência contra as
mulheres.

3.2 O espaço religioso como referência e sociabilidade

A presença majoritária de mulheres nas denominações religiosas e a forma como


se relacionam com os espaços físicos das igrejas sugere que o universo religioso possa
contribuir para seu empoderamento e autonomia. A intensa participação em grupos de
mulheres, o trabalho voluntário nas igrejas, a organização entre as mulheres para atender
suas demandas e necessidades da comunidade, são fatores que sugerem novas formas de
relacionamento entre gênero e religião. Não há dúvidas que os espaços religiosos são de
domínio masculino, mantido e simbolizado por homens, assim como as articulações que
se estreitam em seu interior. As mulheres, além de se deslocarem às igrejas objetivando
a busca de respostas para suas dores, também procuram um ambiente de socialização que
elas não encontram em outros espaços da sociedade ou aos quais elas não têm acesso.

100
Segundo Woodhead (2001), as mulheres são influenciadas pelos espaços sociais
que estão disponíveis para elas dentro das igrejas, visto que muitas escolheram ou foram
levadas a exercer somente as atribuições domésticas. Para as mulheres que optaram por
uma vida profissional ativa, a igreja pode oferecer um espaço onde elas consigam
exteriorizar uma identidade, pois frequentemente são oprimidas em seu ambiente de
trabalho. Outra possibilidade que pode ser vivenciada pelas mulheres no espaço religioso
é a tentativa de compelir a religião para a busca de relações de gênero mais igualitárias.

Em diversas denominações religiosas, inclusive nas igrejas pentecostais, as


mulheres se organizam em grupos exclusivamente femininos, com o objetivo de
conversar e explorar os estudos bíblicos. Muitas vezes suas leituras divergem das
interpretações realizadas pelas lideranças religiosas, o que sinaliza importantes
possibilidades de autonomia e empoderamento dessas mulheres. Os significados
discutidos pelas participantes são pautados pelas preocupações do cotidiano, que as
presenteiam com a oportunidade de reflexão de diversas formas de superação de suas
preocupações, através da troca de experiências entre elas (WOODHEAD, 2013). As
pessoas que vivenciam situações complexas e conseguem superá-las demonstram, ao
mesmo tempo, riqueza nas possibilidades de soluções, como a troca de experiências que
se dão nos grupos de mulheres dos espaços religiosos, além do fortalecimento dos
vínculos sociais, da ampliação e do fortalecimento das redes de solidariedade entre elas,
melhorando a autoestima.

Outra forma de participação de mulheres em espaços religiosos são as pastorais


ligadas à igreja católica. Essas mulheres realizam trabalhos paroquiais que têm como foco
o processo democrático nas comunidades. Os trabalhos são divididos em grupos como: a
Pastoral da Mulher Pobre ou Pastoral da Criança. A participação das mulheres nas
pastorais oferece a elas possibilidades de se nomearem líderes nas comunidades religiosas
em bairros pobres. A capacidade de planejar as ações e de organizá-las são atribuições
importantes para as mulheres líderes. Uma das preferências para se realizar os trabalhos
nas pastorais é que elas residam nos próprios bairros onde prestam seus serviços
voluntários. Tal critério contribui para sua atuação, pois a maioria conhece as famílias
moradoras na comunidade, suas angústias e maiores dificuldades como por exemplo, as
violências sofridas por outras mulheres, facilitando os encaminhamentos para os serviços
públicos e divulgação dos mesmos (ANJOS, 2008).

101
As mulheres que se candidatam a lideranças comunitárias participam de
formações realizadas por profissionais voluntários das comunidades religiosas, com
temas pertinentes a problemas sociais e de saúde enfrentados pelas moradoras das
comunidades ampliando seu repertório cognitivo. O engajamento nas pastorais pode
oferecer recursos que possibilitam o investimento a uma carreira na área social.

Participar das comunidades religiosas e tornar-se uma liderança comunitária pode


proporcionar às mulheres empoderamento, novas possibilidades de reconhecimento de
suas habilidades, além de fortalecê-las para o enfrentamento de diversos desafios. Nesta
concepção as mulheres tornam-se as principais agentes nas lutas sociais, pois são
consideradas referências para as pessoas da comunidade em que atuam. As comunidades
pastorais, os grupos de oração, os espaços religiosos de encontro permitem que as
mulheres participem e sejam integradas à vida social, pois estes são um dos poucos
lugares que conseguem frequentar, até pela falta de recursos financeiros para acessarem
outras possibilidades.

