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VISÃO 2035:

Brasil, país desenvolvido


Sinopse das agendas para alcance da meta
VISÃO 2035:
Brasil, país desenvolvido
Sinopse das agendas para alcance da meta

Rio de Janeiro 2018


Sumário

VISÃO BRASIL 2035............................................................7


Paulo Rabello de Castro
Presidente do BNDES

VISÃO BRASIL 2035: COMO O


BNDES PODE CONTRIBUIR............................................. 12
António Bernardo e Daniel Martins
Roland Berger Brasil

UMA AGENDA SETORIAL PARA 2018-2035................... 18


Fernando Puga e Lavinia Barros de Castro
BNDES

AGENDAS SETORIAIS
PARA ALCANCE DA META (SUMÁRIO)..........................34

A VISÃO DO BNDES PARA 2035:


AGENDAS REGIONAIS.................................................... 36
Sergio Guimarães Ferreira e Guilherme Franco Montoro
BNDES

AGENDAS REGIONAIS
PARA ALCANCE DA META (SUMÁRIO)..........................53

ESTAMOS EM 2035..........................................................54
Lavinia Barros de Castro
BNDES
Visão Brasil 2035
Ao executar seu planejamento estratégico 2018-2035, em
início de implantação, o BNDES estabeleceu cenários para o de-
senvolvimento da economia brasileira no período de 2018 a 2035.
Tais cenários foram utilizados para projetar o futuro dos principais
setores da economia e das macrorregiões do país, resultando em
dois livros dos três da série “Visão 2035: Brasil, país desenvolvido”.
Em cada cenário setorial, os especialistas encarregados das aná-
lises prospectivas se perguntaram, primeiro, “o que seria necessário
para destravar o setor”; em seguida, passaram a conceber algo mais
ousado como “o que deveria acontecer para potenciar esse setor da
economia”; e, finalmente, se permitiram fazer uma rápida viagem
imaginando um futuro em que fosse possível “não só acelerar mas,
sobretudo, transformar o setor” objeto de cada estudo.
Estabeleceram-se, desse modo, três patamares evolutivos
para as análises setoriais apresentadas no primeiro volume, cujo
subtítulo é Agendas setoriais para alcance da meta. No cenário
básico, um patamar de destravamento setorial, ao se elencarem
tarefas de desobstrução para o melhor desempenho da economia
naquele segmento específico; no patamar intermediário, medidas
de potenciação setorial, ou seja, aquelas capazes de gerar um
salto significativo da produtividade do trabalho e do capital ali
empregados; e, no patamar mais alto, imaginaram-se as condições
de uma verdadeira transformação setorial.
A tabela a seguir indica os principais fatores de propul-
são em setores selecionados da economia brasileira. Ela define

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quatro grandes fatores de impulso: (i) demanda interna, como
é o caso do setor de alimentos e bebidas; (ii) políticas públi-
cas, como é o caso do setor de biocombustíveis; (iii) governo,
já que para destravar, por exemplo, água e saneamento, serão
necessários vários esforços com os estados e municípios; e
(iv) demanda externa, uma vez que as exportações e os preços
externos impõem, em grande medida, a dinâmica do setor. A ta-
bela foi construída de forma que quanto mais para baixo o setor
se situa, maiores são os desafios (“entraves”) do setor.

Principal fonte de propulsão de setores selecionados


Demanda interna Políticas públicas Governo Demanda externa +
Múltiplas travas Múltiplas travas Trava fiscal Preços e PIB mundial
Complexo

Maior (+) ou menor (-) facilidade


Automotivo Energia elétrica Logística
agroalimentar
Economia Mobilidade Aeroespaço Mineração

para “destravar”
criativa urbana e defesa e metalurgia
Tecnologias da
Água e
informação e Biocombustíveis Petróleo e gás
saneamento
comunicação
Alimentos Resíduos Papel e
Química
e bebidas sólidos celulose

Duráveis
Bens de capital Saúde
de consumo
-
Fonte: Elaboração própria.

Os mesmos três cenários também serviram de base para as


análises do desenvolvimento regional no volume dois, Agendas
regionais para alcance da meta. A visão 2035 aponta na direção de
uma aceleração do crescimento brasileiro, com efeitos positivos
no PIB e forte redução de desigualdades regionais.

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No volume três, Agendas nacionais para alcance da meta,
serão colecionadas as contribuições externas ao Banco.
As conclusões preliminares dessas análises são disponibili-
zadas com a vocação de ser “ponto de partida” para um debate
muito mais amplo com a sociedade e o governo. Os textos internos
são assinados por dedicados pesquisadores do BNDES, que fazem
questão de assumir o caráter pessoal de suas contribuições.
Estamos saindo penosamente de uma difícil experiência de
recessão econômica. A frustração nacional é enorme após três
longos anos de retrocesso na maioria dos setores da economia
brasileira. Mais do que frustração, também um estado de per-
plexidade tomou conta de leigos e estudiosos diante da inten-
sidade surpreendente do mergulho da renda per capita, quando
a impressão antecedente era, justamente, a de que o país havia,
afinal, encontrado seu caminho de ascensão sustentada da renda
nacional, com a vantagem de ser também um movimento de in-
clusão social pela elevação do consumo de milhões de brasileiros
pobres ou muito pobres. Tamanha surpresa negativa nos deixou
diante da pergunta: “o Brasil ainda tem condição de se tornar
um país desenvolvido?”
Os estudos apresentados na série “Visão 2035: Brasil, país
desenvolvido” trazem a boa notícia para a nação brasileira: os
destravamentos setoriais são perfeitamente viáveis e, na maioria
dos casos, requerem mais a determinação de remover obstáculos
do que a superação de desafios pesados de novos investimentos.
Ou seja, sim, uma agenda de superação é viável!

9
Segundo recentes cálculos do produto potencial da econo-
1
mia, sempre com base retrospectiva, o crescimento da economia
brasileira estaria circunscrito hoje a uma sofrível taxa de 2% ao
ano, com evolução praticamente nula da produtividade total. Mas
o futuro não precisa acontecer dessa maneira. E o BNDES existe
para contestar o conformismo diante de um cenário nacional de
relativa estagnação da renda dos brasileiros. Nossa visão 2035
nos permite imaginar, por exemplo, uma taxa de crescimento de
3,2% ao ano no período até 2035, com avanços sustentados da
produtividade – mediante a adoção de medidas de destravamento
e potenciação recomendadas nas análises setoriais.
Destravar a economia no horizonte 2035 é o mínimo que a
sociedade brasileira pode e deve ambicionar. Nos debates polí-
ticos do presente ano eleitoral, novos rumos serão procurados.
E a ousadia de nosso coletivo como nação não precisa respeitar
os limites impostos por frustrações passadas e perplexidades
estéreis. Um cenário de potenciação é também possível. Nele, o
país poderia exibir crescimento médio anual de até 3,9%. Nes-
se cenário, desafios de inovação e pesquisa, intensificação de
investimentos, sobretudo em infraestruturas, e fortalecimento
financeiro pelo mercado de capitais exigirão a criatividade de
todos, inclusive a nossa – do BNDES – como agente do desenvol-
vimento. Para tanto, é essencial mais planejamento, sem qualquer
“controlismo”. Mais esclarecimento de responsabilidades e mais
compartilhamento de tarefas. Mais pesquisas e menos invencioni-

1 ORAIR, R. O.; BACCIOTTI, R. R. M. Hiato do produto na economia brasileira: estima-


tivas da IFI pela metodologia de função de produção. Instituição Fiscal Independente
(IFI), jan. 2018. (Estudo Especial n. 4)

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ces. Mais oportunidades para todos e menos destruição gratuita
de valor. Mais trabalho e mais aprendizado continuado. Muito
mais acesso popular ao capital social. E atenção permanente à
sustentabilidade do ambiente. Essa é uma agenda de potenciação
nacional com a qual os brasileiros atuantes no BNDES teriam
enorme satisfação de colaborar profissionalmente.
Para além da agenda de potenciação, que já levaria o país
a alcançar, até 2035, um estágio de renda per capita de econo-
mia medianamente desenvolvida, nos seria permitido sonhar
e tentar alçar a sociedade brasileira a um patamar de efetiva
transformação. O século XXI é e será, aceleradamente, uma
era de estonteantes transformações. Por enquanto, o Brasil
tem ficado bem à margem desse caminho, no máximo como
discreto observador e um seguidor eventualmente oportu-
nista. Mas nada nos impede de mudar nossa atitude de mero
espectador do progresso acelerado do mundo. Depende de
decisão e persistência, além de doses cavalares de educação
aplicada e coesão social. Os estudos contidos na série “Visão
2035: Brasil, país desenvolvido” nos apresentam uma janela
do que seriam os predicados setoriais e regionais de tamanha
mudança. São sugestões generosas de especialistas que con-
tinuam acreditando na possibilidade de efetiva transformação
da sociedade brasileira.
Para colaborar com esse sonho, o BNDES também planeja
seu próprio futuro como banco do desenvolvimento nacional.

PAULO RABELLO DE CASTRO


Presidente do BNDES

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Visão Brasil 2035: como o BNDES pode contribuir1
ANTÓNIO BERNARDO
DANIEL MARTINS2

O Brasil é um país com grande diversidade de recursos e


que poderia ser uma potência global. Quem nunca ouviu essa
frase ou pensou nisso? Sem dúvida, o Brasil é um país com
enorme potencial: é a oitava maior economia do mundo, o
segundo maior exportador de alimentos, o país que mais tem
reservas de água potável, cerca de 12% das reservas mundiais.
Mas o Brasil também ainda é um país onde um trabalhador
produz, em média, apenas um quarto do que um trabalhador
produz nos Estados Unidos da América (EUA). A produtivi-
dade do Chile praticamente dobrou desde 1980, enquanto
diversas fontes mostram que a produtividade brasileira se
manteve estagnada.
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), de 1940 a 1980 a população brasileira entre
15 e 59 anos cresceu a uma taxa média de 2,87%, o que, sem
dúvida, impulsionou, e muito, o crescimento econômico do
país. Quando analisamos as projeções de 2020 a 2060, vemos
que a população em idade ativa declinará a uma taxa média

1 O ponto de vista expresso neste artigo constitui a opinião da Roland Berger, con-
sultoria que apoiou o processo de reflexão e planejamento estratégico 2018-2035
do BNDES, e não necessariamente reflete a opinião do Banco e de seus executivos.
2 Respectivamente diretor-presidente e gerente sênior da Roland Berger Brasil.

12
de 0,44%. Essa mudança no contexto demográfico torna a es-
tagnação da produtividade brasileira ainda mais preocupante.
Para ter um crescimento acima de 2% a.a. de forma sus-
tentada, o Brasil terá que dar grandes saltos de produtividade.
As razões para a estagnação da produtividade no Brasil são
muitas e os diagnósticos são diversos, mas vale destacar a baixa
qualidade da educação básica, a reduzida abertura ao mercado
internacional, a burocracia e a dificuldade em fazer negócios, os
desafios institucionais que criam custos de transação restritivos,
a falta de acesso a crédito em condições adequadas e até medidas
protecionistas que desfavoreceram a concorrência e retiraram
incentivos à renovação empresarial.
A solução para nossos problemas é olhar para frente, bus-
cando proatividade e pragmatismo na resolução de problemas.
O BNDES é uma instituição sólida, comprometida com o de-
senvolvimento de gerações de brasileiros e que, ao longo de
anos, solidificou uma história de contribuições relevantes para
o progresso nacional. Na conjuntura em que o país se encontra,
vemos um espaço importante para o BNDES contribuir e, por
que não, em certas ocasiões, liderar uma agenda de desen-
volvimento do país que possibilite saltos de produtividade e
um crescimento sustentado.
São imperativos para a agenda do desenvolvimento do Brasil
investimentos em infraestrutura, capital humano e inovação.
O investimento brasileiro em infraestrutura é historicamente
baixo e apresentou tendência decrescente nas últimas décadas.
De 1971 a 1980, o Brasil investiu cerca de 5% do produto interno

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bruto (PIB) em infraestrutura, mas, de 2001 a 2014, o investimento
foi, em média, de apenas 2,2%. Em virtude da redução do volume
de investimento, o gap atual no estoque de infraestrutura é ele-
vado. De acordo com um estudo3 realizado, o nível ótimo do peso
do estoque de infraestrutura no PIB é de 60%, estando o patamar
atual em torno de 36%. Para resolvermos esse problema, teremos
que investir anualmente cerca de 5% do PIB em infraestrutura
durante os próximos 15 a vinte anos.
O gap de infraestrutura que temos é um gargalo de produtivi-
dade e não permite que novos negócios e empresas sejam criadas.
Conforme um estudo4 divulgado pela Confederação Nacional do
Transporte, o custo logístico do Brasil corresponde a cerca de
13% do PIB, enquanto nos EUA o mesmo custo corresponde a
8% do PIB. Outra pesquisa realizada5 aponta que a infraestrutura
sanitária deficitária do Brasil resultou em um impacto negativo
de US$ 10 bilhões em 2015, decorrente de mortalidade e custos
econômicos relacionados a doenças. Em São Paulo, a viagem diária
em transporte público dura em média 93 minutos, em Berlim, 62
minutos e em Paris, 64 minutos.
Precisamos de muito mais investimentos em infraestru-
tura, para os quais o BNDES será um ator fundamental no
financiamento de longo prazo. Para além de financiamentos,
será necessário que o BNDES apoie a estruturação de agendas,

3 FRISCHTAK, C.R.; MOURÃO, J. Uma estimativa do estoque de capital de infraestru-


tura no Brasil. Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2017.
4 BARROS, M. Desafios da logística na América Latina, 2015.
5 LIXIL, WATER AID JAPAN, OXFORD ECONOMICS. The true cost of poor sanitation.
Tóquio: Lixil, 2016.

