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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 133

ASPECTOS JURÍDICOS DO PAPEL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA GESTÃO DA


TERRA EM MOÇAMBIQUE

LEGAL ASPECTS OF THE ROLE OF PUBLIC ADMINISTRATION IN LAND


MANAGEMENT IN MOZAMBIQUE

Eduardo Chiziane1

RESUMO: A gestão directa ou indirecta da terra é realizada por actores diversos, como
seja, aqueles que intervêm nas Comunidades Locais (artigo 24 da Lei de Terras de 1997),
os titulares dos direitos sobre a terra (singulares, investidores) etc, para além da
Administração Pública (AP). Contudo, o papel de gestão da terra reservado a AP é muito
importante e estratégico. O objectivo geral deste trabalho é contribuir para a
compreensão da dimensão legal dos problemas de gestão da terra pela AP e,
especificamente, pretende-se propor algumas soluções logicamente legais aos problemas
identificados. O tratamento racional das questões acima mencionadas implicará a
realização de um breve balanço crítico aos 15 anos de implementação da Lei de Terras e
seguidamente cuidaremos da questão da Administração de terras em Moçambique. Por
fim, serão apresentadas as conclusões realizadas a partir desta avaliação, bem como
proposições para lidar com as questões que precisam ser revisitadas.
PALAVRAS-CHAVES: Administração da terra. Gestão da terra. Conflitos de terra.
Administração Pública.
ABSTRACT: The direct or indirect management of land is carried out by various actors,
such as those that intervene in Local Communities (article 24 of the 1997 Land Law ),
land rights holders (natural persons, investors), etc, besides the Public Administration
(PA). However, the land management role reserved for the PA is very important and
strategic. The general objective of this work is to contribute to the understanding of the
legal dimension of the problems of land management by the PA and, specifically, it is
intended to propose some logically legal solutions to the problems identified. The rational
treatment of the above mentioned issues will imply a brief critical review of the 15 years
of implementation of the Land Law and then we will address the issue of Land

1 Docente Faculdade de Direito - UEM.

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Administration in Mozambique. Finally, the conclusions drawn from this assessment will
be presented, as well as proposals to deal with the issues that need to be revisited.
KEYWORDS: Land administration. Land management. Land conflicts. Public
Administration.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Um breve olhar dos 15 anos


implementação da lei (legislação) sobre terras; 2.1 O significado da
locução “legislação sobre terras”; 2.2 Objectivos e princípios
fundamentais da Política Nacional de Terras (PNT); 2.3 Os sucessos
alcançados durante os 15 anos de implementação da legislação
sobre terras; 2.4 Os principais constrangimentos jurídicos na
implementação da legislação sobre terras; 3 Aspectos legais da
administração sobre terras; 3.1 Os problemas relativos à
administração da terra; 3.2 Análise dos problemas e proposta de
soluções; 3.2.1 Natureza legal do DUAT; 3.2.2 Necessidade de uma
melhor repartição de competências para autorização de pedidos
sobre a terra nas áreas rurais; 3.2.3 Opções para a simplificação dos
procedimentos administrativos relativos à atribuição e ao
reconhecimento de DUAT; 3.2.4 Viabilidade da criação de uma
autoridade nacional de terras, que funções, atribuições e
competências; 3.2.5 Opções reformativas para o Cadastro Nacional
de Terras, SPGC e Cadastros Municipais; 4 Conclusão; Referências.

1 INTRODUÇÃO

Vários actores participam na gestão directa ou indirecta da terra, como seja, para
além da Administração Pública (AP), intervem as Comunidades Locais (artigo 24 da Lei
de Terras de 1997), os titulares dos direitos sobre a terra (singulares, investidores) etc.
Contudo, olhando, para as responsabilidades atribuidas a AP, por exemplo, pelo artigo 22
da Lei de Terras de 1997, podemos facilmente concluir que no contexto nacional, o papel
de gestão da terra reservado a AP é muito importante e estratégico.
Com efeito, o Sistema Nacional de Administração da Terra recomenda o
desenvolvimento de um serviço que pode ser resumido em cinco2 responsabilidades
essenciais para a administração da terra, a saber: o jurídico, a regulamentação, o fiscal, o
cadastral, e resolução de conflitos.
Alguns relatórios3 inventariaram vários problemas que afectam a boa

2 MOÇAMBIQUE. Ministério da Agricultura. Brief para a estratégia nacional de administração de terras.


Cadernos do MINAG, Beira, 2011. p. 12 et seg.
3 MOÇAMBIQUE. Ministério da Agricultura. Brief ... op. cit., p. 4-8.

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administração da terra pelo Estado e propõem estratégias de sua resolução. O objectivo


geral deste trabalho é contribuir para a compreensão da dimensão legal dos problemas
de gestão da terra pela AP e, especificamente, pretende-se propor algumas soluções
logicamente legais aos problemas identificados.
Olhando para a AP na sua perspectiva bimensional – como organização e como
actividade de satisfação de necessidades colectivas, notamos que alguns problemas
relacionam-se com a organização da AP para a boa administração da terra, por exemplo,
o fenómeno da pluraridade de instituições com poderes na gestão da terra. E, outros
problemas relacionam-se com má repartição de poderes funcionais dentro da AP, a título
exemplificativo podemos apontar a exclusão do Administrador Distrital do conjunto
autoridades administrativas com competências de atribuição do DUAT nas zonas rurais
(artigos 22 da Lei de Terras de 1997). Esta realidade parece violar o princípio
constitucional da aproximação dos serviços públicos aos cidadãos (artigo 250, n° 2 CRM -
2004). Podemos, finalmente, falar de problemas de natureza procedimental, que tem a ver
com a necessidade de reflectirmos sobre a conformidade ou não do actual processo
administrativo de atribuição e reconhecimento de DUAT estabelecido pela legislação de
terras face ao principio constitucional da simplificação do procedimento administrativa
(artigo 250, n° 2 da CRM – 2004).
O tratamento racional das questões acima mencionadas implicará a realização de
um breve balanço crítico aos 15 anos de implementação da Lei de Terras4 e seguidamente
cuidaremos da questão da Administração de terras em Moçambique.

2 UM BREVE OLHAR DOS 15 ANOS IMPLEMENTAÇÃO DA LEI (LEGISLAÇÃO) SOBRE


TERRAS

Começaremos por oferecer o significado da locução “Legislação sobre terras” (2.1),


seguidamente revisitaremos os objectivos e princípios fundamentais da Política Nacional
de Terras (2.2), em terceiro lugar falaremos dos sucessos alcançados durante os 15 anos
de implementação da Legislação sobre terras (2.3), e finalmente olharemos para alguns
constrangimentos havidos na implementação da legislação sobre terras durante os

4 Seguimos muito de perto o artigo: CHIZIANE, Eduardo. Implicações jurídicas do debate actual da
legislação sobre terras. Maputo, 2007. Disponível em: <http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/upload
s/2014/12/Chiziane-Eduardo-IMPLICACOES-JURIDICAS-DO-DEBATE-SOBRE-A-IMPLEMENTACAO-DA
-LEGISLACAO-DE-TERRAS.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.

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últimos 15 Anos (2.4).

2.1 O significado da locução “legislação sobre terras”

A “legislação sobre terras” ou Direito da Terra considerar-se grosso modo


constituído pelos seguintes instrumentos legais5 a seguir identificadas, de acordo com as
colectâneas6 publicadas pelos diferentes organismos7 interessados pelas questões da terra:

- Decretos do Conselho de Ministros nºs 7/89 e 8/89, de 18 de Maio, que aprovam


respectivamente, os Estatutos - tipos das Cooperativas Agrária e das Uniões de
Cooperativas Agrárias8;
- Resolução do Conselho de Ministros nº 10/95, de 17 de Outubro, aprova a
Política Nacional de Terras9;
- Lei nº 19/97, de 01 de Outubro, aprova a Lei de Terras10 (LT);
- Decreto do Conselho de Ministros nº 66/98, de 08 de Dezembro, aprova o

