O Oxford English Dictionary afirma que o substantivo cláusula não era encontrado no
Latim antigo, situando a origem do vocábulo no francês medieval, grafada clause,
2
chegando ao inglês, inicialmente, com as seguintes grafias: claus, clawse e clausse.
< latin clausa “membre de phrase”, de claudere � clore > * “Disposition particulière
5
d’un acte”.
Ao estipular uma cláusula penal em contrato celebrado entre duas empresas, ambas têm
por objetivo assegurar-se de que a outra parte cumprirá com o avençado e que, se não
7
o fizer, sofrerá punição pecuniária considerável.
De origem romana, a stipulatio pœnae era verdadeira pena privada, sanção de caráter
repressivo, devida em sua integralidade, mesmo no caso de impossibilidade de execução
por caso fortuito, não isentando o devedor nem mesmo quando cumpria parcialmente
8
sua obrigação. Tinha, portanto, caráter eminentemente sancionatório.
Na Idade Média, como a doutrina católica passou a proibir a usura, a partir do Primeiro
Concílio de Niceia (atual Iznik, na Turquia), convocado pelo Imperador Constantino I
(272-337) em 325 A.D., a cláusula penal foi considerada um possível meio para
dissimular tal “pecado”, pois poderia proporcionar ao credor soma superior ao capital
emprestado. A partir daí, adquiriu caráter indenizatório, reduzindo-se seu valor ao da
compensação pelas perdas incorridas pelo credor.
Limongi França enfatiza a gravidade com que era considerada a inadimplência, na época,
9
o que ensejava punições severas aos devedores.
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Da cláusula penal nos contratos empresariais - Visão dos
tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
No direito brasileiro, foi trazida pelas Ordenações do Reino, L. IV, Tit. LXX – “Das penas
convecionaes e judiciaes e interesses em que casos se podem levar” e constavam do
Anteprojeto do Código Civil elaborado por Teixeira de Freitas.
Entre nós, no início do século 20, escreveu Mucio Continentino pioneira monografia sobre
o tema, na qual afirmou ser a cláusula penal, no Direito Romano, “a única sanção de
cumprimento da nuda pactiones, tida como elemento indispensável na transação e no
compromisso”. Tinha por função precípua não a reparação do dano causado pelo
11
inadimplemento, “mas a repressão de delicto commettido pelo devedor não cumprido”.
A teor do art. 1.226 do Code Napoléon, de 17.02.1804, cláusula penal é “aquela pela
qual uma pessoa, para assegurar o cumprimento de um acordo, compromete-se a algo
12
em caso de inexecução”.
Como se verá, ao examinarmos, mais adiante, julgados recentes dos tribunais da Europa
e a doutrina europeia, equivoca-se Gustavo Tepedino ao apontar tendência europeia de
14
afastar o caráter punitivo da cláusula penal compensatória. Bem ao contrário: na
Europa e nos Estados Unidos, a tendência é impor ao devedor severa punição pecuniária
pelo inadimplemento das obrigações assumidas.
Claro está que, em caso de inadimplemento parcial da obrigação, nada mais justo do
que admitir a redução do valor da pena, até mesmo por uma questão de equidade, e tal
situação é prevista em todas as legislações sobre o tema, tanto a brasileira quanto a
estrangeira. Essa situação não é objeto de nossas considerações no presente trabalho.
Pouco importa se o inadimplemento se deu por dolo ou culpa. Por dolo, é evidente o
surgimento da obrigação de pagar a multa, já que oriunda de ato ilícito; por culpa, o art.
408, do Código Civil brasileiro, estipula que: “Incorre de pleno direito o devedor na
cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua
em mora”.
O problema, nesse tópico, é o conteúdo dos arts. 412 e 413, dispositivos, a nosso ver,
excessivamente paternalistas, e assim redigidos:
Art. 412. “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal”.
Art. 413. “A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
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Da cláusula penal nos contratos empresariais - Visão dos
tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
O art. 412 corresponde ao art. 920 do CC/1916 e, já naquela época, Clóvis Bevilaqua
fazia acerbas críticas a seu teor, afirmando que “o limite imposto à pena por este artigo
não se justifica. Nasceu da prevenção contra a usura, uma restrição à liberdade das
16
convenções, que mais perturba do que tutela os legítimos interesses”.
