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Digestão e absorção de proteínas; Rui Fontes

Digestão e absorção de proteínas e aminoácidos

Índice
1- A estrutura primária das proteínas .................................................................................................. 1
2- A estrutura secundária das proteínas .............................................................................................. 1
3- A estrutura terciária das proteínas .................................................................................................. 2
4- A estrutura quaternária das proteínas ............................................................................................. 2
5- A desnaturação das proteínas ......................................................................................................... 2
6- A estrutura dos aminoácidos........................................................................................................... 3
7- Os aminoácidos que fazem parte das proteínas .............................................................................. 3
8- A selenocisteína e outros aminoácidos que só estão presentes em algumas proteínas................... 4
9- Os aminoácidos como intermediários do metabolismo .................................................................. 4
10- A produção de ácido clorídrico e de bicarbonato no sistema digestivo ...................................... 4
11- A secreção de ácido e o seu papel na digestão gástrica .............................................................. 4
12- A secreção de suco pancreático nas células dos canalículos e nas células acinares pancreáticas
5
13- Papel das exopeptídases e das endopeptídases na digestão das proteínas .................................. 5
14- A ativação do pepsinogénio a pepsina ........................................................................................ 6
15- A ativação dos zimogénios pancreáticos .................................................................................... 6
16- A ação de ectohidrólases na libertação de aminoácidos no lúmen intestinal ............................. 6
17- A absorção intestinal de produtos da digestão proteica .............................................................. 6
18- O transporte transmembranar de aminoácidos e de peptídeos no polo apical dos enterócitos ... 7
19- A hidrólise intracelular de peptídeos e o transporte transmembranar de aminoácidos no polo
basal dos enterócitos .............................................................................................................................. 7
20- A absorção intestinal de proteínas que não foram digeridas....................................................... 7

1- A estrutura primária das proteínas


As proteínas são formadas por resíduos de aminoácidos ligados entre si (numa cadeia linear) por
ligações covalentes que os químicos designam por ligações amida. No caso particular das proteínas (e na
maioria das ligações entre os resíduos aminoacídicos dos peptídeos), essas ligações também se costumam
designar por ligações peptídicas. As ligações peptídicas são ligações amida que envolvem o grupo α-
amina de um aminoácido e o grupo carboxilo (que contém o carbono 1) do aminoácido que o precede na
cadeia (ver Fig. 1). A hidrólise destas ligações leva à separação de grupos carboxilo e α-amina de dois
resíduos de aminoácidos contíguos; consequentemente, a hidrólise completa de uma proteína leva à
separação dos resíduos dos aminoácidos componentes dessa proteína (ver Equação 1). A sequência de
aminoácidos de uma proteína designa-se por estrutura primária e escreve-se pela mesma ordem com que
são incorporados durante a sua síntese nos ribossomas: do aminoácido que contém o grupo α-amina livre
(o terminal amina) até ao aminoácido que está no outro extremo da cadeia e contém o grupo carboxilo do
carbono 1 livre (o terminal carboxilo).

Equação 1 proteína ou peptídeo com n resíduos aminoacídicos + n-1 H2O → n aminoácidos livres

2- A estrutura secundária das proteínas


Numa dada proteína, para além da estrutura primária, existem, pelo menos, mais dois níveis de
estrutura: a estrutura secundária e a terciária. A estrutura secundária diz respeito à forma como os
aminoácidos que estão relativamente próximos na cadeia primária se relacionam entre si no espaço
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tridimensional. Sequências com estruturas tridimensionais tipificadas são as hélices α e as strand β, as


“fitas” β que compõem as folhas pregueadas β. As hélices α e as strand β, assim como as sequências
menos estruturadas de maior (loops ou “alças”) ou menor comprimento (turns ou “voltas”) que ligam as
“sequências mais estruturadas” entre si são componentes da estrutura secundária das proteínas.
Nas hélices α existem ligações hidrogénio (não covalentes) que se estabelecem entre o átomo de
oxigénio de um grupo carboxilo (de uma ligação peptídica) e o átomo de azoto (de outra ligação
peptídica) de resíduos aminoacídicos que estão próximos na sequência aminoacídica (intervalos de quatro
resíduos). A ligação diz-se “hidrogénio” porque há um átomo de hidrogénio (o que está ligado de forma
covalente ao azoto) que estabelece a “ponte” entre o azoto e o oxigénio.
No caso das folhas pregueadas β, o mesmo tipo de ligações une as strand β que são componentes
de uma dada folha pregueada.