5 Existem instrumentos legais complementares à legislação sobre terras que importa conhecer, como seja:
o Decreto do Conselho de Ministro nº 15/00, que aprova as Formas de articulação dos órgãos locais do
Estado com as autoridades comunitárias; o Diploma Ministerial nº 107 – A/00, que aprova o
Regulamento do Decreto nº 15/00; a Lei n° 14/02, de 26 de Junho; a Resolução do Conselho de Ministros
nº 7/95 de 08 de Agosto, que Política Nacional de Águas; a Lei nº 16/91, de 03 de Agosto, que aprova a
Lei das Águas; a Lei nº 4/96, de 04 de Janeiro, que aprova a Lei do Mar; a Resolução do Conselho de
Ministros nº 11/95 de 31 de Outubro, aprova a Política Agrária; a Lei n° 21/97, de 01 de Outubro, aprova
a Lei da Energia Eléctrica; a Lei n° 3/01, de 21 de Fevereiro, aprova a Lei dos Petróleos; a Resolução do
Conselho de Ministros nº 5/95 de 03 de Agosto, aprova a Política Nacional do Ambiente; a Lei nº 20/97
de 01 de Outubro, aprova a Lei do Ambiente; o Decreto do Conselho de Ministros nº 76/98, de 29 de
Dezembro, aprova o Regulamento de Avaliação de Impacto Ambiental; a Resolução do Conselho de
Ministros nº 8/97 de 01 de Abril, aprova a Política e Estratégia de Florestas e Fauna Bravia; a Lei nº
10/99, de 7 de Julho, aprova a Lei de Florestas e Fauna Bravia; o Decreto do Conselho de Ministros nº
12/02, de 06 de Junho, aprova o Regulamento de Florestas e Fauna Bravia; Resolução do Conselho de
Ministros nº 2/95, de 30 de Maio, aprova a Política Nacional do Turismo; a Lei n° 4/04, aprova a Lei do
Turismo; o Decreto do Conselho de Ministros nº 5/76, de 5 de Fevereiro, aprova o Regulamento de
nacionalização dos prédios.
6 Seleccionamos apenas a legislação em vigor. Entretanto, em relação à legislação revogada é importante
conhecer os seguintes diplomas: a Constituição da República de 1975; a Lei nº 6/79, de 3 de Julho, que
aprova a Lei de Terras; a Lei nº 1/86, de 16 de Abril, que altera a Lei de terras nº 6/79; o Decreto do
Conselho de Ministros nº 16/87, de 15 de Julho, que aprova o Regulamento da Lei de terras de 1979; o
Diploma Ministerial ( do Ministério da Agricultura) nº 118/87, de 21 de Outubro, Determina o valor do
aproveitamento da terra; a Constituição da República de 1990.
7 Vide as colectâneas organizadas pela Faculdade de Direito da UEM, pelo Centro de Formação Jurídica e
Judiciária (CFJJ) e pelo Ministério da Agricultura (MINAG), etc.
8 Publicado no Boletim da República nº 20, Iª Série, Suplemento, de 18 de Maio de 1989.
9 Publicado no Boletim da República nº 9, Iª Série, Suplemento, de 28 de Fevereiro de 1996.
10 Publicada no Boletim da República nº 40, Iª Série, 3° Suplemento, de 07 de Outubro de 1997.

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Regulamento da Lei de Terras e revoga o Decreto nº 16/87, de 15 de Julho11 (RLT);


- Diploma Ministerial (do Ministério da Agricultura e Pescas) nº 29-A/2000, de
17 de Março, aprova o Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras12;
- Diploma Ministerial (do Ministério da Agricultura e Pescas) nº 76/99, de 16 de
Julho, aprova a distribuição de receitas consignadas resultantes da cobrança de
taxas13;
- Decreto do Conselho de Ministros nº 77/99, de 15 de Outubro, aprova Taxas
diferenciadas segundo as actividades14;
- Decreto do Conselho de Ministros nº 01/2003, de 18 de Fevereiro, sobre a
compatibilização dos procedimentos entre o Cadastro Nacional de Terras e o
Registo Predial15;
- Decreto do Conselho de Ministros nº60/2006, de 26 de Dezembro, aprova o
Regulamento do Solo Urbano16;
- Decreto do Conselho de Ministros n° 50/ 2007, aprova a alteração do artigo 30
do Regulamento da Lei de Terras;

Muito embora os diplomas acima referidos componham, em conjunto, a figura da


“legislação sobre terra”, nem todos farão parte do objecto do presente trabalho e, em
especial, da análise do grau de implementação da referida legislação e das opções
estratégicas em termos de reforma possíveis, situação que se deve:

- Ao facto de alguns dos diplomas legais referenciados haverem já sido objecto de


integração na Constituição da República em vigor, haverem sido recentemente
alterados ou estarem a ser objecto de alteração em sede própria;
- Mereceram especial enfoque os diplomas legais, em que se verifica uma

11 Publicado no Boletim da República nº 48, Iª Série, 3° Suplemento, de 08 de Dezembro de 1998. Julgo que
hoje com a existência de um Regulamento do Solo Urbano não se justifica a utilização da designação
Regulamento da Lei de Terras, dado o facto, deste documento claramente se destinar a terra rural,
segundo o artigo 2 do Decreto que estamos a citar. Na verdade, aquela designação pode induzir a ideia
de que o Regulamento da Lei de Terras abrange quer a terra rural como a urbana, o que não é verdade.
12 Publicado no Boletim da República nº 11, Iª Série, 1° Suplemento, de 17 de Março de 2000.
13 Publicado no Boletim da República nº 24, Iª Série, 1° Suplemento, de 16 de Junho de 1999.
14 Publicado no Boletim da República nº 41, Iª Série, 2° Suplemento, de 15 de Outubro de 1999.
15 Publicado no Boletim da República n/ Iª Série, Suplemento, de 18 de Fevereiro de 2003.
16 Publicado no Boletim da República n/ Iª Série, Suplemento, de 26 de Dezembro de 2006.

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necessidade social de alteração do regime vigente.

Tendo por base os factos acima expostos, optamos por fazer o presente trabalho
incidir apenas sobre aqueles diplomas que, de forma expressa e crítica, foram
materialmente abordados durante os debates.
Serão, então, os seguintes os diplomas objecto de análises, com vista à avaliação
sobre o grau de implementação da legislação sobre terras e as necessidades de reforma:

- A Lei nº19/97, de 1 de Outubro, que aprova a Lei de Terras;


- Decreto do Conselho de Ministros nº 66/98, de 08 de Dezembro, aprova o
Regulamento da Lei de Terras;
- Diploma Ministerial (do Ministério da Agricultura e Pescas) nº 29-A/2000, de
17 de Março, aprova o Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras;
- Decreto do Conselho de Ministros nº60/2006, de 26 de Dezembro, aprova o
Regulamento do Solo Urbano.

Estes diplomas legais relacionam-se com os aspectos centrais da PNT. Na verdade,


procuramos avaliar o grau de implementação dos instrumentos legais identificados, e
identificar medidas para melhorar a sua aplicação. Face à diversidade de textos
normativos incidindo sobre a terra e questões rurais, deveriamos começar a reflectir
sobre a pertinência ou não da criação de um Código Rural ou Agrário. Alguns países como
a França, possuem o Código Rural outros como Cuba estam a estudar a possibilidade de
codificação do Direito Agrário17.

2.2 Objectivos e princípios fundamentais da Política Nacional de Terras (PNT)18

1. A PNT estabelece os seguintes objectivos prioritários:

- Recuperar a produção de alimentos e garantir a segurança alimentar;

17 ACOSTA, Rolando Pavó; CARRILLO, Juan Ramón Pérez. La codificacion del derecho agrário cubano en el
nuevo milenio: un debate necesario. In: BARROSO, Lucas Abreu; MANIGLIA, Elisabete; MIRANDA, Alcir
Gursen de (Coord.). El nuevo derecho agrario. Curitiba: Juruá, 2010. p. 189-212.
18 Resolução do Conselho de Ministros nº 10/95, de 17 de Outubro, aprova a Política Nacional de Terras e
QUADROS, Maria da Conceição de (Coord.). Manual de direito de terra. Maputo: CFJJ, 2004. p. 6 -10.

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- Criar condições para que a agricultura do sector familiar se desenvolva e cresça,


tanto em volume de produção como em índices de produtividade, sem que lhes
falte o seu recurso principal, a terra;
- Promover o investimento privado, utilizando de uma forma sustentável e
rentável a terra e outros recursos naturais, sem prejudicar os interesses locais;
- Conservar as áreas de interesse ecológico e gerir os recursos naturais de uma
forma sustentável, de forma a garantir a qualidade de vida da presente e futuras
gerações;
- Actualizar e aperfeiçoar um sistema tributário baseado na ocupação e no uso de
terra que possa apoiar os orçamentos públicos nos diversos níveis.

A PNT toma em conta os principais usos da terra, incluindo o uso agrário, urbano,
mineiro, turístico e para infraestruturas produtivas e sociais, tendo em conta a protecção
ambiental. A base da PNT é consensual e estabelece os mecanismos pelos quais os
recursos naturais podem ser explorados duma maneira equitativa e sustentável.

2. Princípios fundamentais da PNT:

- A manutenção da terra como propriedade do Estado, princípio consagrado na


Constituição da República;
- Garantia de acesso e uso da terra à população, bem como aos investidores. Neste
contexto, reconhecem-se os direitos costumeiros de acesso e gestão das terras
das populações rurais residentes, promovendo justiça social e económica no
campo;
- Garantia do direito de acesso e uso da terra pela mulher;
- Promoção do investimento privado nacional e estrangeiro, sem prejudicar a
população residente e assegurando benefícios esta e para o erário público
nacional;
- Participação activa dos nacionais com parceiros em empreendimentos privados;
- Definição e regulamentação de princípios básicos orientadores para a
transferência dos direitos de uso e aproveitamento da terra, entre cidadãos ou
empresas nacionais, sempre que tiverem sido feitos investimentos no terreno;
- Uso sustentável dos recursos naturais de forma a garantir a qualidade de vida

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para as presentes e futuras gerações, assegurando que as zonas de protecção


total e parcial mantenham a qualidade ambiental e os fins especiais para que
foram constituídas. Incluem-se aqui zonas costeiras, zonas de alta
biodiversidade e faixas de terrenos ao longo das águas interiores.