Já o art. 413 corresponde ao art. 924 do CC/1916, com a diferença que, no Código
anterior, o dispositivo somente previa ma redução proporcional em caso de mora ou
inadimplemento, ou seja, quando cumprida parcialmente a obrigação.
Com a globalização das relações econômicas, processo que se acelera cada vez mais, as
empresas buscam mercados com base em diversos fatores, tais como: (a) menor
tributação; (b) mais incentivos fiscais; (c) crescimento do poder aquisitivo da população,
especialmente do público-alvo dos produtos ou dos serviços ofertados; (d) infraestrutura
do país; (e) condições econômicas favoráveis (taxas de câmbio aceitáveis, moeda
estável, inflação em patamares reduzidos); (f) facilidade de trâmites burocráticos para
abrir, gerir e fechar empresas; (g) legislação trabalhista não excessivamente protetiva
ao trabalhador; e (h) menor interferência governamental no mercado.
Há um elemento, no entanto, que parece pesar bastante depois que os demais são
estudados: a segurança jurídica.
Por cumprimento dos contratos, deve-se entender cumprimento total dos contratos, isto
é, já que o contrato “faz lei entre as partes”, absolutamente todas as suas cláusulas
devem ser respeitadas pelas partes e, se isso não ocorrer, o Poder Judiciário (ou um
Tribunal Arbitral) se encarregará de impor exatamente as sanções previstas no contrato
e/ou na legislação.
Quando a Justiça se mostra, de forma injustificada, leniente com uma das partes,
certamente não se poderá falar em segurança jurídica.
Em alguns casos particulares, como o da Lei 9.615, de 24.03.1998 (a chamada Lei Pelé,
que “institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências”, ou seja, é aplicável
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Da cláusula penal nos contratos empresariais - Visão dos
tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
Como mencionado, é uma lei especial, que regulamenta relações jurídicas entre clubes
de futebol (que, stricto sensu, no Brasil, não são “empresas”, embora em vários países
já ocorra essa caracterização) e atletas profissionais, ambos assessorados por
empresários e advogados competentes.
19
Como bem ressaltou Sílvio Rodrigues, “problema relevante nesse campo e que tem
provocado acesa controvérsia na jurisprudência, de resto ainda não superada, é o de
saber da liceidade do ajuste em que se estipula a irredutibilidade da cláusula penal,
mesmo na hipótese de cumprimento parcial da obrigação” (grifo nosso).
20
Outro clássico civilista, Orlando Gomes, manifesta-se claramente contrário à redução
da cláusula penal, assim prelecionando: “o princípio da moderação judicial das penas
convencionais, adotado em limitações de caráter objetivo, é manifestamente
inconveniente. Além das dificuldades de se definir o que seja cláusula penal excessiva, a
intervenção arbitrária do juiz inutilizaria a estipulação da pena”.
• reduzir judicialmente a cláusula penal só faz sentido se aquele que violou o contrato
cumpriu-o ao menos em parte, ou se for o contratante economicamente mais fraco,
como ocorre na maior parte dos contratos de adesão, em especial nos de consumo;
Posição contrária à redução do valor da cláusula penal pelos Tribunais nem é sequer
matéria tão nova em nossa doutrina.
Iremos mais além, dizendo que, se nada estipularam a respeito, é porque pretendem
que seja irredutível. Do contrário, porque a teriam incluído no acordo que firmaram?
Para não ser cumprida na íntegra? Não faz o menor sentido!
No Brasil, sofremos muito, ainda, no campo econômico, de duas nefastas influências: (a)
a da Igreja Católica, que se recusa obstinadamente a entender e a aceitar conceitos
básicos da Economia, como, por exemplo, o de que juros normais de mercado não
constituem forma de usura, e sim, representam o “preço” da mercadoria denominada
“dinheiro”, que sobem quando há escassez da “mercadoria” e baixam quando há mais
abundância, simples aplicação da lei da oferta e da demanda; e (b) a influência, não
menos retrógrada, das Teorias Desenvolvimentistas, criticadas pelos economistas
adeptos do livre-mercado, que cunharam frases de efeito, tais como “ Os mercados
23
imperfeitos são superiores ao planejamento imperfeito”.