3- A estrutura terciária das proteínas


A estrutura terciária das proteínas também se refere à estrutura tridimensional da cadeia
aminoacídica mas, neste caso, diz respeito às relações entre resíduos que estão distantes na cadeia. Ao
contrário do que acontece nas estruturas primária e secundária, as ligações que determinam a estrutura
terciária envolve as cadeias laterais dos aminoácidos, ou seja, a cadeia de átomos que se liga ao carbono α
e que é diferente de aminoácido para aminoácido. Os tipos de ligações que se estabelecem entre as
cadeias laterais de resíduos aminoácidos distantes na cadeia são maioritariamente não covalentes e
incluem ligações iónicas, hidrogénio e hidrofóbicas.
(1) Um exemplo de uma ligação iónica entre cadeias laterais de resíduos aminoacídicos é a que
se pode estabelecer entre o grupo carboxilato do carbono 5 do glutamato (ao pH das células o grupo
carboxílico está desprotonado e, por isso, tem carga negativa) e o grupo amina do carbono 6 da lisina (que
está protonado ao pH das células e, por isso, tem carga positiva).
(2) Um exemplo de uma ligação hidrogénio entre cadeias laterais de aminoácidos é a que se
pode estabelecer entre o átomo de oxigénio do grupo hidroxilo presente no carbono 3 da serina (ou da
treonina) e o átomo de oxigénio do grupo amida do carbono 5 da glutamina (ou do carbono 4 da
asparagina); ver Fig. 2.
(3) As “ligações hidrofóbicas” podem existir entre cadeias laterais hidrofóbicas como as que
existem, por exemplo, nos aminoácidos ramificados, na metionina e na fenilalanina (ver Fig. 2).
(4) Há um tipo de ligação covalente que pode participar na definição da estrutura terciária de
proteínas: a ligação dissulfureto entre dois resíduos de cisteína que sofreram oxidação e perderam
(cada um) um átomo de hidrogénio para um oxidante1.

4- A estrutura quaternária das proteínas


Uma proteína tem estrutura quaternária quando é constituída por, pelo menos, duas cadeias
aminoacídicas que podem ser iguais ou distintas; diz-se, nestes casos, que a proteína é oligomérica. As
ligações entre as diferentes cadeias (as subunidades do oligómero) envolvem as cadeias laterais dos
resíduos aminoacídicos e são, em geral, da mesma natureza das referidas acima para o caso da estrutura
terciária (incluindo as ligações dissulfureto entre cisteínas de subunidades distintas).

5- A desnaturação das proteínas


Quando uma proteína é desnaturada (por aquecimento, ação de detergentes iónicos ou de
solventes orgânicos, de um meio muito ácido ou muito alcalino, de concentrações elevadas de ureia,
agentes redutores, etc.) desaparecem total ou parcialmente as estruturas secundária, terciária e
quaternária, mas não a estrutura primária: a cadeia (ou cadeias) aminoacídica passa a ter, em parte ou no
seu todo, um “enrolamento ao acaso”. Quando uma proteína fica desnaturada perde as suas atividades
biológicas porque a geometria tridimensional dos locais em que interagia com outras proteínas ou outras
moléculas orgânicas ou inorgânicas deixa de existir. Uma outra consequência da desnaturação é que a
proteína em questão passa a ser melhor substrato de enzimas proteolíticas. Na maioria dos casos a
desnaturação é irreversível mas, às vezes, a remoção do agente que provocou a desnaturação e condições
apropriadas permitem que a proteína que foi desnaturada readquira a sua conformação nativa.

1
No plasma sanguíneo existem moléculas de cistina. As moléculas de cistina podem descrever-se como sendo o
resultado da oxidação dos grupos tiol de duas moléculas de cisteína com o consequente estabelecimento de uma ligação
dissulfureto: cisteína-S-S-cisteína.
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6- A estrutura dos aminoácidos


O aminoácido mais simples é a glicina (CH2NH2COOH; com 2 átomos de carbono e 1 de azoto:
2C,1N). A cadeia lateral da glicina é constituída apenas por um átomo de hidrogénio e, porque nenhum
dos carbonos da glicina é assimétrico, não existem enantiómeros da glicina. Com exceção do caso da
glicina, o carbono 2 dos aminoácidos é um carbono assimétrico; ou seja, os quatro substituintes ligados ao
carbono 2 (ou α) são todos distintos: (1) o grupo amina, (2) o carbono carboxílico, (3) um átomo de
hidrogénio e (4) uma “cadeia lateral” que distingue os diferentes aminoácidos entre si. Os aminoácidos
que fazem parte das proteínas são todos α-aminoácidos e, com exceção da glicina, são todos de tipo L2.