Estes princípios norteadores e os objectivos da PNT são resumidos na seguinte


declaração:
Assegurar os direitos do povo moçambicano sobre a terra e outros recursos
naturais, assim como promover o investimento e o uso sustentável e equitativo
destes recursos.
Concluímos a partir do debate que os princípios e objectivos fixados na PNT
continuam válidos passados 10 anos. Contudo, tendo em conta as transformações
económicas, sociais e políticas operadas, nomeadamente, a integração regional, com a
constituição da zona do Comercio Livre, é preciso avaliar a possibilidade de introdução de
um nova linha de orientação para o acesso e uso da terra, designadamente a
institucionalização do “mercado de títulos de terra”19.

3. Principais inovações

A Política Nacional de Terras contém algumas inovações relativamente ao quadro


legal vigente em 1995. As principais inovações são:

- O reconhecimento dos direitos costumeiros sobre a terra;


- A necessidade de flexibilidade da lei;
- A formalização do informal.

O reconhecimento dos direitos costumeiros já tinha sido sugerido pela revisão


constitucional de 1990, quando legislador o constituinte definiu que “o Estado reconhece

19 Segundo o saudoso Professor José Negrão (1996, p. 6) “[...] existe uma distinção entre mercados de terras
e mercados de títulos de terra, enquanto no primeiro se negoceia a transferência da propriedade, no
segundo transferem-se os títulos de uso e aproveitamento, permanecendo o Estado sempre como o
proprietário dos recursos, embora os direitos de uso possam ser negociados entre terceiros [...]”. É
verdade que existe argumento contrario aquela pretensão que defende que as comunidades facilmente
seriam enganadas e mesmo forçadas a venderem as suas terras por uma ninharia, o que iria por em causa
a segurança alimentar de grande número de camponeses. O Estado tem, pois, a obrigação de proteger os
seus cidadãos, não podendo, portanto, permitir a total liberalização do mercado de títulos de terra.

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e protege os direitos adquiridos por herança ou ocupação”.


Segundo a PNT, os sistemas costumeiros são já um recurso inquestionável e
oferece um serviço “público” a um custo quase zero para o Orçamento Geral do Estado, na
administração e gestão de terras nas zonas rurais. Por exemplo, estes sistemas funcionam
eficazmente na reintegração da população deslocada no interior do país e dos regressados
dos países vizinhos. A PNT recomenda que “estes sistemas práticos que já se aplicam na
vasta maioria dos casos de ocupação e uso da terra, deveriam ser considerados na
legislação sobre terras”.
A PNT salientou a necessidade de ter uma lei flexível, que não especificasse o que
fazer em cada situação cultural diferente, mas admitisse o princípio de que em cada região
pudesse funcionar o respectivo sistema de direitos consuetudinários, de acordo com a
realidade local. Esta flexibilidade deveria permitir igualmente a sua actualização ao longo
do tempo, sem recorrer a revisões periódicas. Neste contexto, principalmente no que
respeita ao cadastro do sector familiar.

2.3 Os sucessos alcançados durante os 15 anos de implementação da Legislação


sobre terras

Alguns princípios fixados na PNT foram relativamente concretizados. Estamos a


referir-nos à:

- A manutenção da terra como propriedade do Estado;


- Ao acesso e uso da terra pela população. Foi assegurado o direito do povo
moçambicano sobre a terra e outros recursos naturais;
- A promoção do investimento nacional – ex: exploração dos recursos naturais;
- A promoção do direito de acesso e uso da terra pela mulher;
- A redução de conflitos sobre a terra nas zonas rurais e urbanas20.

A forma como estes aspectos de sucesso na implementação da legislação sobre


terras tem se manifestado deve ser medido através de um estudo multidisciplinar

20 Não significa com a nossa opção, que não haja potenciais conflitos de terra, em resultado do processo de
desenvolvimento do país e a concorrência pelos melhores recursos do país. Para mais desenvolvimento
ver TANNER, Christopher. As bases sociologicas e politicas da lei de teras de Moçambique. Maputo: FAO;
CFJJ, 2004. p. 1.

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profundo e critico.

2.4 Os principais constrangimentos jurídicos na implementação da legislação sobre


terras

Neste ponto, julgamos valiosos os problemas e posições manifestadas pelos


stakeholders (interessados) na questão da “terra”. Nesse exercício foi possível identificar
as principais lacunas, insuficiências e contradições que resultam da aplicação prática da
referida Legislação.
Constatou-se que as matérias e os inconvenientes comummente levantados foram
os seguintes:

- Falta de critérios claros sobre a representação das comunidades locais e


transparência dos processos de consulta comunitária no âmbito da atribuição
do DUAT;
- Deficiente contribuição da legislação sobre terras para promover o
investimento privado estrangeiro, e assegurar benefícios para a população e
para o erário público nacional21;
- Uso insustentável dos recursos naturais de forma a garantir a qualidade de vida
para as presentes e para as futuras gerações22;
- Deficiente conhecimento e aplicação da legislação sobre terras pela
Administração Pública.

3 ASPECTOS LEGAIS DA ADMINISTRAÇÃO SOBRE TERRAS

3.1 Os problemas relativos à administração da terra

O presente trabalho levanta diversos problemas principais relativos à


Administração estratégica da terra em Moçambique, designadamente:

21 As dificuldades que se manifestam no processo de consulta às comunidades locais no âmbito da


atribuição do DUAT, tem estado a afectar consideravelmente a entrada do investimento estrangeiro no
país. Este aspecto merece, contudo, melhores estudos e demonstração estatística.
22 Vide TANNER, Christopher; BALEIRA, Sergio. Conflito no acesso e gestão dos recursos naturais em
Moçambique. Maputo: CFJJ; FAO, 2004.

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- Natureza legal do DUAT (é um problema transversal);


- Necessidade de uma melhor repartição de competências para autorização de
pedidos sobre a terra nas áreas rurais;
- Procedimentos administrativos complexos para a atribuição de DUATs;
- Ausência de fiscalização e fraca capacidade de cobrança de receitas pelo Estado;
- Inexistência de uma Autoridade Nacional de Terras, de funções, atribuições e
competências (Análise legal das implicações da multiplicidade de organismos
publicos que intervem na gestão de terras e identificação de soluções legais e
institucionais para uma restructuração da administração de terras em
Moçambique);
- Falta de politica de desconcentração e descentralização de competências dos
órgãos locais do Estado e órgãos municipais no âmbito da gestão de terras;
Necessidade de reformar o SPGC, Cadastro Nacional de Terras e Cadastros
Municipais;
- Necessidade de reformar a matéria relativa ao ordenamento do território.

3.2 Análise dos problemas e proposta de soluções

3.2.1 Natureza legal do DUAT

Razão de ordem: a clareza sobre a natureza do DUAT tem implicações importantes


no reconhecimento dos direitos e obrigações, no registo do título e na sua futura
transmissibilidade.23
A procura da natureza do DUAT implica a busca do conteúdo, o teor, das
características do DUAT. Vários autores se interrogam sobre este assunto.
A natureza do DUAT deve resultar na interpretação das disposições pertinentes da
CRM, da LT, do RLT e RSU.
O governo reconhece que o DUAT é um “direito forte, privado e exclusivo, que
oferece uma grande segurança do uso e posse para todos os tipos de usuários de terra”24.

23 MOÇAMBIQUE. Ministério da Agricultura. Estratégia nacional de terras. Cadernos do MINAG, Maputo,


2010. p. 24.
24 Idem.

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A. Será o DUAT um direito privado, exclusivo e constitucionalmente


garantido e protegido, quer para ocupantes assim como para sujeitos que
aquiriram a terra através de um pedido?
O DUAT é um direito privado, porque é susceptível de atribuição a particulares
(artigo 11 da LT) e os mesmos têm poderes de transmitir o DUAT (arts 16 LT) e 15 e 16
do RLT. É um direito exclusivo, suis generis, porque se os mecanismos da sua aquisição,
transmissão, a extinção são definidos pelo Estado, (arts. 11, 16 e 18, todos da LT). Não se
deixa aos particulares a total liberdade de estimularem o conteúdo das modificações,
transações deste direito.
A caracterização do conteúdo do DUAT, a partir do próprio ordenamento jurídico
moçambicano pode levar a constatação de que o DUAT é um direito de natureza híbrida,
isto é, apresenta elementos do direito privado, assim como do direito público.25
O DUAT é, sem dúvida, um direito constitucionalmente garantido e protegido, nos
termos do artigo 109, n° 3 da CRM “Como meio universal de criação da riqueza e do bem-
estar social, o uso e aproveitamento da terra é direito de todo o povo moçambicano”. O
artigo 110, n° s 1 e 2 dispõe que “O Estado determina as condições de uso e
aproveitamento da terra” e “O direito de uso e aproveitamento da terra é conferido às
pessoas singulares ou colectivas tendo em conta o seu fim social ou económico”.
B. Quais são os poderes legais conferidos aos titulares do DUAT e qual é o seu
conteúdo? Podem os titulares dos DUATs investir com segurança e qual é a
viabilidade dos projectos a longo prazo?
O artigo 109, n° 2, da Constituição de 2004 do ponto de vista formal impõe aos
titulares do DUAT a proibição de venda e de oferecer a terra como garantia, enfim “a terra
não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou
penhorada”.
O DUAT tem a natureza de posse, porque o titular de DUAT, pode usar a terra, mas
tal e qual o possuidor não pode dispor dela, não pode vendê-la, por força do artigo 109 da
CRM, visto acima. Porque o propriétario da terra é o Estado, artigo 109, n° 1 “a terra é
propriedade do Estado”.