Muitas dessas teorias mencionadas no item (b) tiveram origem na Cepal – Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe, criada em 25.02.1948, pelo Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc), com sede em Santiago, Chile. Uma
delas é a do “centro-periferia”, que considera que os países “periféricos” – isto é, os que
exportam produtos primários – jamais se desenvolverão, pois os preços dos produtos
que importam, tais como maquinário e veículos, aumentam de preço mais rapidamente
do que os dos produtos primários. Em outras palavras, se em 1955, eram necessárias
duas toneladas de milho para comprar um trator, em 1960 já seriam necessárias três
toneladas.
Ocorre que nossas leis são feitas por um Parlamento no qual ainda prevalecem ideias
antiquadas sobre a Economia, sejam as oriundas do conceito medieval de “usura” da
Igreja, seja as influenciadas por essas teorias ultrapassadas de “desenvolvimentismo”, e
significativa parcela de nossos deputados e senadores não entendem (ou fingem não
entender) a dinâmica capitalista, que prevalece no Mundo, atualmente.
Ao comentar o mencionado art. 413 do Código Civil, Judith Martins-Costa afirma que a
cláusula geral nele contida:
Lamentavelmente, a falta de respeito aos contratos é um dos fatores que mais afastam
investidores estrangeiros em nosso País, pois gera compreensível insegurança jurídica,
justamente porque, caso não cumpridos, não se pode assegurar que a quebra do
contrato será penalizada conforme estipulado pelas partes.
É que o Brasil é o único país do mundo no qual se reconhece função social aos contratos
e à propriedade, de forma absoluta, inclusive em lei, tida por muitos como um “avanço”,
26
posição da qual discordamos frontalmente. Nos países industrializados, impera a
função econômica dos contratos e da propriedade.
Nos países anglo-saxônicos, por exemplo, respeita-se o pilar da sanctity of the contracts
(= a santidade dos contratos), que nada mais é do que a cláusula pacta sunt servanda
do Direito Romano-germânico – com a diferença de que naqueles países o Judiciário é
implacável com os que violam contratos, principalmente os empresariais.
Uma rápida incursão nos sistemas jurídicos de alguns Estados permite constatar que
outros parâmetros ou critérios poderia o legislador brasileiro adotar – e, enquanto não
ocorre uma mudança legislativa, o Poder Judiciário – para melhor avaliar como se
procede à punição daqueles que violam contratos que contêm cláusula penal.
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Da cláusula penal nos contratos empresariais - Visão dos
tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
A seguir, firma contrato, no Brasil, com uma grande academia de ginástica, que tem
inúmeras filiais no País, e mesmo ações em Bolsa de Valores, cujo valor de mercado é de
milhões de reais.
Após um ano, tendo absorvido todo o know how da novel atividade física (que era
comercializada com o nome “X”), alegando desinteresse comercial, propôs romper o
contrato e ambas assinaram um distrato, pela qual a grande empresa brasileira deveria
abster-se de oferecer a modalidade “X”, sob pena de pagar R$ 5.000 por dia de
descumprimento à pequena empresa brasileira (esta a cláusula penal do distrato).
Contudo, passou a oferecer o mesmíssimo método, agora sob o nome “Y” durante
muitos meses, a seus clientes.
Tampouco deve ser considerado que a obrigação fora “parcialmente cumprida”, o que
permitiria diminuição proporcional e legalmente justificável da pena, a teor do art. 413,
1.ª parte, que permite a redução equitativa da cláusula penal pelo juiz “se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte”, o que obviamente não é o caso, pois a academia
descumpriu completamente o pactuado no distrato.
Ora, para a empresa grande, o valor a pagar é irrisório ante os vultosos ganhos que
auferiu oferecendo o método “Y”, violando, ao fazê-lo, os direitos de propriedade
intelectual da pequena empresa.
