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Universidade Federal Da Paraíba

Centro De Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento De Psicologia

Disciplina: Ética Profissional

Professora: Dr. Fátima Baracuhy

Reflexão sobre o sigilo do psicólogo

Gilvan Santana Santos Júnior

João Pessoa
Abril de 2019
Gilvan Santana Santos Júnior

Reflexão sobre sigilo do psicólogo

Trabalho realizado como requisito da


obtenção da 3º nota da disciplina Ética
profissional, ministrada pela Prof: Fátima
Baracuhy

João Pessoa

Abril de 2019
Introdução

A profissão do psicólogo no setting clínico tem como característica sui


generis o conhecer da intimidade ou confidencialidades das pessoas. As
informações recebidas por um psicólogo devem ser protegidas, pois ele deve
obedecer a ordenamentos jurídicos e éticos decorrentes da profissão. Desta
forma o psicólogo é alguém que deve observar os princípios da intimidade e da
vida privada.
O direito a vida privada está resguardado pela declaração universal dos
direitos humanos em seu Art 12:

Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em


seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo
ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataque.
(Declaração universal dos direitos humanos, art. 12)

Bem como a constituição federal de 1988:

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,


assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação” (Constituição Federal de 1988, art. 5º, Inc. X)

O código de ética do psicólogo na parte dos princípios fundamentais da


profissão em seu inciso 1º versa que o psicólogo apoiará seu trabalhado “nos
valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos”. É
necessário, deste modo, dada a importância da privacidade defini-la, ela é o
“conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob
seu exclusivo controle ou comunicar, decidindo a quem quando, onde em que
condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito” (2005, p. 4, ARAUJO apud
PEREIRA apud SILVA, 1999, p.209).

Decorre-se desse princípio a função do psicólogo em guardar com


determinação as informações que ele recebe sobre a vida de seus pacientes. Tal
determinação protege tanto o cliente quanto o profissional, pois o cliente terá
garantias que poderá relatar o que quiser a respeito da sua vida será mantido
em sigilo. Seria bastante prejudicial a profissão se o sigilo não fosse garantido,
pois informações importantíssimas para o tratamento não seria confidenciada ao
psicólogo.
Tendo em vista que o código de ética rege o princípio do sigilo em seus
artigos 6º, 9º, 10, 11,12, 13 e 14, na parte das responsabilidades do psicólogo,
o presente trabalho proporá uma reflexão de como o psicólogo deve guardar tais
artigos no setting clínico.

O código de ética é de natureza reflexiva

É importante salientar para embasar a proposta da reflexão que o código


de ética de 2005 não é fundamentalmente de caráter prescritivo, mas reflexivo,
segundo consta na apresentação deste na alínea d. da apresentação o na sua
construção buscou-se:

d. Estimular reflexões que considerem a profissão como um todo e não em suas


práticas particulares, uma vez que os principais dilemas éticos não se restringem
a práticas específicas e surgem em quaisquer contextos de atuação. (Código de
ética do psicólogo 2005, apresentação, alínea d)

Como também “oferecer diretrizes para a sua formação [do psicólogo] e


balizar os julgamentos das suas ações” (código de ética do psicólogo 2005, p.6)
Marcia Amendola faz uma análise histórica em um artigo dos quatro
códigos de éticas que os psicólogos tiveram e ressalta esse caráter não
prescritivo e reflexivo do código atual:

Comparado aos demais, este novo Código (atualmente em vigor) é bastante


reduzido, tendo eliminado alguns artigos e alíneas e, por conseguinte, deixando
de tratar alguns temas de forma mais específica e direta, para se tornar um
instrumento com princípios mais gerais e amplos, com a finalidade de permitir a
discussão e reflexão da profissão como um todo. De modo geral, esta foi a
intenção do Código: deixar de ser um instrumento fundamentalmente prescritivo
para ser um Código que permita o exercício do pensamento, possibilitando a
ética se fazer presente, enquanto associada à prática profissional. (Marcia, 2014
p.17)
Ana Bock a presidente do CFP quando foi escrito o código de ética
descreve como ele deve ser utilizado pelo psicólogo:

Esclarece-se que é importante não absolutizar o Código de Ética, pois pode


haver interpretações diversas sobre as regras que estão postas, aliás, é por este
motivo que existe o julgamento, porque, se fosse absolutamente claro, não
haveria a necessidade de se julgar, era só aplicar as regras. É necessária a ideia
de se ter o Código como um orientador para se debaterem questões referentes
à ética profissional, à infração ao Código, ao tipo de conduta de infração que tem
sido encontrada, entre outros aspectos (Bock, 2008, p.101).

