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Eduardo Chiziane1
RESUMO: A gestão directa ou indirecta da terra é realizada por actores diversos, como
seja, aqueles que intervêm nas Comunidades Locais (artigo 24 da Lei de Terras de 1997),
os titulares dos direitos sobre a terra (singulares, investidores) etc, para além da
Administração Pública (AP). Contudo, o papel de gestão da terra reservado a AP é muito
importante e estratégico. O objectivo geral deste trabalho é contribuir para a
compreensão da dimensão legal dos problemas de gestão da terra pela AP e,
especificamente, pretende-se propor algumas soluções logicamente legais aos problemas
identificados. O tratamento racional das questões acima mencionadas implicará a
realização de um breve balanço crítico aos 15 anos de implementação da Lei de Terras e
seguidamente cuidaremos da questão da Administração de terras em Moçambique. Por
fim, serão apresentadas as conclusões realizadas a partir desta avaliação, bem como
proposições para lidar com as questões que precisam ser revisitadas.
PALAVRAS-CHAVES: Administração da terra. Gestão da terra. Conflitos de terra.
Administração Pública.
ABSTRACT: The direct or indirect management of land is carried out by various actors,
such as those that intervene in Local Communities (article 24 of the 1997 Land Law ),
land rights holders (natural persons, investors), etc, besides the Public Administration
(PA). However, the land management role reserved for the PA is very important and
strategic. The general objective of this work is to contribute to the understanding of the
legal dimension of the problems of land management by the PA and, specifically, it is
intended to propose some logically legal solutions to the problems identified. The rational
treatment of the above mentioned issues will imply a brief critical review of the 15 years
of implementation of the Land Law and then we will address the issue of Land
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Administration in Mozambique. Finally, the conclusions drawn from this assessment will
be presented, as well as proposals to deal with the issues that need to be revisited.
KEYWORDS: Land administration. Land management. Land conflicts. Public
Administration.
1 INTRODUÇÃO
Vários actores participam na gestão directa ou indirecta da terra, como seja, para
além da Administração Pública (AP), intervem as Comunidades Locais (artigo 24 da Lei
de Terras de 1997), os titulares dos direitos sobre a terra (singulares, investidores) etc.
Contudo, olhando, para as responsabilidades atribuidas a AP, por exemplo, pelo artigo 22
da Lei de Terras de 1997, podemos facilmente concluir que no contexto nacional, o papel
de gestão da terra reservado a AP é muito importante e estratégico.
Com efeito, o Sistema Nacional de Administração da Terra recomenda o
desenvolvimento de um serviço que pode ser resumido em cinco2 responsabilidades
essenciais para a administração da terra, a saber: o jurídico, a regulamentação, o fiscal, o
cadastral, e resolução de conflitos.
Alguns relatórios3 inventariaram vários problemas que afectam a boa
4 Seguimos muito de perto o artigo: CHIZIANE, Eduardo. Implicações jurídicas do debate actual da
legislação sobre terras. Maputo, 2007. Disponível em: <http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/upload
s/2014/12/Chiziane-Eduardo-IMPLICACOES-JURIDICAS-DO-DEBATE-SOBRE-A-IMPLEMENTACAO-DA
-LEGISLACAO-DE-TERRAS.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.
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5 Existem instrumentos legais complementares à legislação sobre terras que importa conhecer, como seja:
o Decreto do Conselho de Ministro nº 15/00, que aprova as Formas de articulação dos órgãos locais do
Estado com as autoridades comunitárias; o Diploma Ministerial nº 107 – A/00, que aprova o
Regulamento do Decreto nº 15/00; a Lei n° 14/02, de 26 de Junho; a Resolução do Conselho de Ministros
nº 7/95 de 08 de Agosto, que Política Nacional de Águas; a Lei nº 16/91, de 03 de Agosto, que aprova a
Lei das Águas; a Lei nº 4/96, de 04 de Janeiro, que aprova a Lei do Mar; a Resolução do Conselho de
Ministros nº 11/95 de 31 de Outubro, aprova a Política Agrária; a Lei n° 21/97, de 01 de Outubro, aprova
a Lei da Energia Eléctrica; a Lei n° 3/01, de 21 de Fevereiro, aprova a Lei dos Petróleos; a Resolução do
Conselho de Ministros nº 5/95 de 03 de Agosto, aprova a Política Nacional do Ambiente; a Lei nº 20/97
de 01 de Outubro, aprova a Lei do Ambiente; o Decreto do Conselho de Ministros nº 76/98, de 29 de
Dezembro, aprova o Regulamento de Avaliação de Impacto Ambiental; a Resolução do Conselho de
Ministros nº 8/97 de 01 de Abril, aprova a Política e Estratégia de Florestas e Fauna Bravia; a Lei nº
10/99, de 7 de Julho, aprova a Lei de Florestas e Fauna Bravia; o Decreto do Conselho de Ministros nº
12/02, de 06 de Junho, aprova o Regulamento de Florestas e Fauna Bravia; Resolução do Conselho de
Ministros nº 2/95, de 30 de Maio, aprova a Política Nacional do Turismo; a Lei n° 4/04, aprova a Lei do
Turismo; o Decreto do Conselho de Ministros nº 5/76, de 5 de Fevereiro, aprova o Regulamento de
nacionalização dos prédios.