É evidente: quem pretende cumprir de boa-fé o contrato que assina, pouco se preocupa
com eventual valor elevado de multas e outras penalidades, pois não será chamado a
pagá-las. Já o contratante de má-fé – sobretudo se estimulado pelo ativismo judicial em
matéria contratual – combaterá até a morte valores elevados para as penalidades,
fazendo-se de vítima ou de hipossuficiente.
28
Interessante observação faz o jurista português Joaquim de Souza Ribeiro, que se
aplica ao caso em tela a contrario, e que se reproduz, em parte, a seguir:
“(…) incumbe muitas vezes ao Estado tomar medidas – incluindo medidas policiais –
para garantia de pessoas e bens, mas também na área da autonomia privada, por
situações de inferioridade negocial. Na verdade, quando uma das partes está submetida
ao poder contratual da outra, não gozando de suficiente margem de autónomas
afirmação e defesa dos interesses próprios, o seu assentimento ao contrato e aos seus
termos não dá qualquer garantia substancial de corporizar uma manifestação autêntica
da sua autodeterminação”(destaque nosso).
É que “os Tribunais não podem decidir apenas em função do disposto na lei ordinária,
devendo avaliar o alcance normativo dos preceitos constitucionais. Estes são direitos
29
aplicáveis, com eficácia integradora imediata dos critérios de decisão”.
E nossa Constituição garante o direito de propriedade (art. 5.º, caput), que não pode ser
plenamente exercido se a autonomia da vontade entre particulares sofrer limitações
outras que não as essencialmente referentes à ordem pública.
Qualquer outra ingerência estatal será espúria quando a lei não vedar algum
comportamento. E lei alguma limita o alcance e o valor da cláusula penal, máxime em se
tratando de contrato entre empresas.
30
Apropriadamente, Muris denomina esse comportamento da parte faltosa de
“oportunista”, pois se aproveita do saber do outro contratante, paga pouco ou nada por
ele e desenvolve o “seu” método, que é mera cópia – e busca escapar da punição da
Justiça e ainda lucrar, comercializando o produto de sua apropriação indevida da
atividade intelectual como se seu fosse.
Nada mais.
E no Brasil?
Deve ser a “função social” do contrato a proteger empresas que descumprem contratos
a grande “âncora” jurídica para que não paguem as penalidades contratualmente
previstas, sob o falso argumento de que seriam “muito elevadas”?
Tal como ocorre, em outro contexto, com os sagrados “Direitos Humanos dos
criminosos”, que muitas vezes suplantam os Direitos Humanos das vítimas, como
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Da cláusula penal nos contratos empresariais - Visão dos
tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
Não há o menor sentido em considerar abusiva a cláusula penal que ilustra o interesse
das partes em ver preservada a confidencialidade de determinado método e, de parte a
parte, pretender que o contrato seja integral e fielmente cumprido.
Como muito bem elucidam Castro Filho et al, “a cláusula penal deve intimidar o sujeito
31
passivo da obrigação a cumprir o que convencionou para não sofrer com seus efeitos”.
Muitas vezes, um contrato pode ter valor relativamente baixo, mas a marca, a patente,
a propriedade intelectual em jogo podem ter valor extremamente elevado.
É de se considerar que a cláusula penal é fixada de modo a garantir que o contrato não
seja inadimplido, já que a reparação pecuniária, embora caracterize uma punição devida
à parte inadimplente e uma tentativa de restabelecer o status quo ante, não tem o
condão de devolver à marca lesada o bom nome que tinha antes de causado o dano.
Há de prevalecer o princípio pacta sunt servanda, pelo qual “basta em geral o simples
consentimento para que tenha nascimento a obrigação contratual, porque do acordo de
vontades de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto, consubstanciado em normas
que passam a reger a vontade dos pactuantes, nasce o instituto do contrato”, conforme
32
elucida a doutrina.
E isso desde o tempo dos romanos que, como se sabe, eram gigantes do Direito Privado.
Obviamente não havia a figura jurídica de “empresa”, tal como a conhecemos hoje, na
época dos romanos. Mesmo assim, os pactos eram respeitados, sob pena de multa por
inadimplemento.
“Em regra, as partes têm liberdade em estabelecer o valor dos danos e avaliá-los na
quantia que melhor lhes aprouver, tudo isso dentro do princípio da liberdade de
contratar, podendo se estipular não só dinheiro, mas também coisas, fatos ou
abstenções”.