25 COMOANE, Paulo. A natureza jurídica do direito de uso e aproveitamento da terra. In: CONFERÊNCIA
COMEMORATIVA DOS 10 ANOS DA LEI DE TERRAS, Maputo, 2007. Anais … Maputo: CFJJ; Ministério da
Justiça, 2007. p. 8,

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 145

1. Quais os Poderes legais atribuidos aos titulares do DUAT


O conteúdo do DUAT se analisa pelos poderes legais e prerrogativas jurídicas
conferidas aos sujeitos desse direito em relação ao uso da terra.
A Lei de Terras de 1997 e o artigo 13 do Regulamento da Lei de Terras de 1998
caracterizam os poderes e prerrogativas mais importantes atribuidas ao titular do DUAT.
Assim, destacam-se os poderes e prerrogativas de:

i. Usar a terra cuja posse foi reconhecida ou concedida ao sujeito do DUAT;


ii. Ter acesso à parcela e dela servir-se para o acesso a outros recursos existentes
no terreno ou em áreas circunvizinhas, como o caso dos recursos hídricos
públicos, e isto através da instituição de servidões;
iii. Defender-se contra interesses de terceiros;
iv. Transmitir, por via da herança, a posse da terra e os direitos e ela ligados (artigo
16 da Lei de Terras 1997);
v. Transmitir a posse da terra e os direitos a ela ligados pela transmissão de
prédios urbanos implantados na terra em causa (artigo 16, n° 4, da Lei de Terras
1997);
vi. Poder de transmitir as benfeitorias implantadas nos terrenos sobre os quais
tenha um DUAT (artigos 15, n° 2 e 16, n° 2 do RLT-1998);
vii. Quando devidamente autorizado, constituir hipoteca sobre os bens imóveis e
benfeitorias (artigo 16, n° 5 LT -1997); e
viii. Utilizar o título ou a Certidão de autorização provisória para fundamentar
pedidos de empréstimos junto de Instituições de crédito (artigo 13, n° 2 Do RLT
-1998)

A atribuição dos poderes e prerrogativas aos titulares do DUAT implica a


imposição de deveres aos mesmos titulares. É, assim, que o artigo 14 do RLT -1998 e o
artigo 34 do Regulamento do Solo Urbano de 2006 (RSU -2006) estabelece os principais
deveres dos titulares do DUAT.

2. Nas áreas rurais, segundo o art. 14 do RLT-1998, são deveres dos titulares do DUAT,
seja atribuido por ocupação ou por autorização de um pedido, os seguintes:

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i. Utilizar a terra respeitando os princípios estabelecidos na Constituição e demais


legislação em vigor, no caso do exercício de actividade económicas, em
conformidade com o plano de exploração e de acordo com o definido na
legislação relativa ao exercício da respectiva actividade;
ii. Dar acesso através da sua parcela aos vizinhos que não tenham comunicação
com a via pública ou com os recursos hidricos de uso público, constituído para
o efeito as necessárias servidões;
iii. Respeitar as servidões constituídas e registadas nos termos do n° 2 do artigo 17
do RLT -1998 e os direitos de acesso ou utilização pública com elas
relacionados;
iv. Permitir a execução de operações e/ou a instalação de acessórios e
equipamentos conduzidos ao abrigo de licença de prospecção e pesquisa
mineira, concessão mineira ou certificado mineiro, mediante justa
indemnização;
v. Manter os marcos de fronteiras de triangulação, de demarcação cadastral e
outros que sirvam de pontos de referência ou apoio situados na sua respectiva
área; e
vi. Colaborar com os Serviços de Cadastro, agrimensores ajuramentados e agentes
de fiscalização sectorial.

3. Nas áreas urbanas, segundo o art. 34 do RSU – 2006, são deveres dos titulares do
DUAT os seguintes:

i. Materializar as construções e iniciar a actividade para que o terreno se destina,


nos prazos estabelecidos;
ii. Não alterar a finalidade do uso do terreno sem a devida autorização;
iii. Respeitar a legislação pertinente sobre o DUAT, sobre a construção e sobre a
actividade que se propõe exercer no terreno;
iv. Manter os marcos de demarcação cadastral e elementos de infraestruturas
públicas existentes no terreno;
v. Colaborar com os Órgãos Locais do Estado e Autarquias e outras entidades
públicas ou do Estado, prestando o auxilio necessário ao desempenho das suas
funções.

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 147

A aquisição do DUAT nos termos do artigo 24 do RSU-2006, não dispensa a


obtenção de licenças ou outras autorizações exigidas por Lei (artigo 34, n° 2 do RSU -
2006).

3.2.2 Necessidade de uma melhor repartição de competências para autorização de


pedidos sobre a terra nas áreas rurais

O artigo 22 da Lei n° 19/1997, de 01 de Outubro, Lei de Terras, oferece a disciplina


legal sobre a repartição de competência em matéria de autorização de pedidos de acesso
a terra nas áreas rurais entre o nível central (Conselho de Ministros e Ministro da
Agricultura) e o nível provincial (Governador Provincial).
Assim, temos:
1) Nível provincial
Os governadores Provinciais tem competência para autorizar pedidos de terra de
áreas até ao limite máximo de 1000 hectares, em conformidade com o artigo 22, n° 1,
alinea a) da Lei n° 19/1997, de 01 de Outubro).
2) Nível central
O Ministro de Agricultura tem competência para autorizar pedidos de terra de
áreas entre 1000 e 10000 hectares, de acordo com o artigo 22, n° 2, alinea a) da Lei n°
19/1997, de 01 de Outubro.
Conselho de Ministros tem competência para autorizar pedidos de terra de áreas
que ultrapassem a competência do Ministro da Agricultura, desde que o pedido seja
inserido num plano de uso da terra ou cujo enquadramento seja possível num mapa de
uso da terra, de acordo com o artigo 22, n° 3, alinea a) da Lei n° 19/1997, de 01 de
Outubro.
Este regime de repartição de competência estabelecido pelo artigo 22 da Lei de
Terras não atribui ao nível distrital (ao Administrador Distrital) o poder de autorizar
pedidos sobre o acesso a terra nas áreas rurais26. Esta situação contraria a filosofia dos
artigos 139 e 250 ambos da CRM-2004 e do artigo 12, n° 1 da Lei n° 8/2003, de 19 de

26 Não se deve confundir as competâncias atribuidas ao Administrador no âmbito do licenciamento


simplificado, p. ex: no dominio de actividades agrárias, Decreto n° 02/08, de 12 de Março. Uma coisa é o
poder de autorizar pedidos que recaim sobre a terra em si, e a outra, bem diferente, é o poder de
autorizar as actividades que se realizam na terra, que podem ser várias, desde a actividade agrária,
mineração, turismo, etc.

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Maio. Com efeito, se o distrito é a base da planificação do desenvolvolvimento económico,


social, etc., seria lógico atribuir ao Administrador Distrital (AD) competência para
autorizar pedidos sobre a terra nas áreas rurais da sua área de jurisdição. Claro, este
poder seria limitado a determinados limites de terra, por exemplo, o AD poderia autorizar
pedido de terra de áreas até ao limite de 100ha.

3.2.3 Opções para a simplificação dos procedimentos administrativos relativos à


atribuição e ao reconhecimento de DUAT

Razão de ordem: a necessidade de simplificar e clarificar os procedimentos


administrativos atinentes à atribuição ou reconhecimento é considerada uma questão
crucial, para promover e estimular o investimento no campo e o uso da terra. O despacho
de autorização ou reconhecimento de DUAT é o ponto de partida que vai preceder as
operações de titulação e registo de DUAT. Significa com isto que, se o procedimento de
autorização ou reconhecimento é mal realizado, este facto terá implicaçoes na validade
do título e do registo do DUAT. Com efeito, o documento de base sobre a Estratégia
Nacional de Administração de terras reconhece a importância desta questão.27

1. Mas, afinal o que é um procedimento administrativo?


A definição legal
Nos termos da alínea h) do Artigo 1 do Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, o
procedimento administrativo é a "sucessão de actos e formalidades ordenadas com vista
à formação, expressão e realização da vontade da Administração Pública"28.
A definição jurisprudencial
Num acórdão de 17 de Fevereiro de 1950, - José Custódio de Câmara29 -, o Supremo
Tribunal Administrativo de Portugal precisou que o processo administrativo "Como se
sabe, [...] é constituído por uma série de actos e formalidades que procedem e preparem o
acto administrativo".

27 MOÇAMBIQUE. Ministério da Agricultura. Estratégia … op. cit., p. 37.


28 Vide, em Direito Comparado, a definição do Código do Procedimento Administrativo português, que
define, no seu artigo 1.°, o procedimento administrativo como "a sucessão ordenada de actos e
formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua
execução".
29 Ac. do STA-1, de 17-2-50, Col. -1, p. 126 e seguintes.

