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-Chicago? - perguntou.

Foi sua última manifestação de esperança, porque o que viu a seguir não se parecia com
qualquer cidade. O fazendeiro não respondeu. A última esperança se apagou.
3 - Um Mundo - Ou Muitos Mundos?

Logo depois da entrevista concedida à imprensa, a respeito de sua próxima expedição à


Terra, Bel Arvardan sentiu-se em paz com os cem milhões de sistemas estelares que
compunham o extenso Império Galáctico. Não era mais questão de ser conhecido em um ou
outro Setor. Quando suas teorias sobre a Terra ficassem comprovadas, sua reputação se
expandiria por todos os planetas habitados da Via Láctea e por todos os outros planetas
descobertos pelos Homens durante as centenas de milhares de anos de expansão pelo Espaço.
Estava encarando esta fama em potencial, e considerando os puros e rarefeitos píncaros
intelectuais da ciência relativamente cedo, mas seu caminho não fora fácil. Tinha apenas trinta
e cinco anos, mas sua carreira estava salpicada de controvérsias. Tudo começou com uma
verdadeira explosão que abalou a venerável universidade da Arturo, quando se formou
Arqueólogo-Mor, com apenas vinte e três anos - uma façanha sem precedentes. A explosão -
que foi intelectual - se deu quando o Jornal da Associação Arqueológica Galáctica se recusou
em publicar sua Dissertação. Era a primeira vez na história da Universidade que se verificava
um fato destes. E era a primeira vez na história do jornal que uma recusa era formulada em
termos tão grosseiros.
Para alguém que não fosse arqueólogo, os motivos de tamanha raiva contra uma tese
obscura e seca, intitulada Da Antiguidade dos Artefatos no Setor de Sírio, com Considerações
sobre Aplicação na Hipótese de Radiação nas Origens Humanas poderiam parecer bastante
misteriosos. A primeira razão, porém, estava no fato de Arvardan ter adotado logo no começo
as hipóteses enunciadas em outros tempos por um certo grupo de místicos que se preocupavam
mais com a metafísica do que com a arqueologia. Afirmavam eles que a Humanidade tinha se
originado num único planeta, irradiando-se gradualmente por toda a Galáxia. Era a teoria
favorita dos autores de ficção cientifica da época, e ao mesmo tempo, o escândalo aos olhos
de qualquer arqueólogo respeitável do Império.
Todavia, Arvardan adquiriu uma força que não podia ser ignorada mesmo pelos mais
respeitados, porque numa década transformou-se na mais alta autoridade no campo dos
remanescentes de culturas pré-imperiais ainda existentes nos cantos mais remotos da Galáxia.
Tinha, entre outras coisas, escrito uma monografia sobre a civilização mecanistica do
Setor de Rigel, onde o desenvolvimento da robótica criara uma cultura distinta que se manteve
durante séculos, até que a suprema perfeição dos escravos de metal desfalcou a tal ponto a
iniciativa humana que as vigorosas frotas de Moray, Senhor da Guerra, se apropriaram do
controle sem fazer esforços. A arqueologia ortodoxa proclamava insistentemente que os tipos
Humanos eram o produto de uma evolução independente nos vários planetas e citavam a
exemplo culturas anômalas, como a de Rigel, para mostrar as diferenças raciais ainda não
desaparecidas por consequências de mestiçagens. Arvardan aniquilou estes conceitos
demonstrando que a cultura robótica de Rigel era uma consequência natural das forças
econômicas e sociais dos tempos naquela região.
explicar os pontos essenciais, procurador, para que possa chegar a uma conclusão pessoal. O
sistema nervoso dos humanos - e dos animais - é composto de material neuro-proteico. Este
material consiste de grandes moléculas com um precário equilíbrio elétrico. O menor estímulo
pode desequilibrar uma molécula, que para recuperar seu equilíbrio, desequilibrará a
próxima, e este processo se repete até alcançar o cérebro. O próprio cérebro é um imenso
agrupamento de moléculas similares, interligadas de todas as maneiras possíveis.
Considerando que o número destas neuro-proteinas do cérebro equivale a dez à vigésima
potência - que seria um dez, seguido por vinte zeros - o número das combinações possíveis é
quase impossível de calcular. O número é a tal ponto imenso, que se todos os elétrons e os
prótons do universo se transformassem eles mesmos em universos, e se todos os prótons e
elétrons destes novos universos também se transformassem em outros universos, todos os
prótons e elétrons de todos estes universos ainda seriam pouca coisa em comparação... Você
está seguindo meu raciocínio?
- Graças às Estrelas, não entendi nada. Acho que se eu tentasse entender, acabaria latindo