Para muitas famílias o trabalho das igrejas é fundamental para a socialização e


ajuda mútua entre os fiéis, pois muitas são as dificuldades enfrentadas pelas famílias,
principalmente no campo social: desemprego, criação dos filhos e filhas, relacionamentos
conflituosos, uso abusivo de drogas de membros da família, entre tantas outras. A religião
fornece recursos emocionais para que as famílias consigam lidar com a realidade
multirrelacional, à medida que ela “funciona como uma espécie de mecanismo de
equilíbrio, oferecendo ao indivíduo uma ordem integradora e cheia de significados para
a sua vida em sociedade” (MACHADO, 1996, p. 32).

Além disso, são muito comuns as práticas associativas nos ambientes religiosos,
mais especificamente nas igrejas, que geralmente se potencializam a partir das demandas
sociais, auxiliando as famílias em suas necessidades. O associativismo religioso diz
respeito a um movimento de pessoas que buscam congregar em determinado espaço a
defesa de direitos e se desenvolvem a partir de situações de exclusão social (LAVALLE;
CASTELO, 2004). Muitas vezes, o associativismo religioso é uma das poucas
oportunidades, principalmente em comunidades de baixa renda, pois além de cultivar
laços de amizade e de fé, promovem outros benefícios como, por exemplo, ajudar os fiéis
a se inserir no mercado de trabalho.

102
Em comunidades carentes são poucas as intervenções do Estado na oferta de
serviços públicos. Por conseguinte, o auxílio organizado nas igrejas, muitas vezes são as
únicas alternativas de apoio às famílias que estão em situação de alta vulnerabilidade.
Diversas lideranças religiosas se organizam em redes para apoiar seus fiéis em busca de
garantir seus direitos e inclusão social, ou outras necessidades importantes para a família.
A realidade das famílias pobres que residem em comunidades é bastante difícil, pois
possuem pouco ou nenhum recurso financeiro para sua subsistência e manutenção dos
lares. O desemprego é um dos fatores que influencia diretamente no desenvolvimento de
relações familiares conflituosas. De todas as pessoas entrevistadas nesta pesquisa, 31%
estão desempregadas. Os agressores, ao serem questionados sobre as maiores dificuldades
enfrentadas no relacionamento, mencionam a falta de subsídios para manter a família com
dignidade.

Não podemos deixar de mencionar a responsabilidade do Estado frente às famílias


que estão vivendo situações difíceis, posto que os serviços ofertados são insuficientes e
pouco divulgados pelos municípios. As famílias que estão em situação de alta
vulnerabilidade e passando por situações de violência doméstica sofrem com a
precariedade de serviços públicos e recursos financeiros, principalmente dentro das
comunidades de baixa renda, pois há uma ausência significativa de políticas de proteção
social. Em consequência de seu retraimento, a população pauperizada é chamada a
responder por esta deficiência sem receber condições, para tanto “o Estado reduz suas
intervenções na área social e deposita na família uma sobrecarrega que ela não consegue
suportar, tendo em vista sua situação de vulnerabilidade socioeconômica” (GOMES;
PEREIRA, 2006, p. 361).

Outro aspecto relevante de estar associada a uma comunidade religiosa é que isto
representa uma possibilidade de suprir a necessidade de relacionamento com outro tipo
de laços afetivos. Em relação aos filhos e filhas, principalmente adolescentes, a igreja
também tem sua importância, pois representa um lugar de cultura e lazer diante da
escassez desse tipo de recursos próximo às comunidades.

Há mulheres que consideram os espaços oferecidos pelas igrejas como referência


para suas demandas cotidianas. Muitas se organizam para distribuir as doações realizadas
por fiéis de todas as espécies e repassar para as famílias que estão passando por situações
difíceis. Mulheres que estão sofrendo violência doméstica buscam ajuda nestes espaços

103
quando, por exemplo, necessitam sair de suas casas às pressas para não morrer, ou quando
estão passando por necessidades básicas. Algumas mulheres participantes desta pesquisa
encontraram apoio nas igrejas para situações emergentes de violência que estavam
vivendo. Como relata Márcia, da Igreja Deus é Amor:

Tem pastores que ajudam a gente. Tem igreja que até recurso dá, até a passagem
da mulher para ela fugir.