7- Os aminoácidos que fazem parte das proteínas


Os aminoácidos podem ser classificados tendo em conta características químicas estruturais da
cadeia lateral (ver Fig. 2.)
Na glicina [2C,1N] e na alanina [3C,1N] a cadeia lateral é muito simples: no primeiro caso é um
átomo de hidrogénio e no segundo um grupo metilo (-CH3).
Nos “aminoácidos ramificados” (o que inclui a valina [5C,1N], a isoleucina [6C,1N] e a
leucina [6C,1N]) a cadeia lateral é uma cadeia alifática ramificada que tem 3 carbonos no caso da valina
e 4 nos casos da leucina e da isoleucina.
Nalguns aminoácidos a cadeia lateral contém grupos hidroxilo e, assim, a expressão
“aminoácidos hidroxilados” refere-se à serina [3C,1N,1OH], à treonina [4C,1N,1OH] e à tirosina
[9C,1N,1OH].
Dois aminoácidos que fazem parte das proteínas contêm átomos de enxofre e, assim, a expressão
“aminoácidos sulfurados” refere-se à cisteína [3C,1N,1S] e à metionina [5C,1N,1S]. A cisteína contém
um grupo tiol (-SH) e a metionina uma ligação sulfureto (C-S-C) que liga um grupo metilo ao resto da
cadeia lateral.
Dois aminoácidos contêm grupos carboxilo no último carbono (o aspartato [4C,1N] e o
glutamato [5C,1N]). Nos valores de pH do meio interno os grupos carboxilo das cadeias laterais dos
ácidos glutâmico e aspártico (pKa de cerca de 4) sofrem protólise e são, de facto, grupos carboxilato
tendo carga negativa. Porque os grupos carboxilo são dadores de protões, o glutamato e o aspartato são
chamados de aminoácidos acídicos.
Há dois aminoácidos que contêm grupos amida (sem carga elétrica) no último carbono: a
asparagina [4C,2N] e a glutamina [5C,2N]. A asparagina distingue-se do aspartato por conter um grupo
amida em vez de um carboxilato no último carbono (o 4); o caso da glutamina em relação ao glutamato é
semelhante mas o carbono em questão é, neste caso, o 5.
Frequentemente os aminoácidos lisina [6C,2N], arginina [6C,4N] e também a histidina [6C,3N]
são associados à expressão “aminoácidos básicos”. A lisina contém um grupo amina no último carbono
(o carbono 6) em que o pKa é 12,5; ou seja, nos valores de pH existentes no meio interno, este grupo
amina está sempre protonado. Uma situação semelhante acontece no caso da arginina: a arginina contém
um grupo guanidina [1C,3N] ligado ao carbono 5. O pKa do grupo guanidina é de 10,8 e, por isso, nos
valores de pH existentes no meio interno, este grupo químico está sempre protonado3.
A expressão “aminoácidos aromáticos” refere-se aos aminoácidos que têm um anel aromático
na cadeia lateral. É o caso da fenilalanina [9C,1N] que tem um anel benzénico [6C], do seu derivado
hidroxilado tirosina [9C,1N,1OH], do triptofano [11C,2N] que tem um anel indol [8C,1N] e da
histidina [6C,3N] que tem um anel imidazol [3C,2N]4. Assim, a tirosina tanto pode ser incluída nos