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projetos e o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro,
catalisador essencial para expandir o volume de investimentos.
Como mencionado anteriormente, a baixa qualidade da educação
brasileira também é um enorme entrave ao aumento da produtividade.
Entendemos que não há desenvolvimento sem capital humano.
De acordo com dados da OCDE,6 55% da população brasileira
não concluiu o ensino médio, 15% dos alunos estão fora da série
adequada e 78% deles têm conhecimento básico ou insuficiente
em português. Além do impacto na produtividade, a diferença
entre resultados de estudantes de famílias pobres e ricas dificulta
a mobilidade e intensifica a desigualdade social. Cerca de 55%
dos estudantes de baixa renda no Brasil não são competentes
em matemática, contra 20% dos alunos de alta renda.
Apesar de o investimento por aluno no Brasil ainda ser baixo em
relação à média da OCDE, a maior parte dos problemas educacionais
do país tem origem na má gestão e alocação de recursos. Embora os
retornos e as externalidades educacionais se concentrem nos anos
iniciais, o Brasil ainda aloca apenas 34% do investimento per capita
no ensino básico, diferentemente da Coreia do Sul, que aloca 65%.
Diversos estudos mostram que o retorno individual de um
ano adicional de educação é altíssimo no Brasil comparativamente
a outros países. No caso de um estudante que conclui o ensino
básico, nossa estimativa é de que a taxa de retorno esperado
do investimento possa alcançar os 153%, o que não considera
todas as externalidades sociais geradas.

6 OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMI-


CO. Education at a glance, 2015.

15
A boa notícia é que se o Estado mantiver o investimento
absoluto em educação básica, a mudança demográfica em curso
fará com que o investimento per capita se aproxime dos valores
alocados por estudante em outros países da OCDE.
Entendemos que o BNDES pode ser um ator relevante para a
melhoria da educação no país, estruturando e financiando bons
exemplos de projetos educacionais, que possam ser replicados,
sobretudo projetos com foco em gestão, tecnologia e inovação.
A atuação do Banco deveria se dar em conjunto com o
Ministério da Educação (MEC), estados e municípios e, sobre-
tudo, em parceria com o setor privado, que pode acrescentar
recursos, expertise e capacidade de gestão. Apostar na redução
da evasão escolar no ensino médio pode antecipar parte dos
resultados, tal como o investimento em qualificação profissio-
nal. Esses graus mais elevados de ensino constituem atalhos
importantes para treinar, capacitar e melhorar as competências
da força de trabalho, impactando diretamente e de forma mais
rápida os níveis de produtividade dos brasileiros já em idade ativa.
Além de infraestrutura e capital humano, é chave para o
desenvolvimento do país a modernização de sua estrutura pro-
dutiva. O país precisa fazer a transição para uma economia mais
moderna, alinhada com a quarta revolução industrial em curso.
Precisamos intensificar investimentos em projetos ino-
vadores, agregar mais valor a nossas cadeias produtivas, de-
senvolvendo serviços eficientes, escalar médias empresas com
potencial, e abrir mais a nossa economia para capitalizar os
ganhos gerados com trocas comerciais entre países.

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O Brasil tem grande potencial tanto no agronegócio, van-
tagem comparativa evidente, quanto no setor industrial. Para
alavancar o potencial brasileiro, é preciso continuar explorando
oportunidades atuais, mas descobrir novos atores e mercados. Por
exemplo, o Brasil tem a maior reserva do mundo de grafita, mineral
estratégico com grande potencial inovador. Outro exemplo é o
fato de, apesar das dificuldades para abrir e gerir uma empresa
no Brasil, o país ainda contar com grandes empreendedores e
um middle market com enorme potencial de crescimento.
É preciso criar condições para o florescimento de novos
negócios, mercados e empresas, e o BNDES pode contribuir
muito por meio de: ampliação do acesso a crédito para micro,
pequenas e médias empresas (MPME), indução da boa gestão e
governança em médias empresas com potencial, apoio a pro-
jetos inovadores e de alta tecnologia, e revisão das políticas de
conteúdo local, favorecendo o comércio exterior e ganhos de
produtividade com importação de bens e serviços.
Os desafios não são pequenos, mas um país como o Brasil
não pode deixar de ambicionar ser desenvolvido, e o BNDES
pode dar uma grande contribuição. A hora é agora. Para apoiar
a sociedade brasileira a superar esses obstáculos de desenvolvi-
mento, o Banco precisa se renovar, se modernizar e adotar novas
estratégias. O Plano Estratégico 2035, com o qual colaboramos,
deixa o caminho aberto para consolidar-se uma ampla mudança
modernizadora no BNDES. Temos a certeza de que os primeiros
passos já foram dados e muitos outros ainda virão.
Essa é a nossa visão.

17
Uma agenda setorial para 2018-2035
FERNANDO PUGA
LAVÍNIA BARROS DE CASTRO1

A publicação Agendas setoriais para alcance da meta da série


“Visão 2035: Brasil, país desenvolvido” reúne duas antigas tradições
do BNDES. A primeira delas é a produção de análises setoriais,
que remonta à criação do Banco, em 1952.2 A segunda tradição,
menos conhecida, refere-se ao uso de técnicas de cenários para
planejamento estratégico, utilizadas no Banco desde meados dos
anos 1980.3 Nesse livro, análises setoriais e técnicas de cenários
se combinam imbuídas de um terceiro elemento: o espírito de
ousadia do processo de reflexão e planejamento estratégico, em
curso no Banco.
De forma distinta das projeções probabilísticas, a metodologia
de cenários escolhida pelo BNDES para uso em seus planejamen-
tos estratégicos tem por objetivo primordial ampliar a gama de
possibilidades a ser considerada pelos tomadores de decisão.
São perspectivas criadas a partir da agregação de tendências e
incertezas que hoje se vislumbram. Não representam, portanto,

1 Economistas do BNDES.
2 No intuito de agregar e valorizar os conhecimentos setoriais do corpo técnico do
BNDES, foi criado o Comitê de Assuntos Setoriais (CAS). Desde 2006, o CAS publi-
ca livros e projeções periódicas de investimento, por setor, em horizonte de quatro
anos. Os livros publicados foram: Panoramas setoriais (BNDES, 2014), Panoramas se-
toriais – mudanças climáticas (BNDES, 2016) e Panoramas setoriais 2030 – desafios
e oportunidades para o Brasil (BNDES, 2017). As projeções são publicadas no site do
Banco com o nome de “Perspectivas do Investimento”.
3 Tal prática teve início em meados dos anos 1980, sendo o cenário “Integração Com-
petitiva”, de 1987, o mais conhecido. Ver Mourão (1994).

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o futuro mais provável, mas são plausíveis e consistentes em sua
construção. Não pretendem prever o amanhã, mas fomentar a
reflexão estratégica para ações preventivas contra horizontes
indesejados ou propulsoras de porvir mais promissores.
A expressão máxima de arrojo do planejamento em curso
no Banco se reflete na própria visão: “Tornar o Brasil um país
desenvolvido até 2035”. Essa frase não deve ser entendida, porém,
como algo que o BNDES se julga capaz de realizar, mas como um
desejo compartilhado, algo que se almeja alcançar. É, por isso,
sim, uma ousadia, mas que se propõe ser coletiva.
Para materializar em números o que significa ser desenvolvi-
do, utilizou-se, no âmbito do planejamento estratégico, o Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Embora esse índice não
seja suficiente para caracterizar os múltiplos aspectos do de-
senvolvimento, é um indicador bastante conhecido que permite
comparações internacionais.
O IDH varia entre 0 (valor mínimo) e 1 (valor máximo). Acima
de 0,7, os países são considerados de IDH elevado, e muito elevado,
quando acima de 0,8. No relatório mais recente, com dados de
2015, o Brasil ocupa a 79ª posição do ranking, com exatamente o
mesmo valor de 2014: 0,754. No cenário em que o Brasil se torna
desenvolvido em 2035, considerou-se:

• aumento da renda per capita (expressa em paridade de


poder de compra – PPP) de cerca de US$ 15 mil para
US$ 25 mil – obtido por meio de uma taxa de crescimen-

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to médio da renda per capita de 2,7% ao ano e uma taxa
de crescimento médio do produto interno bruto (PIB) de
3,2% ao ano;4

• aumento da expectativa de vida de 74,7 para 82 anos;

• aumento da duração média de escolaridade de 7,8 para


10,5 anos; e

• aumento da expectativa de escolaridade de 14,8 para


16,5 anos.

Esses resultados elevariam o IDH do Brasil de 0,754 para 0,864,


posicionando o país na 32ª posição do ranking global do índice,
considerando os níveis atuais de IDH, publicados pelo Pnud em
2017, atingindo nível próximo ao hoje obtido pela Grécia (0,866),
e acima do de Portugal (0,843). 5
O objetivo do livro é mostrar que existe uma ampla agenda
setorial possível de ser implementada, que tem muito a contribuir
para potencializar o crescimento da economia brasileira. Como
será visto, boa parte dessa agenda consiste em medidas de fácil
adoção, mas grande efeito e retornos já no curto e médio prazos.

4 O nível da renda de US$ 25.226 considera ajuste PPP de longo prazo, pela suposição
de que o crescimento é puxado por saltos de produtividade. O conceito utilizado
no IDH é o de renda per capita, para chegar ao valor de PIB per capita supôs-se que
a proporção da renda enviada/recebida permanece a mesma, por simplificação, e
considerou-se crescimento médio da população de 0,48% entre 2018-2035.

5 Como é natural supor que esses países também terão evoluído até 2035, o cenário
“Brasil desenvolvido” afirma apenas que alcançaríamos em 18 anos padrões seme-
lhantes aos que esses países europeus têm hoje. Se para alguns analistas esse cenário
pode parecer pouco ousado, para outros é considerado otimista, já que os debates
sobre o produto potencial da economia apontam taxas de crescimento do PIB em
torno de 2% ao ano ou até inferiores. Ver Orair e Bacciotti (2018).

20
Em um cenário mais ambicioso, pressupondo que os desafios re-
lacionados a essa agenda vão sendo superados, mas que também
acontecem iniciativas mais ambiciosas e de longo prazo, temos
a perspectiva de uma verdadeira transformação da economia.
Seus capítulos buscam apontar as medidas, em cada um
de seus respectivos setores, para promover o crescimento da
economia brasileira no período 2018 a 2035, em três cenários:
“destravar”, no qual o crescimento do PIB é, em média, de 2,8%
ao ano; “potencializar”, no qual o PIB cresce, em média, 3,9% ao
ano; e “transformar”, com crescimento da economia indo além dos
3,9% ao ano, com mudanças qualitativas, inclusive de bem-estar,
que não são perfeitamente aferidas pelo PIB.6
O cenário de referência do BNDES, “Brasil desenvolvido
em 2035” (crescimento médio do PIB de 3,2%), que serve de
base para o planejamento estratégico, portanto, é um cenário
intermediário em relação ao “destravar” (média de 2,8%) e ao
“potencializar” (média de 3,9%) explorados no livro Visão 2035:
Brasil, país desenvolvido – Agendas setoriais para alcance da
meta. Isso porque, por um lado, se consideradas projeções que
levam em conta o comportamento recente do país para cálculos
de PIB potencial, crescer 2,8% já parece um grande desafio. Tal
taxa, porém, seria insuficiente para superar o desenvolvimento
nos padrões definidos pelo planejamento estratégico do Banco.
Por outro lado, se o planejamento do BNDES adotasse como

6 A opção por não precisar o percentual de crescimento do PIB brasileiro no cenário


de transformação deve-se à grande incerteza, entre outras, sobre qual será o impac-
to das novas tecnologias na renda mundial e nos fluxos de comércio entre países.