Deste modo o código deve ser utilizado como ferramenta para a tomada
de decisões. O psicólogo confronte os dilemas, inimagináveis, que enfrentará na
prática da profissão terá que refletir qual é a melhor decisão a ser colada em
prática. Dentro da escolha do psicólogo existe variados casos em que será
facultativo, a quebra do sigilo, no setting clínico, o terapeuta poderá optar em
algumas situações pela quebra da confidencialidade e outras que é ético romper
com o sigilo.
A problemática de tais casos de quebra de sigilo exige uma reflexão
profunda que emerge do fato de que o relato do paciente pode ser fruto da sua
imaginação, por causa dessa possibilidade Ferreira (1978, p.38) conclui que o
“sigilo nunca se quebra”. Embora tenha-se tal determinação como regra é
coerente afirmar que existe casos, garantidos pela lei e código de ética, que é
ético quebra o sigilo. Isto baseado no princípio de “menor prejuízo” art. 9º.

Situações que a quebra do sigilo é possível

O código de ética do psicólogo resguarda que o psicólogo pode quebrar


o sigilo, nos artigos 6º alínea b, 10, 11, 12 e 13:

Art. 10 — Nas situações em que se configure conflito entre as exigências


decorrentes do disposto no Art. 9° e as afirmações dos princípios fundamentais
deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá
decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único — Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo,
o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente
necessárias.
Art. 11 — Quando requisitado a depor em juízo, o psicólogo poderá prestar
informações, considerando o previsto neste Código.
Art. 12 — Nos documentos que embasam as atividades em equipe
multiprofissional, o psicólogo registrará apenas as informações necessárias para
o cumprimento dos objetivos do trabalho.
Art. 13 — No atendimento à criança, ao adolescente ou ao interdito, deve ser
comunicado aos responsáveis o estritamente essencial para se promoverem
medidas em seu benefício.

De acordo com o disposto existe situações que o psicólogo poderá, agindo


eticamente, abrir mão do sigilo. Será analisado abaixo alguns casos, pois não é
possível compreender a universalidade de possibilidades, por isso cabe a
reflexão. Retomando, o sigilo poderá ser descumprindo: quando o psicólogo
trabalhar em equipe multidisciplinar; quando há suspeita de risco à vida do
paciente ou de terceiros; quando há violência doméstica em curso, negligência
ou abuso de incapaz; quando o psicólogo recebe uma ordem judicial.
Antes de adentrarmos em tais pontos vale pontuar que se no setting
clínico o psicólogo tiver informação de crimes cometidos pelo paciente, não é
dever dele denunciá-los. Os crimes cometidos pelo mesmo devem ficar
confidenciados e a finalidade do terapeuta é tratar os problemas enfrentados
pelo seu cliente. O profissional nesses casos deve ficar atento a crimes que o
seu atendido planeja cometer no futuro.

Quando o psicólogo trabalha em equipe multidisciplinar

O artigo 6º na alínea b, versa como o psicólogo deve agir em tal situação:

b) compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço


prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando
a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.
O CRP de São Paulo consta uma denúncia de um psicólogo ético em que
o profissional não cuidou do aspecto ético do sigilo, ele passou informações do
paciente que não era necessário para o tratamento. O prejuízo de tal atitude
antiética foi o abandono do tratamento multidisciplinar do paciente.

Quando há suspeita de risco à vida do paciente ou de terceiros

Em relação a sujeitos com ideação suicida é importante que a família


tenha tal informação, o que por sua vez ajudará no tratamento do paciente não
o deixando sozinho. A questão fundamental nesse quesito é que a finalidade do
profissional é proteger a pessoa atendida, a quebra do sigilo nesse caso
obedecendo o princípio do menor prejuízo é a melhor decisão. É preferível a
morte do sigilo do que a morte do paciente. Como escreve Zana, Augusta e
Kovacs, Maria (2013, p.6):

Em casos excepcionais, é considerada a possibilidade de decisão do Psicólogo


pela quebra do sigilo, pautado pela análise crítica e criteriosa da situação, tendo
em vista os princípios fundamentais da ética profissional, buscando o menor
prejuízo. É preciso analisar a situação à luz do próprio Código de Ética
considerado como um todo, por envolver um conjunto de fatores a serem
verificados: motivo da quebra de sigilo, circunstâncias em que pode ocorrer e
modo de proceder do profissional.

Uma pessoa que planeja se matar busca um psicólogo no intuito de


resolver esse conflito. Para isso é estabelecido um vínculo estreito de confiança
psicólogo-paciente em que este poderá solicitar aquele em qualquer momento
que sentir necessidade a fim de prestar informações íntimas a respeito de si.
A confiança do paciente com o terapeuta pode ser afetada pela quebra do
sigilo, por isso é interessante o psicólogo estabelecer com o tratando um
consenso de informações importantes que poderá ser prestada a família. E esta
por sua vez deve ser igualmente orientada pelo psicólogo no entendimento do
que é a ideação suicida. Assim será possível prestar um atendimento ético e
eficaz ao atendido.

Quando há violência doméstica em curso, negligência ou abuso de


incapaz

Em casos que há violência contra criança é compulsória a notificação ao


órgão competente. Nesses casos o que é considerado uma falta de ética é o
profissional não notificar. Como bem coloca o CRP de São Paulo “Em casos de
violência contra crianças, a notificação compulsória é um dever ético”. A
notificação é obrigatória e não a investigação, o psicólogo não é o responsável
por investigar o caso, esse é o dever do órgão competente.

