Resumo Abstract
O presente ensaio aborda questões The current essay intends to relate some
relacionadas aos adeptos do aspects about followers of the
fisiculturismo, cujo objetivo é desenvol- bodybuilding, which main objective is to
ver um enorme volume muscular. Os develop an great muscular volume. The
fisiculturistas buscam alcançar determi- bodybuilders goal is to reach certain
nado padrão estético, peculiar a essa esthetic standard, peculiar to this
modalidade e é aceitável entre eles, para modality, being acceptable among them,
conseguí-lo, que se ultrapassem os in order to get it, to overcome the human
limites fisiológicos humanos. A questão physiologic boundaries. The question
é: o que faz com que esses praticantes raised above all is: what is the reason
desejem ter corpos muito hipertrofiados, which stimulate them to aim a body
já que tal fato implica em riscos à saúde? incredibly hipertrophical, taking into
Palavras-chave: Fisiculturismo; Corpo; consideration, indeed, that such bodies
Risco e Saúde. are extremely closed to the risk of health?
Keywords: Bodybuilding; Body; Risk and
Health.
1
Doutoranda em Ciências Sociais (PUC-SP). Professora do Deptº Educação Física da FURB/SC
42
2
Segundo reportagem do Jornal Nacional (Rede Globo), levada ao ar dia 09/09/2004.
Ano XVII, n° 24, Junho/2005 47
sas pessoas a fazerem isso até morrer ou pra mim, mas eu não reagia”. Em meio
então para ficarem durante mais tempo a essa situação delicada pela qual
até alguma coisa fazer com que elas pa- estava passando, ela negava ingerir
rem, algo pelo qual elas estão no limiar alimentos. A filha e seu marido ten-
entre a vida e a morte, tipo uma doença. taram lhe dar carboidrato, mas ela
Isso pode fazer com que parem...”. A pro- insistia em não comer nada para não
babilidade de pararem é pequena. Os ‘estragar a dieta’ enquanto seu es-
depoimentos explicitam a falta de pre- tado de saúde se agravava: “(...) eu
ocupação com as possíveis conseqü- comecei a ter diarréia e fazia xixi sem
ências e a vontade de irem até o limi- parar. Eles me davam água aí meu
te extremo. marido me pegou no colo, levou pra
Gilda teve uma experiência casa, colocou na cama. Minha filha
marcante. Aconteceu na véspera de quando viu, começou a chorar, ficou
um campeonato para o qual ela jul- desesperada. E dá-lhe coisas na minha
gava estar ‘super preparada’, com boca, mas eu não podia comer, eu não
seu físico ‘em dia’ para competir. Mas engolia pra não estragar a dieta”. A
alguém lhe aconselhou experimen- estratégia das dietas restritivas, uti-
tar, uma semana antes, um novo lizada como forma de preparação
diurético que faria com que ela ‘se- corporal, principalmente durante o
casse’ ainda mais: “eu, que já estava período pré-competitivo “(...) pode
seca, desidratada ao máximo e já ti- acarretar deficiências nutricionais
nha tomado outro tipo de diurético, (...), particularmente de minerais
fiquei meio na dúvida (...)”. Mas ela como o cálcio e o zinco (...) aumen-
aceitou a sugestão e fez uso do pro- tando, assim, o potencial de risco
duto. Explicou que o medicamento para o desenvolvimento de osteo-
não reage imediatamente, somente porose” (CYRINO et al, 2002:27).
algumas horas depois. Gilda iria vi- Quando Gilda conseguiu
ajar na 5ª feira, mas na 4ª feira à tar- pronunciar algumas palavras, a pri-
de na academia ela quase teve que meira coisa que disse foi que queria
desistir. O que ocorreu foi o seguin- ir ao campeonato, o qual seria reali-
te: “eu passei mal. Fiquei tonta, mi- zado no dia seguinte em uma cidade
nha boca começou a formigar, a mi- há 800km de sua casa. “Eu quase mor-
nha mão também. Metade eu era bran- ri. E a gente morre mesmo, morre por
ca e a outra metade roxa e não conse- um objetivo”, declarou. Horas depois,
guia mais ficar em pé. Desmaiei. Quan- quando estava sentindo melhoras,
do acordei chamei meu marido, mas a arrumou a mala e na manhã seguin-
minha voz parece que tinha sumido. Aí te seguiu viagem. O marido a levou
ele veio, pegou mel e deu um pouquinho de carro, ela foi deitada no banco de
Ano XVII, n° 24, Junho/2005 49
nado e não evitado. Elas acreditam de sempre foi ‘por debaixo dos panos’
que nada vai acontecer com sua saú- a venda dos anabolizantes. A gente
de (mesmo com alterações já mani- toma muito mais coisas: são remédios
festadas) por ingerirem muita droga: pra emagrecer, pra vascularizar, pra
“cada mês eu tomo apenas oito ampolas cortar o açúcar. Então sempre se dá um
de winstrol, o VHEA que é pré-liberador jeito pra comprar. Eu não conheço nin-
de hormônio e o GH. Isso é pouco, muito guém que não tenha conseguido com-
pouco”, declarou uma delas. O cuida- prar por causa da proibição. Então,
do, na opinião dela, deve ser com a deviam liberar...”.