21
cenário-base crescer 3,9% ou acima, isso poderia ser conside-
rado não factível e, portanto, a visão 2035 perderia sua força.
Entretanto, como um convite ao debate e à reflexão estraté-
gica, que é o intuito maior desse livro, pensar em “destravar”,
“potencializar” e “transformar” permite identificar gargalos e
oportunidades a serem exploradas.7
A Tabela 1 reúne os diferentes tipos de propostas setoriais
apresentadas no livro de forma bastante sintética, por cenário,
excluindo as duplas contagens, analisadas em cinco categorias:8

• Com impacto fiscal direto: são medidas que, em geral,


implicam desoneração dos setores. Contudo, ainda que
a implementação do conjunto das propostas tenda a ter
efeitos negativos sobre o orçamento do governo, isso
não ocorre com todas as medidas. Algumas delas podem
até mesmo levar a uma melhora das contas públicas,
como é o caso, dependendo da forma como for feita, da
reestruturação tributária.

7 Foi com esse espírito de promover o debate que foram organizados dois seminários
em março de 2018. O primeiro, no dia 5 de março de 2018, contou com membros de
associações, federações e confederação da indústria nacional, de órgãos públicos
com pesquisa econômica e setorial, de universidades, e de outras instituições finan-
ceiras de desenvolvimento. Contou também com representantes do Ministério da
Defesa e representantes dos trabalhadores. Nessa ocasião, foram recebidas críticas
e sugestões que foram incorporadas à versão atual do livro. No dia 20 de março de
2018, o BNDES organizou um seminário para discutir o conteúdo do livro e melhor
conhecer outras agendas que estão sendo feitas por instituições brasileiras.
8 Os setores podem apresentar: (i) mais de um tipo de proposta em cada grupo
e (ii) diferentes propostas em diferentes cenários. Como resultado de (i) em cada
cenário, os totais de setores nos grupos diferem da soma de setores nas propos-
tas; e de (ii) os totais de setores por proposta diferem da soma de setores por pro-
posta dos três cenários. Como resultado de (i) e (ii) os totais de setores em cada
grupo diferem das somas de setores por proposta e por cenário.

22
• Mudanças na regulação e ampliação das concessões:
envolvem a racionalização da forma como ocorre o
licenciamento ambiental, a promoção da entrada de
empresas estrangeiras no setor, políticas de conteú-
do local e mudanças nos marcos regulatórios e a am-
pliação das concessões nos setores de infraestrutura.

• Gestão pública e planejamento de longo prazo: di-


fere do grupo anterior pela maior complexidade das
propostas ou por envolverem maior número de insti-
tuições públicas ou governos locais. Neste grupo, es-
tão propostas como: apoio aos estados na elaboração
de planejamento regional; formação de consórcios
municipais, políticas públicas para universalização da
banda larga fixa de alta qualidade e específicas para
o setor de aerospaço e defesa (A&D); formação de
alianças internacionais em prol dos biocombustíveis;
e fortalecimento do transporte hidroviário.

• Melhoria do funding: compreende desde a melhoria


das linhas de crédito existentes até o desenvolvimen-
to de novas fontes de financiamento.

• Ações voltadas ao desenvolvimento tecnológico:


abrangem as propostas destinadas ao desenvolvi-
mento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). In-
cluem: formação de parcerias entre universidades,
instituições de ciência e tecnologia (ICT) e empresas;
desenvolvimento de novas rotas tecnológicas para

23
produção de químicos a partir da biomassa; ações
de eficiência energética; implantação das redes elé-
tricas inteligentes (REI) e obtenção de produtos de
maior valor agregado em setores como mineração e
papel e celulose.

Embora as medidas divirjam quanto aos desafios à implan-


tação, o número de propostas foi maior no cenário “destravar”.
Isso indica a necessidade de um conjunto maior de ações
setoriais com esse objetivo.

Tabela 1: Tipos de propostas e número de setores com esses tipos


de proposta

Cenários Total

Destravar Potenc. Transf.

1 Medidas com impacto fiscal direto 11 6 2 13

- Reestruturação tributária/ZPEs/
4 4 - 7
Regime automotivo

- Contingenciamento de recursos públicos 7 2 2 7

- Fiscalização 1 - - 1

2 Mudanças na regulação e
10 2 3 11
ampliação das concessões

- Concessão 3 - 1 3

- Licenciamento ambiental 2 - - 2

- Conteúdo local 2 - - 2

- Regulação/Marco regulatório 6 2 3 6
(continua)

24
(continuação)

Cenários Total

Destravar Potenc. Transf.

3 Capacitação de órgãos públicos


5 3 9 12
e Planejamento de LP

- Política pública/Planejamento de LP - 1 3 4

- Articulação pública/Consórcio
5 1 2 7
entre municípios

- Alianças internacionais - - 2 2

- Capacitação do setor público 2 3 2 4

4 Funding 7 7 2 11

- Funding 7 7 2 11

5 Ações voltadas ao
2 8 10 14
desenvolvimento tecnológico

- Parcerias universidades-ICTs-empresas - 2 1 3

- Eficiência energética/Meio ambiente - - 4 4

- Desenvolvimento tecnológico:
1 4 6 7
biotecnologia, IoT, REIs

- Mudança na cadeia produtiva/


1 3 4 6
Novos materiais e produtos

Fonte: Elaboração própria.

Sinergias entre as agendas


A implementação das agendas setoriais terá impacto nos
respectivos setores, mas também nos demais. Sem pretender

25
esgotar os conjuntos de inter-relações existentes, o Mapa 1
mostra algumas das principais relações entre os setores.9 São
apresentados apenas os efeitos diretos.
Por exemplo, o desenvolvimento de TICs tem forte im-
pacto nos setores de: complexo agroalimentar, com avanços
em IoT permitindo o acompanhamento e a análise remota das
operações no campo; petróleo e gás, sendo importante, por
exemplo, na construção de instalações submarinas; energia
elétrica, com a implantação das REIs; mineração e metalur-
gia, com o desenvolvimento de minas autônomas, com uso
de caminhões, sistemas de perfuração e monitoramento de
forma autônoma; bens de capital, principalmente por meio do
desenvolvimento da IoT, colocando as máquinas trabalhando
em rede; automotivo, com os veículos autônomos; aeroespa-
ço, com processamento de dados em tempo real e aeronaves
conectadas; mobilidade urbana, com o desenvolvimento de
cidades inteligentes, com tecnologias que permitem melhor
controle do trânsito, monitoramento de crime por vídeo e da
iluminação pública; economia criativa, com a digitalização de
conteúdos; e saúde, com aplicações na descentralização da
saúde, monitoramento remoto de pacientes e eficiência de
gestão das unidades.

9 Não se pretende esgotar as relações entre os setores. O crescimento em econo-


mia criativa, por exemplo, afeta diversos setores. Dada a dificuldade em distinguir
os mais afetados, não foram colocadas setas destacando a importância da econo-
mia criativa para os demais setores.

26
Mapa 1: Sinergias entre os setores
estrutura econô Fornecedores de
infra mic tec
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Saúde hões
TICs BK
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ma Logística equip. transp.
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Economia
Água e criativa
Is
RE

esgoto
biogás plataformas
Energia elétrica tecnológicas
biom
assa Aeroespaço
biogás

ferrovias

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é ri a s- p ri m a s e i

Fonte: Elaboração própria.

O Brasil nos três cenários


A Tabela 2 exibe uma síntese das perspectivas setoriais
apresentadas nos capítulos do livro.10

10
A falta de padronização nos indicadores apresentados reflete a heterogeneidade
das informações setoriais disponíveis.

27
Tabela 2: Desempenho brasileiro nos diferentes cenários

Destravar Potenc. Transf.

Crescimento do PIB - Brasil (% a.a.) 2,8 3,9

Agroalimentar

- Aumento anual da produção de grãos (% a.a.) 2,2 4,0

-Aumento anual da área plantada (% a.a.) 1,6 3,6

Mineração e metalurgia

- Investimento médio anual na mineração


14 18-20
(R$ bilhão/ano)

-
Investimento médio anual na siderurgia
9 13
(R$ bilhão/ano)

-
Crescimento do consumo e da produção
4,5-5,0 6,0-7,0
de aço (% a.a.)

- Capacidade instalada na produção de aço


> 70
(ton./ano)

Petróleo e gás

- Total de investimentos até 2035 800 1.015


[US$ bilhão (R$ bilhão de 2018)] (2.600) (3.300)

- Produção de petróleo em 2035


4,6 5,2
(milhões de barris dia)

Biocombustíveis

- Produção brasileira de etanol em 2035


44 60
(bilhões de litros/ano)

- Crescimento anual da produção de etanol


5,0
(% a.a.)

- Aumento da capacidade instalada de etanol


16
até 2035 (bilhões de litros/ano)

- Volume de investimentos até 2035 quase


50
(R$ bilhão) 600

(continua)

28
(continuação)

Destravar Potenc. Transf.


Papel e celulose

- Investimentos médios anuais em papel


5,6 8,0
e celulose (R$ bilhão/ano)

-Crescimento médio anual da capacidade


3,1 4,4
instalada em papel (% a.a.)

Química

- Investimento médio anual


3,0 (10) 4,0 (13)
[US$ bilhão/ano (R$ bilhão/ano de 2018)]

TICs

- Investimentos em infraestrutura de
32 62 200
telecom até 2035 (R$ bilhão)

- Impacto no crescimento anual do PIB (p.p.) 0,06 0,12 0,37

Economia criativa
- Crescimento dos segmentos de mídia e
4,6 (4,2) 6,6 10,5
entretenimento: % a.a. [Brasil (mundo)]

Saúde

- Investimentos em saúde (% do PIB) 0,61 - 0,75 0,75

Energia elétrica

- Crescimento do consumo de energia (% a.a.) 4,2 5,5

- Total de investimentos em geração,


820 1.236
transmissão, distribuição e REIs (R$ bilhão)

Logística

- Investimentos anuais em logística


(R$ bilhão/ano)

- ferrovias 19,0

- hidrovias 3,5

- portos* 4,1

Fonte: Elaboração própria.

* Não considera investimentos na manutenção da infraestrutura existente.

29
Conclusão
O objetivo do livro em questão é mostrar uma agenda de
propostas setoriais, com medidas tanto para “destravar”, “poten-
cializar” ou “transformar” a economia brasileira. Algumas dessas
medidas têm custo fiscal. A maioria não tem. Há propostas de
reestruturação tributária que podem até melhorar a arrecadação,
além dos ganhos de receitas advindos do maior crescimento. As
agendas envolvem também mudanças na regulação dos setores,
coordenação entre instituições públicas, parcerias entre univer-
sidades e ICTs, bem como cooperação com institutos de pesquisa
no exterior e entrada de empresas estrangeiras. A necessidade de
planejamento de longo prazo também foi enfatizada por muitos.
Algumas das propostas adquirem caráter de urgência, ou-
tras ameaçam o longo prazo. Caso o Brasil não dedique atenção
especial a P&D, por exemplo, considera-se que todo o esforço
desenvolvido para alcançar a liderança em setores com tec-
nologia de ponta poderá, a longo prazo, ser comprometido.
Existe também um caráter disruptivo na agenda. Há propostas
que contemplam profundas mudanças nas cadeias produtivas e o
desenvolvimento de novos materiais e produtos, principalmente
no cenário “transformar”.
Neste convite à leitura do livro, buscou-se dar um panorama
geral das principais propostas apresentadas nos estudos seto-
riais da publicação, agregando-as em cinco blocos: (i) medidas
com impacto fiscal; (ii) mudanças na regulação; (iii) políticas
públicas de longo prazo; (iv) financiamento; e (v) ações voltadas
ao desenvolvimento tecnológico. As duas primeiras concentram

30
medidas de implementação no curto prazo, com maior incidên-
cia no cenário “destravar”. Questões relativas a financiamento
aparecem como itens relevantes tanto no cenário “destravar”
como “potencializar” com um número menor de propostas no
cenário “transformar” da economia. Em contraste, a terceira e
a quinta, como era de se esperar, concentram ações de prazo
mais longo – cenário “transformar”.
Essa combinação de medidas para destravar, potencializar
e transformar os setores abre a possibilidade de obter alguns
resultados mais imediatos das propostas, bem como ajudar a
construir, desde já, agendas portadoras de futuros mais pro-
missores. Resultados de curto prazo aumentam a reputação da
agenda, o que encoraja a realização das iniciativas mais ambi-
ciosas e de longo prazo, voltadas à verdadeira transformação
dos setores produtivos.
Foram também ressaltadas sinergias entre as propostas.
Medidas que resultem em desenvolvimento da química verde,
por exemplo, têm impacto em diversos setores, além de no
próprio setor de química. Mesmo em setores mais tradicionais,
como mineração e metalugia, vislumbra-se o desenvolvimento
da produção de novos materiais que servem como insumos
básicos na produção de bens por outros setores. Tais sinergias
podem criar um ciclo virtuoso, facilitando a implementação
das diferentes agendas setoriais. A partir dessas sinergias é
possível levantar questões para políticas públicas que tenham
maior alcance, colaborando para o debate sobre escolhas
de prioridades.