Jussara, da Assembleia de Deus, afirma:

O pastor me disse: “vai lá na igreja que a gente te ajuda e te levamos para bem
longe”. O pastor me ofereceu ajuda, só que na época eu fiquei com muito medo
o meu agressor falou que ele não ia mudar.

Edilia também teve e ainda tem o suporte da sua comunidade (Assembleia de


Deus):

O pastor me ajudou e me apoiou a separar dele. Até hoje a igreja me ajuda


quando eu preciso de mantimento para comer e para as outras mulheres que
sofrem violência também. Quando ele não pode doar sozinho a cesta básica, eles
fazem uma vaquinha, cada um dá o alimento que pode e ele doa para as mulheres
que estão precisando.

A igreja vem sendo o lugar de referência para muitas mulheres, por isso elas
buscam ajuda ali para sair da situação de violência, seja para se deslocar para casas de
parentes em outras regiões ou para conseguir recursos alimentícios para subsidiar os
filhos e filhas quando conseguem se livrar dos agressores. Nesta perspectiva, os espaços
religiosos, por serem considerados seguros e confiáveis pelas mulheres que estão
sofrendo violências e/ou ameaças, tornam-se alternativas para conseguirem superar a
situação que estão vivendo. Neste sentido é fundamental a construção de parcerias entre
denominações religiosas e poder público27, com o objetivo de desenvolver estratégias que
visem contribuir para o enfrentamento do fenômeno da violência contra as mulheres.

27
Daí a importância de iniciativas como a do Grupo de Estudos de Gênero e Religião Mandrágora/Netmal,
da Universidade Metodista de São Paulo, que tem promovido ciclos de debate sobre Religião e Violência
Doméstica, envolvendo lideranças religiosas e técnicos(as) do poder público que trabalham no
enfrentamento da violência contra as mulheres, visando debater sobre a importância da elaboração de
políticas públicas integradas que envolvam as instituições religiosas e os diferentes aparatos do poder
público nessa ação.

104
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desse texto procedemos à explicitação da realidade da violência de


gênero, especificamente da violência doméstica e de sua relação com a religião, visando
contribuir com o trabalho de profissionais da área social, com as reflexões acadêmicas
sobre gênero e religião, assim como ajudar no processo de aprimoramento de propostas
de intervenção e enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres. Uma das
reflexões importantes que concluímos foi de que a violência de gênero não deve ser
analisada de forma isolada, mas em um contexto sócio-histórico.

A violência, o poder e a autoridade são utilizados quando um ser humano pretende


dominar o outro. O desejo de exercer o poder faz perder de vista as normas acordadas
entre os indivíduos na sociedade. As raízes da violência se encontram nas estruturas
sociais. Não se trata de um fenômeno recente e exclusivo do mundo contemporâneo,
muito pelo contrário: a história da humanidade mostra exemplos de violências cometidas
contra as minorias como índios, negros, mulheres, idosos, pessoas com deficiência etc., e
todas elas foram justificadas pelas diferenças existentes entre os seres humanos.

Em se tratando da violência de gênero, a situação se torna ainda mais complexa,


pois além de estar presente em todas as classes sociais, ela se constitui oriunda da
ideologia machista e patriarcalista da nossa sociedade. Somente há aproximadamente três
décadas, a violência de gênero passou a ser considerada questão de justiça e direitos
humanos. Compreendida e estudada como uma relação de poder do sexo masculino em
relação ao sexo feminino, a violência contra as mulheres é fruto de um processo histórico
de construção social da subordinação feminina.

O ápice da violência contra as mulheres é o feminicídio, que não pode ser


entendido como crime de amor como transmitido em diversas situações pela mídia, pois
o amor não mata, o amor não humilha, o amor não espanca! Cansamos de ouvir a famosa
frase “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, que está embutida nas músicas,
nos programas de televisão em geral, que se alimentam da perpetuação das diversas
formas de violência presentes na sociedade. E isso não pode mais ser visto como verdade
absoluta, pois em brigas de marido e mulher se mete a colher sim, chama-se a polícia,

105
denuncia-se, presta-se socorro. Muitas mulheres são mortas pelo simples fato de
pertencerem ao sexo feminino. Tal ato de violência evidencia a soberania de relações de
gênero hierárquicas e desiguais nesta sociedade e, por essa razão, a violência contra as
mulheres é analisada no Brasil como um problema social e deve ser enfrentada através da
articulação de entidades feministas, associações de mulheres e de direitos humanos,
órgãos governamentais e não governamentais.