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 149

A definição doutrinal
Para Diogo Freitas do Amaral, o procedimento administrativo é "a sequência
juridicamente ordenada de actos e formalidades tendentes à preparação da prática de um
acto da administração ou à sua execução”30.
Assim, qualquer que seja a definição retida, o processo administrativo apresenta-
se como constituído por uma série de actos e formalidades que procedem e preparem a
decisão administrativa. Neste caso, seria a sequência de actos e formalidades que vão
preparar a acto administrativo de autorização o reconhecimento de um DUAT.
Na verdade, o procedimento regula o exercício das prerrogativas do poder público
e as dos direitos e liberdades públicas. No âmbito da simplificação de procedimentos
administrativo (PA) é fundamental avaliar a conveniência, a justificação do PA imposto
pelo RLT-1998, tendo em conta às necessidades de promover decisões administrativas
céleres, claro, preservando a segurança e certezas jurídicas.
Tendo com base a Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, que regula a formação da
vontade da Administração, estabelece as normas de defesa dos direitos e interesses dos
particulares e a doutrina, podemos descortinar entre as diferentes fases possíveis do
procedimento administrativo: a iniciativa (1), a informação (2), a consulta (3), a
contradição (4), os prazos (5), a decisão (6) e a fase complementar (7).
Entretanto, segundo o RLT – 1998, o PA relativo à autorização ou ao
reconhecimento de DUAT pode se estruturar em três tipos:

- Processo relativo ao DUAT adquirido ao abrigo de uma autorização (artigos 24


à 33);
- Processo relativo ao DUAT adquirido por ocupação de boa-fé (art. 34); e
- Processo relativo ao DUAT adquirido por ocupação pelas comunidades locais
(art. 35).

Em cada um dos três tipos de PA acima exposto ocorrem vulnerabilidades, lacunas


específicas, que é preciso superar.

30 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1998. v. 3, p. 164-165.

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2. No Processo relativo ao DUAT adquirido ao abrigo de uma autorização


Neste processo o aspecto que tem merecido atenção é a questão de se saber se a
fase da autorização provisória (AP) deve ser mantida ou não.
A sua manutenção ou não depende, sobretudo, da avaliação rigorosa da função e
utilidade desta fase. Parece que com a AP, pretende-se acautelar, verificar o grau do
cumprimento do plano de exploração, o grau de cumprimento da finalidade para que se
pediu a terra. Durante esta fase o particular tem um direito “precário”, e o Estado goza de
amplos poderes caso se verifique o incumprimento do plano de exploração, sem motivos
justificados, depois de findo o prazo de AP. Assim, o Estado pode revogar a AP, sem direito
à indeminização pelos investimentos não removíveis, entretanto realizados (artigo 27 da
LT-1997).
A fase de AP me parece, pois, desempenhar uma função importante na gestão da
terra, no geral e no controlo do cumprimento dos propósitos da atribuição da terra pelos
requerentes, em particular.
Entretanto, é preciso actuar em dois sentidos: primeiro, ponderar a redução do
prazo de AP de 5 anos para 3 anos para nacionais, e de 2 anos para 1 ano para estrangeiros.
Esta opção implicaria a alteração do art. 25, n° 2, da LT-1997. Segundo, reflectir sobre as
obrigações do Estado na fase da Demarcação, que se situa dentro da fase da AP.
Com efeito, o artigo 30, n° 1, do RLT-1998, estabelece que “Emitida a AP, [...] os
Serviços de Cadastro notificarão o requerente sobre a comunicação do despacho e para a
necessidade de fazer a demarcação”. O n° 2 dispõe que “após a notificação, o requerente
deverá proceder à demarcação no prazo de um ano, seja por via oficial, atavés dos Serviços
de Cadastro, seja [...] por um agrimensor ajuramentado”. O n° 3 dispõe que “Findo o prazo
de um ano sem que tenha sido apresentado o respectivo processo técnico e não tenha sido
recebida uma justificação aceitável pelos Serviços de Cadastro, estes notificarão o
requerente do iminente cancelamento da autorização provisória”.
O regime da Demarcação coloca toda a responsabilidade no particular, a iniciativa
de demarcar é do particular. Este aspecto é problemático. Julgo, pois, ser aqui onde se
devem concentrar os esforços de reforma. Na verdade, o dever e o impulso para demarcar
a terra deveria ser do Estado. Com efeito, a terra é do Estado, e é quem melhor a conhece
e tem meios para demarca-la. O que se deveria fazer é impor ao particular o pagamento
de taxas que cumbrissem os custos com a demarcação.
É preciso, por fim, criar um diagrama que demonstra claramente a sequência dos

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 151

actos e formalidades que correm desde a entrada do requerimento do pedido da terra até
a tomada de decisão, dada a relativa complexidada dos conteúdos dos artigos 24 – 33 do
RLT-1998.

3. Processo relativo ao DUAT adquirido por ocupação pelas comunidades locais


O PA é fixado pelo artigo 35 do RLT-1998. A fase que merece atenção é relativa à
revogação da alinea d) do artigo 35, retrocitado, pelo Decreto n° 50/2007, 16 de Outubro,
que altera os requisitos relativos ao processo de titulação do direito de uso e
aproveitamento de terra adquirido por ocupação pelas comunidades locais.
Uma das modalidades de aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra
(DUAT) é por ocupação pelas comunidades locais, segundo as normas e as práticas
costumeiras no que não contrarie à Constituição. O processo de titulação do direito de
terra comunitária implicava inicialmente o cumprimento dos seguintes passos:
denominação da comunidade, demarcação, parecer do administrador, despacho do
Governador da Província e pagamento das despesas com o processo31.
Este regime permitia as comunidades locais adquirirem o DUAT por ocupação,
segundo as normas e práticas costumeiras, direitos assegurados pelo artigo 12, alínea a)
da Lei n◦19/97, de 1 de Outubro e pelo artigo 35 do Regulamento da Lei de Terras,
aprovado pelo Decreto do Conselho de Ministros n◦ 66/98 de 8 de Dezembro, com relativa
facilidade burocrática, pois o processo era tramitado totalmente a nível local com a
emissão do parecer do administrador e despacho final de reconhecimento do Governador
Provincial.
Entretanto, o regime apresentado acima foi alterado radicalmente com a
aprovação do Decreto do Conselho de Ministros n° 50/2007, de 16 de Outubro32. Este
Decreto no seu artigo único, altera o artigo 35, alínea d) do Regulamento da Lei de Terras
de 1998, estabelecendo que o processo relativo a titulação do DUAT conterá: decisão da
entidade competente em função da área, conforme definido na alinea a) do n° 1, alinea a)

31 Artigo 35 do Decreto do Conselho de Ministros n° 68/98, de 08 de Dezembro. Publicado no Boletim da


República, n° 48, I Série, 3° Suplemento de 08 de Dezembro de 2008.
32 Aprova a alteração do artigo 35 do Regulamento da Lei de Terras, aprovado pelo Decreto n◦ 68/98, de
08 de Dezembro. Publicado no Boletim da República, I Série, n◦ 41, 8° Suplemento, de 16 de Outubro de
2007. A validade jurídica deste Decreto foi amplamente posta em causa durante a Conferência
Comemorativa dos 10 anos da Lei de Terras, co-organizado pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária
do Ministério da Justiça, Faculdade de Direito da UEM, União Nacional dos Camponeses (UNAC), de 17-
19 de Outubro de 2007, em Maputo. Ver síntese Final da Conferência. (não publicado).

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do n° 2 e alinea a) do n° 3 do artigo 22 da Lei n° 19/97, de 01 de Outubro.


A regra do parágrafo precedente é, pois, recente. Com efeito, na alínea d) do
Decreto do Conselho de Ministros n° 66/98, de 8 de Dezembro, apenas se impunha o
Despacho do Governador, no reconhecimento ou titulação do DUAT a favor das
comunidades, não interessando a dimensão da área33. No entanto, a disciplina actual,
trazida pelo Decreto n◦ 50/2007, de 16 de Outubro, estatui que a decisão da entidade
competente, será em função da área, o que levanta preocupação sobre a conformidade ou
não desta nova medida à Lei de Terras de 199734.
Na verdade, o despacho no âmbito da titulação do DUAT das comunidades, apenas
reconhece um direito já existente, e o poder decisório, deveria ser mantido ao nível do
Governador, dada a reconhecida proximidade desta figura às comunidades locais, e não
impor a eventualidade da intervenção do Conselho de Ministros. No fundo, a existência de
diferentes autoridades na atribuição do DUAT, em função da dimensão da área requerida
faz sentido para as situações de pedido de DUAT, no entanto, no caso em análise, estamos
a falar do mero reconhecimento de um direito.
Com efeito, a nova regra trazida pelo Decreto n◦ 50/2007, de 16 de Outubro, parece
contrariar o artigo 250, n° 1 da CRM-2004, que estabelece o princípio da desconcentração,
viola os princípios da desburocratização e desconcentração estabelecida pela Lei n°
8/2003 (acima aflorados)35.
Desde que se aprovou o Decreto n◦ 50/2007, de 16 de Outubro, a titulação das
áreas comunitárias que já era difícil, estagnou. Na verdade, não há conhecimento de terras
em comunidades reconhecidas a partir dessa altura.
Enfim, no interesse de uma boa gestão da terra pelas comunidades julgamos que o
Decreto n◦ 50/2007, de 16 de Outubro, deveria ser objecto de revogação e recomenda-se
a restauração do regime anterior, onde o Governador Provincial seria a autoridade
competente a título exclusivo na emissão do despacho final de titulação do DUAT a favor
das comunidades.