31
Caso as agendas propostas se materializem em ações efe-
tivas, faz-se necessário ainda acompanhar a implementação
das propostas. Em muitos dos estudos setoriais, os autores
apresentam estimativas dos impactos das medidas sobre indi-
cadores econômicos e sociais. Tais estimativas são, em geral,
baseadas em estudos acadêmicos, de empresas de consultoria
ou de organismos internacionais. Fornecem parâmetros para
o acompanhamento e análise da efetividade da agenda, impor-
tantes para correção de rotas.
Só há uma certeza: o futuro é incerto. Entraves novos, não
previstos, bem como novas tecnologias, capazes de potencializar
e transformar os setores, sempre surgirão. Por isso, o exercício
de cenários deve ser entendido como um processo permanente
e contínuo, que necessita ser periodicamente revisto, a fim de
incorporar novas tendências e eliminar possibilidades de futu-
ros que, com o passar do tempo, se tornam menos plausíveis.
Os cenários descritos no livro buscam evitar dois erros comuns:
a mera projeção de tendências do passado, bem como o equívoco
de transformar instabilidades conjunturais em tendências de longo
prazo, subestimando fatores de continuidade e questões estruturais.
Ao contrário do que em geral se supõe, é justamente a exis-
tência da incerteza em seu sentido forte o que justifica a criação
de cenários. Eles não servem para prever, mas sim para basear
uma atitude ativa e criativa em relação à construção de futuros
mais promissores e evitar riscos que comprometam o desenvol-
vimento do país, a longo prazo.

32
Referências
BNDES - BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
SOCIAL. Perspectivas do investimento 2015-2018 e panoramas setoriais.
Rio de Janeiro: BNDES, 2014.

______. Panoramas setoriais: mudanças climáticas. Rio de Janeiro:


BNDES, 2016.

______. Panoramas setoriais 2030 – Desafios e oportunidades para o


Brasil. Rio de Janeiro, BNDES, 2017.

ORAIR, R. O.; BACCIOTTI, R. R. M. Hiato do produto na economia brasileira:


estimativas da IFI pela metodologia de função de produção. Instituição
Fiscal Independente (IFI), jan. 2018. (Estudo Especial n. 4)

33
Visão 2035: Brasil, país desenvolvido
Agendas setoriais para o desenvolvimento
[no prelo]
Versão digital em www.bndes.gov.br/agendas-setoriais-2035

Organizadores
Fernando Puga e Lavinia Barros de Castro

PREFÁCIO
Paulo Rabello de Castro

INTRODUÇÃO
Fernando Puga e Lavinia Barros de Castro

MINERAÇÃO E METALURGIA
Pedro Paulo Dias Mesquita, Guilherme Costa Pereira
e Thamyris de Lima Meirellis

PETRÓLEO E GÁS
André Pompeo do Amaral Mendes, Cassio Adriano Nunes Teixeira
e Marco Aurélio Ramalho Rocio

BIOCOMBUSTÍVEIS
Artur Yabe Milanez e Rafael Vizeu Mancuso

COMPLEXO AGROALIMENTAR
Artur Yabe Milanez e Diego Duque Guimaraes

PAPEL E CELULOSE
André da Hora, Leonardo Nader e Rodrigo Mendes

QUÍMICA
Martim Francisco de Oliveira e Silva,
André Camargo Cruz e Felipe dos Santos Pereira

34
BENS DE CAPITAL
Thiago Miguez

AUTOMOTIVO
Gabriel Daudt e Luiz Daniel Willcox

AEROESPAÇO E DEFESA
Sergio Bittencourt Varella Gomes, Nelson Tucci,
Joao Alfredo Barcellos, Sergio Leite Schmitt, Luiz Daniel Willcox

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO


Carlos Eduardo Azen Alves, Rodrigo Ferreira Madeira,
Maria Luiza Carneiro da Cunha, Eduardo Kaplan Barbosa
e Ricardo Rivera de Sousa Lima

ECONOMIA CRIATIVA
Diego Nyko e Patricia Zendron

SAÚDE
Carla Reis de Souza Neto, Vitor Pimentel,
Luciano Machado e Larissa Barbosa

ENERGIA ELÉTRICA
Alexandre Siciliano Esposito

LOGÍSTICA
Dalmo Marchetti, Edson Dalto, Guilherme Guimarães Martins
e Luiza Almeida Curado

MOBILIDADE URBANA
Anie Gracie Noda Amicci e Carlos Henrique Reis Malburg

ÁGUA E ESGOTO
Luciana Xavier de Lemos Capanema e Letícia Barbosa Pimentel

RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS


Daniela Cristina Grisa e Luciana Xavier de Lemos Capanema

35
A visão do BNDES para 2035: agendas regionais1
SERGIO GUIMARÃES FERREIRA
GUILHERME FRANCO MONTORO2

As análises constantes na publicação Agendas regionais para


alcance da meta da série “Visão Brasil 2035: Brasil, um país de-
senvolvido” apontam para três cenários evolutivos possíveis para
a superação do desenvolvimento, denominados “destravar”, com
crescimento médio de 2,8% ao ano (a.a.), “potencializar” (cresci-
mento médio de 3,9% a.a.) e “transformar”, com crescimento da
economia indo além dos 3,9% a.a., com mudanças qualitativas,
inclusive de bem-estar, que não são perfeitamente aferidas pelo
produto interno bruto (PIB).3
O cenário de destravamento estabelece um crescimento
moderado, sem grandes alterações na estrutura produtiva das
regiões, mas com investimentos relevantes em segmentos selecio-
nados da agropecuária, indústria e serviços. A produção e a renda
crescem suavemente, com os investimentos em infraestrutura
reduzindo gargalos preexistentes de logística, telecomunicações,
habitação, saneamento e mobilidade urbana. Percebe-se um
aumento moderado da produtividade, com a utilização pontual
de novas tecnologias.

1 Este artigo sintetiza a contribuição dos autores do referido livro. Agradecemos a


todos eles, mas erros e omissões são, contudo, de nossa inteira responsabilidade.
2 Economistas do BNDES.
3 A opção por não precisar o percentual de crescimento do PIB brasileiro no cenário
de transformação deve-se à grande incerteza, entre outras, sobre qual será o impac-
to das novas tecnologias na renda mundial e nos fluxos de comércio entre países.

36
O cenário de potencialização do crescimento vislumbra o
aumento da taxa de formação de capital no país, com aumento
substantivo dos investimentos das empresas e em infraestru-
tura. As empresas serão capazes de explorar as oportunidades
decorrentes dos avanços tecnológicos, tais como tecnologias de
interconectividade, tecnologias de automação, tecnologias
relacionadas à energia e biotecnologias, alterando a estrutura
de produção e de geração de valor. A redução dos gargalos
logísticos e a integração com as cadeias globais possibilitarão
alavancar as cadeias produtivas nacionais de fornecedores
industriais e de serviços.
No cenário de transformação, o crescimento econômico
acelerado será acompanhado pela melhora substancial da in-
fraestrutura social e urbana, com expressivo avanço em edu-
cação, saúde e segurança pública, mobilidade urbana e sanea-
mento, reduzindo significativamente o déficit habitacional.
A estrutura industrial e de serviços do Brasil aproximar-se-á
da das nações mais desenvolvidas, com empresas nacionais
aumentando sua participação e relevância nas cadeias globais
de valor. As desigualdades de renda pessoal e regional serão
reduzidas expressivamente.
O crescimento médio da economia brasileira no período
de 2001 a 2015 foi de 2,8% a.a. Essa taxa, porém, é insuficiente
para aproximar o Brasil das economias mais desenvolvidas e
muito abaixo do desempenho dos países emergentes e em
desenvolvimento. Entretanto, pelo lado da economia regional
verificou-se um processo de desconcentração, com crescimen-

37
to da renda dos estados do Norte (3,96%), Nordeste (3,54%) e
Centro Oeste (3,84%) acima da taxa de Sul (3,2%) e Sudeste
(2,44%).4 Grande parte dessa performance foi obtida com a
expansão do agronegócio e da indústria extrativa nessas re-
giões, aproveitando as oportunidades decorrentes do boom
de commodities, além dos efeitos positivos dos programas de
transferência de renda e da política de concessão de aumentos
reais ao salário mínimo.
Para manter uma trajetória de convergência inter-regional
de renda semelhante nas próximas décadas, será necessário
identificar e aproveitar as oportunidades e potencialidades
locais. Regiões menos desenvolvidas, quando são providas de
melhor infraestrutura, apresentam grandes oportunidades
de investimentos produtivos, os quais possibilitam saltos de
produtividade e geração de emprego e renda.
A visão de desenvolvimento regional do BNDES para
2035 pressupõe que o destravamento dos investimentos e a
efetiva implementação dos projetos estruturantes em cada
estado terão efeitos positivos não apenas no crescimento do
PIB, mas também na redução das diferenças entre as regiões,
nos três cenários projetados: (i) destravar; (ii) potencializar;
e (iii) transformar.
De forma ilustrativa, realizamos um exercício no cenário-
-base de destravamento, com a volta ao crescimento médio

4 Crescimento médio entre 2003 e 2015 obtido com base nas Contas Regionais do
IBGE, disponível em <https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economi-
cas/contas-nacionais/>.

38
de 2,8% a.a., de 2018 até 2035, e a manutenção da mesma
dinâmica de convergência. Admitindo-se um crescimento
médio de 3,5% a.a. para os estados das regiões Norte, Nor-
deste e Centro-Oeste e de aproximadamente 2,5% a.a. para
os estados do Sul e Sudeste, projeta-se o valor do produto
regional até 2035. Nesse exercício, a participação da região
Norte passaria de 5,5% para 6,2% do PIB nacional; a da região
Nordeste subiria de 14,5% para 16,4%; a do Centro-Oeste,
iria de 10,0% para 11,2%, enquanto no Sul ela cairia de 16,9%
para 16,0%, e no Sudeste passaria de 53,2% para 50,3% do
PIB brasileiro.

Tabela 1: Manutenção da convergência

Participação Crescimento 2018-2035 Participação


no PIB 2015 no PIB 2035
Destravamento

Norte 5,5% 3,5% a.a. 6,2%

Nordeste 14,5% 3,5% a.a. 16,4%

Centro-Oeste 10,0% 3,5% a.a. 11,2%

Sudeste 53,2% 2,5% a.a. 50,3%

Sul 16,9% 2,5% a.a. 16,0%

Fonte: Elaboração própria com base nas Contas Regionais do IBGE, 2015.

* Em consequência de arredondamentos, a soma dos números na tabela pode não ser exata.

A seguir, apresentamos, para cada região, as estratégias


de desenvolvimento regional que levariam a uma aceleração
do crescimento do país, e a uma redução de desigualdades de
renda e de bem-estar.