qualidade do anabolizante ingerido: Em uma academia visita-
“(...) não dá pra comprar qualquer coisa da, a venda de suplementos era na
na esquina que um ‘Zé mané’ está ven- lojinha ao lado, dividida apenas por
dendo, porque aí tu vais colocar a tua uma parede. Também eram ofereci-
saúde em risco (...)”. das roupas e acessórios apropriados
Sendo esses produtos proi- às práticas corporais em academia.
bidos para a venda sem prescrição O local era pequeno, mas a organi-
médica, foi questionado a uma de- zação dos produtos chamava a aten-
las como tinha acesso. “Bem, nas far- ção de qualquer pessoa, parecia uma
mácias você tem que ter alguém co- boutique. As embalagens dos suple-
nhecido lá dentro ou alguém que use e mentos alimentares eram coloridas,
te apresente ao dono ou ao balconista. quase sempre com fotos de
No meu caso já faz tanto tempo que marombeiros no rótulo ou de algu-
eles já me conhecem e sabem que é se- ma mulher muito forte, sem nenhu-
guro vender pra mim. Eles têm medo ma imperfeição aos olhos dos adep-
porque agora está proibido e ficou pior tos da cultura da malhação. Os po-
pra gente conseguir. Antes, há uns 8, tes eram de diversos tamanhos, mas
10 anos atrás, era bem mais fácil”. os que se sobressaiam eram aque-
Também podem ser adquiridos nas les cuja embalagem era enorme. O
academias através do proprietário, tamanho grande do recipiente é um
alunos veteranos ou instrutores que atrativo a mais para os consumido-
muitas vezes sobrevivem das aulas res. O conteúdo varia em sua apre-
de personal trainer e do comércio sentação. Alguns são em pó, como
desses fármacos. Comprados na aca- por exemplo, albumina – que é a
demia, geralmente, são mais caros. clara do ovo desidratada -, outros
Alguns produtos são importados, e são em cápsulas gigantescas, como
a proibição não impede a comer- os aminoácidos. Engolir tais bagas
cialização nem o uso. “Olha, desde deve ser mais uma provação para os
que proibiram nada mudou. Na verda- fisiculturistas.
Ano XVII, n° 24, Junho/2005 51
todo o seu poder (Sabino, 2004). Por cimento abrem uma possível via de
outro lado, atenta o autor, quanto atuação dos empreendimentos
mais difíceis são as etapas que um consumistas reproduzidos pela publi-
indivíduo atravessa para pertencer cidade que exerce papel efetivo, não
a uma instituição, e desfrutar de seu apenas na construção da identidade
reconhecimento, mais valor o mes- dos freqüentadores assíduos da aca-
mo confere a esta. demia de ginástica e musculação, mas
Sendo conhecedores ou não no cotidiano de milhões de pessoas
das conseqüências dos anabolizantes, que são levadas pelos discursos
isso parece não ter importância na especializados a procurarem um pro-
hora da decisão de usá-los. No início, duto que lhes garanta a saúde, enten-
muitos duvidam dos efeitos nocivos dida, não raro como boa forma e ju-
e nem imaginam que poderão ser ví- ventude. Muscularidade e magreza
timas de algo grave. Kika declarou que acabam significando, em nossa cultu-
“muitas vezes as mulheres tem até que ra, sinais de positividade, levando nú-
usar mais anabolizantes do que os ho- mero significativo de homens e mu-
mens, pois eles até já têm uma muscula- lheres adultos e adolescentes ao con-
tura e é mais fácil pra desenvolver. Pra sumo de esteróides anabolizantes,
gente fica mais difícil pele fato de sermos outros hormônios e produtos em bus-
mulheres, então temos que abusar...”. O ca da forma física ideal, concebida
conhecimento dos riscos é um fator como a chave para a aceitação e as-
que reitera o uso “posto que o risco censão social, enfim, para o sucesso.
surge, entre o grupo, como algo posi- A referência das fisicultu-
tivo que reforça a coragem individual ristas é o modelo americano. Isso
e as estruturas hierárquicas do próprio porque a modalidade, nos Estados
grupo, já que usar esteróides é parte Unidos, tecnicamente apresenta
de um ritual contínuo de construção melhores condições para seu desen-
identitária na qual arriscar a vida é volvimento e continuidade: os pra-
fator de valorização da experiência e ticantes podem ser profissionais re-
reconhecimento social (...) ligado ao cebendo apoio financeiro e tec-
status” (SABINO, 2004:99). nológico. Nos EUA as mulheres são
Como revelou Kika, a aver- maiores, apresentam os músculos
são que ela sente em relação ao enve- mais desenvolvidos do que as bra-
lhecimento toma um vulto muito sileiras. O objetivo das mulheres que
maior do que o medo de morrer. entrevistei é ser como as estadu-
Sabino (2004), interpreta que a fragi- nidenses. Elas reclamam da falta de
lidade e a condição mortal refletida, apoio financeiro que há no Brasil,
de imediato, no processo de envelhe- para poderem ‘treinar como as ou-
56
Fontes consultadas.
FEDERAÇÃO PAULISTA DE
MUSCULAÇÃO. Site do culturismo.
Disponível em:
<www.culturismo.com.br>.