Nos tempos atuais, não se pode mais enxergar com os mesmos olhos a chamada “teoria
da função social do contrato”, pela qual é obrigação do juiz, diante de pena excessiva,
operar obrigatoriamente a redução equitativa, sem atender à principal função do
contrato, que é econômica, máxime em se tratando de empresas.
Já tarda em ser aplicada a boa compreensão dos contratos, que existem para ser
cumpridos e que, uma vez cumpridos, conferem segurança a ambas as partes nas
relações econômicas, não apenas entre si, mas também com terceiros.
Mantidas as decisões judiciais que “perdoam” uma das partes de pagar o que deveria,
estará chancelada (e estimulada) a quebra de contrato. Estará, igualmente, sendo
promovida a falta de comprometimento do contratante de má-fé com o contrato.
maior atenção, pois contratos respeitados movimentam a economia e, no caso, visto que
as partes são plenamente capazes de compreender aquilo que estão contratando e
sabem bem as consequências do inadimplemento, não se compreende o “afago judicial”
na parte faltosa.
É curioso, além de óbvio: nenhum Juiz de Direito se encontra presente nem é consultado
quando são assinados os instrumentos contratuais.
Então, porque um Juiz de Direito – com todo o respeito que se tem pela Magistratura –
se sente apto a modificar cláusulas livremente pactuadas, numa ingerência indevida do
Estado nas relações de cunho exclusivamente privado?
Ora, essa é uma concepção por demais arcaica e que não se coaduna com o dinamismo
do mundo empresarial atual, em que, por exemplo, a confidencialidade de determinados
projetos merece a cobertura de uma cláusula penal rigorosa, justamente para evitar que
abusos sejam cometidos por qualquer das partes contratantes e um dano irreparável
seja causado.
Reconhece-se que é do espírito da lei que os negócios jurídicos obedeçam à função social
do contrato para reequilibrar as relações entre agentes que possuem posições
econômicas particularmente díspares na relação contratual.
Pode parecer surpreendente que o Direito português se encontre tão mais avançado do
que o Direito brasileiro em matéria de contratos. Isso porque Portugal é uma pequena
nação de cerca de 10 milhões de habitantes, enquanto o Brasil é um gigante de 200
milhões. Mas é um pigmeu em Teoria dos Contratos quando se compara com Portugal.
“(…) à face do Direito português, a cláusula penal releva essencialmente quanto ao ônus
da prova: o credor não tem de provar o prejuízo sofrido, na medida em que é coberto
pela cláusula penal; é o devedor quem tem de provar que o montante fixado excede o
valor do prejuízo”.
A cláusula penal realizará uma função punitiva quando não se destinar apenas a
reconstituir a situação que existiria em caso de cumprimento, mas também o de impor
36
ao devedor remisso uma desvantagem.
Até mesmo na França, país sabidamente protecionista e conservador, bem como que
apresenta longa tradição no campo da defesa das liberdades fundamentais, vem
mudando o entendimento.
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Da cláusula penal nos contratos empresariais - Visão dos
tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
Se, em passado não tão remoto, cerca de 30 (trinta) anos até, era comum a Justiça
francesa mitigar os valores estabelecidos livremente pelas partes na cláusula penal, em
nome de certa “justiça social e distributiva”, hoje o entendimento é bem diverso.
Contudo, agora o entendimento vem sendo radicalmente alterado, como atesta Philippe
37
Delebecque, Professor na Universidade Panthéon-Sorbonne, Paris I,
“(…) si cette obligation essentielle qui fonde et cause le contrat n’a plus de consistence
(…) parce qu’elle la sanctionne d’une manière dérisoire, la stipulation censée protéger
38
celui qu’en se prévaut n’est plus qu’un chiffon de papier”.
Esse caso opôs as empresas Grande Paroisse e Sulzer Industries France (que se
transformou na Societé Burckhardt Compréssion France-BCF).