39
Região Nordeste: ênfase maior em distribuição
de renda
A região Nordeste ocupa lugar de destaque na meta de tor-
nar o Brasil um país desenvolvido, pois se constitui em um dos
vetores de crescimento do país em virtude de seu potencial de
consumo (27,6% da população brasileira), de recursos naturais
(energia renovável) e de capital humano. Assim, estratégias de
atuação coordenadas e políticas públicas de desenvolvimento
regional tornam-se fundamentais para destravar, potencializar
e transformar o país a partir de ações nessa região.
Em função dos baixos indicadores econômicos e da in-
fraestrutura atual da região, verificam-se diversas oportuni-
dades de atuação com valores de investimentos relativamente
baixos e altos potenciais de retorno econômico e social.
Investimentos em educação, saneamento básico, infraes-
trutura, mobilidade urbana, bem como na consolidação de
cadeias produtivas já estabelecidas na região podem poten-
cializar o crescimento econômico do Brasil, como também
elevar a renda e o índice de desenvolvimento humano (IDH)
do Nordeste.
A Figura 1 sintetiza as estratégias para a região, repre-
sentando-as em três eixos: estruturação, competição e dis-
tribuição de renda. A ênfase maior é no vetor da distribuição
de renda, marcado em uma caixa.
Nos últimos anos, a economia do Nordeste tem passado
por profundas modificações decorrentes de uma série de
fatores. Investimentos estruturadores foram ou ainda estão

40
sendo implantados na região, principalmente nas regiões
metropolitanas, como: refinarias de petróleo, indústrias
petroquímicas, siderúrgicas, indústrias automobilísticas,
estaleiros, além da expansão e implantação de rodovias,
ferrovias, portos e aeroportos, bem como usinas eólicas
e solares.

Figura 1: Universo da atuação setorial – região Nordeste

Arco
de
inf
rae
str
Distribuição ut
ur
de renda

as
▪ Educação/
as

so
tiv

▪ Água

cia
Treinamento
du

▪ Pequenos

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▪ Cooperativas
pro

municípios
▪ Saneamento
s
tura
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▪ Canais de
suprimento
▪ Rodovias
Arco de

▪ ZPEs vicinais

▪ Energia Estruturação
▪ Turismo
▪ Pesquisas aplicadas
▪ Aeroportos
▪ Portos ▪ Ferrovias

Competição

as
ur
trut
aes
es infr
rand
Arco de g

Fonte: Elaboração própria.

41
Para dar suporte a esse crescimento e possibilitar um con-
tínuo desenvolvimento da região, fazem-se necessários novos
investimentos em educação e inovação.
Ainda no tocante a investimentos em infraestrutura,
espera-se a execução de diversos projetos de grande porte,
tais como a Ferrovia Transnordestina, a duplicação de rodo-
vias federais e estaduais, a expansão de redes de gasodutos e
de obras relacionadas à infraestrutura hídrica, a exemplo da
integração de bacias do Rio São Francisco e da construção de
adutoras para abastecimento urbano e rural.

Região Norte: ênfase maior em projetos estruturantes


Os desafios para o desenvolvimento da região Norte na
perspectiva de 2035 são bastante complexos, sobretudo con-
siderando o fato de que a região tem os menores indicadores
socioeconômicos do país em praticamente todas as principais
vertentes de desenvolvimento.
O primeiro grande desafio é oferecer o básico em serviços
públicos à população: educação, saúde, saneamento, habitação,
transporte. Esse conjunto de demandas pressiona os orça-
mentos das administrações públicas que são especialmente
deficientes na capacidade de arrecadação, seja por dificul-
dades operacionais, seja porque a base econômica da região
não viabiliza uma tributação no mesmo nível das necessidades
dos gastos públicos.

42
Nesse contexto complexo, alcançar o desenvolvimento é mais
do que superar os gargalos evidentes das cadeias produzidas já
instaladas, sejam as mais incipientes ou as mais consolidadas.
Trata-se de superar o círculo vicioso das atividades de baixa
produtividade ou com baixo valor agregado. O desafio, portanto,
é identificar e estimular as atividades econômicas que possibi-
litem um acelerado crescimento econômico associado à maior
distribuição de renda e melhor qualidade de vida.
A potenciação do desenvolvimento da região Norte depen-
derá de incremento de valor adicionado na cadeia da biopes-
quisa e no aumento da produtividade agrícola e das atividades
de pesca, atividades com efeitos importantes sobre a inclusão
produtiva e, portanto, com efeitos positivos sobre a distribui-
ção de renda.
Por sua vez, pesados investimentos em energia e na logís-
tica de distribuição de cargas terão efeito substancial sobre
as empresas locais, situadas principalmente no entorno das
grandes regiões metropolitanas de Belém e Manaus. Essas me-
trópoles por sua vez apresentam problemas de adensamento
populacional, com impactos negativos sobre a saúde pública e
o saneamento básico, em que investimentos estruturantes não
somente têm efeito sobre a distribuição de bem-estar, como
também são promissores para o aumento da produtividade da
aglomeração urbana. Investimentos em transporte urbano,
em especial sobre trilhos, também contribuiria para reduzir a
congestão do bem público urbano.

43
Figura 2: Universo da atuação setorial – região Norte
Arco
de
inf
ra
es
Distribuição tru
t
s de renda
▪ Turismo

ur
▪ Recursos da
a

as
iv

floresta
ut

so
od

cia
▪ Saúde
pr

is
▪ Gestão
ras

de florestas ▪ Saneamento
utu

▪ Educação/Treinamento
estr

▪ Agropecuária
Arco de

▪ Gestão
▪ Pescado de fronteiras
▪ Biopesquisa

▪ Pós-ZPM Estruturação
▪ Energia
▪ Mineração
▪ Hidrovias
▪ Ferrovias
▪ Portos
▪ Aeroportos
Competição

a
ur
s

trut
es
fra
des in
gran
Arco de

Fonte: Elaboração própria.

Região Centro-Oeste: ênfase em estruturação


A despeito do crescimento econômico e dos notáveis avan-
ços observados no Centro-Oeste entre 2000 e 2010, datas em
que foram realizadas pesquisas de Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDHM) no Brasil, os estados com crescimento
mais acentuado, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mantiveram

44
suas posições no ranking de estados brasileiros, denotando a não
superação das desigualdades regionais.

Figura 3: Universo da atuação setorial – região Centro-oeste


Arco
de
inf
ra
Distribuição es
tru
de renda t
as ▪ Pequenos

ur
▪ Integração municípios
tiv

as
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agricultura e indústria ▪ Meio

so
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cia
ambiente
▪ Projetos
sp

is
▪ Cooperativas educacionais
ura
rut

▪ Canais de ▪ Saneamento
e est

suprimento
▪ Rodovias
Arco d

vicinais
▪ Processamento produtos
primários

▪ Pesquisas aplicadas ▪ Energia Estruturação


▪ Rodovias
▪ Aeroportos
▪ Armazenagem
▪ Hidrovias ▪
Ferrovias

Competição

a
ur
s

trut
s
ae
nfr
ndes i
a
Arco de gr

Fonte: Elaboração própria.

A Figura 3 mostra o conjunto de investimentos estruturantes


da região Centro-Oeste. A integração das atividades de agricultura
com a indústria pode elevar a agregação da produção de grãos,
fibras e carne. Ou seja, há que se apoiar e incentivar as atividades
das respectivas cadeias produtivas (foco no produto final) e não

45
somente do agronegócio (foco na matéria-prima). A atividade
de processamento de produtos primários é o caminho natural
a seguir. Essa atividade já é realizada em diferentes graus nos
complexos soja, milho, carne e fibras. Porém, ao se promover
um aumento dos subprodutos oriundos da atividade agrope-
cuária, pode-se elevar a incorporação de processos industriais
em todo o sistema, concorrendo para a ampliação do leque de
produtos e processos.
Apoiar as atividades cooperativistas existentes em suas
várias vertentes, a fim de prover e/ou racionalizar recursos,
ampliar as atividades de processamento de matérias-primas,
melhora a capacidade de negociação de preços dos insumos
e da produção, viabiliza acesso mais barato a programas de
microcrédito, portanto, tem impactos positivos sobre a dis-
tribuição de renda.

Região Sudeste: ênfase em maior competição


Com uma estrutura produtiva forte e diversificada, a região
Sudeste concentra o maior parque industrial do país, um setor de
serviços que cresce em toda sua diversidade e uma agropecuária
também relevante. Para manter o dinamismo econômico e a com-
petitividade das empresas localizadas na região, investimentos
em atualização tecnológica, qualidade e inovação serão funda-
mentais não apenas para as empresas dos segmentos de alta
tecnologia, como as indústrias eletroeletrônica, farmacêutica,
automobilística e aeroespacial, mas também para as empresas
dos demais setores. Nesse contexto, as indústrias de extração

46
mineral, de alimentos, de papel e celulose e sucroenergética,
que já são competitivas internacionalmente, poderiam ter seu
crescimento potencializado por investimentos em inovação e
agregação de valor.
Embora o Sudeste tenha infraestrutura mais desenvolvida
que a média do país, ainda apresenta diversos gargalos, assim
como oportunidades. Foram mapeadas estimativas de R$ 1,85
trilhão em investimentos em telecomunicações, logística, mo-
bilidade, saneamento, energia elétrica e habitação no período
de 2018-2035. Espera-se que o setor privado assuma papel
relevante na realização de obras de infraestrutura, por conta
de restrições fiscais.
A Figura 4 mostra um esquema visual do universo da
atuação setorial no Sudeste do país. O arco das grandes in-
fraestruturas apresenta diversos investimentos estruturantes.
Chamamos a atenção, em especial, para a importância do
setor de petróleo e gás (P&G) no montante dos investimen-
tos a serem realizados nas próximas décadas. Por tratar-se
de uma commodity, a competitividade internacional é uma
condição para a existência dessa indústria e o dinamismo do
setor acaba transbordando para a sua cadeia de fornecedores,
com efeitos positivos para a competitividade da economia.
Os avanços no arco de grandes infraestruturas, no qual o
sistema de estruturas públicas propicia um ambiente mais
competitivo para as empresas, como energia e logística, são
fundamentais em quaisquer dos cenários de desenvolvimento
para o país.

47
Figura 4: Universo da atuação setorial – região Sudeste
Arco
de
inf
ra
es
Distribuição tru
t
s de renda
▪ Mobilidade

ur
a

as
iv

urbana
ut

so
▪ Saúde
od

▪ Ensino

cia
pr

▪ Saneamento

is
profissionalizante
▪ Segurança
ras

▪ Turismo
utu

▪ Transporte de
estr

▪ Universidades alta capacidade ▪ Administrações


Arco de

municipais
▪ Resíduos
sólidos
▪ Parques ▪ Renovação
tecnológicos industrial
Estruturação

▪ C,T&I ▪ Novos materiais


▪ BK ▪ Petroquímica
▪ Eletrônica ▪ Logística
▪ Energia mais barata
▪ Petróleo e gás
Competição

ra
s

tu
stru
rae
inf
des
gran
Arco de

Fonte: Elaboração própria.

Muitos desses investimentos têm efeitos diretos e indire-


tos sobre todos os eixos – são, por excelência, transversais. O
saneamento, por exemplo, causa dois efeitos diretos: requer
investimentos relevantes em estações de tratamento de esgoto,
portanto investimentos em infraestrutura, e tem impacto na
distribuição de renda, na medida em que a redução de taxas de
morbidade por doenças aumenta a frequência escolar das crianças
e tem impactos positivos sobre a produtividade das firmas (que,

48
em casos extremos, sofrem com absenteísmo em decorrência
de saúde pública) e, portanto, sobre sua competitividade.