33 Para a aquisição do DUAT via pedido a Lei de Terras n° 19/97, no seu artigo 22 distribui as competências
em função da dimensão da área requerida, assim: n°1, alinea a) o Governador Provincial autoriza
pedidos de DUAT de áres até 1000 hectares, [...] n° 2, alinea a) o Ministro da Agricultura autoriza pedidos
de DUAT de áreas entre 1000 e 10000 hectares [...] e n° 3, alinéa a) o Conselho de Ministros autoriza
pedidos em áreas que ultrapassam o limite maximo do Ministro de Agricultura.
34 CHIZIANE, Eduardo. As tendências da re-concentraçao e re-centralizaçao do poder administrativo em
Moçambique. 2009, p. 42.
35 Ibidem, p. 31.

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 153

4. O regime jurídico relativo ao prazo para a conclusão do PA


Um dos problemas comum a todos os três tipos de PA regulados pelo RLT-1998 é
a ausência de um prazo formal que deve correr desde o início do procedimento até a
tomada de decisão pela autoridade competente. Existem práticas dos serviços de
cadastros que estabeleciam 90 dias, mais tarde 60 até a tomada de decisão.
A Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, em matéria de prazos para a conclusão de um
PA estabelece o seguinte:

- O procedimento deve ser concluído no prazo de 25 dias, a menos que outro prazo
decorra da lei ou, seja imposto por circunstâncias excepcionais (artigo 76, n° 1);
e
- Os interessados devem ser informados da justificação pelo órgão da conclusão
do procedimento nos prazos legais e, sendo previsível, da data em que a
resolução definitiva é tomada;

Esta disciplina dos prazos da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, parece se impor aos
PA ligados a atribuiçao ou reconhecimento de DUAT nas áreas rurais. Assim, entendemos
que se devem estruturar os diferentes actos e formalidades que antecedem a decisão
dentro do prazo de 25 dias.
Tendo em conta o facto de a Lei n° 14/2001, de 10 de Agosto, ser recente
justificaria-se uma medida administrativa dos Serviços Centrais do Cadastro em:
primeiro, ajustar o PA aos 25 dias e segundo, produzir uma circular informativa aos
sectores que lidam com a administração da terra.

3.2.4 Viabilidade da criação de uma autoridade nacional de terras, que funções,


atribuições e competências

Razao de ordem: A ENAT visa melhorar a segurança do uso e posse para todos os
usuários de terras, através de um sistema eficaz, transparente e equitativo de
administração de terras em todo o país. Contribuir para uma boa governação, através da
criação de uma administração de terras descentralizada, que seja acessível e sensível às
necessidades de todos os usuários da terra. Hoje, a Administração da terra é confrontada
com a multiplicidade de organismos públicos que tem atribuições e competências na

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gestão da terra, por exemplo: o Ministério da Agricultura, Ministério do Ambiente,


Ministério dos Recursos Minerais, etc. Esta situação gera conflitos positivos e negativos
de competências entre os referidos organismos. Por isso, correntes há que
justificadamente defendem a criação de um organismo com poderes mais amplos e
transversais na área de gestão de terras.

1. Análise legal das implicações da multiplicidade de organismos publicos que intervem


na gestão de terras
Tomemos como exemplo a confrontação das funções (F1) de coordenação do
“ordenamento do territorial”, do “planeamento territorial” e do “sistema de gestão
territorial”, por um lado. E, as funções (F2) de “atribuição dos pedidos sobre a terra”, por
outro lado. Ora, a Lei n° 19/2007, de 18 de Julho, que aprova a Lei do Orddenamento do
Território, responsabiliza o Ministério para a Coordenação Ambiental (MICOA) pela
coordenação das tarefas F1. A Lei n° 19/1997, de 01 de Outubro, que aprova a Lei de
Terras, entrega a responsabilidade do F2 ao Ministério de Agricultura e outros órgãos do
Estado (Presidente do Conselho Municipal, Administrador Distrital, Governador
Provincial e Conselho de Ministro).
Muitas vezes ocorre que as decisões tomadas no âmbito do atendimento de pedido
de DUAT entram em contradição com os instrumentos de ordenamento do territorio,
geridos pelo MICOA.
Este é apenas um dos exemplos que mostra a perniciosidade de manter um sistema
em vários organismos intervem na gestão da terra. Por isso, justifica-se a criação de um
organismo que teria atribuições mais amplas de gestão da terra.
A denominação, tanto pode ser Autoridade Nacional de Administração da Terra.
Esta opção não é nova no nosso sistema administrativo, veja-se o caso da Autoridade
Tributária. Contudo, é preciso evitar a utilização dos fundamentos jurídicos de criação da
extinta-Autoridade Nacional da Função Pública.

2. Identificação de soluções legais e institucionais para uma restructuração da


administração de terras em Moçambique
O Brief para a Estratégia Nacional de Administração de Terras36 considera que a

36 MOÇAMBIQUE. Ministério da Agricultura. Brief ... op. cit., p. 4.

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 155

Criação de um Sistema de Administração de Terras Moderno visaria oferecer os seguintes


serviços:

- Abordagens estratégicas para garantir a posse da terra. Isto inclui opções para a
melhoria dos procedimentos existentes em áreas-chave, tais como
regularização fundiária, titulação de terras, delimitação, e a adopção de
princípios de "fronteira geral";
- O status dos registos dos direitos a terra e a necessidade de completar e
harmonizar os registos de bancos de dados de terra. Opções para isso incluem o
desenvolvimento de um Sistema de Gestão da Informação de Terras (LIMS do
Land Information Management System) e outros instrumentos. Também estão
incluídos na necessidade de tornar a informação geral de registos de terra
acessível ao público;
- Regularização de posse em áreas prioritárias. Inclui trazer proprietários de terra
efectivos e de boa-fé ao sistema público de administração da terra, auditoria e
regularização de DUATs existentes que estão em conflito, e eventualmente
converter títulos DUAT provisórios em definitivos;
- Novo sistema de registo de títulos. O sistema actual será reformado para se tornar
mais inclusivo, transparente, simples e acessível a todos os usuários da terra.
Passagem de um sistema reactivo para um sistema proactivo;
- O sistema de imposto sobre a terra. As opções aqui incluem simplesmente elevar
o nível actual de tributação; introduzindo novas categorias de tributação para
promover a melhor utilização da terra, evitando a penalização dos usuários da
terra local (pequenos agricultores e comunidades);
- A forma e localização da administração da terra e do cadastro nacional. As
opções podem ser implementadas de forma faseada: a) numa primeira fase
deixando a separação entre o presente cadastro e o Registo Predial; b) numa
segunda fase integrando os dois num único cadastro unificado. Nesta fase
também se deve integrar a passagem da Administração da Terra para uma
Instituição Independente, essencialmente com função de coordenação, gestão,
supervisão e fiscalização de toda a terra nacional;
- Monitoria do impacto social e de género na administração da terra. Opções para
integração do género e questões dos direitos das mulheres incluem a formação

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paralegal, treino de líderes comunitários e apoio às mulheres que se querem


"desligar" dos sistemas comunitários tradicionais de posse da terra;
- Tornar públicas as informações sobre a administração da terra. Opções incluem
o desenvolvimento de directrizes claras e concisas para os investidores e
usuários de outras terras a serem divulgados através da imprensa convencional
e campanhas na comunicação social, convidando ONGs para fornecer
informações precisas e consistentes; patrocinando programas de formação
como os actualmente geridos pela CFJJ; teatro e outras técnicas de comunicação
informal. A criação de uma página electrónica pode também constituir uma
acção estratégica importante.

O SNAT basea-se no desenvolvimento de um serviço que pode ser resumido em


cinco37 responsabilidades essenciais para a administração da terra, a saber: o jurídico, a
regulamentação, o fiscal, o cadastral, e resolução de conflitos. A capacidade do Estado para
executar essas funções deve ser reforçada.

- A função jurídica garante os direitos inerentes a uma categoria de posse


particular, são claramente definidos na lei (principalmente a Constituição da
República e Lei de Terras 19/97) e, na prática, que os recursos são
disponibilizados para a alocação de direitos de terra, adjudicação, demarcação,
registo e manutenção de registos - todos essenciais para garantir a segurança
da posse do titular;
- A função reguladora diz respeito à execução e manutenção de padrões, por
exemplo: supervisão de profissionais da terra (agrimensores, cartógrafos, e
registadores) necessária para salvaguardar terras e bens imóveis, e assegurar
que os interesses dos proprietários de terras sejam salvaguardados;
- A responsabilidade fiscal do serviço de administração da terra reconhece o
valor financeiro das propriedades, tanto para o proprietário como para o Estado
como uma fonte de receita na forma de impostos sobre a terra, rendas, direitos
de transmissão, etc. As receitas geradas pela administração eficiente da terra
podem pagar uma parte significativa das despesas do governo no sector. Em

37 MOÇAMBIQUE. Ministério da Agricultura. Brief ... op. cit., p. 12 e sgts.

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 157

muitos países, a receita relacionada com a terra é uma importante fonte de


rendimento para o governo local, especialmente em áreas urbanas;
- A responsabilidade cadastral da administração da terra registra quem detém
ou controla a terra, onde está localizada, o seu uso e, eventualmente, o seu valor.
Em Moçambique, é também importante para o governo identificar os limites das
terras de domínio público, quer seja no contexto do Estado (por exemplo,
Parques Nacionais); municípios (edifícios públicos, estradas, outros espaços nas
cidades), e comunidades (áreas de uso comum, tais como florestas e algumas
pastagens, bens sociais e espaços), conforme exigido pelo Artigo 98, nº 3, da
Constituição da República;
- Resolução de Disputas refere-se à responsabilidade do serviço de
administração de terras para assegurar o gozo pacífico pelos proprietários de
terra dos seus direitos de uso e ocupação da terra e recursos naturais.