O profissional de psicologia tem a formação adequada para analisar nas


crianças situações que elas estão sendo vítimas da violência escolar ou
doméstica. O comportamento do infante alinhado a lesões físicas em várias
localidades entregam que por trás existe um agressor.

Um guia feito pelo CRP de Santa Catarina orienta como deve


proceder o psicólogo que “durante o acompanhamento, toma conhecimento de
situação de abuso ou violência sexual (crianças, adolescentes, idoso, pessoa
com deficiência” deve notificar a entidade responsável:

Destaca-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990) dispõem


em seus artigos 13 e 245 sobre a notificação compulsória das situações de
violação de direitos das crianças e adolescentes por parte dos profissionais,
incluindo-se entre estes as/ os psicólogas/os. Tal obrigatoriedade é corroborada
pela Portaria Nº 104 do Ministério da Saúde que dispões sobre a notificação
compulsória, incluindo a violência doméstica/sexual e/ou outras violências.
(CRP-SC-12, Guia para o Exercício Profissional da Psicologia, 2015, p. 17)

Também ressalta o código de ética em seu 10º artigo salientando que não
é uma violação ao sigilo profissional, pois é imposto pela legislação tal ação.
Depois de analisar tais aspectos cabe uma pergunta importante: Como
proceder em relação a pessoas com propensão a pedofilia e que já tenha
abusado de crianças que recorreu a ajuda psicológica?
Nesses casos o psicólogo deve considerar passado todas as informações
que o tratando confidenciou. Aquele sujeito buscou a ajuda profissional com a
finalidade de tratar seu problema, o psicólogo tem as ferramentas necessárias
para tal propósito. Contudo, se mediante o tratamento a pessoa continua
demonstrando comportamento de abusar as crianças o psicólogo deve
denunciá-lo, sem reservas.

Quando o psicólogo recebe uma ordem judicial

O psicólogo consoante o exercício da sua profissão pode ser intimado


para esclarecer sobre o documento emitido por ele. Nesses casos vale ressaltar
que o profissional não tem a obrigação de responder judicialmente, é facultativo.
O código de ética torna possível a tomada de decisão de se irá prestar a
informação ou não. Optando em comparecer ao tribunal, ele só informará o que
é estritamente necessário. Um exemplo seria quando o psicólogo é solicitado
para atestar a saúde mental de um paciente seu.
O guia para o exercício da profissão da psicologia do CRP-SC orienta
como proceder mediante uma intimação:

O Código de Ética Profissional do Psicólogo, nos artigos 10 a 14 faz


referência à possibilidade de “depor em Juízo”, e possibilita as (os) psicólogas
(os) a fornecer informações que possam contribuir com o trabalho da Justiça
sempre que se fizer necessário, comunicando apenas o estritamente necessário
para que se promovam medidas em benefício dos envolvidos, ou seja, para a
garantia da proteção integral de crianças/adolescentes e de outras pessoas que
tiveram seus direitos violados. (CRP-SC-12, Guia para o Exercício Profissional
da Psicologia, 2015, p.7)

Conclusão
O exercício da psicologia apresentará várias situações em que o
psicólogo terá que passar por uma tomada de decisão. O código de ética do
psicólogo é uma ferramenta que auxiliará o profissional a refletir na melhor
escolha possível mediante os embates que surgirão ao longo da experiência
clínica. Um grande dilema que aparecerá na carreira do terapeuta é a questão
do sigilo profissional. Foi apresentada situações que a quebra do sigilo é uma
escolha viável e outra que é uma prescrição da legislação brasileira.
Cada situação que o sigilo poderá ser quebrado é única, não dá para
normatizar as possibilidades do cotidiano. O caráter singular da vida faz com que
a tomada de decisão passe pela responsabilização da mesma, por isso refletir
os princípios que estão em todo código, nos guias dos CRPs e nas resoluções
do CFP ajudarão o profissional a ser mais consciente da sua responsabilidade.
É necessário que os graduandos e graduados de psicologia tenham uma
formação acadêmica e pessoal que seja suficiente para um agir ético. Assim os
embates da profissão será uma tarefa enfrentada com coragem e
responsabilidade.

Psicologia para quem? E para que?

A psicologia é uma ciência que serve o ser humano em diversas


dimensões, dentre as quais a clínica. Dessa forma é necessário um exercício
profundo de reflexão dos seus agentes na promoção da saúde psicológica, pois
o dilema ética poderá aparecer e a melhor decisão passará pelo crivo do para
“para quem?” é a psicologia. Assim a psicologia pode proteger o homem de ser
um risco para si mesmo e para os outros, tal ciência nos leva a descoberta do
outro em si. Através da aplicação da psicologia pode se evitar danos físicos e
psicológicos. Desta forma o “para que? ” Da ciência é promover pesquisas que
levarão a cada vez mais a um conhecimento mais aprofundado “do ser humano”
trazendo assim melhoria na qualidade de vida do indivíduo e da coletividade.
Referências

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