Região Sul: ênfase em maior competição


Na dinâmica da região Sul, é indispensável realçar o pa-
tamar de desenvolvimento e integração da cadeia de forne-
cedores e produtores do agronegócio, com diversas empresas
sólidas que ocupam todos os elos, desde fabricantes de in-
sumos, máquinas e equipamentos agrícolas, até a produção,
transformação e distribuição de alimentos. Isso constitui
um diferencial valioso para o futuro da região, que tende a
se fortalecer ainda mais nesse setor, dada a rede de suporte
à atividade econômica já existente. Parques tecnológicos e
institutos de pesquisa como a Empresa Brasileira de Pesqui-
sa Agropecuária (Embrapa) colaboram com biotecnologia e
desenvolvimento de insumos. Agências de desenvolvimento
locais são parceiras para o financiamento da inovação e da
produção. As cooperativas, por sua vez, facilitam a organiza-
ção e integração dos produtores rurais por todo o território.
Assim como o agronegócio, há outros setores com po-
tencial de inserção em cadeias globais de valor, tais como o
de tecnologias da informação e comunicação (TIC), o couro-
-calçadista, o químico, o automobilístico e o metal-mecâni-
co, em que a região possui não só vantagens comparativas,
baseadas não meramente em recursos naturais, mas também
competências e capacidades tecnológicas. A articulação e
atuação integrada entre governos, universidades, centros

49
de pesquisa e setor empresarial pode viabilizar a inserção
internacional destes e de outros setores.
Em um cenário de destravamento, são fundamentais os
investimentos em infraestrutura, que geram impactos de
forma transversal, propiciando ganhos de competitividade.
Na região, podem-se citar as ferrovias e sua interligação com
os portos. Além desses, há os investimentos em melhoria das
condições das rodovias federais e estaduais e em aeroportos.
Esses investimentos estão relacionados ao arco das grandes
infraestruturas, conforme a Figura 5. O impacto mais relevante
é nos eixos de estruturação e competição, por permitirem a
melhoria do escoamento da produção da agrícola e industrial
da região para exportação e para outros centros consumi-
dores, além do desenvolvimento das cadeias produtivas de
construção, de máquinas e equipamentos ferroviários e de
operadores logísticos.
Ainda no arco das grandes infraestruturas, estão incluídos
os investimentos em telecomunicações, com a implantação
da rede 5G, e em energia: produção de gás natural sintético
voltado à provisão das termelétricas, bem como a constru-
ção de novas usinas; ampliação do gasoduto Bolívia-Brasil;
implantação de novos parques de geração eólica; construção
de usinas hidrelétricas no rio Uruguai, em parceria com a
Argentina; implantação de usinas sucroalcooleiras para a
produção de açúcar, etanol e geração termelétrica. Em con-
junto, a maior parte dos investimentos é voltada a energias
renováveis e geram externalidades positivas, melhorando a

50
oferta de energia e estimulando os investimentos das cadeias
de fornecedores. Os efeitos dos investimentos do arco das
infraestruturas produtivas sobre a distribuição de renda são
menores, mas têm impacto indireto, por melhorar o fluxo de
renda, de bens e de serviços.

Figura 5: Universo da atuação setorial – região Sul

Arco
de
inf
ra
es
Distribuição tru
t
s de renda
▪ Turismo

ur
a

as
iv
ut

▪ Mobilidade urbana

so
od

cia
pr

is
ras

▪ Saúde
utu

▪ Couro e
estr

calçados ▪ Saneamento
▪ Educação
Arco de

▪ Agronegócio
▪ Complexo
automotivo
▪ C,T&I Estruturação
▪ Metal-
mecânico ▪ Aeroportos
▪ Energia ▪ Rodovias
▪ Telecomunicações
▪ Portos ▪ Ferrovias

Competição

a
ur
s

ut
estr
ra
inf
randes
g
Arco de

Fonte: Elaboração própria.

51
Em conclusão, acredita-se que a viabilização das estratégias
regionais é perfeitamente viável, desde que se destravem os
canais pelos quais o capital busca seus melhores usos. As vanta-
gens naturais de cada região, assim como os saberes específicos
acumulados em cada território, consistem em um patrimônio
riquíssimo cuja realização na forma de valor econômico propiciará
a transformação da economia brasileira.

52
Visão 2035: Brasil, país desenvolvido
Agendas regionais para o desenvolvimento
[no prelo]
Versão digital preliminar em
www.bndes.gov.br/agendas-regionais-2035

Organizadores
Sergio Guimarães Ferreira e Rodrigo Mendes Leal

INTRODUÇÃO
Sergio Guimarães Ferreira

BRASIL 2035: UM OLHAR SOB A ÓTICA REGIONAL


André Luis Souto Souza, Gumersindo Sueiro Lopez Júnior,
Lucas Roosevelt Ferreira Linhares e Walsey de Assis Magalhães

REGIÃO SUDESTE: DESAFIOS PARA UM NOVO


CICLO DE DESENVOLVIMENTO
Guilherme Castanho Franco Montoro, Claudia Sussekind Bird, Marco
Antônio Silvestre Leite, Silvia Maria Guidolin, Fernão de Souza Vale

REGIÃO SUL: ESTRATÉGIAS PARA UM


CRESCIMENTO ECONÔMICO EQUILIBRADO
Guilherme Castanho Franco Montoro, Claudia Sussekind Bird, Marco
Antônio Silvestre Leite, Silvia Maria Guidolin, Fernão de Souza Vale

REGIÃO CENTRO-OESTE: REFORÇANDO VANTAGENS


COMPARATIVAS DINÂMICAS
Mário Alberto Costa Miranda

REGIÃO NORTE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES


PARA O DESENVOLVIMENTO ATÉ 2035
Ian Ramalho Guerriero

REGIÃO NORDESTE: PROJETOS ESTRUTURANTES E


INCLUSÃO PRODUTIVA
Caio Cavalcanti Ramos

53
Estamos em 2035
LAVINIA BARROS DE CASTRO1

Preâmbulo
O BNDES tem longa tradição no uso de técnicas de cenários
para seu planejamento. O cenário a seguir descrito não constitui
o cenário de referência para o atual planejamento estratégico do
BNDES, mas foi o escolhido por ser o mais disruptivo e, portanto,
o mais desafiador entre três cenários apresentados nos livros
da série “Visão 2035: Brasil, país desenvolvido”. Foram usadas
técnicas comuns de descrição de cenários, não probabilísticas,
que descrevem uma situação de futuro a partir de tendências e
incertezas críticas que hoje se vislumbram. Utiliza-se a técnica
comum de cenários, pela qual se conta uma história na perspectiva
de alguém que se encontra em 2035, relatando fatos passados
que levaram à situação então presente.

Cenário “transformar”
Estamos em 2035. Considerando os anos de 2018 a 2035 como
um todo, o Brasil cresceu, em média, acima de 4,0% ao ano. O
país apresentou taxas de variação do PIB, portanto, acima das

1 Economista do BNDES. Este texto resulta de um longo trabalho de elaboração de


cenários do BNDES realizado entre os anos de 2014 e 2015. O texto tem por base a
versão final desses trabalhos - ver Castro e Souza (2015). Uma atualização foi reali-
zada com trechos do livro Agendas setoriais para alcance da meta (BNDES, 2018), da
série “Visão 2035: Brasil, país desenvolvido”, adaptados para uma linguagem de cená-
rios. O artigo não representa necessariamente a visão do BNDES, sendo a atualização
do texto responsabilidade exclusiva da autora.

54
taxas das “economias avançadas”, porém, abaixo das taxas veri-
ficadas pelos “países emergentes e em desenvolvimento”, tendo
em mente os antigos conceitos utilizados pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial.2 Nos últimos cinco anos,
porém, temos crescido a taxas próximas à dos “emergentes”. O
Brasil consolidou de forma inequívoca seu processo democrático,
o que permitiu a reunião de forças em torno da construção de
um projeto de desenvolvimento nacional.

Política e inserção global


O Brasil encontra-se hoje muito menos fragmentado po-
liticamente do que há cerca de vinte anos. Foi realizada uma
reforma política, com o apoio da sociedade, que se sente hoje
mais representada. Com a entrada em vigor da cláusula de
barreira em 2018 e a proibição do financiamento empresarial,
o número de partidos existentes se reduziu gradativamente,
mantendo, contudo, a pluralidade e a expressão da diversidade
da sociedade. Cidadãos brasileiros participam de forma intensa
dos processos de escolha e fiscalização de seus representantes.
O Poder Legislativo consolidou-se como instância efetiva da
construção dos consensos sociais, reduzindo-se as disputas
entre os poderes e garantindo-se a governabilidade.

2 As taxas têm por base a extrapolação mais recente das projeções do FMI e do Banco
Mundial. Em sua última revisão do crescimento mundial, o FMI coloca, como projeções
para as economias avançadas, taxas de crescimento real do PIB de 2,3%, em 2018, e de
2,2%, em 2019. Já para as economias emergentes e em desenvolvimento, as mesmas
taxas projetadas são de 4,9%, em 2018, e 5,0%, em 2019. As projeções do Banco Mun-
dial são um pouco menores e se estendem um ano a mais. São elas, respectivamente:
4,5% (2018), 4,7% (2019) e 4.7% (2020). Ver FMI (2018) e Banco Mundial (2018, cap. 1, p.4).

55
O país logrou inserção internacional mais relevante, ainda
que eventuais instabilidades no cenário mundial nos coloquem em
situação externa pouco confortável, ocasionalmente. O país tem
hoje maior presença nos organismos que definem a governança
mundial, com protagonismo nas discussões sobre sustentabilidade.
O Brasil elevou sua participação nas cadeias globais e regio-
nais de valor, aumentando a complexidade de suas exportações.
O percentual de participação no comércio exterior, porém,
continua sendo pouco expressivo, a despeito dos avanços
alcançados. Nos períodos em que a liquidez internacional foi
mais favorável, houve expansão, sobretudo das exportações
de commodities, e acúmulo de divisas. Todavia, a diversidade
da pauta de exportações aumentou, em função do revigora-
mento da competitividade industrial. Isso propiciou maior
capacidade de absorver eventuais choques externos, quando
esses, inexoravelmente, vieram.
Em setores de alto conteúdo tecnológico, houve especia-
lização em nichos de mercado. Tais nichos estão relacionados,
principalmente, ao atendimento da demanda dos ramos mais
dinâmicos da economia, como é o caso de petróleo e gás e
de alguns segmentos de máquinas e equipamentos, incluindo
aviões e máquinas agrícolas. Nos setores intensivos em trabalho
da indústria de transformação, houve também especialização
da produção, mas por motivos diversos. O crescimento dos
salários tirou competitividade de empresas que dependiam
de mão de obra barata para se manterem em atividade. Como
resultado, houve queda de participação desses setores na

56
indústria. Para realocar trabalhadores, foram fundamentais os
programas de requalificação, muitas vezes incentivados pelo
governo. Os avanços permitidos pela prioridade da agenda
da sustentabilidade possibilitaram, porém, a descoberta de
múltiplos produtos e novas tecnologias derivadas, gerando
novos empregos qualificados.

O modelo de desenvolvimento
O primeiro passo para a retomada do crescimento foi o
aumento significativo da oferta de infraestrutura, suprindo ne-
cessidades decorrentes da economia e do comércio, por meio
da atração de investimentos privados em alta escala, inclusive
capital estrangeiro. O segundo passo foi o aumento sistemático
dos recursos para a inovação, ao mesmo tempo em que seu marco
regulatório foi aprimorado. O uso intensivo de novas tecnologias
no sistema financeiro e a priorização do apoio público ao seg-
mento permitiram florescer, em termos do aumento de volume
e a custos acessíveis, o crédito para micro, pequenas e médias
empresas (MPME).
Após os anos de crise econômica, retomou-se o processo de
redução da pobreza e de distribuição de renda. Uma combinação
de políticas públicas universais com ações focalizadas promoveu
o acesso à cidadania para milhões de brasileiros, consolidando
um grande mercado de consumo de massa. Tais políticas foram
seletivamente articuladas para gerar maior investimento e de-
senvolvimento no país. A melhoria da distribuição de renda não
apenas ampliou as dimensões do mercado interno, mas também

57
promoveu mudanças no padrão de consumo. Para responder aos
desafios e explorar as oportunidades que daí emergiram, o sis-
tema produtivo doméstico passou por grandes transformações.
Foram criados regimes especiais para agregação de valor e
de tecnologia nas cadeias produtivas. A produção e a inovação
do país foram estimuladas também por políticas de compras
governamentais. A chave do processo foram a seletividade e a
efetividade das ações, que potencializaram o crescimento das
taxas de investimento e da produtividade. Outro elemento im-
portante da estratégia de desenvolvimento foi atrair centros de
pesquisa e desenvolvimento (P&D) de empresas estrangeiras para
o país. O Brasil passou a adotar, também na indústria, estratégias
de foresight, isto é, passou a acompanhar a fronteira tecnológica
em diversos setores para traçar suas estratégias.