2
Alguns polipeptídeos bacterianos (incluindo bactérias existentes no lúmen do colon dos seres humanos) contêm
aminoácidos D, mas não existem aminoácidos D nas proteínas bacterianas. Na tradução proteica todos os aminoácidos
incorporados são L (com exceção da glicina que não tem enantiómeros).
3
Na histidina a cadeia lateral contém um anel heterocíclico com 3 carbonos e 2 azotos designado por imidazol. Apesar de
ser costume classificar a histidina como um aminoácido básico, a verdade é que o pKa da forma livre do anel imidazol é
6,0. Assim, é de prever que, ao contrário do que acontece nos casos da arginina e da lisina, a cadeia lateral da maioria das
moléculas livres de histidina estejam na forma desprotonada. Apesar de, na histidina, a forma protonada só predominar
sobre a forma desprotonada quando o pH do meio é inferir a 6, é frequente agrupar-se a histidina com os outros dois
aminoácidos básicos. Uma possível razão para esta classificação poderá ser o facto de, em muitas proteínas, o grupo
imidazol dos resíduos de histidina ter um pKa mais próximo de 7; assim ao pH das células uma grande percentagem dos
resíduos de histidina das proteínas pode estar protonada.
4
Enquanto nos anéis benzénicos (presentes na fenilalanina e na tirosina) os átomos que formam o anel são todos átomos
de carbono, os anéis indol e imidazol dizem-se heterocíclicos porque contêm átomos de carbono e de azoto. O anel indol
(presente no triptofano) pode ser descrito como um anel benzénico ligado a um anel pirrol [4C,1N].
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aminoácidos aromáticos como nos hidroxilados e a histidina tanto pode ser incluída nos aminoácidos
aromáticos como nos básicos.
A prolina [5C,1N] é o único aminoácido presente nas proteínas em que o grupo α-amina é uma
amina secundária: ou seja, o azoto do grupo α-amina liga-se simultaneamente ao carbono α e ao carbono
5 formando um anel heterocíclico com 4 carbonos e 1 azoto5.

8- A selenocisteína e outros aminoácidos que só estão presentes em algumas proteínas


Todos e cada um dos aminoácidos referidos no ponto anterior estão presentes na esmagadora
maioria das proteínas e são incorporados durante o processo de tradução. Curiosamente existe um outro
aminoácido que também é incorporado durante a tradução proteica, mas que só existe em algumas poucas
proteínas (de que é um exemplo a peroxídase do glutatião). Trata-se da selenocisteína [3C,1N,1Se] e,
como o nome indica, é, estruturalmente, muito semelhante à cisteína: a única diferença é que em vez do
átomo de enxofre contém um átomo de selénio. (De facto, também é muito semelhante à serina: em vez
do átomo de oxigénio do grupo hidroxilo tem um átomo de selénio).
Alguns aminoácidos existentes em algumas proteínas não são incorporados durante a tradução.
São exemplos a hidroxiprolina [5C,1N,1OH], a hidroxilisina [6C,2N,1OH] e a metil-histidina [7C,3N].
Estes aminoácidos resultam de modificações químicas (catalisadas por enzimas) que ocorrem durante o
processamento que ocorre após a tradução. O colagénio é a proteína mais abundante no organismo
humano e é rica em resíduos de hidroxiprolina contendo também resíduos de hidroxilisina. As proteínas
mais abundantes nas células musculares (também se designam por fibras musculares) são a actina e a
miosina e, nestas proteínas, muitos dos resíduos histidina estão metilados num dos azotos do anel
imidazol.

9- Os aminoácidos como intermediários do metabolismo


Para além dos aminoácidos referidos acima existem, nas células e no plasma sanguíneo, muitos
outros aminoácidos que são intermediários do metabolismo, mas que não fazem parte de proteínas nem de
polipeptídeos: são exemplos a ornitina, a citrulina, a taurina e o semialdeído do glutamato.

10- A produção de ácido clorídrico e de bicarbonato no sistema digestivo


Para além de serem importantes constituintes das células e do espaço extracelular, as proteínas
são também importantes componentes da dieta. Na dieta ocidental típica, ingerem-se cerca de 100 g de
proteínas/dia e as proteínas constituem cerca de 15% do valor calórico total. Tal como os glicídeos e os
lipídeos, também as proteínas da dieta são hidrolisadas durante o processo digestivo por ação catalítica de
enzimas. O ambiente em que as enzimas digestivas atuam também é importante e, neste contexto, tem
importância a secreção de ácido clorídrico pelas células parietais do estômago e a neutralização deste
ácido pelo bicarbonato (HCO3-) presente no suco pancreático e na bílis.