Não é simples para as mulheres livrar-se das violências sofridas no interior de seus
lares, pois este fenômeno está de tal forma naturalizado pela sociedade que os agressores
se intitulam donos de suas companheiras, de suas vidas e de suas almas. A violência
doméstica perpetrada por companheiros foi culturalmente construída, dificultando o
rompimento deste ciclo. O movimento feminista vem incansavelmente lutando para o
enfrentamento deste fenômeno. Nos últimos anos houve avanços importantes
relacionados à formulação de políticas públicas que trabalham contra a violação dos
direitos humanos das mulheres.

Os serviços especializados de atendimento às mulheres que estão em situação de


violência doméstica estão sendo implantados nos municípios, porém há muito a fazer.
Um dos maiores desafios do Estado, além da falta de recursos financeiros, é a formação
especializada em gênero para as equipes técnicas de atendimento às mulheres, pois este é
um dos fatores mais importantes para ajudá-las a romper com o ciclo da violência. Outro
avanço importante referente às reformas políticas e jurídicas alcançado pelos movimentos
feministas foi a implementação da Lei Maria da Penha, que se tornou um instrumento
fundamental para o combate à violência contra as mulheres no Brasil. Nela são
apresentadas ações importantes e inovadoras, como por exemplo a reeducação e
ressocialização dos homens autores da violência doméstica, uma vez que o fenômeno da
violência contra as mulheres é considerado de ordem histórica, cultural e social.

No decorrer dessa pesquisa observamos que a violência contra as mulheres está


intimamente relacionada ao gênero, que explicita o fato de homens e mulheres serem
produtos do meio social, carregados de cultura e valores. Em razão disso, discutir gênero
é buscar compreender o sistema hierárquico entre os sexos, os privilégios do sexo
masculino sobre o feminino, inclusive sua participação desigual na sociedade. Discutir
gênero é buscar novas possibilidades de igualdade e respeito entre os sexos, é romper

106
com normas impostas pela sociedade, é confrontar um sistema conservador, intolerante e
preconceituoso.

Foram realizadas entrevistas com mulheres que estão em situação de violência


doméstica e com homens autores de violência contra as mulheres, que evidenciam que a
violência de gênero possui uma forte relação com a religião. A religião tem presença
marcante na sociedade brasileira. No caso desta pesquisa, a maioria das mulheres se
declarou pentecostal, mais especificamente pertencente à igreja Assembleia de Deus.

Vários elementos religiosos foram evocados pelas entrevistadas para justificar a


permanência em relacionamentos violentos. A crença em espíritos malignos que podem
atrapalhar as relações familiares, promovendo reações violentas dos companheiros foi um
argumento apresentado para explicar a violência sofrida e tolerada. O agressor não teria
culpa da agressão cometida, uma vez que não é ele, mas um espírito do mal que o está
possuindo e que deve ser exorcizado. Em se tratando da Assembleia de Deus, considerada
uma religião conservadora e bastante rigorosa no que diz respeito ao comportamento de
seus fiéis, são realizadas sessões de “libertação” para a retirada de espíritos malignos de
pessoas consideradas com comportamentos desviantes. Neste caso, muitas lideranças
religiosas se deslocaram à casa das mulheres que buscaram ajuda na igreja para tentar
convencer seus companheiros a frequentar os cultos, ou mesmo exorcizá-los na esperança
de que não cometessem mais agressões contra suas companheiras. Em sua maioria, as
mulheres entrevistadas projetam na religião meios espirituais e sociais para sua
resignação e, por isso, permanecem em seus relacionamentos conflituosos, ainda que
ameaçadas de morte. O divórcio não é bem visto social e religiosamente. No
pentecostalismo, no catolicismo e em outros grupos religiosos, a preservação do
casamento é de responsabilidade das mulheres, recaindo sobre elas toda a culpa de um
relacionamento conflituoso, motivo pelo qual muitas delas permanecem sofrendo
violência doméstica por anos a fio.