Pois bem: a BCF deveria fazer a manutenção dos compressores mas, ao fazê-lo,
provocou um sinistro que ocasionou a perda completa de um dos equipamentos, que
valia cerca de 30.000,00 (trinta mil euros). Pois bem, a sentença condenatória foi de
exatos 39.836,74 (trinta e nove mil, oitocentos e trinta e seis euros e setenta e quatro
centavos), superior, portanto, ao valor do equipamento danificado.
3. Recurso provido” (STJ, REsp 1119740 RJ 2009/0112862-6, 3.ª T., j. 27.09.2011, rel.
Min. Massami Uyeda, DJe 13.10.2011).
E também:
Possível a revisão da cláusula penal pelo juízo quando configurada a abusividade e/ou
excessiva onerosidade ao contratante desistente, à luz do que dispõe o art. 413 do CCB
(art. 924 CCB/1916) e reiterada jurisprudência. Correta a sentença que reduziu o
percentual de 25% para 10% a título de cláusula penal. Precedentes jurisprudenciais.
Apelo do autor. Majoração dos honorários sucumbenciais. O quantum de 10% sobre o
valor da condenação fixado a título de verba sucumbencial está de acordo com a
previsão contida no art. 20, caput, do CPC e, atende os parâmetros do § 3.º, do mesmo
dispositivo. A matéria discutida no feito é singela, e, dispensou maiores esforços
probatórios e tempo de labor dos procuradores, sendo que o feito foi julgado na forma
do art. 330, I, do CPC. Mantida a condenação honorária. Apelos desprovidos” (TJRS,
ApCiv 70059132548, 20.ª Câm. Civ., rel. Glênio José Wasserstein Hekman, j.
28.05.2014).
E ainda:
Ademais, a turma julgadora entendeu que a pequena empresa brasileira não sofrera
danos morais, o que é ainda mais difícil de entender e aceitar.
A poderosa academia, e outras grandes empresas, podem até mesmo ser incentivadas a
repetir tal conduta, pois o “pedágio” a pagar por plágios não parece ser muito elevado.
“Ap 026539-30.201.8.26.010
Esta decisão vem sendo combatida no Superior Tribunal de Justiça, onde se propugna
pela mudança no paradigma até agora adotado pela Justiça brasileira, embora, como
mencionado, o acórdão transcrito já represente certo avanço, pois aumentou o valor da
cláusula penal, embora o montante não tenha seguido o que dispunha o contrato
(distrato).
No Brasil, aliás, uma das poucas vozes da Magistratura, mais modernas e inspiradoras
sobre a mais avançada forma de interpretação dos contratos, completamente dissonante
da visão pedestre e inadequada da cláusula penal pelos Tribunais pátrios, sempre a
reduzindo em nome da “função social do contrato” (aliás, expressão usada de forma
abusiva, inadequada e indiscriminada), é a da ilustre Min. Nancy Andrighi, STJ, aliás,
pioneira em seus famosos julgados, em diversas áreas jurídicas.
Com efeito, a Min. Nancy Andrighi, no REsp 803.481, fez justa crítica ao princípio da
função social dos contratos, como se observa do excerto transcrito a seguir:
“ A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e
natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se
esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer,
tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das
condições da lavoura (…)” (STJ, REsp 803481/GO, 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi
(1118), j. 28.06.2007, DJ 01.08.2007, p. 462 – destaque nosso).
4. Conclusões
1. No Brasil, atualmente, a grande maioria das decisões judiciais sobre a cláusula penal
é no sentido de reduzir o valor a pagar pela parte faltosa.
provocar enriquecimento sem causa da parte que viola o contrato, muitas vezes a
economicamente mais forte, o que é, de per si, uma contradictio in terminis.
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1 Black’s Law Dictionary. 8. ed., St. Paul, Minn.: West Law Group, 2004, p. 267. Esse
dicionário remete, igualmente, para um significado constitucional do termo, na
expressão “Contracts Clause” (com iniciais maiúsculas): “The clause of the U.S.
Constitution prohibiting states from passing a law that would impair private contractual
obligations. The Supreme Court has generally interpreted this clause so that states can
regulate private contractual obligations if the regulation is reasonable and necessary to
serve an important public purpose. U.S. Const. art. I, § 10, cl. 1 – Also termed Contract
Clause; Obligation of Contracts Clause” (p. 351).