11- A secreção de ácido e o seu papel na digestão gástrica


O ácido clorídrico é segregado nas células parietais do estômago podendo o pH do estômago
ser da ordem de 1-2. O processo envolve a conversão do CO2 em ácido carbónico por ação catalítica da
anídrase carbónica (ver Equação 2) e a subsequente dissociação do ácido carbónico (protólise) em
bicarbonato + protão no citoplasma das células parietais (ver Equação 3). No polo apical (luminal) destas
células a ATPase do H+/K+ catalisa a troca de H+ que sai (contra gradiente) por K+ que entra (também
contra gradiente); a componente exergónica do processo é a hidrólise do ATP. No transporte de Cl- do
sangue para o lúmen estão envolvidos transportadores: no polo basal (contraluminal) existe um antiporter
que troca Cl- (que entra para a célula) por HCO3- (que sai para o sangue); no polo apical existe um canal
iónico que permite a saída do Cl- para o lúmen. Assim, quando as células parietais são estimuladas a
segregar ácido clorídrico, o bicarbonato que resultou da dissociação do ácido carbónico vai alcalinizar o
plasma sanguíneo. As células que forram o estômago não são normalmente agredidas pelo ácido porque
estão protegidas pelo muco (que é rico em mucina, uma glicoproteína muito resistente à ação hidrolítica
das protéases).

5
Nalguns livros de texto a prolina é classificada como sendo um iminoácido. Na opinião do autor deste texto, a expressão
não é adequada porque num grupo imina existe um átomo de azoto ligado a um átomo de carbono através de uma ligação
dupla e não é isto que acontece na prolina.
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Equação 2 CO2 + H2O ↔ H2CO3


Equação 3 H2CO3 ↔ H+ + HCO3-

O pH ácido do estômago tem importância na digestão gástrica porque é o pH adequado para a


ação das enzimas que aqui atuam (lípase gástrica e pepsina) e provoca desnaturação das proteínas da
dieta facilitando o acesso das enzimas à cadeia aminoacídica destas proteínas. A estimulação da secreção
ácida resulta de estímulos nervosos (via nervo vago), da ação parácrina da histamina (sintetizada por
células, designadas por enterocromafins, localizadas por debaixo da mucosa gástrica) e da hormona
gastrina. A gastrina é sintetizada por células endócrinas localizadas na mucosa gástrica e, para além de
estimular a secreção de ácido, também estimula a secreção das enzimas digestivas gástricas por células
que são designadas por células principais.

12- A secreção de suco pancreático nas células dos canalículos e nas células acinares
pancreáticas
Ao contrário da lípase gástrica e da pepsina, as enzimas que atuam no lúmen do duodeno e do
intestino têm pHs ótimos próximos da neutralidade. No lúmen do duodeno o ácido do estômago é
neutralizado pelo HCO3- dos sucos pancreático e biliar produzindo-se ácido carbónico que rapidamente
(mesmo na ausência de anídrase carbónico) se converte em CO2 e H2O (ver Equação 3 e Equação 2). O
CO2 é um gaz que passa por difusão simples (não mediada) para o sangue e acaba por sair do organismo
nos pulmões. O pH 7-8 do lúmen intestinal é adequado para a ação das enzimas digestivas
pancreáticas e intestinais.
O bicarbonato é sintetizado e segregado num processo em que também participa a anídrase
carbónica (ver Equação 2 e Equação 3) e que ocorre nas células dos canalículos pancreáticos. Tal como
nas células parietais do estômago, através da ação da anídrase carbónica e a subsequente protólise
formam-se protões e iões bicarbonato no citoplasma das células (ver Equação 2 e Equação 3). No entanto,
ao contrário do que acontece nas células parietais, o bicarbonato sai no polo luminal (via trocador Cl-
/HCO3-) sendo um componente do suco pancreático, enquanto o protão sai para o sangue no polo basal
via transporte ativo primário ou secundário.
O estímulo para a secreção de bicarbonato tem origem na secretina, uma hormona sintetizada por
células endócrinas situadas no epitélio intestinal. A secretina também tem ação estimuladora na secreção
exócrina pancreática de enzimas digestivas mas, neste papel, tem maior relevância a colecistocinina. A
colecistocinina é uma outra hormona sintetizada por outras células endócrinas situadas no mesmo epitélio
intestinal e, para além de estimular a secreção de enzimas digestivas pancreáticas (pelas células acinares
do pâncreas), também estimula a contração da vesícula biliar e a consequente descarga de bílis no lúmen
duodenal. A síntese destas duas hormonas é estimulada pela presença de oligopeptídeos no lúmen
duodenal; estes oligopeptídeos resultaram da ação da pepsina nas proteínas da dieta.