A religião tem um potencial simbólico fabuloso, ela é uma das principais


instituições sociais formadoras de sentido, dificultando às pessoas a percepção do
potencial da violência produzida por ela. Em se tratando da violência contra as mulheres,
a influência de caráter opressivo para a humanidade é incalculável, pois a religião também
tem responsabilidade na hierarquização dos sexos, que influencia a soberania dos homens
em relação às mulheres. A construção de símbolos prioritariamente masculinos e sua

107
estrutura patriarcal são impactantes na formação dos indivíduos. A violência simbólica é
imperceptível e invisível, porém perversa em suas consequências, pois o discurso
patriarcal conservador e machista é sacralizado pela religião, que, por sua vez, interfere
diretamente na forma como o homem e a mulher são representados socialmente.

É inegável, porém, a importância da religião no combate à violência contra as


mulheres. Muitas mulheres buscam força na religião para suportar seu relacionamento
conflituoso ou ainda procuram socorro nas igrejas na esperança de regenerar seus
companheiros violentos para se tornarem mais amáveis e afetuosos. As lideranças e as
comunidades religiosas podem ser fundamentais na intervenção em relações domésticas
violentas. As mulheres que estão em situação de violência doméstica, em sua maioria,
socializam com as lideranças religiosas as agressões sofridas por elas. Se é verdade que
devido aos pressupostos religiosos muitas lideranças insistentemente reforçam as
violências através de orientações e discursos bíblicos que sacralizam e legitimam a
violência contra as mulheres, observamos que, mesmo contrariando tais pressupostos,
algumas lideranças orientaram suas fiéis a se distanciar de seus agressores e a buscar
ajuda em serviços especializados para mulheres que estão sofrendo violência doméstica.

A religião nutre as mulheres de esperança e as revigora, no sentido de conseguirem


dar continuidade às suas vidas. A religião as acolhe e lhes proporciona segurança para
projetar uma vida mais saudável e menos violenta. Outra constatação é o fato de que o
espaço físico das igrejas tem ofertado às mulheres ambientes culturais, de lazer e
reflexões, que não são encontrados em outros espaços. É nas rodas de conversa com o
objetivo de estudar a Bíblia ou nos trabalhos ofertados para a comunidade, através das
doações organizadas pelas igrejas, que as mulheres ocupam seu tempo e se empoderam,
conquistando muitas vezes uma autonomia que não encontrariam em outros espaços da
sociedade. Compreender o caráter paradoxal da religião faz-se fundamental para trabalhar
com o enfrentamento da violência contra as mulheres, de modo que, se de um lado as
agressões sofridas são suavizadas pela força da fé, proporcionando-lhes esperanças, por
outro as violências são reforçadas, legitimadas e sacralizadas por sua natureza simbólica.

108
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115
APÊNDICE I

ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

Abordagem com as mulheres – Grupo focal

1. Recepção e Acomodação – Responder ao questionário

As mulheres serão recepcionadas pela pesquisadora que dará as boas vindas e


informações acerca dos objetivos e finalidades da Pesquisa e da Técnica. Será preenchida
uma ficha que irá conter os seguintes itens:
 Nome:
 Idade:
 Estado civil:
 Há quanto tempo está com o companheiro:
 Religião:
 Quantos filhos:
 Há quanto tempo ficou ou está acolhida nas Casas Abrigo Regional
Grande ABC:

Após o término do preenchimento da ficha, que será individual, será apresentada


a documentação: Termo de Livre Consentimento. Após isso, as mulheres serão
encaminhadas à sala onde serão realizadas as sessões. Na sala, as cadeiras estarão em
círculo.

2. 1º momento: Apresentação

Será utilizada uma técnica de dinâmica de grupo de apresentação no início da


sessão. A técnica utilizada será: cada participante diz o seu nome e uma qualidade, em
seguida todas repetem o nome da pessoa e sua qualidade. Esta técnica propicia certa
descontração, necessária ao momento.
Será explicado ao grupo como será realizado o trabalho neste dia. Esclarecer às
mulheres por que estão reunidas. Será mencionado o que a moderadora espera daquele

116
momento e esclarecer também sobre o porquê da gravação em áudio, o destino das fitas
e assegurar o sigilo e o anonimato das informações.