A macroeconomia do período
As políticas macroeconômicas nacionais foram fundamen-
tais para viabilizar a elevação do crescimento, com controle da
inflação. O país tem conseguido sustentar uma taxa de câmbio
real efetiva competitiva, por meio dos ganhos de produtividade.
Quando olhamos a média dos componentes do produto interno
bruto (PIB) no período 2018-2035, o item que mais avançou foi a
formação bruta de capital fixo (FBCF), ainda que, nos primeiros
anos desse período, o movimento apenas compensasse a queda
sofrida nos anos anteriores. A redução substancial dos juros reais
básicos e dos spreads médios bancários, a ampliação de prazos para
níveis compatíveis com os internacionais, os programas especiais

58
de financiamento e constituição de garantias e, claro, o próprio
crescimento econômico estimularam os investimentos. A elevação
das taxas de investimento e da produtividade compensou, ao me-
nos parcialmente, os efeitos negativos da mudança demográfica.
O consumo das famílias também cresceu de forma expres-
siva, puxado por baixos juros e pela ampliação de prazos. Quan-
to ao dinamismo das exportações, embora tenha flutuado em
diferentes períodos, seguindo momentos de maior ou menor
expansão do crescimento mundial, avançou na direção de uma
inserção mais qualificada na divisão internacional do trabalho,
por meio do fortalecimento de sua capacidade inovadora e de
seu protagonismo na difusão da responsabilidade socioambiental.
Apesar do elevado desempenho das exportações, o crescimento
econômico manteve pressão na balança comercial, pelo lado das
importações. A balança de rendas e serviços segue deficitária,
sendo seu principal componente as remessas de lucros e divi-
dendos. Exceto pelos períodos pontuais de maior instabilidade
do cenário internacional, os déficits de transações correntes
têm sido financiados, em grande medida, com investimento
estrangeiro direto.
Na agricultura, pelo lado da oferta, a significativa ampliação do
programa de regularização da propriedade da terra tornou possível
melhorar o planejamento e a proposição de políticas públicas locais.
Por meio da ampliação do crédito rural e da assistência técnica foi
possível elevar a produtividade por hectare. Paralelamente, o uso
de novas tecnologias permitiu elevar a produção de commodities
agrícolas, inclusive pela incorporação de pastagens degradadas.

59
A indústria cresceu, em média, a taxas superiores à do PIB,
gerando alto valor agregado em setores com vantagens compara-
tivas e competitivas dinâmicas. Os avanços proporcionados pela
economia do conhecimento ampliaram o conteúdo científico e
tecnológico dos setores intensivos em recursos naturais, permi-
tindo ao país aproveitar as vantagens na produção de commodities
para avançar na diferenciação de produtos.
A ampla reforma tributária que teve início há cerca de 15
anos tornou o sistema mais simples e eficiente e também mais
progressivo. Mesmo com alíquotas de imposto menores, em
função do mais elevado crescimento econômico e da redução da
sonegação fiscal, foi possível preservar a arrecadação. Paralela-
mente, foi implementado um vasto programa de modernização da
gestão pública. Este levou a ganhos de produtividade e eficácia,
contribuindo para a melhoria dos serviços públicos e para a efe-
tividade da política fiscal. A queda dos juros nominais associada
ao maior crescimento econômico permitiu uma trajetória de
queda da dívida líquida e bruta em relação ao PIB, que hoje se
encontram em patamares bastante confortáveis, considerando
a importante ampliação dos prazos médios verificada.
A legislação trabalhista foi flexibilizada em alguns pontos, e a
entrada de migrantes, especialmente os qualificados, foi incenti-
vada, com reflexos no crescimento da população economicamente
ativa (PEA). Apesar da taxa praticamente nula de crescimento
da população em idade ativa (PIA), juntos, esses fatores criaram
espaço para o financiamento da seguridade social. As questões
previdenciárias, que tanto preocupavam os economistas há cerca

60
de vinte anos, sobretudo diante do evidente envelhecimento da
população, foram devidamente equacionadas.

Destaques setoriais no período


Nos setores em que o Brasil já exibia vantagens em relação
aos concorrentes estrangeiros, como é o caso da indústria de
alimentos, houve investimentos, seja para explorar as opor-
tunidades de ganhos de escala (intensificação da produção
agropecuária), seja na diferenciação da produção (alimentos
processados com alto valor agregado). Outra frente importante
foram as descobertas na área de biotecnologia, que tiveram
impacto tanto no melhoramento genético vegetal e animal (por
exemplo, elevando a resistência a pragas, doenças e eventos
climáticos) quanto no desenvolvimento de produtos veteriná-
rios, defensivos agrícolas e fertilizantes organominerais. No
caso da indústria de alimentos, o maior crescimento deu-se
no segmento de produtos com características funcionais (que
oferecem benefícios à saúde) e maior facilidade de preparo,
agregando valor. O uso mais intensivo de máquinas e equipa-
mentos conectados à internet permitem o acompanhamento
e análise remota das operações no campo.3
Na antiga indústria dita “tradicional” (têxtil, calçados, entre
outros), que hoje muitas vezes incorpora diversas inovações,
esforços de política somaram-se aos incentivos das economias
de escala do mercado interno, gerados pelo próprio crescimento

3 Ver capítulo “Complexo alimentar”, em BNDES (2018).

61
e pela melhor distribuição da renda. Esses fatores contribuíram
para o fortalecimento das empresas locais e para a atração de
investimentos ao país. Em alguns setores, a maior escala e o
lançamento de inovações de produto e processo aumentaram a
competitividade das empresas locais, abrindo espaço também
para a exportação de bens e serviços.
O crescimento do mercado interno tem sido robusto e acom-
panhado por um deliberado esforço tecnológico próprio do país,
por meio das políticas de apoio à inovação. Assim, a ampliação
da classe média foi seguida por resposta da produção nacional
de bens de consumo duráveis, o que tem ajudado a resistir à
pressão competitiva dos países asiáticos.
Além da infraestrutura para atender às demandas oriun-
das da maior produção e ao mercado de consumo de massa,
foram necessários grandes aportes na infraestrutura social e
urbana.4 Para tanto, houve um exercício de aprimoramento
permanente no planejamento urbano para a realização de
investimentos em habitação popular, saneamento, drenagem
e sistemas multimodais integrados de logística nas cidades.
Esse esforço para a melhoria das condições de vida nas cida-
des deixa, ainda, como legado, um horizonte de planejamento
de longo prazo que viabiliza muitas empresas especializadas
na fabricação de diversos equipamentos, nas atividades de
construção e de operação da infraestrutura. Muitas delas,
uma vez consolidadas no país, tendo como alvo o mercado

4 Ver capítulo “Mobilidade urbana”, em BNDES (2018).

62
interno, já estão aproveitando oportunidades para exportar
bens e serviços.
Na logística, a transformação envolveu, em primeiro lugar,
a elevação do papel do setor ferroviário no transporte de carga
geral. Para isso foi necessária a criação de um modelo regulatório
alternativo, com vistas à diversificação de cargas. No segmento
hidroviário, o foco foi o fortalecimento do transporte hidroviário
interior, compatibilizando a agenda do setor de transportes com
a do setor elétrico. Nas rodovias, a criação de um marco regu-
latório diferenciado, que passou a utilizar uma política tarifária
com visão consolidada do sistema (tarifa/km) foi fundamental.
No que se refere aos portos, os esforços se concentraram na
reestruturação dos portos públicos. Nos aeroportos, o que fez
a diferença foi o estabelecimento de uma visão integrada do
setor. Os programas, ao mesmo tempo, solucionavam questões
do setor de forma sustentável e exploravam a capacidade ino-
vativa da indústria nacional de bens de capital. 5
O planejamento energético nacional tem propiciado um
crescimento sustentado sem crises energéticas e com uso
mais racional da água. Investimentos em modernização das
redes (redes elétricas inteligentes, por exemplo) atingiram
sua forma plena já em 2030, o que compensou os efeitos de
aumento do consumo pela elevação da renda real das famí-
lias.6 A estratégia também envolveu uma ampla recuperação
de mananciais hidrográficos.

5 Ver capítulo “Logística”, em BNDES (2018).


6 Ver capítulo “Energia elétrica”, em BNDES (2018).

63
A transformação do setor de petróleo e gás (P&G) teve por
mote a inovação. Esta ocorreu tanto de forma incremental, na
direção sistemática de redução dos custos (otimizações de
processo, uso de tecnologia digital, melhorias em materiais,
entre outras), quanto por inovações mais disruptivas. Aqui
o maior exemplo foi a instalação de fábricas submarinas. O
Brasil também aperfeiçoou sua tecnologia de perfuração, por
meio do monitoramento em tempo real e do entendimen-
to detalhado dos reservatórios e de sua geologia, a partir
de modelagens e simulações 3D. Não seria possível contar a
história de P&G no Brasil, porém, sem destacar os esforços
relacionados à promoção da sustentabilidade ambiental e
eficiência energética. São exemplos de sucesso a captura
e reinjeção de CO2 nos poços, a utilização da oxicombustão,
viabilizando a captura do CO2 para ser vendido a outras in-
dústrias, entre outras tecnologias.7
No setor de infraestrutura de telecomunicações, o país
viveu uma verdadeira transformação. Hoje, a penetração de
banda larga no país alcança 90% dos domicílios, com internet
de alta qualidade e velocidade. Para alcançar a quase universa-
lização dos serviços, foram necessários estímulos, sobretudo
para que as empresas de telecomunicações investissem em
regiões pouco atrativas financeiramente, seja por meio de
recursos diretos, seja por meio de financiamentos subsidia-
dos. A transformação digital da economia passou também por
mudanças na educação, desde o ensino básico até iniciativas

7 Ver capítulo “Petróleo e gás”, em BNDES (2018).

64
em universidades e escolas técnicas, como na formação con-
tinuada de profissionais nas empresas.8
A transformação da economia perpassou também a pro-
dução e comercialização de insumos básicos. No setor de
celulose, o destaque da agenda foi o desenvolvimento e a
aplicação do conceito de biorrefinarias integradas às plantas
de produção de celulose, de modo a criar novos produtos e
processos. Estes permitiram ao Brasil manter sua competi-
tividade com o passar dos anos. No elo posterior da cadeia,
segmento de papéis, avanços significativos foram feitos a partir
da integração de novas máquinas de papel às grandes fábricas
de celulose já existentes.9
Na química, a transformação se deu a partir do desen-
volvimento de novas rotas biotecnológicas para produção, a
partir de fontes renováveis de matérias-primas, principalmente
na produção de químicos derivados de biomassas de fontes
renováveis. Já no setor de mineração e metalurgia, a expansão
do setor foi puxada pelo próprio desenvolvimento de cadeias
produtivas de elevada tecnologia, bem como da agenda da
economia de baixo carbono (por exemplo, energia eólica e
solar, veículos de transporte elétricos etc.). Ambas elevaram
a demanda por materiais nobres de alto desempenho, contri-
buindo para o aumento dos investimentos do setor.10

8 Ver capítulos “Tecnologias da informação e comunicação” e “Economia criativa”,


em BNDES (2018).
9 Ver capítulo “Papel e celulose”, em BNDES (2018).
10 Ver capítulo “Química”, em BNDES (2018).

65
No setor de bens de capital foram mapeadas oportunida-
des tecnológicas em diversos segmentos industriais, tendo por
principais bases de conhecimento para o Brasil a biotecnologia,
eletrônica e ótica avançadas e a manufatura padrão e avançada.
Os setores mais demandantes desse tipo de bens de capital foram:
complexo agroalimentar, saúde, petróleo e gás, e aeroespaço e
defesa (A&D).11
Foram realizadas joint ventures entre universidades e em-
presas brasileiras visando redesenhar e mudar a concepção de
bens de capital produzidos no país. Isso permitiu não apenas
atender ao mercado doméstico, como também conquistar novos
mercados externos e consolidar posições na América Latina.
No fim de 2010, apenas se ensaiava no mundo a revolução
dos veículos elétricos, conectados e autônomos. No Brasil, a
escolha foi um amplo conjunto de estímulos ao desenvolvi-
mento tecnológico e à venda de veículos eficientes, bem como
a constituição de empresas voltadas ao segmento de eletrôni-
ca. Esforços de adequação e desenvolvimento de motores ao
etanol e outros biocombustíveis permitiram aproveitar uma
potencialidade brasileira, por meio da conjugação da eletro-
mobilidade com biocombustíveis assumindo o papel de gerar
energia para a bateria elétrica. Paralelamente, o crescimento
econômico e a distribuição de renda puxaram o setor automo-
bilístico. No setor de A&D, a agenda de transformação incluiu
elevação dos investimentos em P&D, encomendas das Forças
Armadas, incentivos fiscais simplificados e implantação de um

11 Ver capítulos “Bens de capital” e “Biocombustíveis”, em BNDES (2018).

66
programa de plataformas tecnológicas para atrair e alavancar
novos investimentos no segmento de jatos (executivos ou co-
merciais) e aeronaves leves.12