13- Papel das exopeptídases e das endopeptídases na digestão das proteínas


Na digestão das proteínas que, num dado momento, estão presentes no lúmen do tubo digestivo
participam protéases (hidrólases de proteínas) com origem nas células principais do estômago (pepsina),
nas células acinares pancreáticas (tripsina, quimotripsina, elástase e carboxipeptídase A e B) e nos
enterócitos (aminopeptídases e dipeptídases). Por ação destas enzimas ocorre rotura das ligações
peptídicas das proteínas gerando-se peptídeos com tamanho cada vez menor e, no final do processo,
aminoácidos.
A pepsina, a tripsina, a quimotripsina, a elástase e a enteropeptídase (ver abaixo) dizem-se
endopeptídases porque catalisam a rotura de ligações peptídicas situadas no “interior” da estrutura
primária dos seus substratos. Pelo contrário, as carboxipeptídases (libertam o aminoácido da extremidade
carboxílica), as aminopeptídases (libertam o aminoácido da extremidade amina) e as dipeptídases dizem-
se exopeptídases porque atuam em ligações peptídicas das extremidades e da sua ação catalítica resulta a
libertação de aminoácidos.
Embora sejam muito inespecíficas no que se refere aos seus substratos, cada uma das enzimas
proteolíticas atua preferencialmente em ligações peptídicas que envolvam determinados aminoácidos e
estas “preferências” são diferentes de enzima para enzima 6 . As protéases e peptídases digestivas são

6
A pepsina atua preferencialmente em ligações peptídicas em que o aminoácido que participa com o grupo carboxilo é
um aminoácido aromático e hidrofóbico (concretamente o triptofano, tirosina, fenilalanina ou leucina); ou seja, se
representarmos a proteína alvo pela sequência AA(1-N terminal)-…-AA(x-1)-AA(x)-…-AA(carboxilo terminal), a pepsina tem
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capazes de catalisar a hidrólise das proteínas da dieta, das proteínas que fazem parte das células da
mucosa que “descamam” (em constante renovação), assim como das próprias enzimas digestivas (que
também são proteínas7). De facto, se admitirmos uma ingestão diária de cerca 60-80 g de proteínas na
dieta, uma massa semelhante de proteínas endógenas é diariamente vertida no lúmen digestivo e apenas
uma fração menor (o equivalente a cerca de 10 g de proteínas/dia) de produtos de origem proteica aparece
nas fezes [1]. A maior parte do azoto das fezes é constituinte das proteínas das bactérias que povoam o
intestino grosso. Estas bactérias usam os produtos nitrogenados que escaparam à absorção no intestino
delgado como substratos do seu metabolismo aminoacídico e para a sua síntese proteica [2].

14- A ativação do pepsinogénio a pepsina


A pepsina é segregada no estômago como um zimogénio inativo (pepsinogénio) que, em
contacto com o pH ácido do estômago, se hidrolisa gerando a enzima ativa (pepsina) e um polipeptídeo
inativo (ver Equação 4). A separação do polipeptídeo torna o centro ativo da enzima acessível aos seus
substratos. A ativação do pepsinogénio também ocorre por autocatálise: a própria pepsina tem atividade
hidrolítica sobre o pepsinogénio promovendo a ativação deste a pepsina.