Ora, os serviços, funções e responsabilidades descritas acima no âmbito do


desenvolvimento da SNAT implicam a criação de um organismo público autónomo, quer
dizer de uma pessoa jurídica com autonomia administrativa, financeira e patrimonial
para que aqueles propósitos possam ser alcançados. Esta solução pode ser obtida
através da intervenção do Conselho de Ministros, criando uma Autoridade Nacional da
Administração da Terra, com a natureza de um Instituto Público.

3. O desenvolvimento do SNAT em conformidade com os princípios da desconcentração


e da descentralização da Administração Pública
A consagração formal dos princípios da desconcentração e da descentralização
como modalidade de gestão administrativa no artigo 250, n° 1, da Constituição de 2004,
na Lei n° 2/1997, de 18 de Fevereiro e na Lei n° 8/2003, de 19 de Maio é um aspecto
positivo e inovador no sistema administrativo nacional.
O desenvolvimento do SNAT na sua componente estrutural deve olhar com
atenção para aqueles dois princípios, quer dizer, na repartição de competências dos
serviços no âmbito do SNAT, a Autoridade Nacional de Terras (ANT) deve respeitar os
diplomas acima mencionados.
Assim, pode-se desde o início da implantação do SNAT optar-se por um sistema
menos concentrado e menos centrazalizado, quer dizer, fortalecendo OS SERVIÇOS

Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v. 1, n. 1, p. 133-167, jan./jul. 2017.
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LOCAIS da ANT situados ao nível do distrito e da provincial, por um lado e os serviços da


ANT que devem ser descentralizados para o nível dos Municípios.
Na verdade, como refere o artigo 3, n° 1, da Lei n° 8/2003, de 19 de Maio,

a organização e funcionamento dos órgãos locais do Estado obedecem aos


princípios da desconcentração e da desburocratização administrativas, visando
o descongestionamento do escalão central e a aproximação dos serviços públicos
às populações, de modo a garantir a celeridade e a adequação das decisões às
realidades locais. Esta disposição é valida para a estruturação da futura ANT.

Por fim, é preciso sempre ter presente o artigo 12, n° 1, da Lei n° 8/2003, de 19 de
Maio, que considera o Distrito como a “unidade territorial principal da organização e
funcionamento da administração local do Estado e a base da planificação do
desenvolvimento económico, social e cultural da República de Moçambique”. Assim, o
ANT deverá colocar serviços a este nível para ajudar a materializar este desiderato legal.

3.2.5 Opções reformativas para o Cadastro Nacional de Terras, SPGC e Cadastros


Municipais

Razão de ordem: A administração de terras dos municípios trabalha quase de forma


independente do trabalho dos serviços de Cadastro. As conservatórias do Registo Predial
tem uma ligação muito frágil com os serviços Cadastrais tanto nos munícipios, como nas
áreas rurais. Um efeito disso é a falta de uma perspectiva nacional consistente nos
procedimentos e nos relatórios sobre a situação de uso e posse da terra em Moçambique,
nos municípios e nas áreas rurais.
Nesta medida, o documento da ENAT postula que “numa economia caracterizada
por uma urbanização rápida e taxa de demanda comercial da terra rural, os custos
económicos e financeiros de operacionalização de cadastros separados irão aumentar”.
Para um desenvolvimento racional de um verdadeiro Cadastro Nacional é importante que
as áreas rurais e urbanas sejam integradas num sistema nacional único.
Dentro dessa perspectiva, se impõe clarificar a relação entre os Serviços Cadastrais
e a Conservatória do Registo Predial. Falta ainda uma percepção do efeito do registo.

1. A relação entre os Serviços de Cadastro e a Conservatória do Registo Predial


Actualmente os Cadastros funcionalmente e organicamente estam integrados na

Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v. 1, n. 1, jan./jul. 2017.


Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 159

estrutura do Ministério da Agricultura (Cadastro Nacional), Provincial (Cadastro


Provincial) e Municipal (Cadastro Municipal). E, segundo o artigo 23 da Lei de Terras, a
atribuição de DUAT só pode ser feita caso existam serviços de Cadastro. O que quer dizer
que a falta desses serviços torna inválido qualquer acto de atribuição formal da terra. O
Cadastro tem como função recensear e fornecer informação sobre a situação económico-
jurídica das terras, os tipos de ocupação, etc. (art. 5 da LT-1997).

A. A problemática do sistema dualista do registo do DUAT


A função dos Registos Cadastral e do Registo Predial
O sistema da Administração da terra é caracterizado por apresentar um sistema
dualista de registo de DUAT. Existe um registo feito no Registo Predial e outro feito no
Cadastro Nacional de Terras.
No Cadastro Nacional de Terras o Registo parece servir, essencialmente, como
instrumento para as entidades públicas que administram a terra possuirem dados para a
planificação da actividade económica sobre a terra, segundo o artigo 5 da LT-1997.38
Aponta-se com frequência a origem fiscal do registo predial, já que teria sido
necessário que o Estado organizasse quadros de titularidade ou utilização da terra para
tornar viável a tributação sobre o património. Hoje, podemos dizer que o registo perdial
do DUAT tem em vista tornar conhecida a situação juridica da coisa e, sobretudo, como
forma de evitar a existencia de ónus ocultos que possam ser um entrave à circulação juridica
dos bens, nesse caso da terra.39 Por isso, não seria sustentável pretender desenvolver a
circulação da terra, sem antes assegurar o registo da mesma.
Segundo o artigo 1° do Código Predial, sobre a “finalidade do registo”, refere que é
“dar publicidade aos direitos inerentes às coisas imóveis”.
A função do registo predial é exclusivamente a função típica dos sistemas em que
existe um registo público relativo a imóveis: ou seja, a função de conferir um sistema
publicitário racionalizado de modo a permitir a todos os interessados o conhecimento das
situações jurídicas que incidem sobre as coisas descritas nesse mesmo registo. Ao passo
que o Registo do DUAT no âmbito do Cadastro, hoje funciona mais para fornecer dados às
entidades públicas relevantes no âmbito da planificação da actividade económica.

38 DUARTE, Diogo. O registo do DUAT. In: CISTAC, Gilles; CHIZIANE, Eduardo. Aspectos jurídicos, económicos
e sociais do uso e aproveitamento da terra. Maputo: Imprensa Universitária - UEM, 2003. p. 54.
39 Idem.

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Contudo, há uma zona de intercepção do ponto de vista de finalidade entre o


registo do Cadastro Nacional de Terras (CNT) e o do Registo Predial, sobretudo quando
se refere no n° 1, do artigo 5, da LT-1997, que o CNT tem como função “conhece a situação
económico-jurídica das terras”.
Objecto do registo
A visão corrente é de que o que é registado é o DUAT, seja no Registo Predial ou no
Cadastro Nacional de Terras. Mas essa visão é parcialmente contrariada pelo que se
estabelece no artigo 2 do Código do Registo Predial e pelo actual artigo 20 do RLT-1998,
introduzido pelo Decreto n° 1/2003, de 18 de Fevereiro, bem como pelo que se estabelecia
no artigo 20 do RLT-1998, na sua redacção originária, que regulava o registo junto dos
serviços de cadastro nas zonas que estivessem fora da jurisdição dos municípios, e mesmo
naqueles municípios em que não existissem serviços de cadastro.
O Registo Predial e o Registo no Cadastro Nacional de Terras (CNT). Continuidade ou
descontinuidade do sistema dualista
O Decreto n° 1/2003, de 28 de Fevereiro, não deve ser interpretada como um
desinvestimento no CNT. Ela foi uma alteração ditada, pela necessidade de compatibilizar
o registo cadastral e o registo predial e não tem o significado de ser o fim do primeiro.
Continua a vigorar então um sistema dualista no registo de DUAT.
Nada há a opor à existencia de um sistema dualista, se com registos diferenciados
se pretende corrensponder a diferentes necessidades. Um sistema dualista como o
vigente, actualmente, pode ser viável, tendo o registo predial à função que
tradicionalmente lhe é reconhecida em matéria de publicitação de situações jurídicas
sobre imóveis, e o registo cadastral uma função essencialmente instrumental
relativamente a áreas como o planeamento e o uso da terra, planeamento urbano, desenho
e execução de políticas fiscais.
O problema só surge se se dá a sobreposição funcional, e é essa sobreposição que
deve ser afastada. Para além disso, as técnicas de registo devem ser diferenciadas. Para a
função essencial do registo no Cadastro é, sobretudo, imperioso insistir na descrição do
prédio. O que aparece registado deve coincidir, o mais possível, com a realidade física e
económica da terra, só assim, se conseguirá a eficácia na definição de políticas relativas a
terra. No registo predial, a técnica principal será, então, a inscrição de factos com
relevância nos direitos sobre a terra. No entanto, deve se procurar formas, de
compatibilizar o registo cadastral com a descrição do prédio constante do registo predial.