6 Seleccionamos apenas a legislação em vigor. Entretanto, em relação à legislação revogada é importante
conhecer os seguintes diplomas: a Constituição da República de 1975; a Lei nº 6/79, de 3 de Julho, que
aprova a Lei de Terras; a Lei nº 1/86, de 16 de Abril, que altera a Lei de terras nº 6/79; o Decreto do
Conselho de Ministros nº 16/87, de 15 de Julho, que aprova o Regulamento da Lei de terras de 1979; o
Diploma Ministerial ( do Ministério da Agricultura) nº 118/87, de 21 de Outubro, Determina o valor do
aproveitamento da terra; a Constituição da República de 1990.
7 Vide as colectâneas organizadas pela Faculdade de Direito da UEM, pelo Centro de Formação Jurídica e
Judiciária (CFJJ) e pelo Ministério da Agricultura (MINAG), etc.
8 Publicado no Boletim da República nº 20, Iª Série, Suplemento, de 18 de Maio de 1989.
9 Publicado no Boletim da República nº 9, Iª Série, Suplemento, de 28 de Fevereiro de 1996.
10 Publicada no Boletim da República nº 40, Iª Série, 3° Suplemento, de 07 de Outubro de 1997.
11 Publicado no Boletim da República nº 48, Iª Série, 3° Suplemento, de 08 de Dezembro de 1998. Julgo que
hoje com a existência de um Regulamento do Solo Urbano não se justifica a utilização da designação
Regulamento da Lei de Terras, dado o facto, deste documento claramente se destinar a terra rural,
segundo o artigo 2 do Decreto que estamos a citar. Na verdade, aquela designação pode induzir a ideia
de que o Regulamento da Lei de Terras abrange quer a terra rural como a urbana, o que não é verdade.
12 Publicado no Boletim da República nº 11, Iª Série, 1° Suplemento, de 17 de Março de 2000.
13 Publicado no Boletim da República nº 24, Iª Série, 1° Suplemento, de 16 de Junho de 1999.
14 Publicado no Boletim da República nº 41, Iª Série, 2° Suplemento, de 15 de Outubro de 1999.
15 Publicado no Boletim da República n/ Iª Série, Suplemento, de 18 de Fevereiro de 2003.
16 Publicado no Boletim da República n/ Iª Série, Suplemento, de 26 de Dezembro de 2006.
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Tendo por base os factos acima expostos, optamos por fazer o presente trabalho
incidir apenas sobre aqueles diplomas que, de forma expressa e crítica, foram
materialmente abordados durante os debates.
Serão, então, os seguintes os diplomas objecto de análises, com vista à avaliação
sobre o grau de implementação da legislação sobre terras e as necessidades de reforma:
17 ACOSTA, Rolando Pavó; CARRILLO, Juan Ramón Pérez. La codificacion del derecho agrário cubano en el
nuevo milenio: un debate necesario. In: BARROSO, Lucas Abreu; MANIGLIA, Elisabete; MIRANDA, Alcir
Gursen de (Coord.). El nuevo derecho agrario. Curitiba: Juruá, 2010. p. 189-212.
18 Resolução do Conselho de Ministros nº 10/95, de 17 de Outubro, aprova a Política Nacional de Terras e
QUADROS, Maria da Conceição de (Coord.). Manual de direito de terra. Maputo: CFJJ, 2004. p. 6 -10.