Equação 4 zimogénio + H2O → enzima ativa + polipeptídeo inativo

15- A ativação dos zimogénios pancreáticos


As protéases de origem pancreática também são segregadas como zimogénios inativos; são o
tripsinogénio, o quimotripsinogénio, a pró-elástase e as pró-carboxipeptídases A e B. No duodeno e
jejuno proximal, a enteropeptídase (às vezes impropriamente designada por enteroquínase) catalisa a
hidrólise do tripsinogénio levando à formação de tripsina (ver Equação 4). (A enteropeptídase é uma
endopeptídase e, por isso, na sua ação sobre o tripsinogénio, resulta a tripsina e um polipeptídeo inativo.)
A tripsina formada vai, por sua vez, catalisar a hidrólise do quimotripsinogénio, da pró-elástase e das pró-
carboxipeptídases A e B levando à formação de enzimas ativas, que se designam, respetivamente, por
quimotripsina, elástase e carboxipeptídases A e B (ver Equação 4).
Até há pouco tempo pensava-se que, à semelhança do que acontece no caso do
pepsinogénio/pepsina, a tripsina podia hidrolisar a ligação peptídica que leva à conversão de tripsinogénio
em tripsina, mas não é essa a convicção atual; esta conversão é estritamente dependente da ação da
enteropeptídase [2]. A enteropeptídase é uma ectohidrólase que está “ancorada” na membrana apical dos
enterócitos do intestino delgado proximal com o centro ativo voltado para o lúmen. Esta localização faz
com que a ativação do tripsinogénio e a consequente ativação dos outros zimogénios apenas ocorra no
lúmen do tubo digestivo prevenindo a autodigestão do pâncreas.

16- A ação de ectohidrólases na libertação de aminoácidos no lúmen intestinal


Da ação combinada das enzimas proteolíticas pancreáticas e da pepsina resultam alguns
aminoácidos livres e polipeptídeos, mas a digestão destes últimos continua por ação de outras
ectohidrólases (aminopeptídases e outras peptídases) que, tal como a enteropeptídase, estão ancoradas
na membrana apical dos enterócitos8. (A fosfátase alcalina é também uma ectohidrólase da membrana dos
enterócitos que catalisa a desfosforilação hidrolítica de fosfoproteínas.) Estes processos podem levar à
formação de aminoácidos livres no lúmen intestinal, mas a absorção pode ocorrer em fases menos
avançadas da digestão das proteínas [3].

17- A absorção intestinal de produtos da digestão proteica


A absorção ocorre nos enterócitos, cuja membrana apical tem múltiplas projeções em forma de
“dedo” que se designam por microvilosidades: ao conjunto dá-se o nome de bordadura em escova. Por

preferência por ligações peptídicas AA(x-1)-AA(x) em que o aminoácido AA(x-1) é um dos aminoácidos listados acima. No
caso da quimotripsina a preferência é semelhante. No caso da tripsina o aminoácido AA(x-1) é a arginina ou a lisina e no
caso da elástase é a glicina, a alanina ou a serina.
7
As enzimas digestivas são extensamente glicosiladas e isto faz com que sejam relativamente maus substratos da ação
digestiva; por isso, a sua hidrólise ocorre de forma relativamente lenta e a sua inativação é tardia.
8
É frequente dizer-se que o suco intestinal produzido por diferentes tipos celulares presentes no epitélio intestinal
(glândulas de Brunner incluídas) contém enzimas digestivas. O mais provável é que a atividade enzimática presente no
suco intestinal resulte apenas da renovação celular dos enterócitos que é muito rápida (renovação completa numa
semana). Os enterócitos que “descamam” para o lúmen intestinal e se misturam com o muco e outros componentes do
suco intestinal ainda contêm enzimas, incluindo ectohidrólases e peptídases citoplasmáticas envolvidas na digestão.
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sua vez, os enterócitos e outras células do epitélio intestinal formam uma camada epitelial contínua que
limita projeções digitiformes que se designam de vilosidades intestinais. Quer as microvilosidades quer as
vilosidades intestinais contribuem para aumentar enormemente a área de absorção. A absorção das
proteínas é um processo complexo podendo fazer-se na forma de aminoácidos, de dipeptídeos, de
tripeptídeos ou mesmo de proteínas inteiras.

18- O transporte transmembranar de aminoácidos e de peptídeos no polo apical dos enterócitos


No polo apical dos enterócitos, o transporte dos aminoácidos envolve vários simportes em que,
na maioria dos casos, o Na+ é cotransportado com os aminoácidos (transporte ativo secundário em que o
componente exergónico é o transporte de Na+)9.
No caso dos di- e tripeptídeos o único transportador conhecido é um simporte peptídeo/H+
(PEPT1; da expressão inglesa “peptide transporter 1”) altamente inespecífico relativamente aos
aminoácidos constituintes do peptídeo transportado [3]. Os protões presentes no lado luminal da
membrana apical dos enterócitos e que entram para os enterócitos via PEPT1 resultaram da ação de um
trocador Na+/H+ que catalisa a troca de um protão que sai para o lúmen por um ião Na+ que entra a favor
do gradiente eletroquímico. Os di- e tripeptídeos entram a favor do gradiente: a sua concentração
intracelular é sempre baixíssima pois sofrem hidrólise imediata originando aminoácidos no citoplasma
dos enterócitos.