como um cachorro, por causa da dor que isto provocaria em meu intelecto.
- Hum. Bom, de qualquer forma, o que chamamos de impulsos nervosos, são apenas o
resultado do progressivo desequilíbrio eletrônico que avança pelo nervo até alcançar o
cérebro e depois do cérebro volta a progredir pelos nervos. Isto está claro?
- Sim.
- Neste caso, seja abençoado por ser um gênio. Enquanto este impulso continua numa
célula nervosa, seu progresso é rápido, porque as neuro-proteinas estão praticamente em
contato. Todavia, a extensão de uma célula nervosa é limitada, e entre uma e a outra célula
nervosa existe uma divisão muito fina de tecido não-nervoso. Isto significa que duas células
nervosas não se encontram em contato direto.
- Entendi - falou Ennius. - Isto significa que o impulso nervoso precisa pular a barreira.
- Isto mesmo! A divisão diminui a força do impulso e reduz a velocidade da transmissão,
à razão do quadrado de sua espessura. A mesma regra vale para o cérebro. Agora, imagine o
que aconteceria se pudéssemos encontrar um meio qualquer para diminuir a constante
dielétrica desta divisão entre uma e a outra célula.
- Que constante é esta?
- A capacidade de isolamento da divisão, foi isto que eu quis dizer. Se conseguíssemos
reduzi-la, o impulso poderia superar a interrupção com maior facilidade. Você poderia pensar
e aprender muito mais depressa.
- Neste caso, deixe-me repetir minha primeira pergunta. Isto funciona?
- Já experimentei o instrumento com animais.
- Com que resultado?
- Bom... a maioria dos animais morre sem muita demora por causa da desnaturação da
proteína cerebral - em outras palavras, uma coagulação como a que se verifica em ovos
cozidos.
Ennius soltou uma espécie de grunhido.
- A ciência requer uma frieza e uma crueldade indescritíveis. O que aconteceu com os
animais que não morreram?
- Os resultados não podem ser considerados conclusivos, pois não se trata de criaturas
humanas. Pela aparência, todos os indícios parecem favorecê-los... Preciso, porém, de
criaturas humanas. Veja, é uma questão de propriedades eletrônicas naturais do cérebro
individual. Todo cérebro produz micro-correntes de um certo tipo. Nenhum tipo pode ser
exatamente igual a um outro. É como nas impressões digitais, ou a rede de vasos sanguíneos
da retina. Aliás, acho que podemos considerá-las até mais individuais. Acredito que o
tratamento terá que ser feito considerando isto, e se estiver certo, não teremos mais
desnaturação... Mas não disponho de criaturas humanas para uma experiência. Já pedi
voluntários, mas... – Gesticulou com as mãos abertas.
- Realmente não posso censurá-los, meu amigo - observou Ennius. - Mas, falando sério...
Caso você consiga aperfeiçoar o instrumento, qual será sua finalidade?
O físico encolheu os ombros.
- Isto não depende de mim. Suponho que a decisão ficará a cargo do Grande Conselho.
- Você não estaria inclinado a colocar este instrumento à disposição de todo o Império?
- Não vejo por que não deveria fazê-lo, mas só o Grande Conselho tem a autoridade para
decidir...
- Seu Grande Conselho que vá para o diabo - exclamou Ennius, impaciente.
- Já tive que tratar com o Grande Conselho em outra oportunidade. Você estaria disposto
a falar com eles numa ocasião apropriada?
- Por que? Que peso poderiam ter minhas palavras?
- Você poderia explicar ao seu Grande Conselho que se a Terra conseguisse produzir um
Sinapseador que pudesse ser usado em criaturas humanas com o máximo de segurança, e se
este Sinapseador fosse colocado ao alcance do resto do Império, algumas restrições que
limitam a emigração para outros planetas poderiam ser eliminadas.
- O quê? - perguntou Shekt, sarcástico. - Quer dizer que vocês estariam dispostos a
enfrentar o risco das epidemias, de todas as nossas diferenças e de nossa não-humanidade?
- Existe até a possibilidade - falou Ennius em voz baixa - de uma remoção em massa para
um outro planeta. Pense nisto.
Neste ponto a porta se abriu e uma moça entrou. Sua presença aliviou um pouco a
- Você me dá licença?
- Sim, é claro.
- Quanto tempo leva a aplicação?
- Receio que dura muito. Algumas horas. Você deseja assistir?
- Não posso imaginar nada que me repugne mais. Amigo Shekt, ficarei na Residência
Estadual até amanhã. Quer me comunicar o resultado? Shekt pareceu aliviado.
- Sem dúvida.
- Ótimo... E pense no que eu disse a respeito do Sinapseador. Pode se tornar seu novo
caminho real para o conhecimento.
Ennius foi embora, sentindo-se menos a vontade que quando chegara, não tinha aprendido
muito, mas em compensação seus temores estavam aumentando.
5 -Um Voluntário Involuntário