3. 2º momento: Gênero

Com as mulheres sentadas em círculo, será realizado um debate sobre Gênero,


para tanto serão levantadas as seguintes questões:

 Como é para vocês ser mulher?


 Existe alguma diferença entre ser mulher e ser homem? Expliquem.
 Vocês acreditam que os homens são mais agressivos que as mulheres?
Por quê?
 É dado mais poder aos homens do que às mulheres? Por quê?
4. 3º momento: Violência

Neste momento serão colocadas várias figuras no chão relacionadas a situações


de violência doméstica. A mediadora irá solicitar que elas escolham algumas figuras que
mais chamam sua atenção. Após escolherem as figuras, será pedido que expliquem por
que escolheram aquela figura e o que veem nela.
Após elas falarem, cada uma discorrerá sobre as seguintes questões:
 Quais as formas de violência sofreram?
 Há quanto tempo sofrem violência doméstica?
 É o seu primeiro relacionamento violento?
 Qual foi o primeiro lugar onde buscaram ajuda?
 Quais respaldos tiveram da rede socioassistencial?
 Por que acham que seus companheiros as agridem?
 Durante quanto tempo silenciaram a violência vivida?
 Pensaram em se separar em algum momento após a violência?

5. 4º momento: Religião

A moderadora irá pedir para que elas discorram sobre as seguintes questões:
 O que Deus significa para você?
 Você se considera uma pessoa religiosa?
117
 Com que frequência você vai à igreja? Quem vai com você?
 Seu companheiro também frequenta algum grupo religioso? Qual?
 Você participa de alguma atividade na sua igreja? Qual?
 Em algum momento você buscou ajuda na religião? Qual?
 Em algum momento você socializou a violência vivida com seu líder
religioso? Como?
 A religião foi importante para você suportar as violências sofridas?
Explique.
 Se pudessem realizar um pedido a Deus, qual seria?

6. Encerramento

118
APÊNDICE II

Abordagem com os autores da violência contra as mulheres

Roteiro de entrevistas realizadas com os autores de violência

I. Dados individuais

1. 1. Idade: [ ] anos Ano de Nascimento: ________


2. Cidade de origem: _________- ____
3. Escolaridade: [ ] Ensino Fundamental Incompleto [ ] Ensino Fundamental
Completo [ ] Ensino Médio Incompleto [ ] Ensino Médio Completo [ ] Ensino
Superior Incompleto [ ] Ensino Superior Completo [ ] EJA [ ] Supletivo
4. Está estudando atualmente? [ ] Sim [ ] Não
5. Cor: [ ] Branco [ ] Pardo [ ] Preto [ ] Negro [ ] Indígena [ ] Amarelo
6. Profissão: _____________________________
7. Estado Civil: [ ] Solteiro [ ] Casado [ ] União estável [ ] Divorciado
8. Situação conjugal: [ ] Solteiro [ ] Namorando [ ] Morando junto
9. 10. Nº de Filhos: [ ] Sexo/ idade: __/___; Sexo/ idade: __/__; Sexo/ idade: __/__;

III. Características do relacionamento

1. Como se conheceram?
2. Quais problemas/dificuldades enfrentados?
3. Quanto tempo ficaram juntos?
4. A família é importante para você?

IV- Sobre masculinidade

1. Como é para você ser homem?


2. Existe alguma diferença entre ser mulher e ser homem? Explique.
3. Você acredita que os homens são mais agressivos que as mulheres? Por quê?
4. É dado aos homens mais poder que às mulheres? Por quê?

119
V. Sobre violência doméstica

1. Quando e como ocorreu a primeira situação de violência?


2. Qual situação de violência gerou o acolhimento?
3. Quais tipos de violência foram cometidos?
[ ] Física [ ] Psicológica [ ] Moral [ ] Patrimonial [ ]Sexual
4. Já viveu alguma situação de violência em relacionamentos anteriores?
[ ] Sim [ ] Não Especificar:
5. Sua mãe sofria violência?
6. Já sofreu algum tipo de violência?

VI. Sobre religião:

1. Qual é a sua religião?


2. Você se considera uma pessoa religiosa?
3. Com qual frequência você vai à igreja?
4. Como você vê Deus? Ele é importante para você?
5. Em que momento você se lembra de Deus?

120

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