A PNT toma em conta os principais usos da terra, incluindo o uso agrário, urbano,
mineiro, turístico e para infraestruturas produtivas e sociais, tendo em conta a protecção
ambiental. A base da PNT é consensual e estabelece os mecanismos pelos quais os
recursos naturais podem ser explorados duma maneira equitativa e sustentável.
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3. Principais inovações
19 Segundo o saudoso Professor José Negrão (1996, p. 6) “[...] existe uma distinção entre mercados de terras
e mercados de títulos de terra, enquanto no primeiro se negoceia a transferência da propriedade, no
segundo transferem-se os títulos de uso e aproveitamento, permanecendo o Estado sempre como o
proprietário dos recursos, embora os direitos de uso possam ser negociados entre terceiros [...]”. É
verdade que existe argumento contrario aquela pretensão que defende que as comunidades facilmente
seriam enganadas e mesmo forçadas a venderem as suas terras por uma ninharia, o que iria por em causa
a segurança alimentar de grande número de camponeses. O Estado tem, pois, a obrigação de proteger os
seus cidadãos, não podendo, portanto, permitir a total liberalização do mercado de títulos de terra.
20 Não significa com a nossa opção, que não haja potenciais conflitos de terra, em resultado do processo de
desenvolvimento do país e a concorrência pelos melhores recursos do país. Para mais desenvolvimento
ver TANNER, Christopher. As bases sociologicas e politicas da lei de teras de Moçambique. Maputo: FAO;
CFJJ, 2004. p. 1.
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profundo e critico.
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25 COMOANE, Paulo. A natureza jurídica do direito de uso e aproveitamento da terra. In: CONFERÊNCIA
COMEMORATIVA DOS 10 ANOS DA LEI DE TERRAS, Maputo, 2007. Anais … Maputo: CFJJ; Ministério da
Justiça, 2007. p. 8,
2. Nas áreas rurais, segundo o art. 14 do RLT-1998, são deveres dos titulares do DUAT,
seja atribuido por ocupação ou por autorização de um pedido, os seguintes:
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3. Nas áreas urbanas, segundo o art. 34 do RSU – 2006, são deveres dos titulares do
DUAT os seguintes:
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A definição doutrinal
Para Diogo Freitas do Amaral, o procedimento administrativo é "a sequência
juridicamente ordenada de actos e formalidades tendentes à preparação da prática de um
acto da administração ou à sua execução”30.
Assim, qualquer que seja a definição retida, o processo administrativo apresenta-
se como constituído por uma série de actos e formalidades que procedem e preparem a
decisão administrativa. Neste caso, seria a sequência de actos e formalidades que vão
preparar a acto administrativo de autorização o reconhecimento de um DUAT.
Na verdade, o procedimento regula o exercício das prerrogativas do poder público
e as dos direitos e liberdades públicas. No âmbito da simplificação de procedimentos
administrativo (PA) é fundamental avaliar a conveniência, a justificação do PA imposto
pelo RLT-1998, tendo em conta às necessidades de promover decisões administrativas
céleres, claro, preservando a segurança e certezas jurídicas.
Tendo com base a Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, que regula a formação da
vontade da Administração, estabelece as normas de defesa dos direitos e interesses dos
particulares e a doutrina, podemos descortinar entre as diferentes fases possíveis do
procedimento administrativo: a iniciativa (1), a informação (2), a consulta (3), a
contradição (4), os prazos (5), a decisão (6) e a fase complementar (7).
Entretanto, segundo o RLT – 1998, o PA relativo à autorização ou ao
reconhecimento de DUAT pode se estruturar em três tipos:
30 AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1998. v. 3, p. 164-165.
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actos e formalidades que correm desde a entrada do requerimento do pedido da terra até
a tomada de decisão, dada a relativa complexidada dos conteúdos dos artigos 24 – 33 do
RLT-1998.
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33 Para a aquisição do DUAT via pedido a Lei de Terras n° 19/97, no seu artigo 22 distribui as competências
em função da dimensão da área requerida, assim: n°1, alinea a) o Governador Provincial autoriza
pedidos de DUAT de áres até 1000 hectares, [...] n° 2, alinea a) o Ministro da Agricultura autoriza pedidos
de DUAT de áreas entre 1000 e 10000 hectares [...] e n° 3, alinéa a) o Conselho de Ministros autoriza
pedidos em áreas que ultrapassam o limite maximo do Ministro de Agricultura.