Avanços na sustentabilidade ambiental


O Brasil logrou reduzir substancialmente as emissões de
gases de efeito estufa (GEE), em especial no que diz respei-
to ao desmatamento na Amazônia e no Cerrado, de acordo
com os compromissos internacionais assumidos. Para isso,
foram adotadas medidas de incremento na produtividade da
pecuária, com métodos mais intensivos e de integração com
a agropecuária. O país iniciou amplo plano de investimentos
em logística, sobretudo em ferrovias, e em mobilidade urbana.
Com isso, as emissões de GEE relativas a veículos automotores
apresentaram uma inflexão e mostram tendência de queda para
os próximos anos. Em um movimento estratégico importante,
o Brasil desenvolveu competências em tecnologias limpas, com
base em uma política energética pensada em conjunto com a
política industrial, de modo a desenvolver a cadeia produtiva
das energias renováveis.
O país conseguiu resolver travas institucionais e regulatórias
no saneamento básico. Mas a verdadeira transformação decorreu
de estabelecer o saneamento como prioridade nos gastos públi-
cos e nas atividades de planejamento. Isso possibilitou avançar
muito nessa questão.13 Os níveis de cobertura de água atingiram

12 Ver capítulos “Indústria automotiva” e “Aeroespaço e defesa”, em BNDES (2018).


13 Ver capítulo “Água e esgoto”, em BNDES (2018).

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90% e os de esgoto, 80%. Nos resíduos sólidos, os avanços na
coleta seletiva combinada com logística reversa e atividades
de aproveitamento econômico do resíduo foram fundamentais
para mudar o cenário. Entretanto, a verdadeira transformação
foi comportamental, o que envolveu educação ambiental, pro-
gramas de conscientização, adaptação de processos produtivos
e responsabilização individual. Nos primeiros anos, incentivos
públicos foram importantes, mas se tornaram gradativamente
menos relevantes, perante mudanças de hábitos. 14

Avanços na educação e economia do conhecimento


O aumento dos recursos per capita para a educação básica,
associado à queda do número de crianças e jovens; a melhora da
qualidade da educação; os programas para redução da taxa de
evasão do ensino médio levaram a um significativo incremento
da qualificação do trabalhador, reduzindo o hiato de competi-
tividade em segmentos de mais elevado conteúdo técnico, em
relação aos competidores do país.
Dentre as diversas mudanças, destacam-se: nova política
de remuneração dos professores, atraindo profissionais; revisão
dos sistemas de avaliação para desenhar incentivos e monitorar
resultados; ampliação da oferta de educação pré-escolar e infantil
de qualidade; a ampliação do ensino a distância de qualidade e a
integração entre o ensino técnico e o superior. A resultante dessas
forças é um sistema com mais equidade e melhor desempenho.

14 Ver capítulo “Resíduos sólidos”, em BNDES (2018).

68
O fluxo de entrantes no mercado de trabalho com desempenho
abaixo do mínimo caiu drasticamente, reduzindo o chamado
“ciclo intergeracional de pobreza”.
O Brasil também se utilizou estrategicamente do poder
catalisador de desenvolvimento industrial e tecnológico associado
ao pré-sal, à biodiversidade, entre outros, para alavancar inves-
timentos em P&D e em conhecimentos e competências. Estes,
por sua vez, criaram efeitos para outros segmentos, alavancan-
do o desenvolvimento industrial e de serviços. Foram também
importantes os investimentos em recursos de alto desempenho,
como os esforços para o aumento no número de diplomas em
ciências e em engenharia, bem como para a elevação de mes-
tres e doutores nessas categorias. Outro vetor relevante foi o
aumento da oferta de cursos técnicos de curta duração. Diante
das mudanças provocadas pelas tecnologias no mundo do tra-
balho, foi necessário criar o conceito de “educação continuada”
e programas para requalificar trabalhadores.
A política de inovação incluiu ações para difundir conheci-
mentos e facilitar a fluidez de informações entre universidades,
institutos de pesquisa e órgãos de governo. As atividades de
pesquisa e a produção científica e tecnológica mudaram de
patamar, o que se verifica no aumento do número de trabalhos
publicados em revistas qualificadas e na frequência com que
são citados, mas, principalmente, no expressivo crescimento
das patentes.15

15 Extrapolação realizada com base em temas discutidos em Inae (2013).

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Desafios da saúde foram enfrentados
O envelhecimento da população trouxe profundos desafios ao
Brasil, na medida em que se ampliou a incidência de doenças não
transmissíveis, de caráter crônico-degenerativo. Em contraposi-
ção, houve redução do peso relativo das doenças transmissíveis
ou infecciosas. Esse processo ampliou pressões de custo para
o sistema. Em contrapartida, os avanços da biotecnologia (lato
sensu) e as tecnologias da informação e comunicação (TIC) con-
tribuíram para o desenvolvimento de novos produtos e soluções
de prevenção, diagnóstico e tratamento.
Competências adquiridas pela indústria farmacêutica nacional
a partir de inovações incrementais constituíram um passo funda-
mental para inovações mais disruptivas de novas moléculas sinté-
ticas e biológicas, tornando a indústria farmacêutica brasileira
mais competitiva e, de fato, intensiva em conhecimento. Houve
difusão de medicina de precisão, a partir da redução do custo
do sequenciamento do genoma. Na indústria farmacêutica, o
Brasil conseguiu estabelecer sua liderança em algumas indica-
ções terapêuticas de alto impacto social, com a consolidação
da estratégia de internalização da biotecnologia na indústria
brasileira e com o suporte financeiro à inovação radical forne-
cido por fundos de patrimônio estável.
No sistema de saúde brasileiro, a transformação passou por
temas-chave. A incorporação do protocolo eletrônico em todos
os níveis é um desses temas. A digitalização e a conectividade
contribuíram para melhorar a gestão do sistema. O sistema se
tornou mais efetivo nos resultados para os pacientes, com a

70
mudança do mecanismo de pagamentos para o modelo fee for
value, em contraposição ao antigo fee for service.16

Destaque na segurança
A situação da segurança pública há cerca de vinte anos era
alarmante, com o Brasil sendo classificado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) como país de “violência epidêmica”. Um
passo importante para as conquistas obtidas foi a criação de uma
base de informações nacional, padronizada e integrada, com maior
uso de análises por entes de segurança para elaboração/revisão
de políticas. Promoveu-se maior integração entre as polícias civil
e militar, com melhor alinhamento de planejamentos e ações para
identificação e investigação dos crimes. Contribuíram também para
a transformação das polícias as melhorias engendradas na gestão
e eficiência operacional, bem como uma transformação da cultura
das corporações policiais. De forma semelhante, o uso de indicado-
res de tempo de resolução de processos, de taxas de condenação,
entre outros, contribuíram para melhorar a eficiência no Judiciário.
Amplas revisões dos processos foram também importantes para
elevar as taxas de elucidação de crimes. A melhora da gestão do
sistema carcerário foi enfatizada, com ações voltadas para reduzir
as taxas de reincidência e combater a superlotação dos presídios.17
A articulação, em nível nacional, entre os agentes de segurança
para operação integrada, prevenção criminal e justiça criminal foi
uma das estratégias perseguidas. É consensual entre os especialistas

16 Ver capítulo “Saúde”, em BNDES (2018).


17 Este parágrafo baseia-se no Relatório Brasil 2030 (CLP, 2014).

71
que ações como iluminação pública, policiamento ostensivo, a co-
locação da questão da “drogadição” como objeto de saúde pública e
outras ações semelhantes tiveram sua importância. Mas, nada disso
teria sido suficiente se não fosse o amplo trabalho de redução das
vulnerabilidades sociais, por meio de programas sociais articulados
com estratégias de prevenção à violência.18

Transformações e ampliação do financiamento


O Brasil não ficou para trás no uso de novas tecnologias para
financiamento. Também aqui se verificou um movimento na di-
reção de desintermediação financeira, pela proliferação do uso
de plataformas descentralizadas (P2P) e de crowdfunding para
investimentos de cunho social e cultural, bem como o desen-
volvimento de novos sistemas de pagamentos. Como nos países
mais avançados, também se consolidou a tendência de redução
de agências bancárias físicas, movimento de “empoderamento do
cliente”, seguros compartilhados, uso de inteligência artificial para
aconselhamento de aplicações de gestão de portfólio, uso da tec-
nologia blockchain (dentro do conceito de internet da confiança),
entre outros. Todos esses fatores aumentaram a competição per
se entre bancos e instituições financeiras no país, possibilitando a
redução dos spreads. A essa se somou a pressão adicional exercida
por novos bancos com novas técnicas e abordagens.
Houve aprofundamento do mercado de capitais. As emissões
primárias de ações se multiplicaram, ao mesmo tempo em que

18 Este parágrafo baseia-se em ficha elaborada em parceria com a Associação Bra-


sileira de Desenvolvimento Econômico (ABDE), em workshop realizado nos dia 23 de
fevereiro de 2018. O trabalho encontra-se em fase final de conclusão e pretende ser
uma publicação realizada em parceria com os membros da referida associação.

72
aumentou o volume transacionado no mercado secundário.
O mercado de debêntures atrai investidores pessoas físicas,
interessados em retornos mais elevados, dada a baixa taxa de
juros real de curto prazo. Os baixos juros e o envelhecimento
da população também levaram os fundos de pensão a mudar a
composição de seus portfólios. Investidores institucionais são
os principais demandantes dos produtos de securitização de
ativos criados pelos bancos públicos.
No que se refere à infraestrutura, o governo compartilha
riscos com o setor privado, tanto por meio de instrumentos de
financiamento (via consórcios de bancos) como pelo compartilha-
mento de garantias e seguros. Esquemas de garantias solidárias e
de cotas subordinadas (aquelas que sofrem as primeiras perdas),
oferecidas pelos bancos públicos, ajudaram a desenvolver a oferta
de financiamento para projetos de maior prazo. O investimento
greenfield, porém, ainda necessita de elevada participação do
setor público, seja sob a forma de financiamento, seja na forma
de garantias. A maior estabilidade da economia brasileira reduziu
custos e alongou instrumentos de hedge.
Investimentos industriais intensivos em capital e segmentos
de maior risco (inovação, MPME etc.) e que demandam maior
prazo continuam a ser atendidos pelo setor público, embora
não exclusivamente. Em diversos casos, bancos públicos ala-
vancam recursos privados para financiamento à inovação, por
meio de participação em fundos de private equity.
De forma geral, aumentou a oferta (pública e privada) de
garantias e seguros. Na exportação, riscos políticos e cambiais de
longo prazo, que são exógenos ao setor privado e comuns a essas

73
atividades, continuam a ser parcial ou totalmente cobertos pelo
governo. Para riscos comerciais, entretanto, prevalece a oferta
privada, exceto em casos de prazo muito longo.
Por fim, mas não menos importante, numerosos esforços
institucionais de aproximação foram feitos entre o sistema
nacional de fomento para promover o desenvolvimento re-
gional e viabilizar projetos-chave para o desenvolvimento.

Referências
BANCO MUNDIAL. Global economic prospects - groad-based upturn, but
for how long? Global Economic Prospects, jan. 2018.

BNDES – BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


E SOCIAL. Visão 2035: Brasil, país desenvolvido. Agendas setoriais para
alcance da meta. Rio de Janeiro: BNDES, 2018. [no prelo]

CASTRO, L.; SOUZA, F. E: Cenários mundo-Brasil 2030 – insumos para


o planejamento estratégico do BNDES. Revista do BNDES, Rio de Janeiro,
n. 44, p. 399-457, dez. 2015. Disponível em: <https://web.bndes.gov.br/
bib/jspui/bitstream/1408/7104/1/RB%2044%20Cen%C3%A1rios%20
mundo_Brasil%202030_P.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2018.

CLP – CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA Sumário executivo –


estudo visão Brasil 2030. 5 set. 2014. Disponível em: <http://
www.clp.org.br/Show/Sumario-Executivo---Estudo-Visao-Brasil-
2030?=lfUQif+DI0T5pEiX9DzmIQ==>. Acesso em: 11 mar. 2018.

FUNDO MONETÁRIO NACIONAL. World Economic Outlook-Update.


2018. Disponível em: <http://www.imf.org/en/Publications/WEO/
Issues/2018/01/11/world-economic-outlook-update-january-2018>.
Acesso em: 18 de jan. de 2018.

INAE – INSTITUTO NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS. Rumo ao Brasil


desenvolvido (em duas ou três décadas). 2013. Disponível em: <http://
www.inae.org.br/livro/rumo-ao-brasil-desenvolvido-em-duas-ou-tres-
decadas/>. Acesso em: 11 mar. 2018.

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Editado pelo Departamento de Relacionamento Público
Março de 2018

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