2 The Oxford English Dictionary. 2. ed. Oxford: Clarendon Press, 1989. vol. III, p. 285.
Também indica clause como verbo (clausular) = To construct clauses.
7 Ver sobre o problema do acesso à Justiça a obra clássica Access to Justice: the
Worldwide Movement to make Rights Effective, de Mauro Cappelletti e Bryan Garth,
Milão, Dott. A. Giuffrè, 1978 (há uma tradução para o português, publicada em 1988.
pela Sergio Antonio Fabris Ed., de Porto Alegre, com o título Acesso à Justiça). Também:
René David, Une Enquête Internationale sur l’Accès à la Justice, Revue Internationale de
Droit Comparé, vol. 31, nr. 4, out.-dez. 1979, p. 949-971; Thierry Bourgoignie,
Introduction, Revue Internationale de Droit Comparé, vol. 34, n. 3, jul.-set. 1982, p.
507-518; e Thomas E. Carbonneau, L’Accès à la Justice aux U.S.A.: vers une Éthique
plus Humaniste à Travers les Leçons du Droit Comparé, Revue Internationale de Droit
Comparé, vol. 40, nr. 3, jul.-set. 1988, p. 539-562.
9 FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva,
1988, p. 27-28.
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Da cláusula penal nos contratos empresariais - Visão dos
tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
12 No original: “La clause pénale est celle par laquelle une personne, pour assurer
l’exécution d’une convention, s’engage à quelque chose en cas d’inexécution” (trad. livre
nossa).
13 TARTUCE, Flávio. Direito civil (direito das obrigações e responsabilidade civil). 9. ed.
Método, 2014. vol. 2, p. 440, também, p. 243.
16 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Estácio de Sá, 1932, p. 57.
18 Vide, a respeito, alentado estudo sobre o tema: SPINELLI, Rodrigo. A cláusula penal
nos contratos dos atletas profissionais de futebol. São Paulo: Ed. LTr, 2011, p. 80.
21 SANTOS, Milton Evaristo. Da redução da cláusula penal. Revista dos Tribunais. vol.
262. jul. 1958. p. 12-21.
22 Decisão em Revista dos Tribunais, vol. 273, p. 300-302, São Paulo: Ed. RT, ago.
1957.
25 ROSENWALD, Nelson. Cláusula penal – A pena privada nas relações negociais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, Código Civil de 2002, Método, 2007.
26 Defende essa corrente, a nosso ver, equivocada, e que enseja a redução da cláusula
penal pelos Tribunais brasileiros, com todas as graves consequências apontadas para a
Economia do País, Flávio Tartuce, em várias obras, tais como Função social dos contratos
(do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002), Método, 2007.
27 BEALE, Hugh G.; BISHOP, William D.; FURMSTON, Michael P. Contract – Cases &
Materials. 5. ed. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 697-698. Compartilham do
mesmo entendimento CLARKSON, Kenneth W.; MILLER, Roger Leroy; MURIS, Timothy J.
Liquidated Damages versus Penalties: Sense or Nonsense? In: GOLDBERG, Victor P.
(ed.). Readings in the Economics of Contract Law. Cambridge: Cambridge University
Press, 2010. p. 152-160.
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tribunais brasileiros e necessidade de mudança de
paradigma
28 RIBEIRO, Joaquim de Souza. Direito dos contratos – Estudos. Coimbra: Coimbra Ed.,
2007, p. 26.
29 Canaris, Claus-Wilhem. Grundrechte und Privatrecht, 184 Archiv für die civilistische
Praxis, 1984, pp. 201-246.
31 CASTRO FILHO; ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos; MESQUITA, Eduardo Melo de;
SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Comentários ao Código Civil brasileiro (Arruda Alvim e
Thereza Alvim coords.). Rio de Janeiro: Forense, 2006. vol. IV, p. 561.
32 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 173 (grifo nosso).
38 [= “se essa obrigação essencial na qual se baseia e dá causa ao contrato não tiver
mais consistência (…) porque ela sanciona de uma forma irrisória, a estipulação
destinada a proteger aquele a quem a aproveita, não será mais do que um mero pedaço
de papel” (trad. livre dos signatários].
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