34 CHIZIANE, Eduardo. As tendências da re-concentraçao e re-centralizaçao do poder administrativo em
Moçambique. 2009, p. 42.
35 Ibidem, p. 31.
- O procedimento deve ser concluído no prazo de 25 dias, a menos que outro prazo
decorra da lei ou, seja imposto por circunstâncias excepcionais (artigo 76, n° 1);
e
- Os interessados devem ser informados da justificação pelo órgão da conclusão
do procedimento nos prazos legais e, sendo previsível, da data em que a
resolução definitiva é tomada;
Esta disciplina dos prazos da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, parece se impor aos
PA ligados a atribuiçao ou reconhecimento de DUAT nas áreas rurais. Assim, entendemos
que se devem estruturar os diferentes actos e formalidades que antecedem a decisão
dentro do prazo de 25 dias.
Tendo em conta o facto de a Lei n° 14/2001, de 10 de Agosto, ser recente
justificaria-se uma medida administrativa dos Serviços Centrais do Cadastro em:
primeiro, ajustar o PA aos 25 dias e segundo, produzir uma circular informativa aos
sectores que lidam com a administração da terra.
Razao de ordem: A ENAT visa melhorar a segurança do uso e posse para todos os
usuários de terras, através de um sistema eficaz, transparente e equitativo de
administração de terras em todo o país. Contribuir para uma boa governação, através da
criação de uma administração de terras descentralizada, que seja acessível e sensível às
necessidades de todos os usuários da terra. Hoje, a Administração da terra é confrontada
com a multiplicidade de organismos públicos que tem atribuições e competências na
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- Abordagens estratégicas para garantir a posse da terra. Isto inclui opções para a
melhoria dos procedimentos existentes em áreas-chave, tais como
regularização fundiária, titulação de terras, delimitação, e a adopção de
princípios de "fronteira geral";
- O status dos registos dos direitos a terra e a necessidade de completar e
harmonizar os registos de bancos de dados de terra. Opções para isso incluem o
desenvolvimento de um Sistema de Gestão da Informação de Terras (LIMS do
Land Information Management System) e outros instrumentos. Também estão
incluídos na necessidade de tornar a informação geral de registos de terra
acessível ao público;
- Regularização de posse em áreas prioritárias. Inclui trazer proprietários de terra
efectivos e de boa-fé ao sistema público de administração da terra, auditoria e
regularização de DUATs existentes que estão em conflito, e eventualmente
converter títulos DUAT provisórios em definitivos;
- Novo sistema de registo de títulos. O sistema actual será reformado para se tornar
mais inclusivo, transparente, simples e acessível a todos os usuários da terra.
Passagem de um sistema reactivo para um sistema proactivo;
- O sistema de imposto sobre a terra. As opções aqui incluem simplesmente elevar
o nível actual de tributação; introduzindo novas categorias de tributação para
promover a melhor utilização da terra, evitando a penalização dos usuários da
terra local (pequenos agricultores e comunidades);
- A forma e localização da administração da terra e do cadastro nacional. As
opções podem ser implementadas de forma faseada: a) numa primeira fase
deixando a separação entre o presente cadastro e o Registo Predial; b) numa
segunda fase integrando os dois num único cadastro unificado. Nesta fase
também se deve integrar a passagem da Administração da Terra para uma
Instituição Independente, essencialmente com função de coordenação, gestão,
supervisão e fiscalização de toda a terra nacional;
- Monitoria do impacto social e de género na administração da terra. Opções para
integração do género e questões dos direitos das mulheres incluem a formação
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Por fim, é preciso sempre ter presente o artigo 12, n° 1, da Lei n° 8/2003, de 19 de
Maio, que considera o Distrito como a “unidade territorial principal da organização e
funcionamento da administração local do Estado e a base da planificação do
desenvolvimento económico, social e cultural da República de Moçambique”. Assim, o
ANT deverá colocar serviços a este nível para ajudar a materializar este desiderato legal.
38 DUARTE, Diogo. O registo do DUAT. In: CISTAC, Gilles; CHIZIANE, Eduardo. Aspectos jurídicos, económicos
e sociais do uso e aproveitamento da terra. Maputo: Imprensa Universitária - UEM, 2003. p. 54.