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 161

B. Os efeitos do Registo do DUAT


A questão que se deve esclarecer aqui é: qual é a consequência do registo sobre o
DUAT que o registo visa publicitar?

i. Quanto ao registo do DUAT no Registo Predial podemos encontrar 3 tipos de


efeitos cumulativos:
- Efeito presuntivo: o artigo 8 do Código do Registo Predial (CRP), refere que o
registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence aos
titulares inscritos nos precisos termos em que o registo o define. A presunção
derivada do artigo 8 do CRP admite prova em contrário. A prova em sentido
contrário à presunção do artigo 8 pode ter duas origens: a nulidade do
próprio registo ou a invalidade do acto substantivo inscrito. Para
exemplificar, pense-se, na primeira situação, no registo efectuado por um
particular com base num documento de autorização do pedido falso (artigo
83 do CRP). É evidente que neste caso o falsificador não adquiriu qualquer
direito com o registo;
- Efeito enunciativo: a inscrição não acrescenta absolutamente nada à situação
substantiva, é uma mera notícia do facto a que se reporta, segundo o artigo 7,
n° 2, do CRP. No mesmo sentido vai o artigo 14, n° 2, da LT-1997: “a ausência
de registo não prejudica o DUAT adquirido por ocupação [...]”. Na aquisição
por ocupação o elemento essencial formal é a tomada de posse. Nessa
circunstância, havendo já publicidade bastante, dispenspu-se o legislador
moçambicano, através do artigo 14 da LT o registo como forma de consolidar
o direito: assim o registo é meramente enunciativo;
- Efeito consolidativo e efeito atributivo: de nenhum dispositivo da legislação
sobre terras resulta que o registo seja um dos elementos do título substantivo
de aquisição do DUAT: o registo de DUAT no sistema moçambicano, não é, pois,
constitutivo de direito. O registo é consolidativo e confirmativo do direito
ii. O problema dos efeitos do Registo no Cadastro.

Primeira observação. As disposições do artigo 20 do RLT-1998, que introduziram


um sistema de registo oficioso (artigo 20, n° 1) e de instância (artigo 20, n° 2), mas sempre

Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v. 1, n. 1, p. 133-167, jan./jul. 2017.
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obrigatório (artigo 20, n° 3 e n° 5), relativamente a factos que tenham reflexos na situação
jurídica das terras, registo esse que deveria ser efectuado junto dos serviços do cadastro
(artigo 3, n° 1 do RLT-1998), apenas ocorreria nas zonas não abrangidas pelas áreas de
jurisdição dos munícipios que possuam serviços municipais de cadastro (artigo 2 do RLT-
1998).
Segunda observação. A ideia inicial do legislador parece ter sido a de que nestas
áreas – as que se encontram fora da jurisdição de municípios que possuam serviços de
cadastro – o registo no Cadastro Nacional de Terras, efectuado pelos serviços de cadastro,
pudesse substituir o registo predial, sendo que apenas nas áreas sob jurisdição dos
munícipios este deveria continuar a ser efectuado.40
Surgiram, no entanto, alguns problemas graves: nenhuma disposição existia que se
referisse aos EFEITOS do registo no Cadastro Nacional de Terras, e daí decorria que não
era possível determinar qual a consequência do registo sobre o DUAT que o registo
cadastral visa publicitar? Seria constitutivo? Seria enunciativo?
A legislação sobre terras não se refere aos efeitos do registo no CNT e que seja
compatível com a ideia da mobilidade, da transferência de DUAT. O registo no CNT não
tem qualquer efeito sobre as situações substantivas, nem implica a formação de qualquer
fé pública registral. Assim, deve entender-se que ele não acarreta nenhuma presunção de
ordem civil. O registo no CNT funciona apenas como uma base de dados que se pode
apresentar de grande importância, tanto para o Estado como para os particulares,
nomeadamente investidores.

2. A viabilidade jurídica da criação de serviços integrados do Cadastro nacional único


para as áreas urbanas e rurais
Os fundamentos jurídicos para a Integração
O artigo 65, n° 1 do Decreto do Conselho de Ministros n° 11/2005, de 10 de Junho,
aprova o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais do Estado, a propósito da integração de
estruturas do Governo dispõe que “Quando várias direcções ou serviços do Estado
concorrem na implementação de política estatal numa área afim, podem ser utilmente
integrados total ou parcialmente, de forma a elevar a sua eficácia e reduzir desperdício”.
Parece que o Cadastro rural e urbano concorrem para a implementação de uma

40 DUARTE, Diogo. Op. cit., p. 72-73.

Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v. 1, n. 1, jan./jul. 2017.


Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 163

mesma política. Assim, dúvidas não há de que podem ser integrados. Entretanto, é preciso
avaliar se a integração seria total ou parcial, por um lado. E, promover o respeito do
princípio da desconcentração e descentralização dentro dessa estrutura integrada, como
vimos acima, por outro lado.
A viabilidade da criação do Cadastro Nacional Único, embora descentralizado e
desconcentrado, tem como fundamento o facto de haver uma unicidade nos dois
cadastros da função do registo do DUAT, no objecto do registo (que é o registo do DUAT
essencialmente) e dos efeitos do registo. A única diferença de peso é a incidência
geografica.
Deve-se, pois, avançar com um Sistema de Registo único Multifuncional.41

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

- Necessidade de promover a integração ou uniformização dos serviços de


Administração de terra e os serviços de ordenamento do território;
- Uma boa administração da terra implica a promoção do princípio da
desconcentração e descentralização como base para promover uma melhor
repartição de poderes entre o Governo Central e os Governos Provincias e
Distritais e Autarquias locais;
- O princípio constitucional da simplificação do procedimento administrativo
previsto na CRM, art. 250, n° 2, da CRM, deve ser enquadrado na gestão da terra;
- Enfim, no interesse de uma boa gestão da terra pelas comunidades julgamos que
o Decreto n◦ 50/2007, de 16 de Outubro, deveria ser objecto de revogação e
recomenda-se a restauração do regime anterior, onde o Governador Provincial
seria a autoridade competente a título exclusivo na emissão do despacho final
de titulação do DUAT a favor das comunidades;
- Se o distrito é a base da planificação do desenvolvolvimento económico, social,
etc., seria lógico atribui ao Administrador Distrital (AD) competência para
autorizar pedidos sobre a terra nas áreas rurais da sua área de jurisdição, por
exemplo, o AD poderia autorizar pedido de terra de áreas até ao limite de 100ha;
- No âmbito da simplificação de procedimentos administrativos, deveria se

41 DUARTE, Diogo. Op. cit., p. 74.

Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v. 1, n. 1, p. 133-167, jan./jul. 2017.
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alterar o regime da demarcação, que coloca toda a responsabilidade no


particular, a iniciativa de demarcar é do particular. Na verdade, o dever e o
impulso para demarcar a terra deveria ser do Estado. Com efeito, a terra é do
Estado, e é quem melhor a conhece e tem meios para demarca-la. O que se
deveria fazer é impor ao particular o pagamento de taxas que cumbrissem os
custos com a demarcação;
- A criação de um diagrama que monstra claramente a sequência dos actos e
formalidades que correm desde a entrada do requerimento do pedido da terra
até a tomada de decisão, contribuiria para melhorar a compreensão do
conteúdo dos artigos 24 – 33 do RLT-1998, no âmbito do processo aquisição de
DUAT, ao abrigo de uma autorização;
- O melhor sistema a instituir em futura legislação a elaborar sobre o regime do
registo no Cadastro Nacional de Terras, é o de o registo dever ser efectuado
oficiosamente, da iniciativa dos seus agentes, que procurarão os dados relevates
nas conservatórias do registo predial;
- Os dados sobre o registo do DUAT deveriam estar informatizados e se facilitar
o acesso aos dados, sem burocracias, aos órgãos e serviços do Estado, bem como
aos cidadãos, que a eles poderiam aceder apenas enquanto informação;
- Nada há a opor à existencia de um sistema dualista, se com registos
diferenciados se pretende corrensponder a diferentes necessidades. Um
sistema dualista como o vigente, actualmente, pode ser viável, tendo o registo
predial a função que tradicionalmente lhe é reconhecida em matéria de
publicitação de situações jurídicas sobre imóveis, e o registo cadastral uma
função essencialmente instrumental relativamente a áreas como o planeamento
e o uso da terra, planeamento urbano, desenho e execução de políticas fiscais;
- Entretanto, a viabilidade da criação do Cadastro Nacional Único, embora
descentralizado e desconcentrado, tem como fundamento o facto de haver uma
unicidade nos dois cadastros, a partir da função do registo do DUAT, do objecto
do registo (que é o registo do DUAT essencialmente) e dos efeitos do registo. A
única diferença de peso é a incidência geografica. Deve-se, pois, avançar com um
Sistema de Registo único Multifuncional.

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Aspectos jurídicos do papel da administração pública na gestão da terra em Moçambique 165

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Como citar este artigo: CHIZIANE, Eduardo. Aspectos jurídicos do papel da administração
pública na gestão da terra em Moçambique. Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v.
1, n. 1, p. 133-167, jan./jul. 2017.

Artigo recebido em 24/02/2017


1º parecer favorável em 19/03/2017
2º parecer favorável em 27/03/2017

Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v. 1, n. 1, p. 133-167, jan./jul. 2017.

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