Quando o doutor Shekt ficou sozinho, apertou um botão de chamada. Uma jovem técnica,
com seu avental branco e os longos cabelos castanhos amarrados, entrou rápida. O doutor
Shekt perguntou:
- Pola já lhe disse...
- Sim, doutor Shekt. Fiquei a observá-lo através da visichapa e tenho a impressão que
realmente trata-se de um voluntário espontâneo. Não é igual àqueles indivíduos que chegam
aqui na forma costumeira.
- Você acha que deveria avisar o Conselho?
- Não sei o que dizer. O Conselho não aprovaria se a comunicação fosse feita de maneira
normal. Você sabe que todas as ondas podem ser interceptadas.
- Continuou com uma certa urgência: -Que tal, se eu me livrar dele? Posso explicar que
só aceitamos homens com menos de trinta anos. O homem já deve passar dos trinta e cinco.
- Não, não. Acho melhor vê-lo pessoalmente. -A mente de Shekt raciocinava friamente.
Até este ponto, tinha conseguido cuidar de tudo de maneira prudente. Só dera informações
suficientes para dar uma aparência de franqueza, e nada mais. Agora surgiu um voluntário -e
logo depois da visita de Ennius. Haveria uma relação qualquer? Shekt só possuía uma ideia
muito vaga das forças gigantescas e obscuras que estavam começando a se agitar sobre a face
da Terra. Por outro lado, sabia o suficiente. Bastava para saber que estava à mercê deles, e
sabia muito mais do que os Anciões suspeitavam.
Todavia, o que poderia fazer, considerando que sua vida estava duplamente ameaçada?
Dez minutos mais tarde o doutor Shekt, ainda sem saber o que fazer e o fazendeiro ossudo
que se encontrava em sua frente, de chapéu na mão e meio virado para um lado, como para
evitar um exame mais apurado. Shekt logo pensou que não parecia ainda ter atingido os
quarenta anos, mas que a dura vida dos campos não ajudava em manter uma aparência juvenil.
Percebia-se que debaixo da pátina bronzeada pelo sol, as faces do homem eram coradas e sua
testa e têmporas brilhavam pelo suor, apesar da temperatura fresca da saleta. Os dedos se
mexiam sem parar.
- Então, meu rapaz -começou Shekt em tom amável. - Fui informado que você não quis
dar seu nome. Arbin era mesmo muito teimoso.
- Soube que nenhuma pergunta seria feita a um voluntário.
- Hum. Está bem, mas será que você gostaria de dizer uma coisa qualquer? Ou você
simplesmente pretende se submeter ao tratamento sem dizer qualquer coisa?
- Eu? Aqui e agora? - Estava em pânico. - O voluntário é outra pessoa, não sou eu. Nunca

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