19- A hidrólise intracelular de peptídeos e o transporte transmembranar de aminoácidos no


polo basal dos enterócitos
Os di- e tripeptídeos e outros peptídeos incompletamente digeridos que foram absorvidos são
maioritariamente hidrolisados por diversas peptídases do citoplasma dos enterócitos.
No polo basal dos enterócitos os múltiplos sistemas transportadores de aminoácidos são distintos
dos que existem no polo apical e, na maioria dos casos, são uniportes, não envolvendo cotransporte de
iões inorgânicos. Na maioria dos casos, os aminoácidos que entraram para os enterócitos ou foram aí
libertados via hidrólise de peptídeos entram na corrente sanguínea através do sistema porta hepático. No
entanto, alguns aminoácidos (com particular destaque para a glutamina) são, em grande parte, oxidados
nos enterócitos sendo aqui importantes nutrientes do ponto de vista energético [3]. O transporte catalisado
pelos uniportes da membrana basal é passivo, ou seja, o sentido em que ocorre depende do gradiente de
concentrações: participam na absorção de aminoácidos dos enterócitos para o sangue mas, em condições
metabólicas em que os enterócitos estão a consumir aminoácidos presentes no plasma sanguíneo,
catalisam o transporte de aminoácidos em sentido inverso.

20- A absorção intestinal de proteínas que não foram digeridas


Apesar de existirem enzimas capazes de hidrolisar completamente as proteínas da dieta, algumas
moléculas escapam ao processo e podem aparecer intactas no plasma sanguíneo. A absorção de proteínas
inteiras pode ocorrer por dois mecanismos. Um deles, designado por transcitose, envolve a endocitose no
polo luminal dos enterócitos e a subsequente exocitose no polo basal. O outro, designado por transporte
paracelular, envolve a passagem das moléculas proteicas através dos espaços entre os enterócitos; isto
pode ocorrer quando há lesão das junções impermeáveis (tight junctions) que normalmente impedem esta
passagem.
A entrada de moléculas proteicas do lúmen intestinal para o sangue é mais frequente nos bebés
que nos adultos e permite que os anticorpos presentes no leite materno desempenhem um papel na
proteção do bebé. No entanto, uma outra consequência é a maior propensão para a ocorrência de alergias
alimentares nos bebés.

1. Matthews, D. E. (2006) Proteins and aminoacids in Modern Nutrition in Health and Disease (Shils, M. E., ed) pp. 23-61,
Lippincott, Phyladelphia.
2. Moughan, P. & Stevens, B. (2013) Digestion and absorption of proteins in Biochemical, physiological and molecular aspects of
human nutrition (Stipanuk, M. H. & Caudill, M. A., eds) pp. 162-178, Elsevier, St. Louis.
3. Daniel, H. (2004) Molecular and integrative physiology of intestinal peptide transport, Annu Rev Physiol. 66, 361-84.

9
No caso de aminoácidos com carga global positiva (como a arginina e a lisina) o transporte pode não depender do Na+,
mas depende também da ação da ATPase do Na+/K+: a energia envolvida no processo é o potencial elétrico negativo no
interior das células (criado pela ATPase do Na+/K+) que atrai os aminoácidos com carga global positiva.
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Digestão e absorção de proteínas; Rui Fontes

Fig. 1. O tetrapeptídeo seril-valil-alanil-glicina. Os peptídeos são designados nomeando os aminoácidos


constituintes da extremidade amina até à extremidade carboxilo. Com exceção do aminoácido da extremidade
carboxilo os outros aminoácidos são referidos substituindo os seus nomes pelos respetivos acilos. Por exemplo
em vez de alanina escreve-se alanil, em vez de valina escreve-se valil, etc; a alanil-glicina é um dipeptídeo que
contém o grupo carboxilo da alanina ligado por uma ligação peptídica à glicina.

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Digestão e absorção de proteínas; Rui Fontes

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Fig. 2: Vinte aminoácidos dos 21 aminoácidos que são incorporados nas proteínas durante a
tradução. O aminoácido que não está representado é a selenocisteína; é semelhante à cisteína
contendo uma átomo de selénio (Se) em vez de enxofre (S).

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