39 Idem.
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obrigatório (artigo 20, n° 3 e n° 5), relativamente a factos que tenham reflexos na situação
jurídica das terras, registo esse que deveria ser efectuado junto dos serviços do cadastro
(artigo 3, n° 1 do RLT-1998), apenas ocorreria nas zonas não abrangidas pelas áreas de
jurisdição dos munícipios que possuam serviços municipais de cadastro (artigo 2 do RLT-
1998).
Segunda observação. A ideia inicial do legislador parece ter sido a de que nestas
áreas – as que se encontram fora da jurisdição de municípios que possuam serviços de
cadastro – o registo no Cadastro Nacional de Terras, efectuado pelos serviços de cadastro,
pudesse substituir o registo predial, sendo que apenas nas áreas sob jurisdição dos
munícipios este deveria continuar a ser efectuado.40
Surgiram, no entanto, alguns problemas graves: nenhuma disposição existia que se
referisse aos EFEITOS do registo no Cadastro Nacional de Terras, e daí decorria que não
era possível determinar qual a consequência do registo sobre o DUAT que o registo
cadastral visa publicitar? Seria constitutivo? Seria enunciativo?
A legislação sobre terras não se refere aos efeitos do registo no CNT e que seja
compatível com a ideia da mobilidade, da transferência de DUAT. O registo no CNT não
tem qualquer efeito sobre as situações substantivas, nem implica a formação de qualquer
fé pública registral. Assim, deve entender-se que ele não acarreta nenhuma presunção de
ordem civil. O registo no CNT funciona apenas como uma base de dados que se pode
apresentar de grande importância, tanto para o Estado como para os particulares,
nomeadamente investidores.
mesma política. Assim, dúvidas não há de que podem ser integrados. Entretanto, é preciso
avaliar se a integração seria total ou parcial, por um lado. E, promover o respeito do
princípio da desconcentração e descentralização dentro dessa estrutura integrada, como
vimos acima, por outro lado.
A viabilidade da criação do Cadastro Nacional Único, embora descentralizado e
desconcentrado, tem como fundamento o facto de haver uma unicidade nos dois
cadastros da função do registo do DUAT, no objecto do registo (que é o registo do DUAT
essencialmente) e dos efeitos do registo. A única diferença de peso é a incidência
geografica.
Deve-se, pois, avançar com um Sistema de Registo único Multifuncional.41
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REFERÊNCIAS
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MANIGLIA, Elisabete; MIRANDA, Alcir Gursen de (Coord.). El nuevo derecho agrario.
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AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1998. v.
3.
BALEIRA, Sergio; TANNER, Christopher et al. Pesquisa sobre parcerias entre comunidades
locais e investidores do sector privado. Matola: CFJJ, 2008.
CALENGO, André Jaime. Lei de terras anotada e comentada. Maputo: CFJJ, 2005.
______. Implicações jurídicas do debate actual da legislação sobre terras. Maputo, 2007.
Disponível em: < http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Chiziane-
Eduardo-IMPLICACOES-JURIDICAS-DO-DEBATE-SOBRE-A-IMPLEMENTACAO-DA-
LEGISLACAO-DE-TERRAS.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2017.
DUARTE, Diogo. O registo do DUAT. In: CISTAC, Gilles; CHIZIANE, Eduardo. Aspectos
jurídicos, económicos e sociais do uso e aproveitamento da terra. Maputo: Imprensa
Universitária - UEM, 2003. p. 52-74.
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______. MINAG (DNTF) e MCA. Analise ao quadro de politicas e legislação sobre terras de
Moçambique: proposta de roteiro para o processo de consulta. 2010.
______. MINAG (DNTF) e MCA. Analise institucional e planos de trabalho para capacitação.
2011.
NEGRÃO, José. Que politicas de terras para Moçambique? Conferência Nacional de Terras,
Núcleo de Estudos da Terra, 1996.
SERRA JÚNIOR, Carlos. Colectânea de legislação sobre terras. Maputo: CFJJ, 2009.
TANNER, Christopher; BALEIRA, Sergio. Conflito no acesso e gestão dos recursos naturais
em Moçambique. Maputo: CFJJ; FAO, 2004.
Como citar este artigo: CHIZIANE, Eduardo. Aspectos jurídicos do papel da administração
pública na gestão da terra em Moçambique. Revista Direito & Justiça Social, Vila Velha, v.
1, n. 1, p. 133-167, jan./jul. 2017.
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